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Joelmir Pinho1
1. Considerações iniciais
Inicio esse texto estabelecendo algumas diferenças que me parecem fundamentais para o
melhor entendimento das questões aqui apresentadas. Em boa parte da escassa literatura
existente sobre o assunto e no nosso cotidiano, é comum se verificar a confusão no uso das
expressões “movimento social”, “movimento popular” e “movimento comunitário”.
Comecemos então, desse ponto.
Chamamos de movimentos sociais todos aqueles nascidos no seio da sociedade civil,
independente de sua ação social e sua natureza de classe. Assim, podem ser considerados
“movimentos sociais” os sindicatos de trabalhadores, as associações de moradores, a União
Democrática Ruralista - UDR, o Movimento Tradição Família Propriedade - TFP, o Movimento
Nacional dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST ou os “caras pintadas” do movimento Fora
Collor.
Já a expressão movimento popular se aplica, segundo José Augusto Zaniratti, a todos
aqueles “resultantes de uma ação coletiva, permanente e com caráter de classe ou segmento
marginalizado do ponto de vista econômico, político, social, cultural e de gênero”. Sua imagem
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É sócio-diretor do Instituto Focus (escritório de serviços), diretor geral da Escola de Políticas Públicas e
Cidadania Ativa – EPUCA (organização não-governamental sediada no Cariri cearense) e membro da
Associação Brasileira de Captadores de Recursos - ABCR. É consultor nas áreas de Políticas Públicas,
Processo Legislativo e Gestão do Terceiro Setor sendo, com freqüência, convidado para produzir textos,
conduzir cursos e oficinas e proferir palestras dentro dessas áreas.
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político, seja pela perda de autonomia da municipalidade – os habitantes da cidade
encontravam-se afastados dos organismos de decisão dos problemas que os atingiam”.
Há registro de que, anterior à década de 30, já existiam organizações formais e informais
semelhantes às que aqui estamos chamando de organizações comunitárias. Em 1905, registra-
se a existência de associações comunitárias na cidade de Belo Horizonte e na década de 20
tivemos várias manifestações populares urbanas no Rio de Janeiro.
Júlia Petri considera que “um marco forte no rompimento da face liberal no Brasil foi a
‘Revolução de 30’, que procurou garantir a reprodução capitalista nos marcos da intervenção
sobre a sociedade civil, impedindo a reivindicação livre por parte dos trabalhadores e instituiu
o controle estatal às instâncias do Movimento Sindical”.
Para “suprir o vazio democrático” deixado pela postura acima descrita, o Estado busca
estabelecer com as organizações comunitárias – em plena ascensão – uma relação populista,
que não dispensava o controle simulado das reivindicações e a vinculação de seu atendimento
à submissão política e ideológica ao poder central e sues representantes locais. Assim, o
primeiro passo para encaminhamento de uma demanda comunitária era a preparação de um
abaixo-assinado que deveria ser entregue a um representante do Estado, geralmente o
prefeito, o vereador ou o deputado. Quando atendida, a reivindicação era consumada como
ato paternal, como uma dádiva dos governantes.
A esse respeito, Luiz Roberto Lopes comenta que “devido à falta de uma tradição de luta e
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instrumento poderoso para viver este novo estilo de ser Igreja. O resultado deste processo foi
o crescimento quantitativo e qualitativo de lideranças que passaram a ser, inclusive, um apoio
fundamental para o Movimento Sindical nos momentos mais agudos da luta de classes, como
as greves do período 1977-1979.
Entre 1964 e 1980 formou-se um bloco ideológico de oposição à ditadura. Sua força pode
ser medida pelas greves da década de 70 em Minas Gerais e no ABCD e pelas manifestações
incessantes pela anistia dos presos políticos. O resultado, entre outros, foi a Anistia em 1979 e
a reforma partidária.
É também nesse momento que surge oficialmente em São Paulo, a Articulação Nacional
dos Movimentos Populares e Sindicais – ANAMPOS, formada por lideranças do Movimento
Popular e do Movimento Sindical, identificados com um novo jeito de fazer movimento. Era o
surgimento do novo sindicalismo, que tinha na ANAMPOS um instrumento de articulação da
luta popular, de formação e de construção de sua própria identidade. Dentro da ANAMPOS foi
gestada a idéia da criação de uma Central Sindical que fosse capaz de representar os interesses
dos trabalhadores a partir deste novo jeito de lutar.
Com a chegada dos anos 80 - e todas as transformações que vieram com essa década - os
movimentos populares tomaram novo impulso e surgiram movimentos ecológicos, de
mulheres, de negros, entre outros.
São movimentos que nasceram num momento em que a classe dominante abandonava a
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distância entre as direções locais e suas respectivas bases, resultando numa ausência clara de
organicidade e representatividade.
