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1. APRESENTAÇÃO:
As informações desse relatório se basearam: (1) nas apresentações das palestrantes; (2)
no documento distribuído na Oficina “Analisis de la problemática de la integración de
la APS em el contexto actual: causas que inciden em la fragmentación de servicios y
sus efectos em la cohesión social”, elaborada por Eleonor Minho Conill e produto de
atividades de intercâmbio do Projeto Eurosocial Salud, consórcio integrado ENSP/
Fiocruz; (3) nos debates realizados entre os participantes e (4) em informações coletadas
do Ministério da Saúde − Datasus e CNES e pesquisas do Nescon/UFMG.
1
Médico, doutor em Saúde Pública, assessor técnico e coordenador do Núcleo de Relações
Internacionais do CONASEMS.
2
Na América Latina a maioria dos países teve reformas da saúde nas quais a APS foi
seletiva, e na análise de sua integração com os outros níveis de atenção, de acordo com
o documento “Analisis ...” citado na apresentação deste documento, identificam-se três
modalidades principais: (1) APS seletiva integrada a programas materno-infantis
(Bolívia, Nicarágua e El Salvador); (2) APS como porta de entrada e eixo estruturante
do sistema público de saúde (Costa Rica, Chile, Brasil e Venezuela) e (3) APS em
sistemas com universalização incompleta com base municipal (Colômbia), (Conil,
2007).
No Brasil o termo Atenção Básica está mais consolidado que o de APS (Atenção
Primária à Saúde), adotado na maioria dos países, e será utilizado para se referir ao
SUS. Na compreensão do significado de APS pode haver o predomínio de um dos
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Adotamos como pressuposto que a Atenção Básica do SUS equivale à APS, já que
ambos os conceitos podem encerrar os vários sentidos anteriormente citados. Na União
Européia, os modelos garantem cobertura quase universal através de seguros públicos
ou serviços nacionais. Apresentam também fragmentação dos serviços e grande
diversidade de configurações institucionais. Os sistemas financiados através de fontes
fiscais tendem a apresentar melhor desempenho e melhores resultados do que os
organizados através de seguros sociais.
4. RESULTADOS E COMENTÁRIOS
Na maioria dos países europeus o médico generalista (GP: general practitioners) faz o
primeiro contato com o usuário, como mostra a Tabela 1. Naqueles com Serviço
Nacional de Saúde, na Espanha e Itália, o pediatra, e nos com Seguro Social, na
Alemanha, Áustria, França e Luxemburgo, o especialista, também exercem essa função.
No grupo com Seguro Social, o consultório é o local de contato exclusivo, enquanto que
nos países com Serviço Nacional de Saúde o primeiro contato ocorre no centro de
saúde, à exceção de Dinamarca, Itália e Reino Unido, onde também é no consultório. É
interessante observar que a função de gatekeeper (vamos compreendê-la como
obrigatoriedade de passar pelo GP para só então, se for encaminhado, acessar o
especialista) é exercida por Dinamarca, Espanha, Itália, Portugal, Reino Unido, Holanda
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e Irlanda, mas nos outros oito países os profissionais de primeiro contato podem ser os
especialistas. A média de pacientes por GP − para aqueles que têm essa informação −
varia de 1.030, na Itália, a 2.500, na Espanha.
Fonte: Boerma, 2003:22; UEMO (2003); Starfield, 2002; European Observatory on Health
Care Systems; Macinko, Starfield & Shi, 2003 (retirado de apresentação de Lígia Giovanella –
Ensp/Fiocruz).
*Na Suécia parte das crianças são atendidas por pediatras e em alguns centros de saúde
trabalham ginecologistas. Na Holanda, primeiro contato também por meio de enfermeiras,
parteiras e fisioterapeutas independentes.
.**Inscrição somente para pacientes de baixa renda. *** Médias de pacientes inscritos por GP
para Dinamarca, Itália, Portugal e Reino Unido; para Espanha e Holanda número máximo.
Existe gatekeeper no SUS? A resposta é positiva desde que se considere como essa
função a mera obrigatoriedade da porta de entrada do sistema de saúde ser a UBS, sem
que isso esteja associado à atenção gerenciada do cuidado à saúde do usuário atendido.
Por um lado, existem problemas na consolidação das UBS como porta de entrada
porque ocorre procura direta aos pronto-atendimentos e serviços de emergência de
hospitais, feita em grande número pelos usuários. Um fator agravante adicional, que
distorce ainda mais a porta de entrada, é o encaminhamento incorreto de pacientes de
consultórios privados para os serviços de urgência do SUS. Por outro, os usuários que
são atendidos nas UBS nem sempre estabelecem vínculos com os profissionais médicos
e não são adotadas formas adequadas de gerenciamento do cuidado para condições
crônicas, apesar de se estabelecer, por vezes, restrição e limites para solicitação de
exames e procedimentos de diagnose-terapia na atenção básica e critérios para
encaminhamento ao especialista.
