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A mulher gorda, mais do que o ho-

mem, é segregada e anulada. Mas o


peso que mais a incomoda não é
aquele registrado na balança — é o da
consciência. Quase inevitavelmente, as
explicações dadas para a gordura
apontam para o fracasso da própria
mulher em controlar seu peso, seu
apetite e seus impulsos. As mulheres
que sofrem do problema da compul-
são de comer (que ataca quase todas
as gordas) suportam uma dupla an-
gústia: sentem-se desajustadas social-
mente e acreditam ser as únicas cul-
padas por isso. Devido à ansiedade
que isso acarreta e ao fato de que as
diversas soluções oferecidas às mulhe-
res no passado não as satisfizeram,
tornou-se necessário o desenvolvimen-
to de uma nova psicoterapia que lidas-
se com o problema da compulsão de
comer, dentro do contexto do movi-
mento de libertação da mulher. É que
se torna cada dia mais claro que a gor-
dura é uma questão feminista. Ela é
um problema social, nada tem a ver
com a falta de controle ou de força
de vontade da mulher, mas pode se
tornar uma curiosa forma de protesto.
Este livro não diz o que a mulher
deve fazer para emagrecer. Ele trata de
ajudá-la a conviver com o seu corpo,
a aceitá-lo sem culpa, a perder o pe-
so da consciência. A melhor maneira
de emagrecer, como fica claro nestas
páginas, é sentir-se desobrigada de
fazê-lo.
Ao examinar os motivos que levam
as mulheres a engordar, Susie Orbach
acaba por analisar a própria situação
da mulher na sociedade. "O fato de
a compulsão de comer", explica ela,
"ser um problema majoritariamente
feminino indica que está relacionada
à vivência de ser mulher na socieda-
de. Assim, podemos entender o ato de
engordar como algo preciso e inten-
cional; é um desafio dirigido, cons-
ciente ou inconscientemente, à estereo-
tipagem de papéis sexuais e a vivên-
cias de feminilidade culturalmente de-
finidas. A gordura", continua, "é uma
resposta à desigualdade dos sexos. Re-
presenta sentimentos de mulheres que
raramente são examinados, muito me-
nos tratados."
O enfoque terapêutico aqui, diferen-
temente de outros programas de ema-
grecimento, não reforça os papéis so-
ciais opressores que, de saída, levam
as mulheres a comer compulsivamente
e, em seguida, à gordura. O que Su-
sie Orbach faz neste seu revolucioná-
rio trabalho — fruto de pesquisa entre
mulheres de todas as classes, entre os
dezessete e os 65 anos — é um convi-
te à libertação, ao fim da escravidão
das mulheres, de sua submissão às die-
tas e às indústrias de moda que, pri-
meiro, estabelecem imagens ideais e,
em seguida, incitam-nas a se encaixar
nessas imagens.
Gordura é uma questão feminista,
um livro surpreendente e extremamen-
te consciente, escrito por uma psico-
terapeuta praticante, ensina, na verda-
de, a mulher a perder peso sentindo
prazer com a comida, com a vida e
consigo mesma, livrando-a do círcu-
lo vicioso dieta/abuso.
Co-fundadora do Women's Center
Institute, em Nova York, e do Wo-
men's Therapy Center, em Londres,
Susie Orbach é especialista no trata-
mento da compulsão de comer. Com
este trabalho, ela torna obsoletos to-
dos os livros de dieta para emagrecer.
Tradução de
CINTHIA BARKI
Título original norte-americano
FAT IS A FEMINIST ISSUE

Copyright © 1978 by Susie Orbach

Direitos de publicação exclusiva em língua portuguesa em todo o mundo


adquiridos pela
DISTRIBUIDORA RECORD DE SERVIÇOS DE IMPRENSA S.A.
Rua Argentina 171 — 20921 Rio de Janeiro, RJ — Tel.: 580-3668
que se reserva a propriedade literária desta tradução
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Impresso por
Gráfica Portinho Cavalcanti Ltda.
Rua Santana, 136/138 (edifício próprio)
Tel.: 224-7732 (PABX)
Rio de Janeiro — RJ
Para,
Eleanor Anguti,
Carol Bloom
e
Lela Zaphiropoulos
Sumário
Prefácio à edição brasileira

Chovia e fazia frio em Londres. Já estava andando há al-


gumas horas quando enfim encontrei a livraria que estava
procurando. Sister Right, era o nome. Uma livraria femi-
nista. Fui observando os títulos, selecionando livros que jul-
gava serem interessantes.
De repente, um me chamou atenção: Gordura é uma
questão feminista.
Juntei-o aos outros, mas a proposta do livro me intri-
gava. As chamadas diziam: "Emagreça sem fazer regime",
um livro antidieta, e outras coisas do gênero.
Como havia engordado demais durante o inverno lon-
drino, dei-me conta do quanto é difícil pertencer ao mun-
do maravilhoso dos magros.
Você cai no círculo vicioso terrível do engorda/sente
culpa/come com culpa/engorda/se pesa/fica aflito/je-
jua/segue tudo quanto é regime que aparece pela frente e
assim por diante.
Gordura é uma questão feminista é um livro intrigan-
te que questiona as causas da sua gordura e leva você a re-
fletir sobre ela e sobre o fato de estar gordo.
A autora parte do princípio de que existe um desejo
interno e inconsciente de ser gordo, e que você faz uso da
gordura por algum motivo.

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Numa abordagem individual e social bastante profun-
da, o livro prende e provoca, e confesso que houve momen-
tos em que eu o odiei. É claro, ele mexeu muito comigo,
pois várias situações relatadas me serviram como uma luva.
Através do livro, e com muita reflexão posterior, fui
descobrindo e combatendo as causas da minha gordura, e
hoje mantenho um peso considerado normal para a minha
estatura e idade.
Agradeço imensamente à Editora Record, pois foi quem
acreditou no livro e resolveu editá-lo aqui no Brasil.
Espero que a sua trajetória por estas páginas também
seja esclarecedora e frutífera, como o foi para mim e para
milhares de leitores nos Estados Unidos e na Europa.
A autora fez a parte dela; eu, como agente e admira-
dora de suas idéias, fiz a minha de trazer o livro até você.
O resto está em suas mãos.
Boa leitura!

Sílvia Rocha
setembro de 1986.

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Prefácio

Em março de 1970, fui ao Alternate U, na Sexta Avenida,


na altura da rua 14, na cidade de Nova York, inscrever-me
em um curso sobre compulsão de comer e auto-imagem, so-
mente para mulheres. Entrei numa sala abarrotada com qua-
renta mulheres, gordas e magras, que falavam sobre seus
corpos e hábitos alimentares. Carol Munter, a organizado-
ra do grupo, visivelmente encantada com a afluência de pes-
soas, sugeriu que nos dividíssemos em quatro grupos. Era
a primeira vez, desde o começo do movimento de liberta-
ção da mulher, que mulheres ousavam aparecer em grupos
de debates que tratavam especificamente de imagem cor-
poral. O tema do curso dava a impressão de ser algo bur-
lesco: feministas preocupadas com a aparência! Naquela
época costumávamos rejeitar os ideais masculinos veicula-
dos pela propaganda e pelo cinema e que ditavam nossa apa-
rência. Éramos aparentemente felizes vestindo nossos jeans
e camisetas. Não tínhamos o hábito de conversar com nos-
sas amigas sobre roupas ou forma física; na verdade, havia
uma sensação de alívio generalizada, podíamos ficar à von-
tade com nossas roupas e corpos e não precisávamos preo-
cupar-nos com o que era especialmente ligado à moda,
provocante, ou atraente. Vestíamos as roupas da rebelião
e não ligávamos para o que os outros pudessem pensar. Ou
será que ligávamos?

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Antes que formássemos os grupos, Carol Munter men-
cionou duas coisas: a primeira, que conhecia uma pessoa
que havia perdido muito peso sem fazer dieta; a segunda,
que havia montado um espelho de quatro lados num closet
ali perto. Quem quisesse podia ir lá, sozinha, olhar-se pe-
los quatro lados o tempo que fosse preciso. Carol achava
que duas coisas podiam ser a solução para a perda de peso:
não fazer dieta e aceitar a si mesma. Mal prestei atenção.
Pensava: O que estou fazendo aqui? Sempre me olho no
espelho, não tenho medo de fazer isso... Sou mais magra
do que algumas delas, será que as outras mulheres vão me
aceitar?
Nosso grupo marcou um novo encontro para a sema-
na seguinte e nos separamos. Estava confusa, havia espe-
rado por um debate sobre padrões de nutrição nos Estados
Unidos e no Terceiro Mundo, ou talvez um exame das in-
dústrias da moda e de alimentos, ou algo sobre a incidên-
cia da obesidade nos "países ricos". Vacilava em examinar
o assunto da compulsão de comer fora do contexto de uma
linguagem política, linguagem que colocava a família co-
mo o ponto de articulação entre o patriarcado e a socieda-
de ocidental. Estava perturbada, mas agarrei-me ao slogan
de que o individual é político.
Não teria voltado, salvo por um motivo. Apesar do mal-
estar e da necessidade de comparar-me às outras mulheres,
sentia também um alívio extremo em fazer parte de um gru-
po de mulheres, gordas e magras, onde todas eram come-
doras compulsivas. O problema estava identificado e talvez
não me devesse sentir tão envergonhada. Há um ano, apro-
ximadamente, vinha falando bastante sobre assuntos mui-
to pessoais em grupos de conscientização e de repente fiquei
muito animada quando Carol propôs que tratássemos do
mesmo modo uma questão que havia permanecido tão ocul-
ta e íntima.
Deixei o grupo seis meses depois. Não me considerava
mais uma comedora compulsiva e consegui estabilizar-me
em um peso que achei aceitável. Ele ultrapassou um pouco
aquele das minhas antigas fantasias do gênero Twiggy. A
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comida não me apavorava mais e podia viver em paz com
meu corpo. Isso ainda me deixa surpresa, diante daqueles
dez anos tão sofridos de dietas, abusos e ódio de mim mes-
ma. O que aconteceu então, no grupo, que causou essa trans-
formação? Na verdade, muita coisa.
Formamos um grupo convencional de mulheres e, uma
a uma, fomos compartilhando nossos sentimentos a respeito
de nossos corpos, atratividade, comida, modo de comer,
magreza, gordura e roupas. Relatamos minuciosamente ca-
sos de dietas anteriores e contamos histórias horripilantes
de médicos, psiquiatras, clubes de dieta, hotéis de emagre-
cimento e jejuns. Conhecíamos o suficiente para saber que
todas as nossas tentativas anteriores de chegar ao peso e à
forma certos haviam fracassado. Perguntávamos a nós mes-
mas por que queríamos nossos corpos tão em forma e o que
havia de tão poderoso naquele tipo específico de aparência
para que tivéssemos todas tentado e conseguido perder pe-
so dezenas de vezes. Não entendíamos por que não conse-
guíamos nos livrar "dele", por que, toda vez que quase
atingíamos nosso objetivo, "ele" voltava furtivamente, ou
por que sempre saíamos do regime. Por que vivíamos tão
atormentadas com nossas proporções e formas?
Começamos a formular novas perguntas e a nos deparar
com novas respostas. Formávamos um grupo de ajuda mú-
tua quando a força do movimento de libertação da mulher
nos estimulou a repensar muitos conceitos pre-estabelecidos.
O poder criativo do movimento preparou um solo fértil onde
as idéias feministas, alimentadas e desenvolvidas em inú-
meros grupos de conscientização, em passeatas e manifes-
tações e em campanhas políticas organizadas, encontraram
novas aplicações e utilidades. A compulsão de comer era
um dos campos onde essas idéias podiam ser aplicadas.
A compulsão de comer é uma atividade muito penosa
e, aparentemente, autodestrutiva. Mas o feminismo ensinou-
nos a desconfiar de rotulações deste gênero. Ensinou-nos
que certas atividades que parecem ser autodestrutivas são,
invariavelmente, adaptações, tentativas de enfrentar o mun-
do. Em nosso grupo, viramos às avessas nossas idéias for-

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temente arraigadas sobre dietas e magreza. Carol lembrou-
nos de sua amiga que perdera peso sem fazer dieta. Aos pou-
cos e com insegurança, paramos com nossas dietas. Nada hor-
rível aconteceu. Meu mundo não desabou. Carol levantou a
questão principal: talvez não quiséssemos ser magras. É cla-
ro que eu queria ser magra, eu seria... As reticências ficaram
com a resposta. Eu magra seria diferente de quem eu era. De-
cidi que não queria ser magra, não havia nada de mais nis-
so. Os homens ficam mexendo com a gente, viramos objetos
sexuais. Não, decididamente não queria ser magra... Desen-
volvi um novo raciocínio político para não ser magra — não
me tornaria aquilo que as revistas de moda queriam que eu
fosse. Era uma beatnik judia e seria zaftig* Relaxei, comi o
que quis e vesti as roupas que tinham a ver comigo. Senti-
me até mesmo um pouco prosa. Ignorava as colunas de die-
ta dos jornais, apreciava as diferentes fases gastronômicas pe-
las quais passava e andava pelas ruas sentindo-me cada vez
mais confiante. No entanto, aquelas reticências continuavam
a me perturbar. Por que tinha medo de ser magra? Comecei
a visualizar as coisas que me apavoravam. Ao mesmo tempo
que as confrontava, perguntava a mim mesma como o fato
de ser gorda poderia me ajudar naquelas situações? O fato
de ser magra me causaria mais dificuldades em quê? Quan-
do a imagem da minha personalidade gorda e magra se fun-
diu, comecei a perder peso. Fiquei extremamente satisfeita
em ter um corpo no qual me sentia bem e em não estar mais
obcecada com relação à comida. Prometi a mim mesma que
não seria eu a responsável por me privar das comidas de que
gostava. Aprendera uma lição decisiva: era a mesma pessoa,
gorda ou magra. Satisfeita, deixei o grupo. Juntas havíamos
desenvolvido uma teoria e uma prática que faziam sentido.
Eu e Carol continuamos a ajudar outras mulheres a resolver
esse problema. Orientamos grupos. Tornamo-nos terapeutas
e trabalhamos com mulheres em grupos e individualmente
durante cinco anos.

'Pessoa gorda em ídiche. (N. do T.)

14
Este livro é uma tentativa de compartilhar esse trabalho.
É minha visão do que aprendemos no primeiro grupo, com
os grupos subseqüentes e no tratamento de mulheres indi-
vidualmente, que dividiram seu problema da compulsão de
comer conosco. Como tal é necessariamente limitado; seu
alcance não é suficiente para fornecer um quadro abran-
gente sobre a compulsão de comer, mas aponta para aspectos
que não foram notados por aqueles que trabalham nesse
campo. As observações e insights foram colhidos junto a
mulheres dos Estados Unidos, Canadá e Inglaterra. Todas
brancas e na faixa etária dos dezessete aos sessenta e cinco
anos. Estão incluídas avós e mulheres solteiras. Pertencem
à classe operária, classe média e classe média alta. Deseja-
ria imensamente que este livro tivesse alguma utilidade pa-
ra um público mais amplo, principalmente para mulheres
negras e latinas, mas reconheço que suas vivências cultu-
rais são diferentes daquelas de onde essas idéias se desen-
volveram, e talvez não tenham muito a acrescentar-lhes.
Muitos já se ocuparam do estudo da compulsão de co-
mer, como psiquiatras, psicanalistas, psicólogos, médicos,
nutricionistas e endocrinologistas1. De modo geral, lidam
com o problema ou tentando eliminar a obesidade ou tra-
tando das causas subjacentes à ansiedade que gera a com-
pulsão de comer. Esta nunca foi definida com precisão, mas
para mim e para as mulheres com as quais trabalhei ela sig-
nifica o seguinte:

Comer quando a fome não é fisiológica.

Sentir-se descontrolada com relação à comida, entrando


para valer na dieta ou na comilança.

Despender muito tempo com pensamentos e preocu-


pações relacionados à comida e à gordura.

Procurar ansiosamente, na dieta da moda, informações


essenciais.

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Sentir-se péssima por não ter controle.

Sentir-se péssima em relação a seu corpo.


Nosso enfoque tem sido o de ver a compulsão de co-
mer tanto como sintoma quanto como um problema em si
mesmo. É sintoma no sentido em que aquele que come por
compulsão não sabe como lidar com aquilo que está por
trás deste comportamento e apela para a comida. Por ou-
tro lado, a síndrome da compulsão de comer se propagou
de tal maneira e é tão dolorosamente absorvente que deve
também ser abordada diretamente como um problema. Con-
seqüentemente, tratamos de ambos os aspectos. Examina-
mos e desmistificamos o sintoma para descobrir o que está
sendo manifestado no desejo de ser gorda, no medo da ma-
greza e na vontade de se fartar e de passar fome. Ao mes-
mo tempo, tentamos intervir diretamente para que os
sentimentos e o comportamento com relação à comida possa
modificar-se. Os problemas subjacentes devem ser revela-
dos e distinguidos, mas não necessariamente trabalhados.
A perspectiva é sempre a de perceber as dimensões sociais
que levam as mulheres a optar pela compulsão de comer
como uma adequação à pressão sexista da sociedade con-
temporânea.
Estamos cientes de que a preocupação contemporânea
com a magreza é nova e restringe-se aos países ocidentais
que aparentemente não sofrem de escassez de alimentos. A
produção de alimentos desses países está quase toda nas
mãos de empresas multinacionais2. Dominam totalmente o
mercado, desde comidas com "alto teor de proteínas", "vi-
taminadas" e "integrais", a doces dietéticos, geléias, sor-
vetes, leites e refrigerantes. Às mulheres, as compradoras
mais importantes de alimentos, é oferecida uma escolha apa-
rentemente ampla. Elas têm de fazer escolhas inteligentes
para a saúde e o bem-estar de suas famílias. Ao mesmo tem-
po, toda mulher se defronta incessantemente com imagens
de magreza e de boa forma e com recomendações para co-
mer sensatamente, perder peso e ter uma vida feliz. Esta

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preocupação geral com a magreza atinge tanto mulheres,
como homens, e as pessoas são, muitas vezes, induzidas a
emagrecer quando não estavam anteriormente com exces-
so de peso. Deste modo tem início um ciclo de privação de
comida e de compulsão de comer. As mulheres são espe-
cialmente suscetíveis a esses apelos em favor da perda de
peso porque são educadas para adaptar-se a uma imagem
de feminilidade que confere importância ao peso e à for-
ma. Somos ensinadas a nos enquadrar e a nos destacar ao
mesmo tempo — mensagem realmente contraditória.
Os homens estão sendo cada vez mais atingidos por esse
tipo de pressão e, apesar de ter trabalhado com muitos ho-
mens, não tentei formular uma teoria que descreva como
o sexismo afeta o peso masculino.
Este livro foi escrito como um manual de auto-ajuda.
No entanto, alguns terapeutas talvez queiram incorporar este
método a seus trabalhos com comedores compulsivos3.
Espero que a experiência aqui relatada e vivida pelas
mulheres tenha algo a dizer a todas aquelas que sofrem do
problema da compulsão de comer.
Susie Orbach
Londres, 1978

17
Introdução

A obesidade e o comer em excesso juntaram-se ao sexo co-


mo questões fundamentais nas vidas de muitas mulheres hoje
em dia. Estima-se que nos Estados Unidos 50% das mu-
lheres têm excesso de peso. Todas as revistas femininas
publicam uma coluna de dieta. Médicos e clínicas de ema-
grecimento prosperam. Nomes de comidas dietéticas fazem
agora parte de nosso vocabulário comum. A boa forma fí-
sica e a beleza são, hoje em dia, o objetivo de todas as mu-
lheres. Ao mesmo tempo que essa preocupação com a
gordura e com a comida tornou-se tão comum que passa-
mos a aceitá-la sem questionamentos, ser gorda, sentir-se
gorda e a compulsão de comer em excesso são, na verdade,
experiências sérias e dolorosas para as mulheres que as vi-
vem.
A mulher gorda é segregada e anulada. Quase inevita-
velmente, as explicações dadas para a gordura apontam para
o fracasso da própria mulher em controlar seu peso, seu
apetite e seus impulsos. As mulheres que sofrem do pro-
blema da compulsão de comer suportam uma dupla angús-
tia: sentem-se desajustadas socialmente e acreditam-se as
únicas culpadas.
O número de mulheres que têm problemas com peso
e que comem por compulsão é grande e vem aumentando.

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Devido à ansiedade que isso acarreta e ao fato de que as
diversas soluções oferecidas às mulheres no passado não fun-
cionaram, tornou-se necessário o desenvolvimento de uma
nova psicoterapia que lidasse com o problema da compul-
são de comer, dentro do contexto do movimento de liber-
tação da mulher. Esta nova psicoterapia representa um
reexame feminista da psicanálise tradicional.
Um enfoque psicanalítico tem muito a oferecer para.
uma solução dos problemas da compulsão de comer. Este
enfoque nos fornece meios de investigar as raízes do pro-
blema em nossas primeiras vivências. Mostra-nos como for-
mamos nossa personalidade adulta, principalmente nossa
identidade sexual — como uma menina recém-nascida torna-
se moça e depois mulher e como um menino recém-nascido
torna-se rapaz e depois homem. O insight psicanalítico nos
ajuda a compreender o que significa ser gorda e comer em
excesso para cada mulher individualmente, através da ex-
plicação de seus atos conscientes ou inconscientes.
No entanto, um enfoque baseado exclusivamente na
psicanálise clássica, sem a perspectiva feminista, é insufi-
ciente. Desde a Segunda Guerra Mundial, a psiquiatria, de
modo geral, tem dito às mulheres infelizes que sua insatis-
fação representa uma incapacidade em resolver o "complexo
de Édipo". A gordura feminina tem sido diagnosticada co-
mo um sintoma obsessivo-compulsivo relacionado à sepa-
ração-individuação, narcisismo e desenvolvimento de ego
insuficiente1. Ser gorda é encarado como um desvio e uma
maneira de afastar os homens. O comer em excesso e a obe-
sidade foram reduzidos a falhas de caráter, em vez de se-
rem entendidos como a expressão de vivências dolorosas e
conflituosas. Além disso, em vez de tentar descobrir e en-
frentar os sentimentos desagradáveis das mulheres com
relação a seus corpos ou com relação à comida, os profis-
sionais se preocuparam com o problema de como torná-las
magras. Assim, depois que psiquiatras, analistas e psicólo-
gos fracassaram, cientistas começaram a procurar respos-
tas biológicas e até mesmo genéticas para explicar a
obesidade. Nenhum destes enfoques têm tido resultados con-

20
vincentes e duradouros. Nenhum deles chegou aos pontos
fundamentais do problema da compulsão de comer que es-
tão enraizados na desigualdade social da mulher.
Uma visão feminista do problema da compulsão de co-
mer da mulher é essencial se quisermos superar o enfoque
ineficaz do tipo que diz que a culpa é da vítima2 e o insa-
tisfatório modelo de tratamento de adaptação. Enquanto
a psicanálise fornece meios valiosos de descobrir as origens
mais profundas da ansiedade, o feminismo faz questão de
dizer que essas dolorosas vivências pessoais advêm do con-
texto social onde as meninas nascem e dentro do qual cres-
cem e se tornam mulheres. O fato da compulsão de comer
ser um problema majoritariamente feminino indica que es-
tá relacionada à vivência de ser mulher em nossa socieda-
de. O feminismo demonstra que ser gorda representa uma
tentativa de romper com os estereótipos sexuais da socie-
dade. Assim, podemos entender o ato de engordar como
algo preciso e intencional; é um desafio dirigido, conscien-
te ou inconscientemente, à estereotipagem de papéis sexuais
e a vivências de feminilidade culturalmente definidas.
A gordura é um mal social; a gordura é uma questão
feminista. A gordura não tem a ver com falta de controle
ou falta de força de vontade. A gordura tem a ver com pro-
teção, sexo, criação, força, limites, maternidade, estabili-
dade, afirmação e raiva. É uma resposta à desigualdade dos
sexos. A gordura hoje representa sentimentos de mulheres
que raramente são examinados, muito menos tratados. Em-
bora tornar-se gorda não altere as raízes da opressão sexual,
um estudo das causas subjacentes ou da motivação incons-
ciente que leva as mulheres a comer compulsivamente pode
indicar novas possibilidades de tratamento. Nosso enfoque
terapêutico, diferentemente de outros programas de ema-
grecimento, não reforça os papéis sociais opressores que le-
vam as mulheres, de saída, à compulsão de comer. O que
acontece com a posição social da mulher, que a leva a rea-
gir engordando?
A justificativa ideológica atual para a desigualdade dos
sexos formou-se baseada no conceito das diferenças inatas

21
entre homens e mulheres. Somente as mulheres podem dar
à luz e amamentar seus bebês e, dessa forma, forma-se uma
relação de dependência primária entre mãe e filho. Embo-
ra esta capacidade biológica seja a única diferença genética
conhecida entre o homem e a mulher3, ela serve de base
para uma divisão desigual do trabalho, do poder, dos pa-
péis e das expectativas entre os sexos. A divisão do traba-
lho está institucionalizada. A capacidade da mulher de
reproduzir e alimentar relegou-a ao cuidado e à socializa-
ção das crianças.
A relegação da mulher aos papéis sociais de esposa e
mãe tem muitas conseqüências significativas que são, em
parte, responsáveis pelo problema de gordura. Em primei-
ro lugar, para se tornar esposa e mãe ela tem de ter um ho-
mem. Conseguir um homem é visto como um objetivo quase
inatingível, porém essencial. Para conseguir um homem, a
mulher deve aprender a se ver como um artigo, uma mer-
cadoria, um objeto sexual. Grande parte daquilo que ela
sente e da sua identidade depende de como ela se vê e é vis-
ta pelos outros. Como diz John Berger em Ways of Seeing:

"Os homens agem, as mulheres aparecem. Os homens olham


as mulheres. As mulheres se vêem sendo olhadas. Isto deter-
mina não somente quase todas as relações entre homens e mu-
lheres, 4como também a relação das mulheres consigo
mesmas ."

Essa ênfase à aparência como aspecto principal da exis-


tência da mulher torna-a extremamente autocrítica. Exige
que ela se ocupe com uma imagem de si mesma que os ou-
tros achem agradável e atraente — imagem que transmita
imediatamente que tipo de mulher ela é. Ela tem de se ob-
servar e avaliar, examinando cada detalhe de si mesma co-
mo se estivesse sendo julgada de fora. Tenta encaixar-se na
imagem de feminilidade exibida em cartazes, jornais, revistas
e na televisão. Os meios de comunicação apresentam a mu-
lher ou dentro de um contexto sexual, ou dentro da famí-
lia, refletindo os dois papéis estabelecidos para ela: o
22
primeiro, como objeto sexual, o segundo, como mãe. Ela
é criada para "agarrar" um homem com sua boa aparên-
cia e boas maneiras. Para fazer isso ela deve parecer atraente,
natural, sensual, sexy, virginal, inocente, confiável, ousa-
da, misteriosa, coquete e magra. Em outras palavras, ela
oferece sua auto-imagem ao mercado do casamento. Co-
mo mulher casada, sua sexualidade será sancionada e al-
guém se responsabilizará por suas necessidades econômicas.
Terá alcançado o primeiro degrau da feminilidade.
A partir do momento que se ensinou às mulheres ter
uma visão exterior de si mesmas enquanto pretendentes aos
homens, elas se tornaram escravas das imensas indústrias
de moda e dieta que, primeiro, estabelecem imagens ideais
e, em seguida, incitam-nas a se encaixar nessas imagens. A
mensagem é clara e enfática: o corpo da mulher não lhe per-
tence. O corpo da mulher, do jeito que é, não satisfaz. Tem
de ser magro, sem pêlos supérfluos, desodorizado, perfu-
mado e vestido. Deve adequar-se a um tipo físico ideal. A
família e a socialização escolar ensinam as meninas a se en-
feitar do modo certo. Além disso, o trabalho não tem fim,
pois essa imagem muda a cada ano. No início dos anos ses-
senta, a única maneira de sentir-se aceita era ser magérri-
ma, ter o busto achatado e cabelos longos e lisos. A primeira
exigência era conseguida quase passando fome, a segunda
enfaixando o busto com uma bandagem, e a terceira, pas-
sando-se os cabelos a ferro. Em seguida, no início dos anos
70, a aparência ideal era ter cabelos encacheados e seios vo-
lumosos. Altas e magras num ano, pequeninas e discretas
no seguinte, as mulheres são continuamente manipuladas
por imagens de uma feminilidade exemplar extremamente
fortes porque são apresentadas como a única realidade.
Aquelas que não levam em conta essas imagens, correm o
risco de serem rejeitadas. As mulheres são estimuladas a
amoldar-se, a ajudar a economia através do consumo in-
cessante de bens e roupas rapidamente inutilizados pela mo-
da da estação seguinte. Atrás de tudo isso, uma indústria
de dez bilhões de dólares aguarda para remodelar os cor-
pos de acordo com a última moda. Deste modo, espera-se

23
que as mulheres moldem-se a um padrão externamente de-
finido e sempre em mutação. Mas tais modelos de feminili-
dade são sentidos como irreais, assustadores e inatingíveis.
Formam um quadro que está muito longe da realidade do
dia-a-dia das mulheres.
O que persiste nessas imagens é que a mulher tem que
ser magra. Para muitas mulheres, comer compulsivamente
e ser gorda tornou-se um meio de evitar ser vista como mer-
cadoria ou como a mulher ideal: "Minha gordura diz 'da-
ne-se' para todos aqueles que me querem como mãe perfeita,
namorada, empregada e prostituta. Veja-me como eu sou,
não como deveria ser. Se você está realmente interessado
em mim, pode fazer um esforço para passar através das ca-
madas de gordura e descobrir quem eu sou." Assim, a gor-
dura expressa uma revolta contra a falta de poder da mulher,
contra a pressão de ter de parecer e agir de uma determina-
da forma, e contra o fato de ser julgada por sua capacida-
de ou não de criar uma imagem de si mesma.
Tornar-se gorda é, portanto, uma resposta da mulher
à primeira etapa do processo de desempenhar um papel so-
cial estabelecido, que exige que ela se amolde a uma ima-
gem imposta externamente para conseguir um homem. Mas
um segundo estágio acontece depois que ela alcança este ob-
jetivo, após tornar-se esposa e mãe.
Para uma mãe, as necessidades de todos os outros vêm
em primeiro lugar. As mães são gerentes não remuneradas
de pequenas organizações, fundamentais, complexas e exi-
gentes. Podem não ter controle sobre os acordos financei-
ros desta minicorporação ou sobre as principais decisões a
respeito de sua localização ou gestos de capital, mas geral-
mente controlam as operações do dia-a-dia. Para garantir
sua sobrevivência, estima-se que a mãe trabalha dez horas
por dia (dezoito, se trabalhar fora), garantindo a compra
e o preparo da comida, a arrumação das roupas, brinque-
dos e livros das crianças e que as coisas do pai estejam
sempre em ordem. Ela torna a casa habitável, limpa e con-
fortável; faz o trabalho de relações públicas organizando
o horário em que a família vai dedicar-se a parentes e ami-
24
gos; fornece os serviços de baby-sitter e de motorista para
seus filhos. Enquanto somos bebês e crianças, cuidam de
nós. No entanto, quando adultas, espera-se das mulheres
que alimentem e limpem não somente seus bebês, como tam-
bém seus maridos, e somente depois, elas mesmas.
Neste papel as mulheres se sentem especialmente coa-
gidas a apelar para a comida. Após o nascimento de cada
bebê, o peito e as mamadeiras tornam-se questões centrais.
Geralmente a mãe é levada a sentir-se insegura com rela-
ção à sua competência no desempenho de seu trabalho bá-
sico. No hospital, o bebê é pesado depois de cada mamada
para se checar se o peito da mãe tem leite suficiente. Pedia-
tras e livros que ensinam a cuidar de bebês bombardeiam
a nova mãe com conselhos autoritários mas divergentes so-
bre, por exemplo, horário fixo de alimentação ou determi-
nado pela necessidade do bebê, receitas de mamadeiras, ou
sobre o início da alimentação sólida. À medida que as crian-
ças crescem, continua-se a chamar a atenção da mulher so-
bre sua incapacidade de proporcionar uma alimentação
satisfatória. A indústria de alimentos, ao preço de bilhões
de dólares por ano, aconselha-a como, quando e o que dar
àqueles que estão entregues a seus cuidados. A propagan-
da a induz a oferecer cafés da manhã nutritivos, salgadi-
nhos para beliscar e jantares saudáveis. A obsessão dos
meios de comunicação com o bom cuidado da casa e, espe-
cialmente, com uma boa comida e alimentação, serve de ter-
mômetro para aferir o desempenho sempre sofrível da
mulher. Essa obsessão estabelece as regras para a prepara-
ção da comida, de modo que a dona-de-casa é exposta a
uma lista tão contraditória de permissões e proibições, que
é um verdadeiro milagre conseguir fazer algo, seja o que
for, na cozinha. Não é de surpreender que uma mulher
aprenda rapidamente a não confiar mais em sua intuição,
seja para alimentar sua família, seja para sentir quais são
suas próprias necessidades quando se alimenta.
Durante o período da vida dedicado à criação dos fi-
lhos a mulher está constantemente assegurando que a vida
dos outros decorra tranqüilamente. Faz isso sem pensar se-

25
riamente que está trabalhando num emprego de tempo in-
tegral. Sua própria vivência do dia-a-dia é como parteira
das atividades dos outros. Enquanto prepara os filhos pa-
ra se tornarem futuros trabalhadores e possibilita a seu ma-
rido ser um produtor "eficiente", seu papel é o de produzir
e reproduzir trabalhadores. Nesta posição, ela está constan-
temente dando, sem receber, o crédito que confirmaria seu
valor social.
Em uma sociedade capitalista todos são definidos pe-
-o trabalho. Homens de negócio, de carreira universitária
ou profissionais têm mais status do que pessoas que traba-
lham na produção ou em serviços gerais. O trabalho feito
em casa pela mulher entra nesta última categoria. Apesar
de ser geralmente descrito como subalterno, de ser consi-
derado criativo, de ser menosprezado por ser fácil, ou de
ser venerado como algo divino, o trabalho da mulher é vis-
to como se existisse fora do processo de produção e é, por
isso, desvalorizado. As mulheres, como grupo, têm menos
liberdade de expressão do que os homens de sua mesma clas-
se social. Por mais oprimidos que possam ser por uma classe
social, os homens detêm mais poder que as mulheres. To-
do homem tem de ser cauteloso com o patrão. Toda mu-
lher tem de ser cautelosa temendo a reprovação de seu
homem. As normas e pontos de vista atuais são masculi-
nos. As mulheres são vistas como sendo diferentes das pes-
soas normais (que são os homens), são vistas como o
"outro" 5 . Não são aceitas em termos de igualdade com os
homens. Sua plena identidade não tem a aprovação da so-
ciedade onde crescem. Isto acarretará uma confusão para
as mulheres. Estão presas ao papel de estranhas e, no en-
tanto, lhes é delegada a responsabilidade de garantir a pro-
dutividade das vidas dos outros.
Visto que as mulheres não são aceitas como seres hu-
manos em termos igualitários e, no entanto, espera-se que
assim mesmo dediquem enorme energia às vidas dos outros,
as distinções entre suas próprias vidas e as dos que estão
próximos podem tornar-se pouco claras. Confundir-se com
os outros, alimentar os outros, não saber como formar um
26
espaço para si mesmas, são assuntos freqüentes das mulhe-
res. As mães estão constantemente dando de si e alimen-
tando o mundo; as necessidades dos outros vêm em primeiro
lugar. Não é de surpreender que elas se sintam confusas com
relação a suas próprias necessidades físicas e que tenham
poucas maneiras de perceber seus interesses próprios. Uma
forma de dar para si e de se preencher é através da comida.
"Como muito porque estou sempre me abastecendo para
a luta do dia-a-dia. Cuido de minha família, de minha mãe
e de quem faça parte do meu dia. Sinto-me vazia em dar
tanto de mim, por isso como para preencher os espaços e
sentir-me forte para continuar a dar de mim para o mun-
do." A gordura resultante tem a função de formar o espa-
ço que as mulheres anseiam. É uma tentativa de responder
à pergunta: "Se estou sempre me dando para todos, onde
é que começo e termino?" Queremos ser e parecer sólidas.
Queremos ser maiores do que o permitido pela sociedade.
Queremos ocupar tanto espaço quanto o outro sexo. "Se
me tornar tão grande quanto um homem, talvez seja leva-
da a sério como um homem."
O que acontece com a mulher que não se encaixa nes-
se papel social? Apesar da imagem de objeto sexual ideal
e de mãe supercompetente ser difundida socialmente, ela
não só é limitadora e inatingível, como também incapaz de
corresponder, hoje em dia, à realidade da vida de inúme-
ras mulheres. A verdade é que atualmente a maioria das mu-
lheres ainda se casa e tem filhos. Mas muitas também
continuam a trabalhar fora depois do casamento, quer pa-
ra satisfazer necessidades econômicas, quer para tentar rom-
per com os limites de seu papel social. As mulheres estão
sempre fazendo malabarismos com os inúmeros aspectos
de suas personalidades, que são desenvolvidos e expressa-
dos, com muito custo, diante desse cenário hostil. Nesse con-
texto, assim como muitas mulheres engordam em primeiro
lugar como uma tentativa de evitar sua transformação em
objetos sexuais no começo de sua vida adulta, muitas ou-
tras permanecem gordas como um meio de neutralizar sua
identidade sexual aos olhos de outros que são importantes

27
para elas na medida em que suas vidas evoluem. Deste mo-
do podem esperar serem levadas a sério em sua vida profis-
sional fora do lar. Não é comum, para as mulheres, serem
aceitas por sua competência nesse terreno. Quando emagre-
cem, isto é, quando começam a se parecer com mulheres
autênticas, percebem, de repente, que estão sendo tratadas
frivolamente por seus colegas do sexo masculino. Quando
as mulheres são magras, são tratadas com frivolidade: uma
profissional magra, sexy e incompetente. Mas, se uma mu-
lher emagrece, ela própria talvez ainda não consiga sepa-
rar essa magreza da sexualidade que já vem estabelecida,
e que a define como incompetente. É difícil adaptar-se a
uma imagem idealizada pela sociedade (a de pessoa magra),
sem também transformar-se na outra imagem (a de mulher
sexy). "Quando estou gorda sinto firmeza. Sempre que ema-
greço sinto que estou sendo tratada como uma bonequinha
que não sabe nada de nada."
Vimos como a gordura é uma rejeição simbólica das
limitações do papel da mulher, uma adaptação que muitas
mulheres fazem na penosa tentativa de levar adiante suas
próprias vidas em meio às limitações impostas por sua fun-
ção social. Mas para entendermos um pouco mais sobre o
modo como o excesso de peso e, em especial, o comer em
excesso atuam nas vidas das mulheres, temos de examinar
o processo através do qual lhes é ensinado inicialmente seu
papel social. É um processo complexo e irônico, pois as mu-
lheres são preparadas para essa vida de desigualdade por
outras mulheres que, elas próprias, sofrem as limitações des-
sa vida: suas mães. A perspectiva feminista mostra que a
compulsão de comer é, na verdade, uma manifestação das
complexas relações entre mães e filhas.
Se o papel social da mulher é o de tornar-se mãe, a cria-
ção — a alimentação da família no sentido mais amplo do
termo — é seu trabalho fundamental. De modo geral, é so-
mente dentro da família que uma mulher possui algum po-
der social. Sua competência como mãe e sua capacidade de
ser um apoio afetivo para a família define-a e fornece-lhe
. um contexto reconhecido onde existir. Para a mãe, uma par-
28
te fundamental do papel materno consiste em ajudar a fi-
lha, assim como sua mãe fez com ela, a fazer uma suave
transição para o papel social feminino. Com a mãe a meni-
na aprende quem ela própria é e pode ser. A mãe fornece
um modelo de comportamento feminino e dirige o compor-
tamento da filha de um modo específico.
Mas o mundo que a mãe deve apresentar à filha é um
mundo de relações de desigualdade, entre pais e filhos, au-
toridade e falta de poder, homem e mulher. A criança é ex-
posta ao mundo das relações de poder através de uma
unidade que, ela própria, produz e reproduz talvez como
a mais fundamental dessas desigualdades. Dentro da famí-
lia incute-se um sentimento de inferioridade nas meninas6.
Embora seja óbvio que o processo de crescimento de meni-
nos e meninas é imensamente diferente, pode estar menos
claro que, para preparar a filha para uma vida de desigual-
dade, a mãe tente conter os desejos desta de ser um ser
humano forte, autônomo, auto-suficiente, enérgico e pro-
dutivo. Desde muito cedo a menina é encorajada a aceitar
essa ruptura em seu desenvolvimento e é orientada a lidar
com essa perda através do desvio de sua energia para o
cuidado dos outros. Suas próprias necessidades de apoio afe-
tivo e de crescimento serão satisfeitas se ela puder conver-
tê-las em dar de si aos outros.
Enquanto isso, ensina-se os meninos a receber apoio
afetivo mas não a saber devolver esse tipo de cuidado e
amor. Portanto, quando uma jovem finalmente obtém a re-
compensa social do casamento, descobre que ele raramen-
te lhe fornece os cuidados de que ainda precisa, nem
tampouco uma oportunidade para a sua independência e
o autodesenvolvimento. Ser mulher é viver na tensão de dar
de si e não receber; e mães e filhas envolvidas neste proces-
so que leva a isto estão, inevitavelmente, fadadas à ambi-
valência, dificuldade e conflito.
Se a questão for abordada sob o ponto de vista da mãe,
o processo de conduzir a filha para a feminilidade adulta
é ambivalente por diversas razões. A primeira é a questão
da independência. A mãe, que foi preparada para uma vi-

