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artigo de revisão / review article / discusión crítica

Reflexões sobre Educação em Enfermagem: ênfase em um ensino


centrado no cuidado
Reflections on nursing training: the emphasis in care-centered training
Reflexiones a cerca del entrenamiento de enfermería: el énfasis en el entrenamiento
cuidado-centrado

Vera Regina Waldow*

Resumo: Experiências curriculares propondo um ensino com destaque no cuidado, paulatinamente têm sofrido um acréscimo na
Enfermagem. Faz-se neste texto, algumas reflexões sobre educação e as competências mais solicitadas na atualidade. Percebe-se que o
cuidado é uma das tendências, entre outras apontadas e uma das metas para sua concretização é investir no preparo docente.
Palavras-chave: Educação em enfermagem. Educação baseada em competências. Humanização da assistência.
Abstract: Curricular experiences proposing care-centered training is gradually increasing in Nursing teaching. This text presents some
reflections on teaching and the abilities most requested in our time. It is perceived that care is one of the trends among others identified
and one of the partial goals for reaching in order to make it concrete is to invest in quality teacher’s training.
Keywords: Education, nursing. Competency-based education. Humanization of assistance.
Resumen: Las experiencias curriculares que proponen el entrenamiento cuidado-centrado están aumentando gradualmente en la
enseñanza de enfermería. Este texto presenta algunas reflexiones acerca de la enseñanza y las capacidades más requeridas en nuestra
época. Se percibe que el cuidado es una de las tendencias entre otras identificadas y que una de las metas parciales a alcanzar para
hacerle concreto es la promoción de una formación del profesorado de buena calidad.
Palabras llave: Educación en enfermería. Educación basada en competências. Humanización de la atención.

Introdução O ensino de Enfermagem, nefícios, mas, por outro, acentua


frente às novas propostas e dire- a objetificação, a fragmentação, a
O agir pedagógico dos tradicio- trizes curriculares3,6, caracteriza-se padronização de experiências, anu-
nais enfoques em educação vem, por apresentar desafios cruciais, lando a subjetividade2.
já há algum tempo, perdendo ter- considerando que se dá tanto em As propostas de uma educação
reno para as novas práticas, oriun-
nível de sala de aula e laboratório, focando em currículos e ensino
das de novas propostas. A ênfase
quanto em nível de prática, nas com abordagens mais humanistas
nos objetivos comportamentais e
instituições de saúde. As institui- privilegiam o cuidado, o qual, por
o tipo de ensino centrado no pro-
ções de saúde ainda mantêm, via sua natureza e pela forma como é
fessor e nos conteúdos dão lugar a
um ensino cujo foco é o aluno. A de regra, posições muito conser- sugerido e considerando as dificul-
relação professor-aluno é pensada vadoras, apoiadas em paradigmas dades acima mencionadas, é um
de forma horizontal, na qual ambos reducionistas e com profissionais, desafio. O cuidar, no mundo de
são aprendizes. O ensino passa a ser médicos e administradores cujos hoje, é um desafio, portanto educar
uma instância de comunicação1,2; a discursos, apesar de propagarem a para o cuidado também é.
aula, por exemplo, é um espaço em centralidade do paciente, a ênfase Este texto traz algumas reflexões
que se realiza um trabalho conjun- na subjetividade e na humaniza- e revisões sobre educação e ensino
to, ou seja, de professor e alunos. ção da saúde, evidenciam posturas de enfermagem e as tendências que
Muitas tendências se delineiam fragmentárias. O paciente ainda se apresentam, dando ênfase a um
frente às novas propostas e para- é um objeto de conhecimento e ensino centrado no cuidado.
digmas e, por isso, desafios, obvia- lucro. A tecnologia é outro fator O cuidado está incluso nas vá-
mente, são enfrentados3. que, por um lado, apresenta be- rias propostas educacionais, em-

* Enfermeira. Doutora em Educação. Docente aposentada da Escola de Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E-mail: waldowr@portoweb.com.br

