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ARTIGOS

Divulgação científica:
informação científica para
a cidadania?

Sarita Albagli INTRODUÇÃO Partindo desse conjunto de conside-


rações iniciais, este artigo faz um
A afirmação social da ciência e da tecno- apanhado sobre o debate atual em
logia no mundo contemporâneo - sua im- torno do tema da divulgação da
portância estratégica nas estruturas polí- ciência, seus principais conceitos e
tica, econômica e cultural vigentes - instrumentos, bem como seu papel no
recoloca, em um novo patamar, a rela- mundo contemporâneo.
ção entre ciência, poder e sociedade.
O progresso científico-tecnológico Antecedentes históricos
incorpora-se ao rol de questões que
integram o domínio da esfera pública, A progressiva expressão social da ciência
sendo nela institucionalizada; por outro ocorreu a partir das repercussões da
lado, ciência e tecnologia passam a "revolução científica" dos séculos XVI e
constituir-se em bens mercantis, ao XVII, a qual, por sua vez, integra o
mesmo tempo disponibilizados e conjunto de transformações que tinham
protegidos no mercado global. Para- curso na Europa, desde o século XIV,
lelamente, a "comunidade técnico- caracterizando o fim da Idade Média e o
científica" emerge como um novo e início da Era Moderna. No plano cultural,
importante agrupamento social, o Humanismo e o Renascimento abriram
buscando assim legitimar-se junto à espaço para novas indagações sobre a
sociedade. natureza física. Do ponto de vista político
e econômico, assistiu-se então a uma
Essa crescente inserção sócio-econô- verdadeira "revolução comercial" e à
mica da ciência supõe, por sua vez, a ascensão da classe burguesa, que iria
aceitação, pela sociedade, do caráter estimular o desenvolvimento das
benéfico da atividade científica e de ciências e das técnicas1.
suas aplicações. Do mesmo modo,
Resumo Mas os resultados práticos da pesquisa
implica uma rápida assimilação, na
O artigo discute o papel social das vida cotidiana dos indivíduos, dos científica começaram a se fazer sentir
atividades de divulgação da ciência e artefatos técnico-científicos transforma- de forma mais direta a partir das
tecnologia, a partir de uma resenha dos em objetos de consumo, dada a possibilidades abertas pela primeira
bibliográfica sobre o assunto, abordando
velocidade com que vêm ocorrendo as Revolução Industrial, em meados do
seus antecedentes históricos, principais
conceitos envolvidos, motivações recentes, inovações nesse campo. A própria século XVIII, e posteriormente aprofun-
meios e instrumentos. Trata especificamente sociedade amplia seu interesse e dadas com a segunda Revolução Indus-
de duas experiências concretas nesse preocupação em melhor conhecer - e trial, em fins do século XIX, provocando
campo: a mídia (particularmente o
também controlar - o que se faz em o alargamento da consciência social a
jornalismo científico) e os museus e centros
de ciência. Ao final, faz algumas ciência e o que dela resulta. respeito das potenciais aplicações do
considerações sobre as especificidades e a conhecimento científico para o pro-
importância da popularização da ciência nos Nesse contexto, torna-se crucial o modo gresso material.
países em desenvolvimento.
pelo qual a sociedade percebe a
atividade científica e absorve seus Foi após a II Guerra Mundial, porém, que
Palavras-chave resultados, bem como os tipos e canais se operou uma transformação radical na
de informação científica a que tem relação entre ciência e sociedade. As
Divulgação científica; Informação científica e
acesso. perspectivas de rápida aplicação do
tecnológica; Jornalismo científico; Museus de
ciência. conhecimento científico propagaram-se

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Divulgação científica: informação científica para a cidadania?