29
da de doação, julga que sua função de alimentar, criar e
educar os filhos está cumprida — função esta que faz parte
integrante do êxito de seu papel social. Ela precisa que pre-
cisem dela e realmente se realiza como uma "boa mãe" ali-
mentando cuidadosamente sua filha. Deste modo, as mães
querem e não querem que suas filhas as deixem. Querem,
porque o papel materno também exige que preparem as fi-
lhas para a independência final: fracassar nessa área é fra-
cassar na sua condição de mãe. Por outro lado, o êxito nessa
área assinala o fim da maternidade. Vimos que, dos limita-
dos papéis acessíveis às mulheres neste século, a materni-
dade é o único onde elas têm poder legítimo. Portanto, seu
êxito pessoal em ser mães resulta na perda de poder. Seu
êxito pessoal é um beco sem saída; não resulta na criação
de um novo papel, igualmente poderoso.
A ambivalência das mães é, no entanto, mais doloro-
sa ainda porque querem e não querem que suas filhas se-
jam como elas. A filha que é igual à mãe está, de certo modo,
dando validade à vida dessa mãe. Mas a vida da mãe conti-
nua a ser uma vida sem validade e, o fato da filha reprodu-
zir o modo de vida da mãe não pode ser nada além da
perpetuação da falta de poder. Em seu amor pela filha, a
mãe deve querer, inevitavelmente, uma vida diferente para
ela.
Apesar disso, elas podem ter sentimentos ambivalen-
tes com relação às novas oportunidades acessíveis a suas fi-
lhas, e que elas próprias não tiveram. Podem ter inveja
dessas oportunidades e medo do bem-estar de suas filhas
num mundo que elas consideram hostil às mulheres, ao mes-
mo tempo que sentem uma satisfação indireta com a ambi-
ção e o sucesso de suas filhas. Enquanto a mãe deve ser mãe,
a filha pode ser ambiciosa e participante no mundo.
Examinemos agora tais conflitos sob o ponto de vista
da filha. As filhas querem e não querem deixar as mães.
A filha que vai embora é aquela que se torna independen-
te, faz parte do mundo, "acontece" como mulher adulta.
No entanto, essa mesma autonomia causa problemas. Co-
mo vimos, a independência no mundo ainda não é uma op-
30
ção para as mulheres adultas. As filhas têm sentimentos am-
bivalentes com relação a suas oportunidades no mundo; são
mal preparadas para assumi-las, como aprenderam, tanto
da cultura em geral, quanto de suas próprias mães.
As filhas se identificam com a falta de poder das mães
enquanto mulheres em uma sociedade patriarcal. Foram
criadas para serem como suas mães. Mas querem, ao mes-
mo tempo, ser e não ser iguais às mães. Embora se identifi-
quem com suas mães enquanto mulheres, como aquelas que
dão de si e que cuidam dos outros, é provável que desejem,
apesar disso, ter uma outra vivência da condição de mu-
lher. Ao partir, ao sair fora do papel feminino estabeleci-
do, é possível que a filha sinta que está traindo a mãe, ou
se destacando com relação a ela, fazendo "melhor" do que
ela. Pode também ficar apreensiva por estar pisando em um
terreno movediço e não explorado. Além disso, se a filha
se identifica com a falta de poder da mãe, é possível que
ache que seu papel é o de cuidar dela — dar-lhe o amor,
o cuidado e o interesse que ela nunca recebeu. Torna-se a
mãe de sua mãe? Partir será uma dupla traição.
Como chegarão a se expressar na gordura, na comida
e na alimentação tais ambivalências e conflitos? Como ca-
da mulher adulta que sofre da compulsão de comer expres-
sa o que aconteceu consigo em relação à sua mãe? É óbvio
que a alimentação desempenha um papel elementar na re-
lação entre a mãe e a criança, não importando seu sexo.
Dentro de toda a gama de funções relativas à criação que
se espera das mães, a alimentação física é a mais fundamen-
tal — na verdade, instintiva. O peito da mãe fornece ali-
mento para as crianças praticamente sem qualquer ato
consciente desta, enquanto que todas as outras funções re-
lativas à criação, como a doação vital de apoio afetivo, têm
de ser aprendidas.
Em virtude da ambivalência sentida em relação à fi-
lha, a disposição da mãe em lhe dar uma criação sensível,
física e emocionalmente, pode ser abalada. Os bebês do se-
xo masculino e feminino vivenciam suas primeiras relações
de amor com a mãe, mas muito cedo esta nega um certo

31
grau de apoio e sustentação à filha, a fim de ensinar-lhe os
caminhos da condição de mulher. Isso traz conseqüências
específicas. Em Little Girls7, Elena Gianini Belotti refe-
re-se a um estudo sobre posturas e procedimentos mater-
nos na alimentação de bebês. Em uma amostragem de bebês
de ambos os sexos, havia 99% de meninos amamentados
para 66% de meninas. As meninas eram desmamadas sig-
nificativamente mais cedo que os meninos e passavam 50%
de tempo a menos sendo alimentadas (no caso da alimen-
tação através do peito e de mamadeiras, isto significava que
eram menos alimentadas do que os meninos). Deste modo,
as filhas são, geralmente, mais mal alimentadas e recebem
menos atenção e sensibilidade do que precisam. A alimen-
tação física insensível e inadequada é mais tarde associada
inconscientemente a uma alimentação afetiva insatisfató-
ria.
Embora inconscientemente a mãe possa não estar crian-
do adequadamente sua filha, é com muita relutância que
abre mão de alimentá-la. Na ausência de um papel alterna-
tivo, pode tornar-se pouco nítida a diferença entre ela e a
criança, agora fora do útero. É possível que veja a criança
como um produto, uma posse ou uma extensão sua. As-
sim, a mãe tem interesse em manter o controle sobre quan-
to, o quê e quando a criança come. Precisa encorajar essa
dependência inicial para garantir sua própria sobrevivên-
cia social.
Pode existir muita ambivalência com relação à alimen-
tação e à criação. Uma mãe deve certificar-se de que a fi-
lha não está sendo alimentada em excesso, para que não
se torne gulosa e gorda — horrível destino para uma garo-
ta. Deve garantir-lhe uma aparência saudável — normal-
mente associada à forma arredondada — e precisa que a
criança dependa dela; pois quem mais será se não for vista
como mãe? Contudo, pode também não gostar dessa de-
pendência que a prende, a suga e impede de canalizar suas
energias em outra direção. Por último, deve preparar a fi-
lha para criar e alimentar outra pessoa — um futuro filho,
amante, marido ou os pais. Deve ensiná-la a preocupar-se
32
em alimentar e criar outros, pagando por isso o preço de
não se desenvolver plenamente.
Enquanto isso, pelo lado da filha, na medida em que
passa de criança a mulher, sua própria alimentação pode
tornar-se uma resposta simbólica à privação, tanto física
quanto simbólica, que ela sofreu na infância, uma mani-
festação da falsa intimidade com a mãe. Na medida em que
se torna mais desenvolvida, a criança começa a alimentar-se
sozinha e a escolher seus próprios alimentos, criando e de-
senvolvendo um sentimento de independência com relação
à mãe. Mas essa ruptura causa conflitos para a filha. Por
um lado, ela quer ir embora e aprender a cuidar de si mes-
ma; por outro, essa capacidade de cuidar de si mesma lhe
parece uma rejeição à mãe. Esta rejeição assume um signi-
ficado profundo em virtude da limitação social do papel da
mulher na sociedade patriarcal. Se a mãe não é necessária
como mãe, quem será ela? A filha sente-se culpada por des-
truir o único papel da mãe. Enquanto procura por apoio
afetivo em outras relações sociais, é possível que continue
a sofrer privações, já que seu parceiro geralmente não apren-
deu a dar de si. Começa a comer à procura de amor, con-
solo, calor humano e apoio — em busca daquela coisa
indefinível que parece sempre faltar.
A compulsão de comer torna-se um meio de manifes-
tar os dois lados do conflito. Ao comer em excesso, a filha
pode estar tentando rejeitar o papel da mãe e ao mesmo tem-
po estar lhe censurando pela criação deficiente que recebeu;
ou pode estar tentando manter um sentimento de identida-
de com a mãe. A cultura popular está repleta de testemu-
nhos sobre o valor simbólico que a comida e a gordura
assumem entre mães e filhas. Em Lady Oracle, por exem-
plo, Margaret Atwood mostra como a gordura da filha tor-
na-se uma arma na luta contra a mãe. Quando a mãe dá
a Joan uma mesada para que compre roupas, como um meio
de incentivá-la a emagrecer, esta compra propositalmente
aquelas que mais destacam sua forma e, finalmente, com
a compra de um casaco verde-limão, consegue levar sua mãe
às lágrimas:

33
Minha mãe nunca havia chorado na minha frente e eu es-
tava assustada, mas ao mesmo tempo radiante com essa pro-
va do meu poder, meu próprio poder. Tinha-a derrotado;
nunca deixaria que ela me transformasse em sua imagem, ma-
gra e bela.

De modo semelhante, no filme, Lembranças, quando


a mãe critica a forma da filha, esta lhe responde irada que
a gordura é sua, que é a única responsável por ela e que
isso é uma coisa que a mãe também não lhe pode tirar.
As mulheres empenhadas no exame da relação entre
a compulsão de comer e suas mães conseguiram perceber
o seguinte:

Minha gordura diz à minha mãe: "Sou forte. Posso me prote-


ger. Posso sair para o mundo."
Minha gordura diz à minha mãe: "Olhe para mim. Sou uma
atrapalhada; não sei cuidar de mim. Você ainda pode ser mi-
nha mãe."
Minha gordura diz à minha mãe: "Vou sair para o mundo.
Não posso levar você comigo, mas posso levar uma parte sua,
que está ligada a mim. Meu corpo vem do seu. Minha gordura
está ligada a você. Deste modo posso ainda ter você comigo."
Minha gordura diz à minha mãe: "Estou lhe deixando mas ain-
da preciso de você. Minha gordura lhe mostra que não sou real-
mente capaz de tomar conta de mim."

Para a comedora compulsiva a gordura tem um signi-


ficado muito simbólico, que faz sentido dentro de um con-
texto feminista. A gordura é uma resposta às inúmeras
demonstrações de opressão de uma cultura sexista. A gor-
dura é um meio de dizer "não" à falta de poder e à auto-
negação, a uma expressão sexual limitadora que exige que
as mulheres tenham uma determinada aparência e ajam de
um modo determinado, e a uma imagem de feminilidade
que define um papel social específico. A gordura ofende os
ideais ocidentais de beleza feminina e toda mulher "com
excesso de peso", enquanto tal, abala o poder da cultura
popular em nos tornar meros produtos. A gordura também

34
revela a tensão da relação mãe/filha, relação que ficou in-
cumbida da feminização da mulher. É inevitável que esta
relação seja difícil dentro de uma sociedade patriarcal, por-
que exige que as mães, já oprimidas, tornem-se as mestras,
aquelas que preparam e reforçam a opressão que a socie-
dade infligirá sobre suas filhas.
Embora a gordura desempenhe a função simbólica de
rejeitar o modo como a sociedade desfigura a mulher e suas
relações com os outros, especialmente na relação crucial en-
tre mães e filhas, engordar continua sendo uma tentativa
insatisfatória e infeliz de solucionar esses conflitos. É um
preço muito penoso a se pagar, esteja a mulher tentando
amoldar-se às expectativas da sociedade, ou tentando for-
mar uma nova identidade.
Quando algo está "errado" deste modo, pode-se es-
perar por um desequilíbrio psicológico e uma reação. Pou-
cas coisas poderiam estar mais "erradas" do que a tentativa
que uma cultura patriarcal faz de inibir os desejos de uma
jovem de ser criativa e de se expressar, de pressioná-la qua-
se exclusivamente em direção a atividades, pensamentos e
sentimentos limitados, relacionados ao gênero feminino. O
desenvolvimento psicológico da mulher é estruturado de mo-
do a prepará-la para uma vida de desigualdade, mas essa
camisa-de-força não é aceita com facilidade e, invariavel-
mente, provoca uma "reação". Os distúrbios psicológicos,
em geral, alteram as funções fisiológicas de uma pessoa: a
capacidade de comer, de dormir, de falar e de ter vida se-
xual. Sou de opinião que uma das razões pelas quais en-
contramos tantas mulheres sofrendo de distúrbios ligados
ao modo de comer dá-se porque a relação social entre o ali-
mentador e o alimentado, entre mãe e filha, impregnada
como está de ambivalência e hostilidade, torna-se um me-
canismo apropriado para causar distorção e revolta.
O exame dos significados simbólicos da gordura nos
dá um insight das vivências das mulheres em uma cultura
patriarcal. A gordura é uma adaptação à opressão das mu-
lheres e como tal pode ser uma solução pessoal insatisfatória
e um ataque político ineficaz. Nossa terapia da compulsão
35
de comer diz respeito a esse problema, e é dentro de um
contexto feminista que será desenvolvido nos capítulos que
se seguem.

O que significa a gordura


para a comedora compulsiva?
Muitos comedores compulsivos subestimam a relação que
existe entre modo de comer e forma física. A comedora com-
pulsiva geralmente sente seu modo de comer como caóti-
co, descontrolado, autodestrutivo e como um exemplo de
falta de força de vontade. No entanto, afirma ao mesmo
tempo que, na verdade, simplesmente gosta de comer mui-
to e, se é gulosa demais é para seu próprio bem, e que se
não fosse pelos quilos e centímetros que esse comer lhe acres-
centa, estaria muito satisfeita. Algumas mulheres dizem que,
se ao menos existisse uma pílula mágica que as deixasse co-
mer e comer sem parar e, ao mesmo tempo, continuar com
a forma ideal, seriam bastante felizes. Na verdade, algu-
mas têm feito o bypass* para conseguir isso. Está claro, por-
tanto, que as pessoas realmente percebem que existe uma
relação entre comer em excesso e a obesidade e tentam, por
meio de vários esquemas de privação, controlar-se ao má-
ximo para não engordar demais. -
No entanto, o fundamental nessa relação, do ponto de
vista do rompimento do círculo de se comer compulsiva-
mente e fazer dieta, é algo muitas vezes negligenciado ou
mal compreendido, tanto pelas próprias comedoras com-
pulsivas, como por aqueles que tentam ajudá-las. Trata-se
da idéia de que a compulsão de comer está ligada ao desejo
de ser gorda. Ora, essa questão não é muito óbvia e pode
ser difícil de ser entendida. Entretanto, é imprescindível que

*Um desvio para diminuir a superfície de contato entre o alimento e a mucosa


jejunal, diminuindo a absorção. (N. do T.)

36
nos reportemos a ela para tentarmos entender a imutabili-
dade da relação aparentemente bizarra que as comedoras
compulsivas mantêm com a comida.
Comer por compulsão é uma atividade extremamente
penosa. Por trás das piadas autodepreciativas encontra-se
uma pessoa que sofre imensamente. Grande parte de sua
vida está centrada na comida, o que pode e não pode co-
mer, o que vai ou não vai comer, o que comeu ou não co-
meu, e o que comerá ou não comerá mais tarde. É típico
que não deixe nada no prato e se flagre comendo, tanto na
hora das refeições, como durante o dia inteiro, tarde ou noi-
te. Quase sempre come às escondidas, ou com amigas que
também comem, ao passo que em público é uma profissio-
nal da dieta e muito admirada por sua abstinência. Se sen-
te vontade de comer uma torta, vai à padaria e finge que
a torta de queijo que está comprando é para sua filha ou
para uma amiga, manda embrulhar e só ousa comê-la aber-
tamente quando sente que não pode ser vista por ninguém.
Ou então, compra um doce, esconde-o no bolso, e o colo-
ca furtivamente na boca, enquanto dirige ou anda pela rua.
A obsessão pela comida traz consigo uma carga enorme de
auto-aversão, ódio e vergonha. Tais sentimentos surgem da
sensação de não se ter controle com relação à comida, e as
comedoras compulsivas ensaiam inúmeras maneiras de se
disciplinar. Muitas pensam que se não tiverem acesso à co-
mida estarão bem. Por esse motivo, quando uma comedo-
ra compulsiva mora sozinha, os armários da cozinha e a
geladeira provavelmente contêm somente o gênero mais fru-
gal de comida. A cozinha parece quase medicinal com leite
desnatado, ricota, refrigerantes dietéticos e gelatinas para
"enganar" o estômago.
Alison, uma zoóloga de vinte e nove anos, explicou
quais as ciladas contidas em seu sistema de proibir a pre-
sença de comidas gostosas em seu apartamento. Acordou
no meio da noite e sentiu uma forte vontade de comer. Ha-
via se empanturrado a noite inteira, portanto não havia so-
brado praticamente nada em seu apartamento, exceto um
pouco de cereal. Nas duas últimas semanas não tirara do

37
pensamento uns biscoitos com pedacinhos de chocolate que
havia feito para Greg, seu vizinho do andar de cima. Ele
saíra de férias e Alison sabia que haviam sobrado alguns
biscoitos, porque ao regar suas plantas reparou na lata pou-
sada na bancada da cozinha. Levantou-se, pegou as chaves
do apartamento dele, encontrou os biscoitos e ficou lá até
comê-los todos. Achava que não podia comer só um ou dois
porque não seria o bastante e se comesse um número con-
siderável Greg iria perceber que estavam faltando alguns,
quando retornasse. A solução de Alison foi ficar no apar-
tamento gelado de Greg, e comer todos os biscoitos na es-
perança de que, ao retornar, Greg não se lembrasse deles.
Se a comedora compulsiva mora com outras pessoas
é bem provável que a cozinha esteja repleta de comidas ape-
titosas que nega a si mesma ou sente que deveria negar. He-
len, 50 anos e mãe de dois filhos, vem vigiando seu peso
nos últimos 30 anos e fica tão apavorada com a comida de
sua casa que combinou com o marido que ele trancasse a
porta da cozinha à noite. Possui uma máquina de fazer ca-
fé perto da cama, aipo com cenouras no gelo e é expulsa
da cozinha em todas as ocasiões, salvo quando prepara as
refeições da família, ou quando come sua versão dietética
destas. Sua situação é somente um exemplo extremo do que
passam muitos comedores compulsivos em suas tentativas
de ficar longe da comida.
Helen levou o problema para o marido, mas para Ali-
son era extremamente importante que ninguém soubesse que
ela comia daquela maneira. Muitas mulheres que sofrem do
problema da compulsão de comer acham humilhante que
outros pensem que são gordas em virtude da quantidade da-
quilo que comem. Não suportam que os outros estabele-
çam uma relação entre ingestão de comida e forma física.
Isto explica, em parte, o lado público do comedor compul-
sivo, parcimonioso ao comer. Outras mulheres sentem isso
de outro modo. Um método novo e muito divulgado para
controlar o peso é o de costurar os maxilares. As mulheres
que empreenderam esse tratamento são extremamente gor-
das — bem acima de 110 quilos. Enquanto seus dentes es-
38
tão apertados com anéis e atados com arame, elas se man-
têm com uma dieta líquida. Uma vez por semana os anéis
são afrouxados para que possam escovar os dentes.
Tais maneiras de enfrentar a situação, apesar de parti-
cularmente exageradas, captam bem o desespero que sen-
tem muitos comedores compulsivos e ilustram como a
compulsão de comer é um hábito penoso e imensamente di-
fícil de ser abandonado. Quando as pessoas repetem atos
que lhes causam muito sofrimento, procuramos descobrir
os motivos. Rotular, por exemplo, tal comportamento sim-
plesmente de autodesírutivo não aumenta a compreensão
das forças que estão por trás da compulsão de comer. Pelo
contrário, o hábito será julgado negativamente e isso for-
necerá ainda mais uma razão para que o comedor compul-
sivo assuma uma postura autodepreciativa que é aliviada
somente com outro abuso ou com mais um esquema para
perder peso. Sabemos por experiência própria que, antes
que um hábito, no caso, comer por compulsão, possa ser
abandonado, seus motivos têm de ser investigados. Como
afirmei anteriormente, engordar é um ato preciso e inten-
cional relacionado com a posição social da mulher. Antes
que a compulsão de comer possa ser abandonada, deve-se
investigar os significados da gordura para a própria mulher.
A compulsão de comer, ao ser abandonada, certamente fará
com que ela se estabilize num peso menor. Para poder sentir-
se à vontade com este novo peso estável e, o que é mais im-
portante, com sua forma física reduzida, a comedora com-
pulsiva precisa entender qual era o interesse prévio em ter
excesso de peso e em ficar obcecada com o que comia. Se
puder compreender como a gordura lhe era conveniente po-
derá começar a abandoná-la.

Neste capítulo descreverei seis importantes etapas pelas quais


os grupos passam:
1 — Demonstrar que a comedora compulsiva tem interes-
se em ser gorda.
2 — Mostrar que esse interesse é, em grande parte, incons-
ciente.

39
3 — Exercícios específicos são feitos para trazer o assun-
to à consciência da mulher.
4 — Uma vez reconhecido o interesse em ser gorda, po-
dem ser investigados os significados para cada mu-
lher, individualmente.
5 — Em seguida, perguntamos se a gordura faz o que se
espera que faça.
6 — Ajudamos cada mulher a reincorporar aspectos de si
mesma, e que ela atribuía anteriormente somente à
gordura.

A gordura possui conotações tão negativas em nossa cultu-


ra que é difícil imaginar que alguém possa ter interesse em
engordar.

Ser gorda significa entrar no metrô e ficar preocupada


se você caberá no espaço que lhe é destinado.
Ser gorda é comparar-se a todas as outras mulheres e
procurar por aquelas cuja própria gordura faça com que
você se sinta à vontade.
Ser gorda é ser expansiva e jovial para compensar aquilo
que você acha que são suas deficiências.
Ser gorda é recusar convites para ir à praia ou dançar.
Ser gorda significa ser excluída da cultura de massa con-
temporânea, da moda, esportes e da vida ao ar livre.
Ser gorda significa ser um constante constrangimento
para você mesma e para seus amigos.
Ser gorda significa preocupar-se cada vez que há uma
câmera fotográfica à vista.
Ser gorda significa ter vergonha de existir.
Ser gorda significa ter de esperar ser magra para po-
der viver.
Ser gorda significa não ter necessidades.
40
Ser gorda significa estar constantemente tentando per-
der peso.
Ser gorda significa cuidar das necessidades dos outros.
Ser gorda significa nunca dizer "não".
Ser gorda significa ter uma desculpa para o fracasso.
Ser gorda significa ser um pouco diferente.
Ser gorda significa esperar pelo homem que a amará
apesar da gordura — o homem que abrirá caminho através
das camadas de gordura.
Ser gorda, hoje em dia, significa ouvir as amigas dize-
rem que "os homens estão por fora" antes mesmo de você
ter tido a chance de averiguar.
Acima de tudo, a mulher gorda quer se esconder. Pa-
radoxalmente, seu destino na vida é ser eternamente nota-
da.

Tais concepções populares sobre a gordura, apesar de cor-


retas, mostram um quadro incompleto do que sente a co-
medora compulsiva. Existe também um saldo positivo que
devemos investigar no fato de ser gorda. Não estou que-
rendo dizer que o desejo de ser gorda é consciente. Na ver-
dade, poderia afirmar que as pessoas não têm quase
consciência dele, e não é nada fácil discutir o assunto em
teoria. Nos grupos fazemos o seguinte exercício para ob-
termos insights de algumas das maneiras como a gordura
nos pode ser conveniente. Proponho que você feche os olhos
por dez minutos e peça para que alguém leia o seguinte exer-
cício de imaginação:

Imagine-se numa situação social... pode ser no trabalho,


em casa, numa festa, ou qualquer outro lugar... repare no
que você está vestindo... se está sentada ou de pé... com
quem você está falando ou tem alguma afinidade... Ago-
ra, imagine-se engordando nessa mesma situação social...

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você agora está bem gorda... Qual a sensação?... Repare
no que você está vestindo... se está sentada ou de pé... Re-
pare em todos os detalhes desta situação... como se dá com
as pessoas ao seu redor?... Está participando ativamente ou
sente-se excluída?... Tem de fazer mais ou menos esforço?...
Veja agora se você consegue detectar alguma mensagem que
essa pessoa muito gorda que é você tem a dizer para o mun-
do. .. Você consegue ver alguma maneira de como isso lhe
pode ser conveniente?... Você consegue ver alguma vanta-
gem em ser gorda assim nesta situação?...

Quando damos este exercício para os grupos, obtemos


uma variedade de respostas, muitas das quais já se podem
esperar. Como por exemplo, a sensação de ser um mons-
tro, uma intrusa ou uma figura disforme, ou achar que to-
do aquele que se aproxima o faz por pena ou porque é
também um monstro. Porém, o mais significativo é que as
pessoas conseguem descobrir um novo significado para a
gordura. Para algumas a fantasia desperta sentimentos de
confiança e firmeza, como se a gordura representasse uma
força concreta. Outras se sentem muito seguras em ser gor-
das, como se isso fosse uma desculpa para o fracasso, e que
ao se preocupar com a forma física não têm de pensar em
outros possíveis problemas em suas vidas. Algumas mulheres
sentem que ser gorda as protege, na medida em que lhes
permite conter seus sentimentos; outras afirmam sentir-se
à vontade com sua forma avantajada e calor humano, e que
têm muito amor para dar aos outros. Entretanto, as maio-
res vantagens que as mulheres vêem em ser gordas estão li-
gadas à proteção sexual. Ao se vir gorda, geralmente uma
mulher é capaz de se assexualizar; a gordura a impede de
se considerar uma pessoa que tem sexualidade. Depois do
exercício, muitas afirmam sentir-se à vontade numa festa,
sem achar que estão em exibição, ou que têm de competir,
mas que podem conversar tranqüilamente com as amigas.
Outras sentem que a gordura as distingue do tipo de mu-
lher pela qual possuem sentimentos ambivalentes — aque-
la que vêem como egocêntrica, superficial e fútil. Outras

42
sentem que podem manter-se firmes e manter acuados os
intrusos indesejados. Muitas mulheres sentem alívio em não
ter que se conceber como pessoas que têm sexualidade. A
gordura as retira da categoria de mulher e as coloca no es-
tado andrógino de "amigonas".
Na medida em que as pessoas nos grupos vão, pouco
a pouco, sendo capazes de incorporar tais vantagens e as-
pectos positivos em sua concepção de gordura, começam
a desenvolver uma auto-imagem diferente. A imagem da gor-
dura, então, não fica mais sendo unilateralmente negativa,
implacavelmente ligada a uma concepção feia. Em vez de
se considerarem incorrigíveis, incapazes ou intencionalmente
destrutivas, conseguem ver que a compulsão de comer tem
um propósito, uma função. Na medida em que essa fun-
ção se torna mais clara, é possível serem mais generosas con-
sigo mesmas, considerar a compulsão de comer e o esforço
de engordar como um modo de lidar com situações parti-
cularmente difíceis. A compulsão de comer pode então ser
considerada como uma tentativa de se adaptar a um con-
junto de circunstâncias, em vez de ser um comportamento
irracional e "louco".
Gostaria de examinar agora o motivo pelo qual essas
imagens de formas avantajadas são tranqüilizadoras. Por
que as mulheres afirmam sentir-se mais capazes quando são
gordas?
Muitas mulheres sentem que as expectativas sociais que
se têm delas são inatingíveis, irreais, indesejáveis, difíceis
de suportar e opressivas. Uma das principais expectativas
está ligada à crença de que a mulher deve ser, por um lado,
harmoniosa, atraente e uma espécie de ornamentação am-
biental e, por outro, deve fazer todo o árduo trabalho con-
creto de criar os filhos, administrar o lar e, ao mesmo tempo,
manter um emprego fora de casa. Para muitas mulheres,
o tipo físico da musa tímida e recatada, que sorri pudica-
mente por trás de pálpebras abaixadas, é muito frágil e de-
licado para realizar as tarefas diárias do dia-a-dia, que são
de sua responsabilidade. Assim, para essas mulheres, a gor-
dura representa estabilidade e força. Harriet, 35 anos, que

43
trabalha para a comunidade e mora com o marido e dois
filhos, contou o seguinte: "Tinha a sensação de que a gor-
dura me dava força e presença física no mundo. Permitia-me
fazer tudo o que tinha de fazer. No exercício de imagina-
ção, me vi em meu escritório, sentada à minha mesa, ocu-
pando um espaço enorme. Sentia-me capaz de fazer tudo
que precisava — desafiar meu patrão e lutar com mais efi-
cácia pela comunidade para a qual trabalho. Senti minha
força ao exagerar meu tamanho. Então, na minha fanta-
sia, fui para casa e, tendo plena consciência do meu cor-
panzil, ocorreu-me que estava entrando numa situação hostil
e que usava minha gordura como couraça. Ao entrar em
casa lembrei-me das coisas que tinham de ser feitas lá, e que
executo pessoalmente ou designo a outras pessoas. Isso tu-
do me dá muita raiva, por me sentir muito mandona, e cer-
tamente também porque o terreno do lar me pertence —
e não por escolha. Então, vejo a gordura nessa situação fa-
zendo com que me sinta como um sargento — grande e au-
toritário. Quando faço esse exercício de imaginação e me
vejo magra, o que me ocorre imediatamente é como me sinto
frágil e pequena, quase como se fosse desaparecer ou ser
levada pelo vento."
Barbara, 27 anos, desenhista de capas de livros, falou
sobre as maçantes expectativas de muitos de seus colegas
de trabalho do sexo masculino. Sentia que seu volume e so-
lidez representavam uma necessidade de ser vista como um
ser humano produtivo, e não como um complemento de-
corativo para o ambiente. Sempre que sua aparência esta-
va ligeiramente sexy — isto é, quando estava magra — sentia
que seus colegas reagiam somente a seu aspecto sexual. Sen-
tia isso, tanto como um apelo assustador, como também
um desvio de seu trabalho. Assim como acontece com muitas
mulheres, levar o trabalho a sério era uma luta muito difí-
cil para Barbara. Tinha crescido com a idéia de que traba-
lharia por alguns anos após os estudos e depois se casaria
e teria filhos. Mas as idéias mudaram e por volta da época
em que saiu da faculdade, quis trabalhar para fazer carrei-
ra e não como tapa-buraco. Não era uma decisão simples;

44
sentia-se muito apoiada em sua mudança de opinião, por-
que todas as suas amigas também estavam investindo no
trabalho como parte fundamental de suas vidas. Mas Bar-
bara estava em conflito com relação a sua capacidade de
ser uma boa profissional, não porque seu trabalho artísti-
co fosse irregular, de segunda linha ou insatisfatório, mas
porque estava lutando contra a idéia inconsciente de que
se levar a sério na vida profissional não era uma coisa cer-
ta. No grupo, conseguimos mostrar esse conflito e Barbara
viu como era difícil ser magra e com sexualidade no traba-
lho, porque ela própria e seus colegas contribuíam para tor-
ná-la fútil. Sentia que a única maneira de se apegar àquele
aspecto seu relacionado a uma carreira, era através da pos-
se de uma camada extra que cobrisse sua feminilidade. Co-
mo disse: "A gordura fazia com que me sentisse como um
dos rapazes."
No grupo, trabalhamos também para mostrar o con-
flito que Barbara sentia em relação aos diferentes modelos
de comportamento feminino adulto; aquele com o qual ela
cresceu, calcado não só na vida de sua mãe, como também
numa concepção popular de feminilidade corrente nos anos
50 e início dos 60; e num modelo que ela e suas contempo-
râneas lutavam para sistematizar, uma visão da condição
da mulher menos limitante e que atacava as próprias raízes
da opressão da mulher dentro da família. Este conflito é,
por experiência própria, difícil e penoso para muitas mu-
lheres e não é do tipo que será solucionado pela súbita luz
de um insight. Nos grupos é importante compreender que
o objetivo não é, necessariamente, solucionar este ou qual-
quer outro conflito que possa estar nas raízes da compul-
são de comer. Entretanto, é importante que venha à luz,
que a mulher entenda que ele existe e que comer compulsi-
vamente não fará com que desapareça — poderá talvez en-
cobri-lo. A gordura é um substituto menos ameaçador com
o qual se preocupar. Mas a questão decisiva é fazer com
que a mulher reconheça o conflito, para que ele não preci-
se ser manifestado indiretamente e se esconda daquela que
o vive. Este reconhecimento torna-se então uma poderosa

45
arma na luta contra a compulsão de comer. É muito tran-
qüilizador descobrir que existem fortes razões para explicar
por que se come de um modo aparentemente inexplicável.
Isso nos fornece ferramentas; deste modo, quando Barba-
ra, por exemplo, reparava que estava cometendo um abu-
so, podia perguntar-se o que a estava realmente perturbando.
Se não conseguisse obter nenhuma resposta imediata, faria
uma recapitulação de seu dia, ou dos acontecimentos que
a levaram a cometer o abuso, para ver se havia ocorrido
qualquer incidente que resumisse seu conflito a respeito de
sua identidade como mulher no mundo. Deste modo, po-
dia decodificar seu próprio comportamento. Isto lhe deu
a oportunidade de agir em benefício próprio, e pôde pas-
sar para uma etapa seguinte e se perguntar se o fato de ser
gorda naquela circunstância particular iria realmente aju-
dá-la.
Assim, um dos significados da gordura é o da necessi-
dade que a mulher tem de ser reconhecida no contexto do
trabalho. Mas existe uma outra questão que surge com fre-
qüência e que é quase diametralmente oposta a essa. Acon-
tece que as fantasias das pessoas com relação à gordura são
muito diferentes e que até para uma mesma pessoa a gor-
dura pode assumir uma variedade de significados. Barba-
ra, por exemplo, podia ver como fazia uso da gordura no
seu empenho de ser levada a sério no trabalho, mas desco-
brimos, ao mesmo tempo, que sua gordura simbolizava o
medo de ser bem-sucedida, tanto no trabalho, como nos na-
moros. Seu medo do sucesso, é claro, provinha em grande
parte da posição social da mulher jovem atual, que cresceu
recebendo mensagens contraditórias a respeito daquilo que
pode realizar. Sair fora do que foi planejado é assustador.
Um mecanismo útil e de proteção é antever o fracasso; na
opinião de Barbara, o peso em excesso servia de justificati-
va caso não fosse bem-sucedida no amor e no trabalho. Des-
cobriu que não suportava a idéia de que sua vida profissional
e afetiva pudesse não ser satisfatória, já que se havia em-
penhado a possuir ambas. Tinha certeza de que, se ocor-
resse um fracasso em algum desses terrenos, ele seria

46
atribuído a uma fraqueza do seu caráter. Esta idéia, por
sua vez, gerava tanto sofrimento que ela então se concen-
trava em seu peso como desculpa para um aventual fracas-
so. Enquanto estivesse com excesso de peso e o amor e a
carreira não estivessem indo como esperava, podia ficar ima-
ginando que se fosse magra tudo estaria dando certo. As-
sim, esta fantasia lhe permitia exercer algum controle sobre
sua situação por imaginar que com uma estimulante perda
de peso ela pudesse ser capaz de se afinar socialmente com
as mulheres no trabalho e com os homens nas relações afe-
tivas.
No caso de Barbara, a gordura estava a serviço de dois
objetivos distintos, se bem que um tanto contraditórios. Em
primeiro lugar, a gordura lhe fornecia um modo de mos-
trar competência no trabalho; em segundo lugar, se não fosse
bem-sucedida em sua vida profissional ou amorosa podia
culpar o excesso de peso. Quando essas duas questões vie-
ram à tona durante a terapia, Barbara pôde ver que engor-
dar fora uma adaptação pessoal que fizera ao tentar
enfrentar uma situação muito difícil. Além de poder reve-
lar o conflito, conseguiu ver o dilema de uma atual jovem
mulher de carreira e percebeu que tinha de negar ou resol-
ver as dificuldades encarando-se sem intermediários. Ou-
tras mulheres no grupo se identificaram com o que Barbara
estava vivendo e, na medida em que começaram a compar-
tilhar suas dificuldades, romperam com seu isolamento in-
dividual e com sentimentos de impotência que, em parte,
as tinham levado a engordar.
O fracasso e o sucesso são conceitos poderosos em nos-
so mundo. Muito cedo assimilamos a idéia de que foram
estabelecidos limites para as coisas acessíveis e aprendemos
a competir pelo que está por perto. Se formos bem-sucedidas
seremos recompensadas; caso contrário, nosso destino se-
rá sofrer. Quando somos muito jovens fica difícil ver co-
mo o jogo é marcado ou a favor de quem ele está, e a
competição parece justa — sendo o fracasso ou o sucesso
atribuídos à culpa ou ao mérito do indivíduo. Na medida
em que nos tornamos mais velhos, podemos questionar os

47
pressupostos fundamentais dessa luta desordenada, ou mes-
mo como o bolo está dividido, seja através do número de
notas 10 numa classe, ou através da própria divisão do tra-
balho. Mas as idéias assimiladas e estruturadas na perso-
nalidade custam a morrer e parecem estar encerradas em
lugares inacessíveis. Embora possamos rejeitar a noção de
competição em virtude dos efeitos devastadores que ela pro-
duz nas relações entre as pessoas, assim como na política
mundial, podemos, não obstante, descobrir que estamos sen-
do competitivos involuntariamente. Os sentimentos de com-
petição são desencadeados em situações de escassez onde
não há o bastante para todos, ou onde somente um deter-
minado número de pessoas pode ser recompensado. O re-
ceio de uma possível exclusão ou recusa pode fomentar, quer
um desejo de competir individualmente por um pouco da
escassa matéria, quer a descoberta em conjunto de um meio
de se lidar com a escassez. Outra alternativa é a opção de
abandonar a competição. De modo geral, enquanto cres-
cemos, somos encorajados a competir com os outros. No
colégio isto se manifesta através das notas, ou pelo time que
torcemos, ou por nossa classificação na turma. Mas as me-
ninas e os meninos, as mulheres e os homens são treinados
para enfrentar a escassez e a competição de maneiras dife-
rentes. O clichê "deixe o rapaz ganhar o jogo" representa
um aspecto da competição entre mulheres e homens. Apren-
demos que, se existe um jogo entre os sexos no qual uma
das partes tem de perder, podemos ter certeza de que sere-
mos essa parte. Em geral, os homens são ensinados a com-
petir com outros homens por empregos e por status. Obtêm
prestígio no mundo do trabalho sendo melhores do que ou-
tros homens, e avaliam seu sucesso comparando-o com o
dos outros. Apesar de também existirem mulheres no mundo
do trabalho, os homens raramente são encorajados a com-
petir com elas, porque têm a tendência de não levar muito
a sério a presença da mulher em territórios masculinos tra-
dicionais. Do mesmo modo, as mulheres são fortemente de-
sencorajadas a competir com os homens, ou umas com as
outras, no trabalho. Elas são forçadas a competir entre si

48
pelo homem que ajudará a vencedora a garantir sua posi-
ção social. O sucesso de uma mulher no mundo continua
a ser visto amplamente como um reflexo do status do ma-
rido. Nessa luta pela sobrevivência social, as mulheres com-
petem essencialmente baseadas na atração sexual, enquanto
que outros aspectos de sua personalidade são vistos como
atributos a serem exibidos no empenho de conseguir um ho-
mem.
O movimento de libertação da mulher desafia esse sis-
tema de valores, tanto para as mulheres, quanto para os
homens. No entanto, nós que estamos na casa dos vinte anos.
ou mais, crescemos com esses valores e idéias e, apesar de
estarem eles sendo abalados, continuam, não obstante, a
desempenhar um papel significativo em nossas personali-
dades. Geralmente não nos damos conta do quanto fazem
parte de nós. Ao percebermos tais sentimentos competiti-
vos nós os achamos repugnantes e inadequados em um mun-
do em transformação e tentamos suprimir, esconder ou
ignorá-los.
Admitir toda uma série de sentimentos competitivos é
difícil para muitas mulheres e, em geral, tentamos enco-
bri-los tornando-nos gordas. A gordura desempenha várias
funções relacionadas a esse fato.

1 — Fornece espaço e proteção para os sentimentos. Sem


a gordura é provável que uma mulher tenha a preocupação
inconsciente de que seus sentimentos ficarão à mostra. Não
haveria dificuldade em emagrecer se os sentimentos com-
petitivos, não achando um lugar onde se esconder, simples-
mente desaparecessem. Mas problemas como esse nunca
desaparecem simplesmente; são ou fortemente reprimidos
e voltam sob outra forma; ou são intensificados e ficam to-
talmente à mostra; ou são reconhecidos com o potencial de
serem elaborados.
2 — A sensação de ser imensamente gorda, do "tamanho
de um bonde", acaba com a possibilidade de competir, já
que todos sabem que "as gordas não podem vencer e, na
verdade, nem estão no mesmo jogo".

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3 — No próprio ato da compulsão de comer — o cami-
nho mais comum de se engordar — pode-se estar tentanto
encobrir sentimentos competitivos que foram instigados.
Além do que, vemos a dupla função da compulsão de co-
mer embotar um sentimento difícil de se enfrentar, e for-
necer um meio para que a energia que se encontra por trás
da preocupação (no caso, sentir-se competitiva) seja utili-
zada no problema mais conhecido, que é a forma física.

