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COMPARAÇÃO ENTRE SISTEMAS DE SERVIÇOS DE SAÚDE DA EUROPA

E O SUS: PONTOS PARA REFLEXÃO DA AGENDA DA ATENÇÃO BÁSICA

CONASEMS – NÚCLEO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS


(maio de 2008)
Silvio Fernandes da Silva1

1. APRESENTAÇÃO:

Este relatório foi produzido após a realização da Oficina “Características de alguns


sistemas de saúde quanto à universalidade e equidade no acesso” ocorrida no XXIV
CONGRESSO DO CONSELHO NACIONAL DE SECRETARIAS MUNICIPAIS DE
SAÚDE – CONASEMS, no dia 09 de abril de 2008, em Belém do Pará.

Os Objetivos dessa Oficina foram:


(1) Compreender e comparar sistemas públicos de saúde com acesso universal, com
ênfase para parâmetros assistenciais de oferta e utilização de serviços,
organização do modelo de atenção à saúde e formas de financiamento;
(2) Propiciar reflexão crítica sobre a temática abordada e o SUS, visando
aperfeiçoamento da agenda do CONASEMS sobre esses assuntos.

A Oficina teve como palestrantes as professoras/pesquisadoras Lígia Giovanella


(ENSP/Fiocruz) e Eleonor Minho Conill (UFSC) e foi coordenada por Silvio Fernandes
da Silva (responsável pelo núcleo de relações internacionais do Conasems).

As informações desse relatório se basearam: (1) nas apresentações das palestrantes; (2)
no documento distribuído na Oficina “Analisis de la problemática de la integración de
la APS em el contexto actual: causas que inciden em la fragmentación de servicios y
sus efectos em la cohesión social”, elaborada por Eleonor Minho Conill e produto de
atividades de intercâmbio do Projeto Eurosocial Salud, consórcio integrado ENSP/
Fiocruz; (3) nos debates realizados entre os participantes e (4) em informações coletadas
do Ministério da Saúde − Datasus e CNES e pesquisas do Nescon/UFMG.

1
Médico, doutor em Saúde Pública, assessor técnico e coordenador do Núcleo de Relações
Internacionais do CONASEMS.
2

2. POR QUE COMPARAR SISTEMAS DE SAÚDE EUROPEUS COM O SUS? O


QUE COMPARAR?

Apesar das diferenças sócio-econômicas, históricas e culturais entre os países europeus


e o Brasil, algumas variáveis são mais fáceis de serem comparadas entre países que têm
o acesso universal adotado em seus sistemas de saúde. O Brasil é um dos poucos do
continente americano com essa característica.

Na América Latina a maioria dos países teve reformas da saúde nas quais a APS foi
seletiva, e na análise de sua integração com os outros níveis de atenção, de acordo com
o documento “Analisis ...” citado na apresentação deste documento, identificam-se três
modalidades principais: (1) APS seletiva integrada a programas materno-infantis
(Bolívia, Nicarágua e El Salvador); (2) APS como porta de entrada e eixo estruturante
do sistema público de saúde (Costa Rica, Chile, Brasil e Venezuela) e (3) APS em
sistemas com universalização incompleta com base municipal (Colômbia), (Conil,
2007).

O enfoque da comparação é a APS (Atenção Primária à Saúde), especialmente no que


se refere ao número de profissionais disponíveis – com ênfase no profissional médico –,
produção de serviços, vínculo e remuneração, à ação ordenadora da APS com relação
aos outros níveis de atenção e a algumas características do processo de trabalho. Não se
trata de um trabalho acadêmico, e, portanto não é rigoroso desse ponto de vista, sendo
muito mais um relatório executivo para gestores e demais interessados. A comparação
diz respeito ao Sistema de Serviços de Saúde (conjunto de atividades com propósito de
promover, restaurar e manter a saúde). É importante esse registro, para diferenciar do
Sistema de Saúde (conjunto de relações políticas, econômicas e institucionais
responsáveis pela condução dos processos relativos à saúde de uma população),
conforme destaca o documento anteriormente citado.

3. ALGUNS PRESSUPOSTOS PARA FACILITAR A COMPARAÇÃO

No Brasil o termo Atenção Básica está mais consolidado que o de APS (Atenção
Primária à Saúde), adotado na maioria dos países, e será utilizado para se referir ao
SUS. Na compreensão do significado de APS pode haver o predomínio de um dos
3

quatro sentidos: (1) trata-se de um conjunto específico de ações; (2) é um nível de


atenção; (3) é uma estratégia de organização do sistema de serviços de saúde; (4) é um
princípio que deve orientar todas as ações de saúde.