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Reflexões sobre Educação em Enfermagem: ênfase em um ensino centrado no cuidado

bora não com esta denominação, individuais e o relacionamento e apresentam a característica de


todavia elas refletem o sentido do com os outros; atualizar saberes. Na verdade, as
cuidar humano. Para que se con- 4) Aprender a ser – inclui a des- competências são capacidades que
cretizem estas propostas, as suges- coberta de si mesmo como in- se apoiam em conhecimentos1.
tões são de renovação, revisão de divíduo e como integrante da Outra opinião é a de que com-
valores, mudança de posturas e sociedade, respeitando os valo- petências compreendem capacida-
capacitação docente. res culturais. des de várias naturezas, de forma
Por meio de um ensino centrado articulada, ou seja, cognitiva, so-
Nas quatro aprendizagens ob­ cioafetiva e psico-motora. Essas
no cuidado, alunos terão a oportu-
ser­va-se uma ênfase, principal- capacidades se expressam em ações
nidade de desenvolver, com mui-
mente nas relações interpessoais, profissionais e influem significati-
to maior probabilidade, posturas
na convivialidade; pode-se inferir vamente na obtenção de resultados
éticas. O ambiente onde se focaliza
ainda a interdisciplinaridade, o res- distintivos de qualidade1.
o cuidado como foco central carac-
peito à diversidade e à cultura. A competência se revela na
teriza-se por ser um ambiente em
Outra tendência que se observa ação; é na prática profissional que
que pessoas (alunos, professores) se
refere-se às competências, assunto elas são demonstradas, ou seja, é
ajudam, no sentido de desenvolve-
que merece destaque. na prática que se exercitam suas
rem potencialidades e de crescer.
potencialidades, que se atualizam
Tendências na área Competências suas potencialidades. Ela é um pro-
cesso, a pessoa se torna competen-
de educação Em relação às competências, te; de forma sintética, competência
existe uma argumentação1 sobre “é fazer bem”1.
Um aspecto que tem tido re- quatro dimensões que deveriam
percussão na área de educação diz Refletindo sobre as tendências,
ser apresentadas pelos docentes e percebe-se uma influência de as-
respeito a um trabalho inspirado trabalhadas com os alunos, quais pectos referidos no início do texto,
em Delors7, resultado do relatório sejam: tais como as aprendizagens reco-
elaborado pela Comissão Inter-
1) Dimensão técnica: a capacida- mendadas pela UNESCO7, assim
nacional sobre Educação para o
de de lidar com os conteúdos como nas dimensões de compe-
século XXI. Os autores sugerem
– conceitos, comportamentos e tência para a qualidade do docen-
que a educação seja organizada
atitudes; é a ha­bilidade de cons- te em seu ensino1. São tendências
em torno de quatro aprendizagens
truí-los e re­construí-los com os e algumas, apelos mundiais e em
denominadas fundamentais. Essas
alunos; todas se constata a presença do cui-
aprendizagens deverão influen-
2) Dimensão estética: a presença dado e que é, na educação, vista por
ciar os indivíduos ao longo da vi-
da sensibilidade e sua orientação alguns como a construção da felici-
da, constituindo-se em “pilares do
em uma perspectiva criadora; dadania1. Este termo, cunhado por
conhecimento”. As aprendizagens
Betinho e que inspirou a autora,
mencionadas são de forma sinté- 3) Dimensão política: a participa-
reúne os conceitos de felicidade e
tica: ção na construção coletiva da
cidadania. Ela representa a ação do-
1) Aprender a conhecer (ou sociedade e ao exercício de di-
cente na construção de uma cidada-
aprender a aprender) – signi- reitos e deveres;
nia democrática. Essa, acrescida da
fica despertar para o prazer de 4) Dimensão ética: a orientação da inclusão de uma vida digna e feliz
conhecer, compreender, des- ação, fundada no princípio do para todos, na instituição de ensino
cobrir, construir e reconstruir o respeito e da solidariedade, em é o que a autora considera como
conhecimento; direção à realização de um bem sendo (a escola) um dos lugares
2) Aprender a fazer – abrange o coletivo. de construção da felicidadania. As
desenvolvimento das compe- Essas competências asseguram ideias para que isto ocorra podem
tências e habilidade no uso da uma docência de melhor qualidade ser exploradas em itens que serão
tecnologia e sua aplicabilidade e que se explicita no quê, por que, apenas mencionados:
na vida moderna, observando para quê e para quem1. 1) Construir a felicidadania, na ação
as relações interpessoais; Competências (no plural) uti- docente, é reconhecer o outro;
3) Aprender a conviver – significa lizam, integram e mobilizam co- 2) Construir a felicidadania, na
a busca da integralidade pessoal nhecimentos para enfrentar um ação docente, é tomar como
observando as características conjunto de situações complexas referência o bem coletivo;

