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A EDUCAÇÃO FÍSICA NAS DIRETRIZES CURRICULARES DA EDUCAÇÃO

BÁSICA DO PARANÁ: ANÁLISE DA DANÇA COMO CONTEÚDO ESTRUTURANTE1

Edmara Cristina Bonetti Buogo*


Larissa Michelle Lara**

RESUMO
O estudo em questão visa discutir a dança como conteúdo estruturante nas Diretrizes
Curriculares da Educação Básica do Paraná (DCE) a fim de apontar avanços e limites,
bem como potencializar reflexões que contribuam com a prática pedagógica do
professor. Por meio da análise das DCE (desde sua concepção, no ano de 2003, até
seu processo de reformulações), e de outras obras que foquem a dança como
conteúdo de ensino, foi possível identificar carências e potencialidades do documento
oficial para o ensino da referida manifestação cultural. A análise desse documento
poderá subsidiar a SEED com vistas ao aperfeiçoamento da proposta que orienta a
ação docente na escola.
Palavras-chave: Educação Física. Diretrizes Curriculares. Dança. Escola.

ABSTRACT
This study aims to discuss the dance as structuring content in the Basic Education
Curriculum Guidelines of Parana (EDC) to indicate progress and limits, as well as
reinforce ideas that contribute to the teacher's pedagogical practice. Through analysis of
EDC (since its conception in 2003 until its reformulation process), and other works that
focus as the dance content of education, were unable to identify needs and potentials of
the official document for the teaching of that cultural event. The analysis of this
document may subsidize the SEED with a view to improving the proposal that guides
the teaching activities at school.
Key words: Physical Education. Curriculum Guidelines. Dance. School.

1 INTRODUÇÃO

Em busca de uma prática pedagógica crítica, criativa e transformadora, cujo


projeto pedagógico incentive a autonomia dos educadores e dos educandos, é que nos
propusemos a pensar o ensino, não como sacrifício, obrigação ou resquício de uma
educação pautada nos conteúdos lógico-formais das ciências exatas, biológicas e

                                                            
1
Artigo elaborado como exigência parcial para a conclusão do Programa de Desenvolvimento
Educacional (PDE), da Secretaria de Estado da Educação do Paraná.
*
Professora da rede pública estadual do Paraná, lotada na Escola Estadual Almirante Barroso/Rondon-
PR, e participante do Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE).
**
Doutora em Educação pela Faculdade de Educação da UNICAMP. Professora do Departamento de
Educação Física da UEM. Orientadora do Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE).
  2

humanas, mas como meio de acesso ao conhecimento que se dá pela percepção e


experiência no mundo vivido, em diálogo com as vias da racionalidade.
Essa questão é razão suficiente para que a escola contemporânea seja pensada
como espaço de conjugação de conhecimento das mais diversas áreas. Nela, a dança,
conteúdo estruturante da Educação Física, apresenta-se como manifestação corporal e
histórica que, em si, recompõe e unifica a relação com o conhecimento, propondo elos
múltiplos entre razão e sensibilidade; entre pensamento e ação; entre individualidade e
sociabilidade; entre expressão pessoal e articulação do conjunto. Assim, estamos
diante de um desafio ao tentar introduzir uma pedagogia crítica para o ensino da
dança.
A experiência como docente da disciplina de Educação Física da rede pública do
Paraná permite observar que grande número de professores apresenta dificuldades em
trabalhar a dança como conteúdo estruturante da Educação Física em suas aulas.
Apesar da dança fazer parte do cotidiano dos educandos fora do contexto escolar, na
escola, os profissionais encontram inúmeras barreiras que desvirtuam as propostas
pedagógicas previstas para atender às finalidades do projeto de escolarização, a
exemplo das Diretrizes Curriculares do Estado do Paraná (DCE, 2006) que sugerem o
trato com o conteúdo dança na escola nos seus aspectos filosófico, político, social,
biológico, psicológico e antropológico.
Uma problemática a ser destacada em relação ao ensino de dança na escola é a
instrumentalização no trato com esse conhecimento, quando muitos de nós professores
trabalhamos essa manifestação cultural tendo em vista algum tipo de evento, como:
Festa Junina, Semana do Folclore, Semana de Arte e Cultura, Festival de Artes da
Rede Estudantil (FERA), entre outros. A instrumentalização, adverte Fensterseifer
(2001), ocorre quando a ação pedagógica desenvolve-se de modo egocêntrico, visando
somente o produto final, ou seja, objetiva a apresentação em si, sem a preocupação
com os meios de construção, com a aquisição do conhecimento e, nem tampouco, com
a interação dos sujeitos envolvidos no processo.
A dificuldade em legitimar a dança como conteúdo estruturante na escola dá-se,
também, devido aos currículos soltos, fragmentados e desconexos, em que a
  3

interdisciplinaridade não se faz presente, algo essencial ao processo educativo. A


interdisciplinaridade, esclarece Carvalho (2002), é metodológica, histórica e
contextualizadora, e visa compreender o homem e suas relações. Dá ênfase ao
processo de aprendizagem e não ao conhecimento final, valorizando o sujeito com
suas individualidades e cultura.
Com base nessas problemáticas, acrescidas de outras que vão se delineando
ao longo do estudo, a pesquisa em questão propõe-se a analisar como o conteúdo
dança é tratado nas Diretrizes Curriculares da Educação Básica do Paraná a fim de
apontar avanços e limites, bem como potencializar reflexões que contribuam com a
ação docente em relação à dança na escola. Para tanto, foi necessário sistematizar a
investigação em duas fases.
A primeira consiste na leitura e interpretação das Diretrizes Curriculares da Rede
Pública de Educação Básica do Estado do Paraná – DCE – obra tomada como cerne
das reflexões realizadas. Serão apresentados os caminhos tomados pela SEED para
construção dessa proposta, sua organização para a educação física e,
especificamente, os encaminhamentos dados para o trato com a dança na escola
(ensino fundamental e médio).
A segunda fase foi desenvolvida pela relação dos dados das DCE com os dados
coletados em obras científico-pedagógicas, apontando em que aspectos as DCE
poderiam ser ampliadas e reformuladas. Trata-se do momento de extração de campos
de análise que passarão a orientar o debate. As reflexões advindas das DCE e de
outras obras têm a pretensão de trazer contribuições para o ensino de dança na
escola, no sentido de uma intervenção.

2 AS DIRETRIZES CURRICULARES NO PARANÁ: PRIMEIROS


ENCAMINHAMENTOS

As Diretrizes Curriculares foram organizadas a partir da crítica da comunidade


científica e educacional aos vários momentos históricos em que a disciplina de
Educação Física esteve atrelada. Levando em consideração esse contexto, esse
documento visa “[...] articular experiências de diferentes regiões, escolas e professores
propondo que a Educação Física na Educação Básica inclua a reflexão sobre as
  4

necessidades atuais de ensino e a superação de uma visão fragmentada de homem”


(DCE, 2006, p. 19).
O primeiro documento oficial distribuído para as escolas públicas do Paraná, em
forma de diretrizes, foi as DCE de 2006, após avaliação e reformulação por parte dos
professores e equipes pedagógicas.
As Diretrizes Curriculares da Educação Básica do Paraná expressam o
conjunto de esforços de professores, pedagogos, equipes pedagógicas
dos Núcleos Regionais de Educação e de técnicos-pedagógicos da
SEED, na construção de um documento orientador do currículo para
toda a rede pública estadual (DCE, 2006, p. 7).

Todo o planejamento das ações relativas à construção coletiva de Diretrizes


Curriculares da rede pública estadual foi realizado de modo articulado ao processo de
formação continuada, em 2004 e 2005, cumprindo a Lei n. 9.394/96, artigo 67, das
Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Esse planejamento teve como princípios a
educação como direito de todo cidadão, a valorização dos professores e dos
profissionais da educação, o trabalho coletivo, a gestão democrática e o atendimento
às diferenças e à diversidade.
Para entendimento de como ocorreu a reformulação curricular do Paraná dados
foram extraídos do Portal Dia-a-dia Educação2, que explicita esse processo em seis
fases. A primeira delas, ocorrida em 2003, serviu para avaliar a situação concreta das
Diretrizes Curriculares e a atual conjuntura da educação nacional, bem como os
desafios postos aos Estados quanto à reformulação curricular e seus elementos
norteadores, ou seja, o compromisso com a redução das desigualdades sociais; a
articulação das propostas educacionais com o desenvolvimento econômico, social,
político e cultural da sociedade; a defesa da educação básica e da escola pública,
gratuita e de qualidade; e a compreensão dos profissionais da educação como sujeitos
epistêmicos.