A compulsão de comer também pode ser útil em outras cir-


cunstâncias, como, por exemplo, quando as mulheres têm
medo de demonstrar certas emoções. Elas têm medo de de-
monstrar sentimentos tais como a raiva, porque são consi-
derados inadequados para mulheres, sendo que muitas delas
já foram agredidas ao expressá-los.
A preparação para uma vida de desigualdade leva ine-
vitavelmente muitas mulheres a nutrir tais tipos de senti-
mentos turbulentos que são, por isso mesmo, inaceitáveis
socialmente. Além das dificuldades relativas à competição,
onde se espera que as mulheres percam em todos os terre-
nos, exceto o sexual, onde têm de conseguir um homem para
poder passar à condição de adultas, outros sentimentos en-
gendrados por situações sociais podem ser absorvidos pela
gordura.
A raiva é uma emoção especialmente difícil de ser aceita
pelas mulheres dentro de si mesmas. Jennifer tem 48 anos
e é professora em Londres. É casada e tem dois filhos de
18 e 20 anos, respectivamente. Competente profissionalmen-
te e bastante reconhecida por seu trabalho em educação de
grupos urbanos minoritários, seu problema de compulsão
de comer começou quando se casou. Jennifer é órfã e foi
criada por muitos pais adotivos diferentes. Nunca se sentiu
segura ou amada em nenhum dos lares onde esteve e, aos
dezoito anos, ganhou uma bolsa de estudos para a univer-
sidade, abandonando assim, para sempre, seus últimos pais
adotivos. Nessa época, estava realmente responsável por si
e não precisava fingir que havia alguém para cuidar dela.
Sentia-se bastante forte, capaz de lutar, e lembra-se de ter

50
sentido alívio, principalmente por não ter que fingir grati-
dão por cada grama de atenção recebida. Morava com ou-
tras moças e sentia bastante inveja de suas vidas familiares.
Aos 25 anos casou-se com Doug, um desenhista, e pela pri-
meira vez encontrou-se num ambiente familiar estável. Jen-
nifer decidiu trabalhar por cerca de dois anos para que os
dois se pudessem sentir mais seguros financeiramente. Foi
nessa época que reparou estar se preocupando em demasia
com o que comia, e seu peso começou a variar descontro-
ladamente. Ela sabia que, em geral, alguns problemas psi-
cológicos se manifestam através do ganho ou da perda de
peso, mas simplesmente não conseguia entender o que es-
tava acontecendo, porque pela primeira vez sentia que sua
vida fazia algum sentido, e sentia uma segurança que nun-
ca imaginou poder sentir algum dia. Suas duas gestações
processaram-se com relativa tranqüilidade. Jennifer tirou
quatro anos de licença do trabalho de professora e depois
passou por um treinamento adicional antes de retomar um
emprego de período integral. Sua família permaneceu na
mesma vizinhança por vinte anos e ela conseguiu fazer al-
gumas sólidas amizades e desenvolver, como ela mesma
disse, "um verdadeiro sentimento comunitário". Mas con-
tinuou a comer de um modo que achava muito desagradá-
vel, beliscando e se empanturrando alternadamente. Só
conseguia interpretar este comportamento como a expres-
são de seu sentimento de insatisfação com relação à sua cria-
ção. Percebeu que estava continuando o modelo anterior
de cuidar de si de um modo irregular. Este insight deu-lhe
algum alívio, mas seu problema de comer continuou mes-
mo assim. No decorrer da terapia fizemos um exercício de
imaginação, colocando Jennifer, gorda e magra, com seus
pais adotivos, em um mesmo lugar. Ao responder a uma
pergunta sobre o que a sua gordura tinha a dizer aos inú-
meros pais adotivos, Jennifer foi subitamente tomada por
intensos sentimentos de raiva. Percebeu que a gordura re-
presentava todos os sentimentos venenosos e peçonhentos
que acumulara através de todos aqueles anos de mudanças
de um lugar para outro. Sentiu que, se a gordura pudesse

51
falar, soltaria frases odientas e raivosas para todos aqueles
que pensaram haver cuidado dela. Sua gordura era um meio
de manter-se calada sobre tais sentimentos, mas também a
sentia como uma acusação aos cuidados insatisfatórios da-
dos por esses pais que tivera. Na medida em que o assunto
foi sendo mais discutido, disse que sem a gordura ninguém
saberia que havia sofrido, e as pessoas acreditariam que ela
podia simplesmente viver a vida despreocupadamente, co-
mo se fosse uma pessoa qualquer. Uma vez admitidos es-
ses sentimentos de raiva, grande parte da compulsão de
comer fez sentido. Ela começou a notar que, sempre que
sentia raiva das crianças, do trabalho, ou de Doug, ia cor-
rendo comer para engolir seus sentimentos. Sentir raiva era
correr um risco — toda vez que sentia raiva, ouvia uma es-
pécie de gravação interior que repetia: "Meninas boazinhas
não sentem raiva. Seja grata ou será jogada fora." Na ver-
dade, foram essas as frases que lhe foram ensinadas muito
cedo. Manifestar raiva ou contrariedade num lar adotivo
era inaceitável e implicava não só a exclusão do sexo femi-
nino, como também o medo do abandono e a rejeição. Se
sentisse raiva de seus pais adotivos, seria mandada embo-
ra. A descoberta das raízes da compulsão de comer atenuou
a situação para Jennifer. Começou a permitir-se sentir rai-
va abertamente e arcar com as conseqüências, em vez de
engoli-las. Tomou consciência também da ansiedade liga-
da ao grau de insegurança sentida dentro da própria famí-
lia, como se o fato de manifestar desprazer por algo pudesse
fazer com que fosse jogada fora. Sentia-se segura com Doug
em quase todos os níveis, e foi, na verdade, esta segurança
que permitiu que aquela raiva e ódio antigos não tardas-
sem a se manifestar — se bem que indiretamente. Jennifer
foi pega em uma nova situação. Quando menina tinha de
agüentar e calar a boca. Não podia demonstrar raiva ou re-
volta. Quando conseguiu deixar esses lares insatisfatórios
e formar sua própria família, sentiu-se mais segura e com
controle da situação, mas compreensivelmente trouxe as in-
seguranças do passado consigo. A parte que ela sentia se-
gura com Doug, com a carreira e com as crianças lhe dava

52
condições suficientes para rejeitar o passado terrível que
tivera, mas ela não era capaz de fazer isso abertamente, e
expressava aquele sentimento de rejeição comendo compul-
sivamente.
No caso de Jennifer, a gordura era uma resposta tar-
dia a uma série de situações familiares extremamente pre-
cárias onde sofreu privações. Somente quando estabeleceu
sua própria família, foi que percebeu que estava comendo
irregularmente e começou a ver a balança oscilar como um
ioiô. Este modelo — envolver-se obsessivamente com co-
mida depois de acontecimentos perturbadores do passado
— é muito conhecido. Parece existir um mecanismo psico-
lógico que funciona do seguinte modo para algumas pes-
soas: uma menina cresce num ambiente difícil, mas precisa
sobreviver a isso conservando-se intacta o máximo possí-
vel para conseguir sair fora. Qualquer manifestação de es-
gotamento ou fraqueza só prolongará o confinamento e
tornará a fuga mais difícil. Todas as suas forças são utili-
zadas para poder agüentar as terríveis circunstâncias e pre-
parar a saída. Finalmente, ela deixa esse ambiente e se coloca
num lugar mais seguro. Quando começa a relaxar nessa se-
gurança recém-encontrada e deixa suas defesas afrouxarem,
todos os sentimentos deploráveis do passado terão a opor-
tunidade de aparecer. Ela abandonou uma situação, mas
isso não significa que seus sentimentos tenham sido deixa-
dos para trás. A proteção e a segurança da nova situação
provocam um processo de desintoxicação. Mas tais senti-
mentos são muito fortes e, em geral, extremamente dolo-
rosos, e é provável que o organismo humano reaja através
da tentativa de continuar a afastá-los. No caso de alguém
que comece a comer compulsivamente nesse estágio; dá-se
que os sentimentos estão surgindo mas são sentidos como
perigosos demais para serem confrontados. A mulher co-
meça a comer compulsivamente para anestesiar esses senti-
mentos e cobri-los com uma camada de gordura. Tais
sentimentos não chegam a ser manifestados e resolvidos,
em vez disso transformam-se num sintoma, que depois tem
de ser desmistificado, antes que se consiga expulsá-lo.

53
Gostaria de discutir agora por que é tão difícil para as
mulheres manifestar raiva. No caso de Jennifer havia uma
ameaça de expulsão explícita, caso ela manifestasse raiva
por aquilo que lhe proporcionavam, mas em geral as mu-
lheres são energicamente desencorajadas a manifestar rai-
va, ódio, ressentimento e hostilidade. Somos criadas para
sermos recatadas e aceitar, sem queixas, o que nos dão. Nós
todas aprendemos que as meninas são feitas de açúcar, me-
lado e tudo que é delicado. Assim, tentamos com todas as
forças não demonstrar raiva, ou mesmo senti-la em nós mes-
mas. Quando nos revoltamos e demonstramos desconten-
tamento, aprendemos que somos más e gananciosas. Quer
percebamos ou não, ensinam-nos a aceitar uma cidadania
de segunda classe. O status secundário completa-se quan-
do nossa raiva nos é negada. A raiva é um meio que as pes-
soas têm de contestar as injustiças, em qualquer nível —
seja a raiva da criança como reação a um pai punidor, seja
a raiva coletiva de mulheres que brigam para terem suas cre-
ches reformadas.
Mas existem poucos modelos a serem seguidos, de mu-
lheres que se sentem no direito de sentir raiva. Na verdade,
acho que a maioria de nós fica bastante atemorizada dian-
te de uma mulher irada — cena bastante incomum. A rai-
va, enquanto emoção legítima para muitas mulheres, não
tem validade cultural. As meninas são encorajadas a cho-
rar se não obtêm o que querem, em vez de protestar com
raiva; "Calma, calma, querida". Na peça de Edward Al-
bee, Quem Tem Medo de Virgínia Woolf, Martha, a espo-
sa irada que protesta contra a vida de casada, é retratada
como prostituta e megera. Grande parte da cultura popu-
lar dá mostras do valor negativo colocado na raiva femini-
na. Portanto, não é surpresa alguma descobrir que para
muitas mulheres a motivação inconsciente que está por trás
do fato de engordar é a fuga da raiva. Neste caso, o signifi-
cado simbólico da gordura é um "dane-se".
Por trás da repressão da raiva encontra-se uma das
questões atuais mais importantes para as mulheres. Engor-
dar para manifestar raiva, para poder dizer "dane-se", é
54
somente parte de um problema mais amplo. Manifestar raiva
é um ato de afirmação. A afirmação para as mulheres é di-
fícil. Pense nestas típicas situações:

Ann está extremamente cansada após um longo dia de tra-


balho. Pretende passar a noite sozinha, e somente descan-
sar, ver televisão e ler. Seu vizinho, Jack, telefona e lhe
pergunta se poderia tomar conta das crianças por uma ho-
ra, enquanto ele e a esposa vão até o supermercado. Ann
acha que deve ajudar, mas sabe, de experiências passadas,
que dificilmente será pelo tempo combinado e que perderá
a noite inteira. Vai com relutância até o vizinho. Jack e
Penny voltam às 23:30. Foram ao supermercado e ao cine-
ma. A essa altura Ann está com raiva, mas culpa a si mes-
ma por ter aceitado cuidar das crianças sem antes ter
estabelecido as condições. Vai para casa resmungando e
come.

Bill e Roz haviam combinado ir ao cinema. Bill telefona


do trabalho para Roz para verificar se pode trazer alguns
amigos para o jantar. Roz, que já havia começado a cozi-
nhar, aceita sua decisão como um fato consumado e relu-
tantemente concorda, achando que não tem o direito de
recusar. Entra na cozinha, bate com as coisas enquanto pre-
para o jantar, sentindo-se mal-humorada. Pensa que Bill
esqueceu do encontro para o cinema e se sente rejeitada.
Sente-se usada por ele enquanto cozinha, mas ao mesmo
tempo culpada por ser tão mesquinha e pouco espontânea.
Enquanto cozinha não pára de beliscar e, quando Bill e os
amigos se sentam para o jantar, ela começa a comer com
sofreguidão, a essa altura com raiva por causa de sua inca-
pacidade de, antes de mais nada, poder se colocar em pri-
meiro lugar.

Ern ambas as situações, Ann e Roz sentem que não têm o


direito de pedir o que realmente querem. Ann tem medo
de estabelecer os limites de seu próprio altruísmo e Roz não
luta por si mesma e pelo cinema combinado. Ambas se cul-

55
pam por não se terem afirmado e também por não terem
um mínimo de egoísmo, até mesmo para saber quais as ne-
cessidades que vêm em primeiro lugar. As duas comem seus
sentimentos desagradáveis em vez de voltar-se para a difí-
cil questão da afirmação. Sentem-se mais seguras usando
suas bocas para alimentar-se do que para falar e se afirmar.
Pensam que a gordura está falando por elas, embora o so-
frimento impeça que as palavras saiam. Nada disso é cons-
ciente, as sementes deste comportamento foram plantadas
na relação mãe-filha, na qual a mãe encoraja a criança a
adotar modos gentis. A mãe prepara a filha para uma vida
onde as decisões mais importantes serão feitas para ela, em
vez de por ela. Ensinam a menina a aceitar que suas neces-
sidades vêm em segundo lugar, e que calar é mais seguro
do que se afirmar. Conseqüentemente as mulheres ficam
confusas e temerosas em agir em seu próprio interesse. A
pessoa que o faz, em geral, parece agressiva, e isso tem co-
notações tão negativas para a mulher, que assumir uma pos-
tura de aquiescência dá a impressão de ser menos perigoso.
Desse modo, as mulheres fazem uma grande confusão en-
tre comportamento não-assertivo, comportamento asserti-
vo e comportamento agressivo. O súbito aumento de cursos
e livros de auto-ajuda para treinar a afirmação dá provas
da amplitude deste problema. Houve também, no passado,
conseqüências lamentáveis para as mulheres que se arrisca-
ram a sair da linha. Foram acusadas de castradoras ou do-
minadoras quando tentaram afirmar seus direitos.
Há, além do mais, outras conseqüências do compor-
tamento não-assertivo que aumentam o problema. Se a pes-
soa não é treinada para afirmar-se, fica muito difícil definir
quanto dar ou não aos outros. De modo geral, ensinam-se
às mulheres nutrir o mundo. Como diz a psicanalista Mercy
Heatley, as mulheres fazem o papel de "plantas usadas pa-
ra o tratamento de esgotos" para a família e, como tais,
estão sempre dando de si emocionalmente aos outros. Ao
discutir o que a gordura e a comida simbolizavam para si,
muitas mulheres descreveram-nas como uma espécie de
"combustível para a caldeira", um depósito particular ao
56
qual podem recorrer quando precisam ser abastecidas, pa-
ra que continuem a alimentar os outros. Para algumas, no
entanto, a gordura aí representa uma rejeição exatamente
desse tipo de assistência dada aos outros. Na mente da mu-
lher, o excesso de peso é um aviso aos outros para que se
mantenham afastados e não peçam nada, quase algo assim
como "será que você não percebe que já carrego demais
nas minhas costas para ter que me preocupar com qualquer
outra pessoa?". Para outras, ela é uma declaração que en-
globa esses dois sentimentos — a gordura é a manifestação
de um potencial amorfo, tanto para absorver, quanto para
repelir apelos vindos de fora. Assim, a gordura expressa a
tentativa de separar-se dos outros, embora, ao mesmo tem-
po, simplesmente por seu tamanho, a mulher abarque tu-
do ao seu redor. É como se ela pudesse se encarregar das
necessidades de todos sem deixar que isso a atinja de ver-
dade — o peso atua como um amortecedor para os outros
e como uma almofada para que não se abale muito.
Como disse ao discutir as respostas às fantasias com
relação à gordura, a vantagem que as mulheres viam, com
maior freqüência, em serem gordas, estava ligada à prote-
ção sexual. É quase como se, através dos aspectos proteto-
res da gordura, as mulheres estivessem dizendo que têm de
negar a própria sexualidade para que possam ser vistas co-
mo pessoas. Expor sua sexualidade significa que os outros
lhes negarão sua condição de pessoa. Na adolescência es-
pera-se que as meninas transfiram seu interesse de amizade
com rapazes para interesses sexuais — aprendem um ritual
chamado encontro. Esta súbita mudança pode ser terrível
e difícil de se enfrentar. Como relatou Mary, uma médica
de vinte e sete anos: "Quando tinha seis ou sete anos, as
meninas e os meninos brincavam juntos. Depois nos sepa-
raram e até os onze anos o contato com eles foi bastante
limitado, principalmente porque fui para uma escola só de
meninas durante aquele período. Então, com doze anos, en-
trei para uma escola mista aguardando com prazer a hora
de brincar novamente com eles. Suas brincadeiras pareciam
ser mais animadas e eu realmente sentia falta das artes que

57
eles aprontavam. No entanto, algo estranho parecia acon-
tecer; em vez de nos divertirmos juntos, éramos obrigadas
a nos arrumar bem bonitas e a colecionar encontros. Essa
era a maneira que tínhamos de continuar a estar com os me-
ninos. Mas junto a isso recebíamos uma série de regras a
respeito de como beijar e tocar — tinha a impressão de que
para poder brincar com os colegas eu tinha de fazer um es-
forço fora do comum. Isso era muito desconcertante, não
porque não gostasse de beijar, na verdade eu gostava, mas
porque de repente parecia que meninas e meninos eram real-
mente diferentes e tinham de se relacionar dentro de regras
rígidas. Era realmente muito perturbador para todos nós
e desde então tudo pareceu piorar. Os esportes foram divi-
didos, e ficamos com o maravilhoso trabalho de animar os
rapazes. Fiquei achando que, se a vida de adulta era isso,
conservaria minha gordura de bebê e tentaria evitar toda
essa história de encontros."
Dessa forma, Mary passou os quinze anos seguintes,
como disse, "com um ligeiro excesso de peso". Notou no
decorrer da terapia que seus abusos de comida ocorriam
quase invariavelmente quando se encontrava em situações
onde havia possibilidades ligadas ao terreno sexual. Empan-
turrava-se, por exemplo, antes de ir a uma festa e conven-
cia-se de que era muito gorda para ser considerada como
uma pessoa que tinha sexualidade. Isso lhe dava uma espé-
cie de conforto para poder se relacionar com as pessoas na
festa — mulheres e homens — à sua maneira, em vez de
baseada no valor de troca de seu corpo. O exemplo de Mary
mostra claramente que a gordura é vista como se pudesse
fornecer, para as mulheres, um meio de afastar os aspectos
sexualizantes e, por conseguinte, competitivos, que existem
nos relacionamentos.
Essa divisão sexual tem conseqüências de longo alcan-
ce. Muitas mulheres compartilham o sentimento de que ser
gorda é um meio de destacar-se na multidão, de ser nota-
da, de ser diferente, sem ter de se arrumar tanto quanto
acham que as mulheres magras e atraentes o fazem.
Muitas mulheres mencionaram que ser do sexo femi-
58
nino era uma decepção para seus pais. Rita se lembra de
se ter empenhado muito em comer com a finalidade de fi-
car de um tamanho avantajado e assim poder provar sua
existência. Surpreendentemente, parou de cometer abusos
pela primeira vez quando engravidou. Quando carregou uma
vida dentro de si, sentiu que tinha uma grande prova do
seu direito de existir. Se podia reproduzir, tinha um papel
verdadeiro como mãe, mesmo que como criança não se ti-
vesse sentido querida.
Essas várias explicações a respeito dos significados que
se encontram por trás da gordura, que vão desde comer co-
mo proteção a comer como expressão da raiva, não vão ne-
cessariamente resolver a questão para todos aqueles que
acham que possuem esse problema. A síndrome da com-
pulsão de comer, da compulsão de fazer regime, de ganhar
e perder peso, está tão propagada e, num certo sentido, é
uma preocupação tão absorvente em si mesma, que pode
ficar difícil sair dela um mínimo que seja para perceber exa-
tamente o que está causando em você.
De certo modo, a compulsão de comer cria um belo
mundo isolado: ficar pensando obsessivamente em como
se é horrível por comer em excesso leva a sentimentos de
auto-aversão; tais sentimentos não têm por onde sair e são
rapidamente encobertos ou entorpecidos através da inges-
tão de comida, ou expulsos pela fantasia da reencarnação
depois que o projeto para uma nova dieta tiver sido feito.
Todos os sentimentos negativos são utilizados para fazer
queixas e sentir ódio de si mesma por causa da forma física
e dos hábitos alimentares, e a gordura proporciona um as-
sunto menos ameaçador com o qual se preocupar do que
outros possíveis problemas. Embora a gordura tenha um
significado para você hoje, é possível que ela tenha tido um
outro bem diferente quando apareceu pela primeira vez. Em
outras palavras, os primeiros motivos e a força motora que
estão por trás do impulso de engordar podem ter adquiri-
do um significado bastante diferente daquele que tem no
presente, portanto é geralmente muito proveitoso olhar para
o passado e ver como o fato de engordar ajudou as pessoas

59
numa determinada época de suas vidas. Para introduzir es-
sa informação nos grupos nós realmente ponderamos os re-
latos para podermos descobrir quando o "problema" teve
início pela primeira vez. Gostaria de ilustrar essa questão
esboçando alguns casos de mulheres com as quais trabalhei.
Algumas dessas primeiras causas que delinearei terão um
conteúdo nitidamente feminista, em outras ele estará me-
nos explícito, embora em cada exemplo ficará óbvio o que
significou o desenvolvimento da personalidade feminina pa-
ra cada uma das mulheres cujas vidas descreverei.

Rea era filha única. Seus pais tinham grandes expectativas


a seu respeito, tais como uma formação universitária de des-
taque, sociabilidade e beleza. Sentia-se pressionada por ape-
los para ser a criança feliz e perfeita, e pensava que não tinha
muito espaço para desenvolver sua própria independência.
Engordou bastante na adolescência e foi a este período que
nos reportamos quando ela veio para a terapia, quando es-
tava por volta dos trinta anos. Sua gordura começou a fazer
sentido quando foi colocada ao lado da intensa preocupa-
ção dos pais com seu êxito. Rea não se via cornos mesmos
olhos que seus pais a viam. Sentia-se incompetente. Acha-
va que era uma pessoa egoísta. Sentia que não podia dar
conta das exigências feitas por seus pais, e que se tornaria
cada vez mais incompetente. Sua gordura expressava tanto
o ressentimento por ter de ser perfeitíssima, como a neces-
sidade de esconder e conter a pessoa má que sentia ser in-
ternamente. Temia ser magra porque sentia que seria então
tudo o que seus pais queriam; teria de se encaixar na ima-
gem criada por eles, não teria um eu próprio.

Jane, uma secretária jurídica de 55 anos, engordou após a


morte de sua mãe. Até os 25 anos tinha sido bastante ma-
gra e razoavelmente despreocupada com sua imagem cor-
poral. Era filha única, seu pai morrera quando ela era
adolescente, e tinha muito apego à mãe. Casou-se aos 22
anos, mas logo depois Tom, seu marido, foi mandado pa-
ra o exterior, lutar na Segunda Guerra Mundial. Quando

60
sua filha, Carol, tinha 18 meses, Tom voltou da guerra.
Aproximadamente um ano depois, a mãe de Jane morreu
de câncer. Durante o ano e meio que precedeu sua morte
ela perdeu muito peso exibindo uma aparência doentia e ma-
gra. Quando Jane terminou o luto oficial começou a en-
gordar. Por volta dos 27 anos pesava de 11 a 13 quilos a
mais do que jamais pesara antes, exceto durante a gravi-
dez. Ficou bastante espantada com o aumento de peso, mas
logo o atribuiu à falta de exercício após o nascimento de
Carol. Os amigos achavam que talvez tivesse gostado tan-
do da gravidez que seu excesso de peso era um desejo de
querer ter a aparência de estar sempre grávida. Mas essa
explicação não fazia sentido para ela, porque sua gravidez
não tinha sido fácil. Naquela época, um psiquiatra amigo
explicou que Jane desejava aparentar uma gravidez para po-
der obter a atenção e os elogios de Tom, que ela não tivera
na época em que realmente tinha estado grávida. O peso
persistiu e finalmente, como os padrões da moda e da saú-
de exigiam magreza, Jane começou a ronda das dietas e mé-
dicos de regime. Aparentemente tinha uma vida familiar
razoavelmente satisfatória — ela e Tom se gostavam de ver-
dade e Carol, sua filha única, continuou a manter contato
com eles depois que cresceu e saiu de casa. Entretanto, Tom
contou que quase toda noite Jane chamava, em seu sono,
por sua mãe. Durante a terapia essa informação dada por
Tom foi detalhadamente discutida. Jane conseguiu enten-
der que seu excesso de peso tinha muita relação com a perda
de sua mãe, como disse: "Minha mãe morreu tragicamen-
te de câncer. Estava muito magra antes de morrer. Desde
então, tive necessidade de ter um tamanho grande, acho que
tinha medo que se ficasse magra iria desaparecer ou mor-
rer como ela." O confronto com a morte da mãe e com seus
próprios medos, que associavam a magreza à morte, per-
mitiu que Jane definisse uma forma física na qual se sen-
tisse bem física e psicologicamente. O que aconteceu mais
tarde foi que ela não sentiu mais vontade de ser tão esbelta
quanto queria, e conseguiu estabilizar seu peso em 7 quilos
a menos do que pesara antes.

61
A morte tem sido um fator determinante da gordura
para outras mulheres com que trabalhei. Sheila, 28, anos
estudante de pós-graduação, perdeu o irmão mais velho,
Ivan, quando ele tinha 12 anos e ela 10. A partir dessa data
começou a engordar e, no grupo, descobrimos que para ela
a origem do fato de engordar tinha dois significados dife-
rentes. Sheila sentia que se tivesse um corpo grande seria
possível carregar o irmão consigo. Lembrou-se de que real-
mente gostava de ficar com ele e que brincavam muito jun-
tos. Ivan era o orgulho e a alegria da família, primogênito
e homem, e esperava-se que satisfizesse as aspirações dos
pais. Cerca de dois anos após sua morte, nasceu mais uma
filha, Maureen. Sheila sentiu muita responsabilidade pelo
fato de ser tanto uma pequena mãe para Maureen, como
um filho para seus pais. Para ela, um filho representava al-
go muito diferente do que ser uma filha. Era preciso ser mui-
to boa nos esportes, sair-se bem nos estudos universitários
e planejar uma carreira bem-sucedida da qual seus pais pu-
dessem orgulhar-se. Por ser uma filha, esperava-se que ti-
vesse uma educação escolar razoável, mas uma carreira não
deveria vir antes de uma vida amorosa bem-sucedida. Na
adolescência era levada a jogos de futebol pelo pai. Ela gos-
tava de ter uma boa relação com o pai, coisa que não tive-
ra antes da adolescência. Na terapia, o que veio à tona foi
um sentimento de culpa por sentir-se bem, por poder rece-
ber tanto do pai. Imaginava que se seu irmão estivesse vivo
nada disso aconteceria. Simbolicamente achava que o se-
gundo significado de sua gordura era o de apagar suas cur-
vas — torná-la menos feminina, para que pudesse ficar mais
parecida com seu lado filho. Quando emagreceu, nos anos
que se seguiram, carregou consigo esse mesmo desejo de ter
a aparência de um garoto, estava sempre chateada porque
ainda tinha quadris e seios e não alcançava a forma andró-
gina desejada.
Sheila estava tentando lidar com o problema de como
ser o filho adolescente e a mãezinha. Esta última caracte-
rística aparece em muitas meninas de idade ainda menor que
a de Sheila. Geralmente espera-se que uma filha de sete anos
62
seja a pequena ajudante ou substituta da mãe, para tomar
conta dos bebês que nascem depois dela.

Melinda, filha mais velha de uma família de sete irmãos,


lembra-se de que os primeiros anos de sua infância tinham
sido felizes, tempos em que brincava com seu irmão mais
velho. Quando tinha sete anos, sua mãe teve mais um fi-
lho. Para Melinda foi como se fosse o fim da infância; além
de ter de dividir a mãe com mais uma criança, esperava-se
que desempenhasse tarefas de adulto, o que, de fato, fez.
Na medida em que mais e mais bebês iam chegando, Me-
linda tornou-se uma segunda mãe para eles, de modo que,
quando saiu de casa, aos dezoito anos, se sentia bastante
treinada para formar sua própria família. No entanto, em
vez disso, engordou muito e explicou que se assumisse um
jeito de mãe dedicada, pessoas perceberiam que ela não es-
tava disponível de jeito nenhum. Por ora já tinha o seu
quinhão!

As mulheres que têm de desempenhar o papel de mãe mui-


to cedo ensinarão suas filhas a se privar e a se negar. Tanto
Florence como sua filha Laura tinham problemas relacio-
nados à compulsão de comer. Segundo a ideologia de Flo-
rence, comer guloseimas era um prazer — na verdade, um
prazer repugnante. Achava indecente abandonar-se a qual-
quer forma de prazer, especialmente os corporais. Comida
e sexo eram coisas sedutoras e excitantes, mas deviam ser
mantidas a distância. Florence comia frugalmente durante
o ano inteiro. Quando abusava, nas férias, sentia-se culpa-
da e, ao voltar, internava-se imediatamente na Clínica de
Dieta Mayo para perder o que engordara. Tinha uma for-
ça de vontade férrea e muito autocontrole, mas morria de
medo de comida. O marido escondia doces no porta-luvas
do carro, e ela julgava que a vontade que ele tinha de co-
mer sobremesas era sinal de fraqueza de caráter. Laura re-
voltou-se contra esse código de autonegação. Desprezava
a mesquinhez que a mãe tinha para consigo mesma e a de-
finia como magra por compulsão. Achava que nunca se per-

63
mitira ter prazer com comida ou sexo. Laura escolheu o ca-
minho oposto e tentou obter prazer com ambas as ativida-
des. No entanto, já que a comida e o sexo eram vividos no
seu íntimo com um ouvido aberto às intromissões da mãe,
Laura não conseguia controlar as coisas como gostaria, e
seu modo de comer expressava essas tensões. No grupo
aprendeu a comer somente para si mesma e para seu pró-
prio prazer, sem precisar ficar enorme para provar que sua
mãe tinha razão. Não precisava ser marginalizada por sua
própria forma física para poder dar prazer a si mesma.

Em virtude da posição que, em geral, a mulher assume den-


tro da família, as mães também se negam em situações on-
de não há o bastante para todos. Numa situação de escassez
fazem o possível para que o marido e os filhos tenham de
tudo. Se uma mãe não consegue colocar na mesa comida
suficiente sente-se um fracasso. Quando os preços dispa-
ram, a mãe que tenha uma renda fixa terá cada vez menos
para gastar com as compras da família e, apesar de com-
partilhar essa situação com todas as outras donas-de-casa
ela será a única a enfrentar a família, as queixas e decep-
ções se a comida não estiver à altura. Durante os anos da
depressão, na década de 1930, essa situação era bastante
crítica: o dinheiro era pouco e nunca havia comida suficiente
na mesa. As mães que contam sobre essa época dizem que
tinham de se privar, para que o resto da família pudesse
ter o suficiente — podiam sempre dar um jeito, elas não
estavam na escola usando seus cérebros ou pelas ruas to-
dos os dias procurando trabalho, por isso achavam abso-
lutamente certo que se sacrificassem.
Carolyn, uma das filhas dessa época, que mais tarde
engordou, disse: "Na época da depressão eu era jovem. Mi-
nha mãe passava fome e fazia o possível para arranjar al-
guma comida para nós, crianças, o que era muito difícil.
Quando me casei, pela primeira vez na vida não faltou co-
mida, e acho que hoje em dia como para me proteger da-
queles horríveis sentimentos de fome que tive quando
criança."
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Rose, filha de Carolyn, nascida no final da Segunda
Guerra Mundial, lembra-se das brigas que tinha com a mãe,
caso não comesse o bastante — recorda-se de todas as co-
lheradas que comeu pelas crianças pobres da Europa, sem
nunca entender como poderia ajudá-las comendo mais.
Rose foi bem magra até os 17 anos, época em que saiu
de casa para viajar pela Europa. Quando retornou, seus pais
saudaram-na com satisfação por ter ela engordado. Ela, en-
tretanto, estava muito infeliz com todo aquele tamanho —
sentia que isso a deixava parecida demais com eles. Ficou
presa à síndrome dieta/abuso pelos 12 anos subseqüentes.
Durante sua terapia foram examinadas as seguintes ques-
tões. Quando morava em casa, ser magra era uma maneira
de se revoltar contra os pais. Ambos tinham não só exces-
so de peso, como também a estimulavam constantemente
a comer. Quando saiu de casa engordou para expressar seu
conflito por ter abandonado os pais. A gordura era um mo-
do de carregar consigo uma parte da vida familiar - os pais.
Um dos momentos mais decisivos de sua terapia foi o pro-
cesso de finalização. A essa altura, Rose havia perdido apro-
ximadamente 11 quilos e se estabilizado em um peso que
se ajustava à sua estrutura óssea. A expectativa de sua se-
paração do analista e da gordura trouxe à tona questões re-
lacionadas a brigas que tivera na infância para separar-se
de sua mãe. Para Rose, essas brigas com relação à comida
simbolizavam suas tentativas de se virar sozinha, de defi-
nir-se e de ficar mais independente com relação à mãe. Quan-
do o conflito veio à luz, isto é, tanto seu interesse em formar
uma identidade própria quanto seu medo de fazê-lo em vir-
tude dos perigos sociais e psicológicos que percebia caso se
separasse da mãe — pôde sentir firmeza pela primeira vez
em determinar sua própria alimentação. Seu corpo então
pôde expressar para si mesma uma sensação mais forte de
independência; era definido, auto-suficiente e não "pura
gordura, grudado à mãe como uma coisa pegajosa".
A forma física pode assumir significados diferentes para
cada mulher. No caso de Rose, ser gorda era ficar empaca-
da, capitular, significava aceitar todas as colheradas a mais

65
de comida que não quis; no caso de Barbara, era uma ten-
tativa de assexualizar-se diante dos colegas de trabalho; para
Harriet, representava força e solidez; para Jane, raiva, e
assim por diante. A gordura pode assumir não só significa-
dos diferentes para cada mulher, como também esses sig-
nificados terão maior ou menor importância de acordo com
o momento.
No início de um grupo de comedores compulsivos é pro-
vável que uma mulher veja a gordura somente enquanto sím-
bolo visual de tudo aquilo que não gosta em si mesma. Irá
descrevê-la como a medonha manifestação de tudo aquilo
que sente internamente como feio e horrível. A gordura,
ao mesmo tempo, esconde e expõe aquilo que ela sente co-
mo terrível. Na medida em que o grupo adquire continui-
dade e outras mulheres compartilham suas histórias, essa
mesma mulher poderá perfeitamente ser capaz de separar
essa gordura de uma descrição da feiúra, e proceder ao exa-
me de alguns dos meios através dos quais a gordura lhe foi
conveniente no passado. Poderá ver que a gordura era uma
tentativa de se proteger em meio a um difícil conjunto de
circunstâncias. Quando passar a aceitar conscientemente esse
aspecto da gordura, poderá utilizar o impulso de autopro-
teção de um modo diferente. Quando puder entender que
engordou como reação à mãe, à sociedade, a várias situa-
ções, poderá começar a eliminar o julgamento de que isto
tenha sido bom ou ruim. Simplesmente foi. É extremamente
penoso e difícil, se não impossível, mudar, se temos uma
auto-imagem negativa. Uma compreensão da dinâmica que
está por trás do ato de engordar pode ajudar a eliminar es-
se julgamento. Quando ele é abandonado e você está pron-
ta para aceitar que a gordura simplesmente foi, pode passar
a formular a seguinte pergunta: "Isso tem alguma utilida-
de para mim agora?"
É necessário, para aqueles que trabalham com a área
do inconsciente, explicar a existência de uma vida incons-
ciente que possui sua própria força e símbolos. Esses sím-
bolos, em seguida, devem ser traduzidos para a linguagem
do cotidiano para poderem ser examinados. Então, como

66
pessoas conscientes, devemos intervir para questionar os me-
dos e fantasias racionais e aparentemente irracionais que
emergem dos sonhos e motivos. Coloquei-me numa situa-
ção onde pedi ao leitor que considerasse o fato de que a
compulsão de comer está ligada a um desejo inconsciente
de engordar. Demonstrei também que para se abandonar
a gordura essa motivação devia ser exposta. No entanto,
pretendo mostrar agora que a função protetora supostamen-
te desempenhada pela gordura está longe de ser verdadei-
ra. Na verdade, a gordura em si mesma não realiza o
trabalho a que se propõe. Ao atribuir à gordura um pode-
roso papel protetor, uma mulher se coloca numa posição
onde ter uma vida sem a gordura equivale a ter uma vida
sem defesas. Isso é, de fato, um pensamento assustador.
Nosso objetivo é o de fornecer uma outra opção à come-
dora compulsiva: a de ver que os atributos que ela supõe
estarem presentes em seu peso, são, ao invés, característi-
cas que ela própria possui, mas que atribui à gordura. Ao
analisar vários aspectos das histórias das mulheres com as
quais trabalhei, afirmei que a descoberta do significado da
gordura leva, subseqüentemente, a uma reconsideração do
fato de saber se realmente a gordura em si mesma é aquilo
que afasta as pessoas, as torna assexuadas, ajuda a conter
os sentimentos de raiva (mágoa, decepção), ou é algo que
proporciona segurança. Se, na verdade, não é a própria gor-
dura que faz tudo isso, mas, pelo contrário, o próprio in-
divíduo, duas perguntas se colocam:

1 — Como e por que a mulher se absteve desse seu poder


e o atribuiu exclusivamente à gordura?
2 — Como pode ela reaver esse poder para senti-lo como
parte integrante de seu eu essencial — quem ela é? Isto é,
para quando abandonar o peso, não abandonar os princi-
pais meios que utiliza de lidar com o mundo.

A primeira pergunta diz respeito a uma questão de im-


portância crucial que surge com a socialização das mulhe-
res. As mulheres são sistematicamente desencorajadas a

67
assumir responsabilidades por inúmeras atividades, ações,
e mesmo pensamentos. Os homens, ao mesmo tempo, não
só agem por elas, como também descrevem sua vivência.
Embora a vivência da mulher seja extremamente rica, ra-
ramente é descrita ou se faz ouvir. Somente na literatura
as mulheres conseguiram se expressar com firmeza e ter um
público abrangente. Nas áreas onde as mulheres, quase sem
exceção, assumiram enorme responsabilidade — na criação
dos filhos, na educação e na administração do lar — suas
ações continuam a ser vistas como indefinidas e impreci-
sas, porque são descritas como naturais e inevitáveis. Se é
natural, tem de ser feito. Se é natural, não vale. Portanto,
é desvalorizado. Ora, o paradoxo reside no fato de que na
verdade muitas das mulheres descritas neste capítulo desa-
fiaram esse estereótipo de feminilidade. Saíram deliberada-
mente para o mundo e assumiram responsabilidades que
extrapolam a esfera das expectativas relacionadas a seu pa-
pel. Mas ficaram presas a um sentimento do eu que nega
seu poder e essa autodesvalorização parece inexplicável a
menos que seja considerada como uma conseqüência de se
viver em uma cultura que recusou o poder social à mulher
e o demonstra através da negação e da punição àquelas que
transgridem os papéis sociais estabelecidos. Não é difícil ver
como uma mulher pode assumir uma auto-imagem que es-
teja em sintonia com a idéia da falta de poder da mulher.
Ao fazê-lo ela se acostuma à idéia de que não é ela quem
tem diretamente o poder, mas sua gordura "sem dono".
Se o poder de manter as pessoas afastadas depende dela e
não simplesmente de sua gordura, ficará então mais respon-
sável por si mesma. Se se torna mais responsável por si mes-
ma e age mais para si mesma de uma determinada maneira,
poderá alcançar o que deseja? Ou será punida e rejeitada
pelos outros por ter ousado definir-se, em vez de satisfazer
as expectativas que os outros têm em relação a ela? Há mais
um paradoxo contido na comedora compulsiva que quan-
do se imagina magra se vê como a mulher sensual, forte-
mente atraente. Na medida em que adere à imagem da
mulher sensual magra — que lhe é oferecida persistentemente

68
pelos meios de comunicação de massa — ela se esforça pa-
ra alcançar o poder ilusório que esta imagem promete mas
não confere. É precisamente o não reconhecimento da pes-
soa, na imagem sensual magra, que faz com que ela rejei-
te, inconscientemente, essa magreza. Para muitas mulheres,
"magra = sexy = poderosa" é um sentimento que não dura
mais do que o fugaz momento da entrada triunfal, o im-
pacto inicial. Depois disso, sua imagem é desapropriada,
é traduzida para "magra = sexy = sem poder", e, ao mes-
mo tempo, ela não conseguirá dar conta de ser magra, sexy
e responsável. É com a questão decisiva de como pode a
mulher definir e lidar com sua própria sexualidade que se
está geralmente lutando no dilema gordura/magreza, A falta
de apoio para uma redefinição é aquilo que faz com que
a mulher abra mão de seu próprio poder e o delegue à gor-
dura. Isso então passa a ser uma explicação tanto para a
ocorrência do sintoma, como para sua persistência. Aban-
donar um sintoma e tomarposse do poder atribuído a ele
significa levar-se a sério. Levar-se a sério tem sido um ne-
gócio arriscado para as mulheres. Vale a pena lembrar aqui
que tanto no esforço para se amoldar ao comportamento
feminino adequado, quanto no de rejeitá-lo, a mulher pa-
ga um preço muito alto. A questão que se coloca diante de
nós é a de saber se devemos nos arriscar a ser punidas por
nos revoltarmos, ou aceitarmos ser punidas por seguir os
papéis femininos. Como muitas mulheres disseram, as pró-
prias palavras "mãe" e "esposa" evocam autonegação, en-
quanto que as imagens alternativas de mulheres — mulheres
que fazem carreira, mães solteiras, lésbicas — provocam hos-
tilidade e marginalização.
Tendo descrito as convenções através das quais as mu-
lheres têm sido forçadas a existir, acho que fica esclarecida
a razão de nossa escolha de algo que aja por nós — a gor-
dura. A reapropriação do seu poder (temporariamente atri-
buído à gordura) exige uma reavaliação de você mesma. Essa
mesma reavaliação produz uma mudança ao nível do cons-
ciente, e com o conhecimento do que foi deixado para trás
podemos lentamente incorporar em nossa nova auto-ima-
69
gem aquilo que nos pertence. A partir do momento que nos
apropriamos do poder da gordura, podemos abandoná-la.