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3) Construir a felicidadania, na pela participação de todos envolvi- experiência de aprendizagem deve


ação docente, é envolver-se na dos no processo. ser significativa. O professor deve
elaboração e desenvolvimento Em relação ao cuidado, apontou ser uma pessoa interessada, ter
de um projeto coletivo de tra- para a retomada de sua importân- prazer em ensinar, estar motivado.
balho; cia e de sua centralidade na cons- Nesse sentido se enquadra o que
4) Construir a felicidadania, na trução da identidade profissional se pensa como um ensino voltado
ação docente, é instalar na es- de enfermagem. Questões como a ou centrado no cuidado, ou seja, o
cola e na aula uma instância de valorização do sujeito na constru- docente deve ter motivação, desejo
comunicação criativa; ção de um cuidado integral, valori- de mudar, inovar. Deve, no míni-
zando aspectos tais como o respeito mo, estar disposto a mudar, ou me-
5) Construir a felicidadania, na
e o saber ouvir foram menciona- lhor, a renovar-se, a refletir sobre
ação docente, é criar espaço,
dos. A integralidade assumiu várias sua prática pedagógica, a adotar
no cotidiano da relação peda-
conotações, desde a que engloba as valores de cuidado e compreender
gógica, para a afetividade e para
interações entre os sujeitos, cuida- e exercitar o cuidar contribuindo
a alegria;
dores e seres cuidados, na forma de para a criação de um ambiente de
6) Construir a felicidadania, na organizar as práticas de saúde, de cuidado no meio acadêmico, por
ação docente, é lutar pela cria- forma articulada com as políticas de meio de relações de cuidado neste
ção e pelo aperfeiçoamento saúde e as necessidades da popula- ambiente10,11. Consequentemente,
constante de condições viabi- ção e na forma de cuidar, ou seja, ao adotar e exercitar princípios e
lizadoras do trabalho de boa valorizando princípios e valores éti- valores de cuidado, os sujeitos en-
qualidade. cos, morais e de cidadania. volvidos no processo tornam-se
O cuidado na educação, assim seres de cuidado. Ser de cuidado
As tendências na área como os quatro pilares da educa- pode ser interpretado como o ser
de Enfermagem ção, abarcam o que é referido, mais que exibe comportamentos e ati-
comumente, como uma aborda- tudes de cuidado em suas ações;
A Associação Brasileira de gem humanística. Há autores que a se expressa em termos de cuida-
Enfermagem8, em suas reuniões denominam, também englobando do consigo, com os outros, com as
anuais sobre Educação, a exem- os temas de uma abordagem hu- coisas, com o meio, ou seja, com
plo do 10º Seminário Nacional manística, como educação estética9. o bem-estar do planeta e seus ha-
de Diretrizes para a Educação em Ela também inclui uma visão críti- bitantes. Em geral esses comporta-
Enfermagem (SENADEn), em ca. Portanto, as tendências na área mentos e atitudes incluem respeito,
1996, tem traçado diretrizes, dis- de educação em enfermagem são consideração, generosidade, solida-
cutido tendências e feito recomen- fruto de uma nova realidade que se riedade,compaixão,sensibilidade e
dações no que tange à formação vive, dos movimentos sociais e dos responsabilidade11.
profissional de enfermagem. No novos paradigmas que se impõem A paixão de ensinar coloca-
referido seminário, por exemplo, integrando novos tipos de conheci- da por uma autora12 significa que
foram reiteradas a importância no mentos e atitudes. a ação de ensinar, apesar de uma
desenvolvimento da competência experiência complexa, é uma ex-
política e técnica, embora essa úl- Paixão de ensinar, paixão periência apaixonante que envolve
tima já venha sendo desenvolvida, dor e prazer. Os educadores preci-
de aprender
até porque compreende uma das sam oferecer espaços de liberdade,
mais antigas competências desen- A educação crítica enfoca a prá- incentivar o questionamento, a
volvidas na enfermagem, de for- xis cujos elementos constitutivos curiosidade; devem educar a ima-
ma geral. Outro aspecto sugerido são a ação e a reflexão; a apren- ginação, o sonho, desenvolver o
na educação em enfermagem diz dizagem é reconhecida como um pensamento e a coragem de agir13.
respeito à bioética, principalmente ato social. Ensino e aprendizagem A ação de ensinar em uma
como uma ferramenta na saúde em se caracterizam por um relaciona- educação, seja denominada de
prol da defesa dos direitos univer- mento dialógico entre docente e educação para o cuidado, em uma
sais e do SUS. A avaliação e a qua- discente; professores e alunos são educação responsável pela felici-
lidade do ensino englobaram três parceiros e participantes ativos no dadania, ou de educação estética,
aspectos: o curso, o docente e seu processo de aprendizagem. possibilita ao ser (sujeito que ensi-
ensino, e a avaliação institucional, O professor é um facilitador e na e que aprende) criar, imaginar,
todas possibilitadas pelo diálogo e aprendiz também. Por outro lado, a transformar; possibilita o tornar-se,