O número de médicos generalistas por 1.000 habitantes variou de 0,3 a 2,1 nos países
europeus em 2005, oferta um pouco maior da observada em 1990, na maioria dos países
analisados. O número de especialistas em 2005 variou de 1,4 a 3,1 por 1.000 habitantes
(Tabela 2).
Tabela 2. Comparação de número de GPs por 1.000 hab em 1990 e 2005, e algumas
características da rotina do trabalho. Países da OECD selecionados.
Países Número de Número de GPs/ GP visita seus Realiza Reuniões regulares
GPs/ 1000 1000 hab. pacientes no Screening com enfermeiras
hab. 1990 2005 hospital cervical
(especialistas) (continuidade) (ntegralidade)
Serviço nacional de saúde
Dinamarca 0,6 0,7 (2,1) - +++ -
Espanha ... 0,9 (1,8) - + -
Finlândia 1,3 1,7 (1,4) ++ ++ +++
Grécia ... 0,3 (3,1) ++ + -
Itália 0,9 0,9 +++ ++ -
Portugal 2,0 1,7 (1,7) +++ +++ +++
Reino Unido 0,6 0,7 (1,7) ++ +++ +++
Suécia 0,5 0,5 (1,7) - + +++
Seguros sociais de saúde
Alemanha 1,1 1,0 (2,4) + + ++
Áustria 1,1 1,5 (2,1) + + +
Bélgica 1,9 2,1 (1,9) +++ ++ -
França 1,6 1,7 (1,7) +++ ++ ++
Holanda 0,4 0,5 (1,0) +++ +++ +
Irlanda 0,5 0,6 (0,7) + ++ +
Luxemburgo 0,9 0,9 (1,8) ++ + +
Fonte: Boerma & Dubois, 2005 (retirado de apresentação de Lígia Giovanella – Ensp/Fiocruz).
Somando os que têm vínculo com o setor público estatal (121.273) e com o filantrópico
(42.166), e estimando a população usuária SUS em 75% do total, a taxa de médicos do
SUS – todas as áreas – pode ser estimada em 1,1 por 1.000 hab, número bem inferior ao
encontrado nos países europeus.
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O número de médicos por 1.000 hab é de 1,28, no total. Os médicos do PSF, que em
tese seriam os generalistas do SUS, correspondem a apenas 0,1 por 1.000 hab. Somando
a eles os que atuam nas especialidades básicas – G/O, Clínica geral e pediatria – a taxa é
de 0,63. Considerando apenas o SUS– população usuária estimada em 75% da
população total –, concluí-se que a disponibilidade de médicos na AB é inferior à
encontrada na APS em todos os países europeus, excetuando a Holanda, a Suécia e a
Irlanda, na qual se equivalem.
A remuneração anual dos médicos generalistas nos países europeus, para os quais foi
obtido esse dado, variou de U$ 60.164 (Finlândia) a U$ 132.133 (Irlanda). O número de
consultas médicas por habitante/ano variou de 2,8 na Suécia a 9,5 na Espanha. A
porcentagem de mulheres que realizou exame preventivo de Câncer de colo de útero
variou de 36,7% na Itália a 74,9% na França e as que se submeteram a mamografia de
14% na Dinamarca para 83,6% na Suécia, no ano de 2005 (Tabela 4).
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A faixa salarial predominante é de quatro a seis mil reais, com 49,4% dos municípios
remunerando médicos nessa faixa; 12,6% dos municípios pagam salários de até 4 mil
reais; 24,8% entre 6 e 8 mil reais e 8,7% acima de 8 mil reais. Esses valores médios
equivaliam a aproximadamente U$ 30.000 anuais, no câmbio oficial, inferior aos dos
países europeus situados nas menores faixas de remuneração.
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Quanto à mamografia, no ano de 2007 foram realizados 2.954.477 exames para todas as
idades. As mulheres de 50 a 69 anos eram 12.020.265. Se todos os exames fossem nesta
faixa daria 24,5% de cobertura e, considerando 75% de população usuária SUS para
esse tipo de acesso, a cobertura seria de 32,7%, também bem inferior aos países
europeus, exceto a Dinamarca que, estranhamente, apresenta porcentagem de apenas
14%.
No ano de 2007, foram realizadas 2,39 consultas por habitante no SUS, considerando a
população brasileira total, segundo o IBGE, de 189.335.187 pessoas. Esse número sobe
para 3,15 se a base populacional for 75% da população total (usuários/SUS).
Corresponde a menos da metade do realizado na média dos países europeus, sendo que
apenas a Suécia tem taxas um pouco menores. Considerando apenas as consultas
básicas e especializadas, a produção no Brasil corresponde a menos de 1/3 da média dos
países europeus (Tabelas 5 e 6).
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Tabela 6. Consultas médicas per capita ano, amostra população 50 anos e +, 2004. Países da
OECD selecionados.