O que significa a magreza para


a comedora compulsiva?
Sabemos que toda mulher quer ser magra. Nossas imagens
de feminilidade são quase sinônimo de magreza. Se formos
magras seremos mais saudáveis, mais leves e menos limita-
das. Nossa vida sexual será mais tranqüila e satisfatória.
Teremos mais energia e vigor. Poderemos comprar belas
roupas e enfeitar nossos corpos, ganhando a aprovação do
namorado, da família e dos amigos. Seremos aquela mu-
lher do anúncio que leva uma vida boa; poderemos proje-
tar uma série de imagens — atléticas, sensuais ou elegantes.
Seremos um bom exemplo para nossos filhos. Nenhum mé-
dico jamais brigará conosco novamente para perdermos o
peso excedente. Seremos admiradas. Seremos belas. Jamais
sentiremos vergonha de nossos corpos, seja na praia, nu-
ma loja, ao comprarmos alguma roupa, ou em um carro
lotado. Seremos magras o suficiente para poder sentar nos
joelhos de alguém e graciosas o bastante para dançar. Se
nos destacarmos na multidão isso acontecerá porque somos
encantadoras e não "repulsivas". Poderemos nos sentar con-
fortavelmente em qualquer posição, sem nos preocupar em
esconder a flacidez. Suaremos menos e teremos um cheiro
gostoso. Nos sentiremos muito bem quando formos a fes-
tas. Poderemos comer em público sem nos preocupar com
a desaprovação dos outros. Não precisaremos arranjar des-
culpas por gostar de comida.
Tais imagens e desejos bombardeiam diariamente nossa
consciência. Todas nós, ao nos vermos magras, podemos
achar algo de positivo com o qual nos identificar. Quando
estamos gordas ansiamos pela magreza, assim como ansia-
mos pela comida procurando nela a solução de nossos inú-
meros problemas.
70
Mas a verdade é que, embora muitas de nós desejem
ser magras, milhares de mulheres continuam a ter excesso
de peso, ou a ficar preocupadas com a forma física. Uma
das teses que este livro defende não é uma coisa evidente.
As mulheres têm medo de ser magras; a gordura tem suas
finalidades e vantagens. Nossa experiência mostra que mui-
tas mulheres têm um verdadeiro medo de ser magras. Cons-
cientemente a mulher quer ser magra, mas sua forma física
não corresponde a esta intenção e mostra que, se por um
lado a gordura desempenha um papel ativo em nossas vi-
das, a magreza se encontra na outra face da moeda. A gor-
dura desempenha uma função protetora para a comedora
compulsiva; ser magra é uma condição temível — a mulher
fica exposta àquelas mesmas coisas das quais tentou esca-
par, inicialmente, quando engordou.
Para assimilar essa idéia, proponho que você feche os
olhos por dois minutos e pense numa situação social em que
se encontrou hoje. Qualquer acontecimento no trabalho,
nas compras ou em casa.

Pense agora, com cuidado, no que aconteceu nessa situa-


ção específica... Repare no que você estava vestindo... se
estava de pé ou sentada, e como estava se relacionando com
as pessoas... Estava participando ativamente ou sentia-se
excluída?... Perceba o máximo de detalhes possíveis...
Imagine-se agora magra, exatamente na mesma situa-
ção... Repare especialmente naquilo que você está vestin-
do e como se sente com seu corpo. Está sentada ou de pé?...
Como está se relacionando com as pessoas?... Repare em
especial se existe alguma diferença no modo como você se
relaciona com os outros agora... Sente-se mais ou menos
incluída?... Está sendo muito solicitada?...
Quando estiver familiarizada com os detalhes da situa-
ção, veja se você consegue perceber qualquer tipo de senti-
mento negativo que o fato de ser magra possa provocar em
você. Há alguma coisa de temível com relação a ser magra
nesse lugar?

71
Quando as mulheres dos grupos com os quais trabalho fa-
zem esse exercício de imaginação ficam, em geral, muito
surpresas com o tipo de coisas que descobrem a respeito de
si mesmas. Após um alegre sentimento inicial por se verem
magras, entram em contato com sentimentos e idéias asso-
ciados à magreza, tais como:

1 — Sentem-se frias e incapazes de dar de si.


2 — Sentem-se ossudas, com as formas, definidas demais
e voltadas para dentro.
3 — Sentem-se admiradas a ponto de provocar expectati-
vas nos outros. Sentem que não conseguirão manter as pes-
soas afastadas — especialmente aquelas que despertam
interesse sexual.
4 — Não sabem lidar com seus próprios desejos sexuais;
sentem-se livres para ter uma sexualidade, mas inseguras com
relação ao que isso possa implicar.
5 — Sentem que detêm muito poder.
6 — Não sabem estabelecer limites à sua volta e sentem-se
invadidas pela atenção dos outros, porque não saberão dar
um fim a ela. Preocupam-se com o lugar que ocupam nes-
sa nova admiração.
7 — Não se sentem bem entre outras mulheres que lhes lan-
çam olhares competitivos.
8 — Preocupam-se com a necessidade de ter tudo resolvi-
do — de ter suas vidas arranjadas. Sentem que não existem
mais desculpas para as dificuldades que têm de enfrentar
em suas vidas. Sentem que terão de abandonar todo o so-
frimento que a gordura representava. Ficam especialmente
apreensivas em pensar que quando forem magras não ha-
verá espaço para a tristeza e ninguém notará sua carência.
É muito importante compreender que a preocupação com
a forma física do modo como se expressa nesses itens é uma
idéia fixa para as mulheres, porque essas imagens são os
únicos modelos de comportamento feminino aceitos social-
mente.

72
Gostaria de examinar esses itens, um a um, e explicar
por que tais medos são tão comuns quando as mulheres fa-
zem esse exercício de imaginação.

1 — É muito comum o medo de que a magreza correspon-


da à frieza emocional. Sabemos que nossas identidades são
profundamente formadas em torno do modelo da mulher
que dá de si e que cuida dos outros. O sentimento de frieza
e de não poder dar de si entra em conflito direto com essa
noção fundamental que aprendemos quando meninas. Quan-
tas de nós podem tranqüilamente aceitar que existem lados
nossos que rejeitam essa mulher que dá de si e que nutre
os outros? O medo de ser fria é muito grande porque rara-
mente nos permitimos mostrar esse lado de nossas perso-
nalidades.
Annie, uma professora e futura avó, de 58 anos, dis-
se: "Toda minha vida empenhei-me para criar ao meu re-
dor um ambiente acolhedor e afetuoso. Se me imagino
magra agora, sinto-me fria e gelada, como uma versão de-
finhada de mim mesma. Sinto que não me ajustaria à mi-
nha vida. Seria como parar de ser cheia de vida, acolhedora
e generosa, que é como me vejo agora." Do mesmo modo
como pensamos que se comermos uma bala acabaremos co-
mendo o pacote inteiro, achamos que se demonstrarmos um
pouco de frieza seremos pessoas frias. Cuidar dos outros
e dar de si são coisas que se esperam de nós, e, além do mais,
coisas que esperamos de nós mesmas. Muitas de nossas re-
lações cotidianas giram em torno de nossa aptidão em nu-
trir os outros. Ser fria, mesmo que temporariamente, é
praticamente negar nossa identidade sexual.

2 — Ser ossuda e ter formas muito definidas causa pro-


blemas porque estamos por demais acostumadas a ter nos-
sas personalidades definidas por nós. Quero dizer com isso
que ajustamos nossas antenas às expectativas que os outros
fazem de nós, porque nossa posição social nos desestimu-
lou a que formássemos nossas próprias identidades.
Somos definidas para nos ajustar aos estereótipos fe-

73
mininos tradicionais. Quando lutamos por uma autodefi-
nição, deparamo-nos com curiosidade, falta de apoio e até
hostilidade. Diane, uma psiquiatra canadense que estava fa-
zendo terapia porque comia por compulsão, expressou um
medo comum. Temia que se fosse magra as pessoas pode-
riam pensar que ela realmente só estava interessada em si
mesma e em mais ninguém. Ficar magra e bonita (em sua
mente as duas coisas vinham juntas) significava ser fútil e
voltada para si mesma, já que a magreza era algo que dava
muito trabalho de se conseguir. Diane sentia que a gordura
encobria sua vaidade; se fosse magra isso ficaria à mostra.
Já que o trabalho de Diane era ajudar os outros, a idéia de
que pudesse ficar muito voltada para si mesma a apavora-
va. Seu mal-estar era de um tipo muito conhecido para mui-
tas mulheres. Crescemos para nos preocupar com os outros
e, em geral, sentimo-nos culpadas quando reparamos que
temos nossas próprias necessidades, desejos e interesses que
realmente vêm em primeiro lugar. Para Diane, o dilema era
bastante grave e ela reparou que logo antes das sessões com
seus pacientes entupia-se de biscoitos. Com este ato sentia
estar realizando duas coisas: a certeza de que continuaria
a ser gorda — o que para ela significava ser estável e ser
uma pessoa confiável — e estaria evitando demonstrar es-
tar voltada para si mesma quando estivesse com um paciente.
Ao se entupir de biscoitos, abafava seus sentimentos.

3 — Ser admirada também não deixa de ter suas dificul-


dades. Se somos admiradas quando estamos magras, em ge-
ral sentimos que nossos corpos é que estão sendo apreciados.
O corpo da mulher é sua principal qualidade; a compara-
ção de seu corpo com os corpos das outras mulheres é um
fator muito importante para a determinação de seus senti-
mentos. Sua aparência determinará, em parte, a escolha de
namorados e de um marido. É importante que cause boa
impressão com sua aparência numa medida bem maior do
que sua cara-metade masculina. Isso, é claro, é uma postu-
ra ridícula — ser valorizada tendo como base a última mo-
da em atração sexual. E o que dizer sobre nossa parte ativa

74
e pensante? Assim, ser magra traz consigo apreensões a res-
peito de se saber se seremos vistas como pessoas inteiras ou
simplesmente por nossas características sexuais.

4 — O desejo de ser uma pessoa que tem sexualidade é uma


faca de dois gumes. Por um lado, muitas mulheres asso-
ciam a magreza ao fato de serem desejadas sexualmente,
e sentem ter mais domínio na escolha dos parceiros. Sendo
magras acham legítimo selecionar as pessoas que lhes inte-
ressam; sendo gordas, acham que têm de esperar pelo ho-
mem ou mulher que se esforçará para atravessar as camadas
de gordura e encontrar a pessoa que está atrás delas. Por
outro lado, muitas mulheres temem a sexualidade recém-
descoberta que a magreza promete. Muitas acham que te-
rão atitudes diferentes das que têm normalmente em seu
comportamento sexual. Uma das preocupações que volta
e meia aparece nos grupos é a seguinte: "Se ficar magra e
muito atraente talvez sinta atração por outros homens além
de meu marido e não quero pôr nossa relação em risco."
Temos tão pouco poder de decisão com relação à definição
de nossa sexualidade que, conseqüentemente, fica muito di-
fícil sentir, e mais ainda agir, sobre aquilo que queremos
sexualmente.
Uma mulher com a qual trabalhei explicou detalhada-
mente: "Se ficar menos volumosa, as pessoas me verão mais,
ficarei exposta. O que ficará exposto será a minha sexuali-
dade. A gordura, eu escondo por trás da alegria e finjo que
não tenho sexualidade. Magra, revelo uma sexualidade
amorfa e meio solta, porque fico magra tão raramente que
não consigo me acostumar a me sentir bem com minha pró-
pria sexualidade."
Imagens de sexualidade feminina são difundidas em car-
tazes, na televisão e no cinema. Anúncios de carros e trato-
res mostram mulheres expostas sobre as mercadorias. A
sexualidade feminina transforma-se num produto aos olhos,
tanto dos homens quanto das mulheres.
O significado desta última questão traz mais uma difi-
culdade. Os objetos sexuais dos homens são as mulheres.
75
Entretanto, os objetos sexuais das mulheres são também as
mulheres, pois a sexualidade é normalmente apresentada
através de imagens femininas. Portanto, as mulheres ficam
confusas se não se encaixarem na imagem que foi estabele-
cida para elas. Se uma mulher não se parece com aquela
outra cheia de vitalidade sexual que está no anúncio, ou na
página de moda, como pode ousar ter uma sexualidade?
Mas por que a magreza se revela como um problema
de sexualidade? Para muitas, a resposta se encontra no fa-
to de que o peso tem sido vivenciado como um modo de
se evitar a sexualidade. Embora o ato de evitar a sexualida-
de seja uma solução muito dolorosa, pode, no entanto, ser
uma opção mais segura para as mulheres que temem que
se forem magras serão desejáveis sexualmente. Como faze-
mos com todas as fantasias ligadas à magreza, trabalhamos,
nos grupos, novas maneiras de dizer "não" e "sim" à se-
xualidade, para que possamos ter qualquer peso e, ao mes-
mo tempo, continuar a lutar para definir nossas necessidades
sexuais. Desse modo, se a gordura tem sido uma maneira
de dizer "não" ao sexo, devemos aprender a usar nossas
bocas para falar e afirmar esse "não", em vez de esperar
que o mundo magicamente entenda que a comida que aca-
bamos de colocar em nossas bocas é uma tentativa de dizer
"não". A boca tem duas funções importantes — permite-
nos falar e comer. Por vezes, os comedores compulsivos afli-
gem-se porque não a sabem usar com a primeira destas fi-
nalidades.

5 — Há também níveis mais profundos de resistência pa-


ra se ser magra. Um dos medos que muitas mulheres des-
cobrem associar à magreza é o de sentir-se com muito poder.
Em nossa cultura, desde muito cedo ensina-se às meninas
que seu papel na vida é o de ser a companheira e auxiliar
de um homem poderoso. Seu próprio senso de identidade
desenvolver-se-á a partir da situação do marido; será a es-
posa e mãe carinhosa, e o poder por trás do homem. As
meninas são persistentemente desencorajadas a ter um po-
der próprio, fora do papel materno. Ser magra, para mui-

76
tas mulheres, significa sair-se bem demais e ultrapassar sua
posição social.
O poder apresenta à mulher três problemas inter-rela-
cionados: o primeiro tem origem em imagens culturais de
mulheres poderosas; o segundo, no modo como as meni-
nas são criadas; e, o terceiro, nas conseqüências reais ou
imaginárias de se ter poder. Os poucos exemplos conheci-
dos que temos de mulheres poderosas têm sido ou equipa-
rados à destruição, como é o caso de Helena de Tróia e
Cleópatra, ou têm estado ligados a imagens de homens cas-
trados, como Maggie, de Maggie and Jiggs.*
A mãe toda-poderosa só detém poder enquanto mãe.
No momento em que o pai volta para casa, reapropria-se
da autoridade de sua esposa. Assim, uma menina aprende
sobre o poder de um modo confuso; o poder de sua mãe,
o poder feminino, é negado pelo do pai, mas o poder do
pai, o poder masculino, em geral é equiparado à desuma-
nidade e à competição.
Ao crescer, a menina aprende a se conformar com uma
cidadania de segunda classe. Sua mãe lhe ensina a ceder aos
outros (como ela própria faz com seu marido), e a esperar
que eles definam a forma de seu mundo. Os conceitos de fe-
minilidade impedem que se pense em si mesma como pode-
rosa e eficiente porque, para uma mulher, "poderosa" significa
"egoísta" — agir para si mesma significa tirar dos outros.
As mulheres correm o risco de ficar socialmente isola-
das caso se tornem muito poderosas. Se uma mulher é po-
derosa e pode cuidar de si mesma é provável que se aflija,
achando que não precisará de mais ninguém, e que se tor-
nará muito auto-suficiente e só. Este medo é fomentado pe-
las reações dos outros. Os homens geralmente reagem contra
o esforço que uma mulher faz para ter seu próprio poder
— "O que ela precisa é de um homem."
Freqüentemente as próprias mulheres são menos en-

* Personagem dominadora que aparece em uma história em quadrinhos de jor-


nais americanos. (N. do T.j

11
corajadoras ainda para aquelas que tentam agir em benefí-
cio próprio. Podem sentir-se ameaçadas, invejosas ou traí-
das. Deste modo, se ultrapassarmos nossa posição social,
concebendo-nos, a princípio, como poderosas e, em segui-
da, agindo como tais, podemos nos sentir ameaçadas.
Trabalhar esse problema faz parte integrante dos gru-
pos. Investigamos a razão pela qual as mulheres foram en-
sinadas a aceitar esse papel secundário e examinamos a
estrutura de poder de cada família individualmente, ou das
redes de ensino.

6 — Um medo muito complexo que as mulheres invaria-


velmente sentem está centrado na questão dos limites femi-
ninos. A literatura psicanalítica está repleta de referências
ao problema das mulheres com a demarcação de limites.
O que se quer dizer com limites é a quantidade de espaço
que se ocupa no mundo — onde se começa e onde se termi-
na. A razão pela qual as questões relacionadas aos limites
são tão difíceis para as mulheres tem suas raízes sociais no
desenvolvimento de uma psicologia feminina. Sabemos que
o papel feminino exige que a mulher seja aquela que nutre,
que cuida dos outros e que dá apoio afetivo aos que lhe são
próximos. Deve fundir seus interesses com os interesses dos
outros e procurar sua realização adaptando suas necessida-
des e desejos aos outros — em especial aos namorados e
às crianças com quem têm uma relação mais íntima. É en-
faticamente dissuadida a desenvolver sua autonomia eco-
nômica e emocional. Ser gorda representa tanto o esforço
de fundir-se com os outros, como, paradoxalmente, de for-
mar uma parede impenetrável em torno de si mesma. De
modo análogo, muitas mulheres associam a magreza a ques-
tões de limite. Se a gordura tem sido um modo de repre-
sentar sua condição de separada e seu espaço, sem ela a
mulher sentir-se-á muito vulnerável e sem defesas. Maggie,
uma balconista de 38 anos, relatou o seguinte: "Se não ti-
ver todo esse peso sobre mim as pessoas chegarão perto de-
mais e não terei nenhum controle ou proteção." Os desenhos
abaixo talvez ilustrem como essas questões são vivenciadas.

78
Na figura A, a mulher é gorda e sente que seu eu ver-
dadeiro existe em algum lugar por baixo da gordura. A gor-
dura fornece uma proteção física contra a vulnerabilidade
que ela pensa ter. Ela imagina que se perder peso estará per-
dendo uma camada de proteção contra o mundo.
A perda dos limites fixos do eu produz mais um dos
estados aterradores que as mulheres têm associado à perda
de peso. Esse pavor que uma mulher pode sentir é o medo
de ser invadida pelos outros. É provável que a gordura lhe
tenha permitido manter uma certa distância das pessoas.
Imagina que tudo isso está relacionado à gordura, que são
as próprias pessoas que não se aproximam dela, e que ela
não tem quase nenhum direito de se aproximar das pessoas.
Assim, uma mulher se atormentará ao pensar que quando
for magra as pessoas vão invadir os limites de seu espaço
e penetrarão nela. Mais uma vez vemos que a condição fí-
sica da gordura ou da magreza tem sido o modo através do
qual as comedoras compulsivas lidam com as dificuldades
em suas relações sociais.

7 — Uma questão extremamente difícil para a mulher é a


da competição. Elas têm sido forçadas a competir entre si
para poder conseguir o homem que, presume-se, cuidará
delas e, principalmente, legitimará sua sexualidade. Esta

79
competição entre as mulheres é extremamente feroz e pe-
nosa, mesmo que só tenha uma atuação em nivel incons-
ciente. Faz com que nos avaliemos umas às outras a fim
de que nos possamos sentir mais ou menos tranqüilas quan-
do formos nos relacionar com os outros. Ao chegarmos a
uma festa, começamos inadvertidamente a nos classificar
por nossa atratividade em relação às outras mulheres. Isso
é parte tão integrante de nossa cultura que está até mesmo
institucionalizado. Talvez a forma mais degenerada que is-
so assuma seja o Concurso de Miss Universo, no qual as
mulheres competem baseadas em sua beleza e personalida-
de. Muitas mulheres engordam como tentativa de evitar esses
penosos sentimentos competitivos. O vislumbre de uma volta
à magreza desmascara os impulsos competitivos. Muitas não
estão seguras de como lidarão, seja com seus próprios de-
sejos competitivos, seja com a animosidade que imaginam
irão despertar nas outras mulheres.

8 — Finalmente, mais um dos medos expressados com fre-


qüência associado à magreza fica bem delineado na decla-
ração feita por Penny, uma professora de 24 anos. Ela sentia
que havia muitas coisas em sua vida que não estavam indo
muito bem, apesar de sentir prazer com seu trabalho, com
suas amizades e com seus relacionamentos afetivos. Imagi-
nava que se perdesse 5 quilos tudo em sua vida correria tran-
qüilamente. A razão de alguma coisa não dar certo, segundo
ela, era o excesso de peso. Na medida em que nos aprofun-
damos na questão, descobrimos que a imagem que ela ti-
nha da magreza expressava competência e confiança. Não
deixava espaço para que nada desse errado em sua vida —
como poderia haver algum problema se fosse magra? Se fos-
se magra, caso sentisse dor e tristeza não saberia como
expressá-las. Compreendeu que o peso em excesso era uma
desculpa para explicar por que as coisas pareciam não es-
tar indo bem. Sem esta desculpa temia não ser capaz de as-
sumir o controle por sua vida do modo como as mensagens
que havia assimilado dos meios de comunicação lhe pro-
metiam. Como disse: "Se for magra como realmente pen-

80
so que quero ser terei que fazer tudo conforme manda o
figurino!"

Antes de começar a mostrar mais detalhadamente a vivên-


cia real das comedoras compulsivas quando emagrecem, é
importante assinalar que tanto as imagens quanto as vivên-
cias da magreza contêm mensagens contraditórias. As mes-
mas mulheres podem atribuir angústias divergentes à
gordura e à magreza. Uma mulher pode dizer: "Se ficar ma-
gra vou me sentir fraca como se fosse desaparecer." Seu
eu gordo imagina que o peso lhe dá força e estabilidade.
Entretanto, podemos também descobrir que para essa mes-
ma mulher, a magreza tem também a conotação de um ti-
po de força rija, e que a gordura é seu extremo oposto, uma
característica indefinível e flácida — uma geléia mole.
Imagens contraditórias são familiares a todos nós em
nossas atividades diárias. O que em geral é menos compreen-
dido é que as comedoras compulsivas tenham sentimentos
contraditórios a respeito da forma física. Nutricionistas, psi-
cólogos, médicos e as colunas de dieta e beleza das revistas
femininas raramente levantam a questão que consideramos
fundamental para se quebrar o círculo de engordar e ema-
grecer, abusar e fazer regime.
Em geral, acontece que as experiências passadas de per-
da de peso e emagrecimento das comedoras compulsivas fo-
ram muito difíceis. Existem muitas razões para isso que serão
examinadas mais adiante, mas em primeiro lugar faremos
algumas observações preliminares que nos podem fornecer
um contexto para a compreensão dessas várias razões.
As imagens negativas associadas à magreza são, em sua
maior parte, inconscientes. Isto significa que não são ime-
diatamente acessíveis às pessoas no estado de vigília. Os exer-
cícios de imaginação contidos neste livro ajudam a fornecer
pistas para que possamos descobrir mais coisas sobre as
idéias que temos e das quais geralmente não temos cons-
ciência. As idéias inconscientes têm tanta força na existên-
cia cotidiana das pessoas quanto os desejos conscientes, os
pensamentos e as ações que colocamos em prática. O in-

81
consciente é uma parte ativa de todos nós e quando tenta-
mos modificar nosso comportamento ou nossos sentimen-
tos e não obtemos êxito, procuramos descobrir as razões
que estão impedindo nosso caminho. Os fatores sociais são
determinantes decisivos nisso e nunca devem ser subestima-
dos, mas nossa intenção inconsciente — formada pela re-
pressão de desejos inaceitáveis socialmente — é algo que
se interpõe persuasivamente e da qual não se escapa a um
ajuste de contas. Ao nos dirigirmos às questões da forma
física e da auto-imagem nos grupos, nosso objetivo é o de
ajudarmo-nos umas às outras a realizar o trabalho emocional
necessário para que, desta vez, a magreza seja compreen-
dida com todas as suas ramificações, e que os perigos ima-
ginados sejam minimizados. Isto significa que estaremos
trabalhando com as seguintes finalidades:

(1) Investigar as idéias que as mulheres fazem em nível cons-


ciente e inconsciente sobre a magreza e a gordura.
(2) Separar essas idéias dos estados corporais, para que as
inúmeras propriedades que o indivíduo atribui a seu tama-
nho sejam conferidas diretamente a si mesmo e não a seu
eu magro ou gordo.
(3) Fornecer meios alternativos às mulheres, que não in-
cluam o de comer, através dos quais possam se proteger,
afirmar e definir.

Os diversos medos da magreza sentidos pelas comedo-


ras compulsivas baseados em suas experiências passadas de
emagrecimento estão centrados num determinado número
de itens. Mas um dos principais sentimentos, conpartilha-
do por praticamente todas, seja qual for sua psicologia in-
dividual, está focalizado no significado básico de se perder
peso através de dietas. Geralmente, o único modo que a co-
medora compulsiva encontra para perder peso é através de
uma severa restrição alimentar. Sua forma física é uma ques-
tão tão crucial que, ao apelar para uma dieta, atribui a ela
o poder de fazer coisas fantásticas para si. Na verdade, mui-
tas mulheres relatam que uma vez tomada a decisão de fa-
82
zer uma dieta, é tão grande a quantidade de energia psíqui-
ca exigida para realmente mobilizá-las e para regulá-las dras-
ticamente, que se sentem maravilhosas, puras, perfeitas,
quase como se estivessem embriagadas. Nada as perturba
até que rompam a dieta e comecem as recriminações. Ten-
do deificado a dieta, seu rompimento assinala a volta ao
estado tortuoso da compulsão de comer.
Para uma mulher, a vivência da privação enquanto está
de dieta opera em dois níveis. O que produz o estado de
euforia, permite-lhe que continue a dieta sentindo-se vir-
tuosa e que despreze seu modo de comer anterior. Mas em
um outro nível, ter que comer baseada em regras e regula-
mentos é um aviso constante à comedora compulsiva de que
não é uma pessoa confiável. Deste modo, quando emagre-
ce, a sensação de ter um tamanho normal e de ser como
todo mundo só é conseguida à custa de sua permanência
na prisão da dieta compulsiva, e da vigilante luta para man-
ter acuado o monstro da compulsão de comer.
Essa batalha para eliminar os abusos de comida colo-
ca a mulher num estado extremamente precário. Fica preo-
cupada como nunca com aquilo que pode ou não entrar em
sua boca, e faz com que raramente sinta confiança no fato
de que essa dieta, em particular, terminará com seu pro-
blema de comer. Seus dias e suas noites não ficam menos
repletos de angústias com relação à alimentação e à forma
física. Se a vida para a comedora compulsiva é sentida co-
mo um processo de comer contínuo, então a dieta existe fora
da vida e é sentida como irreal. O vício persiste junto com
suas obsessões concomitantes: "Será que resistirei àquelas
batatas fritas e sobremesas?" "Será que poderei comer aqui-
lo que Joyce preparou para o jantar, ou será que engorda
demais?" Essa tensão é acrescentada ao sentimento de fal-
ta de confiança com relação a sua capacidade de manter
a dieta, uma vez perdido o peso. O espectro do corpo imenso
está sempre rondando. A comedora compulsiva não desen-
volve a confiança de que permanecerá magra. Torna-se uma
pessoa magra, alguém que se parece e age diferentemente
daquele eu gordo, mas é uma nova mulher, que não se co-

83
nhece muito bem. É alguém em quem não se sente segura
em confiar ou realmente conhecer, porque se sente insegu-
ra com relação ao tempo em que permanecerá magra. Se
habitualmente passa dois meses por ano magra, faz dieta
durante um mês, e os outros nove permanece gorda, fatal-
mente sentirá mais familiaridade com seu eu gordo. Real-
mente não acredita que seu eu magro ficará por perto muito
tempo, por isso desenvolverá uma relação de desconfiança
com relação a ele. Assim, sua vida como pessoa magra tem
uma característica de precariedade que não leva a um sen-
timento de autoconfiança.
Há, além de tudo isso, um novo corpo a se carregar,
uma versão menor de si mesma. (Tendemos a nos sentir tão
pequenos com relação a nossa influência sobre o mundo,
especialmente as mulheres, que a redução de nossa presen-
ça física é sentida quase como algo grotesco.) Ligada a es-
sa falta de familiaridade com o corpo, vem uma mudança
drástica na auto-imagem da mulher. Muitas mulheres con-
tam que usaram roupas bastante diferentes das que costu-
mavam usar, não simplesmente por causa do tamanho que
vem escrito na etiqueta, mas também em virtude do estilo
que escolheram. A perda de peso manteve a promessa de
pôr em prática certas características da maneira de se vestir
que elas negavam a si mesmas enquanto pessoas gordas. Co-
mo, por exemplo, vestir-se de modo atraente, idéia que é
tabu para a maioria das mulheres com excesso de peso. "Se
sou gorda, devo ser horrorosa e não mereço ter roupas bo-
nitas."
Já que se vestiam de uma maneira diferente quando
magras, também agiam de um modo diferente com relação
aos outros, mas descobriam que não estavam bem prepa-
radas para lidar com as reações que provocavam. Kate, uma
estudante universitária de antropologia, descobriu que cer-
ta vez, quando estava magra, foi a uma festa usando jeans
apertados com uma blusa de algodão transparente (em lu-
gar de suas costumeiras túnicas fechadas sobre calças), e
suas amigas, embora a princípio lhe elogiassem e apoias-
sem, pareciam ficar apreensivas quando seus maridos e na-
84
morados se aproximavam dela. Kate ficou nervosa, temen-
do que elas pudessem ficar com ciúmes e parassem de gos-
tar dela, mas não sabia como afastar seus maridos. No
grupo, analisamos os diversos significados dessa nova ma-
neira de se vestir. No final, Kate decidiu que quando per-
desse peso novamente correria o risco de sentir-se bem e
sensual em suas roupas sem ter de ameaçar as amigas. Re-
solveu partilhar a nova e frágil aceitação de seu corpo com
elas, e garantiu-lhes que não estava interessada em seus na-
morados. Isto também a ajudou a esclarecer a confusão que
fazia entre vestir-se sensualmente e vestir-se sexualmente.
Imagem corporal e proteção são coisas muito impor-
tantes. Nos grupos tentamos tratar esses dois problemas do
seguinte modo: os membros do grupo são encorajados a
aceitar os aspectos físicos da gordura. A auto-aceitação é
a tarefa-chave no grupo; sem isto, a perda de peso e a eli-
minação do vício não deixarão de ser temporários. Nosso
objetivo é alcançar um estado em que as mulheres possam
realmente sentir que têm a posse de sua gordura e entender
os diversos significados atribuídos a ela. Quando emagre-
cerem poderão usar esses significados na medida em que
precisarem. Não acharão que estão perdendo uma camada
protetora, poderão crescer em seus próprios corpos e en-
tão sentirão que os possuem por inteiro tendo assim condi-
ções de reduzi-los. Os diagramas abaixo poderão ajudar a
mostrar o processo que temos em vista nos grupos.

85
ficílima tarefa da auto-aceitação, da preparação para um
novo corpo esbelto e de uma nova auto-imagem. Tenha em
mente que, antes de perder alguma coisa você tem, primei-
ro, de possuí-la. Você deve, em primeiro lugar, aceitar seu
corpo com toda a sua dimensão, antes que possa perdê-lo.
O ponto de partida é um espelho que dê para se ver de cor-
po inteiro e que não distorça a imagem. Os membros do
grupo reservam um tempo todos os dias — no início, tal-
vez alguns minutos — para observar seus corpos. A maio-
ria das comedoras compulsivas tem muita consciência do
aspecto de seus rostos, mas não em relação ao resto de seus
corpos. O que tentamos fazer neste exercício é observar
nossos corpos. Usamos o espelho para nos olhar sem fazer
julgamentos da imagem que vemos. Isso é um projeto ame-
drontador e difícil para muitas mulheres, porque costuma-
mos fazer caras feias e julgamentos nas poucas ocasiões em
que realmente vemos nossos corpos por inteiro. Estamos
bastante familiarizadas em evitar visões que possivelmente
não serão aceitas, como quando andamos com a cabeça bai-
xa ao passar por vitrines de lojas para não olhar, sem que-
rer, para nós mesmas e assim desencadear sentimentos
negativos. Assim, ao fazer o exercício, pedimos à mulher
que olhe inicialmente para sua imagem refletida como se
estivesse olhando para uma obra de arte, uma escultura, por
exemplo, para conhecer suas dimensões e textura. Deve olhar
para descobrir onde começa e termina; onde estão suas cur-
vas e saliências; as variações de cores que existem. A mu-
lher deve experimentar fazer isso em várias posições,
diferentes, começando em pé, em seguida sentada — sem
ter de esconder a metade de seu corpo — e, finalmente, fi-
cando em pé de perfil. Algumas pessoas têm mais facilida-
de em fazer esse exercício estando vestidas; outras acham
mais prático fazê-lo nuas. Começamos então com o que é
sentido como mais confortável e ficamos assim até que a
mulher possa ter a experiência de se olhar no espelho sem
ter de imediatamente desencadear sentimentos de repulsa.
A segunda etapa no exercício do espelho visa ajudá-la
a sentir que ela existe através de todo seu corpo. Muitas mu-

86
lheres sentem a gordura como algo que as circunda, dentro
do que seu eu verdadeiro está contido ou, alternadamente,
que sua gordura as persegue e ocupa muito mais espaço do
que realmente o faz. Por isso, quando uma mulher está diante
do espelho, deve-se enfatizar nessa parte do exercício, o fa-
to de que se sinta através de todo seu corpo. Ela segue o
percurso de sua respiração, que vai dos pulmões para todo
o corpo. As coxas gordas que poderá querer rejeitar fazem
parte de seu corpo tanto quanto seus pulsos, que parecem
bem mais aceitáveis. Tenta ver todas as partes de seu corpo
ligadas entre si. Começa com os dedos dos pés e se lembra
de que os dedos dos pés estão ligados aos pés, e os pés aos
tornozelos e os tornozelos às pernas, e assim por diante. Is-
so lhe fornecerá uma visão do corpo como um todo funcio-
nal. Começará a sentir que ela existe através da gordura.
Esse novo enfoque tem mais uma função. Se você con-
segue sentir que existe através da gordura, então, quando
emagrecer, não sentirá que perdeu uma camada protetora;
sentirá que seu tamanho foi reduzido. Isto acontece por-
que, se você pode se sentir por inteiro através da gordura,
então tudo aquilo que você é faz parte de você. Ao abrir
mão do tamanho você está fazendo uma troca — a gordu-
ra pelo seu próprio corpo, e isso é poder.
Vale a pena repetir aqui os desenhos, porque ajudam
na compreensão do que queremos obter ao reduzir a dis-
crepância entre o eu gordo e o pequeno eu físico interno.
Visamos a uma condição onde a seqüência eu-gordura-
mundo seja substituída por eu-mundo.

87
Como mencionei acima, as mulheres contavam que,
quando emagreciam, permitiam-se vestir roupas muito di-
ferentes daquelas que usavam quando achavam que seus cor-
pos estavam inaceitavelmente grandes. É provável que a
comedora compulsiva tenha, no mínimo, três guarda-rou-
pas. Geralmente consistem em uma ou duas roupas escu-
ras que a cobrirão completamente quando estiver com seu
peso máximo; algumas roupas meio indefiníveis para quan-
do estiver com um peso médio; e roupas da época em que
esteve magra, ou de quando ficará magra, que tendem a
ser mais afinadas com a moda, variadas, permitindo maior
expressividade. É quase certo que as roupas de tamanho
maior estarão restritas ao que é oferecido pelas lojas e por
aquilo que a comedora compulsiva acha que é permitido
usar. Quando se examinam os cabides que contêm tama-
nhos de 48 e 50 para cima, nota-se que há muito menos va-
riedade do que os que contêm os tamanhos 40 e 42. Os tabus
nas mentes das pessoas contra cores fortes, listras horizon-
tais e um bom desenho de estilista para pessoas gordas, cor-
respondem ao que é oferecido pelas lojas. De modo geral,
as roupas baratas e que estão na moda não se encontram
acima do tamanho 44. Portanto, não é de surpreender que
quando uma mulher emagrece tente projetar imagens dife-
rentes através do modo de se vestir, porque pela primeira
vez tem acesso direto a um outro tipo de roupa. Entretan-
to, é também verdade que enquanto não aceitar o tamanho
de seu corpo, usará roupas que o escondam e que não cha-
mem atenção. O objetivo inicial dos grupos é fazer com que
cada mulher tenha uma aceitação maior de seu corpo. Sem
isso, afirmamos que a perda de peso será temporária, por-
que continuará a desencadear sentimentos amedrontadores.
Para evitar esse estado fazemos um trabalho preparatório
nas áreas da forma física, da imagem corporal e do modo
de vestir. Incentivamos as mulheres a jogar fora, dar ou tro-
car com outros membros do grupo, todas as roupas de seus
armários que não lhes cabem no momento. Isto significa
que cada manhã, em vez de confrontar-se com três conjun-
tos de roupas (de fato, três pessoas diferentes dentro do ar-

88
mário) e torturar-se com relação às roupas "magras", que
estão sempre esperando para atacar, estarão olhando para
aquelas que lhes servem. Grande parte da auto-imagem ne-
gativa da comedora compulsiva se expressa através da ma-
neira como se veste e do modo como se conduz. Isso faz
então com que o ódio de si mesma cresça em espiral. Uma
mulher com quem trabalhei disse: "Sinto vergonha de meu
corpo e procuro escondê-lo do melhor modo possível den-
tro de um camisão. Então percebo que também não gosto
das minhas roupas e acabo sentindo um duplo ódio de mim
mesma." É quase inevitável que esses sentimentos de auto-
rejeição levam a comedora compulsiva a se entupir de co-
mida para mitigá-los e certamente em seguida recomece com
as recriminações e resoluções de começar mais uma dieta.
Uma vez esvaziado o armário, estamos prontas para
dar o segundo passo. Trata-se de fazer experiências com suas
várias imagens e modo de vestir, expressá-las já, e não fi-
car esperando até que fique magra para poder vestir os ti-
pos de roupa nos quais você se imagina magra. Não é crime
nenhum vestir uma blusa, camisa ou suéter quando se está
com excesso de peso. Raramente você parecerá mais gorda
estando com a forma mais definida. Esta última idéia é um
equívoco que fazemos, ao supor que roupas soltas nos fa-
zem parecer mais magras do que roupas justas. Talvez es-
tas últimas chamem mais atenção, apenas. Se isso acontecer,
você terá a oportunidade de trabalhar sobre as reações a
uma das conseqüências imaginadas do fato de ficar magra.
É melhor testar e sentir isso enquanto você tem a proteção
da gordura. É importante testar suas idéias a respeito das
imagens que você quer expressar, para descobrir o que real-
mente a faz sentir-se bem e o que a assusta. Nos grupos as
mulheres obtêm feedback das imagens que projetam; po-
dem discutir se existe uma discrepância entre o que dese-
jam projetar e o que estão realmente projetando. Os
membros do grupo podem também ajudar-se mutuamente
a fazer compras de roupas e de tecidos1, tendo assim um
dia real ou imaginário onde poderão ter uma opinião ver-
dadeira a respeito de suas compras e de companheirismo.

89
O trabalho com o espelho e com o modo de vestir são
então, por enquanto, duas das técnicas básicas usadas no
grupo tanto para ajudar as mulheres a aceitar sua forma
física atual, como para prepará-las para ter uma menor.
Além disso, incentivamos os membros do grupo a adotar
uma auto-imagem próxima daquela que imaginam que te-
rão quando estiverem magras. Isto tem seu lado físico e seu
lado emocional, e um dos objetivos do grupo é trabalhar
nestes diferentes níveis simultaneamente.
Um outro exercício preparatório que empregamos é o
de imaginar não só aquilo que você pretende projetar quan-
do estiver magra, através de seu modo de vestir, como tam-
bém através da atitude corporal e igualmente da postura.
Muitas mulheres relatam que quando estiveram magras an-
teriormente, sentavam-se, ficavam de pé e dançavam de um
modo muito diferente, geralmente adotando uma postura
mais descontraída. Essas diferentes posturas produziam uma
série de resultados, alguns dos quais faziam com que se sen-
tissem bem e outros não. Os mais penosos estavam relacio-
nados principalmente às reações dos outros, e as mulheres
descobriam que não sabiam como lidar com isso. Engor-
dar novamente era a única opção. O exemplo de meu tra-
balho com Janet pode descrever com precisão sua verdadeira
experiência de tornar-se magra no passado.
Janet tem 26 anos e trabalha como assistente social em
um centro de ajuda a viciados em drogas. Cresceu no
Brooklyn e é a filha mais velha de três irmãos de uma fa-
mília judia. Tinha um peso normal até os 13 anos. Sua mãe
tinha um ligeiro excesso de peso e vez por outra preocupa-
va-se em fazer regime. Em geral, à mesa do jantar, ela co-
mia uma versão moderada da refeição da família — sem
batatas ou sobremesas. Quando o corpo de Janet começou
a se desenvolver em corpo de mulher, engordou cerca de
7 quilos. Sentiu-se muito mal com relação às mudanças que
estavam ocorrendo em seu corpo e foi procurar orientação
em revistas para meninas adolescentes, para saber como li-
dar com essa nova forma e com os sentimentos angustian-
tes que acompanhavam a puberdade. Sentia-se atraída por
90
artigos que tinham títulos tais como "como ter o aspecto
de uma adolescente feliz"; ou "como enfrentar as mudan-
ças que estão ocorrendo em seu corpo". Por trás dos títu-
los acolhedores esses artigos continham uma mensagem
horripilante. Janet chegou à conclusão de que havia algo
indiscutivelmente errado com sua forma e foi-lhe dito que
a resposta estava no controle de peso. Assim tiveram início
treze anos de dietas e abusos. A única maneira de extrava-
sar os primeiros sentimentos de pavor e ansiedade que Ja-
net sentia com relação às mudanças que estavam ocorrendo
em seu corpo era através dessas revistas. Não havia outro
lugar onde pesquisar sobre as mudanças violentas, a per-
turbação e o medo que estava sentindo sobre menstruação,
sutiãs e pêlos púbicos. Na verdade, seu primeiro contato
com a própria menstruação foi muito confuso. Apesar de
estar preparada para o acontecimento e por isso não ter sen-
tido medo logo de início quando o sangue veio, não pôde
entender a reação de sua mãe. Ao lhe contar, recebeu um
tapa no rosto2 e os parabéns. Mais tarde, ouviu por acaso
a mãe telefonar a amigos da família, para anunciar orgu-
lhosamente que Janet agora era uma mulher. Assim, sua
iniciação à condição de mulher foi acompanhada por um
ato de violência. Era difícil para ela juntar o tapa com os
parabéns. A idéia de que tinha feito algo errado, ou de que
estava tudo errado, serviu de base para que se agarrasse
àqueles artigos e anúncios que diziam que a solução dos fra-
cassos estava em se alcançar a forma física correta. A pri-
meira da série de dietas fez com que se sentisse extremamente
bem. Sentiu-a como se fosse um ato de independência da
família. Podia decidir o que comer, em vez de comer o que
era servido à mesa. A dieta tinha uma dupla finalidade. Po-
dia testar e transformar seu corpo e marcar sua separação
da família. Teve um bom desempenho nos estudos e partiu
para a universidade e o curso de pós-graduação. A primei-
ra vez que encontrei Janet, ela estava trabalhando há dois
anos, tinha um grande círculo de amizades, do qual faziam
parte algumas amigas íntimas, e estava morando há apro-
ximadamente dois anos com Alan, um arquiteto. Com ape-

91
nas uma exceção sentia-se bastante satisfeita com sua vida;
era muito ativa, sociável e competente no trabalho. A úni-
ca exceção era sua obsessão com peso, dietas e forma físi-
ca. Ela tinha 1,57m de altura e se sentia gorda com 58 quilos.
Muitas vezes, por meio de dieta, conseguira reduzir seu pe-
so para 50 quilos que, no entanto, só eram mantidos por
poucos meses. Seu peso naquele momento não estava mui-
to longe do máximo que já atingira. No decorrer da tera-
pia tentamos reconstituir as diferentes épocas em que seu
peso aumentou e diminuiu. Como esbocei acima, discutía-
mos detalhadamente os sentimentos originais que a impe-
liam na direção da síndrome dieta/abuso. Fizemos duas
importantes descobertas. A primeira foi que, muitas vezes,
Janet engrenava numa dieta e, ao perder peso, sentia-se su-
ficientemente atraente para envolver-se sexualmente com ho-
mens. A duração dessas relações variava, mas seu modo de
comer passava inevitavelmente por três fases quando estava
envolvida sexualmente. A primeira, que durava aproxima-
damente uma semana, caracterizava-se por uma impressio-
nante falta de interesse por comida. Essas eram as únicas
ocasiões, desde os treze anos, que Janet lembrava-se de não
estar realmente obcecada com o que comia. Comia muito
pouco, sem se dar conta, em especial, do sabor daquilo que
estava comendo. A duração da segunda fase variava. Com
Alan, conseguiu manter a dieta razoavelmente bem, por cer-
ca de três meses, com uma variação de peso insignificante,
mas com uma considerável obsessão e preocupação pela co-
mida, tendo os dias definidos como "bons" ou "maus" —
de acordo com o que ingeria. Após três meses, saíram de
férias juntos e Janet liberou as proibições que fazia com
relação à quantidade daquilo que comia, embora sua ob-
sessão continuasse com a mesma intensidade. Intimamen-
te, julgava ela, continuava a se preocupar ou a se elogiar
de acordo com aquilo que passava por sua boca. Estava de-
cidida a fazer dieta quando voltasse das férias. Mas, naque-
le momento, passou a comer uma grande variedade de
comidas, especialmente aquelas das quais se privara durante
os meses anteriores. Quando voltou com Alan para Nova

92
York, havia engordado o suficiente para se convencer de
que ainda precisava de mais uma dieta. Nos quinze meses
seguintes seu peso subiu e desceu como um ioiô, e ela foi
ficando cada vez mais aborrecida e descrente com todos esses
métodos para emagrecer.
Dessa forma, um dos padrões seguidos era: da perda
de peso para o envolvimento sexual e daí para a recupera-
ção do peso. As outras ocasiões em que emagreceu corres-
ponderam a grandes mudanças em sua vida — o ingresso
no curso secundário, a saída de casa para a universidade,
a saída da universidade para os empregos temporários du-
rante o verão, o começo do ano em que trabalhou entre a
universidade e o curso de pós-graduação e a volta a Nova
York para trabalhar no centro de ajuda a viciados. Cada
uma destas ocasiões representou uma independência cres-
cente e autonomia. Enfrentou-as com segurança e com um
corpo esbelto, e ficava muito perplexa por não saber por
que o impulso de comer compulsivamente retornava logo
após se haver estabelecido nos novos ambientes.
Durante a terapia, Janet descreveu as vivências que ti-
nha de suas relações sexuais, e de novos lugares, empregos
e desafios relativos aos estudos. O que começou a emergir
foi que tinha muito mais dificuldades com relação a ques-
tões ligadas à separação e à sexualidade do que se havia dado
conta. Pôde ver que, com relação à sua vida sexual, acredi-
tava ser aceita em função de uma determinada aparência
visual e por ser magra. Recebia muitas propostas sexuais
e, apesar de apreciá-las, sentia-se ameaçada — não sabia
como afastar as pessoas. Também não sabia se internamente
tinha a sexualidade que projetava externamente, porque nas
épocas em que engordava não se sentia, de modo algum,
como uma pessoa que tivesse sexualidade, e sentia que os
homens não se interessavam sexualmente por ela. Além dis-
so, tinha medo de se tornar incontrolavelmente promíscua
se permanecesse sempre magra. A atitude da mãe com re-
lação a ela também causava sofrimento e confusão. Enquan-
to no passado a encorajara a fazer regime, fazia agora
comentários sobre sua aparência abatida dizendo que as-

93
sim ela iria desaparecer. Janet não se tinha tornado a filha
magra e bonita que a mãe quisera, e ficava magoada com
a ambivalência desta com relação a sua recém-encontrada
auto-aceitação. Ficava também atordoada com as reações
dos homens; não era possível agradar à sua mãe e aos ho-
mens ao mesmo tempo.
Na medida em que fomos examinando cada um de seus
sentimentos, Janet percebeu como se sentia vulnerável por
ser uma mulher magra. Sentiu que se transformara naqui-
lo que os outros a incentivaram a ser, por um lado depa-
rou-se com a desaprovação de sua mãe, e por outro com
um grande interesse sexual por parte dos homens. Perce-
beu que se sentia incapaz de lidar com esses dois tipos de
atenção. A desaprovação da mãe não fazia sentido para ela
e sentia raiva como se tivesse sido traída. Sentia-se incapaz
de lidar com todo o assédio sexual que recebia e achava que
não tinha como responder "sim" ou "não" de um modo
que correspondesse a seus próprios desejos. Achava que não
tinha meios de selecionar as pessoas que lhe interessavam,
mas o que era mais perturbador é que achava que agora pos-
suía um belo corpo que tinha de projetar a sexualidade que
ela havia ocultado nas épocas de excesso de peso.
Ao lidar com a questão da separação, Janet percebeu
que ao assumir os novos desafios no colégio, na universi-
dade e no trabalho, ficava de fato muito preocupada com
as expectativas que os outros tinham a seu respeito. Enfren-
tara suas ansiedades mantendo-se firme, fazendo uma die-
ta rigorosa. Ao entrar para a faculdade projetou uma
imagem e se esforçou para acreditar nela — expressava in-
dependência, competência, interesse e entusiasmo por tu-
do. Por debaixo dessa imagem construída e da dieta se
encontravam seus medos de incompetência, solidão, tédio
e insegurança. Raramente permitia-se senti-los por mais de
um instante e impôs a si mesma a tarefa de viver de acordo
com sua auto-imagem idealizada de pessoa magra.
No momento em que se deu conta de como tinha sido
pouco generosa consigo mesma nas épocas em que esteve
magra, percebeu o enorme investimento que fazia para ser
94
magra toda vez que engordava. Ser magra era uma condi-
ção onde não cabiam dor e enganos, e representava inde-
pendência e sexualidade.
Durante a terapia trabalhamos para fazer com que Ja-
net reconhecesse que suas vivências passadas como pessoa
magra tinham sido assustadoras, Tendo visto isso, Janet pas-
sou a procurar por aspectos seus deixados para trás na gor-
dura. Começou a incorporá-los à idéia de si mesma como
pessoa magra. Aprendeu a ser incisiva para poder dizer
"sim" ou "não" em situações de assédio sexual ou outras
mais, em vez de permanecer como a vítima de sua forma
física. Encarou os sentimentos que pareciam inaceitáveis
quando ficava magra e começou a encará-los diretamente,
em vez de escondê-los dentro da gordura, para que quando
emagrecesse novamente pudesse ter a certeza de poder ex-
pressá-los sem rodeios e não precisar se preocupar em ar-
ranjar um lugar onde escondê-los. Deu a si mesma a
possibilidade de ser magra e de ter conflitos; e de aceitar
que quaisquer conflitos que tivesse com a mãe, com sua se-
xualidade, com sua raiva ou com o que quer que fosse, to-
dos podiam existir como fazendo parte dela magra. Isso não
significava ter resolvido todas as dificuldades, mas sim tê-
las reconhecido e aceitado. Significava abandonar a idéia
de que ser magra equivalia a achar que sua vida tinha de
dar certo o tempo todo.
O progresso real da terapia de Janet não teve, é claro,
o desenvolvimento linear do modo ordenado como descre-
vi acima, com uma questão se desdobrando após a outra.
Os insights e as percepções chegam subitamente, desapare-
cem e voltam novamente. É somente através do trabalho
com nossas fantasias, com uma lenta perda de peso, com
abusos intermitentes e com o difícil trabalho de se pôr à pro-
va os insights em situações que causem medo, que o qua-
dro ficará completo. A terapia de Janet durou quatorze
meses, após os quais livrou-se totalmente da compulsão e
emagreceu. Seu peso estabilizou-se entre 50 e 52 quilos. Al-
gumas sessões de revisão confirmaram que a compreensão
de Janet sobre sua própria vivência de comer tinha-lhe per-

95
mitido manter, permanentemente, o peso desejado. Encon-
trara meios mais diretos e incisivos de lidar com os proble-
mas da sexualidade e da feminilidade, que não fossem
através da forma física.
Assim sendo, para Janet, o trabalho sobre os signifi-
cados da gordura e da magreza deu-lhe a oportunidade de
mudar sua auto-imagem. Ela preencheu a lacuna que ha-
via entre suas fantasias a respeito de como seria como pes-
soa magra e de como era na realidade. Este exame e, em
seguida o abandono das fantasias a respeito da magreza,
lhe permitiram abrir mão de expectativas não realistas re-
lacionadas à mudança de personalidade.
Como já vimos, as mulheres temem, inconscientemente,
ser magras. Se a pessoa é magra, espera-se que siga a nor-
ma. Se a pessoa é magra outros irão equiparar a adequa-
ção à forma física com a adequação ao comportamento
feminino estereotipado. Se a pessoa é magra, como pode
autodefinir-se? São precisamente essas confusões que im-
pedem que muitas mulheres se conservem magras, e são es-
sas questões latentes que precisam ser confrontadas para que
uma mulher possa vivenciar a escolha de ser magra e de ser
ela mesma.
É muito difícil desembaraçar os fios que puxam as mu-
lheres para a magreza numa semana, e para a gordura na
semana seguinte. Através do esclarecimento dos conflitos,
tentei identificar as diversas razões de se temer a magreza.
Uma questão importante que precisa ser confrontada indi-
vidualmente é a seguinte: "Como serei aquela que quero
ser, se aparentar o que devo aparentar?" Levar essa per-
gunta em consideração é algo essencial e muito útil, no que
diz respeito às soluções para ser uma mulher magra em nossa
cultura.

96
A vivência da fome para
a comedora compulsiva
As mulheres que encontro já tentaram emagrecer de inú-
meras maneiras tais como hipnose, Vigilantes do Peso,
médicos de regime, comprimidos à base de celulose, mode-
radores de apetite, diuréticos, Comedores Exagerados Anô-
nimos e até macumba. Todos esses métodos são esquemas
externos. O consumo de alimentos é limitado e algumas co-
midas específicas como sorvetes, bolos e pães são proibi-
das. Tudo isso está baseado no princípio de que se você
reduzir seu consumo de calorias (ou consumo de carboidra-
tos) você emagrecerá. As dietas vão desde a Dieta da Água
de Stillman, à dieta do dr. Atkins e da Clínica de Dieta Ma-
yo, Dieta da Banana, Dieta para os que Bebem. Milhões
de dietas e milhares de pessoas fazendo dieta. Milhões de
dólares também: dez bilhões de dólares são gastos anual-
mente pelo público americano para emagrecer e permane-
cer magro1.
Essa quantidade de dietas e de esquemas de redução
de peso possuem duas coisas em comum. Em primeiro lu-
gar, uma taxa arrasadoramente alta de reincidência. As pes-
soas que fazem dieta emagrecem aos montes, mas a partir
do momento que têm de conservar seu peso, seu êxito é me-
nos extraordinário2. Há poucas estatísticas, mas se sabe
que as taxas de manutenção de peso sejam escandalosamente
baixas. A segunda característica que esses esquemas têm em
comum é o de que reforçam a compulsão e os estereótipos
culturais relacionados à magreza e à gordura.
Nenhum desses planos dirige-se às questões fundamen-
tais que estão por trás da compulsão de comer. Duas des-
sas questões são: a vivência da fome e a necessidade de pôr
um fim ao vício da comida. As pessoas gordas não têm tanta
consciência do mecanismo real da fome quanto as que não
são comedoras compulsivas, as de "peso normal"3. Isso
significa que os comedores compulsivos não utilizam seus
ronronantes estômagos para lhes dizer quando comer. O ato
97
de comer fica tão impregnado de outros significados, que
uma resposta imediata a um estômago que sente fome é al-
go fora do comum. De fato, uma das características da com-
pulsão de comer é a de se comer de tal modo que nunca
se sinta fome física. O estigma social ligado às pessoas com
excesso de peso acentua o problema. As pessoas gordas em
nossa cultura sentem a questão do seguinte modo: "A gor-
dura é ruim, devo sempre tentar emagrecer e, de modo
nenhum, apreciar a comida." Em geral, os comedores com-
pulsivos dividem a comida em duas categorias: as "comi-
das boas" e as "comidas más". Todas as dietas funcionam
baseadas no princípio de que a comida é perigosa. Somen-
te através da privação rigorosa o comedor compulsivo po-
derá se redimir, emagrecer e começar a gozar a vida. Desse
modo, o mecanismo da fome sobre o qual as pessoas que
comem "normalmente" se apóiam fica distorcido. Anos a
fio comendo com culpa e esquemas de privação gigantes-
cos fazem com que o comedor compulsivo fique bastante
fora de contato com a vivência da fome e com a capacida-
de de satisfazê-la.
As distorções no processo do ato de comer causam con-
fusão para a comedora compulsiva, enquanto que a infini-
dade de esquemas para redução de peso infantilizam-na e
reduzem a um mínimo o controle sobre sua própria alimen-
tação. Como bem sabe todo aquele que já fez algum tipo
de regime, a estrutura da dieta é rígida. As dietas transfor-
maram-se em camisas-de-força morais que aprisionam o
comedor compulsivo. Ao voltar-se para a dieta, toda a com-
pulsividade evidente no ato de comer em excesso passa a
ser canalizada para uma nova obsessão — manter-se na die-
ta. Siga essas regras, coma o que as autoridades mandam.
Acima de tudo, faça aquilo que as mulheres sabem fazer
melhor — prive-se. Mesmo as pseudodietas liberais ("Co-
ma gordura e emagreça", "Saboreie a quantidade de co-
mida e legumes que quiser") baseiam-se numa estrutura que
priva a mulher do direito sobre seu próprio corpo. "Coma
bananas sete vezes por dia; pese 115g de peixe e 85g de queijo
ralado; beba um copo de suco de laranja coado por dia e
98
café ou chá à vontade; use sempre a mesma tigela e coma
com pauzinhos japoneses; coma sempre no mesmo lugar e
à mesma hora; tome sempre um café da manhã reforçado;
coma amido, corte a gordura; corte a gordura, mas coma
alimentos com alto teor de proteínas; emagreça e arranje/se-
gure seu homem." Mas nunca, nunca se liberte ou descu-
bra o que você gosta de comer, quando e como.
Fundamentalmente o comedor compulsivo conhece
duas realidades: comer por compulsão (sem controle) ou fa-
zer regime por compulsão. Ser um comedor compulsivo sig-
nifica ser um viciado em comida. Os comedores compulsivos
anseiam tão desesperadamente por comida quanto um vi-
ciado anseia por heroína ou um alcoólatra por bebida. Gas-
tam grande parte de sua energia lutando contra o vício. Estão
sempre fazendo regimes ou jejuns ou tentando usar um subs-
tituto para a droga — a ricota. Enquanto o viciado em dro-
gas e o alcoólatra não lutam continuamente contra a heroína
ou a bebida, o comedor compulsivo fica preso numa rela-
ção antagônica com a comida que tanto deseja. Enquanto
o viciado passa horas tentando arranjar o dinheiro e a pes-
soa que lhe venda sua próxima dose, o comedor compulsi-
vo dedicará o mesmo tipo de energia psíquica arquitetando
o que comer ou não. No final assim como a heroína "es-
craviza" o viciado em drogas e a bebida "embrutece" o
alcoólatra, também o abuso de comida "narcotiza" o co-
medor compulsivo.
Um aspecto curioso relacionado ao vício da comedora
compulsiva é que vendo sua cozinha ou a maneira como
come em público, tem-se a impressão de que certas comi-
das são consideradas ilegais. A presença de determinadas
comidas é tão rara e seu consumo tão clandestino, que será
perdoado aquele que pensar que são dadas penas criminais
pela posse e consumo de algumas delas. É como se pudés-
semos classificá-las considerando sundaes e batatas fritas
como delitos graves; bananas e cremes como contravenções
e a comida, em geral, como uma transgressão. De fato, uma
conhecida organização de emagrecimento classifica a comida
exatamente dessa maneira. Algumas comidas são legais e
99
podem ser comidas ininterruptamente e sem limite de quan-
tidade, outras são ilegais e devem ser comidas com restri-
ções. Desse modo, a comedora compulsiva é estimulada a
ditar sua própria sentença penal, e ao fazê-lo estará enfren-
tando o mundo de uma forma muito parecida à do viciado
em drogas ou à do alcoólatra. Esta tensão transforma a co-
mida num inimigo ou num mal a ser evitado constantemente,
embora, ao mesmo tempo, proporcione prazer e consolo,
não obstante efêmeros.
Diferentemente de outros viciados, a comedora com-
pulsiva pode, entretanto, sentir um alívio temporário quando
não come. Não comer significa que está sendo "boa" e evo-
ca imagens instantâneas de recompensas que virão com a
magreza. Contrariamente a imagens populares de gulodi-
ce, a comedora compulsiva tem muito medo da comida e
do que esta lhe pode causar. Retratar-se por pequenos in-
tervalos é um meio de se isentar da responsabilidade por
aquilo que entra em sua boca. A comida é uma droga, é
um veneno, serve para manter-nos vivos, é asfixiante, é tor-
turante, mas é muito raramente vista como um aspecto da
vida essencial e prazeroso. O grande apetite da comedora
compulsiva nasce desse medo da comida. Ela pode comer
uma grande quantidade de comida. Em geral não sentirá
o sabor das três caixas de biscoitos, dos dez talos de aipo,
dos quatro sacos de batatas fritas e da pizza congelada que
pode consumir de uma só vez. O alimento é comido com
tanta culpa que o prazer fica limitado. A sensação de insa-
ciabilidade é muito forte e ela se entupirá de comidas apa-
rentemente insossas como cereais secos, durante um abuso.
A comida tem de ser rapidamente ingerida para deixar de
ser perigosa. Uma vez consumida, a crise passa e a come-
dora compulsiva ficará com as conhecidas sensações desa-
gradáveis que se seguem a um abuso.
Comer por compulsão significa comer sem levar em
consideração os sinais fisiológicos que apontam a fome. As
pessoas que nunca tiveram dificuldades em distinguir as do-
res da fome aceitam naturalmente que seus corpos estão
pedindo comida nessas ocasiões. Podem ficar bastante sur-
100
preendidas com o grau de má utilização que o comedor com-
pulsivo faz desse mecanismo. Para este último, é igualmente
espantosa a idéia de que as pessoas que não têm dificulda-
des com relação à comida possam confiar em seus estôma-
gos para que estes lhes digam o quê, quanto e quando comer.
A comida assume tantos significados adicionais para o co-
medor compulsivo que já perdeu, faz tempo, sua relação
biológica.
A palavra "fome", em geral, tem a conotação de de-
sejo de comer. O corpo está exaurido e precisa de alimen-
tação. Em sua forma extrema a fome transforma-se em
inanição. No cenário ocidental atual, a satisfação da fome
é uma prática social. Embora haja controvérsias sobre o que
exatamente constitui a fome e sobre o que controla o apeti-
te e a satisfação, fica surpreendentemente claro que o co-
medor compulsivo raramente come como resposta aos sinais
de seu estômago que indicam a fome.4 Na verdade, quan-
do apresentamos esse fato como um importante meio para
se livrar da síndrome, as pessoas ficam ansiosas para en-
trar novamente em contato com aspectos de seus corpos há
muito tempo ignorados. Enquanto rejeitamos o próprio cor-
po, estamos nos alienando com relação a ele. Isso faz com
que seja muito difícil ser receptiva aos sinais vindos do cor-
po. Se você nunca sentiu seu corpo como bom ou aceitá-
vel, mas como desajeitado, não atraente ou de algum modo
desagradável, acreditar naquilo que ele diz é um salto con-
siderável, é como se estivéssemos sob o domínio de um
território inimigo. Ouvir um corpo que tem sido constan-
temente uma colônia inconveniente é possuir este corpo. Pos-
suir o próprio corpo significa levar a sério suas necessidades
e não levar em conta muitos dos valores externos e medi-
das com os quais se tentou moldá-lo. A desfiguração do
mecanismo da fome não tem uma origem muito clara, e é
provável que se inicie muito cedo na vida. O que fica claro
é que muitas mulheres jovens começam a adulterar esse
mecanismo na época da puberdade, no esforço de trans-
formar seus corpos. Talvez uma analogia torne esse pro-
cesso de desfiguração mais nítido para aquelas que têm

101
muita dificuldade de enfrentar a fome e uma reação ade-
quada a ela. Tomemos como exemplo uma coceira na gar-
ganta. Esta sensação será aliviada com a tosse. Um espirro
é precedido por uma ligeira irritação nas narinas. Tais rea-
ções são praticamente involuntárias e somente algumas pes-
soas precisam estar freqüentemente negando a vontade de
tossir ou de espirrar nas raras ocasiões em que será uma
questão de boa educação fazer isso, e mesmo assim em ca-
ráter passageiro.
Temos um outro exemplo onde nossa atuação já não
é tão automática: quando nossa bexiga está cheia e preci-
samos aliviar a pressão. Aqui também a maior parte das
pessoas já cresce com a segurança de saber quando ouvir
os sinais de que precisa urinar e a quantidade varia consi-
deravelmente. Algumas vezes há muita pressão na bexiga,
outras vezes menos, mas a informação de que precisamos
aliviá-la é claramente acessível. Essas três funções físicas são
auto-reguladoras e sua satisfação depende do reconhecimen-
to dos sinais. Isso também é verdade com relação ao meca-
nismo da fome. O bebê tem a capacidade de desenvolver
uma relação harmoniosa com suas várias necessidades cor-
porais. Ele aprende a identificar os sinais da fome e se sen-
te satisfeito quando é alimentado adequadamente. A se-
gurança de que será satisfeito é formada pela interação po-
sitiva com o ambiente. Quando a criança chora de fome e
é alimentada ou chora porque precisa de afeto e é levada
ao colo, está obtendo assim uma resposta adequada a seus
sinais e na medida em que se desenvolve vai se sentir segu-
ra tanto em reconhecer quanto em satisfazer suas necessi-
dades.
Muitas mulheres que sofrem de problemas ligados à
compulsão de comer sentem-se inseguras para poder reco-
nhecer os sinais da fome e, em seguida, comer para satisfa-
zê-los. O processo da fome foi não só violentado através
de anos de dietas e abusos, como também o modo de co-
mer do período que antecede a puberdade é, em geral,
lembrado como desvirtuado, perturbado e conflituado. In-
vestigando o passado, podemos verificar que os primeiros
102
sinais de necessidades corporais de uma mulher com a qual
isso ocorre, foram mal interpretados por sua mãe, de mo-
do que tem-se como resultado confusões a respeito de uma
série de sensações físicas. Por exemplo, se toda vez que uma
criança chora obtém como resposta a comida, então esta
passa a representar algo consolador. Entretanto, se a fral-
da do bebê precisa ser trocada, ou se ele está pedindo al-
gum tipo de contato físico, alimentá-lo não lhe dará nem
satisfação, nem consolo, nem deixará que crie confiança em
seu próprio corpo. A alimentação, como resposta a outras
necessidades corporais, aliena a criança com relação a seu
corpo e diminui a capacidade do indivíduo de reconhecer
tanto a fome como a satisfação. Essa primeira desfigura-
ção pode muito bem ser um fator que contribui para a sen-
sação de mal-estar de muitas mulheres com relação a seus
próprios corpos; mal-estar esse que se torna muito fácil de
ser manipulado pela sociedade que dita nossa aparência e
nos dita o que comer. Os sinais externos tornam-se pode-
rosas fontes de confiança na ausência da sensação de se-
gurança de que podemos cuidar de nossas próprias neces-
sidades. Planos de dietas e padarias competem com a mes-
ma força quando uma mulher está em busca de informa-
ções a respeito de como cuidar de si mesma. Em geral, as
comedoras compulsivas descrevem seu modo de comer atual
de um modo que confirma nossa impressão de que a sensa-
ção de satisfação da infância foi adulterada. Daphne, uma
bibliotecária de 32 anos, descrevia seu modo de comer co-
mo sendo, em grande parte, a busca de algo que estava fal-
tando. "Quando vou até a geladeira tenho bastante
consciência de que na verdade não estou procurando por
comida, mas sinto como se estivesse indo atrás de uma pe-
ça que está faltando." Esta peça que está faltando vem a
ser uma sensação de desconforto e de insegurança pelo fa-
to de não saber se poderá suprir suas necessidades satisfa-
toriamente.
Esse discurso sobre a fome e a desfiguração de seu me-
canismo não foi feito com a intenção de culpar as mães por
não interpretarem corretamente os sinais corporais de seus
103
filhos. É verdade que, no papel de principais responsáveis,
geralmente o fazem, mas uma explicação que pare aqui deixa
escapar questões cruciais que afetam todas as mulheres. A
questão está mais em se saber por que as mães alimentam
as crianças quando não é isso que elas podem estar queren-
do. Por que será que há sempre comida à mão para ser ofe-
recida quando a criança demonstra mal-estar? Quais as
forças sociais que produzem esse tipo de comportamento
materno? Procuramos a resposta na posição social da mu-
lher. É no papel de mãe que a mulher é inequivocamente
aceita. É no papel de mãe que ela é aconselhada a ser aten-
ciosa e cuidadosa com seu filho. Quase todas nós cresce-
mos numa época em que o cuidado das crianças era visto
como incumbência das mães. Elas eram vistas como sendo
as únicas que podiam cuidar satisfatoriamente das crian-
ças e formar o vínculo emocional considerado crucial para
um desenvolvimento "saudável". No entanto, apesar de ser
considerado como a figura essencial na vida diária do be-
bê, a mãe não é vista como uma especialista na criação da
criança. Pelo contrário, é estimulada a recorrer à autorida-
de de um imenso leque de especialistas — pediatras, psicó-
logos infantis, analistas, nutricionistas — que lhe dizem
como, quando e o que deve dar ou não como alimento a
seu filho. A maioria dos "peritos" se contradiz na medida
em que a moda na criação de crianças se modifica e as di-
ferentes disciplinas se apressam em adaptar suas teorias às
ideologias dominantes.
Desse modo, por um lado a mãe é aclamada como a
única principal responsável apta para o cargo, mas por ou-
tro lado, é considerada como insuficientemente preparada
para enfrentar esse trabalho e deve assim confiar nas opi-
niões conflitantes dos "peritos". Se é nessas condições que
se torna mãe e começa a cuidar de seu filho, não é de sur-
preender que passe a não confiar em suas próprias reações
aos sinais deste. Alternadamente deificada e desvalorizada,
é difícil para ela sentir-se segura com relação a suas pró-
prias reações. Pode-se perfeitamente imaginar como essa
insegurança é prontamente reforçada ainda mais pelas con-
104
seqüências de um papel materno imposto. Como mãe, terá
uma chance única de imprimir sua marca na formação de
um aspecto de sua vida (através do filho). Isso pode desen-
cadear na mãe sentimentos de prazer, insatisfação, medo,
insegurança, ressentimento ou de entusiasmo que são, em
seguida, expressados através de seu contato com o filho.
O medo que uma mãe tem de ser deficiente pode fazer com
que superalimente automaticamente seu filho toda vez que
ele chora, assim como seu ressentimento por ser sua única
ama pode fazer com que o negligencie. Mas pode existir mais
um fator em causa: quando uma criança chora e expressa
sua angústia e, como imagina a mãe, seu desamparo, ela
pode se ver como o responsável que deve reagir a isso, mas
também é provável que venha a evocar seus próprios senti-
mentos dolorosos de privação da infância. Se nós somos
"mães deficientes", somos também filhas de "mães defi-
cientes", que por sua vez foram também filhas. Se a desfi-
guração prematura da relação de alimentação é atribuível
às forças sociais presentes na relação mãe/filha, então isso
será também verdadeiro para nossas mães enquanto filhas,
e para as mães de nossas mães enquanto filhas. Enquanto
a cultura patriarcal exigir que as mulheres criem suas filhas
para aceitarem uma posição social inferior, o trabalho da
mãe estará carregado de tensão e confusão que, em geral,
se manifestam no modo como mães e filhas interagem com
relação à questão da comida.
A sensação de fome não é, então, o motivo que leva
a comedora compulsiva a comer. Ela não vivência sua ma-
neira de comer como auto-reguladora, mas sim como um
tipo de força externa que a tenta, agrada e trai. Uma vez
com excesso de peso, provavelmente adota uma postura que
diz que não está autorizada a comer, como se à gordura res-
tassem somente desculpas, ou como se as pessoas gordas
só tivessem o direito de existir se não comessem. Os gordos
entram numa categoria que está bem à parte do resto da
população. Embora os anunciantes nos seduzam para co-
mer cada vez mais, as colunas de dieta, os médicos, as re-
vistas de moda e os amigos aconselham aos que têm excesso
105
de peso a restringir seu consumo alimentar. Mas dizer a uma
comedora compulsiva para controlar algo que ela sente não
poder controlar produz o efeito de fazê-la sentir-se impo-
tente e culpada; impotente por ser aparentemente tão inca-
paz, e culpada por qualquer coisa que coma. Esta culpa
dificulta mais ainda a descoberta daquilo que gostaria de
comer, porque fica com a idéia fixa naquilo que deve ou
não deve comer. A comida é algo a ser temida, e comer equi-
vale a cometer um pecado, pois a pessoa se sente extrema-
mente não merecedora e sem direito algum. O ato de comer
se dará rapidamente e quase sempre de modo furtivo.
A vivência da comedora compulsiva está contida em
um dos seguintes casos:

1 — A COMIDA COMO ACONTECIMENTO SOCIAL: "Nunca


sinto fome na hora do jantar, mas gosto que todos comam
juntos porque assim parece que formamos uma família fe-
liz. A hora das refeições é significativa não pela comida,
mas pela aparência de união familiar."
2 — A FOME DA BOCA: "Realmente preciso colocar algo
na boca apesar de não estar sentindo fome no estômago."
3 — COMER PROFILATICAMENTE: "Não estou com fome
no momento, mas talvez sinta fome daqui a umas duas ho-
ras e não consiga arranjar nada para comer, então é me-
lhor comer alguma coisa agora."
4 — A COMIDA MERECIDA: "Tive um dia terrível. Acho
que posso me alegrar um pouco com um bom lanche."
5 — O PRAZER GARANTIDO: "Comer guloseimas é a úni-
ca maneira que tenho de dar a mim mesma um verdadeiro
prazer. O único que sei me dar."
6 — COMER POR NERVOSISMO: "Simplesmente tenho que
comer alguma coisa. Com o que vou me empanturrar?"
7 — COMER PARA COMEMORAR ALGO: "Tive um dia tão
incrível que um saco de batatas fritas provavelmente não
me fará mal."

106
8 — COMER POR TÉDIO: "Não estou com vontade de fa-
zer nada no momento... Vou preparar um bom sanduíche."

Na dieta por compulsão também não existe resposta


à fome fisiológica. A pessoa que faz a dieta come em fun-
ção de um conjunto de regras que diz quais as comidas per-
mitidas e as proibidas; come em horários fixos e com pouca
consideração por aquilo que seu corpo quer e quando quer.
Trabalhamos partindo da premissa de que as comedo-
ras compulsivas realmente não se permitem comer, e con-
seqüentemente estão ou se empanturrando ou se privando.
Toda vez que uma comedora compulsiva começa uma die-
ta está dizendo a si mesma que há algo de errado consigo,
portanto precisa se privar. Ela vê seu eu atual como algo
repreensível, então decide punir-se através da negação. Desse
modo, raramente se permite ter o prazer imediato que a co-
mida pode proporcionar. Forma-se um círculo vicioso. Em-
bora possa comer qualquer coisa que esteja a seu alcance
quando não está de dieta, não terá, entretanto, nenhum pra-
zer com a comida por medo de uma privação iminente. "Ho-
je comi vinte biscoitos em dez minutos. Amanhã começarei
uma dieta em que não poderei comer biscoito algum, por
isso tive de comer todos hoje, antes de começar a me tor-
nar boazinha." Ao mesmo tempo, os vinte biscoitos são
também uma revolta contra a sensação de não ter direito
algum e contra a privação.
A síndrome dieta/abuso pode ser rompida pela come-
dora compulsiva quando começar a se ver como uma pes-
soa "normal", e considerar a gordura como nada além de
uma palavra descritiva, sem conotações positivas ou nega-
tivas. Se puder se sentir "normal", poderá então começar
a comer como uma pessoa "normal". Isso significa apren-
der a reconhecer a diferença entre a fome verdadeira e a
fome psicológica e comer de acordo com isso. Significa co-
mer o suficiente para satisfazer a fome e comer qualquer
tipo de comida que satisfaça essa fome específica (seja com
salgadinhos ou com um bife). Afinal de contas, as pessoas
que não têm o problema da compulsão de comer não se pri-

107
vam de comida voluntariamente. Ao observar o modo de
comer das pessoas que não sofrem com relação à comida,
é interessante notar como é variado o leque de comidas que
realmente comem e como seu consumo diário pode estar
em discordância com concepções a respeito de "dietas sau-
dáveis". É importante perceber também que essas pessoas
ocasionalmente comem em excesso por prazer. Já que esse
modo de comer não é um substituto de outras necessida-
des, não possui conotações adicionais. O que estamos ten-
tando eliminar é a compulsão impulsiva a se empanturrar
ou a passar fome, e não estabelecer as quantidades "cer-
tas" do consumo alimentar.
Descobrir o que, quando e quanto você gosta de co-
mer não é tão fácil como parece. Ademais, a pressão das
indústrias da dieta e da moda, que gastam somas de dinheiro
incalculáveis para garantir que as mulheres não decidam por
si mesmas o que gostariam de comer ou vestir, reforça a
idéia de que a comedora compulsiva é irresponsável, não
tem controle, é negligente e odienta.
Em nível psicológico, a vivência das dores da fome pode
ser muito assustadora. Parte desse medo vem da ansiedade
com relação à própria capacidade de poder satisfazer a fo-
me física. "Se não estou me empanturrando ou passando
fome, o que devo fazer? Como vou saber a quantidade certa
do que comer? Talvez nunca queira parar."
Um outro fator que causa medo está relacionado ao
desafio do conceito da "mulher-criança". Pois, se você pode
reagir aos sinais da fome que seu corpo realmente transmi-
te, isto a coloca numa situação onde você provavelmente
poderá se satisfazer e começar a entrar em harmonia com
seu corpo. A idéia de ser capaz de cuidar de si mesma faz
com que você comece a ver a mulher como um adulto, com
os direitos e os privilégios que os outros adultos (os de sexo
masculino) possuem. Isto significa levar a sério suas pró-
prias necessidades e esforçar-se para satisfazê-las. A mu-
lher é criada para concordar e satisfazer as necessidades dos
outros. A luta para se conseguir saber aquilo que você quer
ou precisa comer modifica suas reações com relação às ne-

108
cessidades dos outros. Na medida em que você começa a
acreditar na sua capacidade de se alimentar, encontra um
solo firme para se posicionar com mais clareza com rela-
ção às necessidades dos outros. "Se posso cuidar de minha
própria alimentação, e dizer 'sim' ou 'não' àquilo que que-
ro ou não, poderei então manifestar, para mim mesma e
para os outros, desejos em outras áreas e me sentirei mais
responsável por outros setores de minha vida." Ser capaz
de agir de acordo com as próprias necessidades, é uma ex-
periência inusitada e tremendamente negada à mulher em
nossa cultura.
Quando a comedora compulsiva se imagina como uma
mulher adulta magra, estado em que supõe que tudo em
sua vida entrará nos eixos, ela tem de se adaptar a uma ima-
gem de feminilidade, em vez de sentir confiança em quem
ela é. Embora se trate de uma fantasia, é, no entanto, uma
idéia forte e assustadora: "Se sou magra e me pareço com
uma mulher 'verdadeira', então tenho que ser produtiva,
enérgica, inteira e afetuosa." A luta para se conseguir ser
mulher e autodefinida é dura e recebe pouco apoio para que
possa expressar a verdadeira condição da mulher como pes-
soa.
Em nosso trabalho passamos muito tempo revelando
e desmistificando as inúmeras fantasias associadas à gor-
dura e à magreza. Ao mesmo tempo, trabalhamos juntas
o lado técnico, aprendendo novas maneiras de encarar a co-
mida e a fome. As etapas aqui esboçadas começam com a
idéia de que não iremos julgar coisa alguma que possamos
vir a comer. Para ser mais precisa, iremos observar nossa
maneira de comer. Aprender a não julgar aquilo que se co-
me não é muito fácil. Os anos gastos no esforço de seguir
as regras não desaparecem rapidamente. Observar um la-
do do eu que foi inúmeras vezes rejeitado exige uma gran-
de dose de auto-aceitação. Desligar-se de seus juizes — mães,
revistas femininas, maridos, namorados, amigos, médicos
e nutricionistas — exige a confiança no próprio eu. Estar
num grupo com outras mulheres que estão passando pelo
mesmo processo pode ser algo de muita ajuda e apoio.

109
O primeiro passo é aprender sobre seus padrões alimen-
tares. Isto quer dizer, localizar com precisão os momentos
em que você se sente especialmente vulnerável às tentações
da comida, e reparar em todas as ocasiões em que está tran-
qüila com relação a ela. Através da anotação de seu consu-
mo alimentar durante um pequeno período você estará tanto
colhendo dados, com também desenvolvendo um senso de
si mesma enquanto observadora. Nesta condição, você po-
derá começar a ver que existe uma parte sua que come e
outra que faz outras coisas, como observar. Terá então se
libertado da idéia de se ver como uma pessoa obcecada por
comida. Você estará pronta para passar a ser uma pessoa
"normal" que age como uma pessoa "normal".
Agora vamos ao segundo passo. Passamos da obser-
vação à ação. Em primeiro lugar começamos a identificar
a diferença entre a fome da boca e a fome do estômago.
Experimente ficar sem comer por algumas horas até que sin-
ta algumas sensações de fome em seu corpo. É bem prová-
vel que as sinta no estômago, embora algumas pessoas as
sintam no peito ou na garganta. Quando sentir a diferença
entre os dois tipos de fome, veja como se sente por alguns
minutos. É algo tranqüilizador, ou é assustador? Você as-
socia lembranças agradáveis ou desagradáveis a isso? Ge-
ralmente os primeiros sentimentos percebidos a partir da
fome do estômago produzirão associações dolorosas que vo-
cê sentirá necessidade de examinar com o grupo, ou sozi-
nha. Mimi, uma mulher com a qual trabalhamos, descobriu
que quando se permitia sentir as dores da fome, entrava em
contato com toda uma outra série de emoções corporais que
havia conseguido esconder de si mesma com êxito. Sentia
sua sexualidade. Tais sentimentos sexuais faziam-na sentir-se
muito mal, porque havia chegado ao ponto de ver a sexua-
lidade como algo pecaminoso, ou não condizente consigo
mesma. Ao conversar sobre o que isso podia significar ela
conseguiu separar as dores da fome, da sexualidade gera-
dora de culpa. Uma outra mulher, Betty, lembrou-se de que
na infância havia passado fome, numa época em que não
havia comida suficiente na mesa. E Marta, que era obriga-

110
da pela família a comer, descobriu que as sensações de fo-
me expressavam uma capitulação à conjuntura alimentar
desta. O processo de trabalho com esses casos foi enrique-
cido com uma compreensão feminista dos problemas espe-
cíficos que cada uma delas expressava. Por exemplo, ao
examinar a resposta de Mimi a seus sentimentos ligados à
sexualidade, investigamos a razão e o modo pelo qual ela
aprendeu que o sexo era pecado tanto para si, quanto para
as outras mulheres. Ao examinar a fome de Betty em sua
infância, trouxemos para primeiro plano o penoso destino
das mães que se privam quando não há comida suficiente,
e encorajam seus filhos a comer. Betty descobriu que na
verdade se negava mais do que o necessário, através de uma
identificação com a mãe por ocasião da reunião da família
à hora das refeições. Ser mulher significava se autonegar.
A capitulação de Marta à mesa refletia uma ambivalência
com relação a sua separação da família, dificuldade espe-
cialmente acentuada para as mulheres que tradicionalmen-
te deixam a família ao se casar. Perceber como tais fatos
estão relacionados pode ser um modo de se obter pistas úteis
para se chegar às raízes de sua própria história com relação
à comida. Em última instância, quando você tiver aprendi-
do a dar a seu corpo exatamente o que ele quer, poderá ser
capaz de aguardar com prazer as dores da fome, porque
isso será um aviso de que seu corpo está pedindo uma coisa
gostosa.
O próximo passo é comer, o máximo que for possível,
somente quando sentir fome de estômago. Não se preocu-
pe muito com isso no início, porque é inevitável que qual-
quer pessoa que tenha uma história de compulsão de comer,
ocasionalmente coma por fome de boca. Mas tente come-
çar a ver seu corpo como um instrumento bem afinado que
gosta de ser tratado com carinho. Quando está com muita
fome, é provável que queira bastante comida; quando a fo-
me é leve, vai querer menos. De acordo com isso, tendo
aprendido sobre a fome do estômago, tente determinar exa-
tamente que tipo de comida ou líquido seu corpo está pe-
dindo. Isto é, uma vez tendo sentido as dores da fome, tente
111
imaginar que tipo de comida(s) poderá satisfazer essa fo-
me específica. Às vezes será muito fácil, e você saberá de
imediato o que está querendo, mas, em geral, principalmente
em virtude dos anos de "devo e não devo" e de regimes,
você poderá não saber e, nesse caso, talvez sinta que um
rápido exercício de imaginação seja de grande auxílio. Fe-
che os olhos e pergunte a si mesma: "Que tipo de sensação
física estou tendo e qual a melhor maneira de satisfazê-la?
Será que estou querendo alguma coisa torradinha, salga-
da, puxa-puxa, molhada, doce? Certo, quero umas bata-
tas fritas. Vou imaginar que estou comendo algumas. Não,
não é isso. Que tal um pouco de chocolate...?"
Desse modo, antes de comer o alimento você prova-
velmente já terá imaginado o que irá sentir quando ele for
ingerido. Sinta a sopa descer pela garganta, mastigue as no-
zes, sinta o cheiro do pão fresco na sua imaginação. En-
contre as comidas que estejam de acordo com seu estado
de espírito e coma-as. Coma a quantidade que seu corpo
está pedindo. Saboreie realmente cada bocado. Deleite-se.
É muito freqüente não aparecer comida alguma com
clareza e isso pode significar duas coisas. Você estará com
fome, mas não consegue descobrir exatamente o que tem
vontade de comer. Coma um pouco de algo de que gosta
e espere até conseguir receber uma mensagem mais nítida.
Você talvez tenha deixado a fome crescer tanto que seu es-
tômago está dando pulos e não sabe como ser acalmado.
Em outras ocasiões é provável que você não esteja com fo-
me de comida e será importante "alimentar-se", mais ade-
quadamente, com um abraço, um choro, um banho, uma
conversa ao telefone, ou uma corrida. Se o que você está
querendo é uma outra coisa, a comida não satisfará seu de-
sejo original. No máximo poderá dar um alívio temporário
com relação a sentimentos que estão querendo se insinuar.
O mais perturbador é que comer nessas ocasiões serve para
mascarar outras vontades e afasta você ainda mais da ca-
pacidade de cuidar de si mesma. Localize qual a necessida-
de emocional que você está pedindo para a comida satisfazer
por você e pergunte-se se, de fato, isso funciona. No mo-
112
mento em que você descobrir como esse funcionamento é
insatisfatório, comece a pensar em maneiras alternativas de
lidar com suas necessidades. Se você está acostumado a co-
mer compulsivamente em épocas de muitos transtornos, será
reconfortante saber que pode se alimentar de acordo com
a fome e deixar um espaço para preencher a angústia. Co-
mo diz Carol Bloom em seu manual de treinamentos5: "A
maioria dos comedores compulsivos aumenta seu consumo
não-nutritivo durante épocas de stress, o que, freqüentemen-
te, faz com que se sintam muito pior. Não comer durante
esse período (quando você não quer) reforçará mais uma
vez a mensagem 'Eu posso cuidar de mim, posso dar a mim
o apoio de que preciso'. É um modo de não abandonar a
si mesmo quando as coisas ficam difíceis."
Para muitas pessoas certas comidas têm significados
especiais e estão associados a determinados estados de es-
pírito e lembranças. Alguns gostam dos efeitos tranqüili-
zadores da sopa quando estão se sentindo tensos, de
cenouras quando estão com raiva, ou de suco, quando es-
tão se sentindo com energia. Embora não esteja sugerindo
que você desabafe sua raiva numa cenoura, em vez de ex-
pressá-la em outro lugar, a comida pode, não obstante, ex-
pressar alguma coisa. A questão principal é que você se deixe
mimar pela comida, que faça com que cada sensação do
comer seja uma sensação agradável, que veja sua fome de
estômago como um sinal para um próximo deleite. Não se
preocupe com horários de refeições ou com refeições equi-
libradas. Nós não acreditamos em comidas boas ou más.
Acreditamos que nossos corpos podem nos dizer o que co-
mer, como conseguir um consumo alimentar equilibrado em
termos nutricionais, e como emagrecer. O corpo é um sis-
tema auto-regulador, se for deixado livre para funcionar.
Não estamos preocupados com o valor das calorias e dos
carboidratos. Tome uma pílula de um composto vitamíni-
co todos os dias, até sentir que seu corpo é tão auto-regula-
dor como afirmamos que pode ser.
Certamente tais propostas — coma quando sentir fo-
me, coma o quanto quiser — podem parecer um novo con-

113
junto de regras a serem seguidas. Em certo sentido isso é
verdade. Mas nós as vemos mais como diretrizes de grande
auxílio destinadas a fazer com que você confie em seus pro-
cessos corporais, fazendo com que elas não sejam sentidas
como obrigações, mas como orientações, até que você pas-
se a sentir total confiança em si mesma. Em certo sentido,
as etapas esboçadas acima não são mais do que uma des-
crição detalhada do que se passa com quem come "normal-
mente".
Prestar atenção nos detalhes do modo de comer é um
primeiro passo em direção a uma relação "normal" com
a comida. Do mesmo modo que se pode dizer "sim" a uma
determinada comida, existe também a possibilidade de se
dizer "não" a certas outras, em outras ocasiões. Dizer
"não" é um grande meio para se chegar à autodefinição,
mas pressupõe a capacidade de poder dizer "sim" de um
modo saudável e sem culpa.
Algumas sugestões a mais para desmistificar a comida
podem ser úteis. Experimente deixar um pouco de tudo o
que você comer ou beber no prato, xícara ou copo. Isto tem
dois objetivos. Por um lado, fará com que você tenha mais
controle sobre a comida e reduzirá a sensação de insaciabi-
lidade; e, por outro, permitirá que você rejeite a comida.
Na medida em que se sentir mais à vontade, poderá definir
com precisão a quantidade de comida que deseja. Este exer-
cício ajudou Elizabeth, 38 anos, mãe de três filhos e que
foi criada na Inglaterra durante a Segunda Guerra Mun-
dial. Ajudou-a a romper com um padrão que ela havia for-
mado no passado quando tentava deixar alguma coisa no
prato. Lembrava-se da imagem da mãe, de pé a seu lado
dizendo-lhe para não deixar nem uma migalha porque os
soldados haviam arriscado as vidas tentando arranjar co-
mida para ela. A comida era racionada, as guloseimas ra-
ras, e Elizabeth tinha sempre a impressão de não saber
quando comeria novamente.
Experimente abastecer sua casa com as "comidas más",
aquelas que lhe atraem e dão medo. Uma mulher com a qual
trabalhei foi convencida a manter ingredientes suficientes
114
para setenta e cinco sundaes, com todos os acompanhamen-
tos. Quando lhe disseram pela primeira vez para encher a
geladeira com sorvete, caldas, castanhas e cremes ela ex-
clamou: "Mas assim vou comer tudo!" A idéia lhe parecia
extremamente pecaminosa. Alguém mostrou-lhe que, se
mantivesse provisões suficientes para um pequeno exército
e pudesse provar a si mesma que não ia querer consumir
tudo de uma só vez, iria se sentir com muito mais poder
e com mais controle sobre a comida. Aprendeu a gostar do
sorvete e a tratá-lo como a um amigo que se visita quando
se quer, em vez de vê-lo como um inimigo a ser conquista-
do. Teve também todo o cuidado em ter sempre o bastante
de sua marca e sabor favoritos. Se você realmente está com
vontade de tomar sorvete de café, a calda de chocolate que
está na geladeira passa a ser um substituto medíocre. Vale
mais a pena sair para comprar exatamente aquilo que se
quer, do que simplesmente comer qualquer coisa que este-
ja por perto.
As únicas restrições a esse plano encontram-se no ter-
reno econômico. É triste sentir um forte desejo de comer
um bom salmão defumado quando seu bolso só dá para
comprar algo mais barato. Mas pense realmente no seguin-
te. Quanto dinheiro você costumava gastar com comidas
dietéticas, livros de dieta e com os abusos?
Nos grupos fazemos um jogo que ajuda a pôr em evi-
dência determinadas comidas e a acabar com a idéia de que
é perigoso ter comidas gostosas em casa. Imaginamos que
temos um quarto especial repleto com nossas comidas fa-
voritas, e vemos como seria a sensação de estar cercado por
todas essas maravilhosas possibilidades para o paladar. Em
nossa imaginação vemos como seria esta sensação. É recon-
fortante ou assustador ter todas essas delícias na palma da
mão? Quando a maior parte das pessoas tem o vislumbre
inicial, ficam nervosas. "Nunca sairei de lá! Ficarei sem-
pre comendo!" Mas, depois de um ou dois minutos com
a fantasia, descobrimos que as pessoas se sentem seguras
e protegidas com toda aquela comida ao redor. Descobrem
até mesmo que têm outras coisas a fazer, do que preparar e
115
comer a comida. Se a comida está lá, se sabem que nunca
mais irão se privar dela através das próprias mãos, pode-
rão então começar a tratar dos assuntos da vida e começar
a comer para viver, em vez de viver para comer.
Todo o trabalho que você fizer para definir a fome e
para aprender a satisfazê-la pode ser acompanhado por um
exame dos problemas psicológicos que prejudicam sua ca-
pacidade de satisfazer suas necessidades alimentares. Por
exemplo, se você tem dificuldade em permitir-se sentir fo-
me facilmente, fique atenta tanto às sensações físicas de seu
corpo, como também aos fatores psicológicos que a impe-
dem de ouvir o que ele está pedindo. Os problemas psico-
lógicos vão desde as dúvidas com relação a sua capacidade
de nutrir-se e do que isso significa, até o fato de querer sa-
ber quem detém o poder que está sendo ameaçado, se você
passa a cuidar de si. Uma mulher descobriu que, na medi-
da em que começou a levar suas necessidades a sério e a
saber exatamente quais eram, partiu para o questionamen-
to de seu papel na família, que era o de cuidar das necessi-
dades de todos os outros e de ignorar as suas próprias.
Colocar-se em primeiro lugar no setor da comida foi no iní-
cio problemático. Tinha a impressão de estar abandonan-
do os filhos. Descobriu depois que, na medida em que se
permitia comer o que queria, a família inteira tornou-se mais
independente nesse setor. A hora das refeições transfor-
mou-se num ato bem menos tenso. Cada membro da famí-
lia entrava na cozinha para fazer algo que queria, e apesar
de haver um certo caos enquanto todos faziam experiên-
cias e bagunça lá dentro, no final cada um conseguiu defi-
nir-se melhor a respeito de seu consumo alimentar e, como
aconteceu mais tarde, assumiu maior responsabilidade em
outras áreas do trabalho doméstico.
Algumas pessoas descobrirão que, na medida em que
começarem a se sentir menos viciadas na comida em geral,
certos alimentos continuarão a possuir propriedades "má-
gicas". Uma mulher de quem tratei comia doces intermi-
tentemente o dia inteiro enquanto trabalhava. Descobrimos
que seu consumo de doces estava ligado à tentativa de tor-
116
nar-se uma pessoa doce, tornar-se "boazinha" quando, na
verdade, estava sentindo muita raiva. Apenas achava que
"As mulheres não devem se zangar; não fica bem. É me-
lhor que me torne doce e suave." O que acontecia é que
sentia raiva toda vez que seu patrão a tratava de um modo
abertamente humilhante. Apesar de ser paga para fazer pes-
quisa, esperava-se também que se dispusesse a "servir". Es-
perava-se que fizesse o café e as honras da casa aos inúmeros
clientes do sexo masculino que iam ao escritório. Tais ex-
pectativas eram exemplos da desigualdade sexual que tem
lugar com tanta freqüência em escritórios e ela, como mui-
tas outras mulheres, ficava conflituada e sentia raiva quando
era "feminilizada" daquela maneira. No grupo fizemos um
trabalho de dramatização para torná-la mais incisiva com
seu patrão e discutir com ele outras alternativas para o pre-
paro do café. Quando alcançou uma posição mais igualitá-
ria no trabalho, não sentiu mais tanta necessidade de
entupir-se de doces furtivamente. Isso não quer dizer que
sua raiva tenha desaparecido. É inevitável que haja atritos
enquanto existirem patrões, mas a raiva foi reconhecida e
validada em si mesma pelo grupo, e então separada da ação
de comer.
De tudo que disse é importante lembrar que nosso ob-
jetivo não é, em primeiro lugar, a perda de peso. O objeti-
vo é fazer com que a comedora compulsiva rompa o vício
que a torna dependente da comida. Embora a perda de pe-
so seja geralmente um sinal importante de que o vício ter-
minou, nosso principal interesse é que você comece a
sentir-se mais tranqüila com relação à comida. Não é uma
coisa que se deva forçar. O problema que procuramos re-
solver é o do vício da comida. A obsessão prolongada com
relação à perda ou ganho de peso obstrui o processo de se
aprender a gostar da comida e de comer aquilo que seu corpo
está pedindo. Apesar deste processo não ser um atalho má-
gico, sua filosofia proporciona uma base para que possa-
mos ter uma relação mais descontraída e natural com a
comida e com nossos corpos.

117
Auto-ajuda
Se você se considera uma comedora compulsiva, as chan-
ces são de que conheça outras mulheres na mesma situa-
ção. Na verdade, é provável que você tenha feito dietas,
jejuns ou abusado junto com as amigas, embora a compul-
são de comer seja sentida como uma atividade solitária e
até mesmo masturbatória. As mulheres que sofrem do pro-
blema da compulsão de comer tendem a procurar outras
que demonstrem compaixão e compreensão por elas, e a ver-
dade é que as únicas pessoas que podem realmente sentir
isso são as que têm o mesmo problema. Se você não se sen-
te próxima de alguém que tenha esse mesmo problema, co-
loque um aviso na sua universidade, centro comunitário ou
centro feminino, para poder entrar em contato com outras
pessoas que eventualmente estejam interessadas em formar
um grupo de auto-ajuda. Se você está relutante em traba-
lhar em grupo, os exercícios apresentados podem ser feitos
facilmente só por você. No entanto, acho sinceramente que
você deve procurar trabalhar em grupo pelas razões que se-
rão detalhadas abaixo.
Existem várias razões para se trabalhar o problema em
grupo. Algumas práticas e outras relacionadas à natureza
do próprio problema. Em termos práticos, não há pessoal
suficiente fazendo esse tipo de trabalho que satisfaça a pro-
cura e o interesse por uma terapia individual que lide com
o problema da compulsão de comer. Na medida em que as
pessoas que tiveram o problema e passaram pela terapia co-
meçarem a iniciar um trabalho com outras, haverá mais op-
ções para aquelas que preferem um esquema individual. No
momento, porém, gostaria de esboçar as vantagens do tra-
balho em grupo e propor um modelo para um grupo de au-
to-ajuda.
Para aquelas que não tiveram amizades solidificadas
em cima das mesmas obsessões alimentares, encontrar-se
com pessoas que compartilhem do mesmo problema pode
vir a ser um imenso alívio. Poder encontrar e conversar com
outras mulheres sobre esse problema pode ajudar a aliviar
118
aquelas horríveis sensações de ser um monstro isolado e um
fracasso. Mesmo para aquelas que já tiveram conversas in-
termináveis com as amigas sobre obsessões alimçntares, é
provável que os primeiros bate-papos se tenham limitado
exclusivamente a assuntos ligados a dietas ou a alimentos
dietéticos. Juntar-se a outras mulheres para examinar ex-
plicitamente sua relação com a gordura e a magreza pode
vir a ser uma experiência reconfortante e que transmite se-
gurança. Para algumas mulheres é como se estivessem des-
pindo a fantasia. Pode ser especialmente o caso daquelas
que conseguiram dar um jeito de manter seu peso dentro
da norma cultural, para que ninguém percebesse seu pro-
blema. Para outras, há o alívio de ter um ambiente onde
existem apoio e espaço para extravasar o tormento e a dor
ligados a uma vida que gira em torno da comida. Não pre-
cisam inventar desculpas para seu tamanho, ou para sua ob-
sessão com a comida, têm a oportunidade de ser sinceras
com relação às penosas estimativas que fazem todas as ve-
zes em que colocam alguma coisa na boca, e com relação
ao terror que sentem todas as manhãs ao imaginar se aque-
le será um "dia bom" ou um "dia mau". Não precisam
fingir que comem como passarinhos. Têm a chance, possi-
velmente, pela primeira vez na vida, de discutir abertamente
sobre seu modo de comer e examinar os sentimentos com-
plexos que têm com relação a seus corpos. Para todas, no
grupo, este é possivelmente o primeiro lugar em que já es-
tiveram onde não precisam desculpar-se por existirem. Aci-
ma de tudo, o grupo oferece ajuda para se superar um
problema que pode parecer impossível de se resolver sozinha.
Além de romper o isolamento há muitas outras manei-
ras através das quais a solução em grupo pode ser benéfi-
ca. Dentro do grupo todos têm o mesmo problema e por
isso, apesar de ser a compulsão de comer a razão que leva
as pessoas a se unir, por meio dessa reunião, o grupo pode
fornecer um meio de realizar uma mudança na auto-defi-
nição de cada membro. O que quero dizer com isso é que
por estarmos em um grupo que nos aceita na qualidade de
comedora compulsiva, podemos ultrapassar uma limitada
119
concepção do eu enquanto comedor a compulsiva. Na me-
dida em que se conseguem ver outras comedoras compulsi-
vas ou mulheres gordas com outros atributos que não a
gordura, e se consegue perceber que a gordura não tem na-
da a ver com valores, tais como beleza, criatividade, ener-
gia ou solicitude, estes mesmos valores poderão começar a
ser vistos na própria pessoa.
Por exemplo, quando o membro do grupo, Joy, pode
ver um outro membro, Mary, como uma mulher gentil, ágil
e firme, pode então olhar mais além de sua auto-definição
de pessoa gorda e ver que também tem qualidades adicio-
nais. Pode então começar a ampliar sua visão da gordura
para que esta não desencadeie automaticamente uma res-
posta de repulsa ou rejeição. A gordura poderá então ser
vista como um entre vários adjetivos que se podem agregar
a outros adjetivos — belo, gracioso, horrível, medonho, edu-
cado, agradável ou generoso. A gordura é vista simplesmente
como uma parte de si mesma, e não como a única caracte-
rística que define a pessoa. As pessoas são mais do que qual-
quer uma de suas partes ou mesmo do que a soma de todas
as suas partes. Se você se concentra em sua barriga grande,
você é, apesar disso, mais do que uma barriga grande. No
entanto, se você foi definida pelos outros ou definiu-se a
si mesma somente como alguém que possui um tamanho
específico — e esta definição teve conotações negativas, co-
mo se dá com o adjetivo "gordura" — então será difícil
que essa parte não pareça estar dominando. É fundamen-
tal que se amplie a definição do eu para que inclua outras
propriedades além da gordura. Isso porque, no momento
de se abandonar a gordura, você não estará jogando fora
toda a sua pessoa (o que é um medo conhecido), porque
você é mais do que a gordura. Joan achava que a gordura
era a única coisa totalmente sua que tinha na vida. Apega-
va-se tenazmente a seu peso excessivo temendo que se o per-
desse, se abandonasse sua gordura, perderia a própria
essência. O grupo foi extremamente importante para ela,
porque foi forçada a se ver através dos olhos dos outros
— outros que aceitavam seu tamanho e buscavam caracte-
120
rísticas adicionais para defini-la. Reconhecer a singularidade
dos outros membros do grupo, a configuração especial de
suas personalidades, que os fazia ser o que eram. Pôde ver
como tais características eram conservadas através das va-
riações de peso no decorrer da terapia, e pôde assim perce-
ber sua própria singularidade e individualidade essenciais,
que não estavam alicerçadas em sua gordura.
Além disso, o grupo desempenha outras importantes
funções. A gordura transmite mensagens ao mundo exter-
no. Por exemplo, quando discutem sobre o comportamen-
to assertivo, muitas mulheres não sabem dizer um "sim"
ou um "não" categóricos. Têm a fantasia de que a gordu-
ra está fazendo isso por elas. No contexto do grupo, onde
a gordura de cada uma assume um significado diferente,
fica perfeitamente demonstrado que fazer com que a gor-
dura fale por você não passa necessariamente a mensagem.
Certamente, também no caso de um comportamento não
assertivo fora do grupo, raramente a gordura consegue de-
sempenhar o trabalho que se supõe que deva, não obstante
a fantasia persista. Dentro do grupo a pessoa pode não só
começar a se expressar de um modo mais categórico, como
tem de fazê-lo. Se não for claramente formulado o signifi-
cado mágico da gordura de cada uma, nunca desaparecerá
a fantasia. Os membros do grupo podem apoiar-se mutua-
mente no esforço de fazer a troca — você tem um fórum
para usar sua boca para falar e dizer o que quer, sente ou
pensa, em vez de continuar na esperança de que a gordura
faça isso por você. Correr riscos dessa natureza geralmente
é mais fácil em grupo. Os membros do grupo que se sen-
tem especialmente não assertivos podem usá-lo para expe-
rimentar meios de se afirmar. O grupo pode proporcionar
um feedback preciso e estímulo. No trabalho individual o
feedback ficaria necessariamente limitado.
Ao falar sobre imagens ligadas à magreza, algumas mu-
lheres expressam fantasias do tipo: "Quando for magra serei
competente, atraente, inteira, terei bons relacionamentos...
serei perfeita." Os membros do grupo podem se ajudar mu-
tuamente a contestar expectativas tão irreais como essas —
121
podem demonstrar, a partir de sua própria história passa-
da, que houve ocasiões em que estiveram magras e que a
vida não era uma maravilha, e nem era fácil o tempo todo.
Isso poderá então ajudar a que as outras abram mão de no-
ções de perfeição que se apóiam numa corrida contra si mes-
mas e a qual fatalmente se perde. Mas talvez um fato que
possa ser útil é o de que, provavelmente, os membros do
grupo terão corpos diferentes e que haverá uma ou duas
mulheres que representam o peso ideal das outras. Estas mu-
lheres, as magras por compulsão, por assim dizer, conse-
guiram manter o problema dentro de limites físicos e são
tão magras quanto a cultura exige que as mulheres sejam.
Além disso, descobriram que pelo fato de serem magras as
coisas não decorrem com tranqüilidade em suas vidas, e is-
so pode ser uma lição de extrema utilidade para aquelas que
imaginam que o fato de ser magra significa que tudo está
bem. Emagrecer será então visto simplesmente como ema-
grecer e não como a proclamação de uma transformação
completa da própria vida.
Do mesmo modo como ajuda as mulheres a se redefi-
nirem, o grupo também é valioso porque fornece um meio
franco de se lidar com a própria compulsão de comer. Den-
tro de um grupo de comedoras compulsivas, a atenção está
sempre focalizada naquilo que a gordura ou a magreza es-
tão expressando na vida da pessoa naquele momento, no
seu passado, ou no aqui e agora do grupo. É como se as
funções protetoras da gordura, por terem sido discutidas
e examinadas no grupo, perdessem ali seu poder, e os mem-
bros tivessem de procurar por novos meios de se proteger
sem apoiar-se nela. Isto proporcionará um aprendizado, no
qual os membros do grupo poderão ver que possuem ou-
tros mecanismos de proteção que não a gordura. Essa cons-
tatação torna o abandono da gordura bem menos assus-
tador.
Inevitavelmente, durante a vida do grupo, as pessoas
terão formas físicas diferentes em diferentes ocasiões. Pode-
se notar, desta maneira, que uma pessoa pode emagrecer
e nada de terrível acontecer necessariamente. Por exemplo,

122
Jill e Margot, que tinham formas diferentes, temiam am-
bas sua própria "promiscuidade" caso perdessem peso. No
caso das duas, o período em que ficavam magras era uma
época de intensa atividade sexual. No decorrer da terapia
ambas perceberam quão assustadora haviam sido essas ex-
periências ligadas à magreza/sexualidade e passaram a ver
que antes de emagrecer novamente teriam que garantir a
si mesmas que uma atividade sexual ardente não acompa-
nha necessariamente a magreza. Margot emagreceu muito
em primeiro lugar. Continuou a se assegurar que podia ser
magra sem ter de expressar sua sexualidade enquanto sen-
tisse medo. Enquanto isso, Jill começou a incorporar a se-
xualidade a sua vida para poder abandonar a idéia de que
o sexo estava reservado somente para as épocas em que es-
tava magra, quando se assustava com seu interesse sexual.
Quando Jill percebeu a recém-descoberta seletividade de
Margot sentiu-se muito encorajada. Conseguiu perceber que
não mais havia uma ligação entre sexo e peso dentro de um
modelo de privação/abuso do tipo "muito gorda para tre-
par", ou "magra e promíscua". Jill e Margot então apren-
deram, uma com a outra, importantes lições através de suas
ações. Jill viu que alguém com quem se identificava forte-
mente podia conseguir algo que parecesse ser quase impos-
sível anteriormente — Margot conseguira emagrecer sem se
tornar promíscua. Do mesmo modo, Margot aprendeu com
Jill que era possível ter sexualidade com qualquer peso. Is-
to foi especialmente reconfortante porque Margot queria
engravidar e tinha associado muitos de seus medos relacio-
nados à gravidez e à maternidade à idéia de que não pode-
ria manter relações sexuais nesse estado, porque estaria tão
enorme, que se tornaria indesejável sexualmente. A capa-
cidade de Jill de ter uma vida sexual estando com um peso
muito maior do que ambas haviam pensado ser possível aju-
dou Margot a reformular suas idéias a respeito de sexuali-
dade e forma física. Conseguiu perceber que a forma de Jill
não era um empecilho à sua sexualidade e atratividade, e
encorajou-se com isso.
Outros tipos de ajuda podem surgir do trabalho em gru-

123
po e estes ficarão patentes quando o modelo de auto-ajuda
for detalhado. Neste momento, contudo, gostaria de des-
dobrar algumas propostas que podem ajudar a formação
de um grupo.
Segundo experiência própria, o número de pessoas em
um grupo não deve ser pequeno demais. Um grupo ideal
deveria ter de cinco a oito membros. Já que o grupo leva
algum tempo para estabilizar o número de seus participan-
tes — alguns sempre tendem a abandoná-lo ou a afastar-se
— inicialmente será uma boa idéia formá-lo com um nú-
mero ligeiramente superior ao desejado. Idade, forma físi-
ca ou formação cultural parecem não fazer muita diferença
para o resultado do grupo. É claro que a semelhança ou
diferença desses fatores se expressará através das qualida-
des características e da sensibilidade de qualquer grupo.
É importante que se estabeleça um tempo de duração
para as sessões, que não varie a cada semana. Cerca de duas
horas e meia é um tempo razoável para um grupo de oito
pessoas, ou uma hora e meia no caso de cinco pessoas. E
importante que se preestabeleça o tempo de duração das ses-
sões. Em primeiro lugar, como acontece com qualquer grupo
terapêutico, ficam estabelecidas aquelas horas especiais du-
rante as quais o grupo se concentrará intencionalmente no
problema psicológico que estiver em questão. O horário da
sessão não deve ficar impreciso, porque a questão de defi-
nição — começo e fim — e decisiva para os comedores com-
pulsivos, sob todos os aspectos. Em segundo lugar, se o
horário for claramente definido, provavelmente cada mem-
bro tentará obter do grupo sistematicamente aquilo de que
precisa. Isto reduzirá a sensação de insaciabilidade e insa-
tisfação que os comedores compulsivos sentem. Estas ses-
sões assumirão então um significado maior, já que lhes é
dedicado um tempo especial dentro da rotina diária das coi-
sas. Torna-se a hora da semana que está garantida para a
reflexão e a análise.
É bem provável que todas venham para o grupo com
a expectativa e o desejo de que a participação nele produzi-
rá uma perda de peso fabulosa e instantânea. Embora seja
124
difícil eliminar tais pensamentos, deve-se enfatizar o fato
de que a perda de peso não é a finalidade imediata. O obje-
tivo do grupo é eliminar a relação viciada formada com a
comida, e as diretrizes que se seguem apontam para esse
fim. Ao alcançar esse objetivo, o grupo achará proveitoso
abordar o problema simultaneamente em dois níveis. O pri-
meiro é o da investigação dos significados simbólicos da gor-
dura e da magreza para os indivíduos do grupo. No segundo
nível, trabalhamos novas maneiras de encarar a comida e
a fome. Mas antes de entrar em detalhes sobre os primei-
ros encontros, darei um aparte importante sobre o que en-
tendo por processos psicológicos.
Qualquer sintoma, tal como a compulsão de comer, existe
por uma boa razão. Não produzimos sintomas a não ser que
tenhamos outras vias para expressar a angústia. Não é pru-
dente esforçar-se para eliminá-los, sem que se obtenha uma
introvisão de suas origens e finalidades. Além disso, a não
ser que se criem estratégias alternativas para se lidar, com os
conflitos que os sintomas encobrem, o indivíduo pode sen-
tir-se bastante desamparado. Isto pode acarretar uma situa-
ção perigosa onde, num caso extremo, o indivíduo cria um
novo sintoma. Se simplesmente eliminamos um sintoma, co-
mo a compulsão de comer, estamos não só depreciando-o,
afirmando que se trata de um pouquinho de loucura que pre-
cisa ser extirpada cirurgicamente, como também estamos cor-
rendo o risco — precisamente por conta de sua importância
— de fazer uma "troca de sintomas". Não é muito proveito-
so abandonar a compulsão de comer em uma determinada
semana, e ser atacada por um novo sintoma (como a insô-
nia ou a ansiedade) mais tarde. O que estou tentando dizer
aqui é que é provável que surja ansiedade se uma mulher co-
meça a fazer todo tipo de coisa que imaginou fazer quando
emagrecesse, sem que saiba exatamente o que a incomoda
nessas situações. Sem ter o peso como um apoio pode vir
a sentir-se indefesa e amedrontada. Se não está mais comen-
do para mitigar esses sentimentos e não consegue contê-los,
pode perfeitamente convertê-los em ansiedade. Estou usan-
do a ansiedade aqui para expressar um estado grave de in-

125
quietação e de desamparo, no qual o indivíduo é aparente-
mente incapaz de intervir em benefício próprio.
A ansiedade é uma resposta a um sentimento inaceitá-
vel, amedrontador e esmagador. O indivíduo acha que a an-
siedade, apesar de perturbadora, é mais segura do que o
fato de ter de suportar a emoção ou o acontecimento que
a desencadearam. Por exemplo, Sara tinha um medo tre-
mendo de seus sentimentos de raiva e imaginava que pode-
riam matá-la. Temia que, se se permitisse entrar em contato
com sua raiva por mais de um segundo, esta poderia atin-
gir a família e os amigos e aniquilá-los. Esta fantasia é muito
comum entre as mulheres e deve-se em grande parte ao ta-
bu contra a livre expressão da raiva feminina. Sara passou
então a sentir medo da própria raiva e, em vez de ser capaz
de conviver um pouco com a fantasia, tornou-se ansiosa.
O diagrama abaixo talvez possa explicar melhor o processo.
Quando Sara conseguiu aceitar que o exame de sua fan-
tasia não significava levá-la a cabo — simplesmente por-
que sentia vontade de atacar todo mundo, não era preciso
que o fizesse —, sua ansiedade terminou. Aceitou sua rai-
va, que ia e vinha, e sentiu que a dominava.
Esta digressão sobre a ansiedade ajuda a explicar co-
mo uma rápida negação da compulsão de comer pode acar-
retar a transferência do mesmo sintoma alienado para outro
lugar, a não ser que seja suficientemente investigado e in-
corporado. Sinto, portanto, que devo enfatizar algumas
questões:

UM SENTIMENTO
INACEITÁVEL DE
RAIVA SE INSINUA
EM SARA FANTASIAS DE
INTENSA RAIVA
COM RELAÇÃO
AOS OUTROS SARA FICA
COM MEDO DE
SUA RAIVA

126
1 — O abandono da gordura é um processo gradual que
requer, ao mesmo tempo, um trabalho sobre as emo-
ções.
2 — Os aspectos amedrontadores do abandono da gordu-
ra devem ser encarados.
3 — Devem-se estabelecer modos alternativos de se lidar
com o problema.
4 — Os conflitos relacionados ao modo de comer e ao pe-
so devem ser expostos.

Essas advertências não querem dizer, no entanto, que


seja necessário reestruturar toda a personalidade antes que
o sintoma — tal como o da compulsão de comer — possa
ser eliminado. Sabemos por experiência própria que de acor-
do com o que está escrito acima, a compulsão de comer pode
ser abandonada e que, quando aprendemos a cuidar de nós
mesmas na área de comida, temos como resultado uma enor-
me autoconfiança.
Quando começamos os grupos de auto-ajuda, adota-
mos a seguinte estrutura para o primeiro encontro. O tem-
po é dividido em duas partes, sendo a primeira dedicada
a uma investigação preliminar dos significados simbólicos
da gordura e da magreza para cada mulher individualmen-
te. A segunda parte é dedicada à discussão sobre a comida.
Já que, provavelmente, isto estará acontecendo sem um
líder para o grupo, talvez seja útil que um dos membros
faça com antecedência uma gravação do exercício de ima-
ginação que se segue, para que todos possam participar do
encontro do grupo. Se você resolver gravá-lo, faça boas pau-
sas no lugar das reticências. O exercício inteiro deve levar
cerca de 15 minutos de tempo de leitura. Pede-se aos mem-
bros do grupo que mantenham todas as imagens em suas
mentes durante esse tempo, após o qual compartilharão suas
vivências entre si.

Coloque-se da maneira mais confortável possível... Feche


os olhos... Imagine-se numa festa... Você está engordan-
do. .. Você está bem gorda agora... Qual a sensação?... Pres-
127
te atenção no ambiente... Como se sente com relação a
ele?... Que tipo de festa é essa?... Que tipo de atividades
estão ocorrendo?... Repare se está sentada, de pé, ou an-
dando por ali... O que está vestindo e como se sente com
relação a suas roupas?... O que elas expressam ?... Observe
todos os detalhes da situação... Como está interagindo com
as outras pessoas da festa?... Está só, ou está conversan-
do, dançando, ou comendo com os outros?... Sente-se uma
participante ativa, ou sente-se excluída?... Está tomando
a iniciativa para entrar em contato com os outros, ou são
eles que a estão procurando ?... Veja agora o que essa ' 'gor-
da" que é você está dizendo para as pessoas da festa... Tem
alguma mensagem especifica?... Ser gorda nessa situação
a ajuda de algum modo?... Veja se consegue superar pro-
váveis sensações de repugnância, para poder localizar al-
gum tipo de vantagem em ter essa forma na festa... Imagine
agora que toda a gordura está se soltando e derretendo, e
nessa fantasia você está tão magra como sempre desejou...
Você está na mesma festa... O que está vestindo agora?...
O que essas roupas transmitem a seu respeito?... Como se
sente em seu corpo?... Como está se dando com as pessoas
da festa?... Sente-se mais, ou menos excluída agora?... As
pessoas se aproximam de você, ou é você que está toman-
do a iniciativa?... Que tipo de contato está mantendo com
os outros?... Veja se consegue localizar qualquer coisa as-
sustadora com relação a ser magra na festa... Veja se con-
segue ultrapassar o pensamento de que tudo é incrível, e
reparar se existe algum tipo de dificuldade que possa estar
tendo por estar tão magra... Volte agora a ser gorda na fes-
ta... Agora magra novamente... Fique alternando as duas
imagens e, principalmente, repare nas diferenças... Quan-
do estiver pronta, abra os olhos...

Agora ande pela sala e compartilhe sua fantasia. Descobri-


rá que descrevê-la no tempo presente contribui para inten-
sificar a vivência. Por exemplo, "A minha fantasia é de que
estou numa festa na praia, é um dia de muito calor e estou
usando uma saída de praia atoalhada por cima do maiô,
128
tentando não chamar atenção, sinto-me desajeitada..." Não
se preocupe se as fantasias das outras pessoas forem, ao mes-
mo tempo, muito divergentes e contraditórias; a semelhan-
ça de temas surgirá no devido tempo. Certifique-se de usar
o "eu" para poder dar a cada pessoa espaço para descre-
ver sua vivência em suas próprias palavras. As generaliza-
ções a partir de vivências individuais podem causar atritos
desnecessários, se forem feitas prematuramente. O exercí-
cio introduz de um modo concreto os conceitos esboçados
no livro. Inevitavelmente você descobrirá imensas diferen-
ças na sua auto-imagem gorda e magra. Pode descobrir, por
exemplo que na fantasia em que está gorda, você está sen-
tada batendo um papo com outra pessoa, enquanto na fan-
tasia em que está magra você é uma pessoa extremamente
espirituosa e o único centro das atenções; ou então está so-
zinha, quando gorda, e dançando com todos, quando ma-
gra. As imagens em que está magra talvez correspondam
à concepção popular da magreza discutida anteriormente,
ou a suas próprias vivências como magra. Ao discutir suas
fantasias, tenha em mente o tipo de pessoa que você acha
que deveria ser, ou irá tornar-se, quando estiver magra. De-
pois de permanecer um pouco com a imagem, veja como
ela corresponde à sua personalidade. Você, como magra,
sente-se uma estranha, ou como comentam algumas mulhe-
res, sente-se tão radicalmente diferente de sua auto-imagem,
que chega a achar que possui duas personalidades distintas
— uma gorda e outra magra.
Em nosso grupo, levantamos as seguintes questões, tan-
to no primeiro encontro, como nos subseqüentes, porque
chegam bem ao âmago da questão de como se achar outros
meios de proteção que sejam tão eficazes quanto o peso:

1 — Que aspecto meu, que veio à tona em minha fantasia


como gorda, devo prometer manter comigo quando
for magra?
2 — O que achei de assustador na minha fantasia como
gorda que devo prometer a mim mesma não ter de pôr
em prática quando emagrecer?

129
Maureen, um membro do grupo, em sua fantasia es-
tava sentada com uma outra pessoa quando estava gorda,
e, quando magra, tinha-se tornado uma pessoa extremamen-
te espirituosa. Na medida em que começou a investigar as
características associadas a esses dois estados reparou na se-
gurança e tranqüilidade que sentia enquanto conversava com
a amiga, por oposição ao jeito impulsivo e inseguro quan-
do estava sendo extremamente espirituosa. Através do re-
conhecimento dos fatores negativos associados à magreza,
e das vantagens da gordura, Maureen percebeu que para
conseguir emagrecer de um modo permanente, teria de acei-
tar a possibilidade de que ela, magra, poderia não brilhar,
necessariamente, o tempo todo. Viu que sua concepção da
magreza, embora fosse superficialmente agradável e com-
pensadora, discordava muito da visão de seu eu como gor-
da, e que a perda de peso não significava uma mudança total
de personalidade. E isso nem era possível ou desejável. Ter
de brilhar o tempo todo para alguém que aprecia uma con-
versa descontraída é algo não realista. É precisamente esse
conceito de um eu modificado que traz o peso de volta, por-
que é extremamente estressante tentar ser alguém totalmente
diferente quando magra. Assim, Maureen teve de prome-
ter a si mesma que, se tinha de perder peso, não tinha tam-
bém de perder aquele seu lado que apreciava um bate-papo
descontraído. Teve de levar em conta a possibilidade de que
sua vontade de conversar, por exemplo, não era um atri-
buto da gordura, mas um aspecto de sua personalidade. Do
mesmo modo, teve de levar em conta que seu lado que queria
ser uma pessoa extremamente espirituosa não tinha de es-
perar para aparecer somente quando estivesse magra. O ex-
cesso de peso não impossibilita ninguém de ser "a estrela".
Não significa que se tenha de ficar nos bastidores esperan-
do que a magreza nos traga ao palco.
Usei o exemplo de Maureen por dois motivos: não só
em virtude da freqüência com que aparece, como também
para definir o tipo de questionamento a ser seguido. Ob-
viamente, nem todas se irão deparar com uma nítida dis-
crepância entre as duas auto-imagens, como gorda e magra,
130
num primeiro encontro. O exercício de imaginação forne-
ce um meio para que a comedora compulsiva enriqueça sua
visão a respeito do significado da gordura e da magreza para
si mesma. Em seguida, podemos começar a nos perguntar
que tipos de expectativas irreais estão ligadas à magreza,
e o que imaginamos ter de abrir mão quando formos ma-
gras. Tais questões são precisamente as que precisam ser
continuamente levantadas no grupo, e que ajudam a desen-
volver uma auto-imagem que não varie com a forma física.
Depois que todas tiverem compartilhado suas fanta-
sias e talvez visto as ameaças que sentem em comum, pas-
samos a examinar o trabalho prático do grupo com relação
a maneiras de encarar a comida e a fome. Fazemos mais
uma viagem-fantasia de 15 minutos, que tem como objeti-
vo realçar os sentimentos atuais relativos à comida e, ao
mesmo tempo, propor novas alternativas. Grave-o numa
fita ou peça para que alguém o leia, enquanto o grupo se
coloca o mais confortavelmente possível:

Feche os olhos... Gostaria que você imaginasse agora que


está em sua cozinha... Olhe em sua volta e anote toda a co-
mida que há por lá... na geladeira... nos armários... na la-
ta de biscoitos... no freezer... Provavelmente não é difícil
formar uma imagem completa porque você, sem dúvida,
sabe onde estão todas as coisas, como guloseimas ou comi-
das dietéticas... Olhe em volta e veja que efeito isso produz
em você... Causa dor ver como são patéticas as comidas
que estão lá, que você mantém lá, ou se permite comer?...
Veja o que sua cozinha diz a seu respeito... Vá agora a seu
supermercado favorito, ou shopping, ou a algum lugar on-
de haja uma grande variedade de lojas sob um mesmo teto
— quitanda, açougue, loja de doces, leiteria, padaria, ro-
tisserie — e gostaria que imaginasse que tem uma quanti-
dade ilimitada de dinheiro para gastar... Pegue uns dois
carrinhos de supermercado e encha-os com suas comidas
favoritas... Vá e venha pelos corredores, ou de balcão em
balcão, e selecione cuidadosamente as comidas mais apeti-
tosas... não faça economia... se gosta de torta de queijo,

131
leve várias, o suficiente para sentir que não há como comer
tudo de uma só vez ... certifique-se de levar exatamente aque-
las que você realmente gosta... Não há pressa, você tem mui-
to tempo para comprar tudo aquilo que quiser... Dê uma
olhada no maravilhoso rol de comidas prontas e encha seu
carrinho... Certifique-se de que tem tudo de que precisa e,
em seguida, tome um táxi com seus sacos de comida e vá
para casa... Não há ninguém em casa e não haverá ninguém
por perto até o final do dia, a casa — principalmente a co-
zinha — é toda sua, para o seu prazer... Leve a comida pa-
ra a cozinha e encha todos os espaços com ela... Como se
sente cercada por toda essa comida só para você?... Sente
isso como um pecado, ou como uma coisa muito alegre?...
Sente-se tranqüilizada ou amedrontada com essa abundân-
cia de comida só para você?... Simplesmente fique com a
comida e sinta os diferentes estados de espírito que surgem...
lembre-se de que ninguém a perturbará, a comida está lá
só para você, desfrute-a como quiser... Veja se consegue
relaxar sabendo que nunca mais se privará... Agora, quero
que você vá até a rua colocar uma carta na caixa do cor-
reio... Como se sente com relação a sair de casa e deixar
toda a comida?... Tem uma sensação gostosa de que quan-
do voltar ela ainda estará lá para você, intacta?... Ou será
que é um alívio afastar-se dela?... Você agora já enviou a
carta e está a caminho de casa ... Ao abrir a porta lembre-se
de que a comida está toda lá, somente para você, e ninguém
irá perturbá-la... Qual a sensação de estar de volta junto
à comida?... Se antes sentiu-se tranqüilizada, continua a sen-
tir-se assim? Se sentiu-se amedrontada, consegue descobrir
alguma coisa reconfortante por estar na cozinha com toda
essa comida?... Volte lentamente a esta sala, sabendo que
sua cozinha está repleta de comidas deliciosas e que nin-
guém as tirará de você... e, quando estiver pronta, abra os
olhos...

