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ARTIGO PARA A REVISTA BEATZ EM 2005

BREAKCORE: Um remix do Underground em Latu-Sensu!

Por Daniel Gonzalez & Bruno Tozzini

INTRODUÇÃO

Com os pés nas raízes do underground e olhar para o futuro da musica e


atitude jovem o breakcore é uma das culturas mais dissonantes da cena eletrônica
atual. Estruturado a partir de uma sonoridade rápida e extrema que é a trilha para
uma nova postura Do It Yourself e cyber-ativista, o estilo já alcançou uma notável
audiência em diferentes partes do mundo, inclusive com publico de 1000 pessoas
em festas da TEMP em São Paulo, porém suas origens e trajetória para muitos se
mantem intacta.

HISTÓRIA

Decidimos nos lançar numa investigação em busca da origem e entorno da


musica e cultura breakcore.
Enviamos diferentes perguntas para pessoas escolhidas por viverem e
interferirem na cena e rede mundial do estilo. São eles: Patric Catani, do duo
digital hardcore EC8OR, Tim Terror e Droon, organizadores da festa e selo belga
Breakcore Gives Me Wood, o artista multimídia e músico americano Mark
Kammerbauer, o curador Pedro Zaz, do festival multimídia Showskills, além da DJ
brazuca radicada em Londres Bruna Rocha.
É visível que o breakcore já é porta voz de um comportamento jovem que
vai além do gosto pelos bits extremos e distorcidos. Diferentemente de alguns
micro-seguimentos do underground, este estilo leva consigo o que pode ser
definido como uma cena, erguida através de uma teia de conexões internacional.
Esta rede é composta por selos, organizações virtuais, grupos ativistas,
núcleos de festas e produtores espalhados pelo mundo, que trocam diariamente
informações, promovendo festas, ações ativistas e música.

O pontapé inicial foi o fato de jovens interessados por cultura digital e


envenenados pela postura nunca ultrapassada do “Do It Yourself”, montarem
sites, fóruns, quebrarem a cabeça nos softwares de produção e levantarem na
raça festas em diversas cidades do mundo. Satirizando esta interdependência on-
line, renomados produtores fizeram de seus nicknames em programas de troca de
música, nomes artísticos como Djs e produtores (Venetian Snares, Shitmat,
Parasite, por exemplo).

Nos anos 90 o produtor musical alemão, Patric Catani, viveu os momentos


que antecederam o surgimento do breakcore. Com seu projeto EC8OR, fez parte
do seleto time da Digital Hardcore Records, selo que leva o nome do estilo de
bandas como Atari Teenage Riot, Shizuo, entre outras de sonoridade “punk-
eletrônica”.

Ao comparar o atual breakcore com a febre do digital hardcore nos anos 90,
o produtor afirma: “Cenas estão sempre se formando e desaparecendo, a verdade
é que nunca houve uma cena digital hardcore na Europa. Existia sim, uma enorme
audiência para hardcore techno e gabba, mas eu acho que muitas pessoas
ouviram aquelas músicas através do digital hardcore”.

Nesta mesma época, selos como Praxis, Ambush, Widerstand e produtores


como Christoph Fringeli, DJ Pure, DJ Scud, Somatic Responses e Eiterherd
começavam a aparecer para dar forma a esta nova cultura, através de
lançamentos em vinil, festas ilegais e zines, como o clássico Datacide que nas
suas primeiras edições já enfatizava o potencial do breakcore.

O SOM

O estilo rapidamente virou o reduto de micro-seguimentos musicais que não


necessariamente se solidificaram como cenas. Sua musicalidade é híbrida por
excelência, sua formula promove através de samplers, edições e over-dubs o que
pode ser definido como uma remixagem da linha histórica da música underground
de acento radical.

Quando Catani diz que as pessoas tiveram contato com estilos mais antigos
através de algo novo, ele remete a algo que esta acontecendo novamente. O
digital hardcore hoje, assim como uma série de outros gêneros, foi incorporado ao
breakcore e é hoje ouvido através dele. O breakcore condensou uma gama
ilimitada de estilos da música jovem alternativa, como o punk-rock, hip-hop,
industrial, grind-core, jungle e até os enfumaçados três pilares do dancehall
jamaicano: Ska, reggae e dub. Estes últimos, ingredientes principais do chamado
raggacore, nome quase didático do estilo dancehall de fazer breakcore, resultado
da fusão de batidas eletrônicas extremas com graves, timbres e vocais
jamaicanos.

As brincadeiras e recombinações não ficam por ai. O estilo abarcou fusões


tão excêntricas a ponto de artistas como Kid606 e Knifehandchop criarem
mashups com o pop ritmado e açucarado da Miss Elliot, Destiny Child e o
gangstar-rap americano.

Em outra direção, o artista canadense Venetian Snares, recentemente


lançou uma obra arrebatadora que consiste numa sinfonia de breakcore e música
clássica húngara com densas melodias de violino, piano e cello, ou seja, algo na
fronteira do lírico e extremo.
O crítico e jornalista Symon Reynolds, em uma matéria para o NY com
extensão no seu blog, refere-se a este novo contexto musical da seguinte maneira
“(...) nos anos recentes, a frente da música eletrônica “shake your booty” foi
atropelada pela frente dancehall e do rap do sudoeste. Como resposta, alguns
produtores começaram a avançar sobre os vibrantes beats das ruas, crunk, miami
bass, dancehall, grime, o resultado é um gênero híbrido (...) conhecido como
breakcore(...)