O país vivia um momento de mobilização e de grandes manifestações na perspectiva de
conquistar eleições diretas para Presidente da República, movimento conhecido como “Diretas
Já”. No entanto, mais uma vez a elite dominante desse país reeditava a velha prática política
do “façamos nós, antes que eles a façam”, fazendo a transição presidencial por cima, via
Colégio Eleitoral no Congresso Nacional.
Com a Reforma Partidária de 1980 que sepultou o bi-partidarismo, com a fundação das
Centrais Sindicais (CUT e CGT), com a abertura política dos poderes locais, buscando canais
para efetivarem suas políticas sociais e mais democráticas, o Movimento Popular perde o
referencial que havia conquistado com o enfrentamento durante o período da ditadura.
Também não funcionava com a mesma eficiência a velha política populista e paternalista das
décadas de 30, 40 e 50, pois o Estado - em nível federal, estadual e, principalmente, municipal
- estava afundado em dívidas e, portanto, sem condições de atender as demandas reprimidas
durante a ditadura. Esta situação, que tem como marco 1985, atinge seu auge em 1988.
Mas o Movimento Popular não se resumia ao Movimento Comunitário, que já
apresentava nítidas dificuldades de mudar sua tradicional forma de atuar. Novos sujeitos
coletivos propõem outro caminho. Em 1985, os militantes de 20 estados que participavam da
ANAMPOS, que atuavam em diferentes movimentos, com pequena participação das
organizações do Movimento Comunitário, decidiram pela construção de uma entidade
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Brown nos lembra que “uma sociedade sustentável é aquela que satisfaz suas necessidades
sem pôr em risco as perspectivas das gerações futuras”.
Assim, podemos concluir, entre outras coisas, que uma condição fundamental para a
construção do desenvolvimento local integrado e sustentável é a participação social. Vale
lembrar que a participação só se consolida quando, a quem participa é dado o poder de
decisão. E que só decide bem quem está bem informado. Portanto, outra questão central para
a construção do desenvolvimento local é a democratização do acesso à informação.
A propósito, a questão da participação no Brasil, tem assumido proporções
surpreendentes, pelo menos teoricamente, no cotidiano dos governos e das instituições
públicas e privadas que atuam na área social. Basta olharmos para nosso município: quantos
conselhos foram criados, nos últimos anos, objetivando “assegurar a participação” dos
cidadãos no processo de definição e controle das diversas políticas públicas setoriais? Quantas
vezes fomos convidados a “contribuir”, através de nossa participação, para a construção do
desenvolvimento integrado e sustentável do lugar onde moramos?
O fato é que os resultados concretos desse exercício quase diário de “cidadania” ainda
não alcançaram a grande maioria de nossa população. O que não significa dizer que este não
seja um caminho viável. Pelo contrário: a cada salto do processo de globalização, a cada
agravamento da crise mundial e a cada ato de intolerância praticado pelo homem, a
necessidade da participação de todos se torna essencial para que se restaure o equilíbrio
perdido ao longo de séculos de exploração e desrespeito ao planeta e a todas as formas de
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3. Do tripé estatal ao tripé social2
Estamos acostumados, no Brasil, a situar o drama nas relações entre os três poderes, com
discussões sobre presidencialismo ou parlamentarismo, ou ainda sobre o controle do judiciário
pelos outros poderes. A sociedade civil entra normalmente pela portinha dos partidos políticos
e busca-se a legitimidade política perdida no voto distrital, na moralização do financiamento
das campanhas e assim por diante. E se não temos políticos adequados é porque não sabemos
votar.
Quanto ao setor privado, disfarça o seu poder político organizado e aparece apenas com
contribuições (poderosas, ainda que discretas) para campanhas, além dos lobbies, como se
chama educadamente no Brasil a corrupção sistêmica. O tripé social nos coloca em outro nível.
Trata-se de reconhecer formalmente o poder político (real) das empresas e o poder político
(necessário) da sociedade civil organizada. Trata-se de resgatar a capacidade do Estado de
organizar o novo pacto social que o país precisa, reforçando-o; trata-se de tirar as grandes
empresas de dentro dos ministérios, do Congresso e do Judiciário, desprivatizando o Estado;
finalmente, trata-se de dinamizar a organização da sociedade civil para que possa exercer
efetivamente o seu papel de controle do Estado, de contenção ou compreensão dos abusos do
setor privado e de recuperação de um mínimo de cultura de solidariedade social, sem a qual
nem a economia nem a sociedade serão viáveis. Com isto o debate se desloca da discussão
obsessiva sobre se será melhor o poder nas mãos das oligarquias empresariais ou das
oligarquias políticas, para colocar o problema no nível da relação entre o poder econômico, o
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Texto extraído do artigo do professor Ladislau Dowbor, intitulado “Capitalismo: novas dinâmicas,
outros conceitos”, publicado em São Paulo em Perspectiva, Fundação SEADE, junho/1998.