da física para todos os campos do saber: A DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA portanto, de transmitir informação cien-
materiais sintéticos foram desenvolvi- tífica voltada para a ampliação da
dos para substituir matérias-primas Popularização da ciência ou divulgação consciência do cidadão a respeito de
escassas; novas drogas passaram a ser científica (termo mais freqüentemente questões sociais, econômicas e ambien-
produzidas (especialmente a peni- utilizado na literatura) pode ser definida tais associadas ao desenvolvimento
cilina); desenvolveram-se novas técni- como "o uso de processos e recursos científico e tecnológico.
cas de defesa (por exemplo, o radar). técnicos para a comunicação da infor-
mação científica e tecnológica ao públi- - Mobilização popular, quer dizer,
No século XX, portanto, a ciência co em geral" 2 . Nesse sentido, divul- ampliação da possibilidade e da
incorpora-se ao funcionamento cotidiano gação supõe a tradução de uma lingua- qualidade de participação da sociedade
da sociedade e a cultura científica gem especializada para uma leiga, vi- na formulação de políticas públicas e na
passa a dominar a matriz simbólica do sando a atingir um público mais amplo. escolha de opções tecnológicas (por
Ocidente. A ciência deixa de ser uma exemplo, no debate relativo às alter-
"instituição social heterodoxa" para de- Divulgação científica é um conceito mais nativas energéticas). Trata-se de trans-
sempenhar um papel estratégico como restrito do que difusão científica e um mitir informação científica que instru-
força produtiva e como mercadoria. conceito mais amplo do que comu- mentalize os atores a intervir melhor no
nicação científica. Difusão científica processo decisório.
Mas, se de início, expressou-se uma refere-se a "todo e qualquer processo
espécie de "profissão de fé coletiva" nas usado para a comunicação da infor- Esse conjunto de conceitos e definições,
possibilidades econômicas e sociais do mação científica e tecnológica"3. Ou enfatizando ora aspectos educacionais,
conhecimento científico-tecnológico, seja, a difusão científica pode ser orien- ora culturais, políticos e ideológicos,
abrindo espaço para um laissez-innover tada tanto para especialistas (neste proporciona uma idéia das amplas
(ausência de controle social sobre o caso, é sinônimo de disseminação possibilidades das atividades de
progresso técnico-científico), começa- científica), quanto para o público leigo divulgação científica. Dependendo da
ram a despontar preocupações e precau- em geral (aqui tem o mesmo significado ênfase em cada um desses aspectos e
ções quanto aos impactos dessas ativi- de divulgação). Já comunicação da objetivos, variam também os públicos-
dades, à medida que surgiam evidên- ciência e tecnologia significa alvo dessas atividades, sejam estu-
cias sobre o lado perverso dos padrões "comunicação de informação científica dantes, populações letradas e iletradas,
técnico-científicos em vigor: proliferação e tecnológica, transcrita em códigos agentes formuladores de políticas
de armas nucleares, esgotamento de especializados, para um público seleto públicas e até os próprios cientistas e
recursos naturais e impactos am- formado de especialistas"4. tecnólogos.
bientais, além do agravamento de
tensões sociais. O papel da divulgação científica vem MOTIVAÇÕES
evoluindo ao longo do tempo, acom-
Desse modo, se foi no período pós- panhando o próprio desenvolvimento da A importância dada à popularização da
guerra que a ciência alcançou o auge ciência e tecnologia. Pode estar ciência ampliou-se consideravelmente
do seu prestígio, foi também a partir de orientada para diferentes objetivos, tais nos últimos anos. As iniciativas de
então que sua influência sobre a como5: divulgação científica parecem, no entan-
economia e sobre a vida cotidiana dos to, estar hoje menos associadas a um
cidadãos tornou-se mais óbvia, atraindo - Educacional, ou seja, a ampliação sentido "estético" antes prevalecente,
a atenção da sociedade sobre si e do conhecimento e da compreensão do qual seja a revelação aos não iniciados
ampliando a consciência e a preocupa- público leigo a respeito do processo da beleza e do mistério do mundo natu-
ção com respeito aos impactos nega- científico e sua lógica. Neste caso, trata- ral, para tornarem-se mais associadas
tivos do progresso científico-tecnológi- se de transmitir informação científica a valores e motivações políticas e
co. Essa preocupação manifestou-se tanto com um caráter prático, com o econômicas 6 . Existem, entretanto,
mais claramente ao final da década de objetivo de esclarecer os indivíduos diferentes interpretações sobre as ra-
60 e início dos anos 70, no quadro de sobre o desvendamento e a solução de zões que levaram recentemente à
turbulência política e cultural que problemas relacionados a fenômenos expansão dessas iniciativas.
caracterizou aquele período, levando, já cientificamente estudados, quanto
por conseguinte, ao aumento das com um caráter cultural, visando a Por um lado, há o argumento que põe
atenções sobre a necessidade de me- estimular-lhes a curiosidade científica ênfase no caráter transformador das
lhor informar a sociedade a respeito da enquanto atributo humano. Nesse caso, atividades de divulgação da ciência e
ciência e de seus impactos. divulgação científica pode-se confundir tecnologia, ou seja, no apelo à
com educação científica. participação social nelas contida,
Foi nesse contexto que afloraram, com particularmente o incentivo à partici-
maior sistematicidade, iniciativas - Cívico, isto é, o desenvolvimento de pação no processo decisório relativo ao
orientadas para a popularização da uma opinião pública informada sobre os desenvolvimento da ciência e suas
ciência e tecnologia. impactos do desenvolvimento científico aplicações7.
e tecnológico sobre a sociedade, parti-
cularmente em áreas críticas do pro-
cesso de tomada de decisões. Trata-se,

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Divulgação cientifica: informação científica para a cidadania?