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a ser um ser de cuidado. Este, como bre seu agir pedagógico, discutirem adquirirem os tipos de talento ar-
pode ser concluído significa um ser e realizarem mais pesquisas sobre tístico e de competências. “Talento
que se comporta de forma ética, o ensino. artístico profissional” representa os
que respeita o outro, que valoriza O processo reflexivo já discutido tipos de competência que os pro-
a experiência deste outro, assim em alguns trabalhos anteriores10,17 fissionais demonstram em certas
como as suas próprias experiên- consiste em uma reflexão sobre a situações e que se caracterizam por
cias que são consideradas como de prática e que visa à transformação. serem únicas, incertas ou confli-
aprendizagem. Um ser de cuidado Na verdade, é uma reflexão que é tuosas20. Esse tipo de competên-
transmite este tipo de engajamen- indicada para a Enfermagem18 e na cia caracteriza-se, por sua vez, por
to com a vida humana, seu com- área de Educação19,21. um saber como fazer, porém nem
promisso e responsabilidade em A prática reflexiva se inicia, sempre consegue explicar por que
cuidar – de si, do outro, do meio. ou pelo menos passa a ser difun­ fez, ou seja, não se sabe explicar o
Como pode se deduzir, o conceito dida, com Dewey e Schön a “re­ porquê da ação. Na verdade, um
de cuidar inclui a ação de educar e vitaliza”21. conhecimento tácito é acionado e
vice-versa. A proposta epistemológica da equivale a um conhecimento que
Todavia é necessário pergun- prática, por meio da reflexão e do se encontra implícito e que difi-
tar-se: quantos de nós, educado- conhecimento na ação, caracteriza cilmente pode ser descrito. Esse
res, real­mente amamos ensinar e a atitude do profissional, que pas- conhecimento tácito pode ser equi-
estamos preparados e motivados sa a ser denominado de “prático- parado à intuição.
para fornecer um ensino dessa na- reflexivo” e o ensino como” ensino A prática reflexiva é conside-
tureza? Quantos de nós estamos prático-reflexivo”19,20. Esse autor rada elemento-chave para a for-
motivados para cuidar e sermos distingue a reflexão - na - ação e a mação profissional, não só para
cuidados? reflexão sobre a ação, sendo a pri- principiantes, mas como um pro-
meira o modo mais difundido.
cesso a ser desenvolvido de uma
Refletindo sobre a A reflexão - na - ação significa,
forma contínua. É uma atividade
prática pedagógica basicamente, refletir o que se faz
que deveria ser considerada cen-
enquanto se está fazendo, ou seja,
tral, como uma questão de identi-
As questões sobre a prática de refletir durante a ação que consiste
dade docente21.
enfermagem, em geral, conver- em se questionar sobre o que está
gem para uma instância que é a da Em relação à prática reflexiva
ocorrendo, o que pode ser feito e
realidade acadêmica14,16, ou seja, o na Enfermagem, alguns trabalhos
tudo isso inclui prever o que pode
espaço onde alunos adquirem ele- acontecer depois, que medidas po- sugerem essa atividade como um
mentos que influenciarão na sua dem ser tomadas para prevenir ou instrumento de reavaliação das
forma de atuar como profissionais. mudar o curso da ação. Todas estas atividades práticas e como um
É na prática educacional, nas esco- ações abrangem também avaliação meio de vir a transformá-la10, 17,18,
las, por meio de seus currículos, nas do processo e visa a atualizar, re- assim como um instrumento ou
relações professor-aluno, no coti- novar, simplificar, tornar melhor e método para ensinar ou refletir o
diano acadêmico, nas experiências mais eficiente. Essa prática possibi- cuidado10,17 e como uma maneira
oferecidas em campos de estágio, lita interferir na situação em desen- de ajudar na formação pedagógica
nas atitudes docentes e dos profis- volvimento e, além de favorecer a de professores, no sentido de me-
sionais de campo que se educam aquisição de maior conhecimento lhorar a qualidade do ensino5,22.
os futuros profissionais de enfer- sobre a prática, gerar novos conhe- Pesquisas clássicas e de impac-
magem. cimentos17. to descrevem ações que denotam
Nas escolas, estudantes são so- A reflexão sobre a ação consiste o uso de prática reflexiva, na e so-
cializados para o cuidado. Isso não em refletir a ação depois de conclu- bre a ação23,24 por parte de enfer-
significa desconhecer a influência ída. Em geral, serve para analisar o meiras. Por outro lado, este tipo de
que a estrutura social e as relações que foi feito, para comparar e cri- pesquisa, com as informações em
de poder dentro da organização ticar o quê e como foi feito e como forma de narrativas, sobre as ações
(escola e de saúde), onde a enfer- poderia ser feito. Depois de reali- realizadas em momentos críticos,
magem trabalha, exercem sobre as zada a ação, a reflexão serve para conduzem, por si só, a uma refle-
maneiras e estilos de cuidar e o sig- compreender, aprender e integrar xão sobre como enfermeiras atuam
nificado que assume. o que aconteceu21. no cotidiano de sua prática profis-
Seria muito oportuno docentes A prática reflexiva, no âmbito sional. São narrativas que revelam
realizarem uma reflexão crítica so- do ensino, inclui ajudar alunos a como enfermeiras adquirem “ex-

