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As 95 Teses afixadas por Martinho Lutero na Abadia de reservados. Nestes casos, se desprezados, a dívida em absoluto
Wittenberg a 31 de outubro de 1517, fundamentalmente deixaria de ser anulada ou perdoada.
"Contra o Comércio das Indulgências":
7ª Tese
Deus a ninguém perdoa a dívida sem que ao mesmo tempo o
Movido pelo amor e pelo empenho em prol do esclarecimento da
subordine, em sincera humildade, ao ministro, seu substituto.
verdade, discutir-se-á em Wittemberg, sob a presidência do Rev. Padre
Martinho Lutero, o que segue. Aqueles que não puderem estar
8ª Tese
presentes para tratarem o assunto verbalmente conosco, o poderão
Cânones poenitentiales, que são as ordenanças de prescrição da
fazer por escrito.
maneira em que se deve confessar e expiar, apenas são impostos aos
Em nome de nosso Senhor Jesus Cristo. Amém.
vivos, e, de acordo com as mesmas ordenanças, não dizem respeito aos
moribundos.
1ª Tese
Dizendo nosso Senhor e Mestre Jesus Cristo: Arrependei-vos... etc.,
9ª Tese
certamente quer que toda a vida dos seus crentes na terra seja contínuo
Eis por que o Espírito Santo nos faz bem mediante o papa, excluindo
e ininterrupto arrependimento.
este de todos os seus decretos ou direitos o artigo da morte e da
necessidade suprema.
2ª Tese
E esta expressão não pode e não deve ser interpretada como
10ª Tese
referindo-se ao sacramento da penitência, isto é, à confissão e
Procedem desajuizadamente e mal os sacerdotes que reservam e
satisfação, a cargo dos sacerdotes.
impõe aos moribundos penitências canônicas ou para o purgatório a fim
de ali serem cumpridas.
3ª Tese
Todavia não quer que apenas se entenda o arrependimento interno; o
11ª Tese
arrependimento interno; o arrependimento interno nem mesmo é
Este joio, que é o de transformar a penitência e satisfação, prevista
arrependimento quando não produz toda sorte de mortificação da carne.
pelos cânones ou estatutos, em penitência ou penas do purgatório, foi
semeado enquanto os bispos dormiam.
4ª Tese
Assim sendo, o arrependimento e o pesar, isto é, a verdadeira
12ª Tese
penitência, perdura enquanto o homem se desagradar de si mesmo, a
Outrora canônica poenae, ou seja, penitência e satisfação por
saber, até à entrada para a vida eterna.
pecados cometidos, eram impostos, não depois, mas antes da
absolvição, com a finalidade de provar a sinceridade do arrependimento
5ª Tese
e do pesar.
O papa não quer e não pode dispensar de outras penas além das que
impôs ao seu alvitre ou nem acordo com os cânones, que são estatutos
13ª Tese
papais.
Os moribundos tudo satisfazem com a sua morte e estão mortos para
o direito canônico, sendo, portanto, dispensados, com justiça, de sua
6ª Tese
imposição.
O papa não pode perdoar dívida, senão declarar e confirmar aquilo
que já foi perdoado por Deus, ou então o faz nos casos que lhe foram
14ª Tese
Piedade ou amor imperfeitos da parte daquele que se acha às portas Com efeito, o papa nenhuma pena dispensa às almas do purgatório
da morte, necessariamente resultam em grande temor; logo, quanto das que, segundo os cânones da igreja, deviam ter expiado e pago na
menos o amor, tanto maior o temor. presente vida.

15ª Tese 23ª Tese


Este temor e espanto em si tão só, sem nos referirmos a outras Verdade é que se houver qualquer perdão plenário das penas, este
coisas, basta para causar o tormento e o horror do purgatório, pois se apenas será dado aos mais perfeitos, que são muitos poucos.
avizinham da angústia do desespero.
24ª Tese
16ª Tese Logo, a maioria do povo é ludibriado com as pomposas promessas do
Inferno, purgatório e céu parecem ser tão diferentes quanto o são um indistinto perdão, impressionando-se o homem singelo com as penas
do outro o desespero completo, incompleto ou quase desespero e pagas.
certeza.
25ª Tese
17ª Tese Exatamente o mesmo poder geral que o papa tem sobre o purgatório,
Parece que assim como no purgatório diminuem a angústia e o qualquer bispo e cura d’almas o tem no seu bispado e na sua paróquia,
espanto das almas, também deve crescer e aumentar o amor. quer de modo especial e quer para com os seus em particular.

18ª Tese 26ª Tese


Bem assim parece não ter sido provado, nem por boas razões e nem O papa faz muito bem em não conceder o perdão às almas em virtude
pela Escritura, que as almas do purgatório se encontram fora da do poder das chaves (coisa que não possui), mas pela ajuda ou em
possibilidade do mérito ou do crescimento no amor. forma de intercessão.