Para a Organização Panamericana de Saúde no conceito de APS utilizado atualmente


predominam os seguintes princípios: (1) é formada por um conjunto de elementos
estruturais e funcionais que garantem a cobertura e acesso universal, (2) oferece
cuidados amplos, integrados e apropriados, enfatizando a prevenção, promoção e (3)
constitui a primeira linha de atenção.

Adotamos como pressuposto que a Atenção Básica do SUS equivale à APS, já que
ambos os conceitos podem encerrar os vários sentidos anteriormente citados. Na União
Européia, os modelos garantem cobertura quase universal através de seguros públicos
ou serviços nacionais. Apresentam também fragmentação dos serviços e grande
diversidade de configurações institucionais. Os sistemas financiados através de fontes
fiscais tendem a apresentar melhor desempenho e melhores resultados do que os
organizados através de seguros sociais.

4. RESULTADOS E COMENTÁRIOS

4.1 Tipo de profissionais de primeiro contato, local de atendimento, configuração


da porta de entrada e adscrição de usuários à equipe de atenção básica.

Na maioria dos países europeus o médico generalista (GP: general practitioners) faz o
primeiro contato com o usuário, como mostra a Tabela 1. Naqueles com Serviço
Nacional de Saúde, na Espanha e Itália, o pediatra, e nos com Seguro Social, na
Alemanha, Áustria, França e Luxemburgo, o especialista, também exercem essa função.
No grupo com Seguro Social, o consultório é o local de contato exclusivo, enquanto que
nos países com Serviço Nacional de Saúde o primeiro contato ocorre no centro de
saúde, à exceção de Dinamarca, Itália e Reino Unido, onde também é no consultório. É
interessante observar que a função de gatekeeper (vamos compreendê-la como
obrigatoriedade de passar pelo GP para só então, se for encaminhado, acessar o
especialista) é exercida por Dinamarca, Espanha, Itália, Portugal, Reino Unido, Holanda
4

e Irlanda, mas nos outros oito países os profissionais de primeiro contato podem ser os
especialistas. A média de pacientes por GP − para aqueles que têm essa informação −
varia de 1.030, na Itália, a 2.500, na Espanha.

Tabela 1. Comparação de profissionais de primeiro contato, local do atendimento, papel do


gatekeeper e inscrição e número de pacientes da lista do GP (general pratictioner – médico
generalista). Países da OECD selecionados.
Profissional deUnidade de saúde Papel deInscrição N º de pacientes
Países primeiro APS gatekeeper de na lista GP***
contato* pacientes
Serviço Nacional de Saúde
Dinamarca GP Consultório grupo X X 1600
Espanha GP, pediatra Centro saúde X X (2500)
Finlândia GP Centro saúde não (25%) não (1/3) -
Grécia GP Centro saúde não não -
Itália GP, pediatra Consultório ind X X 1030 (1500) 800
pediatra
Portugal GP Centro saúde X X 1500
R. Unido GP Consultório grupo X X 1850
Suécia GP Centro saúde não não (opc) não (2000)
Seguro Social
Alemanha GP especialista Consultório ind não (hosp) não -
Áustria GP especialista Consultório ind não (hosp) não -
Bélgica GP Consultório ind não não -
França GP especialista Consultório ind não não -
Holanda GP Consultório grupo X X (2350)
Irlanda GP Consultório ind X **X -
Luxemburgo GP/especialista Consultório ind não não não

Fonte: Boerma, 2003:22; UEMO (2003); Starfield, 2002; European Observatory on Health
Care Systems; Macinko, Starfield & Shi, 2003 (retirado de apresentação de Lígia Giovanella –
Ensp/Fiocruz).
*Na Suécia parte das crianças são atendidas por pediatras e em alguns centros de saúde
trabalham ginecologistas. Na Holanda, primeiro contato também por meio de enfermeiras,
parteiras e fisioterapeutas independentes.
.**Inscrição somente para pacientes de baixa renda. *** Médias de pacientes inscritos por GP
para Dinamarca, Itália, Portugal e Reino Unido; para Espanha e Holanda número máximo.

No SUS, há uma tentativa de consolidar o médico generalista − especialmente no PSF −


como o primeiro contato, e promover adscrição de 3.500 a 4.000 usuários por equipe
(número bem superior ao encontrado nos países europeus). Na prática esse primeiro
contato não ocorre como o previsto. O pediatra e o ginecologista em geral ainda o fazem
ou são referência para os generalistas. No modelo tradicional de UBS, o primeiro
5

contato é feito pelas três especialidades básicas, ginecologia/obstetrícia, pediatria e


clinica médica.

De acordo com dados do Nescon/MG, em 2006 72,8% dos municípios brasileiros


organizavam a atenção básica, simultaneamente, através do PSF e da rede básica
convencional e 27,2% adotavam o PSF como forma exclusiva.

