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Resumo

Teoria do Ordenamento Jurídico


Norberto Bobbio

Capítulo 3 – A Coerência do Ordenamento Jurídico

Introdução
O problema da coerência surge em função do ordenamento jurídico constituir-se
por um conjunto de normas, as quais por emergirem de variadas fontes podem
apresentar oposições entre si. Essas oposições somente podem ser avaliadas ou julgadas
se levado em conta o conteúdo das normas, não bastando referir-se à autoridade jurídica
da qual emanaram. É neste ponto que Bobbio diverge de Kelsen. Para Kelsen o sistema
jurídico é fundamentalmente um sistema dinâmico – entendido este como um sistema
puramente formal, que não se refere à conduta que as normas regulam, mas tão somente
à maneira como essas normas foram postas. Para Kelsen, a existência de duas normas
cujo conteúdo seja contraditório não torna ilegítimo o sistema nem invalida as normas
contraditórias. Bobbio não admite esse ponto de vista porque considera que viola a idéia
de sistema como totalidade ordenada: como considerar um sistema permeado de normas
opostas como uma "totalidade ordenada"?

1. O Ordenamento Jurídico como um sistema

Para Bobbio, um ordenamento jurídico, além de uma unidade, constitui também


um sistema, sendo este uma totalidade ordenada, ou seja, um conjunto de entes entre os
quis existe uma certa ordem havendo um relacionamento de coerência entre si.
Ele remete ao conceito de sistema feito por Kelsen, o dividindo em estático ou
dinâmico:
Estático  aquele no qual às normas estão relacionadas umas as outras como as
proposições de um sistema dedutivo, ou seja, pelo fato de que derivam umas das outras
partindo de uma ou mais normas originárias de caráter geral, que tem a mesma função
dos postulados ou axiomas num sistema cientifico. Elas estão relacionadas entre si no
que se refere ao seu conteúdo.
Dinâmico aquele no qual às normas que o compõem derivam uma das outras
através de sucessivas delegações de poder, isto é, não através do seu conteúdo, mas
através da autoridade que as colocou.

Ele faz a distinção entre dois tipos de relações de normas: a material e a formal

Materialdeduzindo a ordem de uma ordem de abrangência mais geral.


Explicação através do Conteúdo da prescrição
Formal atribuindo a ordem uma autoridade indiscutível.
Explicação através da Autoridade que a colocou

Uma das diferenças entre Moral e Direito está no fato de que o Direito tem o seu
ordenamento jurídico julgado com base em um critério formal, ou seja, independente do
seu conteúdo e a Moral tem o seu ordenamento baseado em um critério de sobre aquilo
que as normas prescrevem, ou seja, seu conteúdo.
2. Três significados de Sistema

Quando somos juristas, precisamos da Interpretação Sistemática, ou seja,


daquela forma de interpretação que tira os seus argumentos do pressuposto de que as
normas de um ordenamento, ou, mais exatamente, de uma parte do ordenamento
constituindo uma totalidade ordenada. Isso se faz a partir da identificação do Espírito do
Sistema, de onde vai se verificar a lógica presente no sistema, para então esclarecer uma
norma obscura.

Os Três diferentes significados de sistema:

a) O primeiro significado de sistema é no sentido de sistema dedutivo, no qual


todas as normas de um ordenamento são deriváveis de alguns princípios gerais,
considerados da mesma maneira que os postulados de um sistema científico.
b) A segunda concepção de sistema indica um ordenamento da matéria realizado
através do processo indutivo, isto é, partindo do conteúdo das simples normas com a
finalidade de construir conceitos sempre mais gerais e classificações ou divisões da
matéria inteira, gerando um procedimento de classificação.
c) O terceiro significado de sistema é considerado por Bobbio o mais
interessante e é o significado que será utilizado em todo o capítulo sobre a coerência do
ordenamento. O ordenamento, nesse sentido, é um sistema porque não podem coexistir
nele normas incompatíveis. Se houver normas incompatíveis, uma ou ambas devem ser
eliminadas.