Internet

Se o breakcore vem para remontar toda corrente histórica e extrema do


underground, é porque uma especial ferramenta permitiu todas essas gambiarras
e conexões:
A chave mestra é a Internet. Trata-se primeiro estilo a surgir após o advento
e explosão da internet.
A estudante de historia africana Bruna Rocha, brasileira que vive em
Londres há 6 anos onde é DJ residente da conceituada festa Toxic Dancehall,
acredita que é na Internet em que acontece a miscigenação musical do estilo.
“Com a Internet mais pessoas tem acesso a diversas influencias musicais,
incluindo o breakcore; e podem se relacionar com outros artistas e produtores em
outros paises. Por exemplo, você tem o produtor americano Enduser, vivendo na
Alemanha e fazendo breakcore com o bhangra da Índia!”.

Para Tim Terror, organizador da importante festa e selo belga Gives Me


Wood – “O breakcore nasceu na Internet e a Internet fez com que ele cresce-
se...”.
Tim relaciona-se diariamente com produtores, núcleos, organizações e
selos de todo mundo. Esta constante conexão resulta numa série de atividades
on-line ligadas a esta rede. Mas a principal realização da Gives Me Wood são
suas festas, consideradas as mais expressivas do gênero.
Feitas ilegalmente dentro de fabricas na Bélgica, a Gives Me Wood
evidencia na prática que através de uma teia de relações on-line, pode-se chegar
à concretização de encontros populares com arte e música alternativa no mais
divertido corpo-a-corpo possível.

Ativismo
Se existe um suspiro proveniente do underground aliado a um novo
pensamento de produção e distribuição artística dentro da maior rede on-line do
mundo, fica impossível não relacionar com uma atitude crítica e política. Alguns
grupos agem de maneira diretamente ativista como a organização internacional e
selo Widerstand, um portal de interações entre musica extrema, jornalismo e
política. Mas no breakcore o que prevalece mesmo é uma postura contestatória
indireta, essencialmente desinteressada por cartilhas e ideologias envelhecidas.

Parceiro de Tim Terror na Gives Me Wood, Droon deixa bem claro este seu
desdém pela política do establishment - “Incomodar a ordem? Não nos
preocupamos com isso. Queremos apenas ser deixados em paz. Muitas pessoas
relacionadas diretamente com atividades políticas estão com a gente, mas esta
não é a preocupação central da Gives Me Wood. Nós queremos apenas tornar
possível os acontecimentos e fazer com que as pessoas se divirtam..”

Conseqüência direta deste “Big-Bang” underground, as festas deste gênero


estão acontecendo em lugares bem diferentes do globo. Recentemente o produtor
Droon apresentou o seu live P.A. na China para um expressivo público.

OUTROS CAMINHOS

É relevante também considerar que as festas de breakcore são sínteses de


atividades relacionadas à música, arte e tecnologia, além de estarem conectadas
a tendências
como softwares livres, selos virtuais, net rádios, mídia independente e
cultura hacker.
Estes fatores fazem com que o estilo una um publico heterogêneo, como
punks, nerds, ravers, geeks, rappers, amantes do dub e ragga.

O Festival itinerante Showskills é um evento sem fins lucrativos que visa


demonstrar ações de arte e tecnologia ao vivo e on-line. O evento configura-se
como um palco para atividades audiovisuais expostas por uma teia de coletivos de
diferentes paises, incluindo o Brasil. Segundo o seu criador o português Pedro
Zaz, “Showskills e um espaço nomade-digital que pretende evoluir a cena
breakcore através da fusão de arte, tecnologia e diversão”. Pelo Showskills já
passaram além renomados produtores de música eletrônica extrema e softwares
artistas, brasileiros como: VJ Spetto, VJ Doga e Phantasma que representaram o
núcleo TEMP em diferentes edições do evento.

Já o artista multimídia norte-americano Mark kammerbauer em seus


“alinhamentos de projetos” intitulado Nexiaslist, tem expandido esta cultura rumo a
contextos diferenciados, como trilhas para filmes independentes, instalações
multimídia e arquitetura.
Seu trabalho mais ousado é uma plataforma de comunicação localizada
entre a música, Internet e arquitetura tendo como influencia a teoria crítica de
Marshall Mcluham.O Slogan do projeto é: “Som como arquitetura, arquitetura
como texto, texto como designer e designer como som”.

Para Mark Kaummerbauer “Nexiaslist não pode ser compreendido como um


selo no seu sentido clássico do termo. É uma plataforma colaborativa com
autonomia para desenvolver projetos de mídia utilizando métodos do design e da
arquitetura”

CONCLUSÃO
Apesar de suas origens estarem a dez anos de distância daqui, o breakcore
é uma das pontas do iceberg de uma nova cena artística alternativa mixada a uma
espécie de “remake digital da contracultura”, se é que este termo faz algum
sentido hoje.

Podemos encontrar uma infinidade de nomes e definições para os


subgêneros. Mas uma coisa jamais mudou – sua forma de agir e se organizar em
rede e infectar com atitude engajada nunca teve trégua.
O fato é que a molecada parece não estar se importando muito com termos,
teorias, nomenclaturas e “o próximo hype”. Eles seguem fazendo seus mashups e
“lutando pelo direito de se divertir”.

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