Para esse primeiro grupo de argu- II Guerra Mundial, quando os cientistas ressantemente em termos leigos.
mentos, os fatores determinantes que passaram a assumir que a sociedade Questões acerca de quais interesses
justificam esse aumento da importância ofereceria apoio incondicional ao finan- são favorecidos por diferentes tipos de
dessas atividades são8: ciamento das atividades científicas, ciência e de representação científica e
independentemente de quanto essa sobre a base da confiança e respon-
- o crescimento significativo da mesma sociedade compreendesse os sabilidade social de diferentes formas
produção científica recente; métodos e usos da ciência. Essa institucionais de controle e propriedade
percepção começou a mudar nos anos da ciência são efetivamente ignoradas.
- a necessidade de maior controle social 60, quando os cientistas perceberam que Na verdade, são essas dimensões não
dos impactos da ciência e tecnologia nem eles, nem a ciência seriam mais conhecidas que moldam a atitude ou
na vida cotidiana e a necessidade de financeiramente apoiados de modo compreensão social da ciência."
orientá-las para dar solução aos incondicional, o que foi sentido por
problemas básicos da humanidade; muitos como sendo a expressão de um O mesmo autor lembra ainda que, mais
vácuo de legitimidade ou de uma importante do que popularizar o con-
- a crescente complexidade da ciência crescente onda anticiência. Desse teúdo científico em si, ou os métodos e
e tecnologia e a necessidade de traduzi- modo, argumentavam os cientistas, a processos científicos, é informar a socie-
las para não-especialistas, sejam eles produtividade econômica também esta- dade sobre os mecanismos institu-
tomadores de decisão (legisladores, ria ameaçada, dada a sua dependência cionais relacionados com o controle, o
burocratas e outros), seja o público em de contribuições vindas do avanço téc- financiamento e a organização da
geral (esse aspecto tem grande impor- nico-científico nos tempos modernos*. ciência. Mais uma vez, para Wynne10:
tância para os países tecnologicamente
menos desenvolvidos, em função da A perda de prestígio e de apoio público "O que os cientistas tomam como sendo
origem externa de boa parte da ciência à ciência foi também interpretada por má compreensão da ciência - no
e tecnologia neles praticada, o que de- boa parcela da comunidade científica primeiro sentido: os conteúdos formais
manda adaptação às condições locais); como sendo uma conseqüência da falta do conhecimento científico - pode ser
de compreensão social sobre essa freqüentemente visto, ao contrário, como
- a demanda por processos decisórios atividade, originando, assim, um esfor- compreensão social da ciência - no
mais abertos e democráticos na ço pelo "renascimento" de ações volta- terceiro sentido: suas formas de
aplicação da ciência e tecnologia a das para ampliar a familiarização social enraizamento institucional, patrocínio,
problemas sociais; com a atividade científica. organização e controle."

- o crescente gap de conhecimento No entanto, algumas das idéias conti- A própria comunidade científica, fre-
científico e tecnológico, entre o Norte e das neste segundo conjunto de argu- qüentemente, ignora não apenas o
o Sul, e a necessidade de promover um mentos foram submetidas a certas significado social da atividade científica,
maior fluxo informacional entre esses críticas na literatura especializada, a mas também os fenômenos sociais e
grupos de países. seguir expostas. políticos que a influenciam, como
argumenta Prewitt11:
Ainda de acordo com esse ponto de Uma primeira crítica afirma que o centro
vista, se antes os agentes de divulgação da preocupação social com relação à "Há alguma evidência de que, de fato,
científica atuavam como meros ciência não reside, na verdade, na falta a sociedade sabe mais sobre a ciência
"tradutores" da linguagem científica, de entendimento social sobre sua do que os cientistas sabem sobre a
agora e cada vez mais, eles orientam importância, mas em questões intrín- sociedade em geral (...) a comunidade
seu trabalho para esclarecer a socie- secas relacionadas à ética da experi- científica tem freqüentemente se mos-
dade a respeito dos impactos sociais mentação e da aplicação de seus trado ignorante sobre a forma como as
da ciência e tecnologia. resultados. Nesse sentido, Wynne9 atitudes sociais são formadas e se
argumenta que: expressam por meio do sistema de
De uma perspectiva oposta, colocam- participação social."
se os argumentos que percebem o pre- "Formulado desse modo, o problema
domínio, nas atividades de divulgação leva toda a atenção da pesquisa crítica Além disso, pesquisas de opinião pú-
científica, de motivações de caráter cor- para a sociedade e a mídia. Os únicos blica revelam que o declínio do estatuto
porativo e conservador, especialmente a problemas no âmbito da ciência estão social da ciência, naquele momento, não
busca de uma maior legitimidade, apoio relacionados a induzir os cientistas a foi um fenômeno isolado, mas parte do
e prestígio tanto para a comunidade comunicarem-se mais clara e inte- movimento generalizado, nos anos 60 e
científica, quanto para a ciência em si*. 70, de descrédito em relação à boa
parcela das instituições sociais.
Para esse segundo grupo de argumen- * Prewitt (1983) chamou a atenção para o fato
tos, essa visão instrumental da divul- de que, nos Estados Unidos, a partir do declínio
de sua posição nos cenários político e
gação científica formou-se a partir da econômico mundial, um esforço renovado na
educação científica foi justificado, em termos
da produtividade econômica, da segurança
* Ver, por exemplo, Wynne, 1982 e Melo, 1982. nacional e da influência política internacional.

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Divulgação científica: informação científica para a cidadania?

