You are on page 1of 31

UMA INTRODUÇÃO À HISTÓRIA DO PENSAMENTO ECONÔMICO1

Prof. Dr. Nali de Jesus de Souza2

Neste trabalho, será apresentada uma introdução à história do pensamento econômico, com a
evolução sumária da Economia através dos tempos, com o objetivo de mostrar que o dia-a-dia das
pessoas não está dissociado do aspecto econômico. Tanto a segurança física, a manutenção da vida,
como a alimentação e outras necessidades básicas constituem a preocupação fundamental dos seres
vivos. Desde que acorda todas as manhãs, o homem procura satisfazer suas necessidades: toma o
seu banho, veste-se, alimenta-se, lê o jornal, utiliza-se de um meio de transporte e se dirige para o
trabalho. Para pagar por esses bens que consume, para ter um mínimo de conforto, ele precisa de
uma renda, que normalmente vem de seu trabalho.
Sempre foi assim através dos tempos. Nas comunidades primitivas, o homem preocupava-se
com a caça , a pesca e com a segurança do lar. A mulher cuidava pessoalmente da casa e dos filhos,
ou administrava os serviços executados por serviçais. Havia uma divisão do trabalho, que
naturalmente variava em parte de uma comunidade para outra, de acordo com os costumes. Essa
divisão do trabalho evoluiu através dos tempos. Parte dos bens e serviços obtidos domesticamente
passaram a ser produzidos fora da casa ou da comunidade, por pessoas que se especializavam em
determinadas profissões; estes foram os artífices ou artesãos. Mais tarde, surgiram as fábricas e o
trabalho passou a ser assalariado, dando início ao modo de produção capitalista.

1 - ORIGENS DO PENSAMENTO ECONÔMICO

A Economia surgiu como ciência através de Adam Smith (1723-1790), considerado o pai da
Economia Política. Sua obra, A Riqueza das Nações, publicada em 1776, constituiu um marco na
história do pensamento econômico. Antes disso, a Economia não passava de um pequeno ramo da
filosofia social, como atestam as contribuições do abade e filósofo francês Turgot (1727-1781),
como será visto adiante. Com o Mercantilismo (1450-1750), as idéias econômicas conheceram
algum desenvolvimento, mas na Antigüidade e na Idade Média as relações econômicas eram
bastante simples, como será visto a seguir.

1.1 RELAÇÕES ECONÔMICAS NA ANTIGÜIDADE

Mesmo nas sociedades primitivas, os homens precisavam organizar-se em sociedade, para


defender-se dos inimigos, abrigar-se e produzir comida para sobreviver. A divisão do trabalho daí
decorrente permitiu o desenvolvimento da espécie humana em comunidades cada vez maiores e
mais bem estruturadas. Na maior parte dos casos, a produção era basicamente para a própria
subsistência. Algumas pessoas produziam um pouco mais, permitindo as trocas, o que gerou
especialização.
No lar, os homens produziam as ferramentas e utensílios rudimentares para a agricultura, caça,
pesca e para trabalhos com madeira (enxadas, pás, machados, facas, arco, flechas e outras armas).
Com o tempo, surgiram pessoas com habilidade que se especializaram na produção de cada um dos
tipos de bens. Alguns trabalhadores mais habilidosos não só aprenderam uma profissão específica,
como passaram a reunir aprendizes e ajudantes. A escala de produção ampliou-se; os produtos
adquiriram maior qualidade e os custos de produção se reduziram em função do aumento das
quantidades produzidas.
Aqueles que produziam armas ou ferramentas específicas tinham pouco tempo para se dedicar à

1
Relatório Pesquisa da área de História Econômica, realizada no NEP PUCRS.
2
Professor do Programa de Pós-Graduação em Economia da PUCRS. Doutor em Economia pela USP.
2

caça, à pesca ou à agricultura: eles precisavam trocar os produtos que fabricavam por alimentos e
peles para vestuário. Aos poucos, o trabalho de alguns homens passou a ser suficiente para atender
às necessidades de um conjunto cada vez maior de pessoas. As trocas se intensificaram, portanto,
entre artesãos, agricultores, caçadores e pescadores. A economia adquiria maior complexidade à
medida que as relações econômicas realizadas em determinadas localidades alcançavam
comunidades cada vez mais distantes. As trocas colocavam em contato culturas diferentes, com
repercussões locais sobre os hábitos de consumo e a estrutura produtiva.
Mais tarde, com o surgimento dos líderes comunitários, formaram-se as classes dos soldados,
dos religiosos, dos trabalhadores e dos negociantes. Com a divisão do trabalho e as especializações,
ficou bem nítida a formação dos diferentes agentes econômicos: governo, consumidores,
produtores, comerciantes, banqueiros. O sistema bancário tornou-se importante com o surgimento
da moeda, que passou a circular como meio de troca. Na medida em que ela era depositada nos
bancos, passou a ser emprestada mediante o pagamento de juros.
Contudo, entre os filósofos gregos, com grande influência no mundo antigo, havia restrições
filosóficas aos empréstimos a juros, ao comércio e ao emprego do trabalho assalariado. A busca de
riqueza era considerada como um mal, tendo em vista que a ambição é um vício. Esse pensamento
dificultava o desenvolvimento da economia. De outra parte, na Grécia antiga, como em Roma, a
maior parte da população era composta por escravos, que realizavam todo o trabalho em troca do
estritamente necessário para sobreviver em termos de alimentos e vestuário. Os senhores de
escravos apropriavam-se de todo o produto excedente às necessidades de consumo dos
trabalhadores. A economia era quase exclusivamente agrícola; o meio urbano não passava de uma
fortificação com algumas casas, onde residiam os nobres, ou chefes militares.
Para os gregos, a Economia constituía apenas uma pequena parte da vida da cidade, onde se
desenrolava a vida política e filosófica, constituindo segundo eles os verdadeiros valores do
homem. Por essa razão, a obtenção de riqueza constituía um objetivo bastante secundário na vida
dos cidadãos. Para eles, a questão primordial consistia na discussão acerca da repartição da riqueza
entre os homens e não como ela se obtinha.
Segundo a filosofia grega, o grande objetivo do homem era alcançar a felicidade, que se
encontrava no seio da família e no convívio no interior da cidade, através da interação entre os
cidadãos. A busca da felicidade, no entanto, não devia se restringir ao prazer, porque seria voltar à
condição de animal e de escravo. A honra era importante na medida em que mostrava ao homem os
verdadeiros valores da vida. Segundo eles, embora o comércio não fosse considerado como uma
atividade natural, as trocas não eram condenáveis pois permitiam a diversificação das necessidades
humanas e levavam à especialização dos produtores. Entretanto, como o comércio era uma
atividade que não possuía limites naturais e a moeda facilitava as trocas, criava-se uma classe de
comerciantes ricos. Segundo eles, essa possibilidade de riqueza fácil corrompia os indivíduos, que
passavam a dar prioridade à busca da riqueza, em prejuízo da prática das virtudes. Pela lógica
grega, tornava-se portanto condenável toda prática que levasse à acumulação de moeda, como a
existência de trabalho remunerado e a cobrança de juros nos empréstimos.
No pensamento de Platão o comércio e o crescimento econômico associavam-se com o mal e
com a infelicidade dos homens. Para ele, o trabalho era indigno porque retirava do cidadão o tempo
que ele precisava para o lazer e a prática das atividades políticas e filosóficas. Na livro A República,
de Platão, os cidadãos que exerciam altos cargos públicos não deviam “trabalhar” para não “poluir a
própria alma”. Eles precisavam ignorar o dinheiro, desvencilhar-se da propriedade de bens e esposa,
buscando o que necessitavam na comunidade. Sendo o trabalho necessário para a atividade
produtiva, ele precisava ser realizado por escravos. A classe inferior, que trabalhava, podiam
possuir bens e trocá-los, bem como acumular riquezas dentro de certos limites para não se tornarem
maus trabalhadores. Ele condenava o empréstimo a juros, pois o ganho provém da moeda
acumulada e, segundo ele, ela devia ser usada apenas para facilitar as trocas.
Aristóteles compartilhava da maioria das idéias de seu mestre Platão, mais rejeitou a
comunidade de bens por considerá-la injusta por que não compensava o indivíduo segundo o seu
3

trabalho. Como os indivíduos não são iguais, eles não deviam ter a mesma participação na posse
dos bens. Concluía Aristóteles que a comunidade acabava produzindo mais conflitos do que a
desigualdade em si. Segundo ele, o indivíduo devia preocupar-se mais com aquilo que lhe pertence
e não com a partilha dos bens existentes. A comunidade, ao desestimular a propriedade, produz a
pobreza. Considerava que o trabalho agrícola devia ser reservado aos escravos, ficando os cidadãos
livres para exercer a atividade política no interior da cidade.
Para a maioria da população, a cidade constituía um local de refúgio em caso de ataques
inimigos. Constituía também um local de compras, em que o camponês levava seus produtos para
vender e abastecia dos gêneros de primeira necessidade, sobretudo de bens manufaturados. Porém,
as cidades da Antigüidade eram pequenas e insalubres, salvo algumas capitais e centros
administrativos. A urbanização expandiu-se um pouco com o desenvolvimento das trocas
comerciais. Surgiram cidades relativamente grandes, para os padrões da época, como Atenas,
Esparta, Tebas, Corinto e Roma. Devido à pobreza do solo para o cultivo, a navegação tornou-se
uma necessidade crucial para os gregos, a fim de aumentar as riquezas de suas cidades, que eram
independentes politicamente umas das outras.
No mundo grego antigo justificava-se a escravidão pela idéia de que alguns homens possuíam
uma inferioridade inata. Esse regime de trabalho atrasou o desenvolvimento da humanidade, pois,
como o trabalho era considerado tortura, os escravos nada faziam para aumentar a sua eficiência. O
domínio da Filosofia sobre o pensamento econômico implicava nas idéias de igualdade entre os
cidadãos e no desprezo pela riqueza e o luxo. O homem devia procurar o aprimoramento de sua
alma, dedicando a maior parte de seu tempo à meditação, com prejuízo de sua atividade econômica.
Necessitava levar uma vida simples, o que não favorecia o consumo e a produção. Essa posição
filosófica dificultava, portanto, o desenvolvimento das relações econômicas. A busca e a posse de
riquezas era sinônimo de vaidade, orgulho e luxúria.
Já entre os romanos o pensamento econômico estava ligado à política e ao aumento dos
domínios nacionais. O espírito imperialista dos romanos levou à expansão das trocas entre Roma e
as nações conquistadas. A riqueza era sempre bem-vinda, o que se obtinha pela dominação: os
povos conquistados eram obrigados a produzir os bens que os romanos necessitavam consumir. Os
romanos, por seu turno, construíram muitas estradas e aquedutos na Europa e partes da África, com
o fim de facilitar o transporte e o abastecimento das tropas; essas construções possuíam, portanto,
um fim político e não econômico.
Roma surgiu em torno de 750 a.C. e entre 260 e 146 a.C. ela conquistou a atual Itália, ao vencer
seu rival Cartago (reino da África do Norte, que criou colônias na Itália e Espanha). Posteriormente
(Séculos I e II), ela transformou a Grécia em uma província romana e conquistou sucessivamente a
Ásia Menor, a Judéia, a Síria, a Espanha e a Gália. Este foi o primeiro império. O segundo império
romano estendeu-se entre os Séculos III e V da era cristã. As artes se desenvolveram desde o
primeiro império. As cidades se organizavam em torno de um centro político, o fórum. Em volta do
fórum, ficavam os mercados, os templos, os banhos públicos e os teatros. O abastecimento urbano
de água era feito por aquedutos, que eram estruturas áreas sustentadas por grandes pilares. As águas
desciam das fontes pelos aquedutos e abasteciam as termas, os edifícios públicos e os domicílios.
Com a fundação de Constantinopla em 330 d.C. e a transferência da corte romana para essa
cidade, Roma entrou em decadência. Houve uma substancial redução dos gastos públicos e redução
da massa salarial da cidade. O comércio foi enfraquecido, assim como as atividades econômicas,
parte das quais havia mudado para a nova capital. O Império do Oriente era uma potência
industrial, enquanto o Império do Ocidente definhava em termos econômicos. As rotas comerciais
que levavam a Roma foram abandonadas e as invasões dos bárbaros ajudou a afundar o Império do
Ocidente.

1.2 RELAÇÕES ECONÔMICAS NA IDADE MÉDIA

Considera-se como Idade Média o período entre o desaparecimento do Império Romano do


4

Ocidente, no ano de 476, e a queda de Constantinopla, tomada pelos turcos em 1453. Esse período
caracteriza-se particularmente pela pulverização política dos territórios e por uma sociedade
agrícola dividida entre uma classe nobre e uma classe servil, que se sujeitava à primeira. A
economia conhece um retrocesso, principalmente entre os séculos V ao XI. As trocas passaram a se
realizar em nível local, entre Senhor e os servos; as antigas estradas romanas deixaram de ser
conservadas e tornaram-se intransitáveis (Hugon,1988, p. 45).
Na base do sistema feudal estava o servo, que trabalhava nas terras de um senhor, o qual, por
seu turno, devia lealdade a um senhor mais poderoso, e este a um outro, até chegar ao rei. Os
senhores davam a terra a seus vassalos para serem cultivadas, em troca de pagamentos em dinheiro,
alimentos, trabalho e lealdade militar. Como retribuição a essa lealdade, o senhor concedia proteção
militar a seu vassalo.
O servo não era livre, pois estava ligado à terra e a seu senhor, mas ele não constituía sua
propriedade, como o escravo. As trocas restringiram-se ao nível regional, entre as cidades e suas
áreas agrícolas. A cidade, com seus muros, constituía o local de proteção dos servos, em caso de
ataque inimigo. Aos poucos, porém, passou a ser o local onde se realizavam as trocas, o mercado.
Desenvolveram-se o comércio, as corporações de ofício, surgindo a especialização do trabalho.
Com as Cruzadas, a partir de 1096, expandiu-se o comércio mediterrâneo, impulsionando cidades
como Gênova, Pisa, Florença e Veneza.
A Teologia católica exerceu um poder muito grande sobre o pensamento econômico da Idade
Média. A propriedade privada era permitida, desde que fosse usada com moderação. Resulta desse
fato a tolerância pela desigualdade. Havia uma idéia de moderação na conduta humana, o que
levava às concepções de justiça nas trocas e, portanto, de justo preço e justo salário. Nenhum
vendedor de um produto ou serviço poderia tirar proveito da situação e ganhar acima do valor
considerado normal, ou justo. “O justo preço é aquele bastante baixo para poder o consumidor
comprar (ponto de vista econômico), sem extorsão e suficientemente elevado para ter o vendedor
interesse em vender e poder viver de maneira decente (ponto de vista moral)” (Hugon, 1988, p. 51).
Similarmente, o justo salário é aquele que permite ao trabalhador e sua família viver de acordo
com os costumes de sua classe e de sua região. Essas noções de justiça na fixação de preços e
salários implicava também a idéia de justiça na determinação do lucro. Em outras palavras, o justo
lucro resultava da justiça nas trocas: ele não devia permitir ao artesão enriquecer. Havia, portanto,
julgamentos de valor na conduta econômica, ou seja, a Filosofia e a Teologia dominavam o
pensamento econômico. Foi mais tarde que o racionalismo e o positivismo tomaram conta do
pensamento econômico, já no século XVIII.
O empréstimo a juros era condenado pela Igreja, idéia que vem de Platão e Aristóteles, pois
contrariava a idéia de justiça nas trocas: o capital reembolsado seria maior do que o capital
emprestado. Por não serem cristãos, os judeus receberam permissão para emprestar a juro, razão
pela qual se explica a sua predominância no setor financeiro, em muitos países. A partir de 1400, no
entanto, as exceções ampliaram-se com o crescimento das atividades manufatureiras e do próprio
comércio na era mercantilista.