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Reflexões sobre Educação em Enfermagem: ênfase em um ensino centrado no cuidado

periência clínica” e examinam a conhecimento tácito, discutindo privilegia o vir a ser, o tornar-se.
natureza do conhecimento, do es- crenças e buscando romper com Em um ambiente onde o ensino
pírito investigativo, do julgamento tradicionalismos. privilegia o cuidado, os atores assu-
clínico e comportamento ético nas É bem comum a adoção de con- mem riscos, têm um compromisso
suas ações. teúdos inovadores sem, contudo, filosófico, político, ético e moral.
haver uma reflexão e confrontação Em um tipo de ensino centrado
Ensino centrado no cuidado em relação aos princípios e valores no cuidado, desenvolve-se o que
novos. Dessa forma, muitos planos se denomina de “consciência de
Em vários momentos este item tornam-se apenas planos de “faz de cuidado”34, que significa uma per-
foi motivo de reflexão e análise por conta”, já que as atitudes não mu- cepção mais acurada da realidade
parte da autora do presente tex­- dam. As resistências às mudanças de cuidar, de forma crítica e sensí-
to10, 11,25,28; algumas questões rela- e a pouca reflexão conduzem ao vel. Permite que se adotem ações
cionadas ao ensino, que priorizam fracasso e isso é referido por auto- no sentido de transformar a reali-
o cuidado, são colocadas e retoma- res, caso não haja um comprome- dade de cuidado, aproximando-a
das no presente texto, tais como: timento com as novas proposições, do ideal desejado. O ideal é algo
qual a extensão do conhecimento principalmente por parte dos do- que “ainda não existe”, contudo,
que docentes de enfermagem tem centes6. ”pode vir a existir”1. Isso ocorre
ou deveriam ter sobre o cuidado? A inclusão do conceito cuidado justamente porque existe a possi-
Que significados são atribuídos ao é já uma realidade em vários currí- bilidade de se descobrirem, ou de
cuidado pelos docentes de enfer- culos de enfermagem29,30, porém, se criarem, no mundo real, as con-
magem? Como poderia ser pensa- grande parte ainda se apoia no mo- dições para a existência do que é
do um currículo direcionado para delo biomédico, evidenciando uma considerado ideal.
o cuidado? Como docentes de en- contradição entre o que é pensado Os valores e comportamentos
fermagem podem estruturar suas ou idealizado e o que é realmente de cuidado, transmitidos por meio
práticas pedagógicas, de forma a praticado2,29. dos docentes e suas práticas peda-
promover o cuidado? As constatações que mostram gógicas, servem como instrumen-
Como já assinalado neste texto, as dicotomias e os desafios que se to utilizado na prática dos alunos,
percebe-se uma tendência a incluir apresentam em relação ao cuidar transformando-a, pois o enfoque
questões pedagógicas inovadoras, são evidentes e pode-se afirmar curricular dado ao cuidado reflete
privilegiando competências que que cuidar, na forma como se ide- sua filosofia e, se absorvida pelos
têm como base as aprendizagens, aliza ou como se gostaria, é um atores (docentes, alunos), esses, ao
previstas nos quatro pilares da Edu- desafio31,33. Isso só confirma a afir- sentirem-se cuidados, terão mais
cação7 e que, como já referido, en- mação de que o cuidado não pode capacidade de expressar cuidado.
globam o cuidado. O documento ser prescritivo, não existem regras O cuidado é entendido como
que define as Diretrizes Curricula- pré-estabelecidas a seguir, tampou- uma maneira de ser e de se rela-
res Nacionais para o Curso de Gra- co manuais de cuidar ou de ensinar cionar, compreendendo o aspec-
duação em Enfermagem (DCENF)3 a cuidar. O cuidado deve ser senti- to moral e a ética da profissão de
apoia essa tendência, porém mui- do, vivido11. enfermagem10,11,28,34. As pessoas, ao
tos desafios são enumerados4, sen- É necessário atenção ao se pre- cuidarem e ao serem cuidadas, sen-
do que, para superá-los, os autores ver e planejar um currículo centra- tem-se fortalecidas, emponderadas,
mostram a necessidade de mudan- do no cuidado; seus conteúdos, em motivadas a divulgar as experiên-
ças de estratégias no processo de sua essência, não mudam muito; cias e as relações de cuidado, crian-
formação. Concluem, ainda, que mudam, porém, a forma de abordar do, automaticamente, ambientes de
o maior desafio ao implementar os conteúdos, as posturas docentes, cuidado em outros locais. O cuidar
as novas tendências é o de apro- as relações entre os sujeitos no ce- envolve ações, comportamentos e
fundar as discussões as quais não nário acadêmico e as estratégias e atitudes. Pessoas que adotam tais
se restringem ao usual hábito de ações pedagógicas. Um currículo comportamentos e atitudes são o
se planejar currículos e disciplinas centrado no cuidado não modifica que se pode denominar de seres de
acrescentando essas tendências, comportamentos de imediato, mas cuidar; dentre estes comportamen-
mas sim de desenvolver competên- seus docentes repassam valores, tos e atitudes, destacam-se respeito,
cias que incluam concepções em representam modelos para os alu- consideração, solidariedade, com-
saúde, enfermagem e educação. nos; é um currículo que não treina, paixão, saber ouvir, mostrar inte-
Estas reflexões devem abranger o e sim, educa. É uma educação que resse genuíno, atenção, ajuda etc.

