You are on page 1of 6

MOVIMENTO COMUNITÁRIO NO BRASIL: UMA BREVE LEITURA

Joelmir Pinho1
1. Considerações iniciais
Inicio esse texto estabelecendo algumas diferenças que me parecem fundamentais para o
melhor entendimento das questões aqui apresentadas. Em boa parte da escassa literatura
existente sobre o assunto e no nosso cotidiano, é comum se verificar a confusão no uso das
expressões “movimento social”, “movimento popular” e “movimento comunitário”.
Comecemos então, desse ponto.
Chamamos de movimentos sociais todos aqueles nascidos no seio da sociedade civil,
independente de sua ação social e sua natureza de classe. Assim, podem ser considerados
“movimentos sociais” os sindicatos de trabalhadores, as associações de moradores, a União
Democrática Ruralista - UDR, o Movimento Tradição Família Propriedade - TFP, o Movimento
Nacional dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST ou os “caras pintadas” do movimento Fora
Collor.
Já a expressão movimento popular se aplica, segundo José Augusto Zaniratti, a todos
aqueles “resultantes de uma ação coletiva, permanente e com caráter de classe ou segmento
marginalizado do ponto de vista econômico, político, social, cultural e de gênero”. Sua imagem

Joelmir Pinho | www.joelmirpinho.wordpress.com | joelmirpinho@hotmail.com | @twitter.com


está diretamente associada às organizações sindicais, às comunidades eclesiais de base, às
entidades estudantis, às associações de moradores e similares. Todas essas formas de
organização compõem o Movimento Popular brasileiro que se subdivide em alguns grupos,
entre os quais se destacam o Movimento Sindical (representado pelas entidades de classe), o
Movimento Estudantil (representado pelos grêmios, pelas uniões municipais, pela UBES, pela
UNE e assim sucessivamente) e o Movimento Comunitário (representado pelas associações de
moradores e de pequenos produtores rurais, pelos grupos de vizinhança e suas federações,
etc.). Nos últimos anos, várias novas modalidades de organizações têm engrossado as fileiras
do Movimento Comunitário brasileiro.
Uma das principais características do Movimento Comunitário é sua atuação em um
espaço geográfico previamente definido e a luta pela garantia de direitos básicos de
responsabilidade direta do Estado (moradia, saúde, educação, saneamento, etc.).
2. Aspectos históricos
Uma primeira constatação, cujo registro me parece necessário, refere-se à escassez de
literatura sobre a história do Movimento Popular no Brasil. Esse fato revela, entre outras
coisas, a dificuldade que as organizações da sociedade civil brasileira sempre tiveram de
registrar sua própria caminhada. Contudo, alguns aspectos históricos puderam ser
confirmados ou descobertos a partir da reunião de alguns registros e documentos, disponíveis
principalmente na internet.
Segundo José Augusto Zaniratti, a partir da década de 30 surgem no Brasil, principalmente
em São Paulo, as Sociedades Amigos de Bairros – SAB’s, em decorrência do processo de
crescimento urbano da cidade. Para Cândido Camargo, as SAB’s surgiram, além da consciência
das carências da vida urbana, “também da consciência de que – seja pela rigidez do sistema

1
É sócio-diretor do Instituto Focus (escritório de serviços), diretor geral da Escola de Políticas Públicas e
Cidadania Ativa – EPUCA (organização não-governamental sediada no Cariri cearense) e membro da
Associação Brasileira de Captadores de Recursos - ABCR. É consultor nas áreas de Políticas Públicas,
Processo Legislativo e Gestão do Terceiro Setor sendo, com freqüência, convidado para produzir textos,
conduzir cursos e oficinas e proferir palestras dentro dessas áreas.

1
político, seja pela perda de autonomia da municipalidade – os habitantes da cidade
encontravam-se afastados dos organismos de decisão dos problemas que os atingiam”.
Há registro de que, anterior à década de 30, já existiam organizações formais e informais
semelhantes às que aqui estamos chamando de organizações comunitárias. Em 1905, registra-
se a existência de associações comunitárias na cidade de Belo Horizonte e na década de 20
tivemos várias manifestações populares urbanas no Rio de Janeiro.
Júlia Petri considera que “um marco forte no rompimento da face liberal no Brasil foi a
‘Revolução de 30’, que procurou garantir a reprodução capitalista nos marcos da intervenção
sobre a sociedade civil, impedindo a reivindicação livre por parte dos trabalhadores e instituiu
o controle estatal às instâncias do Movimento Sindical”.
Para “suprir o vazio democrático” deixado pela postura acima descrita, o Estado busca
estabelecer com as organizações comunitárias – em plena ascensão – uma relação populista,
que não dispensava o controle simulado das reivindicações e a vinculação de seu atendimento
à submissão política e ideológica ao poder central e sues representantes locais. Assim, o
primeiro passo para encaminhamento de uma demanda comunitária era a preparação de um
abaixo-assinado que deveria ser entregue a um representante do Estado, geralmente o
prefeito, o vereador ou o deputado. Quando atendida, a reivindicação era consumada como
ato paternal, como uma dádiva dos governantes.
A esse respeito, Luiz Roberto Lopes comenta que “devido à falta de uma tradição de luta e