1.3 MERCANTILISMO

O Renascimento cultural e científico e o Mercantilismo abriram os horizontes da Europa, a


partir de 1450. A reforma de João Calvino (1509-1564), exaltando o individualismo, a atividade
econômica e o êxito material, deu grande impulso à economia. Enriquecer não constituía mais um
pecado, desde que a riqueza fosse obtida honestamente e pelo trabalho. A cobrança de juro e a
obtenção de lucro passaram a ser permitidas. Entre os protestantes, o verdadeiro pecado veio a ser a
ociosidade, quando a mente desocupada passa a se ocupar do mal. Como a leitura da Bíblia tornou-
se fundamental no culto, incentivou-se a educação, o que se repercutiu na melhoria da
produtividade do trabalho e no desenvolvimento econômico.
No início da era mercantilista, ocorreu uma transformação política na Europa, com o
5

enfraquecimento dos feudos e a centralização da política nacional. Aos poucos, foi se formando
uma economia nacional relativamente integrada, com o Estado central dirigindo as forças materiais
e humanas, constituindo um organismo econômico vivo. O governo central forte passou a criar
universidades e a realizar grandes empreendimentos, como as navegações que abriram as mentes
das pessoas.
No plano internacional, as descobertas marítimas e o afluxo de metais preciosos para a Europa
deslocaram o eixo econômico do Mediterrâneo para novos centros como Londres, Amsterdã,
Bordéus e Lisboa. Até então, a idéia mercantilista dominante era a de que a riqueza de um país
media-se pelo afluxo de metais preciosos (metalismo). O afluxo excessivo de ouro e prata provocou
inflação na Espanha, cuja taxa chegou a 20% ao ano na Andaluzia, entre1561/1582 (Sachs e
Larrain, 1995, p. 820).
Com a idéia de garantir afluxos significativos de ouro e prata para os seus países, os
Mercantilistas sugeriam que se aumentassem as exportações e que se controlassem as importações.
Entre os principais autores Mercantilistas, podem ser citados (ver Hugon, 1988, p. 59 e
seguintes):
a) Malestroit (Paradoxos sobre a moeda, 1566): segundo ele, o aumento do estoque de metais
preciosos não provocava inflação;
b) Jean Bodin (Resposta aos paradoxos do Sr. Malestroit, 1568): para ele, maior quantidade de
moeda gerava aumento do nível geral de preços;
c) Ortiz (Relatório ao rei para impedir a saída de ouro, 1588): ele afirmava que, quanto mais
ouro o país acumulasse, tanto mais rico ele seria;
d) Montchrétien (Tratado de economia política, 1615): ensinava que o ouro e a prata suprem
as necessidades dos homens, sendo o ouro muitas vezes mais poderoso do que o ferro;
e) Locke (Conseqüências da redução da taxa de juro e da elevação do valor da moeda,
Londres, 1692): argumentava que os metais preciosos precisavam permanecer no país.
f) Thomas Mun (Discurso sobre o comércio da Inglaterra com as Índias orientais, 1621).
Através dessa obra, Mun exerceu grande influência sobre o colonialismo inglês.
Na França, o Mercantilismo manifestou-se pelo Colbertismo, idéias derivadas de Jean Baptiste
Colbert (1619-1683), segundo as quais as disponibilidades de metais preciosos poderiam aumentar
pelas exportações e pelo desenvolvimento das manufaturas. Colbert foi Ministro das Finanças de
Louis XIV e chegou a controlar toda a administração pública. Protegeu a indústria e o comércio.
Trouxe para a França importantes artesãos estrangeiros, criou fábricas estatais, reorganizou as
finanças públicas e a justiça, criou empresas de navegação e fundou a Academia de Ciências e o
Observatório Nacional da França. Com a proteção à indústria, as exportações seriam mais regulares
e com maior valor. Com esse objetivo, os salários e os juros passaram a ser controlados pelo Estado,
a fim de não elevar os custos de produção e poder assegurar vantagens competitivas no mercado
internacional. O Colbertismo implicava na intervenção do Estado em todos os domínios e
caracterizava-se pelo protecionismo, ou seja, pela adoção de medidas pelo governo para proteger as
empresas nacionais contra a concorrência estrangeira. Seu pensamento encontra-se na sua obra
Cartas, instruções e memórias, 1651 a 1669.
Outro importante autor francês que se afastou do pensamento mercantilista foi Richard
Cantillon (Ensaio sobre a natureza do comércio em geral, 1730). Cantillon viu no trabalho e na
terra os principais fatores da formação da riqueza nacional. A moeda ingressa no país pelo fato do
valor das exportações ser maior do que o valor das importações. Contudo um excesso de moeda
eleva os preços internamente, o que provoca o encarecimento das exportações e o barateamento das
importações, gerando posteriormente déficit na balança comercial e a saída de ouro e prata do país.
Na Espanha, o Mercantilismo não teve esse caráter desenvolvimentista da França, mas foi mais
puro em sua essência, ou seja, a preocupação central era simplesmente obter o ingresso no país de
metais preciosos, seja pelo comércio internacional (maximização das exportações e controle de
importações), seja pela exploração de minas nas colônias. A preocupação central do governo era
financiar a pesquisa e a exploração de ouro e prata na América espanhola.
6

Assim, com o objetivo de maximizar o saldo comercial e o afluxo de metais preciosos, as


metrópoles estabeleceram um pacto colonial com suas colônias. Por meio desse “pacto”, todas as
importações da colônia passaram a ser provenientes de sua metrópole, assim como todas as suas
exportações seriam destinadas a ela exclusivamente. A metrópole monopolizava também o
transporte dessas mercadorias. Para maximizar os ganhos, ela fixava os preços de seus produtos em
níveis mais altos possíveis; inversamente, a fixação dos preços de suas importações eram os mais
baixos. Segundo Celso Furtado, esse “pacto” deu origem ao subdesenvolvimento contemporâneo,
porque implicava em uma sangria permanente de riquezas que fluíam para as metrópoles.
O principal defeito do Mercantilismo foi ter atribuído valor excessivo aos metais preciosos na
concepção de riqueza. Contudo, sua contribuição foi decisiva para estender as relações comerciais
do âmbito regional para a esfera internacional. Ele constituiu uma fase de transição entre o
feudalismo e o capitalismo moderno. Com o comércio, formaram-se os grandes capitais financeiros
que de certa forma financiaram a revolução tecnológica, precursora do capitalismo industrial.
O sistema mercantilista não favoreceu a agricultura, como poderia ter ocorrido, na medida que
todos os países procuram importar o mínimo possível, mesmo quando havia escassez de alimentos,
ou quando se necessitava de matérias-primas para a indústria nascente. Isso ocorreu na França, pois
Colbert cobrava impostos de importação relativamente altos para a importação de carvão coque
para a fundição de metais.
Naquela época, como nos países em desenvolvimento dos dias atuais, a agricultura constituía
praticamente todo o produto nacional. Inicialmente, os campos eram cultivados uma vez por ano,
com baixa produtividade. Posteriormente, as lavouras passaram a ser divididas em duas partes,
ficando uma em descanso, para recuperar fertilidade. Mais tarde, o sistema passou a ser de três
campos, o que resultou em aumento substancial da produção agrícola por área cultivada. Isso fez
com que a população européia duplicasse entre os anos 1000 e 1300. O número de cidades
aumentou, assim como sua população.
Com o Mercantilismo, as trocas de novos produtos intensificaram-se entre os países europeus,
asiáticos e árabes.3 Desenvolveu-se o sistema manufatureiro doméstico, artesanal, dando
nascimento à indústria capitalista. Inicialmente, o mercador-capitalista fornecia ao artesão a
matéria-prima, para que transformasse em produto a ser comercializado.
Posteriormente, o mercador-capitalista passou a fornecer as máquinas, as ferramentas e, às
vezes, o prédio onde os bens seriam produzidos. Finalmente, em vez de comprar dos diferentes
artesãos os produtos que vendia no mercado, ele acabou contratando também os trabalhadores
necessários à produção, passando a reuni-los em um mesmo local, originando a fábrica. A formação
de grandes capitais, a expansão dos mercados e o surgimento do trabalho assalariado deram
nascimento ao sistema capitalista.
No Mercantilismo, a ética paternalista cristã, católica, ao condenar a aquisição de bens
materiais, entrava em conflito com os interesses dos mercadores-capitalistas. Aos poucos, o Estado
nacional passou a ocupar o lugar da Igreja na função de supervisionar o bem-estar da coletividade.
Gradativamente, os governos tornaram-se influenciados pelo pensamento mercantilista. Leis
paternalistas, como a Lei dos pobres, deram lugar a leis que beneficiavam os interesses dos
Mercantilistas e do capitalismo nascente, como a Lei do cercamento das terras, ou as leis que davam
incentivo à indústria ou criavam barreiras às importações.
A idéia central do Mercantilismo de que o acúmulo de metais preciosos era sinônimo de riqueza
foi muito criticada pelos economistas das escolas fisiocrática e clássica. A moeda passou a ter um
fim em si mesma e não um meio de troca. A produção foi relegada a um plano secundário. No
entanto, a valorização dos metais preciosos como moeda trouxe segurança nos pagamentos
internacionais. De outra parte, o aumento do estoque de metais preciosos, ou seja, de moeda,
reduzia as taxas de juro, o que estimulava os investimentos, a produção e o emprego, contribuindo
para o surgimento do modo de produção capitalista.

3
No Feudalismo, além das trocas serem basicamente locais e regionais, elas não formavam o centro do sistema econômico, como no
Mercantilismo. O feudo era muito fechado em si mesmo e as relações externas limitavam-se ao estritamente necessário.
7

2 - CAPITAL E CAPITALISMO EM PERSPECTIVA HISTÓRICA

O capital é um dos fatores de produção utilizados para facilitar o trabalho humano e aumentar a
sua produtividade, ou seja, para permitir a obtenção da maior quantidade possível de produto por
trabalhador, durante determinado período de tempo. Ele é constituído pela soma de bens,
monetários e não monetários, possuídos por uma pessoa ou por uma empresa, constituindo um
patrimônio, e que tem como finalidade gerar uma renda, através de aplicações financeiras ou por
seu emprego na produção, com o fim de produzir outros bens e gerar lucro.

2.1 EVOLUÇÃO DO CAPITALISMO

O capitalismo caracteriza-se pelo emprego de trabalhadores assalariados, juridicamente livres,


que vendem a sua força de trabalho aos proprietários dos meios de produção, denominados
empresários, que os contratam para produzir bens ou serviços a serem destinados ao mercado, com
o fim de obter lucro. Para gerar esse lucro, definido como a diferença entre as receitas totais e os
custos totais, o capitalista aluga ou constrói prédios, compra máquinas e matérias-primas e contrata
trabalhadores, incluindo-se pessoal de escritório e técnicos de nível médio e superior.
O capitalismo é um sistema econômico e social que sucedeu o Mercantilismo e que se baseia na
propriedade privada dos meios de produção e de troca. Esse sistema se caracteriza pela busca do
lucro, pela livre iniciativa e pela concorrência entre os indivíduos e as empresas. O capitalista é
aquele que possui capitais e que os empresta para a realização de empreendimentos por terceiros ou
que os aplica diretamente na produção de bens e serviços. Assim, qualquer pessoa que tenha
determinada quantia de dinheiro e que compre ações em uma corretora, ou que aplique no sistema
financeiro para receber juros, está se comportando como capitalista.
O capitalismo, tal qual conhecemos hoje, passou por várias fases evolutivas. Primeiro, ele
emergiu no próprio Mercantilismo. Com o empobrecimento dos nobres, houve grande migração
rural-urbana, dando surgimento aos burgos, ou cidades relativamente grandes que serviam de
mercado para cidades menores e para as áreas rurais. Os habitantes dos burgos passaram a ser
conhecidos como burgueses por se dedicarem ao artesanato e ao comércio. Aos poucos, os
burgueses passaram a fazer parte de uma nova classe social, distinta da nobreza e dos agricultores.
Os burgueses fizeram fortuna com o comércio, sendo que alguns deles criaram bancos e se
dedicaram ao comércio internacional (séculos XIII e XIV).
O capital comercial antecedeu, portanto, o modo de produção capitalista propriamente dito. As
trocas consistiam no modo de produção característico da Antigüidade e Idade Média. O sucesso de
um comerciante mede-se pelo lucro absoluto que retira de seu negócio e pela taxa de lucro. O lucro
absoluto é a diferença entre o valor das vendas (receita total) e o valor das compras e de outras
despesas (custo total).
A taxa de lucro define-se como a razão entre o lucro absoluto e a quantidade de dinheiro
empregado na aquisição das mercadorias a serem vendidas, incluindo outros custos, como mão-de-
obra e transporte. Assim, se o comerciante gastou R$ 8.000 na compra de mercadorias e R$ 2.000
com outros custos e obteve um lucro total de R$ 1.000, a sua taxa de lucro foi de R$ 1.000 / R$
10.000, ou seja, 10%.
Com a mesma taxa de lucro de 10%, ele pode aumentar o volume de seu lucro absoluto ao
empregar mais capital na compra de mercadorias e outros insumos. Empregando R$ 30.000, a taxa
de lucro de 10% indica que os lucros absolutos foram iguais a R$ 3.000. A taxa de lucro irá se
reduzir pela concorrência, com o ingresso de novos vendedores no mercado. Isso pode implicar na
redução dos preços de venda e/ou das quantidades vendidas pelo comerciante típico. No exemplo
anterior, mesmo com o preço constante, os lucros absolutos cairão para R$ 2.000, com a limitação
das quantidades vendidas, se o empresário-capitalista só puder aplicar R$ 20.000.
Inversamente, com a redução do número de concorrentes, o comerciante aumentará seu lucro
8

