Professional Documents
Culture Documents
DO SETOR AGRÍCOLA
Waldecy Rodrigues1
Resumo - Este artigo realiza uma análise econômica e institucional do comércio internacional
agrícola. Foi realizada uma abordagem histórica do comércio mundial, destacando o contexto
econômico e político do surgimento da estrutura institucional reguladora e a evolução
específica das negociações multilaterais no comércio agrícola no âmbito da Organização
Mundial do Comércio (OMC). Entre 1930-2000 as tarifas médias de importação tiveram
uma queda de 93,4%, entretanto há ainda um grande protecionismo no setor agrícola
evidenciado pelos grandes picos tarifários praticados pelos EUA (350%), União
Européia (800%) e Japão (900%). Os países em desenvolvimento devem formular
suas políticas comerciais, a partir do principio de defesa comercial, dado os elevados
níveis de proteção dos países desenvolvidos. Mas no caso brasileiro, foi adotado, no
início da década de 90, uma política comercial liberalizante em todos os setores da
economia com o objetivo de desfrutar dos benefícios da abertura comercial, porém foi
inviabilizada uma estratégia posterior mais agressiva no contexto multilateral visando
a quebra das barreiras ao comércio internacional de produtos agrícolas.
Palavras-chave: comércio internacional agrícola, OMC, protecionismo agrícola.
1. Introdução
Este artigo tem o objetivo de realizar uma análise econômica e institucional do
comércio internacional agrícola. Assim, a comparação entre a liberalização no comércio
internacional entre produtos manufaturados e primários contribuí para compreender a
distância entre os estágios de riqueza dos países, de acordo com os produtos que orientam
suas economias. O problema central é compreender as razões que levam os países
desenvolvidos protegerem o setor agrícola, impondo pesadas perdas no bem-estar dos países
em desenvolvimento.
A liberalização do comércio internacional agrícola sempre enfrentou dificuldades em
termos históricos. Existem alguns casos recorrentes de tal fato. Por exemplo, o berço do
liberalismo econômico – a Inglaterra – protegeu sua agricultura através da Corn Laws desde o
fim das Guerras Napoleônicas até o final do século XIX. Sua abolição deveu-se ao fato do
governo inglês entender que as mesmas oneravam os consumidores ingleses.
Um outro exemplo histórico foi dado pelos Estados Unidos, que em 1930 adotaram a
tarifa Smoot-Hawley, que elevou mais de 800 alíquotas de importações agrícolas e
industriais. É de se notar que desde 1927, sob os auspícios da Liga das Nações, estavam se
realizando negociações visando à redução generalizada de tarifas. O aumento das barreiras
protecionistas pelos EUA pôs um ponto final neste esforço e suscitou respostas no mesmo
sentido de outras nações, dentre as quais inclui-se o Brasil. Cada país tratou de elevar o seu
nível de atividade e de emprego substituindo importações, obviamente a custas das
exportações dos outros países.
Até a Rodada do Uruguai, finalizada em 1994, praticamente não havia apoio para a
inclusão da agricultura de forma efetiva na agenda de liberalização, porque os Estados
Unidos e as principais nações desenvolvidas da Europa eram geralmente sujeitas a fortes
1
Professor Doutor do Departamento de Economia da Universidade Federal do Tocantins. E-mail:
waldecy@terra.com.br
2
2
Segundo dados da UNCTAD (1983), citado por BHAGWATI (1990) , os EUA detinham em 1950 e 1980,
respectivamente 40,3% e 21,8% do PIB mundial .
3
O autor não utiliza o termo “globalização da economia”, pois acredita que o mesmo dá uma falsa impressão de
inserção de todos os países processo de forma eqüitativa. Prefere utilizar o termo “mundialização do capital” do
capital em suas abordagens.
4
4
EFTA (Asociación Europea de Comercio Justo). Anuario de Comercio Justo 1998-2000. Madrid, 1998.
5
5
Citados por THORSTENSEN, V. Organização Mundial do Comércio: as regras do comércio
internacional e a rodada do milênio. São Paulo: Aduaneiras, 1999.
