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A velha e boa pornografia

Não deve ser nada fácil ser um ator ou uma atriz pornô, não acredito que a carreira
esteja entre as primeiras escolhas profissionais de alguém. Conheço um bocado de gente
sonhando com medicina, com veterinária, com direito, querendo ser modelo e
manequim. Sei lá, pode ser que uma parcela muito pequena da população sonhe com
essa carreira, mas não sei de ninguém, não conheço ninguém sonhando com um futuro
na indústria da pornografia. Correndo o risco de ser moralista, acho que são mais as
derrotas existenciais e econômicas que empurram as pessoas para o ofício. A outra
metade, um filme que eu não vi, é um pornô. Ao menos na opinião do senador
paranaense Roberto Requião é um filme pornô. A quem diga que é um filme erótico,
mas para o senador, que deve ter visto a obra e deve saber qual a diferença entre
erotismo e pornografia é um filme pornô. E para ele ator pornô não pode ocupar cargo
no serviço público. Pois não é que Valter Pagliosa, ator de A outra metade, foi nomeado
para uma diretoria regional do Instituto Ambiental do Paraná, o IAP? Bom, como lugar
de ator pornô parece ser fazendo filme pornô, Requião começou uma cruzada (!) contra
o moço e Pagliosa caiu. Se é que tem algo de pornográfico nessa história acho que a
suposta profissão de Pagliosa é o de menos. Diria mesmo que não tem a menor
importância. Foda-se (!) que ele tenha feito ou um ou tenha feito cem filmes
pornográficos, se é que fez. E daí? Confesso, acho muito bom ouvir que alguém é ex-
ator pornô ou que é ex-atriz pornô. Sei que é uma fala conservadora, mas digo isso por
achar que pouca gente é assim tão feliz atuando nessa indústria. E ficaria contente da
vida vendo um batalhão de ex-astros do pornô atuando em profissões menos
estressantes e perigosas que a de ator de filme de sacanagem. Sim, até mesmo no
serviço público, caso sejam competentes para conquistar espaço em suas fileiras. O que
torna uma pessoa indigna para o serviço público não deveria ser o fato de ter atuado
num desses filmes (sabe-se lá por conta de qual cilada a vida andou lhe armando). Acho
que servidor público não pode ser, nem ter sido ou ter feito um bocado de coisa, mas
estou me lixando para o fato de ele já ter sido um ator pornô. E daí? Se a profissão de
ator pornô for um negócio tão terrível assim, como parece ser a opinião do senador,
porque não desejar e até contribuir para que a pessoa tenha a oportunidade de exercer
uma outra atividade profissional? Ao que tudo indica essa segunda carreira, se houver,
não vai ser no serviço público, já que Pagliosa foi exonerado do cargo de dirigente no
IAP. Aliás, justamente aí está o aspecto que muitos certamente hão de considerar
verdadeiramente pornográfico na história:  Pagliose não chegou à direção do IAP após
prestar concurso público (nem mesmo tem formação ambiental), ocupou o cargo graças
a velha, boa e quase sempre pornográfica indicação política. Não foi o único, parece que
todos os chefes regionais da autarquia, acho que eles são 20 ao todo, foram indicados
pelos partidos políticos que apoiaram o governador Beto Richa, do PSDB. Bem
pornográfico dirão alguns, ou muitos, ou centenas de milhares, quem sabe até milhões!,
mas nunca jamais os indicados ou aqueles que os indicaram.