                                                            
2
  O  Dia‐a‐dia  Educação  é  um  Portal  Educacional  do  Paraná  que  favorece  o  uso  dos  serviços  disponíveis  na  rede 
pública. Está atrelado a uma série de iniciativas de capacitação e ao desenvolvimento de metodologias adequadas 
à utilização da internet pelos educadores, alunos e escola. PARANÁ. Secretaria de Estado da Educação. Disponível 
em: http://diaadiaeducacao.pr.gov.br. Acesso em: 09 ago. 2007.
  5

A segunda fase, ocorrida em 2003 e 2004, é marcada pela discussão do coletivo


de professores acerca das propostas pedagógicas e dos desafios curriculares para
cada área de ensino em seus níveis e modalidades. Visando assessorar esse
processo, formou-se um Grupo Permanente (GP) constituído por seis professores de
cada disciplina do currículo, representando cada um dos 32 Núcleos Regionais de
Educação do Paraná, equipes pedagógicas do Departamento de Ensino Fundamental
da SEED e professores das Instituições de Ensino Superior.
Na terceira fase, ainda em 2004, e na continuidade de 2005, destaca-se como
prioridade as reflexões e encaminhamentos do cotidiano do professor da rede pública
como meio legítimo de construção das Diretrizes, que serviriam de referência para a
formação dos alunos do Estado do Paraná.
O processo de sistematização das propostas curriculares a partir dos
documentos construídos coletivamente (quarta fase) teve início em 2004 e, a quinta
fase, concretizou-se em 2005, ocorrendo paralelamente à discussão curricular, ao
preparo, à elaboração, à efetivação e avaliação do Projeto Político Pedagógico das
Escolas da Rede Pública do Paraná.
A sexta fase, permanente e contínua, é a de avaliação e acompanhamento das
propostas que estão sendo implementadas com o intuito de manter a unidade de
trabalho e apoiar as escolas com suas reformulações. Nesse processo, prioriza-se a
formação inicial e continuada3 dos docentes.
Cabe registrar que, como estratégias adotadas nesse processo de reformulação
curricular iniciado em 2003, a SEED adotou: Seminários de Diretrizes Curriculares;
eventos para a elaboração coletiva das DCE em todos os níveis e modalidades de
ensino; produção de cadernos das DCE e de cadernos temáticos; reorganização das
matrizes curriculares; organização de espaços colegiados; capacitação e atualização
dos profissionais da educação; produção de material de apoio didático pedagógico;
implementação dos programas de biblioteca: do aluno, do professor, de autores e
                                                            
3
Com o princípio de formação continuada, o Departamento de Ensino Médio planejou e realizou a
Biblioteca do Ensino Médio, a Biblioteca do Professor, o projeto Folhas, o Livro Didático Público para as
12 disciplinas, Encontros e Simpósios sobre Diretrizes, participação no Seminário Regional Sul e
Nacional sobre Orientações Curriculares, Simpósios de todas as disciplinas, Reuniões Técnicas com os
NRE, Discussão dos textos preliminares das Diretrizes nas duas Semanas Pedagógicas de 2005 e 2006.
  6

temas paranaenses; discussão e elaboração de materiais de apoio aos temas sociais


contemporâneos; elaboração coletiva, tanto do projeto político pedagógico das escolas,
quanto do Plano Estadual de Educação.
Para subsidiar a formulação das DCE, em especial, da disciplina de Educação
Física, foram apresentados dois textos de referência: Vago (1999) e Taborda de
Oliveira (2003). Dois textos de apoio4 também contribuíram com este processo:
Taborda de Oliveira e Oliveira (2004) e visaram aprofundar questões formuladas ao
longo dos seminários e encontros descentralizados. A corporalidade ficou sendo
principal eixo do trabalho pedagógico nas DCE de Educação Física, entendida como:
[...] expressão criativa e consciente do conjunto das manifestações
corporais historicamente produzidas, as quais pretendem possibilitar a
comunicação e a interação de diferentes indivíduos com eles mesmos e
com os outros, com seu meio social e natural. Essas manifestações
baseiam-se no diálogo entre diferentes indivíduos, em um contexto
social organizado em torno das relações de poder, linguagem e
trabalho.5

A concepção de Educação Física nessa perspectiva, ou seja, a da


corporalidade, é a de ampliar as possibilidades de intervenção educacional, superando
a dimensão meramente motriz sem, no entanto, negar o movimento como possibilidade
de expressão humana, procurando contemplar a totalidade das manifestações
corporais humanas e a sua potencialidade formativa com vistas à humanização das
relações sociais.
Para que se entenda a construção histórica das Diretrizes Curriculares do
Estado do Paraná, destacam-se os mais recentes indicativos que marcaram a história
do componente curricular: o Currículo Básico, a Proposta de Reformulação do 2° Grau
e os Parâmetros Curriculares Nacionais.

                                                            
4
Documento caracterizado como um texto de trabalho. Destina-se a uma circulação restrita localizada
no âmbito do processo de reforma curricular do Estado do Paraná.
5
 Retirado do documento Diretrizes Curriculares para o Ensino Fundamental/Educação Física. Disponível
em:
http://diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/portal/institucional/def/pdf/def_construcao_diretrizes_curriculares
.pdf. Acesso em: 09 agos. 2007.
  7

Uma primeira sistematização da dança na Educação Física, em nível federal,


deu-se pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (1997). A dança foi pensada como
atividade rítmica e expressiva, sendo sugeridos como conteúdos: danças brasileiras,
urbanas e eruditas, danças e coreografias associadas a manifestações musicais,
brincadeiras de roda e cirandas. Os Parâmetros, organizados em três blocos:
conhecimento sobre o corpo; atividades rítmicas e expressivas; jogos,
ginásticas, lutas e esportes, indicam que a dança deve ser articulada aos conteúdos
do corpo e aos dos esportes, jogos, lutas e ginásticas. Como encaminhamentos
didáticos sugerem considerar aspectos cognitivos, afetivos e fisiológicos dos sujeitos,
levando-se em conta as diversidades dos contextos e situações. Atentam, ainda, para a
necessidade de complementação do trabalho com dança por meio do PCN de Arte.
Conforme orientações dos Parâmetros Curriculares Nacionais para a área de
Arte (1997/98) um dos objetivos educacionais da dança é a compreensão da estrutura
e do funcionamento corporal e a investigação do movimento humano. A partir disso,
surge a proposta da divisão dos conteúdos em três grupos, que levantam diferentes
aspectos da dança: a dança na expressão e na comunicação humana – abordando
conhecimentos de anatomia; forma, volume e peso dos corpos; fatores de movimento
(parte da teoria de Rudolf Laban), análise da qualidade dos movimentos e estudos do
espaço geral e pessoal; experimentação de técnicas de expressão, improvisação,
composição coreográfica e apreciação em dança; a dança como manifestação
coletiva – abarca os elementos citados anteriormente experienciados por meio da
integração, da comunicação com outros e da exploração de diferentes grupos com
variação de formações; a dança como produto cultural e apreciação estética –
procura conhecer dançarinos/coreógrafos e grupos de dança que contribuíram para a
dança nacional em diferentes épocas e regiões para fazer uma reflexão sobre a
escolha dos movimentos que criam em sala de aula com o gênero e estilo dos
coreógrafos estudados; faz uma análise, registra e documenta seus trabalhos em
dança, bem como de outros dançarinos/coreógrafos; passa pelo reconhecimento das
subjetividades e o contexto sociopolítico e cultural de cada um; procura refletir sobre o
papel do corpo na dança em suas diversas manifestações artísticas.
  8

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) sofreram inúmeras críticas,


principalmente por se tratar de uma proposta nacional, cega às particularidades
regionais. Os PCNs afirmam ser a Educação Física uma área que trata da cultura
corporal de movimento, e que tem como temas o jogo, a ginástica, a dança, a capoeira
e outras temáticas. Porém, na continuidade do documento, não se refere à dança como
um dos conteúdos da Educação Física, mas como ″atividades rítmicas e expressivas″,
quando organiza os conhecimentos da Educação Física em três blocos. Assim, cabe
perguntar: Teria essa opção sido desencadeada pela disputa de territórios, já que o
conteúdo dança estaria lotado em arte? Teria sido a dificuldade de perceber que esse
conhecimento se desloca de forma a-territorial, já que agrega conhecimentos de corpo,
arte, música, teatro?
Por essas contradições contidas num documento nacional, pode-se supor, no
que diz respeito ao conteúdo dança na Educação Física, a dificuldade em percebê-la
como um campo de conhecimento também presente e importante à educação física.
Sabendo que a Educação Física tem a cultura corporal como objeto de estudo e a Arte
trata a arte como seu objeto, a abordagem pedagógica desse conhecimento pode ser
desenvolvida por ambas as áreas, de caráter interdisciplinar e não complementar6.
Entretanto, lacunas ainda imperam e dificultam uma comunicação que poderia ser
densa e rica em termos educacionais. Como afirma Barreto (2005, p. 117),
a dança pode contribuir para a área de educação física na medida em
que, através da experiência artística e da apreciação, estimula nos
indivíduos os exercícios da imaginação e da criação de formas
expressivas, despertando a consciência estética, como um conjunto de
atitudes mais equilibradas diante do mundo. Por outro lado, a educação
física também pode contribuir de forma relevante para a área de dança,
ampliando discussões sobre a corporeidade e a motricidade humana
que atribuem ao corpo que dança um sentido muito maior do que lhe foi
concedido por muito tempo, no contexto das práticas tradicionais que
privaram estes corpos da sua própria identidade e expressividade.