Países Consultas per capita Consultas GP Consultas especialistas
total
Dinamarca 4.28 3.25 1.03
Espanha 9.37 7.33 2.04
Grécia 5.48 3.57 1.91
Itália 9.08 7.17 1.91
Suécia 3.01 1.84 1.17
Alemanha 7.92 5.14 2.78
Áustria 6.38 4.69 1.69
Bélgica 8.21 6.09 2.12
França 6.99 5.16 1.83
Holanda 4.54 2.75 1.80
Total 7.44 5.34 2.10
Fonte: extraído de Reibling & Wendt, 2008 - Survey of Health, Ageing and Retirement in
Europe (SHARE) (retirado de apresentação de Lígia Giovanella – Ensp/Fiocruz).
4.4 Gastos públicos em relação aos gastos totais em saúde e cobertura populacional
dos sistemas de serviços públicos de saúde.
Nos países europeus a porcentagem dos gastos públicos em relação aos gastos totais tem
valores da ordem de 60% (mínimo) a 85% (máximo) e a cobertura do sistema de
serviços públicos de saúde é próxima de 100% da população para a maioria dos países.
A Holanda é a única exceção, com 62,1% (Tabelas 7 e 8).
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Tabela 7. Participação em % dos gastos públicos nos gastos totais em saúde. Países da OECD
selecionados, 1970-2004.
País 1970 1980 1990 1996 2004
Alemanha 73.3 79.2 76.8 78.3 76.9
Áustria 63.0 68.8 75.0 74.9 70.7
Bélgica 87.0 83.4 88.9 87.7 71.1
Dinamarca 86.3 85.2 82.3 79.4 82.9
Espanha 65.4 79.9 78.7 76.3 70.9
França 74.7 78.8 74.5 80.7 78.4
Holanda 84.3 74.7 72.7 77.0 62.3
Itália 86.9 80.5 78.1 69.9 75.1
Noruega 91.6 85.1 83.3 82.5 83.5
Portugal 59.0 64.3 65.5 59.8 73.2
Reino Unido 87.0 89.4 84.1 84.3 86.3
Suécia 86.0 92.5 89.9 80.2 84.9
Suíça 63.9 67.5 68.4 71,9 58.4
Fonte: OECD Health Data 97 – Health Data for Windows (retirado de apresentação de Lígia
Giovanella – Ensp/Fiocruz).
Nos países europeus, o número de tomógrafos por milhão de habitantes em 2005 variou
de 7,5, no Reino Unido, a 31,6 na Bélgica. O número de leitos hospitalares, por 1.000
habitantes, em 2005, variou de 3,4 a 8,5 para todos os leitos e de 2,2 a 6,4 se
considerados só os hospitais agudos. As Taxas de internação, apenas de casos agudos,
variaram de 9,9% a 26,8% (Tabela 10).
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Tabela 11. Número, e taxa por milhão de habitantes, de tomógrafos em uso em estados
selecionados. Brasil, 2007.
Estados Nº de tomógrafos em uso Tomógrafos por milhão de
habitantes
Pará 40 5,5
Bahia 124 8,8
Goiás 65 11,1
São Paulo 607 14,6
Rio Grande do Sul 169 15,2
Fonte: MS, DATASUS/CNES.
7,7% da população SUS (estimando-a em 75% da população total), bem inferior à taxa
encontrada nos países europeus.
O número de leitos do SUS em 2007 pode ser analisado na tabela 12, a seguir.
Tabela 12. Leitos hospitalares SUS e Não-SUS por 1.000 habitantes, 2007.
SUS Por 1.000 Não SUS Por 1.000 Total Por 1.000
hab hab hab
Crônicos 10.116 0,05 2.434 0,016 12.550 0,066
Psiquiátricos 43.503 0,21 9.281 0,07 52.784 0,28
Demais leitos 306.095 1,73 131.432 0,58 437.527 2,31
Total geral 359.714 2,0 143.147 0,66 502.861 2,66
Fonte: CNES/DATASUS/MS.
O número elevado de contratos temporários deve estar contribuindo para o pouco tempo
de permanência em serviços, como mostra o Gráfico 3. Cerca de 60% dos médicos
permanece menos de 2 anos no posto de trabalho.
Que contribuição traz a comparação com os sistemas europeus para a agenda do SUS?
Primeiramente, deve-se considerar que o processo de construção do SUS é recente
quando comparado à construção dos sistemas públicos universais nos países europeus.
Nossos indicadores de oferta assistencial na AB são bem inferiores aos daqueles países,
mas são bem superiores aos do passado, mostrando que o SUS, apesar das dificuldades
está ampliando o acesso da população à atenção básica. Esses achados devem ser
analisados considerando esses aspectos e também a condição econômica dos países
europeus, bem superior a do Brasil.
Feitas essas ressalvas, é necessário estabelecer metas na agenda futura do SUS que
visem superar dificuldades para que a Atenção Básica possa almejar acessibilidade
universal, seja resolutiva para 85% das demandas assistenciais e seja ordenadora do
cuidado integral à saúde. A experiência internacional nos mostra que alguns equívocos
devem ser corrigidos e outros evitados nessa agenda futura. Sucintamente destacamos
alguns que ressaltam desse estudo: