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A Inquisição na Espanha -

Conclusão.
CARLOS FREDERICO COELHO NOGUEIRA, procurador de Justiça
aposentado (São Paulo), advogado criminal e professor de Direito Penal e
Processo Penal no CPC-SP.

Durante a "era Torquemada", em 31 de março de 1492, Fernando de


Aragão e Isabel de Castela assinaram um decreto expulsando os judeus do
território espanhol, devendo eles deixar no país seu ouro e seu dinheiro.
Escaparam apenas da punição os judeus batizados ("marranos").

No séc. XVI, os tribunais inquisitoriais fixos eram 14, em território


espanhol, e as cidades que possuíam inquisidores eram: Toledo, Sevilha,
Valadolid, Granada, Córdoba, Múrcia, Llerena, Cuenca, San Tiago de
Compostela (para a qual muitos condenados peregrinavam em cumprimento
de pena), Logroño, Zaragoza, Barcelona, Santa Cruz de Tenerife, Valência e
Maiorca.

A tortura foi utilizada em larga escala, quando o acusado caísse em


contradições ou se negasse a confessar desde logo suas heresias.

Tendo em vista a antiga parêmica Ecclesia abhorrat sanguinem ("A Igreja


tem horror ao sangue"), os suplícios não podiam ostentar caráter cruento.
Um dos mais utilizados era o da água, ao lado do "polé" e dos "cordeles"
(cordas progressivamente apertadas em torno dos braços e das coxas).

A preparação para a tortura era terrível: o condenado era convidado a


confessar, mediante súplicas, ameaças e até pela demonstração do
funcionamento dos instrumentos de suplício.

Se confessasse durante o tormento, seguia-se a condenação. Se suportasse as


dores, poderia ser absolvido, comprometendo-se, todavia, a nada contar a
terceiros sobre o sofrimento por que passara.

Como a tortura somente podia ser infligida uma vez, os inquisidores


recorriam ao subterfúgio do "adiamento" da sessão, para "prosseguimento"
posterior.

As penas eram: jejuns obrigatórios, peregrinações, proibições de


permanência em certos lugares, práticas religiosas obrigatórias, prisão
(inclusive domiciliar), utilização do sambenito (hábito em forma de saco, de
cores amarela e vermelha, que se enfiava pela cabeça), as galeras, as
flagelações e a morte pelo fogo.

Os hereges relapsos (reincidentes) eram lançados diretamente ao fogo. Os


reconciliados (que abjuravam a heresia na hora da morte) eram
primeiramente estrangulados pelo carrasco, e seus corpos eram jogados já
sem vida na fogueira.

A maioria dos autos-de-fé, entre os quais os mais grandiosos, era realizada


na Plaza Mayor, de Madrid.

Ainda no séc. XVI, foram instituídos os crimes de judaísmo e de


maometanismo, tendo ocorrido intensa perseguição aos adeptos da Reforma
protestante, a qual, por sinal, não logrou sucesso em terra espanhola graças
à Inquisição.

Entre os reformistas, os mais visados foram os erasmitas, adeptos de Erasmo


de Rotterdam, os luteranos e os intimistas, que renegavam qualquer tipo de
culto externo, desprezavam as riquezas da Igreja e pregavam o colóquio
íntimo e direto com Deus, sem intermediários.

Também os místicos foram duramente reprimidos, como os alumbrados


(iluminados), que se diziam ofuscados por luz interior, e os dejados por
amor de Diós ou quietistas, que passavam horas e até mesmo dias em imóvel
contemplação divina. As beatas, que viviam de esmolas e consideravam-se
portadoras de dons proféticos, também foram alvo constante dos processos
inquisitoriais

Até entre os jesuítas foram encontrados místicos, em 1579, em Estremadura.

Uma beata condenada por orgias libidinosas, Eugenia de la Torre, foi


queimada em Toledo.

Nem mesmo Ignácio de Loyola, fundador da Companhia de Jesus, escapou


das suspeitas da Inquisição, que o processou e acabou absolvendo-o . As
suspeitas em questão dirigiram-se aos seus Exercícios Espirituais, que alguns
inquisidores temiam que pudessem levar padres e freiras a retiros e
reclusões desprovidos de qualquer culto externo.

Santa Tereza de Ávila foi igualmente processada e absolvida, sob acusação


de iluminismo.