                                                            
6
  Muito se discute na escola ″em que disciplina a dança seria ensinada? Arte? Educação Física? Em
uma disciplina dedicada exclusivamente à dança? [...] E... quem estaria habilitado para ensinar dança? O
bacharel em dança? Ou este deveria, necessariamente, ter cursado licenciatura? O licenciado em
Educação Artística? O licenciado em Educação Física? Os artistas? Os pedagogos estariam aptos a
trabalhar essa disciplina nos primeiros ciclos do Ensino Fundamental?″ MARQUES, Isabel A. Dançando
na escola. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2005. p.16.
  9

No Estado do Paraná, uma nova reestruturação curricular de pré a 8ª séries


deu-se a partir de 1987, o que culminou num documento chamado Currículo Básico
para a Escola Pública do Paraná, editado em 1990 e reeditado em 1997. O documento
aborda o corpo em movimento como objeto de estudo da Educação Física, tendo como
conteúdos a ginástica, a dança, os jogos e os esportes, que deverão ser trabalhados
numa perspectiva histórico-crítica, permitindo ao educando analisar e refletir sobre
estas diferentes formas de manifestação cultural.
Esse documento organiza e sistematiza os conteúdos tratados pela Educação
Física escolar de maneira a tornar a dança um conteúdo constitutivo da Educação
Física, quando aborda esse conhecimento nos seus aspectos socioculturais e
históricos, pressupondo o trabalho com ritmo, danças em geral, danças folclóricas,
danças populares, consciência corporal, relação histórico-social dos movimentos
folclóricos, análise crítica dos costumes, história e cultura dos temas desenvolvidos.
Por esses aspectos, em que a instrumentalização do corpo deveria dar lugar à
formação humana do aluno, o Currículo Básico se caracterizou como uma proposta
avançada, fundamentada na pedagogia histórico-crítica da educação. No entanto,
apresentava uma rígida listagem de conteúdos que limitava o trabalho do professor,
enfraquecendo seus pressupostos teórico-metodológicos, além da oferta insuficiente de
formação continuada necessária à implementação da proposta. Posteriormente, as
mudanças de políticas públicas de educação assumidas pelas novas gestões
governamentais no Estado, contando com longo período sem reformulações e oferta de
formação continuada, enfraqueceram a força político-pedagógica do Currículo Básico.
Em função desse contexto, a prática de ensino da Educação Física na escola se dava
nas dimensões biológica, psicológica e motriz.
No mesmo período foi elaborado também o documento de Reestruturação da
Proposta Curricular de Segundo Grau para a disciplina de Educação Física. Igualmente
fundamentada na concepção histórico-crítica de educação, vislumbrava resgatar o
compromisso social da ação pedagógica da Educação Física em busca de um novo
entendimento em relação ao movimento humano como expressão de identidade
corporal, como prática social e como forma do homem relacionar-se com o mundo,
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apontando a produção histórica e cultural dos povos, relativos à ginástica, à dança, aos
desportos, aos jogos, bem como às atividades que correspondam às características
regionais.
A partir de 2003, o Estado do Paraná estabelece uma linha de ação prioritária de
retomada da discussão coletiva do currículo, cuja concepção adotada é a de que
“currículo é uma produção social, construído por pessoas que vivem em determinados
contextos históricos e sociais” (DCE 2005, versão preliminar). Dessa forma, a proposta
de reformulação das diretrizes constou de seis fases já descritas anteriormente.
No início do ano letivo de 2005, chega às escolas públicas do Paraná a versão
preliminar das Diretrizes Curriculares de Educação Básica do Paraná (DCE) para que
professores e equipes pedagógicas pudessem avaliar o que foi consensuado nesse
documento, rever o que precisava ser alterado, complementado, substituído ou
mantido, já que a característica intrínseca de qualquer currículo é a constante
necessidade de atualização.

3 AS DIRETRIZES CURRICULARES ESTADUAIS: CONTEÚDOS ESTRUTURANTES

Compõem as Diretrizes Curriculares para a Educação Básica “o conjunto da


dimensão histórica da disciplina, os fundamentos teórico-metodológicos, os conteúdos
estruturantes, o encaminhamento metodológico, a avaliação e a bibliografia” (DCE,
2006, p.7). Assim, entende-se por conteúdo estruturante “os saberes – conhecimentos
de grande amplitude, conceitos ou práticas – que identificam e organizam os diferentes
campos de estudo das disciplinas escolares” (DCE, 2006, p. 7).
As Diretrizes Curriculares têm como fundamento geral o materialismo histórico
dialético, cujos princípios apresentam profunda reflexão e crítica das estruturas sociais
e suas desigualdades, inerentes ao funcionamento da sociedade. Buscam, também,
superar as concepções fundadas nas lógicas instrumental, anátomo-funcional e
esportivizada. No que se refere à educação física, sugerem a interlocução com
disciplinas variadas que permitam entender o corpo e sua complexidade, ou seja, sob
uma abordagem biológica, antropológica, psicológica, filosófica e política, em que o
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trabalho constitui categoria de análise e princípio fundante da disciplina nas diretrizes


(DCE 2006, p.19).
A dança na escola deve ser abordada, nas aulas de Educação Física, em suas
dimensões cultural, social e histórica, desvinculada de qualquer modismo que atenda
aos interesses da indústria cultural da economia capitalista (DCE 2006, p. 22). O
conteúdo dança deve ser tratado na escola de forma a superar toda e qualquer
manifestação discriminatória que, ainda, possa ocorrer no ambiente escolar. Nesse
sentido, a finalidade da dança deve ser a de modificar as relações sociais.
Faz-se necessário teorizar, sempre que possível, o conteúdo dança de forma a
oportunizar o desenvolvimento da consciência analítica e crítica do educando para que
desenvolva experiências gestuais que valorizem a subjetividade e a capacidade
sensorial do próprio corpo. O ensino de dança deve respeitar a diversidade cultural,
valorizar as diferenças sem fazer distinção das aptidões que cada um possui, tendo
consciência que uma educação pautada na instrumentalização (que dá ênfase à
técnica, à seleção dos melhores, à valorização dos mais aptos fisicamente) tem como
conseqüência a competição exacerbada, a discriminação, a segregação e a exclusão.
As DCE sugerem como estratégias de ensino-aprendizagem a metodologia
crítico- superadora que consiste em mapear o que os alunos já conhecem sobre o tema
(prática social). Incita os alunos a questionamentos que criem dúvidas sobre os
conhecimentos prévios e a necessidade de se buscar novos conhecimentos
(problematização), assim como possibilita o contato com o conhecimento
sistematizado, historicamente construído, para que possam assimilar e recriar,
incorporando-os, se assim o quiserem, transformando-os em instrumento de
construção pessoal e profissional (instrumentalização). A finalização da aula, ou o
conjunto de aulas, é o momento em que os alunos manifestam-se de modo verbal, por
escrito ou corporalmente, o que assimilaram dos conteúdos sistematizados. Refletem,
ainda, sobre as práticas corporais, num diálogo que propicie a cada aluno avaliar a
qualidade de sua participação (catarse). Assim, professor e aluno transformam-se
intelectual e qualitativamente em relação às concepções sobre o conteúdo que foi
reconstruído, retornando à prática social, agora vivida, refletida e transformada.
  12

A avaliação da aprendizagem em Educação Física preconizada nas Diretrizes


Curriculares do Paraná é a busca da coerência entre a concepção crítico-superadora e
as práticas avaliativas que integram o processo de ensino aprendizagem. Nessa
perspectiva, a avaliação deve estar vinculada ao projeto político pedagógico da escola,
respeitando as especificidades da disciplina com clareza de critérios que visem à
qualidade de ensino e que identifiquem os progressos dos alunos durante todo o ano
letivo, ou seja, uma avaliação contínua e formativa, como preconiza a LDB em sua Lei
9.394/96, com vistas a diminuir as desigualdades sociais e construir uma sociedade
justa e humanizada.
Faz parte do projeto político-pedagógico a avaliação diagnóstica que oportuniza
tanto ao professor quanto aos alunos reverem os conteúdos a fim de identificar lacunas
no processo pedagógico, planejar e propor encaminhamentos que superem as
dificuldades constatadas.
Desde o surgimento das Diretrizes Curriculares, em 2006, os conteúdos
estruturantes em Educação Física foram organizados e modificados anualmente,
conforme o Quadro 1 abaixo.