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Reflexões sobre Educação em Enfermagem: ênfase em um ensino centrado no cuidado

Em um ensino centrado no Finalizando cuidados, valorizados, mostran-


cuidado as relações de cuidado são do, também, maior motivação em
enfatizadas; o processo de cuidar é Em um ensino centrado no aprender e, consequentemente,
cuidado, havendo aceitação e reco- levam os valores de cuidado para
sempre visualizado como um pro-
nhecimento de seu valor, docentes a vida profissional, comportando-
cesso interativo entre cuidadora
passam a modificar suas posturas, se como seres de cuidado entre si,
e ser cuidado e em se tratando do
valorizando a si próprios e aos ou- os outros e, principalmente, com
ensino, docentes são cuidadores tros. As relações se modificam, os pacientes, objetivo do cuidado
também. As relações de cuidado a motivação aumenta e o com- profissional de enfermagem.
são entendidas como as que se dis- promisso ensino-aprendizagem O cuidado implica uma relação
tinguem pela expressão de cuidar, torna-se uma tarefa agradável e interpessoal irrepetível, constituído
tais como os já enumerados e que interessante. Há um compromisso de atitudes humanas, nem sempre
as pessoas compartilham entre si. em ajudar ao outro crescer e isso se previsíveis e que não podem ser
Estas relações se caracterizam por estende a todos os sujeitos perten- pré-estabelecidas, tendo em vista a
confiança; as pessoas se ajudam a centes ao meio acadêmico. Alunos peculiaridade do ser humano de ser
crescer. usufruem o cuidado, sentem-se único e potencialmente criativo35.

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Recebido em 17 de fevereiro de 2009


Aprovado em 9 de março de 2009

188 O Mundo da Saúde São Paulo: 2009;33(2):182-188.

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