absoluto pelo aumento das quantidades vendidas por unidade de tempo. Assim, se ele vender 16,5
mil unidades de produto por mês, ao preço de R$ 2 a unidade, o volume de vendas montaria a R$
33.000. Descontando as compras de mercadorias e os gastos com mão-de-obra e outros materiais
(R$ 30.000), o lucro absoluto seria igual a R$ 3.000, o que asseguraria a taxa de lucro de 10%.
Se as vendas aumentarem para 20 mil unidades do produto por mês, as receitas totais subirão
para R$ 40.000. Os lucros absolutos crescerão se os custos aumentarem menos do que
proporcionalmente, digamos para R$ 35.500, o que daria um lucro absoluto de R$ 4.500 e uma taxa
de lucro de 12,7%. Assim, os lucros absolutos aumentam com a taxa de lucro (receitas elevando-se
mais do que os custos) e com o crescimento das quantidades vendidas e dos preços de venda.
Desse modo, no Mercantilismo, o capital comercial era constituído pelas mercadorias a serem
vendidas e pelos gastos necessários por essa atividade, como aquisição de escravos e sua
manutenção, ou o pagamento de salários aos empregados. O capital se reproduzia na forma de
dinheiro (D), mercadoria (M) e uma quantidade maior de dinheiro (D’), ou seja: D → M → D’. O
lucro monetário sendo igual a (D’ – D), sendo D’ maior do que D, a taxa de lucro assume a forma
(D’ – D) / D.
Com o desenvolvimento das trocas e o surgimento do sistema bancário, o capital mercantilista
passou a assumir também a forma de capital financeiro (C): o dinheiro D ampliou a sua função de
capital mercantil, usado na aquisição de mercadorias para revenda, para exercer uma função
financeira. Isso foi a reciclagem do capital mercantil em excesso, que passou a ser utilizado no
empréstimo a reis e a grandes empreendedores, a fim de financiar os seus gastos, como no caso das
grandes navegações, ou no tráfico de escravos.
Os lucros obtidos pelo capital financeiro dependem da taxa de juro a que são emprestados, do
volume de dinheiro emprestado e do tempo em que ele ficar de posse do tomador do empréstimo.
Os juros podem ser simples, quando incidem somente sobre o principal, e compostos, ao incidirem
tanto sobre o principal, como sobre os juros vencidos, ainda não pagos. Um capital emprestado a
juros compostos produzem uma quantidade maior de juros, sobre um mesmo capital, do que no caso
dos juros simples.
Os juros simples são iguais à seguinte expressão:
Juros = (capital emprestado x taxa de juro x tempo da aplicação) / 100), ou J = C.i.t / 100
Assim, um capital de R$ 1.000 emprestado a 10% ao ano durante 3 anos gera como juros a
quantia de R$ 300, ou seja: (R$ 1.000 x 10 x 3) / 100 = R$ 300
A lei da usura proíbe os empréstimos a juros muito altos. No Brasil, a Constituição de 1988
limitou a cobrança de juros reais a 12% ao ano. No entanto, esse dispositivo constitucional ainda
necessita de regulamentação, através de lei complementar, pois não define o que se entende por
“juro real”, nem estabelece punições aos infratores. A equipe econômica do Governo Federal é
contra esse dispositivo, pois é através de altas taxas de juro que o Governo pode conter o consumo
interno, lançar títulos públicos no mercado e atrair capitais estrangeiros (ver Souza, 2003, cap. 8).
Na Idade Média, a cobrança de juros constituía um problema ético, sendo considerado usura,
não importando o valor da taxa cobrada. A expansão do comércio mundial e o crescimento dos
excedentes de capitais sem aplicação em alguns segmentos da sociedade, ao mesmo tempo em que
havia carência de recursos em outros setores, levou a Igreja a fazer concessões, passando a proibir
os empréstimos a juros somente para o consumo pessoal.
A Reforma Calvinista do século XVI justificou teologicamente a cobrança de juros, porque
constituía uma renúncia a um investimento lucrativo, enquanto o tomador do empréstimo poderia
obter lucros com os capitais emprestados. Logo, quem emprestasse o seu dinheiro também poderia
participar desses lucros, mediante o recebimento de juros.
O capitalismo propriamente dito somente emergiu na Europa no século XVI, com o
desenvolvimento da produção manufatureira, na esfera produtiva. Este foi o capitalismo
manufatureiro, fase intermediária entre o artesanato e as grandes corporações industriais da
Revolução Industrial. Essa forma de capitalismo começou, de um lado, com os comerciantes
empregando mão-de-obra assalariada na indústria doméstica incipiente; de outro lado, o capitalismo
9

manufatureiro surgiu no momento em que determinados burgueses e artesãos romperam com as


limitações das corporações de ofício e passaram a contratar trabalhadores assalariados (Singer,
1993, p. 137). As suas tarefas limitavam-se a de alugar prédios, comprar matérias-primas,
supervisionar a produção e os trabalhadores e a vender os produtos acabados no mercado.
As corporações de ofício eram associações de pessoas que exerciam uma mesma profissão. Os
artesãos se dividiam em mestres, companheiros e aprendizes. Os artesãos mantinham no interior da
corporação os segredos de seu ofício. Elas foram suprimidas em 1791 pela Revolução Francesa, por
entravarem o desenvolvimento econômico.
O capitalismo aperfeiçoou-se logo que os empreendedores passaram a utilizar ferramentas e
máquinas cada vez mais eficientes, o que elevou a produtividade do trabalho e a taxa de lucro. Com
o tempo, novos capitais ficaram disponíveis. Com a redução da taxa de juro dos empréstimos,
cresceram os investimentos na indústria e nos transportes, o que desenvolveu a atividade
manufatureira.
A invenção da máquina a vapor, o aperfeiçoamento de novas máquinas de fiar e tecer e o
surgimento das ferrovias constituíram inovações tecnológicas que expandiram a atividade produtiva
em nível mundial. Esta foi a Revolução Industrial, surgida na Inglaterra entre 1750 e 1830, que
consolidou o capitalismo industrial e impulsionou a economia inglesa, tornando-a a maior potência
econômica antes do final do século XIX (ver Souza, 1999, Cap. 2). O capitalismo industrial
caracteriza-se pelo emprego intensivo de máquinas e equipamentos, bem como pela adoção
crescente de inovações tecnológicas poupadoras de mão-de-obra. Com as inovações, surgem novos
produtos e novos processos de produção, mais baratos e mais eficientes.
A Revolução Industrial inglesa foi precedida por uma verdadeira revolução na agricultura e
pela revolução nos transportes. A revolução agrícola caracterizou-se pela introdução da lei do
cercamento das terras,4 pelas práticas de drenagem de solos alagados e de irrigação em solos secos,
pelo uso de fertilizantes e o cultivo de pastagens e forragens para alimentar o gado no inverno.
A revolução dos transportes foi a construção de canais navegáveis no interior da Inglaterra, a
introdução da navegação a vapor e a construção das ferrovias. Com isso, reduziram-se os custos dos
transportes, aumentando o alcance espacial dos bens, ou seja, os produtos passaram a ser vendidos
nos mais distantes territórios.
Com a industrialização dos grandes centros e a absorção de grandes contingentes de
trabalhadores, os salários subiram relativamente aos preços. Por conseguinte, os custos das
empresas se elevaram e a taxa de lucro se reduziu. As empresas menos eficientes (com custos mais
altos) acabaram sendo compradas por empresas mais eficientes, ou simplesmente encerraram as
suas atividades. Em muitos ramos industriais, o número de empresas reduziu-se substancialmente,
gerando oligopólios (poucas empresas) ou monopólios (apenas uma empresa dentro da indústria
para produzir e atender o mercado).
Desse modo, com a concentração de capitais na forma de grandes empresas e conglomerados
industriais, o capitalismo industrial transformou-se em capitalismo monopolista. Pelos ganhos de
escala e redução de custos, as grandes empresas conseguem afastar os competidores, permanecendo
poucos produtores no mercado ou, às vezes, apenas um produtor. A empresa oligopolista (e, com
mais facilidade, a empresa monopolista) domina o mercado, determinando os seus preços com o fim
de maximizar lucros. Os ganhos de produtividade, pelo emprego de máquinas mais eficientes, não
acarreta redução dos preços dos oligopolistas na proporção do que ocorreria nos mercados de
concorrência perfeita (ver Souza, 2003, Cap. 5).

2.2 CONCENTRAÇÃO DO CAPITAL

A concentração do capital é inerente ao modo de produção capitalista, não apenas porque toda
pequena e média empresa procura crescer e tornar-se grande, como também porque, no mundo dos

4
O agricultor que não possuía recursos para o cercamento foi obrigado a vender as suas terras, provocando o aumento do tamanho
médio das propriedades rurais.
10

negócios, muitas empresas são absorvidas por outras. No processo de inovação tecnológica,
característico das economias modernas, a tendência é a de que as empresas não inovadoras venham
a fechar as suas portas.
Com a introdução de novos produtos e novos processos produtivos, os preços dos fatores de
produção e das matérias-primas e componentes manufaturados sobem, pela maior procura, o que
eleva os custos de todas as empresas. Como os preços dos novos produtos também sobem, as
empresas inovadoras não apenas suportam os custos maiores, como ainda realizam lucro
extraordinário. A concentração empresarial ocorre tanto na indústria, como no comércio, nos
serviços e no setor financeiro.
A própria concorrência capitalista, como já foi referido, aumenta a necessidade de o capitalista
aumentar o seu estoque de capital, a fim de elevar a produtividade do trabalho e manter a sua taxa
de lucro em crescimento. Desse modo, cada trabalhador possui a sua disposição uma quantidade de
equipamentos cada vez maior. O trabalhador japonês ou americano é bem mais equipado do que o
trabalhador mexicano ou brasileiro. Assim, a relação capital/trabalho é bem maior nos países
desenvolvidos do que nos países em desenvolvimento, o que favorece a formação de grandes
empresas e a concentração do capital na maioria dos setores industriais.
Por seu turno, com a concentração do capital, os produtos são obtidos com maiores quantidades
de capital e menos trabalho e o número de empresas em cada indústria se reduz ainda mais, gerando
oligopolização. De outra parte, com a centralização do capital em grandes empresas, gera-se uma
concorrência desigual entre estes oligopólios e as empresas de menor porte. Em nível mundial, essa
dicotomia materializa-se entre as grandes empresas multinacionais, dos países desenvolvidos, com
as empresas de capital nacional, dos países em desenvolvimento.
As empresas multinacionais, possuindo uma escala de produção de maior dimensão, de nível
mundial, conseguem custos médios inferiores aos das empresas nacionais atuando no mesmo setor,
o que lhes permite maior competitividade internacional e maior taxa de lucro. A tendência é essas
empresas multinacionais crescerem cada vez mais, ou seja, intensificando a concentração de capital
em detrimento de empresas de menor escala, com mercados restritos e dificuldades de exportação.5
Essas grandes empresas multinacionais controlam também o mercado de capitais em nível
mundial. Exceto poucos casos (Microsoft, Rede CNN etc.), elas não possuem um dono em
particular, mas uma miríade de acionistas, incluindo fundos de pensão e clubes de investimentos. A
propriedade dessas empresas, em pequenas partes, ou na sua totalidade, é transacionada no mercado
de capitais, mediante a venda e a compra de ações, que são títulos emitidos pelas empresas, com
direito a dividendos, que representam participação nos lucros da empresa respectiva.
Os donos das ações são os capitalistas, que hoje em dia se distribuem aos milhões nos países
desenvolvidos, podendo ser um jovem, uma viúva, ou um multimilionário, como Bill Gates, dono
da Microsoft. O capitalista, detentor do dinheiro, poderá aplicá-lo em um fundo de investimentos,
recebendo juros, ou comprar diretamente uma ação de uma empresa. Neste caso, ele assume riscos
de possíveis prejuízos, recebendo dividendos, em caso de lucros. Conforme o tipo da ação, ele
poderá ter direito a voto nas assembléias da empresa, passando a influenciar o seu destino.
Com o desenvolvimento da informática e dos meios de comunicação em geral (Internet,
telefone celular, fibra ótica, transmissão via satélite, redução de tarifas telefônicas etc.) ocorreu um
processo de globalização da produção em nível mundial, aumentando os fluxos de capitais entre
países. Esses capitais podem ser de risco, ou especulativo (volátil). Os capitais de risco são de
longo prazo e correspondem aqueles capitais aplicados diretamente no setor produtivo, quando o
aplicador poderá obter ou prejuízos. Os capitais voláteis são de curto prazo e emigram via Internet
de um país para outro, instantaneamente, em função dos diferenciais das taxas de juro. Esses
investidores podem obter lucros especulativos rápidos, em função de mudanças de curto prazo das
condições econômicas das diferentes economias.

5
No caso brasileiro, há o chamado “custo-Brasil”, devido ao excesso de encargos que as empresas sofrem: pesada legislação
trabalhista, alta carga tributária (incluindo impostos de exportação), altos custo de transporte entre o local de produção aos portos de
exportação (deficiência dos meios de transporte), baixa escolarização da mão-de-obra, altas tarifas portuárias etc.
11

3 - PENSAMENTO LIBERAL E CRISES ECONÔMICAS

O Mercantilismo provocou grandes distorções no setor produtivo das economias, como


abandono da agricultura em benefício da indústria, excessiva regulamentação e intervencionismo
exagerado do Estado nos negócios privados. Aos poucos, porém, foram surgindo novas teorias
sobre o comportamento humano, de cunho liberal e individualista, mais de acordo com as
necessidades da expansão capitalista. Como foi visto, o capitalismo foi um sistema que emergiu dos
artesãos e comerciantes que se tornaram financistas e grandes empreendedores. Eles recebiam a
oposição da nobreza, grandes proprietários de terras, que possuíam privilégios, não pagavam
impostos e muitas vezes recebiam rendas vitalícias do Estado.

3.1 FISIOCRACIA E DOUTRINA DO LAISSEZ-FAIRE

Na França, o pensamento econômico constituía um segmento do pensamento filosófico. Com o


movimento enciclopedista liderado por Diderot e d’Alembert, nas primeiras décadas do Século
XVIII, os escritos econômicos se multiplicaram. Surgiram pensadores como Turgot (1727-1781),
que defendeu a livre circulação de grãos entre as regiões francesas, assim como a liberdade para o
comércio internacional e o saneamento das finanças públicas. Antes de Adam Smith (1723-1790),
ele formulou o princípio dos rendimentos decrescentes na agricultura e formulou os rudimentos da
teoria do equilíbrio econômico.
Além do Enciclopedismo, outro movimento intelectual daquela época foi a Fisiocracia, que
constituiu a primeira escola econômica de caráter científico. A Fisiocracia foi liderada pelo médico
francês François Quesnay (1694-1774), autor da obra O quadro econômico, em que analisa as
variações do rendimento de uma nação. Para “os economistas”, como passaram a ser conhecidos a
partir de então, os fenômenos econômicos precisam circular livremente no espaço e entre setores,
seguindo leis naturais, como o sangue no organismo humano. Essa idéia de ausência de obstáculos
para uma melhor circulação dos bens e serviços, assim como do fluxo de rendas, constituiu o
embrião das teorias econômicas modernas.
Segundo a doutrina fisiocrática, a sociedade é formada pelas classes produtiva (agricultores),
pela classe dos proprietários de terras e pela classe estéril, compreendendo esta última todos os que
se ocupam do comércio, da indústria e dos serviços. A agricultura era considerada produtiva por ser,
para os Fisiocratas, o único setor que gera valor. Desse modo, os preços agrícolas deviam ser os
mais elevados possíveis (teoria do bom preço), a fim de gerar lucros e recursos para novos
investimentos agrícolas. Os consumidores seriam compensados pela cobrança de um imposto único
sobre a renda dos proprietários de terras e por medidas que reduzissem os preços industriais.
A idéia de classe estéril resultou da reação fisiocrática contra a doutrina mercantilista. A moeda
passou a ter apenas função de troca e não de reserva de valor, pois este encontra-se somente na
agricultura. A indústria e o comércio constituem desdobramentos da agricultura, pois apenas
transformam e transportam valores. A terra produz valor por sua fertilidade, seguindo leis físicas,
ou de ordem natural. Desse modo, a agricultura precisava ser incentivada para aumentar o produto
nacional.
No entanto, não era isso que se via na prática: a agricultura era penalizada pela ação
discriminatória do Estado. Quando havia boas colheitas, a abundância de produtos reduzia os
preços, pois os produtos não podiam ser escoados de regiões com produção abundante para regiões
com produção insuficiente. Em caso de más colheitas, a escassez resultante de produtos tendia a
aumentar os preços. No entanto, os controles de preços do Governo, para não elevar o custo de vida
da população, não permitiam que os agricultores saíssem do prejuízo. Ao mesmo tempo, eles eram
sobrecarregados de impostos, uma vez que o Governo obtinha suas receitas com base na classe
produtiva. Os nobres e o clero praticamente não pagavam impostos.
A redução do jugo do Estado poderia diminuir com uma conduta mais liberal, deixando o
mercado agir naturalmente. Turgot pregava a livre circulação de bens e a liberdade total para
12

empreender, assim como os Fisiocratas, como uma maneira de desenvolver a economia. Com a
presença de uma lei natural regulando a ordem econômica, os homens precisam agir livremente;
qualquer intervenção do Estado inibiria essa ordem, ao criar obstáculos à circulação de pessoas e de
bens. Assim, eles propunham a redução da regulamentação oficial, para aumentar a produtividade
da economia, e a eliminação de barreiras ao comércio interno e a promoção das exportações. Ao se
proibir as exportações de cereais, aumenta a oferta interna e reduz os preços, o que reduz os lucros,
impede novos investimentos e diminui a produção na safra seguinte.
Em relação aos demais setores da economia, para manter baixos os preços das manufaturas e
beneficiar os consumidores, os Fisiocratas propunham o combate aos oligopólios (poucos
vendedores) e o fim das restrições às importações. O pensamento fisiocrático era, portanto, liberal,
traduzindo-se na famosa divisa laissez-faire, laissez passer... (deixai fazer, deixai passar ...).
O principal defeito do pensamento fisiocrático era a premissa de que somente a terra gerava
valor. Com isso, eles se mantinham muito tolerantes em relação à classe dos proprietários e à
nobreza. Este era a diferença fundamental entre os Fisiocratas e Turgot. Para este último, o valor
encontra-se no trabalho e esse pensamento faz dele um precursor da Economia clássica.