Os que perdem com a Copa do Mundo


A Fifa faz uma série de exigências aos países candidatos a sediar uma Copa
do Mundo, com vistas a garantir as condições ideais para a realização do
evento, incluindo-se aí, obviamente, seus lucros estratosféricos, e todos os
governantes, sejam eles de de nações asiáticas, européias, africanas,
americanas ou da oceania, se desdobram em esforços para atender a essas
exigências, tamanho é seu desejo de sediar o Campeonato Mundial de Futebol.
A Fifa bem que poderia ampliar sua lista de exigências e incluir entre elas
transparência e respeito aos cidadãos atingidos pelos processos de
desapropriação e remoção com o mesmo empenho que defende os seus
próprios interesses. A entidade não terá nenhum prejuízo ao incluir
transparência e respeito como condições fundamentais para as nações
postulantes se habilitarem a sediar uma copa, nenhum governo abrirá mão de
sediar seu evento por ter que agir de modo justo com parte de sua população,
aquela que perde o jogo, e eventualmente suas casas e até vidas, antes
mesmo que o campeonato comece. Mas a entidade costuma se calar diante da
violência com que vários países - lembram da África do Sul? -, tratam os que
precisam deixar seus lares para que estádios sejam erguidos, avenidas sejam
duplicadas, trincheiras sejam abertas. É como se o gigantesco custo humano
do evento, pago sobretudo pelas populações mais carentes, fosse a coisa mais
natural e aceitável do mundo para o senhor Blatter e para e entidade que ele
preside. Será que é?
É urgente impedir que governos pouco democráticos - impossível considerar
estruturas de poder que não primam pela transparência como verdadeiramente
democráticas - sigam torturando psicologicamente e arruinando
economicamente um número enorme de famílias que precisam ser desalojadas
nos inevitáveis processos de desapropriação ocorridos por conta das
transformações urbanas impostas às cidades-sede. A Fifa não pode abrir mão
de usar o enorme poder de que dispõe para exigir, especificamente no caso
brasileiro, que as autoridades encarregadas das desapropriações e remoções
abram suas caixas-pretas e iniciem imediatamente as conversações com a
população afetada pelas obras da Copa de 2014. Eles têm o dever moral de
realocar dignamente as comunidades removidas e devem informar, oficial e
imediatamente, quais imóveis serão desapropriados – intolerável alegar que
ainda desconheçam quais são eles - e qual o critério adotado para as
indenizações. É inaceitável que sigam protelando essas informações, tal
comportamento é sintoma de que não querem dar tempo hábil para discutir e
garantir uma justa indenização aos que serão desapropriados ou removidos.
O comportamento das autoridades brasileiras, presente em praticamente todas
as cidades-sede, têm se relevado incompatível com a democracia e com os
ideais esportivos. Mais que do que um milionário evento futebolístico, uma
Copa do Mundo tem o dever de se pretender um evento de evolução
civilizatória – uma civilização solidária. E poderia ser, caso a Fifa assim o
desejasse e se mostrasse maior que os estados nacionais que eventualmente
brutalizam parte de sua população,  pretensamente em nome do interesse
coletivo, e terminam por esvaziar de sentido a Copa do Mundo.
Como a Fifa apoiou financeiramente chilenos e haitianos na reconstrução de
seus países, ambos afetados por recentes terremotos, talvez não seja demais
esperar que seu próximo passo seja exatamente o de observar muito
atentamente o destino dos que perdem o sono por conta de seu evento (e não
é por temer que a seleção de seu país seja desclassificada). Observar e
intervir, é claro.

Um cara e quinhentos e doze outros caras

Sei pouco sobre o deputado federal José Antonio Reguffe (PDT-DF), embora esse
pouco não o descredencie, de todo modo é preciso reconhecer que ele começa bem sua
atividade representativa. De saída ele abriu mão - em caráter irrevogável - de parte da
dinheirama a que tem direito os deputados e ainda reduziu o número de seus assessores,
de 25 para 9. Também abriu mão de cotas de passagens e auxílio moradia (faz sentido,
já que mora em Brasília). Por conta disso os quatros anos de seu mandato vão custar em
torno de 3 milhões a menos que o de seus pares para os cofres públicos. Ele argumenta
que ‘um mandato parlamentar pode ser de qualidade custando bem menos para o
contribuinte do que custa hoje’. Algum outro deputado federal concorda com ele? Se
considerarmos que até o presente momento não há registro de que algum deles tenha
feito movimento semelhante é bem provável que não. 513 deputados federais se
acotovelando no congresso e só 1 deles acha que é possível exercer uma representação
de qualidade recebendo menos dinheiro por isso e contando com um número menor de
assessores. Se esse cara, Reguffe, estiver certo os outros 512 caras ou estão errados ou
são gastadores compulsivos. Ou Reguffe se condenou a exercer o mandato que lhe foi
confiado de maneira capenga, por falta de gente ou sabe-se lá porque, ou os demais
estão exigindo dinheiro demais e gente demais para realizar um trabalho que poderia ser
realizado com menor orçamento e número menor de pessoal. Caso Reguffe consiga
desempenhar seu mandato de modo satisfatório (ou mais do que isso, vá lá) estará
provando que seus pares estão desperdiçando dinheiro público e que é preciso rever o
tamanho da estrutura e os salários que lhes são oferecidos. Só de assessores, imaginando
que os demais cortassem seus quadros na mesma proporção, seriam 8 mil cargos a
menos, oito mil salários a menos. A economia certamente não seria pequena.
Reguffe não tem que ser incensado por seu gesto, se concluiu que não é preciso tanto
dindim e tanto pessoal para desempenhar a função tinha mesmo que fazer o que fez. E
mesmo contando com orçamento menor e menos pessoal não devemos esperar – nem
aceitar – da parte dele uma atuação menos produtiva que a de seus pares. Mas não acho
que ele espere condescendência, creio estar diante de um cara que sabe o que está
fazendo. O diabo é que chegar a essa conclusão impõe reconhecer que os outros 512
caras, mesmo os mais ingênuos e inocentes (será que tem algum no congresso?), estão
nos custando mais caro do que deveriam, cobrando mais do que deveriam por seu
trabalho. Dá para confiar em gente assim?