O consultório privado do médico como local de primeiro contato, característica do


modelo pré-SUS, foi substituído pelo centro de saúde. Esse é um fato positivo, mas
destaque-se que geralmente a vinculação dos usuários da área de adscrição das unidades
básicas de saúde ou das equipes de saúde da família é frágil no que diz respeito ao
atendimento à demanda espontânea da área de abrangência das equipes, em virtude da
oferta insuficiente de consultas. Esse é um dos fatores que ocasiona superlotação de
pronto-atendimentos. Igualmente frágil é a vinculação entre os profissionais médicos da
atenção básica e os usuários, quando são utilizados os outros níveis de atenção.
Geralmente a atenção básica perde o contato com esses usuários ou não se mantem
adequadamente a longitudinalidade da atenção.

Existe gatekeeper no SUS? A resposta é positiva desde que se considere como essa
função a mera obrigatoriedade da porta de entrada do sistema de saúde ser a UBS, sem
que isso esteja associado à atenção gerenciada do cuidado à saúde do usuário atendido.
Por um lado, existem problemas na consolidação das UBS como porta de entrada
porque ocorre procura direta aos pronto-atendimentos e serviços de emergência de
hospitais, feita em grande número pelos usuários. Um fator agravante adicional, que
distorce ainda mais a porta de entrada, é o encaminhamento incorreto de pacientes de
consultórios privados para os serviços de urgência do SUS. Por outro, os usuários que
são atendidos nas UBS nem sempre estabelecem vínculos com os profissionais médicos
e não são adotadas formas adequadas de gerenciamento do cuidado para condições
crônicas, apesar de se estabelecer, por vezes, restrição e limites para solicitação de
exames e procedimentos de diagnose-terapia na atenção básica e critérios para
encaminhamento ao especialista.

4.2 Oferta de médicos em relação ao número de habitantes na atenção básica.


6

O número de médicos generalistas por 1.000 habitantes variou de 0,3 a 2,1 nos países
europeus em 2005, oferta um pouco maior da observada em 1990, na maioria dos países
analisados. O número de especialistas em 2005 variou de 1,4 a 3,1 por 1.000 habitantes
(Tabela 2).

Tabela 2. Comparação de número de GPs por 1.000 hab em 1990 e 2005, e algumas
características da rotina do trabalho. Países da OECD selecionados.
Países Número de Número de GPs/ GP visita seus Realiza Reuniões regulares
GPs/ 1000 1000 hab. pacientes no Screening com enfermeiras
hab. 1990 2005 hospital cervical
(especialistas) (continuidade) (ntegralidade)
Serviço nacional de saúde
Dinamarca 0,6 0,7 (2,1) - +++ -
Espanha ... 0,9 (1,8) - + -
Finlândia 1,3 1,7 (1,4) ++ ++ +++
Grécia ... 0,3 (3,1) ++ + -
Itália 0,9 0,9 +++ ++ -
Portugal 2,0 1,7 (1,7) +++ +++ +++
Reino Unido 0,6 0,7 (1,7) ++ +++ +++
Suécia 0,5 0,5 (1,7) - + +++
Seguros sociais de saúde
Alemanha 1,1 1,0 (2,4) + + ++
Áustria 1,1 1,5 (2,1) + + +
Bélgica 1,9 2,1 (1,9) +++ ++ -
França 1,6 1,7 (1,7) +++ ++ ++
Holanda 0,4 0,5 (1,0) +++ +++ +
Irlanda 0,5 0,6 (0,7) + ++ +
Luxemburgo 0,9 0,9 (1,8) ++ + +
Fonte: Boerma & Dubois, 2005 (retirado de apresentação de Lígia Giovanella – Ensp/Fiocruz).

Em 2007, segundo dados do CNES/MS, havia 243.302 médicos em atividade no Brasil,


sendo que 121.273, ou 49,8%, atuavam na área pública estatal e 42.166 no setor
filantrópico.

Somando os que têm vínculo com o setor público estatal (121.273) e com o filantrópico
(42.166), e estimando a população usuária SUS em 75% do total, a taxa de médicos do
SUS – todas as áreas – pode ser estimada em 1,1 por 1.000 hab, número bem inferior ao
encontrado nos países europeus.
7

O total de médicos em atividade, subdivididos em médicos da saúde da família, das


especialidades básicas e os outros especialistas é mostrada na Tabela 3.

Tabela 3. Número de médicos de família, das especialidades básicas e especialistas e Nº por


1.000 habitantes. Brasil, 2007.
Número Nº por 1.000 hab
De saúde da família 18.669 0,10
Ginecologista/obstetra 19.572 0,10
Pediatra 23.274 0,12
Clínico Geral 58.466 0,31
Subtotal 119.981 0,63
Especialistas 123.321 0,65
Total geral 243.302 1,28
Fonte: CNES/MS.