3.2 ECONOMIA CLÁSSICA

O liberalismo e o individualismo dos clássicos estavam associados ao bem comum: os homens,


ao maximizarem a satisfação pessoal, com o mínimo de dispêndio ou esforço estariam contribuindo
para a obtenção do máximo bem-estar social. Tal harmonização seria feita, segundo Adam Smith
(1723-1790), por uma espécie de mão invisível: o livre funcionamento do mercado, com o sistema
de preços determinando as quantidades a serem produzidas e vendidas, gera automaticamente o
equilíbrio econômico.
No preço correspondente ao equilíbrio, as quantidades demandadas pelo público corresponde às
quantidades ofertadas pelas empresas. Não há excesso de produtos não vendidos (aumento dos
estoques não desejados), nem escassez dos mesmos (consumidores não atendidos). O mercado
funciona como se houvesse uma mão invisível regulando o equilíbrio entre as quantidades ofertadas
e demandadas.
A idéia de satisfação pessoal dos consumidores e de maior bem-estar do conjunto da população
está relacionada com a doutrina hedonística do prazer6. Essa doutrina, igualmente presente entre os
Fisiocratas, também leva à idéia de racionalidade: os consumidores vão optar pela obtenção de
maiores quantidade de bens (maior satisfação) e pelo pagamento de menores preços; os produtores
desejam sempre maiores lucros, motivo pelo qual tendem a pagar menos pelos insumos e a pedir os
maiores preços possíveis pelos seus produtos.
A Reforma protestante de João Calvino contribuiu para a difusão do individualismo, mola
mestra do pensamento clássico, ao defender o trabalho como vocação e o sucesso pessoal resultante.
Quando todos trabalham arduamente para obter maiores salários e maiores lucros, aumenta
simultaneamente a riqueza nacional, o que gera novos empregos, maior arrecadação de impostos e o
desenvolvimento econômico. A busca de maiores lucros, de fortuna pessoal, é motivada por uma
espécie de egoísmo individual, mas que leva ao bem-estar coletivo.
O pensamento dos economistas clássicos fundamenta-se, portanto, na liberdade individual e no
comportamento racional dos agentes econômicos. Ao Estado caberia assegurar essa liberdade,
proteger os empreendimentos e os direitos de propriedade; manter a ordem e a segurança dos
cidadãos; investir na educação, saúde e em certas obras públicas.
Com a publicação da Riqueza das nações, em 1776, tendo como experiência a Revolução
Industrial inglesa, em curso desde as primeiras décadas do Século XVIII, Adam Smith estabeleceu
as bases científicas da teoria econômica moderna (Smith, 1983). Ao contrário dos Mercantilistas e
Fisiocratas, que consideravam os metais preciosos e a terra, respectivamente, como os geradores da
riqueza nacional, para Adam Smith o elemento essencial da riqueza é o trabalho produtivo. Assim,
6
Ver no Glossário o termo Hedonismo.
13

o valor pode ser gerado fora da agricultura, toda vez que uma mercadoria for vendida a um preço
superior ao seu custo de produção.
O trabalho fica ainda mais produtivo com o emprego de mais capital; a maior produtividade
resultante incrementa o valor do produto total, por unidade de tempo. São as trocas e a expansão das
áreas de mercado que aumentam a demanda, possibilitando maior volume de produção, com menor
custo (economias de escala), mediante o emprego de trabalho e capitais adicionais. A seqüência
maior escala, menores custos, maior produtividade dos fatores capital e trabalho e maiores lucros
implica em novos investimentos e geração de novos empregos; em suma, implica no crescimento
econômico nacional.
Desse modo, quando os mercados tornam-se nacionais e internacionais, fica possível a
especialização produtiva dos trabalhadores, o que gera a seqüência referida. De outra parte, o
aumento da massa salarial da economia nacional dinamiza o setor de mercado interno. O aumento
da produção desta vez para satisfazer o mercado interno nacional possibilita nova divisão do
trabalho (especialização produtiva) e uma nova seqüência redução de custos médios e crescimento
econômico.
A economia de Adam Smith conhece, portanto, expansão contínua, enquanto for possível
ampliar a dimensão dos mercados e empregar novos trabalhadores produtivos. A acumulação de
capital desempenha também um papel crucial ao aumentar a produtividade dos trabalhadores. O
progresso técnico resultante permite aos empresários o pagamento de salários mais elevados,
enquanto o crescimento demográfico e a concorrência entre os trabalhadores exercem efeito oposto.
O pensamento de Adam Smith foi aperfeiçoado por seu principal discípulo, David Ricardo
(1772-1823), autor de Princípios de economia política e tributação (Ricardo, 1982). Para Ricardo,
o crescimento demográfico exerce efeito nocivo sobre a economia, ao elevar a demanda de
alimentos. Isso ocorre porque o aumento do custo de vida repercute-se sobre a expansão dos
salários industriais, reduzindo a taxa média de lucro do conjunto da economia. Com isso, os
investimentos reduzem-se, afetando o nível de emprego e o produto total.
Desse modo, o grande problema da economia estava na agricultura, pela existência de
rendimentos decrescentes, à medida que ela mostrava-se incapaz de produzir alimentos baratos para
o consumo dos trabalhadores. Como a agricultura constituía mais de dois terços do produto
nacional, o aumento dos custos de produção da agricultura e a conseqüente redução da taxa de lucro
se repercutia automaticamente no conjunto da economia, provocando estagnação econômica.
Ricardo elaborou a teoria da renda da terra, segundo a qual, à medida que a população cresce,
ocupam-se terras cada vez piores, aumentando os custos na margem de cultivo, enquanto a renda da
terra, embolsada pelos proprietários, expande-se nas terras de melhor fertilidade. Por definição, no
início do processo de ocupação de uma área geográfica, a população ocupa as melhores terras (tipo
A). Nessa área, não havendo nenhuma outra terra pior sendo utilizada, não existe renda. A receita
total gerada apenas cobre os custos e os lucros são normais. O valor da produção, ou receita total, é
distribuído somente entre os capitalistas arrendatários e os trabalhadores.
Crescendo a população, aumenta a demanda de alimentos e os preços sobem, o que justifica o
emprego de terras piores, do tipo B. Nessa terra pior não existe renda, pois, da mesma forma, as
receitas apenas cobrem os custos de produção. Nas terras do tipo A, no entanto, o maior rendimento
da produção agrícola por unidade de área gera uma receita maior do que os custos. Essa diferença é
a renda da terra que os proprietários embolsam.
Com o crescimento demográfico persistindo, os preços dos alimentos sobem novamente.
Ocupam-se terras ainda piores, do tipo C, embora nestas terras as receitas apenas cobrem os custos
totais. Os diferenciais de produtividade geram, no entanto, uma renda nas terras do tipo B e uma
renda ainda maior nas terras do tipo A. Essas rendas decorrem, portanto, das diferenças da
produtividade da terra, sendo embolsada pelos proprietários, ficando os capitalistas arrendatários
apenas com o lucro normal.7
Ricardo demonstrou que, com o crescimento demográfico no longo prazo, caem tanto os lucros

7 Para maiores detalhes, ver Souza (1999, p. 103-107).


14

dos arrendatários, como os salários reais (salário individual/preço dos alimentos) e a taxa de lucro
(lucro absoluto/capital empregado). Por outro lado, aumentam os preços dos alimentos, os salários
monetários e a renda da terra dos proprietários. A queda da taxa de lucro reduz os investimentos na
agricultura e em toda a economia.
A solução apontada por Ricardo foi o controle da natalidade e a livre importação de alimentos,
para consumo dos trabalhadores. Com a importação de alimentos, evita-se que os preços subam e
que a agricultura se desloque para terras piores, o que evita o aumento dos custos, a deterioração da
taxa de lucro e a queda dos investimentos em toda a economia.
A teoria da população de Thomas Malthus, adotada pelos clássicos, diz que a população
aumenta em proporções geométricas (1, 2, 4, 8...), ao passo que, na melhor das hipóteses, a
produção de alimentos cresce a taxas aritméticas (1, 2, 3, 4...). A população crescerá sempre que os
salários nominais (w) estiverem acima do salário mínimo de subsistência (w*), definido por Ricardo
como aquele salário pago na margem extensiva de cultivo. Nesse caso, haverá incentivo para
casamentos precoces e aumento do tamanho da família. A população irá reduzir-se se os salários
monetários pagos no mercado forem inferiores ao salário mínimo de subsistência (w < w*); a
população permanecerá estacionária quando tais salários forem iguais por um período relativamente
longo (ver Souza, 1999, p. 148).
A igualdade entre o salário nominal de mercado e o salário mínimo de subsistência é uma
característica do estado estacionário, situação de longo prazo em que cessa toda acumulação de
capital. Isso ocorre porque a taxa de lucro de mercado (r) iguala-se à taxa de lucro mínima (r*),
definida como o juro pago pelo capital emprestado (i), mais um pequeno diferencial correspondente
ao risco dos negócios (i*). Desse modo, o produto da economia não cresce mais, assim como o
nível de emprego e a população total.
O estado estacionário foi melhor estudado por Stuart Mill (1806-1873), em sua obra Princípios
de economia política (Mill, 1983). Segundo ele, tanto a concorrência entre os capitalistas por
melhores oportunidades de negócios, como o crescimento demográfico, que leva o cultivo para as
piores terras, aproximam o estado estacionário, enquanto a livre importação de alimentos e as
inovações tecnológicas (recuperação de terras alagadas ou áridas, novos métodos de cultivo,
sementes geneticamente melhoradas, uso de fertilizantes e corretivos do solo) afastam o fantasma
do estado estacionário para épocas futuras.
Quando o progresso técnico deixar de ocorrer, em um futuro muito remoto, o estado
estacionário acabará finalmente acontecendo. Toda a população, porém, apresentará nível de vida
tão elevado, que o objetivo social não seria mais o consumo e o enriquecimento, mas o lazer e a
busca do aperfeiçoamento cultural e espiritual.
Como se percebe, os economistas clássicos enfatizaram a oferta, isto é, o lado da produção. A
idéia era a de que tudo o que fosse produzido seria consumido. Essa suposição foi melhor
explicitada por Jean-Baptiste Say (1767-1832), ao formular a lei dos mercados (lei de Say) em seu
livro Tratado de economia política (Say, 1983). Segundo ele, “a oferta cria a sua própria procura”.
Isso se explica porque os clássicos supunham que a produção realiza-se com proporções fixas, ou
seja, todo acréscimo de produção exige o aumento simultâneo e proporcional de capital e de
trabalho.
Assim, ao aumentar a produção há ao mesmo tempo o pagamento de uma renda na mesma
proporção que irá ser gasta nessa produção adicional. Os economistas clássicos supunham que a
economia encontrava-se em equilíbrio com pleno emprego de fatores, isto é, que ela sempre se
encontrava sobre a fronteira de possibilidades de produção. Uma nova acumulação de capital
retirava trabalhadores subempregados de outros setores e gerava um fluxo de renda correspondente
ao valor dos novos bens levados ao mercado, restabelecendo de imediato o equilíbrio entre oferta
agregada e demanda agregada.
A lei de Say do equilíbrio dos mercados foi criticada por Thomas Robert Malthus (1766-
1834), em sua obra Princípios de economia política. Segundo ele, existem crises no sistema
capitalista resultantes do subconsumo da população, ou seja, do crescimento insuficiente da
15

demanda efetiva8 (YD), definida como a soma do consumo agregado (C), gastos com investimento
(I), gastos do Governo (G) e exportações menos importações (X-M). A demanda efetiva define,
portanto, o nível do produto total doméstico absorvido pela economia, em função de sua capacidade
de pagamento.
O subconsumo decorre da redução gradual dos salários reais, o que impede a população manter
seu consumo em crescimento ou nos mesmos níveis ano após ano. Com estoques não vendidos, as
empresas reduzem a produção no período seguinte. Se a queda do poder de compra da população
for sistemática, a acumulação de capital tende a declinar, assim como a oferta total (YS) e o nível de
emprego. Desse modo, aumentos de oferta não geram demandas adicionais no nível correspondente,
havendo uma tendência de YS manter-se acima de YD.
A lei de Say não se verifica também, segundo Malthus, porque os clássicos não levaram em
conta os gostos e as necessidades dos consumidores e porque os trabalhadores desempregados já
mantém algum nível de consumo prévio. Além disso, a paixão pela acumulação e o receio da
concorrência leva o capitalista a investir acima das necessidades da demanda total.