Dentro do buraco, na superfície do problema

Não me recordo em qual telejornal assisti a matéria e nem em qual bairro de Cuiabá, a
cidade onde moro, o tal asfalto foi colocado. Não importa! O fato é que era asfalto
novo, novíssimo, de no máximo dois meses, e a rua já estava cheia de buracos. Parte do
asfalto foi levado (lavado, se você preferir) pela água das chuvas. Negócio triste de se
ver. Espero que o futuro dos moradores desse bairro, dessa rua, não seja o de muitos
outros cuiabanos: viver em uma via que já foi asfaltada um dia. Não são poucas as ruas
da cidade onde verificamos vestígios de asfaltamento.  Nessas ruas o asfalto sumiu,
sabe-se lá se por força da chuva, do tráfego ou da má qualidade da pavimentação.
Imagino que por força da má qualidade da pavimentação, de alguma etapa ou de todo o
processo, já que asfalto é feito pra resistir à força da chuva (salvo, vá lá, em casos
extremos) e ao tráfego.
Sensação muito estranha a que tive ao assistir essa matéria. Negócio esquisito mesmo.
Com o fato em si e com a cobertura também. Primeiro senti raiva, claro, e também senti
pena dos moradores, gente que sonhou com o asfaltamento de sua rua, alegrou-se ao ver
as máquinas chegando e que agora começa a temer pelo futuro, imaginando que logo
aquele asfalto todo possa desaparecer. E teve a matéria, o trabalho jornalístico em si,
que também me deixou meio borocoxô. Claro, bom que a matéria tenha sido feita, mas
fiquei imaginando que para além de mostrar as crateras, ocorresse a quem realizou a
reportagem uma visita à empresa que realizou a obra. Queria ouvir o responsável pelo
serviço. Imagino que um engenheiro esteja por trás dessa obra. Queria ouvir esse
profissional, saber, do ponto de vista dele, o que deu errado. Ninguém mais qualificado
que o responsável pela obra para falar sobre o que deu errado. Não acho que mostrar o
buraco, entrar dentro do buraco, seja o bastante. E além do responsável pela execução
da obra, além de ouvir o engenheiro, além de ouvir o dono da empresa que executou o
serviço, queria ouvir quem contratou o serviço. Acho, assim me parece, que a obra foi
contratada pela prefeitura cuiabana. Foi? Imaginando que sim, e enquanto assistia a
matéria ficava me perguntando o que nossos representantes, nossos prepostos, diriam
daquilo. Será que, caso se chegasse à conclusão de que a obra foi realizada sem o
devido cuidado, talvez com material de má qualidade ou que o executor não fosse dos
mais qualificados, será que nesse caso o contrato para a execução da obra seria
imediatamente rescindido? E que se pagamentos tivessem sido feitos, esse dinheiro seria
devolvido aos cofres públicos? Essa empresa seria chamada para novas obras? Mas não
ouvi nem os executores e nem os contratantes da obra, o jornalista ficou no buraco o
tempo todo. Achei pouco, muito pouco. Eu, fosse quem devesse explicações, ficaria
contente da vida de ver a imprensa dentro do buraco. Dentro do buraco e na superfície
do problema.
Não é o meu caso, moro em uma via pavimentada e o asfalto dela ainda resiste, mas
acho que está na hora de todo morador saber qual empresa está asfaltando sua rua, está
na hora de ele saber quem é o engenheiro responsável pela obra. Tem memorial
descritivo para asfaltamento? Deve ter, deve ter. E se tiver devia estar na internet. É
complicado, difícil disponibilizar esse tipo de informação? De uns tempos pra cá acho
que nada é tão difícil de se fazer, acho tudo factível. É uma questão de se querer fazer.
De se querer informar, de se querer sair do buraco.