CONTEÚDOS ESTRUTURANTES
2006 2007 2008
Ensino Fundamental Ensino Médio Educação Básica Educação Básica
Manifestações esportivas Esporte Esporte Esporte
Manifestações ginásticas Ginástica Ginástica Ginástica
Manifestações estético- Dança Dança Dança
corporais na dança e no
teatro
Jogos, brinquedos e Jogos Jogos, brinquedos e Jogos e brincadeiras
brincadeiras brincadeiras
Lutas Lutas Lutas
Quadro 1 - Conteúdos Estruturantes da disciplina de Educação Física, referente ao
período de 2006 a 2008.

No ano de 2006 os conteúdos estruturantes para a disciplina de Educação


Física foram tratados distintamente para o Ensino Fundamental e para o Ensino Médio,
sendo que em 2007 e 2008 os conteúdos passaram a ser os mesmos para os anos
finais da Educação Básica, que compreende o Ensino Fundamental, e para o Ensino
Médio.
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As DCE, no que se refere à dança, devem ser uma alternativa para que os
professores que desconhecem as especificidades da dança como área do
conhecimento possam atuar de modo que não comprometam o trabalho artístico-
educativo em sala de aula. Para o Ensino Fundamental, a corporalidade, entendida
como construção histórica e social do corpo, e a cultura escolar, entendida como um
conjunto de práticas e condutas institucionalizadas, formas de vida e cotidiano da
escola, dão base à discussão sobre os conteúdos estruturantes.
Conforme observado no Quadro 2, em 2006, para o Ensino Fundamental, a
dança aparece como manifestação estético-corporal, juntamente com o teatro e os
elementos específicos a ser ensinados nessas duas manifestações. O Quadro 2
apresenta os conteúdos para o ensino fundamental.

Conteúdo estruturante para ensino fundamental – 2006


Manifestações estético-corporais na dança e no teatro
1- A dança e o teatro como possibilidades de manifestação corporal
2- Diferentes tipos de dança
3- Por que dançamos?
4- Danças tradicionais e folclóricas
5- Desenvolvimento de formas corporais rítmico-expressivas
6- Mímica, imitação e representação
7- Expressão corporal com e sem materiais
Quadro 2 - Conteúdo estruturante para o ensino fundamental, referente ao ano de 2006.

Nas diretrizes de 2006, para o Ensino Médio, a cultura corporal norteia o


trabalho com os conteúdos estruturantes, sendo a dança um desses conteúdos. Segue
Quadro 3 com os conteúdos específicos sugeridos a ser trabalhados.

Conteúdo Estruturante para o Ensino Médio – 2006


Dança
1- Cantigas de roda
2- Dança regional
3- Dança folclórica
4- Dança internacional
5- Dança de salão
6- Expressão corporal
Quadro 3 – Conteúdo estruturante dança para o ensino médio
referente ao ano de 2006.
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Atendendo às demandas dos professores da rede estadual de ensino do


Paraná, optou-se por contemplar diferentes conteúdos estruturantes, bem como
elementos articuladores (para o Ensino Fundamental e Médio) para o ensino da dança,
nas diretrizes curriculares de 2006. Ver quadros 2, 3 e 6.
Nota-se, nas diretrizes de 2006, que a separação dos conteúdos de Ensino
Fundamental e Médio e sua proposta de conteúdos específicos em cada modalidade
de ensino não foram suficientes para atender às especificidades da dança em suas
dimensões históricas, sociais e culturais. Ao afirmar que a dança na escola “pode” ser
abordada como expressão corporal ou como composição técnica, quais os referenciais
teóricos que subsidiam ou que sustentam tais conceitos? Ou, ao citar que a dança
contribui para a saúde, a que saúde está se referindo? O que é, afinal, saúde?
Seguiremos, com a dança, a mesma trajetória de senso-comum presenciada em dadas
reflexões sobre esporte, quando esta modalidade é posta como saúde sem densas
discussões conceituais e epistemológicas?
Ao trazer que a dança “pode” refletir os diversos aspectos culturais de uma
sociedade, as DCE deixam de observar o que expressa Kunz (2001) ao discutir a
dança como área do conhecimento que tem como elemento constituinte a cultura
corporal de movimento que deve ser compreendida como conteúdo de ensino na
escola, já que tem por princípios norteadores o reconhecimento da realidade motriz,
técnica e, sobretudo, histórica e cultural de seus alunos, tendo em vista a vivência dos
conteúdos de ensino, a autonomia e a emancipação.
Além destes aspectos, cabe ressaltar que, no intuito de valorizar culturas, como
a afro-brasileira (o que é essencial, sobretudo por seu processo histórico de exclusão),
as DCE acabam dificultando a percepção de um campo maior, de um mosaico de
manifestações dançantes que compõem o que entendemos por dança. Nesse sentido,
acabam, também, na tentativa de uma ação de inclusão, apresentando seu potencial
cerceador e limitante deste campo visual, fragmentando o conhecimento.
Quanto ao se privilegiar a experiência da dança na escola de maneira livre e
espontânea, e como forma de expressão corporal, as DCE não sinalizam para o
  15

entendimento do que seria este “livre e espontâneo”. E o papel do professor como


mediador? Quais os limites de algo livre e espontâneo? Como relacionar tais conceitos
a uma prática dialógica e mediadora entre professor e aluno?
Cabe ressaltar, ainda, que outras confusões teórico-conceituais perpassam a
proposta das DCE, sobretudo quando não elaboram, de modo acadêmico-pedagógico,
o que se entende por danças de salão, danças internacionais, danças tradicionais,
danças folclóricas e regionais. Mesmo que partamos da compreensão de que o
conceito é flexível, dinâmico, não consensual e incapaz de abarcar o objeto na
dimensão que ele realmente é e se faz, uma possibilidade de olhar para estes termos
seria essencial no sentido de evitar distorções e aguçar o debate acerca da existência
de linhas teóricas diversas que, ora se contrapõem, ora se complementam.
Em 2007 e 2008, o Departamento de Educação Básica (DEB) organizou e
sistematizou um quadro de conteúdos básicos/específicos, fruto das discussões
realizadas nos eventos de formação continuada, conhecidos como DEB Itinerante.
Esses conteúdos básicos são os conhecimentos fundamentais para cada série da
etapa final do ensino fundamental e para o ensino médio, articulados com os conteúdos
estruturantes da disciplina, de forma seriada e seqüenciada. Eles devem ser
fundamentados nas DCE em sua abordagem teórico metodológica e desdobrados em
conteúdos específicos, de fato trabalhados em sala de aula como forma de efetivação
do plano de trabalho docente (PTD).
Os quadros de conteúdos básicos organizados por série têm como objetivo
complementar e dar concretude às DCE naquilo que constitui como conhecimento
especializado e sistematizado da disciplina, conforme apresentado no Quadro 4.
Conteúdo Estruturante Dança para a Educação Básica
Conteúdos Específicos – 2007 Conteúdos Básicos – 2008
Danças folclóricas/tradicionais Danças folclóricas
Danças regionais Atividades de expressão corporal
Mímicas e dramatizações Cantigas de roda
Dança de salão Hip-Hop
Expressão corporal Dança criativa
Dança de rua Dança de rua
Hip-hop
Danças internacionais
Danças circulares
  16

Biodança
Danças afro-brasileiras
Danças com variações
Funk
Quadro 4 – Conteúdo estruturante dança para a educação básica referente aos anos de
2007 e 2008.