Existe ainda um terceiro conjunto de 1) A mídia esforço, e esse padrão de comunicação


argumentos12 que questiona a efetivi- expandiu-se para o resto da Europa e
dade e a utilidade das iniciativas de A mídia, como um veículo de divulgação para as colônias britânicas na América
popularização da ciência, baseado na cientifica, é freqüentemente associada do Norte.
idéia de que a natureza freqüentemente ao jornalismo científico*.
ambígua do conhecimento científico não Ao final do século XIX, no entanto, a
permite, mesmo a um cidadão cienti- Jornalismo científico pode ser definido profissionalização e a especialização da
ficamente "iniciado", ter discernimento como "um processo social baseado em atividade científica resultou em uma
a respeito da informação científica que uma freqüente e oportuna relação entre radical separação entre os cientistas de
lhe está sendo transmitida. Desse organizações formais (estabelecimen- tempo integral e os não cientistas
ponto de vista, ampliar a informação tos/redes de editores) e comunidades interessados em ciência. E, conse-
científica do cidadão comum, embora (público/espectadores) que tem lugar qüentemente, na separação formal entre
possa ser visto como algo intrinse- através da mídia (jornais/revistas/ comunicação científica e meios de
camente bom, não seria em si suficiente rádio/TV/cinema) e que circula popularização.
para justificar o investimento público em informação atualizada sobre a natu-
programas especialmente orientados reza científica e tecnológica, de acor- É dessa época o surgimento de uma
para esse fim, sobretudo porque o do com variados graus de interesse série de publicações precipuamente
retorno desse investimento é fre- e expectativa (universos culturais e científicas, como o American Journal of
qüentemente intangível. Do ponto de ideológicos)"13. Science (1818), o Scientific American
vista desses argumentos, os programas (1845), a Nature (1869) e a Science
de educação e informação científica para O jornalismo científico pode ter um (1880).
o público leigo não parecem produzir caráter informativo (notas, notícias,
bons resultados. Ao contrário, eles reportagens, entrevistas) e um caráter Ao mesmo tempo, o estilo sensa-
parecem criar maior grau de incerteza, opinativo (editoriais, comentários, cionalista usado por muitos jornais
pela própria natureza ambígua que artigos, colunas, crônicas, cartoons e populares, como apelo comercial, criou
geralmente caracteriza as questões cartas). o que se tornou conhecido como Gee
científicas. Whiz Science, e a aversão de muitos
A origem histórica do jornalismo cientistas pela comunicação de seus
Mas, ainda que crítico da eficácia dos científico está associada ao movimento trabalhos por meio desses instrumentos
programas de divulgação e de educa- científico iniciado nos séculos XVI/XVII. de informação.
ção científica, esse último conjunto de A censura à atividade científica, pela
argumentos não desconsidera total- Igreja e o Estado, motivou então a O papel proeminente da ciência e
mente a sua prática. criação de formas leigas e civis de tecnologia na I Guerra Mundial foi
comunicação dos resultados científi- responsável pelo aparecimento de um
MEIOS E INSTRUMENTOS cos, particularmente por meio das novo tipo de jornalismo científico. Alguns
academias de ciência como a jornalistas começaram a dedicar-se,
Dois veículos de informação científica Accademia Secretorum Natural (1560), quase que integralmente, a assuntos
para o público em geral vêm recebendo a Accademia dei Lincei (1603), a científicos e de medicina, esforçando-
maior atenção pela literatura espe- Accademia dei Cimento (1657), a Royal se assim por manterem-se informados
cializada: a mídia e os museus ou Society(1620). e atualizados sobre esses temas.
centros de ciência*. Sobre esses, são
apresentados a seguir alguns dados e Considera-se que o jornalismo científico Um marco dessas transformações na
considerações. propriamente dito foi iniciado por redação popular sobre ciência foi o estilo
Oldenburg, com a publicação do implementado pelo jornalista David
periódico Phílosophical Transactions, Dietz, que começou a escrever sobre
pela Royal Society, em 1665, na o tema em 1915, na Cleveland Press,
Inglaterra. A linguagem utilizada era nos Estados Unidos. Dietz foi também
acessível mesmo para as pessoas o primeiro presidente da National
menos educadas. Muitos cientistas Association of Science Writers (NASW),
começaram a colaborar com esse fundada em 1934.

AII Guerra Mundial consolidou o status


* Sobre esse assunto ver também: quo da ciência e ampliou consi-
- Guedes, Angela Cardoso. Globo Ciência:
* Além desses, outros meios poderiam ser inventário e análise do arquivo de cartas
deravelmente o interesse do público
também considerados como fontes de recebidas dos telespectadores em 1988. Rio leigo em assuntos científicos. E, como
popularização da ciência e tecnologia, ainda de Janeiro. CNPq/IBICT-RFRJ/ECO, 1991 resultado, também ampliou o espaço na
que esse não seja seu principal objetivo: (dissertação de mestrado). mídia para a popularização desses
zoológicos, jardins botânicos, escotismo, clubes - RUBLESCKI, Anelise. Jornalismo científico: o
de jovens, jogos e brinquedos, selos, hobbies, dia-a-dia das redações. Estudo de caso dos
temas. Mesmo assim, desde 1942, o
turismo etc. Do ponto de vista das referências jornais O Globo e Jornal do Brasil. Rio de espaço dedicado a notícias e repor-
bibliográficas, muito pouco, às vezes nada, é Janeiro:CNPq/IBICT-UFRJ/ECO, 1993 (disserta- tagens científicas não ultrapassou 5%
encontrado sobre essas atividades. ção de mestrado). do espaço dos jornais.

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Divulgação científica: informação científica para a cidadania?