De sacanagem e representação

Houve um tempo em que a Suécia era, ao menos para mim, sinônimo de sacanagem. Eu
confesso, aquelas suas revistinhas maravilhosas tornaram minha adolescência muito
mais feliz. Bom, a juventude passou já faz um bom tempo, minhas revistinhas de
sacanagem ficaram em algum lugar do passado e a Suécia deixou de ter qualquer relevo
em minha vida. Voltou à cena num outro dia, falo disso mais adiante, a me mostrar que
o eixo da sacanagem mudou: ao menos em se tratando de política, a bandalheira agora
corre por nossa conta, que eles não são disso não. E foi justamente por conta desse meu
reencontro com a Suécia que me vi pensando em nós, no Brasil, no quanto mimamos
nossos representantes e em como esse mimo todo, esse poder todo, têm feito mais mal
do que bem – para nós, bem entendido. Outro dia li que um senador brasileiro tem algo
em torno de oitenta funcionários orbitando em torno dele – deveria ter uns dez ou doze,
mas com o jeitinho chega fácil aos tais oitenta, um pouco mais ou um pouco menos.
Mais do que representantes, criamos grandes empregadores. Precisa de tanta gente? Não
sei quantos funcionários têm um deputado ou um vereador, mas estou seguro que
também não são poucos. E não tem a ver somente com o número de funcionários,
parece que todo o desenho da administração pública é muito concentrador de poder nas
mãos dos políticos. Poder de empregar e, se quiserem, de silenciar e corromper também.
Eles realmente precisam desse poder todo? Dá para exercer de maneira eficiente a
representação que lhes outorgamos sem todo esse aparato – sabe Deus quantos
funcionários, casa, comida, roupa lavada e muita grana à sua disposição? Nossos
representantes, meio que resumindo a ópera, fazem leis, propõe e executam políticas
públicas, representam e defendem os interesses de suas comunidades e etcétera e
etcétera. Dá para cumprir tais obrigações com menos poder em mãos? De quanto poder
a menos? Não sei. De qualquer modo há países em que a representação não é tão
mimada como a brasileira e mesmo assim a coisa parece funcionar muito bem. A
Suécia, olha ela aí, leva jeito de ser um desses países. Quem for ao YouTube -
http://www.youtube.com/watch?v=5mLSS7ZUGVk&feature=player_embedded -
assistir as reportagens sobre o exercício da representação por lá ficará de queixo caído
com a vida de deputados e vereadores naquele país. Não é que seja uma vida dura, mas
é completamente destituída de mordomias. Como o cenário deles não é de caos, fico
imaginando que o fato de seus representantes não terem poder de empregar meio
mundo, não terem cotas de passagens aéreas e nem receber grandes salários - lá os
deputados recebem, ao menos atualmente, duas vezes o salário de um professor -, nada
disso parece ter afastado gente competente da vida pública. Ao menos para quem olha a
coisa de longe, a impressão que se tem é que eles têm dado conta do recado. O fato de a
sueca ser uma das sociedades mais igualitárias do mundo, se não a mais!, deve ter
alguma relação com o bom exercício da política. Não sou desses brasileiros que olham
para o primeiro mundo e ficam babando e achando que eles são o máximo e que
precisamos ser como eles ou algo assim, mas estou certo de que os suecos têm algo a
nos dizer, a nos ensinar, e não tem nada a ver com sacanagem: eles também são muito
bons em matéria de representação pública. O pouco que vi pelo Youtube me deixou
excitado... ops!... encantado, perdão! Não estou dizendo que os políticos deles sejam
mais santos que os nossos, estou dizendo que o modelo deles, baseado na transparência
e no extremo rigor, parece aproximar da vida pública aqueles que realmente querem
servir ao seu povo e ao seu país. A política por lá parece uma atividade levada bem mais
à sério que por estas bandas. Diria que, ao menos em matéria de representação, eles não
querem nada com a sacanagem. Perderam a mão, se é que você me entende.

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