6
A sétima rodada chamada Rodada Tóquio, negociou, além de redução de tarifas, uma
série de acordos para reduzir a incidência de barreiras ditas não tarifárias e que passaram a ser
adotadas por diversos países como forma de proteção à produção nacional. Esta rodada, além
de esclarecer regras anteriores já negociadas, também introduziu novas regras ao GATT. Um
dos problemas da rodada foi que os acordos negociados só valiam para as partes que os
assinavam. Os acordos da Rodada Tóquio foram nove: barreiras técnicas, subsídios,
antidumping, valoração aduaneira, licenças de importação, compras governamentais,
comercio de aeronaves, acordo sobre carne bovina e acordo sobre produtos lácteos.
O GATT, além de um foro de negociações, também era o árbitro das regras de
liberalização do comércio negociadas entre as partes. Casos de conflitos eram levados a
painéis criados pelo próprio GATT, que podiam autorizar medidas de retaliação. Mas no
antigo GATT as partes que perdiam o painel podiam bloquear a sua adoção, uma vez que a
prática era adotar decisões por consenso. Porém, apesar de não ter força de um tribunal o
GATT exercia forte pressão política para que as partes do acordo cumprissem as regras
preestabelecidas.
A oitava rodada, a Rodada Uruguai (RU), foi a mais ambiciosa e complexa das
negociações estabelecidas no âmbito do GATT. Foi iniciada em 1986 na cidade de Punta del
Este e terminou formalmente em 1994. O objetivo da RU além da diminuição das tarifas foi o
de integrar às regras do GATT setores antes excluídos, como agricultura e têxteis, além de
introduzir tais regras a novos setores como serviços, medidas de investimentos e de
propriedade intelectual. Cerca de cento e vinte e cinco países participaram da Rodada
Uruguai, o que demonstra o interesse dos diversos países em negociações sobre o sistema
multilateral do comércio.
A história do GATT, e agora da OMC, permite visualizar a formação de grupos de
interesses variados que agrupam, na maioria das vezes, países desenvolvidos contra países em
desenvolvimento, mas também de grupos que agregam membros de diversos níveis de
desenvolvimento, porém que são exportadores de certos produtos em comum, como é o caso
de produtos agrícolas. O dia-a-dia da instituição não é regido por uma geometria fixa de
defesa de interesses entre membros desenvolvidos e em desenvolvimento, nem de
exportadores e importadores de determinados produtos, mas através de tinia geometria
variável, que é ditada por interesses comuns sobre pontos específicos da agenda (LAFER,
1998).
A limitada importância que o GATT dava a agricultura levou a uma crescente tensão
internacional no seu comércio, particularmente entre os países desenvolvidos. O comércio
esteve freqüentemente em estado de fricção, com muitos países desenvolvidos aplicando
protecionismo abertamente em prejuízo a outros países.
Para KONANDREAS (1999) a situação que existia nos mercados mundiais agrícolas
antes da Rodada Uruguai era marcado por um forte protecionismo e constantes conflitos
comerciais internacionais. Predominavam barreiras não tarifárias no comércio agrícola e havia
grandes subsídios praticados no setor. Por exemplo, as transferências aos produtores dos
países da OCDE, medida segundo a Estimativa de Apoio ao Produtor, alcançavam os 292
bilhões de dólares americanos em 1991-93 (em alguns países entre 60 e o 80% do renda dos
fazendeiros advinha do apoio governamental).
Como resultado dos subsídios eram produzidos excedentes com vultosos gastos em
exportações subsidiadas. Também, em virtude desta política adotada disto, caiam os preços no
mercado mundial dos principais produtos agrícolas. Os países que não subsidiavam estavam
cada vez menos em condições de competir em um mercado mundial com preços deprimidos,
diminuindo assim a participação no mercado de muitos exportadores tradicionais, incluindo
países desenvolvidos. Ademais da depressão dos preços, os subsídios à exportação e a falta
de concorrência internacional em mercados protegidos, contribuíram para a falta de
estabilidade no mercado mundial em vários momentos.