As nomenclaturas referentes a 2007 e 2008 diferem em conteúdos específicos e


básicos, sugestões apontadas pelos professores dos diversos Núcleos Regionais de
Educação durante o processo de implementação dessas diretrizes. Tais sugestões
podem e devem ser enriquecidas de acordo com as especificidades regionais e a
realidade das escolas.
Chamam atenção as modificações ocorridas em relação aos conteúdos elegidos
para o trato com a dança na educação física, de 2007, em relação à proposta de 2008.
Como se deu este processo? Foi uma decisão coletiva, dos professores, ou a
reconfiguração dos envolvidos neste processo a partir de profissionais especialistas
neste campo do conhecimento?
Partindo do pressuposto que a construção foi coletiva, ou seja, dos professores,
de novas idéias ou novos sujeitos sociais a integrar o processo, a mudança é
compreensível, já que a prática coletiva é dinâmica e historicamente situada.
Entretanto, a preocupação se acentua quanto a uma possível rotatividade de
especialistas que possam estar integrando o processo, gerando uma descontinuidade
que fragmenta e enfraquece.
Exemplificando, poderíamos perguntar: o que se entendia por danças
folclóricas/tradicionais, em 2007, e o que se passou a entender por danças folclóricas,
em 2008? Qual o conceito de danças regionais? Elas podem ser folclóricas ou não?
Como entender o hip hop como dança (no sentido que lhe atribuem, hoje, alguns
segmentos), quando é um movimento cultural e histórico importante que agrega
rappers, grafiteiros, B.boys (dançarinos), DJs, protesto, entre outros elementos, e que
deixou suas marcas fortemente inscritas no final da década de 60, no contexto norte-
americano, como reação dos desfavorecidos às condições sociais pelas quais
passavam? Não estaria a simplificação no trato com as manifestações culturais
transformando-se na banalização do conhecimento historicamente produzido?
  17

Continuando tais reflexões, perguntamos, ainda: Qual o conceito de danças


internacionais? Seriam elas folclóricas, da moda, de tempos-espaços próprios, de
culturas peculiares? E dança circular? Todas as danças realizadas em círculo seriam
circulares? A dança circular seria a ruptura com o tempo cronológico e o espaço
geográfico, com o ingresso num tempo espaço mítico e na dimensão do sagrado? Qual
a relevância desse conhecimento e o que ele agrega em termos educacionais? O que
são danças com variações? (e, em que?... espaço, tempo, peso, fluência, temas,
variações metodológicas, capacidade criadora?). Por que o funk? Como se justifica
essa escolha (influência midiática, necessidade de consciência e crítica a essa
manifestação)? Qual a base teórico-metodológica eleita para estas escolhas? Quais os
sentidos destas escolhas?
Em 2008, aparece sinalizada a necessidade de firmar as bases de conteúdos
próprios da expressão corporal (carentes na sistematização anterior) e de garantir
trabalhos na escola que se diferenciem da mera reprodução, mas que potencializem a
capacidade expressiva e comunicativa do ser humano. Aparecem, também,
valorizadas, as cantigas de roda, garantindo o trato com conhecimentos pouco
estimulados na era da tecnologia, ligados a uma tradição popular, e uma nomenclatura
já bastante utilizada na academia – dança criativa –, pouco contemporânea, mas que
reflete as preocupações com uma forma de se fazer dança carente de uma
conceituação adequada.
As nomenclaturas criadas para a dança na escola, que foque a capacidade
criativa, crítica e expressiva do aluno, têm por base linhas teórico-metodológicas das
chamadas danças modernas e contemporâneas (também difíceis de conceituar), mas
parecem não dar conta de afirmar aquilo que realmente se pretende na escola. Por
vezes, os vários conceitos utilizados (dança educativa, dança educacional, dança
criativa, entre outros), partindo de proponentes diversos, dificultam um trato rigoroso e
acadêmico-pedagógico desse conhecimento. Afinal, como chamar esse tipo de dança
na escola?
Numa perspectiva educacional, não deveriam ser as danças tratadas numa
perspectiva criadora do humano? Poderíamos pensar em exceções, mas elas acabam
  18

sendo reduzidas se pensarmos que até mesmo as danças folclóricas, não pautadas,
necessariamente, nesse potencial da criação, são criadoras, à medida que focam uma
organização que tem ensejo individual/coletivo de expressão, em que a subjetividade, o
jeito próprio de cada um, estão presentes neste conjunto de ações.
Ainda em 2008, um novo quadro de conteúdos básicos e específicos é
apresentado por série para a disciplina de Educação Física com o objetivo de auxiliar a
implementação das DCE e a organização da proposta pedagógica da disciplina naquilo
que a constitui como conhecimento especializado e sistematizado. O Quadro 5 auxilia a
pensar sobre estas questões.

Conteúdo Estruturante Dança para a Educação Básica – 2008


Dança
Conteúdos Básicos Conteúdos Específicos
Fandango; quadrilha; dança de fitas; dança de
Danças folclóricas São Gonçalo; frevo; samba de roda; batuque;
baião; cateretê; dança do café; cuia fubá;
ciranda; carimbó.
Danças de salão Valsa; merengue; forró; vanerão; samba;
soltinho; xote; bolero; salsa; swuing; tango.
Danças de rua Break; funk; house; locking; popping; ragga.
Elementos de movimento (tempo, espaço,
Danças criativas peso, fluência); qualidades de movimento;
improvisação; atividades de expressão
corporal.
Danças circulares Contemporâneas; folclóricas; sagradas.
Quadro 5 – Conteúdo estruturante dança para a educação básica referente ao ano de
2008.

Esse quadro já apresenta uma tentativa de caracterização dos conteúdos


básicos à medida que vários conteúdos específicos são exemplificados, sinalizando
para algumas abordagens teóricas, a exemplo das “danças criativas” que,
anteriormente, não eram sequer esboçadas. Estas novas configurações acenam para
as diretrizes como um documento em constante ressignificação e aprimoramento,
sendo preocupante, por vezes, como, efetivamente, este processo de mudanças vêm
sendo delineado. A eleição dos conteúdos que estabelecerão diálogo com os
conteúdos estruturantes – os chamados elementos articuladores – contribui com
reflexões acerca da problemática situada.
  19

4 ELEMENTOS ARTICULADORES PARA O ENSINO DA DANÇA NAS DIRETRIZES


CURRICULARES ESTADUAIS
A partir dos conteúdos estruturantes de educação física para o ensino
fundamental e médio, “apontam-se elementos articuladores que integram e interligam
as práticas corporais para maior aprofundamento e diálogo com as diferentes
expressões do corpo” (DCE, 2006, p. 28). Assim como os conteúdos estruturantes
diferem para o ensino fundamental e médio nas DCE 2006, o mesmo ocorre para os
elementos articuladores. Segue Quadro 6.

Elementos Articuladores – 2006


Ensino Fundamental Ensino Médio
1- O corpo que brinca e aprende: 1-O corpo
manifestações lúdicas
2- Desenvolvimento corporal e construção da 2-A saúde
saúde
3- A relação do corpo com o mundo do 3- A desportivização
trabalho
4-A tática e a técnica
5- O lazer
6- A diversidade étnico-racial, de gênero e de
pessoas com necessidades educacionais
especiais
7- A mídia
Quadro 6 - Elementos articuladores para os conteúdos estruturantes no ensino
fundamental e médio referente ao ano de 2006.

Como observado no quadro 6, três são os elementos articuladores para o ensino


fundamental nas DCE de 2006:
- O corpo que brinca e aprende: manifestações lúdicas. As diretrizes entendem
que é pelo brinquedo e pela brincadeira que descobrimos diferentes formas de interagir
e se relacionar com o mundo, e são nessas inter-relações que nos deparamos com as
diversas formas de poder exercidas por meio da corporalidade. Isso amplia nossa
maneira de ver e interpretar a realidade, contribuindo, assim, para a construção da
autonomia, uma das finalidades da escolarização. “Aprendemos a nos mover entre a
liberdade e os limites, os nossos e os estabelecidos pelo grupo no qual nos inserimos”
(DCE, 2006, p. 29).
  20