O número de médicos por 1.000 hab é de 1,28, no total. Os médicos do PSF, que em
tese seriam os generalistas do SUS, correspondem a apenas 0,1 por 1.000 hab. Somando
a eles os que atuam nas especialidades básicas – G/O, Clínica geral e pediatria – a taxa é
de 0,63. Considerando apenas o SUS– população usuária estimada em 75% da
população total –, concluí-se que a disponibilidade de médicos na AB é inferior à
encontrada na APS em todos os países europeus, excetuando a Holanda, a Suécia e a
Irlanda, na qual se equivalem.

4.3 Remuneração dos médicos generalistas, número de consultas por habitante/ano


e alguns dados de cobertura na atenção à saúde da mulher.

A remuneração anual dos médicos generalistas nos países europeus, para os quais foi
obtido esse dado, variou de U$ 60.164 (Finlândia) a U$ 132.133 (Irlanda). O número de
consultas médicas por habitante/ano variou de 2,8 na Suécia a 9,5 na Espanha. A
porcentagem de mulheres que realizou exame preventivo de Câncer de colo de útero
variou de 36,7% na Itália a 74,9% na França e as que se submeteram a mamografia de
14% na Dinamarca para 83,6% na Suécia, no ano de 2005 (Tabela 4).
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Tabela 4. Comparação de remuneração e satisfação dos GPs, consultas médicas/hab no ano de


2005, porcentagem de mulheres com preventivo de Ca de cólo de útero e porcentagem de
mulheres de 20-69 anos com mamografia, no ano de 2005. Países da OECD selecionados.
Países Remuneração Satisfação Consultas % % mulheres
anual GP médicas/hab Mulheres 20-69 50-69 anos
GPs Todo ano anos Mamografia
US$ ppc trabalho faz 2005** Preventivo Ca 2005**
2004 ** sentido * colo
2005**
SNS
Dinamarca - + 7,5 69,7 14,0
Espanha - + 9,5 - -
Finlândia 60.164 - 4,3 71,5 87,7
Grécia - ++ - - -
Itália - - 7,0 36,7 59,0
Portugal - - 3,9 - 60,1
Reino Unido 120.550 ++ 5,1 67,2 69,5
Suécia 62.468 - 2,8 72,0 83,6
Seguro Social

Alemanha 111.872 +++ 7,0 - -


Áustria 108.479 +++ 6,7 - -
Bélgica 74.148 + 7,5 63,2 56,0
França 76.462 ++ 6,6 74,9 72,8
Holanda 128.252 - 5,4 69,6 81,9
Irlanda 132.133 ++ - 60,9 76,6
Luxemburgo 107.600 ++ 6,1 42,2 63,8
Fonte: * Boerma & Dubois, 2006; **OECD Health Data 2007 (retirado de apresentação de
Lígia Giovanella – Ensp/Fiocruz).

No Brasil, o salário do médico de PSF em 2006 apresentou uma média nacional de R$


5.223,69 (Gráfico 1), com desvio padrão de R$2.016,90. O salário máximo informado
foi de R$14.000,00 e o mínimo de R$2.500,00.

A faixa salarial predominante é de quatro a seis mil reais, com 49,4% dos municípios
remunerando médicos nessa faixa; 12,6% dos municípios pagam salários de até 4 mil
reais; 24,8% entre 6 e 8 mil reais e 8,7% acima de 8 mil reais. Esses valores médios
equivaliam a aproximadamente U$ 30.000 anuais, no câmbio oficial, inferior aos dos
países europeus situados nas menores faixas de remuneração.
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Gráfico 1. Média de salários (R$) utilizados na remuneração de profissionais de PSF no Brasil.

Fonte: “Pesquisa nacional de precarização e qualidade do emprego no PSF” - 2006 - EPSM –


NESCON/FM/UFMG.

Utilizando dados do IBGE e Datasus, verifica-se que a população feminina de 20 a 69


anos de idade no Brasil, em 2007, era de 54.531.067 mulheres. Foram realizadas
13.430.465 coletas de papanicolau no SUS, o que corresponde a 24,6% de cobertura. Se
considerarmos que vinte e cinco por cento da população utiliza planos de saúde, a
cobertura/SUS sobe para 32,8%, taxa bem inferior à encontrado nos países europeus.

Quanto à mamografia, no ano de 2007 foram realizados 2.954.477 exames para todas as
idades. As mulheres de 50 a 69 anos eram 12.020.265. Se todos os exames fossem nesta
faixa daria 24,5% de cobertura e, considerando 75% de população usuária SUS para
esse tipo de acesso, a cobertura seria de 32,7%, também bem inferior aos países
europeus, exceto a Dinamarca que, estranhamente, apresenta porcentagem de apenas
14%.