3.3 ECONOMIA MARGINALISTA OU NEOCLÁSSICA

As idéias marginalistas surgiram por volta de 1870 como reação aos movimentos socialistas
de meados do século XIX, que eclodiram devido à concentração de renda e à intensa migração
rural-urbana decorrentes da industrialização. Os marginalistas ou neoclássicos combatiam a teoria
clássica baseada no valor-trabalho e na idéia de que a renda da terra não era socialmente justa.
Novas teorias foram desenvolvidas para o valor, distribuição e formação dos preços.
Suas suposições são as de que a economia é formada por um grande número de pequenos
produtores e consumidores, incapazes de influenciar isoladamente os preços e as quantidades no
mercado. Os consumidores, de posse de determinada renda, adquirem bens e serviços de acordo
com seus gostos, a fim de maximizarem sua utilidade total, derivada do consumo ou da posse das
mercadorias. Essa é uma concepção hedonista, segundo a qual o homem procura o máximo prazer,
com um mínimo de esforço.
Dados os preços de mercado, os produtores adquirem os fatores de produção necessários a fim
de combiná-los racionalmente e produzir as quantidades que maximizarão seus lucros. Os fatores
têm preços determinados por sua escassez e utilidade no processo produtivo. Não há mais conflito
entre as classes sociais na distribuição do produto, como na Economia clássica, mas harmonia entre
os agentes. Isso se explica porque, no pensamento marginalista, a distribuição do produto efetua-se
segundo as produtividades marginais de cada fator; os salários passaram a ser flexíveis
(determinados pela interação entre a oferta e a demanda de trabalho) e não mais de subsistência
(fixos), como no pensamento clássico.
A essência do pensamento marginalista pode ser sintetizada em 10 pontos (Oser & Blanchfield,
1983, p. 207):
1) raciocínio na margem: a decisão de produzir ou consumir vai depender do custo ou benefício
proporcionado pela última unidade;
2) abordagem microeconômica: o indivíduo e a firma estão no centro da análise, cada bem
levado ao mercado é único ou homogêneo, possuindo um preço que equilibra sua oferta com a
demanda;
3) método abstrato-dedutivo: abstração teórica, argumentação lógica e conclusão;
4) concorrência pura nos mercados, sendo o monopólio uma exceção: muitos vendedores e
compradores concorrem no mercado por bens e serviços; as firmas são pequenas e individualmente
não conseguem influenciar o preço de equilíbrio de mercado;
5) ênfase na demanda como elemento crucial para determinar os preços, ao contrário dos
clássicos que enfocavam a oferta, ou custo de produção;

8
Termo empregado por Keynes em 1936. A demanda efetiva foi definida como sendo o ponto em que, em um determinado
momento, a demanda agregada torna-se igual ao produto total da economia (Keynes, 1990, p. 38).
16

6) teoria da utilidade: a utilidade que as pessoas têm no consumo dos bens, determinada por
seus gostos, influencia as quantidades demandadas de cada bem e, então, seus preços. Há uma
ênfase em aspectos psicológicos, com a consideração da abordagem hedonista de prazer (satisfação)
e sofrimento (custos);
7) teoria do equilíbrio: as variáveis econômicas interagem e o sistema manifesta uma tendência
ao equilíbrio pelo jogo das livres forças de mercado;
8) direitos de propriedade: cada proprietário recebe pela posse de um fator de produção, o que
reabilitou a renda da terra, considerada por Ricardo como um pagamento desnecessário e
improdutivo;
9) racionalidade: as firmas e consumidores maximizam lucro ou satisfação e não agem por
impulso, capricho ou por objetivos humanitários. Embora este último ponto possa ser louvável, ele
não faz parte das suposições econômicas marginalistas;
10) laissez-faire, ou liberdade de mercado: toda e qualquer interferência nos automatismos do
mercado gera custos e reduz o bem-estar social.
Em sua obra Princípios de Economia, de 1890, o inglês Alfred Marshall (1842-1924) realizou
a chamada primeira síntese neoclássica, tentando conciliar os pensamentos clássico e marginalista,
dando nascimento ao termo neoclássico (Marshall, 1982).
Segundo os economistas neoclássicos, a utilidade de um produto determina o valor dos bens, a
quantidade demandadas e, então, o preço de equilíbrio do mercado de cada bem. Isso foi
representado por Marshall em um gráfico de duas dimensões, determinando o equilíbrio parcial
pela interação da oferta e da demanda de cada bem, segundo os seguintes passos:
1o - quanto maior a utilidade do bem, tanto mais ele será procurado pelas pessoas e tanto maior
será o seu valor e seu preço;
2o - quanto maior for o preço, tanto mais as firmas querem produzir e vender tal produto;
3o - o equilíbrio do mercado é aquele em que há um preço único para vendedores e
compradores, em que a quantidade demandada é igual à quantidade ofertada, como se pode ver na
Figura 2.1. Nessa figura, observa-se que quando os preços são baixos, as pessoas desejam comprar
maiores quantidades do produto. Assim, quando o preço (P) for igual a 1, as quantidades
demandadas (Q) do bem são iguais a 40; com P = 2, Q = 30; P = 3, Q = 20; P = 4, Q = 10; P = 5, Q
= 0.
Essa relação inversa entre quantidades demandadas e preços gera uma curva de demanda
negativamente inclinada. Para derivar esta curva de demanda negativamente inclinada, Marshall
supôs que, no curto prazo, as utilidades marginais de cada indivíduo permanecem constantes, isto é,
que os consumidores são racionais e que os gostos não mudam.
A oferta apresenta-se regulada pelos custos de produção e uma série de quantidades são
produzidas em função de um conjunto de preços. Quando os preços são altos, as empresas desejam
produzir e vender maiores quantidades. Com o preço igual a 5, as quantidades ofertadas pelas
empresas são iguais a 40 unidades do produto; com P = 4, Q = 30; P = 3, Q = 20; P = 2, Q = 10; P =
1, Q = 0. A relação direta entre quantidades ofertadas e preços gera uma curva de oferta
positivamente inclinada.
17

A interação entre a oferta e a demanda determina o preço e as quantidades de equilíbrio de


mercado. Na Figura 2.1, observa-se que quando o preço do produto for igual a 3, a quantidades
demandadas são iguais a 20, as mesmas quantidades que as firmas estão dispostas a ofertar no
mercado. Este é o preço de equilíbrio, em que não falta nem sobra produto no mercado.
Marshall manteve os princípios clássicos da “mão invisível” da concorrência e a liberdade de
mercado (laissez-faire). Esses princípios asseguram que a maximização de lucros leva os
proprietários dos fatores a receber de acordo com a contribuição de cada um no processo produtivo
(produtividade marginal). A produtividade marginal de um fator corresponde ao acréscimo do
produto total proporcionado pelo emprego de uma unidade a mais do mesmo. O empresário terá
interesse em empregar essa unidade adicional (por exemplo, o operador de uma máquina) até o
ponto em que o valor da produtividade marginal for igual a seu preço (salário) (raciocínio pela
margem).
Os salários e os preços, perfeitamente flexíveis, são regulados pela oferta e demanda de
trabalho, ou pela oferta e demanda de bens e serviços no mercado. A produção obtém-se com
proporções variáveis de capital e trabalho, cujo emprego dependerá de seus custos: um mesmo
nível de produto pode ser obtido com mais capital e menos trabalho e vice-versa. Na economia
clássica, pelo contrário, a função de produção apresentava proporções fixas: todo acréscimo de
produção necessitava de adição simultânea de capital e trabalho.
Uma diferença fundamental entre a Escola neoclássica e a Escola clássica diz respeito à teoria
do valor. Enquanto nesta última o valor é determinado pela quantidade de trabalho incorporado nos
bens, na primeira o valor depende da utilidade marginal. Desse modo, pelo pensamento neoclássico,
quanto mais raro e útil for um produto, tanto mais ele será demandado e valorizado e tanto maior
será o seu preço.

3.4 TEORIAS DO VALOR

Em economia, um produto é considerado um bem porque possui um valor, que pode ser
definido pela utilidade, ou pela quantidade de trabalho produtivo incorporado. A primeira definição
é a da teoria do valor-utilidade, proveniente da Escola neoclássica; a segunda é a da teoria do
valor-trabalho, adotada na Escola clássica e na Escola marxista.
Pela teoria do valor-utilidade, um bem possui valor porque apresenta utilidade para o
consumidor, ao mesmo tempo em que lhe proporciona satisfação. O alimento ingerido por uma
pessoa elimina a sua fome e satisfaz uma necessidade, que é a da alimentação. No entanto, as
pessoas têm preferências distintas pelos diferentes alimentos. Embora a carne seja rica em
proteínas, o vegetariano prefere legumes; algumas pessoas contentam-se apenas com arroz, feijão e
carnes; outras “necessitam” ainda de saladas.
Na medida em que os produtos são mais procurados, os seus preços se elevam, porque o seu
“valor” aumenta. Significa dizer que a noção de valor, por essa teoria, é subjetiva: os preços de
alguns produtos sobem mais do que o de outros ao se tornarem mais procurados. Assim, a carne
bovina possui maior preço do que outras carnes; as roupas da estação que se avizinha possui maior
procura e, portanto, maior preço do que as roupas da estação que está chegando ao fim. Um vestido
da moda é mais valorizado do que um vestido fora de moda. Entre os vestidos da moda, o seu preço
dependerá ainda de vários fatores, como qualidade do tecido, desenho, nome da etiqueta que o
desenhou (grife) e outros detalhes, incluindo a cor e a preferência das mulheres.
Através de campanhas publicitárias ativas, determinadas marcas de produtos ampliam seu
espaço no mercado, porque as agências de publicidade conseguem convencer os consumidores de
que o produto em questão possui qualidade superior. Assim, quando essas marcas tornam-se
preferidas e mais procuradas, os preços desses produtos se elevam. Como exemplos, podem ser
citadas determinadas marcas de refrigerantes, de sapão em pó e de outros produtos de limpeza.
Quando algumas marcas de produtos são lançadas no mercado, de forma pioneira, elas chegam a ser
confundidas com o próprio produto. É o caso da Gillette e da Xerox, que chegaram a ser
18

confundidas, respectivamente, com lâminas de barbear e cópias fotostáticas.


Em muitos casos, as marcas tornam-se aceitas pelos consumidores em função da qualidade do
produto. Com o tempo, surgem produtos concorrentes no mercado, de boa qualidade, o que ajuda a
reduzir os preços dos produtos mais tradicionais. As campanhas publicitárias tornam-se então mais
acirradas, podendo virem a ser classificadas como propagandas enganosas, com sanções previstas
no Código de Defesa do Consumidor.9
A teoria do valor-trabalho considera que o valor de um produto depende da quantidade de
trabalho produtivo incorporado na sua fabricação, medido pelo tempo empregado. Essa teoria parte
da idéia de que a atividade econômica realiza-se em termos coletivos, ou socialistas. A atividade
produtiva não seria apenas técnica, envolvendo também relações sociais entre patrões e
empregados. Por essa teoria, se um vestido saiu da moda, o seu valor permanece o mesmo, porque
ele continua necessitando do mesmo número de horas para a sua confecção. Supõe-se, nas
sociedades coletivas, que as pessoas vão continuar comprando os mesmos produtos, com a mesma
intensidade, em todos as épocas do ano, sem qualquer influência das grifes.
Em outras palavras, não há subjetividade na determinação do valor e no comportamento do
consumidor. A idéia é a de que o valor dos bens depende apenas do grau de dificuldade de sua
fabricação. Assim, segundo essa teoria, um barril de petróleo extraído do mar pela Petrobrás, a dois
mil metros de profundidade, deveria custar mais caro do que um barril de petróleo extraído em terra
a poucos metros do solo. Como o produto é o mesmo, ocorre um impasse ao chegar no mercado. O
preço acabará sendo fixado pelos custos dos locais de extração mais difícil; ocorrerá lucro puro nas
jazidas de menor profundidade, em terra. Este é, em essência, o pensamento de David Ricardo,
exposto anteriormente.
Percebe-se, desse modo, que o valor não fica determinado pelo mercado, como na teoria do
valor-utilidade, mas do lado da produção. Para os economistas clássicos, do século XVIII, os custos
do fator trabalho, constituindo praticamente a totalidade dos custos de produção, determinava o
valor dos bens. Assim, o custo médio de produção de um bem Y coincidia com o seu preço,
denominado preço de produção, ou preço natural (pn). Ao levar esse bem Y no mercado, se o
produtor conseguisse vendê-lo por um preço de mercado (pm) superior ao preço natural, então ele
teria um lucro extraordinário (lucro puro), uma vez que o lucro normal está incorporado nos custos
de produção (é a remuneração do produtor, como executivo).
No século XVIII, as relações comerciais eram muito precárias e as relações econômicas muito
simples. Toda a atenção estava centrada no ato de produzir, de onde derivou a lei dos mercados ou
lei de Say: tudo o que fosse procurado seria vendido, pois as rendas geradas pela nova produção
correspondia, ao mesmo tempo, aos recursos necessitados pelos consumidores para a aquisição da
produção aumentada. Desse modo, não haveria crise econômica pela existência de produção não
vendida, com aumento de estoques, seja pelo fato das empresas terem produzido acima das
necessidades de consumo (crise de superprodução), seja porque o consumo não cresce na
proporção da oferta por insuficiência de renda, ou achatamento salarial (crise de subconsumo).

3.5 CRISES ECONÔMICAS

Como na análise clássica, os economistas neoclássicos mantiveram uma visão otimista da


economia. Para eles, os frutos do progresso técnico e do crescimento econômico são distribuídos de
modo eqüitativo para todos os agentes econômicos, sem conflitos, segundo sua contribuição ao
processo produtivo.
Contudo, na prática, em muitas oportunidades ocorreram crises econômicas permanecendo a

9
O Art. 37 do Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078 de 11/9/90) define propaganda enganosa ou abusiva qualquer informe
publicitário “capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades,
origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.” Ao deixar de informar algum dado essencial sobre o produto, a
publicidade ainda é considerada enganosa. O código considera abusiva toda publicidade discriminatória, “que incite a violência,
explore o medo ou a superstição..., desrespeite valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de
forma prejudicial ou perigosa à sua saúde e segurança.”
19

oferta agregada (YS) maior do que a demanda agregada (YD), com desemprego de trabalhadores.
Essas crises resultam de superprodução (demanda agregada encontra-se em seu nível correto,
estando a oferta acima do nível normal), ou de subconsumo (a oferta agregada encontra-se em seu
nível correto, estando a demanda agregada abaixo de seu nível normal).10
As crises de subconsumo já haviam sido apontadas por Sismonde de Sismondi (1773-1842), em
1819, um pouco antes de Malthus. Afirmava ele que o grande afluxo de trabalhadores irlandeses
para a Inglaterra reduzia os salários, concentrando a renda, fazendo com que a população não
conseguisse comprar toda a produção gerada pela economia. A crise resulta tanto do achatamento
da renda dos trabalhadores, como pelo fato dos empresários empregarem mais máquinas do que
trabalhadores, de modo que a receita das empresas cresce, assim como os lucros, mas essa renda
adicional não fica nas mãos dos trabalhadores que vêem o seu consumo crescer lentamente.
Essa discussão acerca das crises econômicas intensificou-se na França, Alemanha e Rússia
porque, para outros pensadores, pelo contrário, o desnível entre oferta e demanda agregadas (YS >
YD) resultava, não do subconsumo dos trabalhadores, mas de erros de previsão dos capitalistas (crise
de superprodução). Em outras palavras, a partir de um determinado momento, as empresas
passariam a produzir além das necessidades de consumo do conjunto da população do país, levando
em conta apenas considerações do lado da oferta, como produzir as quantidades exigidas pela
maximização de lucro, melhorar a qualidade do produto e reduzir custos, tendo em vista o
acirramento da concorrência no mercado.
As crises de superprodução resultam, segundo os revisionistas como Tugan-Baranowsky, de
erros de avaliação dos capitalistas, uma vez que as decisões de produção são desvinculadas das
decisões de demanda. O planejamento central foi então sugerido para coordenar as ações entre os
agentes econômicos. Segundo ele, a acumulação de capital aumenta a produtividade, o que eleva a
taxa de lucro e estimula novos investimentos. Não importa o quanto o consumo se mantenha baixo,
desde que as empresas coordenem a sua produção no nível da demanda. Desse modo, a oferta
agregada YS se manterá sempre igual à demanda agregada YD sem crise de superprodução ou de
subconsumo.
Os marxistas adeptos da teoria do subconsumo, como Rosa Luxemburgo (1870-1919), autora
de A acumulação do capital (Luxembourgo, 1988), criticam a posição dos revisionistas, porque
seria retornar à lei de Say segundo a qual a oferta cria a demanda correspondente. Para os
subconsumistas, as crises resultam do subconsumo dos trabalhadores, em razão do achatamento
salarial e da concorrência entre os capitalistas. Esta concorrência provoca acumulação acelerada de
capital e adoção de tecnologias poupadoras de trabalho. Resulta crescimento maior dos meios de
produção em relação à massa salarial paga aos trabalhadores, futuros consumidores. Desse modo, a
conquista de mercados externos ao país torna-se a salvação do capitalismo, para escoar a produção
excedente através das exportações.
Segundo Karl Marx (1818-1883), autor de Contribuição à crítica da economia política (1857),
o subconsumo dos trabalhadores resulta de sua exploração pelo capitalista, que procura pagar-lhes
salários cada vez menores e a estender a jornada de trabalho. A discussão acerca das crises do
sistema capitalista está intimamente associada com a teoria marxista e com a questão da distribuição
de renda entre as classes sociais, tema das seções seguintes.