- Desenvolvimento corporal e construção da saúde. O que se pretende com esse


elemento das Diretrizes é entender a saúde numa dimensão histórico-social, ou seja, a
dos direitos e dos deveres, não aquela concepção de saúde voltada à vontade
individual. O direito à saúde depende, nesse documento, de políticas públicas que
garantam a “todos” acesso a bens básicos como: alimentação, educação, trabalho,
moradia, saneamento básico, informação, preservação do meio ambiente, lazer,
acesso a cultura, etc. Os deveres também constituem dimensão política da conquista e
da preservação da saúde, pois isto requer um conjunto de responsabilidades
intransferíveis (as práticas corporais, cuidados de higiene, de doenças sexualmente
transmissíveis, etc.). “A saúde não é uma dádiva concedida a alguns, mas um processo
constante de conquista, algo a ser construído singular e coletivamente e que exige
condições dignas de vida” (DCE, 2006, p.30). Esses elementos articuladores, nas aulas
de Educação Física, ajudam a pensar o corpo como interface entre natureza e cultura
quando trata de superar a idéia de saúde como algo “natural”, ou daquilo que se
adquire pela dor, pelo sacrifício, pelo esforço individual, entre outros.
- A relação do corpo com o mundo do trabalho. Este elemento articulador “pretende
discutir o desgaste do corpo no mundo do trabalho” (DCE, 2006, p.31). Nessa
perspectiva, destacam-se como pontos de discussão o trabalho infantil e as atividades
de treinamento corporal que visam ao esporte de alto rendimento. Entendem que se faz
necessário incluir no processo pedagógico “a análise de alternativas para a adequada
percepção e atenção à corporalidade do educando” (DCE, 2006, p. 31).
As diretrizes preconizam a articulação da saúde com o trabalho. Questões
sobre jornadas laborais excessivas, informalidade, falta de tempo para o lazer e para a
família, análise dos efeitos da lida, entre outras, devem ser tema de discussão e
reflexão no sentido de perceber como a sociedade se organiza em função de escolhas
mais ou menos conscientes de sujeitos e grupos visando à superação dessa condição
de classe.
Como observado no quadro 6, constituem elementos articuladores para o ensino
médio: o corpo, a saúde, a desportivização, a tática e a técnica, o lazer, a diversidade
étnico-racial, de gênero e de pessoas com necessidades educacionais especiais.
  21

O corpo, nas DCE (2006, p. 36), passa pela discussão de como as


manifestações corporais têm sido determinadas em diferentes períodos históricos (pela
opressão ou para o exercício da liberdade), “tratado como constitutivo do sujeito físico,
mental, social e cultural”, devendo ser pensados aspectos acerca da construção
hegemônica do referencial de beleza
A saúde é discutida tanto em “seu aspecto individual, como bem de um sujeito
singular, quanto em seu aspecto social, ou seja, no âmbito das relações
socioambientais” (DCE, 2006, p. 37). Alguns elementos são constitutivos da saúde
nessas diretrizes, como: nutrição; aspectos anátomo-fisiológicos da prática corporal;
lesões e primeiros socorros; dopping.
A desportivização poderá ser discutida com os alunos sob o ponto de vista
histórico e social que influenciou a transformação das manifestações corporais em
práticas esportivas e o processo pelo qual elas são institucionalizadas e submetidas ao
espírito competitivo e comercial.
A tática e a técnica devem ser abordadas no processo pedagógico mediante
um contexto que pode ser particular ou determinado por condicionantes históricos,
sociais e culturais. Deve-se contemplar o universo técnico e tático sabendo de sua
provisoriedade. Nesses termos, faz-se necessário que os alunos recriem técnicas para
executar os mais variados movimentos.
O lazer como elemento articulador na disciplina de Educação Física tem por
objetivo promover experiências significativas no tempo e no espaço, de modo que os
alunos discutam diferentes formas de lazer em distintos grupos sociais e a maneira que
cada um deseja e consegue ocupar seu tempo livre.
A diversidade étnico-racial, de gênero e de pessoas com necessidades
educacionais especiais, com a Lei 11.465/08 (que torna obrigatória a inclusão, no
currículo oficial da rede de ensino, o conteúdo de História e Cultura Afro-Brasileira e
dos povos indígenas), faz com que, nas aulas de Educação Física, a partir dos
conteúdos estruturantes, discussões ampliem os conceitos de respeito e de valorização
do outro.
  22

A mídia como elemento articulador dos conteúdos do ensino médio deve


propiciar a discussão das práticas corporais e de como elas vêm contribuindo com a
reificação do corpo. Para fazer uma análise crítica dessas práticas, podemos utilizar
diversos meios como: artigos de jornais, revistas, filmes, pinturas, entre outros.
Visando alargar a compreensão das práticas corporais de forma a romper com a
maneira tradicional de como os conteúdos da Educação Física têm sido tratados, as
DCE de 2008 propõem interligar e integrar às práticas corporais elementos
articuladores como forma de contextualizar, de refletir e de se apropriar criticamente
dos conteúdos da cultura corporal.
Quanto à forma conceitual de tratar e organizar os temas dos elementos
articuladores, as DCE de 2008 não diferem das diretrizes de 2006 e 2007. Somente
incorporaram a nomenclatura cultura corporal aos elementos articuladores. Em relação
às diretrizes de 2006, diferem em sua organização temática ao dar o mesmo
tratamento aos elementos articuladores para o Ensino Fundamental e Ensino Médio.
Elementos Articuladores para os Conteúdos Estruturantes da
Educação Básica – 2007 e 2008
1- Cultura Corporal e Corpo
2- Cultura Corporal e Ludicidade
3- Cultura Corporal e Saúde
4- Cultura Corporal e Mundo do Trabalho
5- Cultura Corporal e Desportivização
6- Cultura Corporal – Técnica e Tática
7- Cultura Corporal e Lazer
8- Cultura Corporal e Diversidade
9- Cultura Corporal e Mídia
Quadro 7- Elementos articuladores para os conteúdos estruturantes da educação
básica referente ao ano de 2007 e 2008.

Para o Ensino Fundamental e Médio, os elementos articuladores se


apresentaram os mesmos para as duas modalidades de ensino.
Ao abordar, na escola, os conteúdos da Educação Física, em suas diferentes
manifestações e práticas corporais, o corpo deve ser “entendido em sua totalidade, ou
seja, o ser humano é o seu corpo, que sente, que pensa e age”(DCE 2008, p. 22).
Pressupõe-se uma reflexão crítica acerca das visões historicamente construídas que
favorecem a dicotomia corpo-mente. Nas aulas de Educação Física, nas práticas
corporais, o corpo deve ser analisado sob os aspectos subjetivos de valorização – ou
  23

não – do referencial de beleza e saúde veiculados por mecanismos mercadológicos e


midiáticos, que fazem do corpo uma ferramenta produtiva e de consumo.
A cultura corporal e ludicidade, como elemento articulador, apresenta-se
como possibilidade de reflexão e vivência das práticas corporais à medida que o aluno
torna-se capaz de estabelecer conexões entre o imaginário e o real, e de refletir sobre
os papéis assumidos nas relações em grupos, sejam elas na infância, na idade adulta
ou na velhice. O lúdico deve ser compreendido como um fim em si mesmo e satisfação
própria, por essa característica, ou seja, como resistência à produção de algo que não
satisfaz nada que não a ele próprio. Essa resistência interfere sobre e na construção da
autonomia, que é uma das finalidades da escolarização.
Nas aulas de Educação Física, cultura corporal e saúde ajudam a pensar que
“os cuidados com a saúde não podem ser atribuídos tão somente a uma
responsabilidade do sujeito, mas sim, compreendidos no contexto das relações sociais,
por meio de práticas e análises críticas dos discursos a ela relativos” (DCE, 2008,
p.25). Nesse contexto, propõem a discussão de alguns temas como: nutrição, aspectos
anátomo-fisiológicos, lesões e primeiros socorros, doping, sexualidade.
Nas Diretrizes de 2008, o mundo do trabalho como elemento articulador toma
dimensões bem distintas se comparadas às de 2006. Uma delas concentra-se nas
relações sociais de produção/assalariamento vigentes na sociedade em geral e na
Educação Física em específico. A outra está relacionada à reordenação do mundo do
trabalho. No caso da Educação Física, é o caráter de (in)utilidade que a disciplina tem
assumido no processo de formação do aluno.
A desportivização deve ser analisada no sentido da padronização das práticas
corporais em detrimento ao aspecto criativo da expressão corporal. Procura-se
entender como ela acontece historicamente, quais os interesses envolvidos e quais os
impactos desta transformação na sociedade.
No aprendizado das diferentes técnicas e táticas que constituem e identificam o
legado cultural das distintas práticas corporais, deve-se conceber que o conhecimento
sobre estas práticas se dá para além dos elementos técnicos e táticos. Do contrário,
corre-se o risco de reduzir as possibilidades de superar as concepções equivocadas de
  24