No ano de 2007, foram realizadas 2,39 consultas por habitante no SUS, considerando a
população brasileira total, segundo o IBGE, de 189.335.187 pessoas. Esse número sobe
para 3,15 se a base populacional for 75% da população total (usuários/SUS).
Corresponde a menos da metade do realizado na média dos países europeus, sendo que
apenas a Suécia tem taxas um pouco menores. Considerando apenas as consultas
básicas e especializadas, a produção no Brasil corresponde a menos de 1/3 da média dos
países europeus (Tabelas 5 e 6).
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Tabela 5. Consultas de clínicas básicas, de especialidades e de urgência por habitante, no SUS,


em 2007.
Tipo de consulta Consultas médicas/hab Consultas médicas/1.000 hab
(considerando 100% da pop.) (considerando 75% da pop.)
Clínicas básicas 1,2 1,6
Especialistas 0,4 0,5
Urgência nas áreas básica e 0,79 1,05
especializada
TOTAL 2,39 3,15
Fonte DATASUS/MS .

Tabela 6. Consultas médicas per capita ano, amostra população 50 anos e +, 2004. Países da
OECD selecionados.
Países Consultas per capita Consultas GP Consultas especialistas
total
Dinamarca 4.28 3.25 1.03
Espanha 9.37 7.33 2.04
Grécia 5.48 3.57 1.91
Itália 9.08 7.17 1.91
Suécia 3.01 1.84 1.17
Alemanha 7.92 5.14 2.78
Áustria 6.38 4.69 1.69
Bélgica 8.21 6.09 2.12
França 6.99 5.16 1.83
Holanda 4.54 2.75 1.80
Total 7.44 5.34 2.10
Fonte: extraído de Reibling & Wendt, 2008 - Survey of Health, Ageing and Retirement in
Europe (SHARE) (retirado de apresentação de Lígia Giovanella – Ensp/Fiocruz).

4.4 Gastos públicos em relação aos gastos totais em saúde e cobertura populacional
dos sistemas de serviços públicos de saúde.

Nos países europeus a porcentagem dos gastos públicos em relação aos gastos totais tem
valores da ordem de 60% (mínimo) a 85% (máximo) e a cobertura do sistema de
serviços públicos de saúde é próxima de 100% da população para a maioria dos países.
A Holanda é a única exceção, com 62,1% (Tabelas 7 e 8).
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Tabela 7. Participação em % dos gastos públicos nos gastos totais em saúde. Países da OECD
selecionados, 1970-2004.
País 1970 1980 1990 1996 2004
Alemanha 73.3 79.2 76.8 78.3 76.9
Áustria 63.0 68.8 75.0 74.9 70.7
Bélgica 87.0 83.4 88.9 87.7 71.1
Dinamarca 86.3 85.2 82.3 79.4 82.9
Espanha 65.4 79.9 78.7 76.3 70.9
França 74.7 78.8 74.5 80.7 78.4
Holanda 84.3 74.7 72.7 77.0 62.3
Itália 86.9 80.5 78.1 69.9 75.1
Noruega 91.6 85.1 83.3 82.5 83.5
Portugal 59.0 64.3 65.5 59.8 73.2
Reino Unido 87.0 89.4 84.1 84.3 86.3
Suécia 86.0 92.5 89.9 80.2 84.9
Suíça 63.9 67.5 68.4 71,9 58.4
Fonte: OECD Health Data 97 – Health Data for Windows (retirado de apresentação de Lígia
Giovanella – Ensp/Fiocruz).

Tabela 8. Proteção social em Saúde – países industrializados selecionados, 2005.


Gasto público en salud Cobertura Pública
Países % gasto total SNS ou Seguro social
% total de población
Alemanha 76,9 89,6
Áustria 75,7 98,0
Bélgica 72,3 99,0
Dinamarca 84,1 100,0
Espanha 71,4 99,5
Finlândia 77,8 100,0
França 79,8 99,9
Itália 76,6 100,0
Noruega 83,6 100,0
Holanda 62,3 62,1
Portugal 72,7 100,0
Reino Unido 87,1 100,0
Suécia 84,6 100,0
Fonte: ECO-SALUD OCDE 2007 (retirado de apresentação de Lígia Giovanella –
Ensp/Fiocruz).

No Brasil, conforme mostram os dados da Tabela 9, divulgados por Gilson Carvalho, o


gasto público em saúde em 2007 equivaleu a 49% do total. Considerando que pouco
mais de 45 milhões de pessoas no Brasil tem algum tipo de cobertura de planos e
seguros de saúde, de acordo com dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar
(ANS), conclui-se que a cobertura assistencial do SUS é da ordem de 75% da
população.
12

Tabela 9. Financiamento da Saúde no Brasil, 2007.