As respostas a essa viagem imaginária variam enormemen-


te, mas como você verá raramente provocará outra coisa
além de reações insólitas. Estas vão desde imensas sensa-
132
ções de alívio por se ter tanta comida à disposição e por
se ter permissão de desfrutá-la, a sensações de horror, me-
do e preocupações sobre a capacidade real de se estar num
quarto com toda aquela comida, ímpetos de jogá-la fora
ou arremessá-la pela cozinha, até mesmo à vontade de dei-
tar-se entre ela. Para muitas mulheres a ida até a caixa do
correio provoca um alívio desejado, em virtude da sensa-
ção de claustrofobia por estar cercada de comidas "tenta-
doras"; para outras, é como se fosse feito um intervalo
tranqüilo naquela cozinha transformada num belo ambiente
nutridor. A fantasia indica com exatidão nossas mais pro-
fundas preocupações relacionadas à comida, e propicia um
bom ponto de partida para uma discussão a respeito do
quanto exatamente as comedoras compulsivas se privam do
prazer da comida, e até que ponto a comida foi transfor-
mada num inimigo. Ao veicular uma idéia que conota per-
missividade com relação à comida, estamos tentando atacar
a concepção que diz que se somos comedoras compulsivas
ou temos excesso de peso, devemos nos privar da comida.
A idéia básica a ser transmitida é, na verdade, exatamente
a oposta e baseia-se no desafio à premissa de que a come-
dora compulsiva nunca se permite comer realmente. Está
sempre atuando a partir de um modelo que diz: "Estou mui-
to gorda, devo negar a mim mesma determinadas comidas."
Isto estabelecerá um paradigma a partir do qual ela estará
ou fazendo dieta, ou comendo muito com a finalidade de
se preparar para começar uma dieta no dia seguinte, quan-
do deverá se tornar uma pessoa "boa". A dieta, invaria-
velmente, será rompida por um abuso, dificilmente des-
frutado por ter um aspecto impulsivo e de coisa roubada.
Seguir-se-á então um período de "modo de comer caótico"
e, finalmente, um novo plano de dieta, como está ilustrado
no quadro abaixo. Nenhuma dessas maneiras de comer con-
tém em si uma atitude positiva com relação à comida, ape-
nas estão baseadas numa luta frenética para se controlar
o consumo de alimentos.
Essa luta ininterrupta para se controlar o consumo ali-
mentar é um fator que impulsiona a compulsão de comer.

133
O objetivo de nosso método é redefinir, para a comedora
compulsiva, tanto a função da comida como seu direito a
ela. As pessoas precisam de comida para viver. A comida
é uma fonte de vida e não algo a ser evitado. Enquanto hou-
ver fartura

a comida poderá ser desfrutada. Essa idéia, embora esteja


longe de parecer algo revolucionário, assume um ar descon-
certante para quem vem usando a comida com outras fina-
lidades. No devido tempo discutirei meios de se pôr em
prática esse método, mas o importante no primeiro encon-
tro é que os membros do grupo compartilhem suas vivên-
cias diárias e medos com relação à comida.
Este é, então, um esboço para o primeiro encontro. As
sessões subseqüentes se beneficiarão do trabalho persisten-
te nos dois níveis — as vivências que as pessoas tiveram com
a comida naquela semana e assuntos relacionados à gordu-
ra e à magreza, embora o tempo para se fazer isso não pre-
cise estar rigidamente estruturado. Os grupos de auto-tjuda
que começamos têm um dever de casa na primeira semana
— fazer uma tabela da comida. O objetivo desta tabela é
selecionar alguns dos temas que reaparecem continuamen-
te quando você se dá conta de estar comendo embora sa-
bendo que a fome não é física.
Mantenha um registro nestas linhas na primeira sema-
na. A finalidade da tabela é observar seu modo de comer
e não julgá-lo. Através das anotações na tabela você pode-
rá começar a ter uma idéia do tipo de padrão que está liga-
do a seu modo de comer. Você sente que come de maneira
134
caótica, ou com alguma coerência? Alguma comida em es-
pecial parece satisfazê-la? Qual a sensação de perceber que
seu consumo alimentar está tão restringido ao "devo isso,
não devo aquilo"? O bolo de chocolate e o sorvete, às três
da madrugada, não estavam bem mais gostosos do que o
peixe com espinafre na hora regulamentada do jantar? Va-
mos lá, não foi mesmo um sacrifício ter de comer aquele
hamburger com salada para conseguir chegar ao sundae que
você realmente queria?

Além de descobrir o que a tabela revela sobre o consu-


mo alimentar real, é também proveitoso considerar as cir-
cunstâncias em que você come habitualmente. Come
sozinha? Às escondidas? Nunca marca encontros para re-
feições comemorativas? Come com as "amigas cúmplices"
em restaurantes? Ou em casa, na mesa? Ou andando pela
casa? Direto da geladeira? Na cama? Assistindo à televi-
são? Observe quando, como e o que você come e quando,
como e de que você gosta mais. Talvez descubra que comer
sozinha a preocupa tanto que é mais agradável sentar-se nu-
ma mesa bem-posta ou talvez descubra que gosta de um
show de variedades com um livro aberto, música tocando
e a comida no centro de tudo.
Repare também nos registros da coluna "Sentimentos
que vieram antes de comer". Vê alguma coerência naquilo
que desencadeia o ato de comer quando não está especial-
mente com fome? Consegue localizar as emoções específi-
135
cas que acha difíceis de serem enfrentadas e que a empur-
ram para a geladeira? Em nossos grupos muitas mulheres ci-
tam o tédio, a raiva, a decepção e a solidão como desenca-
deadores do ato de comer. Para outras, comer é uma espécie
de pontuação entre várias atividades onde a comida marca
o começo e o fim das diferentes fases do dia. Outras mulhe-
res percebem que comem para se gratificar. A comida pro-
porciona — embora de modo fugaz — um oásis de prazer
em um dia que, de outro modo, seria muito difícil. Como
disse Isabel: "Se não soubesse que ia comer umas bombinhas
de creme durante o dia, não consigo imaginar como poderia
ter acesso ao prazer." Ao examinar esse seu comentário, co-
meçou a lidar com várias questões. Por que sua vida estava
estruturada de modo tal que a impedia de ter outros "acesos
ao prazer"? O que significa o prazer para ela? Tinha direito
a ele? Se esperava que os outros lhe dessem prazer estaria
arriscando a não consegui-lo? Deveria, portanto, controlá-lo
para certificar-se de que o obteria? Que outras coisas lhe pro-
porcionariam igual prazer? Tinha sempre vontade de comer
bombinhas de creme por prazer, quando sentia fome, ou exis-
tiam outras atividades que também lhe davam prazer? Tais
perguntas são colocadas no trabalho de investigação. Isabel
não é incentivada a abrir mão de suas bombinhas de creme.
Muito pelo contrário, o objetivo do grupo é fazer com que
desfrute a comida de um modo mais harmônico, para que,
toda vez que comer, possa estar se dando um prazer — não
comer alguma coisa realmente gostosa é desperdiçar uma oca-
sião de comer. O grupo incentiva Isabel a pensar sobre o con-
ceito que ela faz do prazer e a imutabilidade de sua crença
de que ninguém, além dela mesma, pode lhe dar prazer. Este
comportamento, apesar de intrínseco a ela, é também uma
proteção contra o medo de que os outros possam vir a de-
cepcioná-la — deixá-la na mão. Proporcionar prazer a si mes-
ma a torna menos vulnerável enquanto imagina que a gordura
mantém o mundo afastado. Essa dificuldade ligada ao pra-
zer é familiar a muitas mulheres e cala fundo à dor que sen-
tem em relação ao ato de receber.
É nesse nível que as perguntas têm de ser feitas. Nas
136
primeiras sessões, enquanto estão se conhecendo umas às
outras, algumas perguntas superficiais farão com que sur-
jam informações valiosas tanto a respeito do comportamento
dos membros do grupo, como da motivação que está por
trás dele. Além de discutir a tabela da comida no segundo
encontro (aliás, esta pode ser usada, vez por outra, para
ajudá-la a verificar como e o que você tem comido), vocês
podem começar a andar pela sala e a partilhar suas histó-
rias relacionadas ao peso, umas com as outras. O impor-
tante aqui não é saber quantos quilos você estava pesando
numa determinada época, mas as circunstâncias da sua vi-
da durante as diversas oscilações de peso. Observe os pe-
ríodos em que seu peso subiu usando um álbum de retratos
da família, se achar proveitoso, para estimular a memória.
É bastante provável que, em seu grupo, as pessoas estejam
incluídas num leque de etapas de ganho de peso como a in-
fância, a adolescência, a saída de casa, o casamento, o di-
vórcio, a gravidez, ou o momento de os filhos saírem de
casa. Dê a si mesma bastante tempo para assimilar essas
histórias e, se necessário, estenda-se a várias sessões, para
que possa aprender tanto os detalhes como as característi-
cas da própria relação que você teve no passado com seu
corpo e com a comida. Certifique-se de discutir a partici-
pação de sua família no seu consumo alimentar. Alguém
mais na família tem ou teve algum problema relacionado
ao modo de comer? Quais as regras tácitas e os regulamen-
tos relacionados à comida? Qual era o significado da hora
das refeições em sua família? Havia harmonia na hora das
refeições ou tensão? Havia comida suficiente ou alguns ali-
mentos eram proibidos e comidos somente longe de casa?
Sua mãe lhe ajudava a fazer regime ou desencorajava seus
esforços? Seu marido lhe dava força para emagrecer ou a
"tentava" com comidas proibidas sempre que você estava
realmente de regime? Havia mensagens contraditórias das
pessoas próximas a você que julgavam a sua magreza ou
gordura? Você achava que tinha de ser magra para alguém?
Na medida em que o grupo prossegue e você se dedica
a determinar seu próprio consumo alimentar, observe co-

137
mo as pessoas importantes em sua vida continuam a desem-
penhar um papel relacionado a você e à comida. Talvez per-
ceba que sua obsessão com relação à comida se alastrou a
ponto de conseguir fisgá-los ao seu modo de comer, e as-
sim eles são realmente seus juizes, ou você imagina que se-
jam. Será muito importante, de agora em diante, que você
seja a única responsável por seu modo de comer. Isto vai
significar o seguinte:

1 — Descompromissar-se com relação a quando e o que


os outros querem comer.
2 — Ousar acreditar que você pode começar a cuidar de
seu próprio modo de comer.
3 — Livrar-se da pessoa a quem você designou o papel de
juiz.

Se seu namorado foi aliciado para ajudá-la a não co-


mer as "comidas más" no passado, e se quando se senta-
vam para jantar sua presença a impedia de se empanturrar,
reivindique esse poder para si mesma, mas desta vez não
para mantê-la afastada do perigoso hábito de comer, mas
sim para ajudá-la a discriminar e selecionar as comidas das
quais realmente gosta.
Muitas pessoas com quem trabalhei perceberam que
seus maridos as encorajavam a comer muito, embora ao
mesmo tempo manifestassem interesse em corpos esbeltos
e com uma boa forma. Isso não diferia muito da atitude
de suas mães, com seus insistentes "coma, coma, criança",
ou "agora uma colherzinha pra titia" ou "só mais um bo-
cadinho para as pobres crianças famintas da Europa!" Tais
frases eram pronunciadas com tanta pena e insistência que
era praticamente impossível negar, apesar de as crianças es-
tarem quase botando tudo para fora. Rejeitar a comida era
como rejeitar a mãe. Em outras ocasiões, essas mesmas mães
imploravam às filhas para terem cuidado com o que comiam,
caso contrário seus corpos ficariam deformados, ou tenta-
vam limitar a comida quando estas estavam maiores do que
o tamanho "aceitável".

138
Obtenha o máximo de informações possível a respeito
dos padrões alimentares do passado, e como estão relacio-
nados à sua vivência atual com relação à comida. Para aque-
las que foram superalimentadas por suas mães, pensem no
que passa por suas mentes quando já estão satisfeitas o su-
ficiente para não poder comer nem mais uma colher, mas
ainda se entopem com mais comida. O que significaria pa-
rar quando está satisfeita? Enquanto vai e volta por suas
vivências passadas e presentes com a comida, tenha em men-
te que estamos tentando contestar a idéia de que o come-
dor compulsivo não tem direito à comida. Em nossa opinião
ele tem pavor de comida (já que a investiu de atributos má-
gicos como, por exemplo, ser um consolo contra a solidão,
o tédio, a raiva ou a depressão, é difícil vê-la simplesmente
como comida, uma fonte de nutrição) e está constantemente
comendo, ou evitando comer como uma reação a esse pa-
vor. Simplesmente porque você sente não ter controle quan-
do está perto de comida, isso não significa que não tenha
direito a comer.
Muitas mulheres dizem que lhes parece extremamente
difícil encarregar-se de sua própria alimentação porque, ape-
sar de terem sido responsáveis pela alimentação dos outros,
sentem que abdicaram da única área em que poderiam as-
sumir responsabilidades por si mesmas. Temem não conse-
guir ousar, ou mesmo não saber como ser tão interessadas
em si mesmas. É importante lembrar que embora a com-
pulsão de comer seja sentida como uma abdicação, ela é,
no entanto, um ato preciso pelo qual a pessoa é responsá-
vel. Os significados que se encontram por trás da compul-
são de comer talvez não estejam nítidos e assim você fica
com sensações de não ter controle, ou de estar à mercê da
comida, mas esta é a vivência consciente e no nível incons-
ciente essa atividade tem uma finalidade. Se você puder pen-
sar em transformar essa responsabilidade pela comida num
esforço deliberado para reparar quando sente fome e quais
os tipos de comida está querendo, poderá encarar com mais
confiança muitas situações sociais que pressupõem a comi-
da. Alguns dos medos comuns que aparecem nos grupos

139
estão relacionados a questões práticas como, por exemplo,
a de garantir sua provisão de comida se você mora com ou-
tras pessoas. No grupo, será útil examinar a situação real.
Você mora com a família, em comunidade ou com compa-
nheiros de quarto? A comida é comprada e consumida em
conjunto, a hora do jantar é a única ocasião em que a fa-
mília se reúne? A partir desse tipo de informação surgirão
alternativas. Entre elas, manter uma prateleira na geladei-
ra somente para você e pedir às outras pessoas da casa que
reponham imediatamente o que utilizaram; não fazer as
compras em conjunto, ou separar semanalmente uma de-
terminada quantia de dinheiro do orçamento doméstico para
si mesma, para desse modo garantir a compra daquilo que
você deseja; explicar ao pessoal da casa que você já passou
um mau bocado por conta da comida e está tentando apren-
der alguma coisa sobre as necessidade reais de seu corpo.
Conseqüentemente poderá vir a comer de um modo pouco
ortodoxo e que eles façam o favor de abster-se de fazer co-
mentários a respeito. Outra situação que aparece com mui-
ta freqüência, é a de se ter um jantar na casa de alguém.
Os membros do grupo, em geral, ficam alarmados diante
dessa situação. Propomos várias estratégias possíveis: não
assumir, por um tempo, compromissos sociais para a hora
das refeições onde não possa escolher a comida; se se tra-
tar de um amigo íntimo, é provável que ele ou ela já a te-
nha acompanhado em suas várias dietas e atendido a suas
instruções a respeito de comidas permitidas. Se for esse o
caso, será uma vantagem para você dizer a seu amigo que
seu novo interesse pela comida talvez faça com que você
não coma de tudo e que espera que ele compreenda. Se sentir
fome algum tempo antes da hora de sair, coma somente um
pouco, em resposta a ela. Deste modo, ela ainda estará por
perto uma hora mais tarde. Acima de tudo, lembre-se de
que você tem o direito de comer, por pior que se sinta com
relação a você mesma e a seu corpo. Simplesmente porque
usou a comida, no passado, com outras finalidades que não
as fisiológicas, isso não significa que tenha de se privar da-
qui por diante.

140
Na medida em que o grupo progride você vai querer
combinar os vários exercícios que estão contidos no corpo
deste livro.

1 — O trabalho com o espelho — onde você está tentan-


do construir a imagem que inclua a gordura, páginas
85/87
2 — Vestir-se para o agora — não esperar até que esteja
magra para se expressar, páginas 87/89
3 — Deixar comida no prato, páginas 113/115
4 — Fazer de sua cozinha um supermercado, páginas
127/128

Os exercícios acima aumentarão sua consciência corpo-


ral e ajudarão a auto-aceitação. Como salientei antes, a pos-
se de seu próprio corpo, que inclui a gordura, é um fator
fudamental no preparo de uma vida com um peso menor.
Será muito importante para você sentir que seu corpo tem
poder com qualquer tamanho e que você pode se comunicar
através do seu modo de usá-lo. Uma questão freqüentemen-
te levantada através deste livro diz respeito ao modo como
as mulheres imaginam que sua gordura mantém as pessoas
afastadas. É quase como se sua gordura andasse na frente
anunciando ao mundo a aversão que sentem por si mesmas.
Nosso objetivo é criar uma confiança para manter as pes-
soas afastadas (se é isso que se deseja) que esteja baseada
em uma auto-aceitação, e não em uma auto-aversão. Quan-
to mais você for o seu corpo, mais poderá dizer "não" com
todo o seu ser. Desse modo, a gordura perde uma de suas
funções, já que a capacidade de afastar as pessoas será atri-
buída a você e não exclusivamente à gordura. Para ajudar
a aumentar a aceitação e o conhecimento de seu corpo, você
pode começar a pensar nele, não simplesmente como um es-
tômago ou uma boca, mas como um todo orgânico.
Tente sentir a ligação entre as partes de seu corpo; sin-
ta-o como um todo. Vocês podem experimentar fazer de-
senhos não assinados de vocês mesmas dentro do grupo,
que em seguida podem ser passados adiante para que as pes-

141
soas tentem adivinhar de quem se trata. Já que a maior parte
dos componentes do grupo tenderá a se representar de um
modo impreciso, principalmente nas primeiras etapas, os
outros poderão ajudar a corrigir essas percepções por meio
de uma reformulação com relação às poses, proporções e
posturas ilustradas nos desenhos. Fotos tiradas com uma
polaroid podem também ser usadas para fornecer um in-
sight na maneira como a pessoa se projeta. Na medida em
que se tornar cada vez mais familiarizada com seu corpo,
poderá jogar fora a balança. A balança é mais uma daque-
las medidas externas usadas para aferir seu desempenho.
Os comedores compulsivos estão freqüentemente agarrados
à balança. Todas as manhãs, ou todas as noites, temos o
ritual da avaliação; a pessoa descobre se foi "boa" ou
"má". Os quilos da sabedoria, no passado, nos deram o
direito de cometer um abuso ou de passar fome. Em geral,
para o comedor compulsivo, a balança é o verdadeiro juiz.
Se você se comportou bem (emagreceu) então ela a deixa
comer. Se você se comportou mal (engordou) ela a lança
numa depressão somente aliviada por um abuso ou mais
um plano para emagrecer. Por isso, no lugar dessa tortura
que acontece duas vezes por dia e de suas ansiedades con-
comitantes, tentamos desenvolver uma familiaridade com
nossos corpos, para que as sensações possam vir de dentro
e não de fora. A balança tornou-se mais um fator de ava-
liação externo que pode ser dispensado pelas mulheres.
O exercício com o espelho pode nos ajudar a obter uma
autolegitimidade (na verdade, uma dura luta contra as men-
sagens das revistas femininas que determinam nossa aparên-
cia, sentimentos e peso) e a começar a confiar em nosso
próprio julgamento de nós mesmas. Com relação às partes
específicas de seu corpo que a afligem, experimente fazer o
exercício de imaginação em que se vê gorda e magra, focali-
zando essas partes em particular. Por exemplo, se sente um
ódio imenso por suas coxas, imagine que as tem gordas e em
seguida que tem as coxas ideais e examine os significados des-
tes dois diferentes estados corporais. Uma mulher com a qual
trabalhei, que desejava ter coxas mais finas, descobriu que

142
a gordura que tinha em torno delas era como uma espécie
de cerca em volta de sua vagina. As coxas côncavas que an-
siava ter, na verdade, faziam-na sentir-se vulnerável, como
se não existisse uma proteção contra sua sexualidade. Atra-
vés do trabalho com as fantasias conseguiu aceitar a "gorda
coxa odiada" e vê-la como um meio usado para lidar com
sua sexualidade. Na medida em que foi emagrecendo, come-
çou a descobrir outros meios de expressar seu interesse ou
falta de interesse em contatos sexuais. Para outras mulheres,
seios ou estômagos volumosos simbolizavam uma coisa na
vida consciente e outra coisa bem diferente quando faziam
os exercícios com as fantasias. Os insights que obtinham ha-
bilitavam-nas a rever os meios limitados com os quais se co-
municavam com seus corpos. Nos grupos, ou sozinha diante
de um espelho, você pode fazer experiências com diferentes
projeções de aspectos de sua personalidade através de sua pos-
tura. Experimente uma série de expressões sexuais — proje-
te-se como ardorosa, tímida, retraída ou ativa.
Ao preparar-se para ser magra, sem que isso signifi-
que "tenho de ser maravilhosa, competente, bela e inteli-
gente", passe alguns minutos por dia imaginando-se magra
enquanto executa tarefas rotineiras. Isso pode ser feito quan-
do estiver guiando o carro para o trabalho, nos contatos
sociais, no trabalho ou em casa, ao ir às compras, ou tente
acordar sentindo-se magra. Fique atenta especialmente pa-
ra qualquer tipo de dificuldade que possa haver pelo fato
de estar magra nessas rotinas diárias. Se achar as situações
assustadoras, tente investigar exatamente o que lhe está cau-
sando medo e depois discuta essas sensações com o grupo.
Em seguida, tente sentir-se magra sem que a isso se asso-
ciem entusiasmos ou medos. Repare no seu modo de an-
dar, ficar de pé ou sentar-se quando está magra e tente
incorporar essas diferentes posturas em seu corpo atual. Se
for um salto muito grande, imagine-se com cinco quilos a
menos, em vez de tão radicalmente magra. Esta imagem tal-
vez seja mais acessível e não haverá muita discrepância em
se sentir com uma diferença de cinco quilos. Quando isso
acontecer é sinal de que você está pronta para emagrecer

143
um pouco. Provavelmente seu corpo indicará esse fato exi-
gindo menos comida. Nesses momentos em especial, você
gostará de tornar o processo mais rigoroso — certifican-
do-se de comer exatamente aquilo que quer e parando pre-
cisamente quando estiver satisfeita. Muitas comedoras
compulsivas não estão familiarizadas com a sensação de sa-
ciedade que não as fazem sentir-se empanturradas. Para co-
meçar essa experiência corporal coma um bocado daquilo
que você deseja, tendo a certeza de sentir o sabor enquanto
a comida desce. Em seguida, deixe de lado a comida por
quinze minutos e ocupe-se com outra coisa. Depois de uma
meia hora veja como seu corpo está se sentindo. Se sentir
fome ou estiver se sentindo vazia, continue a comer o que
achar que pode saciar essa fome. Se se sente confortável
é sinal de que está bem satisfeita e pode esperar até o pró-
ximo aviso da fome. Se tiver certeza de que vai se permitir
comer sempre que sentir fome e de que dará a si mesma a
comida que quiser, descobrirá que não há tanta necessida-
de de se empanturrar. Quando seu corpo então indicar que
não está querendo muita comida, é sinal que está na hora
de emagrecer um pouco.
Apesar das enormes variações de pessoa para pessoa,
tenho observado que nas primeiras etapas os membros do
grupo tendem a estabilizar o peso ou a engordar ligeiramen-
te. Para aquelas que realmente engordam, isso não deve ser
um sinal de alarme, mas uma oportunidade de sentir o que
significa a gordura. É uma chance de abraçar toda a gor-
dura antes da despedida final. Na medida em que emagre-
ce você vai notar que talvez esteja propensa a emagrecer
um pouco e permanecer assim por um tempo. É como se
seu corpo ficasse parado enquanto você executa a próxima
etapa do trabalho emocional investigando fantasias do ti-
po: "Quem serei?" "Quem não vai gostar se eu emagre-
cer?" "Como me protegerei se tiver cinco quilos a menos?"
Nos capítulos anteriores afirmei que a gordura tem mui-
to a ver com o conflito da autodefinição e da afirmação e
que um dos medos associados à magreza é o de que a pes-
soa ficará calma, leve e poderá ser carregada pelo vento.
144
O trabalho corporal descrito acima certamente ajudará a
pessoa a viver em seu próprio corpo e a assim usá-lo me-
lhor no cotidiano, mas os exercícios adicionais para serem
feitos em casa e que se destinam ao problema da falta de
direito que em geral as mulheres sentem, também prova-
rão ser úteis. Estes exercícios estão agrupados, sem muito
rigor, dentro do tópico da afirmação e resultam dos esfor-
ços de se definir o próprio consumo alimentar.
Tente dizer "sim" para algo que você deseja todos os dias.
Pode ser alguma coisa que somente envolva você como, por
exemplo, um banho de espuma, ler um livro, dar uma volta
a pé ou escrever uma carta. No momento em que aprender
a dizer "sim", estará realizando muitas coisas. Entre as prin-
cipais estará dizendo que tem o direito de decidir as coisas
por você mesma. Isso, por sua vez, produz uma certa dose
de autoconfiança e faz uma fissura numa auto-imagem muito
negativa. Quando conseguir dizer "sim" a um banho, pode-
rá também dizer "sim" a um lanche, quando sentir vontade.
Quando aprender a dizer "sim" terá a possibilidade de dizer
"não". Pense em algum acontecimento onde disse "sim" mas
realmente queria ter dito "não". Repasse-o lentamente em sua
mente, mas retire o "não" e expresse o sentimento verdadei-
ro. Repare na sensação que isso provoca. O que põe em ris-
co por dizer "não"? Agora tome consciência de quantas vezes
você se depara com situações desse tipo. Comece a dizer "não"
a algumas coisas — por menores que sejam — quando co-
meçar a dizer "sim" a outras. Desenvolva um senso de res-
ponsabilidade. Isto será transposto para a comida — a
capacidade de dizer "sim" e "não" e talvez, o que é mais im-
portante, dará a você uma nova maneira de usar sua boca
para se expressar.
O exercício de imaginação que alterna a gordura e a
magreza contido nas páginas 143 e 144 pode ajudar a des-
cobrir o que é que diferentes formas físicas significam para
os membros do grupo individualmente, em diferentes cir-
cunstâncias. Alguns tópicos que você poderá achar provei-
tosos de se discutir são: O que a gordura e a magreza
expressam para você que vive nessa cultura; o que a gordu-

145
ra e a magreza têm a ver com a sexualidade, com a raiva,
com a competição, com sua mãe, seu pai, ou com seus fi-
lhos. Acrescente à fantasia-padrão uma pessoa ou situação
específica, e retire daí as questões, conforme forem ocor-
rendo para cada pessoa. Por exemplo, "coloque-se da ma-
neira mais confortável possível... imagine que está com sua
mãe/pai/marido... você está bem gorda..."
Pode acontecer que em alguns grupos somente algu-
mas pessoas falem ou poderá descobrir que a "gordura"
funciona no grupo do mesmo modo como o faz fora dele.
Se um determinado membro cometeu vários abusos duran-
te a semana, poderá sentir que tem mais direito ao tempo
do grupo: "Se estou mais gorda, então estou pior do que
todas e tenho o direito a muito mais atenção"; ou se um
membro do grupo vem emagrecendo regularmente poderá
sentir que não tem direito a esse tempo: "Se estou magra,
é porque devo ser perfeita e não preciso de nada." A mu-
lher que está emagrecendo poderá começar a comer em ex-
cesso para assegurar seu lugar no grupo. Há situações em
que aqueles que tiverem mais dificuldades durante a sema-
na ficam com mais tempo para si e os que tiverem uma se-
mana relativamente fácil ficam calados; se isso acontecer
você pode pensar em instituir a "regra dos doze minutos",
que significa que cada membro terá assegurados para si doze
minutos de tempo de trabalho para discutir o que desejar
com relação à comida, gordura ou magreza. Deste modo,
não se reforçará nenhuma fantasia — nem a de que a ma-
greza está ligada à falta de necessidades, nem a de que a
gordura está ligada à insaciabilidade.
Em um grupo de auto-ajuda, algumas pessoas terão um
papel mais atuante do que outras. No entanto, é o grupo
como um todo que assume a responsabilidade de trabalhar
junto, selecionando os exercícios, os locais de encontro e
os horários. Talvez seja proveitoso fazer um rodízio sema-
nal para que, cada vez, uma pessoa diferente fique encar-
regada de preparar os exercícios, controlar o tempo e dar
início aos encontros. Não obstante, isso não é essencial, e
cada grupo pode desenvolver seus próprios padrões.
146
A auto-ajuda é um estimulante conceito a ser posto em
ação. O potencial para se aprender o que é verdadeiramen-
te útil para você é imenso e, livre de idéias preconcebidas
a respeito daquilo que deve ou deveria acontecer, ele abre
o caminho para a experimentação criativa, a avaliação e o
crescimento.
As diretrizes acima visam a ajudá-la a prosseguir no
caminho que nossa experiência mostrou-nos ser útil, mas
não pretendem, de modo algum, suprimir a energia e a ima-
ginação que você ou seu grupo sentem para poder investi-
gar aspectos da compulsão de comer e da auto-imagem que
não foram aqui detalhadas.

Anorexia nervosa
Existe uma complexa e obscura doença ligada ao modo de
comer, intimamente associada à compulsão de comer, cha-
mada anorexia nervosa. É também caracterizada por res-
trições impostas pela própria pessoa ao consumo alimentar,
pelo medo e pavor de comida e por um obsessivo — embo-
ra dissimulado — interesse em comida. Contudo, diferen-
temente dos comedores compulsivos, os que sofrem de
anorexia nervosa expressam sua obsessão com a comida tor-
nando-se extremamente magros — ao ponto de definhar e,
às vezes, até mesmo morrer de fome. Esta forma extrema
de passar fome deliberadamente é caracterizada pela luta
em se transcender os sinais da fome.
Tem início, em geral, quando se segue rigidamente uma
dieta, começada porque o anoréxico em potencial se acha
gordo. Do mesmo modo que o comedor compulsivo, mui-
tos anoréxicos se entregam a abusos exagerados. A vergo-
nha e a auto-aversão que se seguem impelem-no a jejuar,
vomitar ou a tomar laxantes para purgar seu corpo da co-
mida ingerida. Quando come novamente tem de imediato
a sensação de estar cheio e assim o consumo alimentar é
mantido em um nível mínimo, até que se deflagre mais um
empanturramento aparentemente incontrolável. A perda de
147
peso é impressionante e, por sua vez, dá origem a uma gran-
de variedade de sintomas. As pessoas anoréxicas não mens-
truam, sofrem em geral de insônia e prisão de ventre, têm
hipersensibilidade ao calor e ao frio, pêlos em excesso pelo
corpo, a cor e a textura dos cabelos, unhas e pele se modi-
ficam, a pulsação é lenta e a transpiração abundante. To-
do esse mal-estar é suportado no esforço para se alcançar
o objetivo assolador — tornar-se magra.
Embora a idéia do interesse em ser gorda possa ser di-
fícil de ser apreendida, poucas pessoas sentiriam dificulda-
de em entender o interesse que há em ser magra, porque
ele se amolda às expectativas sociais que existem com rela-
ção às mulheres. É também muito fácil entender que 90%
dos anoréxicos clinicamente diagnosticados sejam mulhe-
res, e uma das pessoas que pesquisam essa área1 afirma
que a definição da anorexia nervosa deveria se limitar a uma
síndrome clínica específica que ocorre em meninas na
pré-adolescência e na adolescência.
É o fato de ser a anorexia nervosa um problema quase
exclusivamente feminino, que se liga tão intimamente à com-
pulsão de comer e à obesidade. Pois se os homens sofres-
sem do mesmo problema em um grau semelhante, procura-
ríamos uma outra explicação. Mas o medo da obesidade,
a obsessão com a comida, o ato de comer escondido e fur-
tivamente e o interesse em alimentar os outros, leva-nos a
identificar o comportamento como tendo suas origens nas
condições sociais das mulheres em nossa sociedade. A ano-
rexia nervosa e a compulsão de comer são as duas faces de
uma mesma moeda. Quando evita tão radicalmente a co-
mida, a anoréxica está reagindo às mesmas condições opres-
sivas das comedor as compulsivas.
É importante mencionar que embora tenha tido pou-
ca experiência direta com anoréxicas, fui procurada por mui-
tas mulheres que sofrem do problema, e que ao lerem as
opiniões de Munter e Orbach a respeito da compulsão de
comer se identificaram muito com elas. Assim, o que te-
nho a dizer está baseado nas minhas leituras de trabalhos2
sobre anorexia nervosa e em discussões com mulheres que
148
sofreram do problema, e não em uma experiência clínica
prolongada. Meu interesse em tocar na questão da anore-
xia neste livro, dá-se na medida em que pode trazer uma
luz para o problema da compulsão de comer, que é seu ex-
tremo oposto. Uma interpretação feminista da anorexia ra-
tifica o enfoque usado sobre a compulsão de comer.
Tanto as anoréxicas como as comedoras compulsivas
cometem abusos e passam fome. Entretanto, a anoréxica
passa fome por períodos prolongados, podendo sustentar-se
por um dia inteiro simplesmente com um ovo e um biscoi-
to, e ocasionalmente irrompe num abuso, que é, em segui-
da, purificado por um jejum ainda mais rigoroso, por
limpezas através de laxantes, vômitos ou lavagens..Esta ma-
neira de comer como um passarinho é o reflexo de uma cul-
tura que exalta a magreza e a fragilidade nas mulheres.
Muitas mulheres apontam o começo de sua anorexia como
uma reação exagerada às dietas e aos ideais femininos da
adolescência. Como aconteceu com as comedoras compul-
sivas, ao sentir que havia algo errado no período da ado-
lescência, procuravam a resposta na biologia individual. Seus
corpos se estavam modificando, criando curvas e se tornan-
do mais cheios, assumindo uma forma de mulher. Elas não
tinham controle sobre essas mudanças corporais — não sa-
biam se teriam seios pequenos e quadris largos, ou se seus
corpos finalmente terminariam iguais aos das adolescentes
das revistas de moda.
Tais mudanças radicais provocavam nas jovens sensa-
ções de confusão, medo e impotência. Esses corpos que se
modificavam estavam associados a uma condição que se mo-
dificava na vida do lar, na escola e com os amigos. Um corpo
com curvas significava a adoção da identidade sexual da me-
nina adolescente. É a época de um intenso interesse pela
aparência, época em que as garotas aprendem a ardilosa li-
ção de não revelar seu verdadeiro eu aos garotos, seja na
quadra de tênis, na escola, ou em conversas sobre assuntos
do coração. Essas novas regras e regulamentos que dirigem
o comportamento, e as mudanças bombásticas que ocor-
rem estão completamente fora de sintonia com aquilo que

149
foi aprendido anteriormente, e os sentimentos a que dão
origem são extremamente confusos. Várias mulheres disse-
ram, ao rever essa época de suas vidas — época em que es-
tavam em crescimento e, no entanto, realmente pararam de
comer — que era tal o seu desacordo com tudo o que esta-
va ocorrendo, que abdicar da comida era um meio imensa-
mente satisfatório de ter o controle da situação. Ao supe-
rarem as dores da fome estavam ganhando terreno na luta
com seus corpos em desenvolvimento, aparentemente inde-
pendentes. Estavam tentando ter o domínio sobre suas for-
mas e necessidades físicas. Sentiam seu poder em sua
capacidade de ignorar a fome.
Entretanto, esse poder de superar a fome vai gerar uma
contradição, porque na própria tentativa de ser forte a ano-
réxica fica tão fraca que se torna menos independente, e
mais dependente. Precisa mais dos cuidados e da atenção
dos outros em virtude de seu estado físico enfraquecido. Esta
modificação apresenta mais um dilema. Como escrevem Ro-
sie Parker e Sara Mauger, "para um número muito grande
de mulheres, a manipulação do próprio corpo é, em geral,
o único meio que têm de obter um sentimento de realiza-
ção. O laço entre status social e magreza é, ao mesmo tem-
po, real e imaginário. É real porque as pessoas gordas são
discriminadas; é imaginário porque a magra e delicada ima-
gem ideal da feminilidade somente aumenta a sensação de
ineficiência da pessoa".3
Esta última afirmação talvez seja o ponto essencial da
questão. A anorexia reflete uma ambivalência com relação
à feminilidade, uma revolta contra a feminização, e em sua
forma específica, expressa tanto a rejeição como uma am-
plificação da imagem feminina. A recusa da comida, que
torna a menina extremamente magra, achata suas curvas,
numa negação da condição feminina essencial. Ao mesmo
tempo, essa magreza parodia a delicadeza feminina. É co-
mo se a anoréxica estivesse com um pé em cada terreno —
no da menina/menino pré-adolescente, e no da jovem mu-
lher atraente. Isso também se repete na compulsão de co-
mer. Para algumas mulheres que comem por compulsão,

150
o peso em excesso também é uma tentativa de anular as cur-
vas do corpo feminino, o que traz, em sua esteira, conse-
qüências sociais aterradoras. Mary, que tinha o problema
da compulsão de comer, começou a comer em excesso na
adolescência e explicou, numa percepção tardia, que esti-
vera tentando suavizar suas curvas. A "gordura de neném"
que adquiriu deixava-a relativamente afastada do terreno
das meninas e de seus encontros e rituais de beleza conco-
mitantes. Podia se ver como mais uma das colegas — em
vez de parceira em potencial para encontros. Para ela, o
período da pré-adolescência estava associado a uma espé-
cie de igualdade, onde as crianças eram meramente crian-
ças e podiam fazer mais ou menos as mesmas coisas. Sua
gordura era uma tentativa inconsciente de esconder suas cur-
vas, do mesmo modo como a anoréxica que passa fome tenta
disfarçar sua forma, desfazendo-a de sua matéria. Na ima-
gem ultrafeminina da mulher delicada que geralmente as
anoréxicas projetam, há ainda mais um paralelo com a co-
medora compulsiva.
O tamanho avantajado de certas mulheres se ajusta a
um outro estereótipo feminino, no caso o da supermãe que
dá tudo de si, nutre, é confiável, zelosa, carinhosa e que
se destaca nas habilidades femininas de zelar pelos outros,
de preparar a comida e de dar abraços gostosos. Este as-
pecto da gordura é, para algumas mulheres, uma imagem
relativamente positiva, à qual podem se agarrar, porque pelo
menos é uma imagem aceita e não cheira a monstruosida-
de, no entanto é em si mesma problemática, porque é um
prolongamento da capacidade que a mulher tem de repro-
duzir o papel de mãe do mundo. As mães do mundo ali-
mentam eternamente os outros e conseqüentemente sentem
uma fome imensa. As jovens delicadas são admiradas e pa-
paricadas — assim diz o mito — e não precisam consumir
muito, talvez porque não precisem dar muito. O sucesso de
sua feminilidade está em que são os outros que cuidam de-
las e as mimam, e não o contrário.
O esforço de equilibrar essas duas atitudes, a da ultra-
feminilidade e a da rejeição à feminilidade, está relaciona-