Por volta de 1510, um monge franciscano, Melchor, de Ocaña, que


anteriormente houvera profetizado a conversão total dos mouros, a queda
dos tronos, a convulsão total da cristandade e a transferência do papado
para Jerusalém, considerando-se eleito por Deus, obedecendo a uma ordem
do Senhor, dirigiu-se à posteriormente canonizada Joana de la Cruz,
convidando-a a com ele gerar um filho que seria um novo Messias. Joana
denunciou-o ao inquisidor geral, Cisneros, que o processou e o condenou à
fogueira.

Em 1558, a Infanta Joana inaugurou sinistra novidade, em conluio com a


Igreja: a censura, instituída pela "Sanção Pragmática", que listou obras
proibidas e vedou sua aquisição por católicos, sob pena de condenação à
morte.

Uma das vítimas dessa censura, aliás, foi o frei Luís de Leon, professor da
Universidade de Salamanca, que, acusado de assumir em aula posições
iluministas - pretendia rever e publicar a "Bíblia de Vatable", que fora
proibida pelo inquisidor-geral Valdez - , foi preso e ficou no cárcere por 5
anos (de 1572 a 1576). Quando reassumiu sua cátedra, começou a primeira
aula dizendo: "Como dizíamos ontem..."

Em 1559, para impressionar o povo, o próprio rei Felipe II compareceu em


pessoa a um auto-de-fé, no qual dezenas de condenados foram executados
perante cerca de 200.000 pessoas, em Madrid.
Em fins do séc. XVI, destacou-se a figura sinistra do Duque de Alba, que, em
seu "Tribunal de Sangue", torturou e matou muita gente com o "placet" das
autoridades eclesiásticas.

No séc. XVII prosseguiu a luta da Inquisição, desta vez mais dirigida contra
os protestantes. Novas figuras criminosas foram criadas, como a sodomia, a
bestialidade, o homossexualismo, a necrofilia e a mancebia, todas de
competência do Tribunal do Santo Ofício e quase todas passíveis de morte
pelo fogo.

No séc. XVIII o iluminismo anticlerical que se alastrou pela Europa e


acabou eclodindo na Revolução Francesa foi severamente punido pela
Inquisição espanhola, mas sua influência foi, a pouco e pouco, aliada à
revolução industrial , à ascensão da burguesia e aos movimentos liberais,
fazendo minguar os poderes, o prestígio e a atuação do Santo Ofício, cada
vez mais considerado um anacronismo insuportável e injustificável.

Entre 1744 e 1808, apenas 14 réus foram condenados à morte pelos tribunais
inquisitoriais espanhóis.

A Inquisição espanhola resistiu, porém, até mesmo a Napoleão, que, em


dezembro de 1808, aboliu formalmente o Santo Ofício, após a ocupação, sem
que ela, porém, deixasse de existir na prática.

Em 22 de janeiro de 1813, as Cortes de Cádiz votaram a abolição do Santo


Ofício. Fernando VII, porém, ao retomar o trono da Espanha, restabeleceu a
Inquisição, em 1820.

O Tribunal do Santo Ofício da Inquisição somente veio a ser definitivamente


eliminado em Espanha por decreto de Maria Cristina, em 1834.

OBRAS CONSULTADAS

JAMES A . BRUNDAGE, "Medieval Canon Law", ed. Longman, London,


1995.
PAULO SÉRGIO LEITE FERNANDES e ANA MARIA BABETTE BAJER
FERNANDES, "Aspectos Jurídico-Penais da Tortura", ed. Ciência Jurídica,
Belo Horizonte, 1996.
A . TESTAS e J. TESTAS, "A Inquisição", ed. Difusão Européia do Livro,
São Paulo, 1968.
EDWARD MANN, "La Inquisición - Lo que fue y lo que hizo", ed.
Humanitas, Barcelona, 1991.
JOÃO BERNARDINO GONZAGA, "A Inquisição em seu Mundo", ed.
Saraiva, 1993.
NICOLAU EYMERICH, "Manual dos Inquisidores", ed. Rosa dos Tempos,
1993, trad. de Maria José Lopes da Silva.
ADMA MUHANA, "Os Autos do Processo de Vieira na Inquisição", ed.
Unesp, São Paulo, 1995.

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