PÚBLICO 49% FEDERAL 47% 44,33
ESTADUAL 26% 24,33
MUNICIPAL 27% 25,75
TOTAL PÚBLICO 100% 94,41

PRIVADO 51% PLANOS SEGUROS 51% 49,83


(TEM $ PÚBLICO DEDESEMBOLSO DIRETO 21% 21,07
RENÚNCIA FISCAL)
MEDICAMENTOS 28% 27,38
TOTAL PRIVADO 100% 98,38
PÚBLICO-PRIVADO TOTAL BRASIL 192,79

FONTE: MS-SPO – MS-SIOPS – ANS – IBGE-POF – ESTUDOS GILSON CARVALHO.

4.5 Número de tomógrafos, leitos hospitalares e taxas de internação.

Nos países europeus, o número de tomógrafos por milhão de habitantes em 2005 variou
de 7,5, no Reino Unido, a 31,6 na Bélgica. O número de leitos hospitalares, por 1.000
habitantes, em 2005, variou de 3,4 a 8,5 para todos os leitos e de 2,2 a 6,4 se
considerados só os hospitais agudos. As Taxas de internação, apenas de casos agudos,
variaram de 9,9% a 26,8% (Tabela 10).
13

Tabela 10. Comparação de número de tomógrafos em 2000 e 2005, taxa de internação de


agudos em 1998, nº geral de leitos de hospitais e de hospitais-agudos em 2005. Países da OECD
selecionados.
Tomógrafos
Tomógrafos
comput % Taxas internação N º leitos N º leitos
comput
Países N º / milhão Casos agudos hospitais hospitais agudos
N º / milhão
hab. 1998 2005/mil 2005/mil
hab. 2000
2005
Alemanha 12,7 15,4 20,1 8,5 6,4
Áustria 25,8 29,4 26,8 7,7 6,1

Bélgica 21,8 31,6 7,4 4,4


Dinamarca 11,4 13,8 18,8 3,8 3,1
Espanha 12,0 13,5 11,3 3,4 2,6
França 9,5 9,8 20,5 7,5 3,7
Holanda - 5,8 9,9 5,1 3,1
Itália 21,0 27,7 17,6 4,0 3,3
Portugal - 26,2 - 3,6 3,0
R. Unido 4,5 7,5 15,0 3,9 3,1
Suécia 12,7 15,4 15,9 - 2,2
Fonte: OECD Health Data 2007 (retirado de apresentação de Lígia Giovanella – Ensp/Fiocruz).

No Brasil, o número de tomógrafos em uso em 2007, segundo dados do


CNES/DATASUS/MS, era de 2.141 aparelhos, o que correspondia a taxa de 11 por
milhão de habitantes, inferior à maioria dos países europeus. Destaque-se que a
capacidade instalada apresenta grande variabilidade regional, como mostram os dados
para alguns estados selecionados, na Tabela 11.

Tabela 11. Número, e taxa por milhão de habitantes, de tomógrafos em uso em estados
selecionados. Brasil, 2007.
Estados Nº de tomógrafos em uso Tomógrafos por milhão de
habitantes
Pará 40 5,5
Bahia 124 8,8
Goiás 65 11,1
São Paulo 607 14,6
Rio Grande do Sul 169 15,2
Fonte: MS, DATASUS/CNES.

Quanto ao número de internações no SUS, considerando as AIHs pagas no ano de 2007


foram 10.935.534, o que correspondeu a porcentagem de 5,8% da população total e
14

7,7% da população SUS (estimando-a em 75% da população total), bem inferior à taxa
encontrada nos países europeus.

O número de leitos do SUS em 2007 pode ser analisado na tabela 12, a seguir.

Tabela 12. Leitos hospitalares SUS e Não-SUS por 1.000 habitantes, 2007.
SUS Por 1.000 Não SUS Por 1.000 Total Por 1.000
hab hab hab
Crônicos 10.116 0,05 2.434 0,016 12.550 0,066
Psiquiátricos 43.503 0,21 9.281 0,07 52.784 0,28
Demais leitos 306.095 1,73 131.432 0,58 437.527 2,31
Total geral 359.714 2,0 143.147 0,66 502.861 2,66
Fonte: CNES/DATASUS/MS.

A capacidade instalada do total de leitos hospitalares no Brasil é bem inferior a dos


países europeus.