A partir de então, muitas pesquisas de Há também os que consideram que o 2) Museus e centros de ciência
opinião foram realizadas com o objetivo jornalismo científico estaria contribuin-
de melhor conhecer os interesses dos do para fortalecer algumas ideologias Os museus alargaram consideravel-
leitores por informação científica. Pelo dominantes: mente seu potencial educacional nos
seu valor histórico, destacam-se duas últimos anos, com o desenvolvimento de
pesquisas sobre o assunto, enco- - o mito da ciência (a ciência como um técnicas educativas e de exposição. O
mendadas pela NASW, na segunda poder supremo); papel educacional e informativo dos
metade da década de 1950: "A Ciência, museus de ciência e tecnologia sempre
as Notícias e o Público" (1957); - a neutralidade da ciência (a ciência esteve presente.
"Satélites, Ciência e o Público" (1959). e os fatos e fenômenos que ela
Nessas pesquisas, dois aspectos so- descreve sendo autônomos e indepen- A partir da Revolução Industrial, a
bressaltaram: a publicação de notícias dentes dos contextos políticos, sociais ampliação da consciência sobre a
sobre eventos científicos estimula a e culturais); importância sócio-econômica da ciência
consciência social sobre o papel da e tecnologia contribuiu para o esta-
ciência; e existe um considerável grupo - o preconceito no âmbito da própria belecimento dessas instituições. Um
de pessoas que são curiosas sobre ciência (enfatizando a big science e dos museus de ciência mais antigos -
todos os assuntos relacionados à suas aplicações tecnológicas, minimi- o Museum du Conservatoire National des
ciência14. zando pequenos projetos, oferecendo Arts et Metiers (1794), em Paris - teve
menos espaço na mídia para as ciências a sua criação motivada pela necessi-
Ainda que a profissionalização do humanas e sociais). dade de prover educação profissional
jornalismo científico tenha avançado para trabalhadores em mecânica. O
consideravelmente nas últimas déca- Por fim, há controvérsias sobre a eficá- Science Museum (1857), de Londres, e
das, essa atividade permanece alvo de cia das colunas, na imprensa, que são o Deutshes Museum (1906), de Berlim,
variadas críticas e controvérsias, muitas regularmente dedicadas a assuntos são também exemplos desse tipo de
das quais no âmbito da própria comu- científicos. Argumenta-se que as infor- motivação.
nidade científica. mações transmitidas por esses meios
perdem o impacto e o interesse que Enumeram-se como objetivos dos
Por um lado, há os que defendem que o poderiam provocar, caso não fossem museus de ciências exatas e naturais17:
jornalismo científico, por requerer um apresentadas isoladas da dinâmica dos
adequado manejo da linguagem jorna- acontecimentos diários. - "mostrar a natureza, o homem e a
lística, demandando assim habilidades evolução das realizações científicas e
específicas, deveria ser realizado Constata-se ainda que tanto a mídia técnicas da humanidade;
exclusivamente por profissionais de eletrônica, quanto a impressa possuem
comunicação, e não por cientistas. De um grande potencial para divulgação - prover informação inteligível sobre o
outro lado, muitos cientistas são científica não intencional (por exemplo, avanço da ciência e tecnologia;
contrários a esse ponto de vista, por séries de TV, propagandas comerciais,
discordarem dos critérios utilizados por colunas de saúde dos jornais etc). - despertar nos indivíduos, especial-
jornalistas na seleção de notícias e no Acredita-se16 que o espectador e o leitor mente nos jovens, uma vocação nesses
tipo de abordagem de suas reportagens sejam capazes de reconhecer um campos;
sobre ciência, critérios esses que seriam conteúdo científico na mídia, mesmo que
próprios à imprensa convencional (mas este não seja o propósito do veículo de - educar, no sentido da aquisição do
não à lógica científica), tais como senso comunicação ou do receptor. Não espírito e da mentalidade científica;
de oportunidade, timing, impacto e existem, no entanto, muitos dados
interesse social. empíricos a esse respeito, em razão dos - fazer com que os indivíduos não se
ainda poucos estudos realizados sobre sintam marginalizados ou temerosos
Argumenta-se15 ainda que o jornalismo o modo pelo qual a televisão é utilizada pela ciência e tecnologia, de modo a que
científico então praticado reflete a enquanto fonte de informação científica eles possam compreender, avaliar e jul-
ideologia que vem dominando o jorna- e também sobre como as notícias sobre gar seus diferentes usos na sociedade
lismo em geral desde o século passado, ciência são interpretadas pelos leitores contemporânea."
qual seja, uma ideologia mercantilista, de jornais*.
marcada pelo sensacionalismo (para Recentemente, os papéis acadêmico,
vender notícias, é necessário provocar Com tudo isso, o jornalismo científico preservacional e educacional dos mu-
emoções no público consumidor) e pela permanece sendo o veículo mais tradi- seus de ciência tornaram-se objeto de
atomização (o real é percebido não em cional para a divulgação da ciência e a controvertido debate. A percepção dos
sua totalidade, mas em seus fragmen- transmissão de informação científica museus como meros repositórios de
tos: política, economia, esportes, ciên- para o público em geral. objetos colecionados do mundo natural
cia etc). evoluiu para a concepção de que tais
* Uma análise a esse respeito pode ser
encontrada em Gonzalez, Maria Iracema.
objetos devem ser inseridos em um
A divulgação científica: uma visão de seu contexto facilmente compreensível pelo vi-
público leitor. Rio de Janeiro: CNPq/IBICT-UFRJ/ sitante, o qual nem sempre teve acesso
ECO, 1993 (dissertação de mestrado). a uma educação científica formal.