Com isto os conflitos sobre o comércio agrícola eram produzidos com crescente
freqüência e, por várias ocasiões, se utilizava o GATT para tentar resolver esses conflitos.
Segundo KONANDREAS (1999) cerca de 60% de todas as controvérsias remitidas aos
procedimentos de solução do GATT entre 1980 e 1990 estavam relacionados com a
agricultura. O desejo de reduzir as continuas fricções sobre comércio internacional de
produtos agrícolas foi uma das razões principais pelas que se chegou a um consenso para
incluí-lo no marco regulatório do GATT.
Assim, na Rodada Uruguai, pretendeu-se antes de tudo reduzir ás fricções no
comércio internacional agrícola, bem como disciplinar às políticas que distorcem esta
atividade. Esta rodada significou uma melhora fundamental nas condições da competência que
rege o comércio agrícola. As novas normas e disciplina aplicam-se a todos os membros da OMC
e estão respaldadas por os novos acordos para solução de controvérsias e uma efetiva
implementação das decisões dos acordos. A tabela 4 demonstra que na Rodada Uruguai o
comércio agrícola de fato começou a ser liberalizado, com a proposta de corte das tarifas, no
apoio doméstico e nos subsídios à exportação.
Tabela 4 - Reduções requeridas no Acordo sobre Agricultura da Rodada Uruguai
Itens de redução Países desenvolvidos (%) Países em desenvolvimento (%)
Corte tarifário médio para todos os produtos 36 24
agrícolas
Corte tarifário mínimo por produto 15 10
Corte total no apoio doméstico a agricultura 20 13
(período base 1986-88)
Valor dos subsídios à exportação 36 24
Quantidades exportadas subsidiadas 21 14
6
Citado por OCDE em “Agriculture in the Uruguay Round in Workshop on Emerging Trade Issues in
Agriculture, Paris, 1998.
9
Tabela .5 - Países da OCDE: Subsídio equivalente ao produtor (PSE) por hectare (em
dólares)
Países 1997 1998 1999
União Européia 815 890 831
Estados Unidos 73 116 129
Japão 10.211 10.005 11.792
Austrália 3 3 3
Nova Zelândia 10 6 7
Fonte: OCDE (2000)
5 – Análise do protecionismo agrícola dos países desenvolvidos com ênfase nos produtos
Existem distinções no subsídio e na proteção tarifária por produto agrícola de forma
específica? Particularmente, verifica-se que os níveis de proteção tarifária dadas aos
produtos agrícolas de forma individualizada também é bastante elevada, tanto nos EUA
quanto na União Européia. Entretanto, é importante observar que os níveis proteção
tarifária pela União Européia ainda são muito mais significativos do que no caso norte-
americano (Tabelas 6 e 7).
Tabela 6 – Estados Unidos: Proteção de determinados setores agropecuários em 1999
(percentagens)
Descrição Tarifa média Pico tarifário
Produtos lácteos 22,3 42,2
Açúcares e artigos para 15,7 168,7
confeitaria
Cacau e suas preparações 14,7 191,5
Preparados a base de cereais 19,0 151,7
Preparações alimentícias 14,9 109,8
diversas
Tabaco 53,3 350,0
Fonte: OMC (1999)
7
Ver dados da Tabela 3.
13
US$mn 246 561 292 055 258 984 245 546 273 649
Ecu mn 224 178 236 922 221 460 216 572 244 697
Todos os produtos
Porcentagem 41 39 33 32 37
PSE 1.69 1.65 1.50 1.47 1.59
6. Conclusões
Durante o último século o mundo viveu, com algumas curtas interrupções, um
processo de forte abertura comercial. Este processo é retratado historicamente pelo fato
das tarifas de importação terem uma queda de 93,4% entre 1930-2000. Enquanto em 2000
os níveis de proteção média da economia norte-americana foi 5,7% e da européia 10%, as
tarifas cobradas pelos produtos agropecuários são bastante superiores. Nos EUA, União
Européia e Japão as tarifas médias aplicadas no setor agrícola industrial são
respectivamente, duas, quatro e seis vezes maior que as tarifa médias no aplicadas no
setor industrial. O grande protecionismo dos países desenvolvidos ao setor agrícola,
mesmo com todo o processo de negociação realizado através das rodadas do GATT e
OMC , fica mais evidenciado quando se observam os picos tarifários praticados nestes
9
Grupo de países exportadores agrícolas que têm interesses de liberalização do comércio internacional de
produtos agrícolas.