4.6 Vínculo, forma de remuneração e porcentagem de generalistas em relação ao


total de médicos

Na maioria dos países europeus os médicos generalistas da APS são autônomos. As


exceções são Espanha, Finlândia, Grécia, Portugal e Suécia. O sistema de pagamento é
diferenciado. Em países como Holanda, Reino Unido e Itália o pagamento é realizado
em sistema de capitação: um montante pago conforme o número de pacientes inscritos
juntos ao GP. Em alguns casos estes pagamentos são completados por pagamentos por
serviços prestados para incentivo a realização de determinadas ações (fee for service ou
unidades de serviço US). O assalariamento exclusivo é utilizado apenas em Portugal e
na Suécia. A atuação do especialista é restrita ao hospital em alguns países, mas isso
não ocorre na maioria. A porcentagem de médicos generalistas em relação ao total de
médicos varia de um mínimo de 10% na Suécia a 60% no Reino Unido. A maioria dos
países tem essa porcentagem próxima ou superior a 30% (Tabela 13).
15

Tabela 13. Características selecionadas da prática profissional de GP e da atenção ambulatorial


nos países da União Européia (UE:15).
% GP profissionais Sistema Especialista Co- % de GP
Países autônomos de restrito pagamento total de
pagamento hospital APS médicos*
(principal)
Serviço Nacional de Saúde
Dinamarca 100 capitação + X Não 25
US
Espanha 4 salário Não Não 37
(capitação
Catalunha)
Finlândia 2 salário X X 37
(capitação)
Grécia 30 salário (US) Não X ...
Itália 98 capitação Não Não 26
(80%)
Portugal 1 salário Não X 23
Reino Unido 99 capitação + X Não 60
US
Suécia 1 salário parte nos CS X 10
Seguro Social
Alemanha 100 US (teto) Não X 22
Áustria 99 US Não X 31
(paciente)
Bélgica 97 US Não X 46
França 97 US Não X 54
(reembolso)
Holanda 93 capitação X Não 33
+US
Irlanda 91 capitação ... ... 42
Luxemburgo 98 US Não X 34
(reembolso)
Fonte: UEMO12; Starfield8; Evans17; European Observatory on Health Care Systems;
Rosenbrock & Gerlinger30.
*% de GPs entre o total de médicos em atividade segundo Starfield8 para os outros países de
acordo com Evans17, em 1991; para Alemanha, Rosenbrock & Gerlinger30; para Suécia e
Áustria (1997) dados de UEMO12 (retirado de apresentação de Lígia Giovanella –
Ensp/Fiocruz).

No SUS, os médicos de família do PSF são assalariados na maioria dos municípios,


conforme mostra o Gráfico 2, apesar de em cerca da metade predominar o contrato
temporário. Em apenas 13% dos municípios os médicos são autônomos.
16

Gráfico 2. Percentual dos municípios segundo as modalidades de contratação dos


profissionais de PSF no Brasil.

Fonte: “Pesquisa nacional de precarização e qualidade do emprego no PSF” - 2006 - EPSM –


NESCON/FM/UFMG.

O número elevado de contratos temporários deve estar contribuindo para o pouco tempo
de permanência em serviços, como mostra o Gráfico 3. Cerca de 60% dos médicos
permanece menos de 2 anos no posto de trabalho.

Gráfico 3. Percentual do tempo de permanência dos profissionais de PSF nos municípios no


Brasil.

Fonte: “Pesquisa nacional de precarização e qualidade do emprego no PSF” - 2006 - EPSM –


NESCON/FM/UFMG.
17

O sistema predominante de pagamento na atenção básica é o salário, eventualmente


associado a alguma forma de incentivo. Não é adotado incentivo por resultado (melhora
de indicadores de saúde no território de trabalho, por exemplo).

A porcentagem de médicos generalistas em relação ao total de médicos é muito baixa no


Brasil. Considerando apenas os médicos de família, corresponde a menos de 10%, valor
bem inferior ao encontrado nos países europeus. Ressalte-se, além do mais, que a
maioria desses médicos não tem a formação de generalista.

5. CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS

A comparação entre os sistemas de saúde europeus e o SUS traz algumas informações


importantes na reflexão sobre a agenda e os desafios do Sistema Único de Saúde. Os
aspectos que mais se destacam são os seguintes:

1) Os países europeus têm mais médicos disponíveis por habitante na APS do


que o Brasil;
2) Os países europeus têm uma produção de consultas médicas − nas áreas
básica e especializada − por habitante superior à do SUS;
3) A proporção de médicos generalistas nos países europeus em relação ao total
de médicos em atividade é bem superior à do Brasil;
4) A adscrição de usuários por médico, nos países europeus (1.030 a 2.500) é
inferior à encontrada no SUS (3.500 a 4.500);
5) O valor de remuneração dos médicos no PSF é inferior ao dos países
europeus que têm faixa salarial menor;
6) A cobertura de exames preventivos de Ca de colo de útero e a porcentagem
de mulheres que fizeram mamografia, nos anos analisados, são maiores na
grande maioria dos países europeus, comparado com o SUS;
7) A porcentagem de gastos públicos em relação aos gastos totais é bem maior
nos países europeus do que no Brasil, assim como a cobertura assistencial do
sistema público (75% no Brasil e próxima de 100% para a maioria dos países
europeus);
18

8) As taxas de internação e o número de leitos por habitante são bem superiores


nos países europeus do que no SUS;
9) Nos países europeus preserva-se relação autônoma no trabalho do médico de
AP e a remuneração por incentivos à produtividade e resultados é mais
institucionalizada do que na Atenção Básica do SUS;
10) No SUS é alta a rotatividade dos profissionais que atuam na Atenção Básica.