151
do a mais um aspecto da síndrome à qual já foi dada muita
atenção. Trata-se da imensa energia e atividade do anoré-
xico. Essa atividade se expressa em uma compulsão em sair-
se bem nos estudos, destacar-se nos esportes e de ficar liga-
do a qualquer preço. Muitas pessoas conhecem a sensação
de virar a noite, e o tipo de energia tensa que isso desenca-
deia. É uma sensação semelhante à hiperatividade que os
anoréxicos freqüentemente sentem por meses a fio. Essa agi-
tação é, em parte, motivada por um desejo esmagador de
emagrecer ainda mais, queimando o máximo de calorias pos-
sível. Uma visão feminista apresenta mais uma causa que
está na origem do problema. O esforço da jovem em se ocu-
par de quantas atividades puder é uma proteção contra uma
exclusão pressentida na passagem à condição de mulher por-
que, ao projetar seu futuro, vê que o mundo está formado
por homens que são recompensados por participar dele e
de mulheres que estão, ou excluídas das atividades do mundo
ou, o que é mais desonesto, incluídas mas não recompen-
sadas. Por meio de suas atividades e ocupações frenéticas,
parece que está tentando ampliar sua definição, para que
ultrapasse aquela aprovada por seu papel social. Esforça-se
para causar alguma impressão num mundo hostil a seu se-
xo. Esta intensa atividade repercutirá penosamente na rea-
ção de algumas anoréxicas, cujo senso frágil do eu as leva
a se retirar do mundo público para seus quartos, ressaltan-
do assim a invisibilidade da mulher. Para a comedora com-
pulsiva o efeito é invertido. Aquela que é externamente
supereficiente, uma mediadora e executante segura, que re-
solve todos os assuntos e carrega o mundo nas costas, é a
ampliação da mulher enquanto peito do mundo. Ao mes-
mo tempo, isso acentua a invisibilidade da mulher. Aquela
geléia mole incapaz de se mover — uma fantasia conhecida
de que falam muitas comedoras compulsivas — é análoga
à intensa atividade da anoréxica e seu sentimento de um eu
ineficiente.
Tais imagens convergentes exigem uma reconsideração
sobre as origens da anorexia e, como já vimos, da compul-
são de comer. Mara Selvini Palazzoli4 afirma que a mu-

152
dança de uma sociedade agrícola para uma sociedade in-
dustrial na Europa, teve uma profunda influência sobre a
estabilidade da família patriarcal e que a jovem anoréxica
é uma ameaça a esse conservadorismo duradouro. Hilde
Bruch5 volta-se para atitudes sociais atuais com relação à
forma física e examina até que ponto "o conceito de bele-
za em nossa sociedade e nossa preocupação com a aparên-
cia ajudam a formar o quadro. A obsessão do mundo
ocidental pela esbelteza, a condenação do excesso de peso
em qualquer nível por ser indesejável e feio, podem muito
bem ser consideradas como uma deturpação do conceito de
corpo, no entanto dominam nossa vida atual." Outros fa-
tores sociais são descritos, tais como a observação feita por
Peter Daily6 sobre as mães de muitas anoréxicas como sen-
do pessoas frustradas, daí terem ambições para as filhas,
mas sua relação com a condição social das mulheres na so-
ciedade não é examinada.
Determinar essas causas com exatidão pode ser extre-
mamente útil. Entretanto, restam ainda algumas pergun-
tas a serem respondidas. Por que isso acontece? Por que
algumas mães são dominadoras? Por que a sociedade oci-
dental está obcecada com a esbelteza? Por que a família pa-
triarcal resiste tão fortemente às mudanças? Que pressu-
postos fundamentais de nossa sociedade estão contestando
as mulheres com problemas ligados ao medo de comer? Em
que medida, através do mau uso que fazem do mecanismo
da fome e da formação de seus corpos, estão essas mulhe-
res se impedindo de expressar seus sentimentos? Se este é
um estado psicológico que atinge as mulheres, qual seria
a resposta social adequada? Não deveria um tratamento in-
cluir o reconhecimento dos fatores sociais que levam as mu-
lheres à compulsão de comer e à anorexia nervosa?
Como vimos antes, as sociedades ocidentais modernas
têm expectativas claras e fazem proibições muito definidas
com relação aos deveres da mulher. Esperam que ela seja
delicada, recatada, dedicada, passiva, receptiva no lar e, aci-
ma de tudo, atraente. São dissuadidas de serem ativas, in-
cisivas, competitivas, gordas e, acima de tudo, sem atrativos.
153
Não ser atraente é não ser mulher. No caso da compulsão
de comer, a estratégia que algumas mulheres usam para li-
dar com esses estereótipos repressores é tornar-se gorda para
poder preencher um espaço no mundo; tornar-se gorda pa-
ra fugir a uma sexualidade que já vem incluída. Para a co-
medora compulsiva, a comida está impregnada de sig-
nificados altamente simbólicos, que refletem os problemas
com os quais as mulheres se deparam ao lidar com um pa-
pel social opressivo. Embora as anoréxicas tenham adota-
do a estratégia oposta, a de passar fome deliberadamente,
as semelhanças com a compulsão de comer não deixam dú-
vidas de que a posição social da mulher está refletida tanto
no comportamento da anoréxica quanto no da comedora
compulsiva.
As anoréxicas partilham com as comedoras compulsi-
vas um desejo consciente de não serem notadas. Geralmente
ficam nervosas quando entram numa festa, temendo que
as atenções se voltem para elas. Em vez de engordar para
esconder o verdadeiro eu por debaixo das camadas de gor-
dura, a anoréxica torna-se literalmente transparente. Mas
essa transparência acaba chamando mais atenção do que
uma mulher de peso "normal" poderia chamar. A diferença
fundamental é que o interesse que a mulher muito magra
(e a com excesso de peso) de fato provoca é de outra natu-
reza do que aquele que uma mulher de forma "normal"
pode provocar. A avaliação superficial feita tanto pelos ho-
mens como pelas mulheres coloca a anoréxica (e a obesa)
fora da condição de objeto sexual. Isso significa, em senti-
do amplo, que será descartada pelos homens e que as ou-
tras mulheres poderão ficar descansadas com sua presença.
A anoréxica será vista como uma figura patética ou alguém
que provoca compaixão, mas em seu empenho aparentemen-
te narcisista de ser ultrafeminina ela consegue, curiosamente,
destruir suas características sexuais. Além disso, duas ma-
neiras relacionadas de se entender esta preocupação em ser
notada se apresentam. A primeira se reflete no repetido te-
ma da invisibilidade da mulher — a magreza exagerada é
talvez a mais perfeita expressão da ausência/presença da mu-

154
lher. Esta invisibilidade forçada, por sua vez, leva a um de-
sejo de ser aceita e notada pelo que se é, em vez de ter de
parecer, de ser perfeita e satisfazer as expectativas dos ou-
tros. Este desejo, fortemente sentido e raramente satisfeito
não tem outra opção senão a de ser reprimido e transfor-
mado em seu extremo oposto — o medo de ser notada, que
em sua forma específica faz com que a anoréxica fique em
evidência.
O desejo de ser aceita origina-se, para muitas mulhe-
res, no sentimento de não ser desejada e, por conseguinte,
de não ter valor. Isso pode estar explícito: "Queríamos, na
verdade, um menino." Ou pode vir com a decepção que
a mãe sente ao dar à luz uma filha. Seja explícito ou implí-
cito, o fato é que muitas comedoras compulsivas e muitas
anoréxicas contam que suas mães expressavam muita am-
bivalência com relação a sua própria existência. Dizer que
se queria um menino é dizer à filha que ela a decepcionou.
É curta a distância entre a sensação de não ter realizado as
expectativas da família e a de sentir-se um fracasso. Por sua
vez, o fracasso gera sensações de não se ter direito a nada.
Na puberdade, quando fica claro que uma menina é uma
menina, os sentimentos entre mãe e filha podem se tornar
tão pungentes que as duas atividades entram em conflito
para a menina. Ela recusa a comida numa tentativa de fe-
necer, não existir, para agradar a mãe através de seu desa-
parecimento. Ao mesmo tempo, a raiva que a filha sente
por não ter sido querida por si mesma, por não ter tido uma
mãe com a qual se identificar — como pode haver identifi-
cação com uma mãe que se auto-rejeita, sem também se ado-
tar uma auto-imagem de rejeição — é expressa pela recusa
em receber a única coisa que a mãe dá com constância —
comida. Em um misto de raiva e recato a adolescente en-
gasga na primeira garfada ou se sente satisfeita depois de
comer muito pouco. Está rejeitando o que a mãe lhe dá e
ferindo-a do modo mais intenso que conhece, enquanto rea-
liza, simultaneamente, aquilo que imagina ser o desejo da
mãe, isto é, desaparecer.
A pressão que leva muitos pais a desejar bebês do se-

155
xo masculino é, por si própria, conseqüência de se viver em
um mundo que confere menos poder social às mulheres.
Uma trágica repercussão da posição social da mulher é a
de que, ao transmitir a cultura de uma geração à outra, a
mãe tem o terrível trabalho de preparar sua própria filha
para aceitar uma vida construída sobre uma cidadania de
segunda categoria. É no aprendizado de identidade do gê-
nero — isto é, o que significa ser uma menina e, em segui-
da, uma mulher neste mundo — que encontramos nosso
lugar na sociedade. O que define essa identidade do gênero
vai variar com relação à classe e às restrições culturais, de
modo que o significado de ser uma operária na Bulgária
será bem diferente do significado de ser uma enfermeira nos
Estados Unidos, mas ambas as mulheres terão se tornado
adultas através de uma concepção do eu baseada em mo-
delos do comportamento feminino existentes, que primei-
ro assimilam de suas mães. É no ensino dessa identidade
do gênero que explodem as tensões da relação entre mãe
e filha e as mensagens conflitantes sobre a condição de adulta
da mulher são incorporadas pela jovem.
Um dos aspectos desta tensão que parece ser especial-
mente pertinente às anoréxicas é a preocupação de ter de-
cepcionado a mãe por ter sido uma menina. Ela se sente
como uma insegura e segunda colocada, com um precário
direito de existir. Esta inquietação com relação ao direito
de existir está também ligada a aspectos da anorexia rela-
cionados ao destaque nos estudos e ao bom desempenho.
Muitas mulheres relataram que sua necessidade de sobres-
sair nos estudos era uma reação ao sentimento de que, se
falhassem, decepcionariam seus pais. Se não o fizessem, po-
deriam ser aceitas — como disse, com amargura, uma mu-
lher anoréxica: "Tinha de ter um bom desempenho, não
era aceita simplesmente pelo que eu era, enquanto meu ir-
mão era aceito e era um delinqüente!" Na vida desta mu-
lher não havia nada explicitamente formulado em relação
ao fato de não ser desejada ou querida, o que havia era um
sentimento que ela captara, ligado ao que sentia com rela-
ção ao tratamento dado a seu irmão. O fato de serem tra-

156
tados de forma diferente em virtude de suas idades não bas-
tava para explicar os sentimentos que tinha com relação a
si mesma, e as atitudes de sua mãe a seu respeito. A única
maneira de entender essa enorme diferença de tratamento
e os sentimentos extremamente dolorosos de não ser aceita
era vê-los como fazendo parte da decepção de seus pais com
seu sexo.
Nos últimos trinta anos, uma das diferenças mais gri-
tantes entre a criação de meninas e meninos surgia na épo-
ca da adolescência, quando estas deviam ser puras e estes
deviam adquirir experiência sexual. O sexo era indiscutivel-
mente mau para as meninas e bom para os meninos. Para
as primeiras parecia que só os meninos podiam ganhar nesse
jogo: ou eles eram bem-sucedidos e adquiriam experiência,
ou eram tranqüilizados pelo fato de haver ainda muito tem-
po pela frente. De fato, havia até mesmo uma categoria es-
pecial de mulheres que fornecia essa experiência para os
meninos. Para as meninas, não havia como vencer. Se vo-
cê "transasse" era má, suja, impura. Pensarem "transar"
não era muito melhor também. Se você não "transasse"
era xingada pelos rapazes, mas se o fizesse iria adquirir má
reputação. As mulheres se preparavam para o casamento
com muitos anos de antecedência e a sua atividade sexual,
até que ele chegasse, deveria ser mantida dentro de limites
definidos. Tendo isso como pano de fundo, não é possível
surpreender-se com o fato de que as jovens ficassem terri-
velmente confusas com relação a sua sexualidade, vendo-a,
por um lado, com um mal, uma coisa perigosa e explosiva
e, por outro, como poderosa, gloriosa e desejável. Deste
modo, a sexualidade fica estranhamente desencorporada da
pessoa. É um lado da jovem que precisa ser vigiado em qual-
quer situação, quase como se fosse uma entidade indepen-
dente que ela deve manter sob controle. Essa visão alienante
da sexualidade, da qual as mulheres estão lutando para se
libertar, pode lançar uma luz sobre a ambivalência que sente
tanto a anoréxica como a comedora compulsiva com rela-
ção à sexualidade. A desfiguração de uma função corporal
básica é transferida para outra que também é básica — a

157
fome. Através da deformação da forma física que se segue
e da manipulação das sensações da fome, a anoréxica e a
comedora compulsiva indiciam intensamente a cultura se-
xista. A jovem se retira dá única arena sexual disponível
e teme que, caso expresse o que sente em termos sexuais,
todo seu mundo desabará.
Quando recua diante de uma identidade sexual a jo-
vem anoréxica está indicando as dificuldades dos vários as-
pectos da condição de mulher. A identidade sexual é um
aspecto da identidade do gênero, de modo que na rejeição
dos modelos de sexualidade rejeita-se, simultaneamente, os
modelos de feminilidade. É com este dilema que se depa-
ram muitas mulheres e ele vem expresso tanto através dos
significados simbólicos da magreza, como pela recusa do
alimento feito pela anoréxica.
Por conseguinte, para a anoréxica, a recusa do alimento
é uma maneira de dizer "não", uma maneira de rejeitar.
É seu modo de demonstrar força. Por outro lado, a magre-
za também expressa sua fragilidade e debilidade, sua con-
fusão a respeito da sexualidade e sua vontade de desaparecer.
Para a comedora compulsiva o quadro está invertido, a gor-
dura expressa rejeição, proteção e força e o incessante con-
sumo de comida simboliza a capitulação. Em ambas as
reações vemos adaptações a um papel feminino de parâme-
tros muito limitados. Ambas as síndromes expressam a ten-
são com relação à aceitação e à rejeição das coações feitas
pela feminilidade.
O interessante na comparação dessas duas reações é ob-
servar exatamente onde convergem e onde diferem. Uma
área onde há uma diferença marcante se encontra na pos-
tura daquelas que sofrem nos dois extremos do processo.
Para a anoréxica, seu problema é uma questão para discus-
são pública. É um assunto muito particular que ela não re-
conhece como um problema, porque ela mesma vê sua
recusa em comer como uma tentativa de controlar sua si-
tuação, controle este que parece precário e que poderia es-
tar sendo ameaçado se fosse discuti-lo. O que é bastante
diferente do que sentem as comedoras compulsivas, que não

158
consideram seu comer em excesso como um ato delibera-
do, mas como algo que acontece apenas quando estão sem
controle. Sentem-se muito contentes em discutir sobre essa
força externa e invasora, e geralmente iniciam conversas so-
bre seu "problema". Isto pode ser explicado, em pnrte, pelo
fato de que a presença social para se ser magra é tão forte
que as comedoras compulsivas sentem que têm de dar uma
desculpa para sua forma. A anoréxica, por mais que se ve-
ja gorda, está, na verdade, amoldando-se à exigência que
a sociedade faz para que as mulheres sejam magras.
Paradoxalmente, o público não especializado encara
a anorexia nervosa com muita seriedade, enquanto vê a com-
pulsão de comer como o comportamento de uma pessoa gu-
losa e que se excede. Entretanto, como já vimos antes, essas
duas atividades são reações extremamente penosas para as
quais se voltam as mulheres em seu esforço de causar algu-
ma impressão sobre seus mundos.

Questões médicas
A tese deste livro é que a compulsão de comer nas mulhe-
res é uma reação à sua posição social. Como tal, continua-
rá a ser um problema nas vidas das mulheres enquanto
existirem condições sociais que criem e estimulem a desi-
gualdade dos sexos. Qualquer tratamento para mulheres com
excesso de peso deve observar esse fato.
Quando uma mulher consulta um clínico geral em vir-
tude de seu problema de peso, este quase que invariavel-
mente lhe diz que faça uma dieta. A seus olhos está claro
que esta paciente come demais e para emagrecer deve co-
mer menos. Esta é exatamente a mesma opinião que está
implícita em todas as dietas que são jogadas no mercado
todos os dias. O médico não tem nem tempo, nem interes-
se para investigar por que essa mulher começou a engor-
dar. Nenhum conselho a respeito de dietas poderá ajudar
uma mulher a emagrecer permanentemente se as verdadei-
ras causas não forem reconhecidas e trabalhadas.

159
A formação médica atual está-se tornando cada vez mais
técnica — notas altas em matérias científicas tornaram-se es-
senciais para qualificar a pessoa a entrar na faculdade de me-
dicina e, uma vez lá, a ênfase é dada ao enfoque técnico.
Geralmente não se vê o lado humano da medicina. Isto quer
dizer que os médicos são treinados para saber usar comple-
xos aparelhos e manter-se em dia com pesquisas básicas. Não
adquirem a sensibilidade para reconhecer o que, em geral,
incomoda seus pacientes. Por esse motivo, muitas mulheres
se vêem diante de um rosto impassível quando fazem uma
visita ao médico, para emagrecer. Os médicos não são me-
nos suscetíveis do que as outras pessoas às idéias culturais
a respeito da beleza e da magreza e, geralmente, sentem-se
no direito de tecer comentários sobre a forma física de sua
paciente, mesmo quando seu problema clínico não tem rela-
ção com isso. Como disse uma mulher, "sempre fazem com
que me sinta culpada, como uma menina malcomportada,
por ter comido demais". Segurando mais uma receita com
uma dieta, são logo enviadas de volta a seus lares e traba-
lhos e aos problemas que lá enfrentam — problemas que, antes
de mais nada, foram a causa de sua gordura.
Mas as mulheres agora sabem que dietas e culpas não
funcionam, quer venham de médicos, quer de revistas. Al-
gumas talvez fiquem desesperadas para encontrar uma causa
fisiológica para sua persistente gordura. Podem ir mais além,
a um especialista que trata de obesidade e cujo interesse é
afirmar que existem fatores biológicos que a originam.
Quando uma mulher vai a um especialista está procurando
entender melhor o assunto; pode estar pensando, "se exis-
te uma causa clínica para minha gordura, então não há mui-
to que eu possa fazer. Ficarei gorda, mas as pessoas reco-
nhecerão que não é minha culpa".
Nos últimos anos têm-se feito muitas pesquisas sobre
as causas de obesidade. Embora tenham sido poucas as teo-
rias totalmente incorporadas à prática da instituição médi-
ca, a publicidade que tiveram e a esperança que instilaram
nas pessoas com excesso de peso, levam-me a discutir aqui
as mais populares.

160
Médicos e pesquisadores que têm uma visão mecani-
cista do corpo humano descrevem-no como um conjunto
de órgãos (fígado, coração, cérebro), tecidos (músculos, te-
cido nervoso, ossos) e células (nervosas, musculares e san-
güíneas). Os órgãos são compostos por vários tipos de células
e estas são descritas como pequenas fábricas bioquímicas
que trabalham para manter a boa saúde do organismo. Es-
ta visão permitiu o desenvolvimento de uma concepção da
obesidade como um fenômeno físico. No corpo existe teci-
do entre os órgãos, como entre os vários grupos de múscu-
los ou de ossos e músculos, que é chamado de tecido
conectivo. Este tecido conectivo tem a capacidade de acu-
mular a gordura que o corpo não usa. É chamado de teci-
do adiposo e consiste em células que recebem o nome de
células de gordura. É esse modelo de acumulação de gor-
dura nessas células que tem despertado a atenção de mui-
tos pesquisadores da área médica.

A TEORIA DAS CÉLULAS DE GORDURA — Há dez anos Hirch


e Knittle' desenvolveram um método para contar o núme-
ro e medir o tamanho das células de gordura através de uma
amostra de tecido adiposo. Afirmaram que a obesidade na
infância vinha acompanhada de um aumento no número
desse tipo de células do corpo, que não diminuíam através
de dietas feitas mais tarde na vida. As próprias células po-
dem reduzir de tamanho quando a pessoa emagrece, mas
é como se ficassem paradas aguardando para serem nova-
mente preenchidas. Uma pessoa extremamente obesa pode
ter cerca de cinco vezes mais o número normal de células
de gordura. Esta teoria explica a razão pela qual as pessoas
com excesso de peso têm dificuldade em manter o peso baixo
após a dieta.

AS T E O R I A S B I O Q U Í M I C A S — O funcionamento das células


depende da natureza das reações químicas que nelas ocor-
re. Todas as reações químicas do corpo — a transforma-
ção de comida em energia, o dispêndio da energia nos
exercícios, toda a atividade humana, enfim, dependem da

161
presença de enzimas. Enzimas são moléculas de proteínas
que ajudam a reação química sem serem consumidas. To-
da reação química no corpo tem uma enzima que lhe está
associada. Estudos com bactérias mostraram que as enzi-
mas são formadas com a ajuda de informações armazena-
das nos genes. Por conseguinte, segundo essa perspectiva,
é natural que se veja uma explicação genética para a obesi-
dade. Os indivíduos obesos são vistos como possuidores de
genes ligeiramente diferentes dos genes de pessoas não obe-
sas. Esses genes diferentes resultam então em enzimas li-
geiramente diferentes. São estas as enzimas que participam
das reações químicas relacionadas ao armazenamento de
gordura do corpo. A pessoa obesa é descrita como sendo
aquela que possui enzimas diferentes e disso resulta que seus
corpos reagem à gordura diferentemente dos corpos das pes-
soas não obesas.

AS TEORIAS GENÉTICAS — Relacionado ao enfoque bioquí-


mico, está o enfoque genético. O enfoque genético mais geral
não especifica necessariamente onde ocorre a variação ge-
nética, mas simplesmente formula uma hipótese de que ela
existe, quer nas enzimas, no sistema nervoso, ou no siste-
ma hormonal do corpo. Esta abordagem conduz a estudos
que mostram que "a obesidade se dá dentro da família.2"
Uma nova teoria genética3 afirma que as pessoas gor-
das não comem necessariamente mais do que as magras. O
argumento diz que em sociedades agrícolas de subsistência,
o padrão alimentar é o da festa e jejum e que aqueles que
têm a capacidade de armazenar eficazmente a energia em
excesso e de liberá-la para o trabalho físico têm melhores
chances de sobrevivência. Nas sociedades afluentes onde
existe um abastecimento regular e suficiente de comida, o
corpo não necessita armazenar e liberar energia do mesmo
modo. Além disso, já que tendemos a ser mais sedentários,
queimamos menos dessa energia em excesso. Simulações fei-
tas por computador do padrão do acúmulo de gordura e
magreza nos adultos são oferecidas como provas para uma
visão biologicamente determinista, que diz que, embora até

162
pouco tempo atrás fosse funcional ter-se uma tendência ine-
rente para a gordura, hoje em dia o funcional é se ter uma
predisposição para a magreza.

A TEORIA R E L A C I O N A D A À I N S U L I N A — Quando se come


açúcar e proteína, as células de Langerhans, que são gru-
pos de células no pâncreas, produzem um hormônio char
mado insulina. A insulina é uma proteína vital que as células
precisam absorver para utilizar o açúcar como fonte de ener-
gia. Se houver um excesso de glicose na corrente sangüí-
nea, este será transformado em energia armazenada ou
gordura. Se um corpo não produz insulina suficiente, o açú-
car e o carboidrato se acumularão no sangue e não forne-
cerão energia para manter os processos corporais e o
crescimento. Isto é o diabetes. Dois terços dos diabéticos
são obesos e este fato tem levado alguns pesquisadores a
se indagar se existe uma relação entre essas duas condições.
A teoria do hiperinsulinismo supõe que o corpo produz mui-
ta insulina que pode, por sua vez, induzir insensibilidade
ao hormônio4. Esta última opinião foi popularizada pelo
dr. Atkins5. Ele chama a insulina de "hormônio que faz
engordar" e afirma que sua presença em excesso estimula
a pessoa a comer mais para manter o equilíbrio. Ele vê a
insulina como o laço fundamental entre o excesso de peso,
a baixa taxa de açúcar no sangue e o diabetes.

A TEORIA NEUROLÓGICA — A teoria neurológica simples


focaliza o sistema regulador do corpo. Supõe-se que uma
região no cérebro, o hipotálamo, seja o ponto onde se pro-
cessam as mensagens mandadas pela fome. Um centro de
saciedade no hipotálamo informa quando a pessoa está sa-
tisfeita. Foi formulada a hipótese de que, se houver lesões
nessa área neurológica, a pessoa não saberá qual o momento
que deve parar de comer. Um recente estudo feito em ratos
com lesões ventromedianas do hipotálamo — que aumen-
tam a capacidade de comer, atrasam a capacidade de sentir
a saciação e causam a obesidade — mostrou várias deficiên-
cias de motivação, como a incapacidade do rato em arma-

163
zenar a comida. Esta incapacidade de armazenar comida
levou os pesquisadores a formar um paralelo com a moti-
vação humana e a sugerir que a obesidade causa a pobre-
za.6
Para outros pesquisadores, o hipotálamo não é tão fun-
damental para a regulação da fome. No entanto, o princí-
pio básico permanece o mesmo. Existe a hipótese de que
uma deficiência do organismo em regular a fome seja a causa
de se comer em excesso.
A falha de algumas dessas teorias está em que não ofe-
recem uma maneira de determinar se as diferenças obser-
vadas nas reações humanas entre pessoas obesas e não obesas
causam a obesidade ou são devidas a ela. A teoria das célu-
las de gordura tem sua aplicação limitada, já que a alta pro-
porção destas células na primeira infância ocorre somente
em casos de obesidade extrema. O tratamento de adultos
que foram crianças obesas não impede a perda de peso e
a estabilização.7 As teorias genéticas mais gerais ficam
abaladas porque a semelhança observada na família tam-
bém se aplica ao modelo ambiental.8 A teoria evolutiva
funcional fica enfraquecida porque o autor subestima as ta-
xas admissíveis de mudanças genéticas que ocorrem com o
tempo.9 A teoria da lesão no hipotálamo descreve, em pri-
meiro lugar, o comportamento dos ratos em termos huma-
nos e, ao fazer isso, cai na armadilha de supor que as
observações do comportamento animal sejam análogas às
do comportamento humano.10
No entanto, o que é mais crítico são os tipos de trata-
mento que derivam dessas hipóteses. Prometem, através de
uma compreensão da fisiologia humana, criar uma subs-
tância (um medicamento, por exemplo) que possa derreter
as células de gordura, reparar o mecanismo da saciedade
no hipotálamo, ou permitir que o organismo da pessoa uti-
lize com mais eficácia seu consumo de gordura e açúcar.
Este procedimento pode ser visto no tratamento de diabe-
tes. A incapacidade do organismo de produzir insulina su-
ficiente é corrigida através de injeções diárias dessa
substância. Um tratamento semelhante para a compulsão
164
de comer, ou seu efeito mais comum — a obesidade —, sa-
tisfaz um desejo geralmente expresso de que a gordura possa
sumir num piscar de olhos através de uma pílula, e que se-
remos tão magras quanto quisermos. A história de pesqui-
sas médicas divergentes, feitas nos últimos setenta e cinco
anos, torna improvável a existência de tal substância. Os
tratamentos geralmente procurados e usados estão concen-
trados em três áreas principais: a terapia com remédios, as
cirurgias e a terapia através de dietas.

A T E R A P I A C O M R E M É D I O S — Um dos métodos de trata-


mento da obesidade tem sido o de se receitar a tiroxina, hor-
mônio secretado pela glândula tireóide. Supõe-se que a
tiroxina "acelere o metabolismo" e assim faça com que 0
corpo desgaste mais rapidamente a comida. São duvidosos
os efeitos a longo prazo desse tratamento, pois ele se apóia
em doses muito elevadas de hormônio. Como tal, é poten-
cialmente perigoso, porque pode prejudicar o funcionamen-
to normal da tireóide, que é muito delicado. Outras duas
drogas são empregadas no tratamento da obesidade. Cha-
mam-se anorexígenos. Num grupo encontram-se os supres-
sores do apetite, popularmente conhecidos como
anfetaminas ou bolinhas. Os aspectos estimulantes e cau-
sadores de vício desta droga já foram bem documentados,
assim como o foi a necessidade do paciente de consumir do-
sagens cada vez mais fortes para conseguir permanecer sem
apetite. No outro grupo estão drogas como a flenfuramí-
na, cujo objetivo é produzir sensações de saciedade e inibir
a síntese dos triglicerídeos.

AS CIRURGIAS — Mais assustadoras são os métodos de tra-


tamento que tentam contornar o problema através da ci-
rurgia. O bypass jejuno-ileal* é uma operação em que parte
do intestino delgado é inativado, para que a comida não

*Um desvio para diminuir a superfície de contato entre o alimento e a mucosa


jejunal, diminuindo a absorção. (N. do T.)

165
possa ser absorvida normalmente. Geralmente realizada em
casos de doenças inflamatórias graves e em câncer dos in-
testinos, essa cirurgia tem sido realizada em casos de obesi-
dade extrema nos últimos vinte anos. Seus efeitos colaterais
têm sido exaustivamente estudados. Entre os problemas re-
latados está o do ajuste psicológico. Em um estudo sobre
a evolução dos pacientes," trinta e dois em quarenta pas-
saram por diferentes crises associadas à perda de peso. En-
tre elas, sem que isso cause surpresa, estão problemas de
auto-afirmação, perda de identidade e perda de limites. Um
outro pesquisador relata12 que continuou existindo uma su-
perestimação da forma física por mulheres, dois anos após
realizada a operação e de uma perda de peso médio de 45
a 50 quilos.
Um método ainda mais abertamente mecanicista é a
remoção cirúrgica das células de gordura. Fez-se um
experimento13 onde três pacientes foram submetidas a uma
dieta de emagrecimento e, quando atingiram o peso "nor-
mal" foram retiradas de 47 a 60% das "células de gordura
em excesso". Uma paciente sofreu uma trombose, outra re-
cuperou 37 quilos três anos depois e a outra mantém "uma
dieta rigorosa e segue regularmente um programa extenuante
de exercícios físicos".

A TERAPIA ATRAVÉS DA DIETA — A dieta continua sendo


o principal tratamento receitado pelos médicos. Pesquisa-
dores da área médica investigam o teor da relação entre vá-
rios alimentos e oferecem seus planos de dieta de acordo
com isso. Comparado aos outros tratamentos, a dieta pa-
rece ser um método mais ameno e inofensivo, mas não di-
fere, em princípio, das terapias mais radicais com drogas
ou cirurgias. É como se o corpo humano fosse o paralelo
biológico de um automóvel. A obesidade é vista como um
mau funcionamento biológico, assim como um carro que
consome muita gasolina. Os significados humanos da gor-
dura e da magreza e as conseqüências e causas sociais da
compulsão de comer não têm lugar dentro deste pensamento.
Apesar de não ser meu propósito criticar os profissio-

166
nais que se dedicam à saúde humana, é importante obser-
var que a profissão médica como um todo possui uma in-
feliz história de envolvimento direto com a opressão das
mulheres em nossa sociedade. O trabalho de Barbara Eh-
renreich e Deirdre English14 mostrou que a profissão mé-
dica se estabeleceu nos Estados Unidos diante da oposição
de curandeiros dedicados e informados cuja maioria era
composta de mulheres. Recentemente, grupos de saúde da
mulher — destacando-se o Boston Women's Health Book
Collective15 — vêm repensando questões médicas sob uma
perspectiva feminista e estão empenhados em compartilhar
e divulgar o tipo de informação que as mulheres precisam
saber sobre seus corpos. As atividades de alguns destes gru-
pos de mulheres têm encontrado oposição por parte das au-
toridades. Houve um caso em que as mulheres que
participavam de um grupo de auto-ajuda na Califórnia16
foram processadas (embora sem êxito) por introdução va-
ginal ilegal.
O que é lamentável com relação às opiniões médicas
atuais é sua hegemonia em áreas como a da compulsão de
comer, onde as causas originárias e os problemas possuem
aspectos sociais essenciais que devem ser entendidos para
que possa haver eficácia no tratamento e nas intervenções.
Mesmo diabéticas com excesso de peso podem ser comedo-
ras compulsivas e este problema deve ser tratado em con-
junto com problemas clínicos.
Na última década temos assistido a uma crescente e sig-
nificativa tendência a se pensar que a ciência e a medicina
possam resolver problemas fundamentados social e econo-
micamente. A medicina é apresentada como aquela que pode
curar, e a ciência, como a verdade. Reina uma nova reli-
gião — a ideologia da ciência17. Esta nova ideologia supõe
que a ciência seja neutra e sem valores. Mulheres e homens
vestidos de branco trabalham distanciados em laboratórios,
à procura da verdade e do progresso. Os médicos pesquisa-
dores são não só pessoas que buscam a verdade, mas tam-
bém humanos, já que seu trabalho está diretamente
relacionado à saúde humana. Poucos se preocupam em sa-

167
ber quem está financiando suas pesquisas e estabelecendo
as prioridades. Em vez disso, pede-se ao público que aceite
novos entorpecentes tecnológicos para tratar de problemas
do comportamento humano.
Um passar de olhos em revistas médicas revela essa ati-
tude em uma outra área. É típico ver o retrato de uma ator-
mentada mulher de seus quarenta anos, curvada sobre uma
mesa, dentro de uma cozinha abagunçada. O anúncio diz
em letras grandes: "A droga X vai ajudá-la a aliviar a ten-
são para que possa enfrentar melhor as coisas." Numa le-
tra menor, menciona a conhecida situação da mulher
deprimida que está na menopausa, que se sente sem vida
e sem energia agora que seus filhos abandonaram o ninho.
O anúncio recomenda a psicotrópico X para reduzir a an-
siedade. Os médicos que em geral são homens sobrecarre-
gados de trabalho e não são formados para ver os problemas
sociais que criam a angústia em suas pacientes, e que pro-
vavelmente também nunca a sentiram, recomendam tran-
qüilizantes e drogas psicoativas para levantar o ânimo dessas
mulheres, de modo a que possam funcionar razoavelmente
bem de novo, para poder limpar suas cozinhas e não ser
uma amolação para ninguém. A causa social subjacente da
angústia não é vista. Uma medicação é oferecida e as mu-
lheres são drogadas.
A compulsão de comer é um protesto individual con-
tra a desigualdade dos sexos. Como tal, as intervenções mé-
dicas aqui detalhadas não fazem parte da solução, mas sim
do problema. A situação exige uma reorientação fundamen-
tal da educação médica e científica, uma organização e uma
prática que estejam baseadas nas reivindicações do movi-
mento de saúde da mulher.

168
Notas

Prefácio
1 — Ver o capítulo sobre as questões médicas. A psicote-
rapia analítica vê o comportamento relacionado ao modo
de comer como um sintoma que desaparecerá quando o ver-
dadeiro trauma for esclarecido. Não tem tido nenhum êxi-
to sensacional em tratar o sintoma, mesmo nos casos em
que a pessoa que procura a terapia o faz querendo focali-
zar a compulsão de comer como sendo o problema.
2 — Ver, por exemplo:
Science for People 34 (inverno 1976-7). Uma discussão so-
bre a relação entre a oferta de alimentos, a política de agri-
cultura mundial e a exploração dos recursos do Terceiro
Mundo. Disponível na British Society of Social Responsi-
bility in Science, 9 Poland Street, London W.l, Inglaterra.
Science for the People 7 (março 1975)
3 — É importante, neste caso, que os terapeutas sejam ex-
tremamente sensíveis ao modo de comer de suas clientes e
lhes forneçam um lugar onde possam se sentir aceitas en-
quanto estiverem se auto-rejeitando em virtude da compul-
são de comer. É importante também procurar por meca-
nismos de transferência tanto no grupo, como nas sessões
individuais.

169
Introdução
1 — Ver, por exemplo:
G. Bychowski, "Neurotic Obesity," The Psychology of Obe-
sity, ed. N. Kiell (Springfield, Illinois, 1973)
Ludwig Bingswanger, "The Case of Ellen West," Existen-
ce, ed. Rollo May (Nova York, 1958).
2 — William Ryan, Blame the Victim (Nova York, 1971).
Este livro mostra como se acaba por culpar as vítimas da
opressão, em vez de seus perpetradores.
3 — Dorothy Griffiths e Esther Saraga, "Sex Differences
in a Sexist Society". Estudo lido na International Confe-
rence on Sex-role Stereotyping. British Psychological So-
ciety, Cardiff, Wales, Julho 1977.
4 — John Berger et al., Ways of Seeing (Londres, 1972)
p. 47.
5 — Simone de Beauvoir, The Second Sex (Londres, 1968).
6 — Discussões sobre esse assunto podem ser vistas em:
Juliet Mitchell, Psychoanalysis and Feminism (Nova York,
1974). Phyllis Chesler, Womem and Madness (Nova York,
1972).
7 — D. Brunet e I. Lezine, "I Primi Anni del Bambino".
Citado em Elena Gianini Belotti, Little Girls (Londres,
1975), pp. 32-4. Embora realizado na Europa, este estudo
não exclui sua relevância no contexto americano. O livro
faz uma das descrições mais cuidadosas da socialização de
meninas e do significado da primeira relação de alimenta-
ção ligada ao sexo.
8 — Margaret Atwood, Lady Oracle (Londres, 1977), p.
88.

O que significa a magreza para a comedora compulsiva?


1 — Sharon Rosenburg e Joan Weiner, The Illustrated
Hassle-Free Make Your Own Clothes Book (São Francis-
co, 1971).
2 — Trata-se de um costume judaico da Europa Oriental
que visa a trazer um pouco de cor às maçãs do rosto.

170
A vivência da fome para a comedora compulsiva
1 — A indústria da dieta é extremamente lucrativa. Para
estatísticas financeiras ver:
Natalie Allon, "The Stigma of Overweight in Everyday Li-
fe". John E. Fogarty Center for Advanced Study in the
Health Sciences. Vol. II, parte II. National Institute of
Health, Bethesda, Md. Edited by George A. Bray. DHEW
publication. U. S. Govt. printing office. Outubro 1-3, 1973,
pp. 83-102.
2 — As organizações da dieta não liberam números relati-
vos a reincidência. No entanto, várias fontes estimam que
isto ocorra em 95% dos casos. Ver Aldebaran, "Fat Libera-
tion — A Luxury", State and Mind 5 (Junho-Julho 1977):
34.
3 — Stanley Schachter, "Obesity and Eating", Science 161
(1968): 751.
4 — Discussões sobre este assunto podem ser vistas em:
A.J. Stunkard e H.M. McClaren, "The Results of Treatment
for Obesity", Archives of Internai Medicine 103 (1959): 79.
Stanley Schachter, "Some Extraordinary Facts About Obe-
se Humans and Rats", American Psychologist 23 (1971): 129.
Stanley Schachter, "Obesity and Eating", Science 161 (1968):
751.
5 — Carol Bloom, "Training Manual for the Treatment of
Compulsive Eating and Fat". Master's thesis, State Univer-
sity of New York at Stony Brook (1976).

Anorexia nervosa
1 — Mara Selvini Palazzoli, "Self Starvation" (Londres,
1974), pp. 24-5.
2 — Discussões úteis sobre anorexia nervosa podem ser vis-
tas em:
Rosie Parker e Sara Mauger, "Self Starvation", Spare Rib
28 (1976).
Marlene Boskind-Lodahl, "Cinderella's Stepsisters: A Femi-
nist Perspective on Anorexia Nervosa and Bulimia", Signs
2 (inverno, 1976): 342-56.

171
Mara Selvini Palazzoli, Self Starvation (Londres, 1974).
Hilde Bruch, Eating Disorders (New York, 1973).
Peter Daily, Anorexia Nervosa (Londres, 1969).
Anna Freud, "The Psychoanalytic Study of Infantile Fee-
ding Disturbances", The Psychoanalytic Study of the Child
//(Londres, 1946).
3 — Parker e Mauger, Self Starvation.
4 — Palazzoli, Self Starvation, pp. 224-52.
5 — Bruch, Eating Disorders. p. 88.
6 — Daily, Anorexia Nervosa pp. 93-4.

Questões médicas
1 — J. L. Hirch e J. Knittle, "Cellularity of the Obese and
Nonobese Adipose Tissue'', Federation Proceedings of the
American Society for Experimental Biology 29 (1970): 1516.
2 — W. B. Kannel and T. Gordon, "Some Determinants
of Obesity and Its Impact as a Cardiovascular Risk Fac-
tor", in Recent Advances in Obesity Research, ed. Alan Ho-
ward (Londres, 1975), p. 14. (Mais adiante citado como
Recent Advances.)
3 — H. E. Dugdale, e P. R. Payne, "The Pattern of Lean
and Fat Deposition in Adults", Nature 266 (Março, 1977):
349.
4 — H. Keen, "The Incomplete Story of Obesity and Dia-
betes", in Howard, Recent Advances.
5 — R. C. Atkins, Dr. Atkins Diet Revolution (Nova York,
1972).
6 — L. J. Herberg, K.B.J. Franklin e D. N. Stephens, "The
Hypothalamic 'Set Point' in Experimental Obesity", in Ho-
ward, Recent Advances.
I — Hilde Bruch, Eating Disorders (Nova York, 1973), p. 36.
8 — Michael Schwartz e Joseph Schwartz, "No Evidence
for Heritability of Social Attitudes", Nature 255:429.
9 — A. Cooke et al., "The New Synthesis Is a Old Story",
New Scientist 70 (1976).
10 — Ibid.
11 — E. Espmark, "Psychological Adjustment Before and
172
After Bypass Surgery for Extreme Obesity, a Preliminary
Report", in Howard, Recent Advances p. 242
12 — R.C. Kalucy et al., "Self Reports of Estimated Body
Widths in Female Obese Subjects with Major Fat Loss Fol-
lowing Ileo-jejunal Bypass Surgery", in Howard, Recent
Advances p. 331.
13 — J.G. Kral e L.V. Sjorstrom, "Surgical Reduction of
Adipose Tissue Hypercellularity", in Howard, Recent Ad-
vances, p. 327.
14 — Barbara Ehrenreich e Deirdre English, Witches, Mid-
wives and Nurses (Nova York, 1973).
15 — The Boston Women's Health Collective, Our Bodies,
Ourselves (Nova York, 1973).
16 — Peoplev. Carolyn Aurillia Downer LAMC 31426942
(1972).
17 — R.M. Young, "Science is Social Relations", Radi-
cal Science Journal. 5 (1977): 65.

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