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Divulgação Científica: informação científica para d tiuauwi

A preocupação quanto à comunicação Nazionale delia Scienza e delia Tecnica relevante nos centros de ciência, devido
para o visitante cresceu a tal ponto, que Leonardo da Vinci (1947), de Milão, à importância da orientação propor-
vários desses estabelecimentos vêm também é considerado um pioneiro, cionada a seus visitantes. Apesar dos
buscando organizar suas exposições de devido às suas atividades educacionais limitados conhecimentos desses guias
acordo com a experiência e as como um complemento para a missão e monitores, sua principal função é a de
preferências dos visitantes. Por esse de educação científica das escolas19. estimular a curiosidade dos visitantes.
motivo, vem crescendo a demanda por
pesquisas e estudos sobre os visitantes Frank Oppenheimer (1912-1985) é A popularidade que esses centros
dos museus enquanto usuários das também considerado um dos precur- alcançaram junto a públicos de todas
informações ali contidas. Conseqüen- sores modernos da hands-on science. as idades é devida ao fato de que eles
temente, conceitos como "atratividade" Apreciador do recurso a ilusões visuais são divertidos e interessantes. Eles
e 'holding power" também ganharam para apresentar métodos de observação partem do princípio de que o visitante
expressão prática. Tais conceitos defi- científica, Oppenheimer foi o fundador não possui nenhuma base anterior de
nem os níveis de interesse e influência do Exploratorium (1969), em São Fran- conhecimentos em ciência. Mas,
ç je as exposições dos museus geram cisco, Estados Unidos, inspirado na diferentemente das escolas, os centros
em seus visitantes, assim como eles Children's Gallery do Science Museum de ciência não têm sido capazes de dar
fornecem indicadores que ajudam a de Londres, criado nos anos 30. um caráter sistemático às suas ativi-
controlar e a melhorar a qualidade de dades educacionais. O que eles podem
seus desempenhos. Experiências interativas com ciência proporcionar é um ambiente propício e
tiveram um substancial desenvolvimen- instrumentos adequados para provocar
Atualmente, existem museus de ciência to nos últimos 30 anos. Nos Estados nas pessoas os insights que irão motivar
que enfatizam aspectos históricos; ou- Unidos, elas ocorreram particularmente futuras buscas independentes por
tros que enfatizam aspectos educacio- após o lançamento do primeiro sputinik conhecimento científico.
nais e de divulgação; outros ainda que soviético, em 1957, quando se tornou
combinam essas e outras funções. evidente a urgência de se incrementar o Cientistas comportamentais acreditam
nível de informação científica do norte- que o aprendizado é um processo
Os centros de ciência ou centros de americano médio. Sessenta por cento dos gradual que acontece ao longo do tempo,
hands-on science surgem como uma museus de ciência e tecnologia norte- mediante o acúmulo de conceitos, habili-
nova concepção de museu, usando americanos foram criados a partir de en- dades e experiências 20 . Freqüente-
métodos interativos de exposição, de tão. Mas os centros de ciência expan- mente, ainda que o que uma criança
modo a motivar o público com expe- diram-se realmente na década de 80. observa ou vivencia em um museu ou
riências que o envolvam diretamente. centro de ciência a fascine, isto pode
A proposta de hands-on science visa a Apesar de diferentes em seus propó- não ser imediatamente compreensível
estimular a experimentação dos visitan- sitos, funções, conteúdo e público, a para ela. Posteriormente, no entanto,
tes, a iniciativa individual e a curiosida- maioria dos centros de ciência parece quando ele ou ela recebe, na escola,
de. É uma tentativa de apresentar os fe- funcionar de acordo com certos uma explicação sobre aquele fenô-
nômenos do mundo natural com o em- princípios gerais, quais sejam: priorizar meno, o seu aprendizado torna-se mais
prego de experimentos interativos e de aspectos contemporâneos da ciência, fácil e menos abstrato, como chama à
demonstrar como as invenções e des- mais do que uma visão histórica; atenção Tressel21:
cobertas constituem respostas às ne- encorajar a participação de seus
cessidades e à curiosidade dos homens. visitantes, estimulando-os a entrar em "Talvez mais importante, o estudante
contato direto com os objetos em que vê beleza na ciência e percebe os
As origens mais remotas dos centros exibição; enfatizar exposições vincula- museus como uma grande aventura tem
de ciência estão na imaginária "House das a projetos educacionais; promover mais probabilidade de persistir, apesar
of Solomon", concebida por Francis atividades educacionais complementa- da dificuldade do conhecimento e da
Bacon, em sua New Atlantis (1626). res e eventos paralelos às exposições. disciplina de estudar ciência e
Bacon tinha a idéia de que a ciência e a matemáticas formais."
tecnologia de sua época deveriam estar Os centros de ciência enfrentam ques-
disponíveis para os cidadãos, pois eram tões práticas e teóricas diferentes da- Advoga-se que o que motiva o público,
atividades sociais para as quais quelas enfrentadas pelos museus adulto ou jovem, a visitar um museu ou
contribuíam as muito diferentes habili- tradicionais, que são mais orientados centro de ciência é a descoberta, a
dades e interesses pessoais18. para as coleções; ou daquelas enfren- exploração, a aventura; não é a procura
tadas pelas escolas, que enfatizam a por informação ou educação. E, embo-
O Museum of Science and Industry expressão escrita. Em primeiro lugar, os ra o que é aprendido o seja de modo
(1933), em Chicago, e o Palais de Ia centros de ciência têm de apresentar informal ou mesmo não intencional,
Découverte (1937), em Paris, concebi- conceitos complexos por meio de trata-se acima de tudo de um processo
do pelo físico Jean Perrin, com o objeti- experimentos atrativos, particularmente de aprendizado. Por essa razão, torna-
vo de popularizar os fundamentos bási- para as crianças, enfrentando todos os se necessário desenvolver pesquisas
cos das ciências exatas, são considera- problemas envolvidos na simplificação sobre como e com que tipos de fenôme-
dos os pioneiros do que hoje é conhe- de processos complexos. Monitores e nos e experimentos o pensamento
cido como centros de ciência. O Museo guias desempenham um papel bastante científico pode ser introduzido nos