Joelmir Pinho | www.joelmirpinho.wordpress.com | joelmirpinho@hotmail.com | @twitter.com


devido ao fato de ter uma origem heterogênea, as novas classes urbanas brasileiras puderam
ser dirigidas pelo governo, que fez das leis trabalhistas então criadas, um instrumento de
pacificação e assumiu uma imagem paternalista junto à massa”.
A década de 50 foi marcada por várias manifestações sobre transportes e custo de vida,
em várias capitais brasileiras. Em 1959 surge, no Rio Grande do Sul, a Federação das
Associações Comunitárias e Amigos de Bairro - FRACAB, a primeira federação de organizações
comunitárias do país. Contudo, foi a partir dos anos 60, com a ditadura militar instalada pelo
golpe de 1º de abril de 1964, que o Movimento Comunitário brasileiro assumiu uma postura
mais contestadora e mais ideológica. A partir daí, o poder, legitimado e depois legalizado, pela
força das armas, não dava a mesma atenção para as reivindicações apresentadas pelas
organizações de base. Para que uma demanda qualquer fosse atendida era necessário maior
poder de pressão, mobilizando as pessoas dos bairros. O abaixo-assinado ou um simples ofício
não era suficiente já que o processo eletivo estava suspenso.
Sobre isso, Julia Petri afirma que “o Golpe de 1964 retoma e amplia a prática reguladora e
excludente do Estado frente ao Movimento Sindical. O autoritarismo do aparelho estatal é
mais evidente, retira a participação corporativista da distribuição de novos direitos sociais
(FGTS, Política Salarial oficial, etc.) e liquida os direitos coletivos e individuais conquistados
anteriormente”.
A repressão política não poupou o Movimento, como mostra Fernando Camarano: “eram
anos (1964/85) em que as forças no poder tratavam de cooptar o movimento. Colocavam
certos dirigentes no movimento para abafarem as lutas. Eram épocas onde os dirigentes mais
conscientes do movimento.(...) reuniram-se escondidos para organizarem, pensarem, discutir
as propostas que levariam em conjunto para suas organizações(...) eram épocas de ligar o legal
e o permitido ao útil e necessário ao movimento.”
Lentamente são constituídas as condições para uma poderosa oposição à ditadura no seio
da igreja católica, baseada na Teologia da Libertação. Sua contribuição foi fundamental para o
Movimento Popular na medida que sua visão teológica voltava-se para as camadas populares e
alimentava a participação da comunidade na luta por melhores condições de vida. As
organizações comunitárias, renovadas por lideranças oriundas das pastorais, foram um

2
instrumento poderoso para viver este novo estilo de ser Igreja. O resultado deste processo foi
o crescimento quantitativo e qualitativo de lideranças que passaram a ser, inclusive, um apoio
fundamental para o Movimento Sindical nos momentos mais agudos da luta de classes, como
as greves do período 1977-1979.
Entre 1964 e 1980 formou-se um bloco ideológico de oposição à ditadura. Sua força pode
ser medida pelas greves da década de 70 em Minas Gerais e no ABCD e pelas manifestações
incessantes pela anistia dos presos políticos. O resultado, entre outros, foi a Anistia em 1979 e
a reforma partidária.
É também nesse momento que surge oficialmente em São Paulo, a Articulação Nacional
dos Movimentos Populares e Sindicais – ANAMPOS, formada por lideranças do Movimento
Popular e do Movimento Sindical, identificados com um novo jeito de fazer movimento. Era o
surgimento do novo sindicalismo, que tinha na ANAMPOS um instrumento de articulação da
luta popular, de formação e de construção de sua própria identidade. Dentro da ANAMPOS foi
gestada a idéia da criação de uma Central Sindical que fosse capaz de representar os interesses
dos trabalhadores a partir deste novo jeito de lutar.
Com a chegada dos anos 80 - e todas as transformações que vieram com essa década - os
movimentos populares tomaram novo impulso e surgiram movimentos ecológicos, de
mulheres, de negros, entre outros.
São movimentos que nasceram num momento em que a classe dominante abandonava a