4 - REPARTIÇÃO DE RENDA

Existem duas grandes questões em Economia, a saber: como manter o produto nacional em
crescimento contínuo e como repartir os frutos desse crescimento entre as classes sociais. A
primeira questão diz respeito ao emprego dos fatores de crescimento: capital (nacional e
estrangeiro), disponibilidade de mão-de-obra (quantidade, qualidade), gastos em educação (geral e
profissionalizante), investimentos em novas tecnologias (assim como importações de técnicas

10
Distingue-se, ainda, as crises decorrentes da redução da taxa de lucro, mas, no fundo, toda a crise, independente de sua natureza,
resulta na redução da taxa de lucro, definida pela razão entre lucro absoluto e capital aplicado.
20

geradas em outros países), gastos com saúde, investimentos em infra-estruturas etc. Questões
subjacentes ao crescimento, como inflação, crescimento do déficit público, aumento da dívida
pública (interna e externa) e fatores políticos desfavoráveis dificultam a manutenção no tempo de
um crescimento econômico mais acelerado.
A segunda questão, a distribuição da renda, assume um papel primordial porque ela pode inibir
ou entravar a trajetória do crescimento econômico. Se a renda for distribuída em maior proporção
para setores que apenas consomem, o investimento total se reduz ao longo do tempo, o que inibe o
crescimento econômico. No mesmo sentido, se os salários dos trabalhadores crescerem mais do que
a sua produtividade, a taxa de lucro dos empresários irá se reduzir, desestimulando novos
investimentos. Inversamente, se os salários dos trabalhares forem sistematicamente achatados,
haverá redução gradativa de seu consumo, afetando o crescimento do produto no longo prazo.
De modo geral, a distribuição da renda entre as classes sociais determinará uma estrutura
produtiva específica. Assim, se a renda da classe média subir mais rapidamente do que a renda dos
trabalhadores de mais baixa remuneração, então a dinâmica da economia será comandada pela
produção de bens de consumo duráveis, como tem sido o caso no Brasil nas últimas décadas.
Atualmente, o Governo, nas três esferas, consome grande parte do produto social, porque os seus
gastos não param de crescer (pagamentos de juros da dívida interna e externa, previdência social,
funcionalismo público etc.). Esse fato prejudica o investimento global, pois o Governo retira
dinheiro da economia, mediante a emissão de títulos, a fim de poder pagar os seus gastos, o que
reduz o montante que poderia ser destinado ao investimento. Isso ocorre, porque os altos juros
pagos pelo Governo torna mais rentável para os investidores (bancos, particulares, empresas
produtivas) comprar títulos públicos do que investir no setor produtivo.

4.1 DISTRIBUIÇÃO DE RENDA PELA VISÃO CLÁSSICA E NEOCLÁSSICA

Como foi visto anteriormente, Ricardo preocupava-se com o problema da distribuição da renda.
No seu modelo, a renda distribuía-se de maneira desigual entre as três classes sociais consideradas
por ele: donos da terra (rentistas), capitalistas (arrendatários) e trabalhadores.
Ao longo do tempo, o volume de renda recebida pelos donos da terra crescia mais rapidamente
do que os lucros e os salários. Isso se devia ao crescimento demográfico acelerado e à proibição de
importar alimentos, que deslocava a produção agrícola para terras piores e mais distantes dos
mercados. Os preços dos alimentos subiam, assim como os salários monetários pagos, o que reduzia
a taxa de lucro dos capitalistas. Os salários reais11 se reduziam, diminuindo o poder de compra dos
trabalhadores. Isso piorava as condições econômicas dos arrendatários e dos trabalhadores,
enquanto a situação dos rentistas melhorava cada vez mais, uma vez que eles passavam a receber
uma renda adicional pelos diferenciais de produtividade das terras melhores e mais próximas dos
mercados.
Ricardo combatia essa situação, porque a redução da taxa de lucro dos capitalistas acabava
afetando a sua propensão a investir, o total dos investimentos e a taxa de crescimento do produto
nacional. Isso era importante, porque a taxa de lucro da produção agrícola afetava a taxa de lucro da
indústria e do setor terciário. Ricardo acabou demonstrando que a taxa de lucro da indústria e da
economia como um todo acabava sendo determinada pelos salários pagos aos trabalhadores rurais
na fronteira agrícola. A solução apontada por ele foi o controle demográfico e a livre importação de
alimentos e matérias-primas mais baratas do resto do mundo. Essa idéia fundamentava o
pensamento liberal dos economistas clássicos.
Mais tarde, Stuart Mill acabou demonstrando que as inovações tecnológicas na agricultura, por
aumentar a produtividade, neutraliza em parte os rendimentos decrescentes da agricultura, viabiliza
terras improdutivas marginais (áreas secas, ou alagadas, terrenos com declives muito acentuados) e

11
Os salários nominais (w) são os valores efetivamente recebidos pelos trabalhadores, enquanto os salários reais são a relação entre
os salários e os preços (w/p), ou seja aquilo que eles podem realmente comprar. Assim, se os salários nominais subirem 10% e os
preços (p) também subirem 10%, ou salário real e o poder de compra dos salários permanecem inalterados.
21

mantém o crescimento econômico.12


Para os economistas clássicos, portanto, a situação econômica na margem de cultivo afetava o
conjunto da economia. Esse raciocínio foi mais tarde consolidado pelos economistas neoclássicos,
ou marginalistas, a partir de 1870, que romperam com a teoria clássica do valor-trabalho. Como foi
visto, para eles, o valor determina-se pela utilidade dos bens e pelo grau subjetivo de satisfação que
eles proporcionam aos consumidores. Essa utilidade é decrescente, como pode ser visto quando
temos sede: os primeiros goles de água nos proporcionam um grau maior de satisfação, que vai
decrescendo à medida que a sede diminui, chegando a um ponto de saturação.
Para os neoclássicos, o produto depende da combinação eficiente dos fatores produtivos capital,
trabalho, capacidade empresarial e recursos naturais. A produtividade de cada fator diminui à
proporção que o seu emprego aumenta no processo produtivo, permanecendo os demais fatores
fixos. No equilíbrio, a produtividade marginal de cada fator é igual a seu preço. Assim, os
trabalhadores receberão um salário igual à sua produtividade marginal; ou seja, o último trabalhador
receberá um salário, na margem, exatamente igual ao que irá produzir. Este equilíbrio será
retransmitido para toda a economia em um mundo onde predomina a concorrência perfeita.
Desse modo, o total da renda gerada na economia será distribuída da seguinte maneira: aos
capitalistas, mediante os juros que recebem pelos capitais emprestados; aos empresários, pelos
lucros de seus empreendimentos; aos donos das terras, prédios e jazidas pelos aluguéis recebidos;
finalmente, aos trabalhadores, pelos salários a que têm direito.
Quando a economia cresce, há uma distribuição automática das novas rendas aos proprietários
dos fatores capital (juros), capacidade empresarial (lucros), recursos naturais (aluguéis) e trabalho
(salários), em função da produtividade marginal respectiva. Incluindo-se a tecnologia como um
quinto fator, teríamos os royalties, ou direitos, como a remuneração correspondente. Na visão
neoclássica, a distribuição de renda em função da produtividade marginal opera-se, portanto,
harmoniosamente.

4.2 DISTRIBUIÇÃO DE RENDA PELA VISÃO MARXISTA

Já na visão marxista, pelo contrário, a distribuição de renda entre os diferentes grupos ocorre
com conflitos entre as diferentes classes sociais. A dicotomia fundamental, por essa visão, ocorre
entre o empresário (confundido com o capitalista) e o trabalhador assalariado. Este produz um
excedente às suas necessidades de consumo, ou seja, ao produzir uma mesa no final de oito horas de
trabalho, ele recebe como salário um valor inferior a essas oito horas; esse excedente corresponde a
uma mais-valia que o capitalista se apropria às custas do trabalhador. A existência de mais-valia
está indicada pelo fato de que o trabalhador não consegue comprar o produto que confecciona pelo
salário correspondente.
A idéia é a de que o valor de um produto seja igual à quantidade de trabalho que ele
incorporado. Assim, o produto líquido de uma economia é igual à soma do trabalho necessário à
reprodução do trabalhador (salários, ou capital variável, V) e o valor extraído dos trabalhadores, ou
mais valia, M, ou seja:
(1) YL = V + M.
Acrescentando-se em (1) os valores necessários para a reposição do maquinário e as compras de
materiais produtivos (capital constante, C), tem-se o produto bruto da economia:
(2) Y = V + M + C.
Os conflitos sociais, que geram a luta de classes, segundo Karl Marx, ocorre entre os
capitalistas e trabalhadores para obterem as suas respectivas fatias V e M do produto social líquido,
YL. A participação de cada classe na repartição do produto não depende das produtividades
marginais, ou seja, não possui um caráter técnico como postulam os economistas neoclássicos, mas

12
Para maiores detalhes acerca desse assunto, ver Souza (1999, cap. 3).
22

tem um caráter social. Os empresários-capitalistas organizam-se em sindicatos patronais (Federação


de Indústrias, Associações Comerciais, Clube de Lojistas, Confederação de Produtores etc.) e os
trabalhadores associam-se em sindicatos de trabalhadores (Central Única dos Trabalhadores, Força
Sindical, Sindicato dos Bancários etc.). Por ocasião dos dissídios coletivos, os sindicatos negociam
com os patrões e, em caso de impasse, pode acorrer greves por tempo indeterminado.
Em alguns casos, o Governo intermedia negociações; em outros, é o próprio mercado quem
regula tais interações: em caso de altas taxas de desemprego, os trabalhadores e seus sindicatos se
enfraquecem e os acordos são fechados em condições menos favoráveis para eles. Inversamente,
com baixas taxas de desemprego e escassez de mão-de-obra especializada, são os empresários quem
possuem menor poder de barganha. Para manter sua taxa de lucro, eles podem fechar fábricas em
regiões ou países com altos salários e abrir em outros locais com menor custo de mão-de-obra. Foi o
que ocorreu com a Renaud, que fechou uma fábrica em Bruxelas (Bélgica) e abriu outra em São
José dos Pinhas, na Região Metropolitana de Curitiba.
A luta dos empresários, para aumentar a sua participação na renda, não se restringe somente ao
exercício de seu poder de barganha com os sindicatos de trabalhadores. Eles procuram infiltrar-se
no Governo e no Congresso, a fim de obterem bons contratos para obras, ou influenciar a política
econômica governamental ou a votação de projetos importantes. São as chamadas atividades de
lóbi, que nos Estados Unidos é regulamentada em lei. Essas atividades, denominada rent-seeking
(procura pela renda), podem dar margem à corrupção e levar à redução do produto social, porque
gera desperdícios de recursos (ver Souza, 1999, cap. 10).
A taxa de lucro do capitalista tende a se reduzir no longo prazo, porque o achatamento dos
salários dos trabalhadores encontra limites legais, biológicos e econômicos, devido à concorrência
no mercado. Isso pode ser visto pela taxa de lucro (r), que é igual ao lucro absoluto (mais-valia, M),
divido pelo capital total (constante, C, e variável, V):
(3) r = M / (C + V)
Devido à concorrência, os preços no mercado se reduzem, ao mesmo tempo em que o
empresário se vê obrigado a comprar máquinas mais modernas, o que aumenta o capital constante C
mais do que proporcionalmente à mais valia M. Assim, mesmo que os salários contidos no capital
variável V não aumentem, haveria uma tendência da taxa de lucro r se reduzir no longo prazo, o que
levaria a economia a um ritmo menor de crescimento.
Surge uma contradição no interior do processo de produção, que é a tendência do capital se
acumular cada vez mais, ao mesmo tempo em que a renda recebida pelos trabalhadores cresce em
ritmo mais lento. Segundo Marx, isso explicaria as crises periódicas do sistema capitalista, que
acabaria conduzindo a sociedade ao socialismo, como será visto mais adiante.
No entanto, a taxa de lucro média da economia volta a crescer com o aumento dos lucros
absolutos, ou mais valia M, pelo surgimento de novos produtos e processos produtivos mais
eficientes e poupadores de trabalho. A conseqüência é o crescimento econômico com aumento da
taxa de desemprego e concentração de renda na maioria dos países capitalistas.

4.3 DESEMPREGO E MEDIÇÃO DA DISTRIBUIÇÃO DE RENDA

Desemprego e distribuição de renda estão associados, pois quanto mais um país cresce
poupando trabalho e desempregando pessoas, tanto mais a renda nacional se concentra . Em agosto
de 1999, mais de 4,7 milhões de pessoas estavam desempregadas no Brasil, valor que se reduziu
para 4,4 milhões em 2000.
A taxa de desemprego é igual ao número de desempregados x 100, divido pela população
economicamente ativa. Essa taxa foi igual a 7,6% em 1999 (4.714.213 x 100 / 62.029.120 = 8,7%) e
a 7% em 2000 (4.439.308 x 100 / 63.418.686 = 7,0%). Em junho de 2001, segundo o Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), essa taxa se reduziu para 6,8%.
A população economicamente ativa (PEA) é formada pelas pessoas empregadas e
desempregadas, em um dado momento. A PEA é um subconjunto da população em idade ativa
23

(PIA), que no Brasil compreende as pessoas com 10 anos e mais. A PIA é composta, portanto, da
PEA, mais os indivíduos que não trabalham (estudantes, inválidos, rentistas, idosos, réus,
aposentados, pensionistas, donas de casa, outros).
O desemprego existente na economia brasileira se deve:
a) à redução do crescimento econômico, provocado pela crise da Argentina e do menor ritmo de
crescimento da economia dos Estados Unidos, o que provoca redução das exportações e
elevação da taxa de juro interna, o que desacelera os investimentos produtivos;
b) à abertura econômica promovida pelo Brasil desde o Governo Collor, em 1990, que aumenta as
importações de produtos agrícolas e manufaturados, reduzindo a produção interna e o emprego;
c) à modernização tecnológica da indústria, que, devido à globalização, necessita acelerar a troca
de máquinas mais antigas, tornadas obsoletas prematuramente pelo aumento da concorrência,
por máquinas mais produtivas, poupadoras de mão-de-obra;
d) ao uso de robôs e tecnologias intensivas em capital e poupadoras de trabalho;
Em alguns países, a taxa de desemprego encontra-se em níveis superiores à que vigora no Brasil
em 2001, como Alemanha (9,3%) e França (8,8%). Em outros países, neste mesmo ano, a taxa de
desemprego é menor, como no Japão e Reino Unido (4,9%), Estados Unidos (4,5%). Neste último
país, a taxa de desemprego era de apenas 4% em 2000. O menor ritmo do crescimento econômico e
o conseqüente aumento do desemprego na economia mais importante do mundo, tem reflexos
mundiais, pela redução de suas importações.
Na Grande São Paulo, o maior centro industrial do Brasil, a taxa de desemprego é mais alta do
que no conjunto do País: 10,2% em 2000 e 10,7% em junho de 2001. O desemprego formal é
portanto maior nas áreas mais industrializadas (em 1999, a taxa de desemprego era de 10,6% na
França, 10,2% na Alemanha e 9,4% para o conjunto da União Européia).
O desemprego aumenta quando a economia deixa de crescer, se moderniza, trocando máquinas
e quando o crescimento econômico ocorre concentrando a renda. Para medir o grau de
concentração da renda de uma economia, costuma-se utilizar o Coeficiente de Gini, que é um
índice de desigualdade de distribuição inventado pelo estatístico italiano Conrado Gini (1884-
1965); trata-se de uma das medidas de concentração de renda mais utilizadas.
O coeficiente de Gini é derivado da curva de Lorenz,13 como mostra a Figura 2.1, construída a
partir dos dados da Tabela 2.1, que mostra a distribuição de renda para dois períodos diferentes de
tempo, com o respectivo coeficiente de Gini, segundo cinco estratos diferentes (dados fictícios). Na
primeira linha da tabela, percebe-se que a população 25% mais pobre recebia, em 1970, 10% da
renda nacional; e os 25% menos pobres 20% da renda; enquanto os 25% mais ricos detinham 45% e
os 25% menos ricos 25%.