3. As antinomias

Antinomia é a existência de normas incompatíveis entre si dentro de um sistema


jurídico. A tradição, ao abordar o direito como um sistema no terceiro sentido acima
apontado, irá afirmar que o Direito não tolera antinomias.
Ao definir-se normas incompatíveis como aquelas que não podem ser ambas
verdadeiras, essas relações de incompatibilidade normativa serão verificadas em três
casos:
1) entre uma norma que ordena fazer algo e outra que proíbe fazê-lo
(contrariedade);
2) entre uma norma que ordena fazer e outra que permite não fazer
(contraditoriedade);
3) entre uma norma que proíbe fazer e outra que permite fazer
(contraditoriedade);

4. Vários tipos de antinomias

Além das situações acima descritas, para que haja antinomia é ainda necessário
que:
1) as duas normas pertençam ao mesmo ordenamento
2) as duas normas devem ter o mesmo âmbito de validade
a) temporal
b) espacial
c) pessoal
d) material
A partir das observações acima, o conceito de antinomia fica ampliado, podendo
ser considerada a antinomia jurídica como "aquela situação que se verifica entre duas
normas incompatíveis, pertencentes ao mesmo ordenamento e tendo o mesmo âmbito de
validade".

Tipos de Antinomias:
a) total-total - em nenhum caso uma das duas normas pode ser aplicada sem
entrar em conflito com a outra.
b) parcial-parcial - tem âmbito de validade em parte igual e em parte diferente.
c) total-parcial - uma tem âmbito de validade igual a outra, porém mais restrito.

Paralelamente a essa concepção de antinomia proposta por Bobbio, há outras


situações que as concepções tradicionais também atribuem o significado de antinomia,
mas que Bobbio irá chamar de antinomias impróprias, para distinguir das antinomias já
definidas, por ele consideradas como antinomias próprias.

As antinomias impróprias podem ser:


1) antinomia de princípio – refere-se ao fato dos ordenamento jurídicos serem
normalmente inspirados em valores contrapostos, como, por exemplo, liberdade e
segurança;
2) antinomia de avaliação – ocorre quando um delito menor é punido com uma
pena mais grave que um delito maior.
3) antinomias teleológicas – têm lugar quando existe uma oposição entre a
norma que prescreve o meio para alcançar o fim e a que prescreve o fim, de modo que
se aplico a primeira não chego ao fim estabelecido na segunda.

5. Critérios para solução de antinomias

A presença de antinomias no sistema jurídico é considerada um defeito que o


intérprete irá tentar eliminar. Surge aí a questão de qual das normas deverá ser
eliminada e quais critérios poderão ser utilizados para realizá-la.

Ao tentar solucionar as antinomias, pode-se deparar com duas situações


diferentes:
1) é possível resolver a antinomia a partir dos critérios tradicionais (cronológico,
hierárquico e especialidade);
2) não é possível resolver a antinomia porque não se pode aplicar nenhum dos
critérios existentes ou porque se podem aplicar ao mesmo tempo duas ou mais regras
em conflito entre si.

Às antinomias da primeira situação Bobbio chamará de antinomias aparentes (ou


solúveis) e às da segunda situação de antinomias reais (ou insolúveis).

As regras fundamentais para a solução das antinomias aparentes são três:


1) critério cronológico – é aquele no qual, entre duas normas incompatíveis,
prevalece a norma posterior.
2) critério hierárquico – é aquele pelo qual, entre duas normas incompatíveis,
prevalece a hierarquicamente superior.
3) critério da especialidade - é aquele pelo qual, entre duas normas
incompatíveis, uma geral e outra especial (ou excepcional), prevalece a segunda.
6. Insuficiência dos Critérios

Contudo, há casos em que não é possível aplicar esses critérios facilmente, pois
pode ocorrer antinomia entre duas normas contemporâneas, do mesmo nível ou ambas
gerais. Nessa situação, os critérios acima indicados não servem mais e não existe um
"quarto critério" que possa resolver esse tipo de antinomia.
Alguns tratadistas mais antigos tentaram elaborar alguns critérios para tentar
resolver esse tipo de antinomia, segundo a forma das normas antinômicas, que poderiam
ser imperativas, proibitivas ou permissivas, porém deve-se reconhecer que essas regras
não têm a mesma legitimidade daquelas deduzidas dos três critérios acima analisados.

Não havendo critério para resolver a antinomia, o juiz ou intérprete tem três
possibilidades:
1) elimina uma das normas.
2) elimina as duas.
3) conserva as duas.

No primeiro caso, trata-se de interpretação ab-rogante, mas que não corresponde


a uma ab-rogação em sentido próprio, já que o intérprete não tem poder normativo.
O segundo caso ocorre normalmente quando a relação entre as normas não é de
contradição, mas de contrariedade, no qual ocorre uma dupla ab-rogação.
A terceira solução é talvez aquela à qual o intérprete recorre mais
freqüentemente e consiste em demonstrar que existe compatibilidade, que a suposta
incompatibilidade é fruto de uma interpretação superficial ou ruim. É a chamada
interpretação corretiva, que pretende conciliar duas normas aparentemente
incompatíveis para conservá-las ambas no sistema, evitando assim o remédio extremo
da ab-rogação.

7. Conflito dos Critérios

Existem antinomias insolúveis que tem como razões:


a) a inaplicabilidade dos critérios
b) a aplicabilidade de dois ou mais critérios conflitantes

A situação antinômica mais delicada, contudo, é aquela na qual pode acontecer


que duas normas incompatíveis mantenham entre si uma relação em que se podem
aplicar concomitantemente, não apenas um, mas dois ou três critérios, sendo que cada
um que for aplicado levará a uma solução diferente.

Sendo três os critérios, os conflitos entre critérios podem ser três tipos:
1) conflito entre o critério hierárquico e cronológico – neste caso, o critério
hierárquico prevalece sobre o cronológico, pois do contrário a estrutura hierárquica do
ordenamento perderia seu sentido.
2) conflito entre o critério da especialidade e o cronológico – neste caso, deve o
critério da especialidade preponderar sobre o cronológico. Contudo, essa regra deve ser
tomada com cautela e ter como fundamento uma ampla casuística.
3) conflito entre o critério hierárquico e o de especialidade – neste caso, Bobbio
afirma que é impossível uma resposta segura e que não existe uma regra geral
consolidada. A solução dependerá do intérprete.
8. O dever da Coerência

Esse problema indicado no item acima traz à tona a questão da regra de


coerência do ordenamento, que proibiria as antinomias no sistema jurídico.
Essa questão, por sua vez, levanta também o problema da validade: a
compatibilidade seria uma condição necessária para a validade de uma norma jurídica?
Bobbio afirma expressamente que não. Não existe no ordenamento nenhuma regra de
coerência e, portanto, duas normas incompatíveis do mesmo nível e contemporâneas são
ambas válidas.
Essas normas, entretanto, não podem ser ao mesmo tempo eficazes, no sentido
de que a aplicação de uma no caso concreto exclui a aplicação da outra, mas são ambas
válidas no sentido de que, apesar de seu conflito, ambas continuam a existir no sistema
e não há remédio para sua eliminação.
Assim, a coerência não é condição de validade, mas é sempre condição para a
justiça do ordenamento, pois a aplicação de duas normas contraditórias gerará decisões
diferentes a casos semelhantes e viola dos princípios considerados importantes para os
ordenamento jurídico: o princípio da certeza (que corresponde ao valor da paz ou da
ordem) e o princípio da justiça (que corresponde ao valor da igualdade).

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