corpo ainda existentes em nossa sociedade, perdendo a capacidade de relacionar e


refletir sobre quaisquer manifestações corporais.
Trabalhar a questão do lazer é essencial no sentido de possibilitar ao aluno a
apropriação crítica e criativa de seu tempo, por meio do conhecimento historicamente
construído e aprendido na escola. Assim, o lazer, nas diretrizes, tem espaço garantido
nestas reflexões.
O elemento articulador cultura corporal e diversidade “propõe uma abordagem
que privilegie o reconhecimento e ampliação da diversidade nas relações sociais”
(DCE, 2008, p.29) a fim de oportunizar o aprendizado com o outro, como forma de
valorização das práticas corporais de cada segmento social e cultural.
A mídia como elemento articulador está presente na vida das pessoas e a
rapidez das informações dificulta a possibilidade de reflexão a respeito das notícias.
Daí que este elemento deve “propiciar a discussão das práticas corporais
transformadas em espetáculo e, como objeto de consumo” (DCE, 2008, p. 30).
Em relação à escolha e organização temática dos elementos articuladores e
quanto a sua forma de abordá-los, as DCE de 2006, 2007 e 2008 não trazem
mudanças significativas. Esses elementos foram pautados pela noção materialista de
entendimento do homem e da sociedade. Sua proposta de organização do trabalho
pedagógico é a de garantir a compreensão da realidade atual de acordo com o método
dialético pelo qual se estudariam os fenômenos ou temas articulados entre si com a
realidade atual mais geral, permitindo aos estudantes, além da percepção crítica, uma
intervenção ativa na sociedade, com seus problemas, interesses, objetivos e ideais.
O grande desafio, entretanto, está em como articular esses elementos com as
diferentes manifestações corporais. Eles podem ser, efetivamente, articulados com a
dança? As DCE fornecem subsídios para orientar o professor a pensar tais
articulações?
Mesmo entendendo que as DCE são orientações para a organização do trabalho
do professor e não um documento receituário, reflexões acerca das possibilidades de
tratar a dança como conteúdo estruturante em relação com os elementos articulares
seriam essenciais para um diálogo que, ainda, tem dificuldades de acontecer. Nesse
  25

sentido, exemplos de como essa comunicação poderia ser feita auxiliaria o docente a
pensar sua prática e a visualizar os elementos articuladores realmente “articulados” e
não separados em “gavetas” isoladas em forma e conteúdo.

5 DIRETRIZES: OUTRAS REFLEXÕES

Pensando numa educação sensível e humanizada, Duarte Júnior (1995)


desenvolve uma concepção de educação fundada na beleza e fundamentada na
estética, cuja construção de conhecimento tenha base nas percepções, na
sensibilidade e na criatividade humana. Nestes caminhos e, trazendo a dança para o
debate, encontra-se Barreto (2005, p. 44), para quem “somente recriando o sentido da
escola será possível pensar sobre uma dança na escola, que pode ser ao mesmo
tempo uma dança da escola”. Assim, não podemos mais ignorar o papel social, cultural
e político do corpo em nossa sociedade e, portanto, da dança.
Por meio de nossos corpos aprendemos [...] quem somos, o que
querem de nós, porque estamos neste mundo e como devemos nos
comportar diante de suas demandas. Conceito e regras sobre gênero,
etnia, classe social estão e são incorporados durante nosso processo
de ensino-aprendizado (MARQUES, 2005, p. 26).

Considerando o contexto histórico da Educação Física e seu trânsito por


diversas perspectivas teóricas com vistas a avançar em relação a alguns paradigmas
tradicionais que insistiam em uma função disciplinadora de treinar o corpo, sem
qualquer reflexão sobre o fazer corporal, implementam-se, coletivamente, as Diretrizes
Curriculares da Rede Pública de Educação Básica do Estado do Paraná.
As Diretrizes Curriculares para a educação básica do Paraná surgem como
documento governamental em oposição a um documento federal – os PCN. O texto
das Diretrizes afirma que a educação física teve avanços teóricos, sofrendo um
retrocesso, na década de 90 quando, após a discussão e aprovação da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), apresentou-se a proposta dos
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) para a disciplina de Educação Física.
  26

As diretrizes paranaenses, com base em diversos autores de renome nacional,


tecem suas críticas ao referido documento. Uma delas refere-se, especificamente, à
disciplina de educação física, quando menciona ter havido um esvaziamento dos
conteúdos próprios da disciplina por priorizar temas como ética, meio ambiente, saúde
e educação sexual, em detrimento ao conhecimento e reflexão sobre as práticas
corporais historicamente produzidas pela humanidade (DCE, 2008, p. 14).
Outras críticas são tecidas no sentido de que os PCN não apresentam coerência
interna de proposta curricular (ecletismo teórico), de que contém elementos da
pedagogia construtivista e tecnicista pautada na idéia de eficiência e eficácia. Defende
o conceito de saúde e qualidade de vida ancorada na aptidão física, valoriza a
pedagogia das competências e habilidades e não leva em conta a realidade social e
regional, colocando a Educação como solução para os problemas sociais e
responsabilizando os homens pelo seu sucesso ou fracasso na vida. Menciona que o
mesmo documento apresenta-se flexível e optativo.
Apesar de sua redação aparentemente progressista, pode-se dizer que
os Parâmetros Curriculares Nacionais de Educação Física para o
Ensino Fundamental e Médio constituíram uma proposta teórica
incoerente. As diversas concepções pedagógicas ali apresentadas
valorizam o individualismo e a adaptação do sujeito à sociedade, ao
invés de construir e possibilitar o acesso a conhecimentos que
possibilitem aos educandos a formação crítica (DCE, 2008, p.15).

Mesmo sofrendo diversas críticas, os PCNs foram uma primeira tentativa


governamental de sistematização da dança, fundamentada em autores/pesquisadores,
trazendo em seu conteúdo de arte e educação física possibilidades de intervir e ampliar
a prática docente.
É inegável a importância dos PCNs como proposta educativa, como marco que
inaugura novas e diversas maneiras de abordagem da dança. A partir do estudo e
apropriação crítica de seu conteúdo, estados e municípios começaram a refletir e
definir suas diretrizes curriculares. Assim, ao invés de negar os PCN como as diretrizes
vem fazendo, seria importante orientar a leitura crítica com o intuito de que os
professores possam refletir e comparar o que está posto com o que observam na
realidade das escolas para que as próprias diretrizes não caiam nos mesmos erros.
  27

Outro ponto observado é que os PCNs em dança trazem mais elementos do que
o apresentado pelas diretrizes, pois nos seus grupos de conteúdos abarcam essa
manifestação em seus diferentes aspectos: como expressão e comunicação humana,
como manifestação coletiva e como produto cultural e apreciação estética.
As várias mudanças ocorridas nas DCE (quatro no total) durante dois anos
(2007 e 2008) dificultaram a investigação do documento. Porém, pode-se considerar
um avanço, pois se reconhece a necessidade de “movimento” próprio desse
documento oficial a partir das colaborações advindas dos professores da educação
básica. Significam um avanço por dar continuidade a um processo que norteia as
ações pedagógicas da Educação Básica do Estado do Paraná, principalmente pelo
exercício coletivo dos professores participantes, expondo suas experiências docentes,
porém, limitadas, já que não contavam com intenso preparo para essas discussões.
Pelo fato de haver carência de um estudo aprofundado da dança não houve
participação concisa e intensa dos professores. Como criar/construir no vazio? Como
propor sem alicerces que garantam uma densa reflexão e sistematização teórica?
Muito ainda precisa ser feito em relação à dança, embora as condições iniciais já
tenham sido postas. A rotatividade de professores envolvidos na construção das DCE
e, talvez, a falta de professores especialistas no trato educacional com a dança,
preocupados em intensificar e qualificar o debate dos professores envolvidos,
preparando-os para pensar criticamente a elaboração de um documento oficial que
realmente oriente o trato com a dança na escola, dificultam a sistematização e o
aprofundamento de tais propostas. Assim, algumas ações político-educacionais devem
ser concretizadas no sentido de evitar esta lacuna e contribuir com uma orientação que
dê condições ao professor de materializar esse conhecimento em sua prática
pedagógica.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A situação da dança nas escolas estaduais mostra-se predominantemente como


uma atividade extracurricular, não como um conhecimento específico e com uma
  28

linguagem expressiva própria. Isto se dá pelo fato dela – a dança – estar atrelada ao
pensamento pedagógico brasileiro, dualista e racional, quando, há séculos, tem
valorizado o conhecimento linear, intelectivo e racional em detrimento do conhecimento
sintético, sistêmico, corporal e intuitivo.
Com o propósito de não entender a dança somente como corpo em movimento,
numa visão reducionista de homem e de cultura, pautada meramente nos aspectos
biológicos, utilitários e mercadológicos, nos propusemos a analisar como o conteúdo de
dança é tratado nas DCE, bem como em outras abordagens teórico-metodológicas, a
fim de apontar avanços e limites dessa proposta, e assim, potencializar reflexões que
contribuam com a ação docente.
Para subsidiar a análise do conteúdo estruturante dança nas Diretrizes
Curriculares do Estado do Paraná, servimo-nos de dois questionamentos: a concepção
proposta nas DCE permite ampliar as possibilidades de intervenção na prática
docente? Os conteúdos estruturantes, os básicos, os específicos e os elementos
articuladores destacados nessas diretrizes visam ao aprofundamento e diálogo com as
diferentes manifestações corporais, nesse caso, em específico, a dança?
As Diretrizes Curriculares do Estado do Paraná, baseadas na pedagogia
histórico-crítica, com pressupostos teóricos do materialismo histórico dialético (que
confere aos seus conteúdos o conceito de cultura corporal), tem como suporte a idéia
de seleção, organização e sistematização do conhecimento acumulado historicamente
acerca do movimento humano para ser transformado em saber escolar. Entretanto, no
que se refere ao conteúdo estruturante dança, não dá conta de levar os professores a
entender a dança em suas especificidades, sejam elas conceituais, históricas ou
técnicas, bem como a visualizar este complexo campo de conhecimento ao fazer
apenas alguns recortes teóricos. Elas dificultam ao professor a visualização de que
para cada dança existe uma técnica corporal diferenciada, construída normativamente
pelos membros de uma coletividade, aceita e (re)significada na relação com o outro.
Ainda, oferecem conceitos vagos (ou ausentes) quanto aos tipos de dança existentes,
bem como possibilidades metodológicas diferenciadas, que vão desde uma forma
tradicional e tecnicista de ensinar dança até formas progressistas que não se
  29

restringem à abordagem marxista, embora esta seja a orientação assumida pelo


Estado.
É urgente pensar em um ensino da dança na escola que não seja enrijecido pelo
“formato” ou austera separação da modalidade a ser trabalhada. Esse não pode ser
empecilho à ação do professor. O fundamental é estimular experiências discentes com
dança que potencializem a capacidade crítica, criativa, artística e cênica do aluno. O
desconhecimento de uma modalidade de dança, em específico, por parte do professor,
não pode inviabilizar seu trato acadêmico, mas constituir inspiração para outras formas
de educar, que envolvem participação dos alunos a partir de sua realidade, do
intercâmbio com profissionais que trabalham com determinada manifestação cultural,
estreitando os laços entre comunidade e escola.
O fato das DCE 2006 apresentarem aspectos diferenciados para o conteúdo
dança, abordados no Ensino Fundamental e Médio e nas DCE 2007/2008, atenta para
modificações nessa estrutura, não explicitadas a partir do contexto que as gerou,
salientando a preocupação de como isto foi consolidado. As escolhas desses
conteúdos não estão claras e, nem tampouco, como eles foram eleitos. A carência
conceitual e teórica leva a dificuldades na ação docente à medida que o professor não
identifica, pela proposta, o que realmente precisa trabalhar e de que forma.
Julgamos ser necessário sistematizar orientações didático-pedagógicas que
contemplem, de modo argumentativo, todos os conteúdos específicos elencados (e
tantos outros não elencados), e não somente sua descrição na forma de tópicos.
Nessa linha, será que as DCE levaram em consideração, ao eleger determinada
manifestação da dança, a articulação daquilo que configura patrimônio cultural comum
(conhecimento universal) com aquilo que é específico de cada escola, comunidade?
Como realizar, na sala de aula, as orientações propostas pelas DCE se elas não
chegam a apresentar de modo claro a forma como encaminhar concretamente o
trabalho com dança?
As DCE carecem de orientações que ampliem a possibilidade do educador
entender o campo da dança em sua densidade e diversidade. Por mais que estas
orientações já estejam acontecendo, sendo parte de uma política governamental,
  30

devem estar claramente postas nas Diretrizes. Esse “pensar a dança” se traduz em
estudá-la a partir de diferentes fontes disponibilizadas, como artigos, livros, teses e
dissertações, documentários, Folhas, Objeto de Aprendizagem Colaborativa, telas,
fotografias, entre outros, realizando uma espécie de “estado da arte”, ou seja, de um
mapeamento teórico que identifique, na contemporaneidade, como se constitui esse
campo do conhecimento a partir dos pesquisadores que investigam essa temática na
escola, das abordagens metodológicas possíveis nesse trato, das ações políticas para
um ensino crítico, dos problemas identificados na prática cotidiana do professor, dos
conhecimentos indispensáveis de ser elegidos e outros possíveis mediante os distintos
contextos.
Diante das condições do sistema de ensino do país, da diversidade de cultura,
seria irrealista pretender vincular a abordagem de cada dança a séries determinadas,
num programa curricular fechado. Porém, a flexibilidade presente nos conteúdos
básicos/específicos, a princípio, procura considerar as diferenciadas condições das
escolas, levando em conta, também, a disponibilidade de recursos humanos. Mas esta
flexibilidade pode, em certa medida, comprometer a função básica da escola e da
própria diretriz, que é garantir o acesso aos bens culturais historicamente produzidos,
sistematizando e transmitindo diferentes saberes a fim de evitar que a cultura
produzida pelo próprio homem o aprisione.
Entre os problemas identificados em relação à dança nas diretrizes como área
do conhecimento da educação física, estão:

a) Falta de fundamentação teórica para um trabalho crítico e consciente;


b) Ausência de orientações didático-pedagógicas ampliadas e consistentes;
c) Dificuldades na abordagem de um referencial teórico mínimo que dê conta de
elucidar o campo de conhecimento da dança.
d) Orientações metodológicas insuficientes para explicitar “o que” e “como” tratar
pedagogicamente esses conteúdos, no sentido de que o professor possa contar com
subsídios teórico-práticos para orientar, efetivamente, sua ação docente.
  31

e) Linguagem messiânica em relação à opção pelo materialismo histórico dialético


sem possibilitar o reconhecimento de outros caminhos possíveis para o trato com a
dança na escola.
Embora muitos problemas cerquem a estruturação das DCE, avanços e
conquistas também foram alcançados com esse documento oficial, merecendo ser
destacados:
a) Construção coletiva das DCE (documento orientador do currículo para toda a
rede pública estadual), contando com a participação de professores, pedagogos,
equipes pedagógicas dos Núcleos Regionais de Educação e de técnicos pedagógicos
da Secretaria de Estado da Educação do Paraná, de forma dialógica, sempre partindo
da prática do professor para as ações de fundamentação teórico-metodológicas, de
modo que possam ser incorporadas na prática docente.
b) Continuidade do processo de formação continuada, já que o Departamento de
Ensino Médio planejou e realizou a Biblioteca do Ensino Médio, a Biblioteca do
Professor, o projeto Folhas, o Livro Didático Público para as 12 disciplinas, encontros e
simpósios sobre Diretrizes, participação no Seminário Regional Sul e Nacional sobre
Orientações Curriculares, simpósios de todas as disciplinas, reuniões técnicas com os
NRE e discussão dos textos preliminares das Diretrizes em Semanas Pedagógicas.
Para 2009, estão previstas a organização da biblioteca do Professor e o Livro Didático
Público para escolas de Ensino Fundamental, bem como vem acontecendo, desde
2005, Grupos de Estudos que tratam especificamente de conteúdos pertinentes a cada
disciplina. Em 2007, iniciaram-se Grupos de Trabalho em Rede (GTR) com a oferta de
diversas temáticas.
c) Incentivo à participação de professores como autores/pesquisadores,
valorizando a produção de material didático (Folhas e OAC).
Longe de distanciar-nos desta problemática numa situação “confortável” do fazer
a crítica (e não recebê-la), percebemo-nos inseridos nesta questão e nas tentativas de
mudança desse quadro. Entendemos que um documento oficial, como as DCE, seja
fundamental para orientar o trabalho do professor, notadamente por seu papel político-
pedagógico, devendo estar sujeito a re-estruturações conscientes, fundamentadas na
  32

participação coletiva dos profissionais envolvidos e, também, na experiência de


profissionais especializados nas áreas tematizadas no sentido de dar aportes
necessários à qualificação deste documento. Esse entendimento é fundamental para a
consolidação de ações que se traduzam na materialização de uma linguagem que
chegue ao professor, que seja entendida por ele, de modo que efetive um ensino de
dança capaz de contribuir com a plena formação do aluno em seu ensejo de aprender,
conhecer e se desenvolver como ser humano. São desafios, postos, certamente à
educação e a nós educadores, atores sociais importantes desse processo.

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