Tabela 2.1 - Estrutura de distribuição de renda de uma economia em dois períodos de tempo
Classes da população Renda recebida Classes da Renda recebida por classe
Segundo os níveis de por classe (%) população (% acumulado)
renda (%) 1970 1990 (% acumulado) 1970 1990
0 – 25 (mais pobres) 10 5 0 - 25 10 5
25 – 50 (menos pobres) 20 10 0 - 50 30 15
50 – 75 (menos ricos) 25 20 0 - 75 55 35
75 – 100 (mais ricos) 45 65 0 - 100 100 100
Coeficiente de Gini (CG) 0,275 0,475

Em 1990, percebe-se que aumentou a concentração da renda nacional: os 25% mais pobres
passaram a receber um percentual menor da renda total (5%); enquanto os 25% mais ricos passaram
a ser contemplados com 65%. Houve igualmente uma piora na distribuição de renda para as faixas

13
Uma curva de Lorenz, aplicada pela primeira vez em 1905 por M. C. Lorenz, representam duas distribuições (como a renda), para
períodos ou países diferentes.
24

intermediárias.
As três últimas colunas da Tabela 2.1 apresentam os percentuais acumulados das classes da
população segundo os níveis de renda e os percentuais acumulados da renda nacional recebida em
cada classe da população. As duas últimas colunas fornecem duas curvas de Lorenz e estão
representadas na Figura 2.1.
No eixo vertical do gráfico estão representados os percentuais acumulados das rendas recebidas
pela população e, no eixo horizontal, os percentuais acumulados da população. A curva de Lorenz
para o período 1 é y1 (Renda 1970) e, para o período 2, é y2 (renda 1990).

Figura 2.2 - Curva de Lorenz de Distribuição de Renda

100

80
% Acumulado da Renda

60 Reta y

y1=Renda 70
40
y2=Renda 90

20

0
0 25 50 75 100
% Acumulado da População

Unindo-se os pontos extremos dessa curva [(0, 0) e (100, 100)], obtém-se a reta y, de 45o,
representando a perfeita igualdade na distribuição da renda: o mesmo percentual da população, em
cada classe, recebe o mesmo percentual da renda, ou seja: 25% da população mais pobre, receberia
25% da renda nacional; os 25% menos pobres, mais 25%; e, assim, sucessivamente, culminando-se
com os 25% mais ricos recebendo também 25% da renda nacional. À medida em que a curva de
Lorenz afasta-se da reta y, da perfeita igualdade, a distribuição de renda nacional piora, como y2
(Renda 90), cuja distribuição é pior em 1990 do que a distribuição representada por y1, em 1970.
O coeficiente de Gini (CG) pode ser calculado dividindo-se a área entre a reta y e a curva de
Lorenz y1, (para 1970) ou entre a reta y e a curva de Lorenz y2 (para 1990), pela área do triângulo
formado pela reta y, o eixo horizontal e o eixo vertical do lado direito da figura, como segue:14

Área entre a diagonal e a curva de Lorenz


(1) CG = _________________________________________________
Área entre a diagonal e os eixos horizontal e vertical da direita

O coeficiente de Gini CG varia de 0 a 1. Quando ele for zero, a distribuição de renda é


perfeitamente igual (determinado percentual da população recebe o mesmo percentual da renda).
Neste caso, a curva de Lorenz coincide com a reta y de 45o; quando o coeficiente de Gini aproxima-
se de 1, a distribuição de renda torna-se perfeitamente desigual (umas poucas pessoas recebem toda
a renda). Neste caso, a curva de Lorenz aproxima-se dos eixos horizontal e vertical da direita.
Assim, quanto mais alto for o coeficiente de Gini, tanto mais concentrada será a distribuição da
série que se está estudando, no caso, a renda. No exemplo da Tabela 2.1, o Coeficiente de Gini era

14
A área do triângulo entre a diagonal e os eixos horizontal e vertical da direita é igual a: (base * altura) / 2 = (1 * 1) / 2 = 0,5. A
área C entre a Curva de Lorenz e os eixos pode ser calculada, aproximadamente, dividindo-se essa área em triângulos e quadriláteros.
Somando-se as áreas desses triângulos e quadriláteros tem-se a área C. A área entre a diagonal e a curva de Lorenz é igual a: 0,5 – C.
Aplicando-se a fórmula (1) acima, tem-se que CG = (0,5 – C) / 0,5.
25

0,275 em 1970, passando para 0,475 em 1990. A concentração da renda aumentou: a participação
dos mais ricos na renda nacional cresceu e a participação dos mais pobres se reduziu. A piora na
distribuição de renda pode ser constatada pelo fato de que a curva de Lorenz y2 está em 1990 mais
distante da diagonal da perfeita igualdade.
No Brasil, a distribuição de renda piorou entre 1960 e 1985 e melhorou entre 1985 e 1993. O
índice de Gini do Brasil passou de 0,50, em 1960, para 0,66, em 1985, caindo para 0,60 em 1993.
Com o advento do Plano Real, estudos recentes mostram que a distribuição de renda melhorou entre
1994 e 1997, mas piorou nos últimos anos, pelo aumento do desemprego.
A população brasileira de menor renda, entretanto, empobreceu. Em 1960, os 10% mais pobres
detinham 1,9% da renda, percentual que caiu para 0,7% em 1993; enquanto 1% da população mais
rica, que detinha 12,1% da renda nacional, em 1960, passou para 15,5%, em 1993 (cfe. IBGE).
O mesmo fenômeno ocorreu nos Estados Unidos: em 1973, os 20% mais pobres recebiam 5,5%
da renda nacional, passando para 4,2%, em 1991; enquanto os 20% mais ricos aumentaram sua
participação de 41,1%, para 44,2%, no mesmo período (Miller, 1994, p.711).
No longo prazo, a visão otimista da economia afirma que o progresso tecnológico aumentará
o bem-estar do conjunto da população, alimentando e vestindo a todos e ofertando um conjunto de
bens variados, incluindo novos medicamentos para a cura de doenças, como câncer e AIDS. No
entanto, os novos produtos, que estimulam o capitalismo por serem ofertados a altos preços,
requerem aumento do poder de compra do conjunto da população.
Isso leva os economistas a acreditar que, em um determinado momento do tempo, todas as
necessidades estarão saciadas e as inovações tecnológicas deixarão de ocorrer. A sociedade estará
então em um estado estacionário de crescimento nulo tanto para a população como para a renda.
Esse estado estacionário, sem acumulação de capital, seria o socialismo.

5 - SOCIALISMO

Segundo Marx, a luta de classes e as contradições internas do modo de produção capitalista,


que levam às crises periódicas, acabarão destruindo o sistema capitalista, emergindo o socialismo
como uma etapa posterior do desenvolvimento das forças produtivas.
Na concepção dos economistas clássicos, o socialismo seria a conseqüência da chegada do
estado estacionário, ou de crescimento econômico zero. Nesse momento, não haveria investimento,
nem crescimento demográfico, pois a população também estacionaria. Porém, na visão do
sistematizador do pensamento clássico, Stuart Mill, essa situação não seria calamitosa, ao contrário
do que pensavam Adam Smith e David Ricardo.
Para Stuart Mill, a sociedade somente chegaria ao estado estacionário quando houvesse
esgotado todas as possibilidades de adotar novos processos tecnológicos e descobrir novos
produtos. O ideal da sociedade não seria o crescimento econômico, ou seja, a aquisição de bens
materiais, mas ela estaria voltada para o lazer e para a realização de atividades culturais e
espirituais. Esse seria o estado de máximo bem-estar, em que tudo estaria regulado pelo coletivo,
em substituição ao individualismo, aspecto característico e fundamental do capitalismo.
Esta também foi a mesma visão de Schumpeter, segundo a qual o estado estacionário chega
pelo esgotamento da função empresarial, que é adotar inovações e assumir riscos. Segundo ele, no
longo prazo, toda inovação passará a ser rotineira e qualquer gerente tornar-se-á capaz de tocar os
negócios. Os lucros deixarão de ser o elemento procurado, uma vez que desaparecerá a noção de
propriedade das empresas, estando as ações das mesmas pulverizadas em uma miríade de pequenos
acionistas. Os executivos e os gerentes estarão preocupados com a maximização de seus salários e
não com a obtenção de lucros máximos, como no capitalismo dirigido diretamente pelos
proprietários de grande parte do capital.
Na visão marxista, contudo, o socialismo decorre de um processo revolucionário e se apresenta
como um modo de produção superior ao do capitalismo. No socialismo, as forças produtivas seriam
comandadas pelos trabalhadores, restaurando a harmonia das forças produtivas, com o
26

desaparecimento dos capitalistas. A economia socialista seria “superior” à economia capitalista por
três razões (Singer, 1990, p. 158):
a) sendo a economia planificada, ela não estaria mais sujeita às crises, ao desemprego e ao
desperdício de recursos;
b) com o desaparecimento das classes sociais, todos seriam proletários e desapareceria a
propriedade privada dos meios de produção;
c) aumentaria o bem-estar dos mais pobres, com a supressão dos ricos, implicando na
substancial redução das desigualdades econômicas entre as pessoas.
Contudo, existem controvérsias acerca das possibilidades do sistema de economia planificada
manter-se em crescimento contínuo ao longo do tempo. Ocorrem conquistas sociais, mas o
crescimento econômico não é suficiente para elevar o bem estar do conjunto da população. Isso
explica o atraso de economias como a albanesa e a cubana, dependente no passado da ajuda russa.
A dissolução da União-Soviética e o surgimento do modo de produção capitalista nos países
desmembrados resultantes, assim como na China e nos demais países do Leste Europeu, contradiz a
suposição marxista da superioridade do socialismo.
Na teoria marxista, o capitalismo constitui uma etapa para a economia alcançar o socialismo. A
Rússia e os demais países do Leste Europeu adotaram o comunismo sem estarem industrializados.
Através da planificação central, o Estado procurou implantar infra-estruturas e desenvolver a
indústria. Controlando centralmente os preços e as quantidades a serem produzidas em cada região,
produto por produto, o sistema gerou uma enorme burocracia, o que dificultou o desenvolvimento
econômico.
O resultado foi o fim da União Soviética em dezembro de 1991, sendo substituída pela
Comunidade dos Estados Independentes, um simples fórum de coordenação das repúblicas, sem um
governo central. Em 1992, o Presidente Yeltsin anunciou um programa de desestatização da
economia e liberalização de preços. A transição para o capitalismo, rota inversa preconizada por
Marx, trouxe aos russos inflação, recessão, desemprego e o crime organizado.
Na Alemanha, caiu o muro de Berlim em novembro de 1989, abrindo o caminho para a
reunificação das duas Alemanhas. A unificação monetária ocorreu em julho de 1990 e a unificação
política em outubro do mesmo ano. A Alemanha ocidental gastou bilhões de dólares com a
reunificação, mas o desemprego ainda é elevado, principalmente do lado oriental.
Cuba e a Albânia ainda resistem em retornar ao sistema de livre mercado e o isolamento
internacional tem restringido o desenvolvimento desses dois países. Cuba vem sofrendo pressões
dos líderes russos, desde 1985, para promover uma abertura econômica e política. O fim da União
Soviética, em 1991, implicou no fim da ajuda econômica que Cuba vinha recebendo, o que causou
um grande colapso financeiro no país. Sua situação econômica piorou ainda mais com o aumento do
embargo econômico norte-americano, após 1992. Privado do petróleo russo e com as exportações
em queda, a partir de 1995, Cuba promoveu o ingresso do capital estrangeiro em vários setores,
exceto na saúde, educação e defesa. A pálida abertura econômica não foi seguida pela abertura
política, pois Fidel Castro ainda insiste em permanecer no poder.
A Albânia, no entanto, embora fechada ao exterior, promoveu algumas concessões, após as
primeiras greves e manifestações em 1990. Ela permitiu a formação de partidos de oposição e
reintroduziu a liberdade religiosa (o ateísmo era a religião oficial). Em 1991, diante de novas
manifestações e da fuga de 15 mil refugiados albaneses para a Itália, o Governo albanês convocou
eleições diretas. Nessa transição para o capitalismo, a economia albanesa encontra-se desmantelada,
com dois terços da indústria desativados e queda da produção de cereais, necessitando a população
da ajuda de organismos internacionais. Em 1997, a taxa de desemprego chegava a 25% da
população em idade economicamente ativa.
Apesar das dificuldades da implantação de uma economia socialista, as economias liberais têm
sido criticadas pela persistência do desemprego, dando surgimento a chamada terceira via, sob a
liderança do Tony Blair, exercendo o cargo de Primeiro Ministro da Inglaterra desde 1997. Blair
27

chegou ao poder depois de convencer o Partido Trabalhista a substituir o quarto parágrafo de seus
estatutos, de 1918, em que propugnava pela “propriedade comum dos meios de produção,
distribuição e comércio”, pela intenção de criar uma sociedade “em que o poder, a riqueza e as
oportunidades estejam em mãos de muitos e não de poucos”.
Essa mudança de postura afastou o Partido Trabalhista inglês da ideologia socialista e o
aproximou da economia de mercado e pela condução coerente da política econômica por parte do
Governo. Por exemplo, como medidas de saneamento econômico do Estado, em janeiro de 1998
Blair anunciou cortes em determinados gastos sociais, como redução das despesas da previdência
social, e estímulo a setores industriais dinâmicos. Com isso, a economia cresceu e a taxa de
desemprego se reduziu para cerca de 5%.

6 - PENSAMENTO ECONÔMICO MODERNO

O liberalismo puro, defendido pelos economistas clássicos, relegava ao Estado apenas o


desempenho de suas funções básicas, como segurança nacional, educação, saúde, manutenção da
ordem e da justiça, além da manutenção dos direitos de propriedade. O Estado deveria deixar que o
setor privado se preocupasse com a produção e o comércio de bens e serviços. No entanto, com o
aumento da freqüência das crises econômicas, gerando desemprego crescente, o Estado tem sido
chamado a participar do gerenciamento da economia e estimular a atividade privada através de sua
política econômica, ao mesmo tempo em que atua em áreas sociais, direta e indiretamente,
procurando melhorar os indicadores de desenvolvimento do País (redução da taxa de mortalidade
infantil, índice de analfabetismo e da evasão escolar, entre outros).
As críticas ao liberalismo econômico acentuaram-se com a Grande Depressão dos anos de
1930. Com a falência de inúmeras empresas e o desemprego em massa, passou-se a aceitar com
mais naturalidade a presença do Estado na economia. Para muitos economistas, ficou evidente que o
bem-estar social não será atingido sem que o Estado intervenha, a fim de assegurar, não só os
direitos de propriedade e a liberdade de mercado, como maior nível de emprego.
Nas duas primeiras décadas do século XX, a economia americana havia conhecido um
crescimento espetacular. O índice de produção da indústria de materiais de transporte e bens de
capital, por exemplo, passou de 100 em 1899, para 969 em 1927, enquanto os índices das indústrias
de aço e artefatos, papel e gráfica e maquinaria chegaram nesse ano, respectivamente, a 780, 614 e a
562 (Hunt & Sherman, 1978, p. 163).
Durante os anos de 1920, o crescimento econômico dos EUA e do resto do mundo foi ainda
mais intenso. No entanto, a grande queda da Bolsa de New York, ocorrida em 24/10/1929,
desencadeou uma grande depressão mundial sem precedentes nos anos de 1930. A queda dos
investimentos e da produção desempregou milhões de pessoas, não só na Europa e Estados Unidos,
como também em países como o Brasil.
O nível da produção agregada caiu muito abaixo das fronteiras de possibilidade de produção,
desempregando os recursos produtivos. No entanto, por suas próprias forças as economias não
conseguiam reunir forças para reagir. Tornou-se necessário identificar as causas do desemprego. A
explicação parecia estar no mau funcionamento das instituições de mercado do mundo capitalista, o
que passou a justificar o aumento da participação do Estado na economia. Esse foi o ponto de
partida da economia keynesiana dos anos de 1930.