Na comparação entre os países europeus e o SUS evidencia-se uma diferença


importante entre a APS e a AB na organização e gestão do cuidado da saúde.

Nos sistemas europeus, em muitos países, há uma maior preocupação em organizar o


cuidado da atenção médica por vinculação do profissional médico com usuários
previamente registrados. O gerenciamento do cuidado é feito, em geral, com a
participação desse profissional. Aparentemente a APS procura a assumir a demanda da
atenção à saúde no seu nível de competência, restringindo o acesso ao especialista. Esse
estímulo se dá pelos seguintes fatores: (1) investimentos na formação do generalista; (2)
forma de remuneração, que induz à maior produtividade e obtenção de melhores
resultados para obter ganhos na remuneração e (3) relação de médicos por população na
APS que permita atender a demanda e realizar as atividades de prevenção e promoção
da saúde. O número de usuários registrados por médico varia de 1.030 a 2.500, números
bem inferiores ao encontrados aqui, como comentado anteriormente;

No SUS o modelo almejado é menos médico-centrado. Tanto na Saúde da Família,


quanto nas UBS tradicionais, preconiza-se o trabalho multiprofissional e
interdisciplinar, na perspectiva de integralidade e equidade na atenção. Na prática
observa-se um conflito entre o que se pretende e o que efetivamente acontece. O modelo
continua médico-centrado em virtude da hegemonização desse modelo na cultura das
organizações da saúde e da própria população. Existe dificuldade de organizar o
trabalho em equipe na perspectiva almejada. A vinculação dos usuários à equipe
multiprofissional e/ou ao médico da equipe é débil em virtude de: (1) não consolidação
de modelo de atenção que integre a clínica com as outras ações de saúde, na perspectiva
da integralidade da atenção, (2) oferta insuficiente da atenção médica na área básica (1
médico para 3.500 pessoas ou mais); (3) insuficiente formação do profissional médico
para exercer a função de generalista e gerenciador do cuidado.
19

Que contribuição traz a comparação com os sistemas europeus para a agenda do SUS?
Primeiramente, deve-se considerar que o processo de construção do SUS é recente
quando comparado à construção dos sistemas públicos universais nos países europeus.
Nossos indicadores de oferta assistencial na AB são bem inferiores aos daqueles países,
mas são bem superiores aos do passado, mostrando que o SUS, apesar das dificuldades
está ampliando o acesso da população à atenção básica. Esses achados devem ser
analisados considerando esses aspectos e também a condição econômica dos países
europeus, bem superior a do Brasil.

Feitas essas ressalvas, é necessário estabelecer metas na agenda futura do SUS que
visem superar dificuldades para que a Atenção Básica possa almejar acessibilidade
universal, seja resolutiva para 85% das demandas assistenciais e seja ordenadora do
cuidado integral à saúde. A experiência internacional nos mostra que alguns equívocos
devem ser corrigidos e outros evitados nessa agenda futura. Sucintamente destacamos
alguns que ressaltam desse estudo:

1º) A oferta assistencial na área médica é insuficiente na Atenção Básica. A vinculação


de um médico para 3.500 a 4.500 usuários por profissional é excessiva;

2º) O modelo de atenção adotado na Atenção Básica no SUS – com ênfase na


multiprofissionalidade, intersetorialidade, integralidade e equidade – tem, em sua
concepção, aspectos positivos quando comparado com os sistemas europeus. Deve-se
dar continuidade aos esforços de consolidação desse modelo, no entanto, não se deve
desconsiderar a importância e o desafio que comporta a organização da clínica e do
gerenciamento do cuidado no modelo adotado;

3º) Na organização da clínica e do gerenciamento do cuidado da atenção à saúde, o


trabalho médico tem especificidades que devem ser consideradas. A experiência dos
países europeus mostra que a resolutividade do trabalho médico na atenção básica
depende de alguns aspectos habitualmente negligenciados na agenda do SUS: (1)
formação de médicos generalistas em número bem superior ao existente; (2) adequação
da oferta médica à demanda/necessidades, utilizando parâmetros médico/população
mais adequados; (3) introdução de mecanismos mais inovadores para fixação e
20

motivação profissional para gerenciamento da atenção, criação de vínculos e


longitudinalidade no acompanhamento dos usuários e obtenção de resultados, na
perspectiva de avanços contínuos na qualidade de atenção.

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