Joelmir Pinho | www.joelmirpinho.wordpress.com | joelmirpinho@hotmail.com | @twitter.com


força armada como principal meio de dominação da classe trabalhadora. Os soldados
iniciavam sua lenta, segura e gradual marcha de volta para a caserna e o aparelho de Estado
passava a usar, enquanto instrumento principal, a força da ideologia, via meios de
comunicação de massa.
Durante a ditadura militar a comunicação alcançou um grau de desenvolvimento
tecnológico de nível internacional e de alta qualidade, conseguindo chegar a todos os cantos
do país e ligar, praticamente, cada indivíduo ao resto do mundo. Este processo ocorreu, em
menor ou maior grau, em todos os países da América Latina.
Mas, se por um lado os movimentos populares se multiplicavam e se enraizavam
socialmente, também é verdade que passavam a viver os efeitos das dificuldades que a nova
fase da política brasileira impunha. Os setores populares da igreja católica, as Comunidades
Eclesiais de Base (CEB´s) e as chamadas Pastorais, no início dos anos 80 passaram a viver
momentos de crise de identidade, em decorrência, principalmente, da ânsia em contribuir com
o processo de democratização e reforço da luta popular.
O Movimento Comunitário que, nos anos 80, já não é mais a única forma de organização
nos bairros das grandes cidades, busca estruturar-se nacionalmente, a exemplo do Movimento
Sindical. É então que surgem a Confederação Nacional de Associações de Moradores –
CONAM, criada em 1983, e a Confederação Brasileira de Associações de Moradores –
COBRAM, criada entre os anos de 1988 e 1989, por dissidentes da CONAM com visão política
mais pró-governo. Ao mesmo tempo, enquanto o momento político apontava a necessidades
de formação de lideranças “combativas” e “representativas”, forjadas em mobilizações e lutas
populares de pressão, em grande parte do país isso não ocorreu no Movimento Comunitário.
De fato, o que ocorreu foi um descolamento das lideranças de suas bases. Os temas gerais
não eram ligados aos temas e ações práticas, a tal ponto que possibilitassem articular o
particular com geral.
Ao contrário, era – e ainda é – fundamental vincular a dívida externa aos problemas como
desemprego, a falta de habitações, a baixa capacidade de investimento, etc. De certa forma, o
discurso político dos partidos daquela conjuntura, invadiu o debate das lideranças do
movimento, levando-o ao isolamento, à elitização da luta e, consequentemente a uma grande

3
distância entre as direções locais e suas respectivas bases, resultando numa ausência clara de
organicidade e representatividade.
O país vivia um momento de mobilização e de grandes manifestações na perspectiva de
conquistar eleições diretas para Presidente da República, movimento conhecido como “Diretas
Já”. No entanto, mais uma vez a elite dominante desse país reeditava a velha prática política
do “façamos nós, antes que eles a façam”, fazendo a transição presidencial por cima, via
Colégio Eleitoral no Congresso Nacional.
Com a Reforma Partidária de 1980 que sepultou o bi-partidarismo, com a fundação das
Centrais Sindicais (CUT e CGT), com a abertura política dos poderes locais, buscando canais
para efetivarem suas políticas sociais e mais democráticas, o Movimento Popular perde o
referencial que havia conquistado com o enfrentamento durante o período da ditadura.
Também não funcionava com a mesma eficiência a velha política populista e paternalista das
décadas de 30, 40 e 50, pois o Estado - em nível federal, estadual e, principalmente, municipal
- estava afundado em dívidas e, portanto, sem condições de atender as demandas reprimidas
durante a ditadura. Esta situação, que tem como marco 1985, atinge seu auge em 1988.
Mas o Movimento Popular não se resumia ao Movimento Comunitário, que já
apresentava nítidas dificuldades de mudar sua tradicional forma de atuar. Novos sujeitos
coletivos propõem outro caminho. Em 1985, os militantes de 20 estados que participavam da
ANAMPOS, que atuavam em diferentes movimentos, com pequena participação das
organizações do Movimento Comunitário, decidiram pela construção de uma entidade