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centros de ciência (por exemplo, as atestar a eficácia pedagógica das são cultural, bem como percebendo o
diferenças entre o pensamento deduti- técnicas de exposição interativas. conhecimento científico enquanto pro-
vo e indutivo; a distinção entre proba- dutor de uma informação parcial, que é
bilidade e teste de hipóteses). Até o Os museus e centros de ciência capaz de prover respostas eficazes,
presente, essa escolha tem sido feita representam apenas uma parte de todo mas temporárias, a problemas coloca-
de forma muito intuitiva. Do mesmo um esforço que está sendo posto em dos por sucessivas gerações.
modo, embora pareça existir um prática para melhorar a compreensão
consenso de que os centros de ciên- social da ciência. Os centros e museus Em segundo lugar, quanto a seus meios
cia deveriam proporcionar informa- de ciência têm a vantagem de contar e instrumentos. Embora a divulgação
ção complementar a seus experimen- com profissionais de ciência especia- científica seja geralmente percebida
tos interativos, não há clareza sobre lizados e com um ambiente motivador, como sendo baseada em mecanismos
quais informações deveriam ser o que contribui para seu sucesso quan- de educação informais, dado que seu
privilegiadas e qual o melhor meio para do comparados com fontes educacio- alvo é o público leigo em geral, é
transmiti-las. nais mais convencionais. inevitável sua relação com a educação
científica formal oferecida pelas escolas
O uso de ilusões visuais e outras ilusões CONSIDERAÇÕES FINAIS primárias e secundárias.
sensoriais é particularmente revelador
de nossas possibilidades e de nossas A partir do anteriormente exposto e Comparações sobre a efetividade dos
limitações como observadores. No considerando a diversidade de argu- métodos formais e informais de
entanto, ainda que as experiências mentos e de experiências apresenta- educação científica apresentam, com
interativas sejam consideradas por dos, são perceptíveis as dimensões freqüência, resultados controvertidos.
muitos como importantes e mesmo reais e complexas das atividades de Alguns estudos concluem que a base
necessárias para a compreensão e o divulgação da ciência e tecnologia. para o conhecimento científico é
desenvolvimento científico, elas ainda formada durante os primeiros anos da
carecem de uma referência teórica que Em primeiro lugar, quanto a seus educação formal, na escola* 24 . As
lhes dê significado, como assinalado objetivos. Essas atividades podem tanto atividades de educação informal, que
porGregory22: servir como instrumentos de maior vêm crescendo recentemente, atuariam
consciência social sobre a atividade no sentido de consolidar ou atualizar
"Parece muito claro que as percepções científica, seu papel e importância atuais esse conhecimento.
primeiras dos objetos requerem interpre- para a sociedade, como podem ser
tações por meio do conhecimento (...). instrumentais para a mistificação da Outros estudos25 indicam que a escola
Até que ponto as experiências intera- opinião pública sobre a ciência. Pela não é capaz de prover toda a educação
tivas podem interpretar e dar sentido à sua própria natureza, o tratamento e a informação científica requerida pelo
percepção visual de objetos ou situa- popular do material científico pode usar cidadão, ao longo da vida, na busca de
ções não familiares constitui uma critérios de seleção questionáveis, acompanhar as rápidas transformações
importante questão experimental." simplificar excessivamente, distorcer, técnico-científicas, em nível mundial, e
deturpar, mistificar. O direcionamento de participar nas decisões relacionadas
Talvez uma resposta para essa questão que essas atividades podem ter irá ou influenciadas pela ciência. Hoje em
tenha surgido com o conceito de depender em grande medida das inten- dia, ainda que não intencionalmente,
centrum de ciência, que associaria ções dos que as irão conceber e desen- adultos e crianças são expostos a e
funções dos museus de ciência com as volver, das informações que irão estão em contato com diferentes outras
dos centros de ciência, apresentando- privilegiar, bem como dos métodos que fontes de informação científica fora da
se assim como uma alternativa aos irão utilizar. escola. Dessa perspectiva, o critério
problemas enfrentados por esses dois mais importante para se avaliar a eficá-
tipos de experiências isoladamente, Uma das tarefas mais difíceis a serem cia dos cursos formais de ciência deve-
conforme lembrou Bragança Gil23: realizadas no desenvolvimento de ria ser a base de conhecimentos que
programas de popularização da ciência eles oferecem para futuros aprendiza-
"Enquanto os museus de ciência e e tecnologia é alcançar um equilíbrio dos informais. Além disso e a despeito
tecnologia tradicionais não são capa- entre o entusiasmo pela ciência dos da reconhecida importância do sistema
zes, em geral, de comunicar (...) uma profissionais envolvidos na sua con- de ensino formal, abre-se espaço para
perspectiva compreensível do atual cepção e aplicação e a necessidade de a expansão de mecanismos educacio-
conhecimento científico e de suas se evitar transmitir ao público leigo um nais mais leves e flexíveis, dadas as
aplicações, os centros de ciência visão exagerada das possibilidades da dificuldades enfrentadas pelo aparato
apresentam-nos sem relação com seus ciência moderna. educacional institucionalizado para
antecessores e fora dos contextos abordar novos temas e incorporar me-
cultural e sociológico." Parece também necessário "populari- todologias inovadoras26.
zar", junto aos cientistas, alguns
Continua em aberto, no entanto, ques- argumentos sociais e filosóficos sobre
tões sobre como medir os resultados a ciência: relativizando historicamente * Foi o caso, por exemplo, de estudos realizados
dessas experiências em termos de o papel da ciência no âmbito de outras por Miller (1992) com estudantes dos Estados
aquisição de conhecimento e como formas de conhecimento e de expres- Unidos e do Japão.