6.1 ECONOMIA KEYNESIANA

Em sua obra Teoria geral do emprego, juro e da moeda, John Maynard Keynes (1883-1946)
procurou apontar soluções para a crise do mundo capitalista (Keynes, 1990). Ele explicou que o
valor dos bens e serviços produzidos pelas empresas tem uma contrapartida de renda, que são os
salários, juros, aluguéis, impostos e lucros; que essas rendas, encaradas como custos pelas firmas,
28

na verdade vão ser gastas em novos bens e serviços. O mesmo raciocínio vale para a economia em
seu conjunto. Se parte da população não pode gastar, por não ter um emprego, a economia estará
impossibilitada de produzir em níveis mais altos.
Esse é o fluxo circular de produto e renda, cujo funcionamento não é automático e possui
vazamentos: parte do dinheiro não gasto permanece entesourado em casa ou nos bancos. Em outras
palavras, o problema existe porque parte da poupança não é emprestada e, portanto, não participa
dos gastos. Desse modo, a demanda efetiva (YD) tende a ficar aquém das possibilidades de produção
da economia (YS). Keynes identificou outros vazamentos, que ocorrem com as importações e com o
pagamento de impostos.
Para que esses vazamentos sejam compensados, em caso de recessão (YD < YS) é preciso que:
(a) os bancos elevem seus empréstimos para consumo e investimento;
(b) as exportações sejam estimuladas; e,
(c) o Governo aumente seus gastos.
O maior fluxo de renda resultante estimulará a demanda agregada (YD), retomando-se o caminho
da prosperidade. No entanto, é necessário que os gastos com investimento (I) sejam iguais às
poupanças (S) realizadas em cada período. Como as rendas aumentam com a prosperidade geral da
economia e o consumo não cresce na mesma proporção, haverá uma tendência de S expandir-se de
modo mais acelerado. Assim, o investimento precisa crescer cada vez mais para absorver esse
excesso de poupança e manter o equilíbrio entre demanda agregada e oferta agregada (YD = YS).
Contudo, as oportunidades de negócios rentáveis nem sempre são suficientes para manter esse ritmo
acelerado de crescimento do investimento.
Sendo S > I, o Governo precisa aumentar seus gastos para compensar o excesso de poupança.
Keynes preferia que os gastos do Governo fossem investimentos em áreas sociais, como escolas,
estradas e hospitais, que acabariam beneficiando também o setor produtivo. Esses preceitos
keynesianos tornaram-se aceitos, ao ponto do Congresso norte-americano aprovar, em 1946, a Lei
do Emprego, segundo a qual o Governo passou a ter obrigação de utilizar impostos na preservação
do nível do emprego.
Keynes baseou sua teoria na rigidez de salários (w), devido à existência de contratos. Como os
preços (P) também são relativamente inflexíveis, pela concorrência e a própria recessão, o ajuste,
para evitar maiores quedas do nível de lucro (π), é feito pela demissão de trabalhadores (L). Isso
pode ser demonstrado como segue: supondo que os custos das empresas sejam predominantemente
com salários (wL), então o lucro será a receita total (PQ) - wL. Com a recessão, as quantidades Q se
reduzem, assim como os preços; para evitar maiores reduções dos lucros, os salários w precisariam
se reduzir, como eles são inflexíveis, então as empresas demitem trabalhadores (L se reduz).
Este é o desemprego keynesiano, ou desemprego involuntário, situação em que a pessoa não
encontra trabalho aos salários vigentes. Os economistas clássicos só admitiam o desemprego
voluntário (as pessoas não aceitam trabalhar aos salários oferecidos) e o desemprego temporário,
existente enquanto as pessoas trocam de emprego, ao passarem de uma atividade para outra.

6.2 A SEGUNDA SÍNTESE NEOCLÁSSICA E A CONTRA-REVOLUÇÃO KEYNESIANA

Com a grande crise econômica dos anos de 1930, os economistas liberais passaram a dividir-se
em neoclássicos conservadores e em neoclássicos liberais. Estes últimos começaram a aceitar
alguma participação do Estado na vida econômica. Para eles, a concorrência não existe em sua
forma pura e irrestrita liberdade de mercado gera muita instabilidade. Argumentam que o Governo
pode reduzir essa instabilidade mediante políticas monetárias e fiscais apropriadas (Hunt, 1982:
479).
Seguindo a linha de Pigou, reconhecem a existência de externalidades e recomendam a ação do
Governo. Da mesma forma, no caso dos bens públicos (segurança, estradas, escolas, saúde pública),
o Governo participa de sua produção, ou a delega a particulares, mediante contratos de concessão
de serviços públicos. Portanto, concordam que apenas a ação da “mão invisível” não se mostra
29

suficiente para levar a economia ao equilíbrio, necessitando da ação complementar do Estado.


O principal economista da corrente neoclássica liberal é o norte-americano Paul Samuelson,15
cujas idéias passaram a dominar o mundo acadêmico após a Segunda Guerra Mundial. Sua visão
humanista da Economia assemelha-se à de Stuart Mill, autor que realizou em suas obras uma grande
síntese do pensamento clássico. Como Mill, e juntamente com o inglês John Hicks (1904-1989),
autor de Valor e capital (Hicks, 1984), Samuelson elaborou a segunda síntese neoclássica, com a
qual procurou integrar o pensamento keynesiano dentro dos postulados neoclássicos.
Segundo essa síntese, havendo pleno emprego (a economia funcionando sobre a fronteira das
possibilidades de produção, ou muito próximo dela), utilizam-se integralmente as proposições
teóricas neoclássicas, desde que o mercado funcione segundo os postulados neoclássicos para alocar
recursos e distribuir renda. Entretanto, isso só é possível com o Governo adotando políticas fiscais e
monetárias, regulando oligopólios e atuando na produção de bens públicos (Hunt, 1982, p. 482).
Em caso de desemprego (estando a economia nitidamente abaixo da fronteira das possibilidades
de produção), a recomendação é a adoção das políticas keynesianas, ou seja, o aumento dos gastos
públicos, incentivo às exportações, aos investimentos e ao consumo privado interno, mediante
redução das taxas de juro e expansão da oferta de crédito.
A contra-revolução keynesiana foi provocada pela corrente neoclássica conservadora, que
tem como expoentes Milton Friedman (1912-...), da Escola de Chicago, assim como Ludwig von
Mises (1881-1973) e Friedrich Hayek (1899-1992), da Escola Austríaca. Friedman defende uma
abordagem empírica para a Economia e a exclusão de qualquer julgamento normativo, ou juízos de
valor; enquanto os economistas da Escola Austríaca postulam uma abordagem racional.
Estes economistas da corrente conservadora não concordam com as objeções dos neoclássicos
liberais em relação ao mau funcionamento da economia no laissez-faire. Segundo Friedman (1978),
autor de O papel da política monetária, a Grande Depressão resultou de falhas do Governo e não de
falhas do mercado; ou seja, políticas econômicas erradas desviaram ainda mais a economia de sua
trajetória de crescimento equilibrado, gerando falência de empresas e alto desemprego. Isso
significa que eles acreditam na lei de Say do automatismo do mercado..
Da mesma forma, consideram que a existência de grandes empresas não acarreta influências
significativas sobre a fixação de preços no mercado e que, se isso existir, é porque os Governos
criam facilidades para elas. Eles ignoram a questão das externalidades16 (vantagens ou
desvantagens para as empresas vindas de fora delas mesmas), porque implicaria maior intervenção
do Governo na economia. Em suma, os liberais conservadores prescrevem reduzir ao mínimo a
participação do Governo na economia, para assegurar a ação da “mão invisível” do funcionamento
do mercado.
A crítica de Friedman aos neoclássicos liberais e keynesianos, em geral, relaciona-se com as
estratégias e teorias relativas à demanda agregada. A teoria keynesiana focaliza as determinantes da
demanda agregada e atribui um papel menor à política monetária. Para Friedman e outros
economistas da Escola de Chicago, políticas fiscais que levam ao aumento dos gastos públicos
causam mais inflação do que efeitos positivos sobre a demanda agregada. Os empréstimos
efetuados pelo Governo para financiar seus gastos substituem a demanda privada, sem efeito real
sobre o produto total, provocando maior inflação.
Conclui Friedman que a política monetária não provoca efeitos reais sobre a produção e o
emprego, apenas gera mais inflação. Desse modo, o monetarismo de Friedman limita a ação do
Governo ao rígido controle do crescimento da oferta de moeda, para evitar inflação, uma vez que se
fundamenta no livre funcionamento dos mercados.

15
Samuelson nasceu em 1915 e recebeu o Prêmio Nobel de Economia de 1970; foi professor do Instituto de Tecnologia de
Massachusetts, autor da importante obra Fundamentos da análise econômica, publicada em inglês, em 1947, e em português, em
1983 (Samuelson, 1983).
16
Ver Glossário.
30

6.3 A CORRENTE ESTRUTURALISTA

Os estruturalistas têm mantido uma posição crítica ao pensamento dos economistas


neoclássicos conservadores e liberais. Essa corrente surgiu dos trabalhos realizados por economistas
pertencentes à Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (CEPAL), com sede em
Santiago do Chile. Entre esses economistas, podem ser citados Raul Prebisch, o brasileiro Celso
Furtado, Anibal Pinto, entre outros.
Os estruturalistas entendiam que o desenvolvimento dos países latino-americanos tem sido
bloqueado por causas estruturais, como estrutura agrária inadequada e improdutiva, baseada
simultaneamente no latifúndio e no minifúndio. Os agricultores latifundiários mantêm um modo de
produção extensivo, em grandes extensões de terra, com baixa produtividade. A produção é feita
basicamente para consumo próprio, com pequenos excedentes levados ao mercado.
No caso dos pequenos agricultores dos minifúndios, a escassez de terras não lhes permite, da
mesma forma, obter ganhos de produtividade. A produção obtida nem sempre é suficiente para o
próprio consumo familiar. Os excedentes de produção levados ao mercado, no conjunto dos
agricultores, é portanto muito baixo. Como conseqüência, os agricultores dos países
subdesenvolvidos não são sensíveis às variações de preços no mercado, ou seja, não mudam o nível
da produção quando o preço dos produtos agrícolas aumentam ou diminuem no mercado.
Como resultado, há uma oferta insuficiente de alimentos e de matérias-primas para o
abastecimento do mercado interno e para a exportação. Essa rigidez da oferta traz duas
conseqüências: primeira, eleva-se internamente os preços, provocando inflação; segunda, o lento
crescimento das exportações gera uma tendência ao desequilíbrio na balança comercial, o que
dificulta o aumento de importações para o atendimento da indústria nascente.
Aumento de preços de bens importados, como petróleo e máquinas, agrava o desequilíbrio na
balança comercial. O Governo desvaloriza a moeda nacional para reduzir o déficit comercial. Com
a taxa de câmbio mais alta (como R$/US$), os exportadores recebem mais em reais pelas
exportações feitas em dólares, o que estimula o aumento das exportações; os importadores precisam
desembolsar mais reais por uma mesma quantia de importações feitas em dólares, o que desestimula
tais operações. Como resultado, déficit externo se reduz, mas o aumento de preços das importações
de bens de consumo e de produtos para a indústria se retransmite no interior da economia
provocando pressões inflacionárias.
A solução apontada pelos estruturalistas é a reforma agrária, atacando simultaneamente os
latifúndios e os minifúndios, de sorte a aumentar o tamanho médio das propriedades, para que a
terra se torne mais produtiva. Desse modo, com a elevação do rendimento agrícola, haveria
estímulo para que os agricultores investissem na modernização tecnológica da atividade agrícola
(mais tratores, colheitadeiras, semeadoras, irrigação, fertilizantes, herbicidadas, medicamentos etc.),
elevando ainda mais a produtividade da terra e do trabalho na agricultura.
Os estruturalistas também identificaram uma tendência dos preços internacionais dos produtos
agrícolas e de matérias-primas em geral crescerem mais lentamente em relação aos preços dos
produtos manufaturados. Desse modo, os países que exportam principalmente produtos primários
teriam mais uma explicação para essa tendência de desequilíbrio da balança comercial. Para
combater essa tendência, seria necessário que a pauta exportadora se diversificasse, com a inclusão
gradativa de bens manufaturados. Com isso, as exportações totais manteriam o seu valor, porque o
preço internacionais de produtos manufaturados teriam uma tendência de crescer no longo prazo.
Como se observa, em oposição ao monetarismo, os estruturalistas alegam que a inflação tem
causas básicas, derivadas da limitação e rigidez do sistema econômico, e causas circunstanciais,
como aumento dos preços das importações, e não simplesmente em função do aumento interno da
oferta de moeda. O aumento dos preços seriam provocados por causas reais, exigindo em
contrapartida maiores volumes de moeda em circulação. Em outras palavras, a inflação teria origem
no interior das empresas, que repassam os custos para os preços de seus produtos, e não por
emissões de moeda feitas compulsivamente pelo Banco Central.
31

Outras correntes do pensamento econômico tem se destacado desde a segunda metade do século
passado. Com relação à inflação, a maioria concorda que ela tem tanto causas reais do lado dos
custos (inflação de custos), como causas monetárias do lado da demanda (inflação de demanda).
Pressões de custos (aumento de salários e de preços de matérias-primas importadas, por exemplo)
elevam a inflação porque as firmas tendem a repassar esses aumentos para os preços de seus
produtos. Aumento dos meios de pagamentos (maior volume de dinheiro em circulação) e
facilidades de crédito (como juros mais baratos), estimula a demanda por parte dos consumidores o
que sanciona as elevações de preços.
Com a globalização, aumentou a interação entre os países e cresceu o comércio mundial. Está
se tornando também mais difícil para o Brasil aumentar rapidamente as suas exportações de
produtos manufaturados, tendo em vista a grande concorrência existente por parte dos novos países
industrializados e com níveis de desenvolvimento similares. Exportar mais exige maior volume de
crédito e os recursos financeiros são escassos. É preciso também reduzir a carga tributária das
empresas exportadoras, o que não pode ser feito na intensidade desejada porque o Governo não
pode abrir mão de receitas, a fim de cobrir suas despesas.
Outro ponto que precisa ser levado em conta, para aumentar a competitividade dos produtos
brasileiros no exterior, é aumentar a qualidade e reduzir os custos médios de produção. Isso requer
novos investimentos em novos equipamentos e em treinamento de pessoal e em educação geral.
Nesse sentido, as novas teorias do crescimento econômico tem apontado que o capital e o trabalho
não são os únicos fatores de crescimento, cabendo especial destaque ao capital humano e às novas
tecnologias. O progresso técnico passa a ter um papel ativo, determinado por investimentos em
novas tecnologias e em capital humano, o que gera aumentos de produtividade e rendimentos
crescentes à escala.

BIBLIOGRAFIA

HUGON, Paul. História das Doutrinas Econômicas. São Paulo : Atlas, 1988.
HUNT, E. K. História do Pensamento Econômico : uma perspectiva crítica. Rio de Janeiro:
Campus, 1982.
OSER, Jacob, BLANCHFIELD, William C. História do Pensamento Econômico. São Paulo : Atlas,
1983.
SOUZA, Nali de Jesus. Desenvolvimento Econômico. 4 ed., São Paulo : Atlas, 1999.
SOUZA, Nali de Jesus. Curso de Economia. 2 ed., São Paulo : Atlas, 2003.

You might also like