15
países, nos EUA chegam a 350%, na União Européia a 800% enquanto no Japão
chega a 900%.
O setor agrícola passou a ser efetivamente considerado nas negociações multilaterais
do GATT, apenas com o início da Rodada Uruguai, já no final dos anos 1980. Entretanto,
mesmo com as reduções propostas pela Rodada Uruguai, ressalta-se que os países
desenvolvidos aplicam tarifas muito maiores no setor agrícola do que no setor industrial. Por
isso é extremamente necessário que se prossiga às negociações multilaterias no comércio
agricola, pois além das tarifas para produtos agrícolas serem comparativamente elevadas,
existem outros problemas relacionados com a implementação dos acordos existentes na
administração do sistema de cotas tarifárias, no acesso mínimo aos mercados e no
cumprimento de compromissos de redução de apoios e subsídios a exportação.
Historicamente, os países desenvolvidos vêm obtendo muitas conquistas nas
negociações multilaterais pela sua maior capacidade negociadora e estrutura institucional.
Por isso, houve um avanço substancial em temas do seu direto interesse, como os direitos
de propriedade intelectual e a liberalização dos serviços financeiros e telecomunicações.
Por outro lado, os compromissos assumidos para a liberalização dos mercados agrícola e
têxtil e do vestuário asseguraram as economias mais avançadas um tempo considerável
para sua reestruturação interna, maior do que o conquistado pelos países em
desenvolvimento para introduzir as mudanças legislativas, normativas e institucionais para
cumprir seus compromissos assumidos na Rodada Uruguai.
Os países em desenvolvimento devem formular suas políticas comerciais, a partir
do principio de defesa comercial, dado os elevados níveis de proteção dos países
desenvolvidos. Mas no caso brasileiro , a partir do início da década de 90, foi adotada
uma política comercial liberalizante em todos os setores da economia com o objetivo de
desfrutar dos benefícios da abertura comercial. Particularmente, esta política não atentou
que os custos deste processo poderia desequilibrar suas contas externas e, particularmente,
que liberalizar o comércio agrícola per si não é promover a eficiência alocativa, uma vez
que o setor agrícola é altamente protegido pelos países desenvolvidos.
7. Referências bibliográficas
BERNARDES, P. R., NOGUEIRA NETTO, V. E MUSTEFAGA, P. S. Importações: O
mal do século na atividade leiteira. Brasília, CNA, 2000.
BHAGWATI, J. Protecionismo versus livre comércio. Nórdica: Rio de Janeiro, 1990.
CEPAL. El desafío de las nuevas negociaciones comerciales multilaterales para América
Latina y el Caribe: Una contribución de la CEPAL a la Tercera Conferencia Ministerial
de la Organización Mundial del Comercio (OMC). Santiago de Chile: CEPAL, 1999.
EFTA (Asociación Europea de Comercio Justo). Anuario de Comercio Justo 1998-2000.
Madrid, 1998.
ELAMIN, N. H. Medidas de ayuda interna, In: FAO (2000). Las negociaciones
comerciales multilaterales sobre la agricultura. (www.fao.org/ur/es/es/manual/I-01.htm).
CHESNAIS, F. A mundialização do capital. São Paulo, Xamã, 1996
INFORMATIVO TÉCNICO REVISTA GLEBA. Crescem os subsídios agrícolas nos
países ricos. CNA: julho, 2000ª.
KONANDREAS, P. “Perspectivas internacionales para la lecheria en la proxima ronda
de negociaciones de la organizacion mundial del comercio. Buenos Aires: FIL / FEPALE,
1999.
16