Joelmir Pinho | www.joelmirpinho.wordpress.com | joelmirpinho@hotmail.com | @twitter.com


nacional que fosse capaz de tornar-se uma “CUT do Movimento Popular”, sem interferir na
autonomia dos diferentes movimentos e, ao mesmo tempo, organizar as lutas populares no
Brasil de uma forma unificada com esses diferentes movimentos e com a CUT.
No 8º Encontro Nacional da ANAMPOS em Belo Horizonte, foi deliberada a criação de um
instrumento de organização chamado de Comissão Pró-Central do Movimento Popular – CPC,
que desenvolveria um trabalho de ampliação, divulgação da proposta de criação de uma
Central do Movimento Popular. Entretanto não se tornou uma referência de luta popular até
hoje.
Com a Nova República e as eleições ocorreram mudanças nos discursos e nas práticas
governamentais a nível federal, estadual e municipal. A propaganda diz que a prioridade é o
social; aparentemente, as portas dos gabinetes estão abertas para ouvir reivindicações; há
vários programas voltados para as vilas: leite, rancho, creche, melhorias habitacionais. As
entidades comunitárias são chamadas a participar: da execução de programas, a exemplo da
distribuição do leite; da execução e manutenção de equipamentos como é o caso das creches;
da discussão de projetos de Lei como o dos Conselhos Municipais em 1986; e até de definição
de prioridades para a realização de obras, em alguns municípios. Assim, as organizações
comunitárias assumem o papel de meras repassadoras de benefícios e projetos
governamentais.
Em prosseguimento, a última década brasileira foi marcada pela ‘popularização’ de várias
‘novas’ expressões, com destaque para duas delas: desenvolvimento local e participação
social. Mas afinal, o que vem a ser essas duas expressões e de que forma elas de relacionam
com o Movimento Comunitário.
Segundo Carlos Julio Jara, “desenvolvimento local é um novo padrão de desenvolvimento
que depende da incorporação, na esfera de poder, de um núcleo representativo de atores
organizados da sociedade civil. Que depende da ética dos políticos, da coragem para assumir
riscos, da mobilização das energias sociais, da criatividade e do comprometimento”. Trata-se
portanto, da construção de um novo “projeto de vida” para nossas comunidades, baseado na
solidariedade, na cooperação, no aproveitamento do potencial endógeno (interno) de cada
grupo social e, principalmente, na sustentabilidade de nossas ações. A esse respeito, Lester

4
Brown nos lembra que “uma sociedade sustentável é aquela que satisfaz suas necessidades
sem pôr em risco as perspectivas das gerações futuras”.
Assim, podemos concluir, entre outras coisas, que uma condição fundamental para a
construção do desenvolvimento local integrado e sustentável é a participação social. Vale
lembrar que a participação só se consolida quando, a quem participa é dado o poder de
decisão. E que só decide bem quem está bem informado. Portanto, outra questão central para
a construção do desenvolvimento local é a democratização do acesso à informação.
A propósito, a questão da participação no Brasil, tem assumido proporções
surpreendentes, pelo menos teoricamente, no cotidiano dos governos e das instituições
públicas e privadas que atuam na área social. Basta olharmos para nosso município: quantos
conselhos foram criados, nos últimos anos, objetivando “assegurar a participação” dos
cidadãos no processo de definição e controle das diversas políticas públicas setoriais? Quantas
vezes fomos convidados a “contribuir”, através de nossa participação, para a construção do
desenvolvimento integrado e sustentável do lugar onde moramos?
O fato é que os resultados concretos desse exercício quase diário de “cidadania” ainda
não alcançaram a grande maioria de nossa população. O que não significa dizer que este não
seja um caminho viável. Pelo contrário: a cada salto do processo de globalização, a cada
agravamento da crise mundial e a cada ato de intolerância praticado pelo homem, a
necessidade da participação de todos se torna essencial para que se restaure o equilíbrio
perdido ao longo de séculos de exploração e desrespeito ao planeta e a todas as formas de

Joelmir Pinho | www.joelmirpinho.wordpress.com | joelmirpinho@hotmail.com | @twitter.com


vida nele existentes.
Contudo, a participação social de que tanto se tem falado não se dá por decreto, nem
pela vontade de alguns poucos iluminados. De fato, trata-se de uma longa estrada que deverá
ser construída a partir da compreensão de que ela requer divisão de poder e de
responsabilidade. Afinal, como nos lembra Bill Shore: ironicamente, quando nossos problemas
se tornam mais complexos e aparentemente intratáveis, parece haver cada vez menos
cidadãos que possam fazer alguma coisa. De fato, esse é precisamente o sinal de que o
envolvimento dos cidadãos e o engajamento de toda a comunidade são indispensáveis. Até
reconhecermos e agirmos nessa verdade fundamental, não conseguiremos fazer uma
mudança significativa nas atuais condições sociais. (Bill Shore in Share Our Strengths)
Um outro fato ocorrido na última década mexeu significativamente com o movimento.
Falo da ocupação de cargos públicos no executivo municipal (prefeito, secretário, técnico de
primeiro escalão, etc.), por parte de alguns militantes ou colaboradores mais próximos do
Movimento Comunitário. Esse fato acabou provocando uma postura passiva das organizações
comunitárias que, ao que parece, esperavam dos novos gestores e técnicos uma
demonstração de compromisso “exclusivo” com suas causas, movidos talvez pelos laços
históricos de companheirismo e amizade, não havendo, portanto, uma analise das
circunstâncias em que se dava a mudança de atores nos governos locais. Em muitos casos, a
atitude passiva e permissionária das organizações comunitárias levou à formação de uma
“mesa de negociações” onde uma das cadeiras (exatamente a do Movimento Comunitário) se
encontrava vazia, com tendência a ser retirada caso não viesse a ser ocupada em um curto
espaço de tempo.

5
3. Do tripé estatal ao tripé social2
Estamos acostumados, no Brasil, a situar o drama nas relações entre os três poderes, com
discussões sobre presidencialismo ou parlamentarismo, ou ainda sobre o controle do judiciário
pelos outros poderes. A sociedade civil entra normalmente pela portinha dos partidos políticos
e busca-se a legitimidade política perdida no voto distrital, na moralização do financiamento
das campanhas e assim por diante. E se não temos políticos adequados é porque não sabemos
votar.
Quanto ao setor privado, disfarça o seu poder político organizado e aparece apenas com
contribuições (poderosas, ainda que discretas) para campanhas, além dos lobbies, como se
chama educadamente no Brasil a corrupção sistêmica. O tripé social nos coloca em outro nível.
Trata-se de reconhecer formalmente o poder político (real) das empresas e o poder político
(necessário) da sociedade civil organizada. Trata-se de resgatar a capacidade do Estado de
organizar o novo pacto social que o país precisa, reforçando-o; trata-se de tirar as grandes
empresas de dentro dos ministérios, do Congresso e do Judiciário, desprivatizando o Estado;
finalmente, trata-se de dinamizar a organização da sociedade civil para que possa exercer
efetivamente o seu papel de controle do Estado, de contenção ou compreensão dos abusos do
setor privado e de recuperação de um mínimo de cultura de solidariedade social, sem a qual
nem a economia nem a sociedade serão viáveis. Com isto o debate se desloca da discussão
obsessiva sobre se será melhor o poder nas mãos das oligarquias empresariais ou das
oligarquias políticas, para colocar o problema no nível da relação entre o poder econômico, o

Joelmir Pinho | www.joelmirpinho.wordpress.com | joelmirpinho@hotmail.com | @twitter.com


poder político e a sociedade civil.
4. Os novos desafios
Nesse início do século XXI o Movimento Comunitário se depara com o que considero o
seu maior desafio: contribuir efetivamente para a construção de uma nova realidade,
verdadeiramente sustentável. Isso porque, como nos lembra Anthony Giddens, “em vez de
preocuparmo-nos, acima de tudo, com o que a natureza podia fazer-nos, temos agora que nos
preocuparmos com o que fizemos à natureza”.
Ao Movimento Comunitário moderno cabe continuar lutando para assegurar que cada
cidadão (inclusive o pobre dos pobres) tenha acesso a uma vida digna; aprimorar sua
capacidade de conceber e administrar projetos locais; ampliar o seu leque de parcerias
(inclusive com as instituições púbicas); ocupar o espaço político que lhe pertence nas mesas de
negociação/pactuação institucionais e, fundamentalmente, contribuir para a construção de
uma nova visão de mundo, onde o amor, a solidariedade, a troca de energias, o respeito à
vida, a paz e vários outros valores não se restrinjam aos sonhos, mas passem a povoar nosso
cotidiano. Precisamos urgentemente reaprender a caminhar como parentes que somos, se
quizermos continuar em movimento. Essa é a nova missão. Esse é o novo sonho, possível!
5. Bibliografia
- ZANIRATTI, José Augusto. Movimento Comunitário de Porto Alegre: em busca do seu novo
papel desde 1990. 2000 (memeograf.).
− DOWBOR, Ladislau. Estado, sociedade civil e democracia. In: “Capitalismo: novas
dinâmicas, outros conceitos”. São Paulo em Perspectiva, Fundação SEADE, junho/1998.
− PINHO, Joelmir. O movimento comunitário e a nova realidade local e global. 2002
(memeograf.)

2
Texto extraído do artigo do professor Ladislau Dowbor, intitulado “Capitalismo: novas dinâmicas,
outros conceitos”, publicado em São Paulo em Perspectiva, Fundação SEADE, junho/1998.

You might also like