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Em terceiro lugar, caberiam também ocorre diferenciadamente entre esses


algumas considerações sobre as segmentos. Contraditoriamente, esse
especificidades da divulgação científica gap tem crescido, na mesma proporção
nos países em desenvolvimento27. As em que mais informação técnico-
razões mais óbvias para suas diferenças científica é introduzida nos meios de
em relação aos países desenvolvidos comunicação de massa.
são as desigualdades entre seus modos
e condições de vida, bem como a desi- Resta saber até que ponto as iniciativas
gual apropriação dos resultados da revo- de divulgação científica têm auxiliado na
lução científica iniciada no século XVII. ampliação do exercício da cidadania,
possibilitando uma escolha informada
A inserção e a aceitação da ciência e sobre as opções e os padrões de
tecnologia nos países do Sul se impõem, desenvolvimento científico-tecnológico,
dada a historicamente comprovada ou se, ao contrário, elas têm contribuído
importância dessas atividades para a para criar necessidades artificiais
humanidade e ante o irrefreável mo- impostas por modelos sociotecnocrá-
vimento de globalização em curso. ticos e mercantis hegemônicos.
O reconhecimento dessa realidade não
é, infelizmente, suficiente para
ultrapassar todos os problemas que os
países menos desenvolvidos enfrentam
em relação à divulgação da ciência e
tecnologia, diante de barreiras educa-
cionais e mesmo culturais à recepção da
informação científica (além das barreiras
político-econômicas) e das dificuldades
financeiras e institucionais para o
desenvolvimento dessas atividades.

No entanto, as condições que tornam


difícil a popularização da ciência e
tecnologia nesse contexto são as
mesmas que a tornam mais relevante
para os países em desenvolvimento. É
nesses países que a população leiga
mais necessita ter acesso a infor-
mações científicas que se relacionam
com problemas da sua vida cotidiana,
como saúde e higiene, nutrição, uso de
fertilizantes e pesticidas etc, bem como
que a instrumentalize para assimilar
criticamente e contribuir criativamente
para o avanço científico-tecnológico da
humanidade em geral.

Por fim, apesar de todos os esforços já


realizados para repassar informação
científica e tecnológica para a sociedade
em geral, popularizando a ciência e a
tecnologia, é perceptível a persistência,
e até ampliação, do gap de conheci-
mento científico-tecnológico entre os
diferentes segmentos sociais, à medida
que a absorção da informação científica

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Scientific popularization: scientific


information to citizenship

Abstract
This article debates the social role of
science and technology popularization
activities, presenting a bibliographical
survey on that subject. It addresses to
popularization of science s historical
background, main concepts, recent
motivations, means and ínstruments. It focus
more specifically on two concrete
experiences: the media (specially scientific
journalism) and science centers and
museums. At the end it presents some
considerations on the specificities and the
importance of the popularization of science
Sarita Albagli
in developing countries.
Professora/pesquisadora do Programa de Pós-
Keywords Graduação em Ciência da Informação.
CNPq/IBICT-UFRJ/Escola de Comunicação,
Popularization of science; Scientific and
e-mail: albagli@omega.lncc.br
technological information; Scientific
journalism; Science centers and museums.

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