19ª Tese 27ª Tese


Parece ainda não ter sido provado que todas as almas do purgatório Pregam futilidades humanas quantos alegam que no momento em
tenham certeza de sua salvação e não receiem mais por ela, não que a moeda soa ao cair na caixa a alma se vai do purgatório.
obstante nós termos esta certeza.
28ª Tese
Certo é que, no momento em que a moeda soa na caixa, vem lucro, e
20ª Tese o amor ao dinheiro cresce e aumenta; a ajuda, porém, ou a intercessão
Por isso o papa não quer dizer e nem compreender com as palavras da igreja tão só correspondem à vontade e ao agrado de Deus.
“perdão plenário de todas as penas” o perdão de todo o tormento, mas
tão só as penas por ele impostas. 29ª Tese
E quem sabe, se todas as almas do purgatório querem ser libertadas,
21ª Tese quando há quem diga o que sucedeu com S. Severino e Pascoal.
Eis por que erram os apregoadores de indulgências ao afirmarem ser
o homem perdoado de todas as penas e salvo mediante indulgência do 30ª Tese
papa. Ninguém tem certeza da suficiência do arrependimento e pesar
verdadeiros, muito menos certeza pode ter de haver alcançado pleno
22ª Tese perdão dos seus pecados.

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39ª Tese
Ë extremamente difícil, mesmo para os mais doutos teólogos, exaltar
31ª Tese diante do povo ao mesmo tempo a grande riqueza da indulgência e, ao
Tão raro como existe alguém que possui arrependimento e pesar contrário, o verdadeiro arrependimento e pesar.
verdadeiros, tão raro também é aquele que verdadeiramente alcança
indulgência, sendo bem poucos os que se encontram. 40ª Tese
O verdadeiro arrependimento e pesar buscam e amam o castigo; mas
32ª Tese a profusão da indulgência livra das penas e faz com que se as aborreça,
Irão para o diabo, juntamente com os seus mestres, aqueles que pelo menos quando há oportunidade para tanto.
julgam obter certeza de sua salvação mediante breves de indulgência.

33ª Tese
Há que acautelar-se muito e ter cuidado daqueles que dizem: A 41ª Tese
indulgência do papa é a mais sublime e mais preciosa graça ou dádiva É necessário pregar cautelosamente sobre a indulgência papal, para
de Deus, pela qual o homem é reconciliado com Deus. que o homem singelo não julgue erradamente ser a indulgência
preferível às demais obras de caridade ou melhor do que elas.
34ª Tese
Tanto assim que a graça da indulgência apenas se refere à pena 42ª Tese
satisfatória, estipulada por homens. Deve-se ensinar aos cristãos, não ser pensamento e opinião do papa
que a aquisição de indulgências de alguma maneira possa ser
35ª Tese comparada com qualquer obra de caridade.
Ensinam de maneira ímpia quantos alegam que aqueles que querem
livrar almas do purgatório ou adquirir breves de confissão não 43ª Tese
necessitam de arrependimento e pesar. Deve-se ensinar aos cristãos, proceder melhor quem dá aos pobres
ou empresta ao necessitado do que os que compram indulgência.
36ª Tese
Tudo o cristão que se arrepende verdadeiramente dos seus pecados 44ª Tese
e sente pesar por ter pecado, tem pleno perdão da pena e da dívida, É que pela obra de caridade cresce o amor ao próximo e o homem
perdão esse que lhe pertence mesmo sem breve de indulgência. torna-se mais piedoso; pelas indulgências, porém, não se torna melhor
senão mais seguro e livre da pena.
37ª Tese
Todo e qualquer cristão verdadeiro, vivo ou morto, é participante de 45ª Tese
todos os bens de Cristo e da Igreja, por dádiva de Deus, mesmo sem Deve-se ensinar aos cristãos que aquele que vê seu próximo padecer
breve de indulgência. necessidade e a despeito disto gasta dinheiro com indulgências, não
adquire indulgência do papa, mas desafia a ira de Deus.
38ª Tese
Entretanto se não devem desprezar o perdão e a distribuição deste 46ª Tese
pelo papa. Pois, conforme declarei, o seu perdão consiste numa Deve-se ensinar aos cristãos que, se não tiverem fartura, fiquem com
declaração do perdão divino. o necessário para a casa e de maneira nenhuma o esbanjem com
indulgências.

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47ª Tese 55ª Tese
Deve-se ensinar aos cristãos ser a compra de indulgência livre e não A intenção do papa não pode ser outra do que celebrar a indulgência,
ordenada. que é a coisa menor, com um toque de sino, uma pompa, uma
cerimônia, enquanto o evangelho, que é o essencial, importa ser
48ª Tese anunciado mediante cem toques de sino, centenas de pompas e
Deve-se ensinar aos cristãos que se o papa precisa conceder mais solenidades.
indulgências, mais necessita de uma oração fervorosa do que de
dinheiro. 56ª Tese
Os tesouros da igreja, dos quais o papa tira e distribui as indulgências,
49ª Tese não são bastante mencionados e nem suficientemente conhecidos na
Deve-se ensinar aos cristãos serem muito boas as indulgências do Igreja de Cristo.
papa enquanto o homem não confiar nelas; mas muito prejudiciais
quando, em conseqüência delas, se perde o temor de Deus. 57ª Tese
É evidente que não são bens temporais, porquanto muitos pregadores
50ª Tese não os distribuem com facilidade, antes os ajuntam.
Deve-se ensinar aos cristãos que se o papa tivesse conhecimento da
traficância dos apregoadores de indulgência, preferiria ver a basílica de 58ª Tese
São Pedro ser reduzida a cinzas a ser edificada com a pele, a carne e os Também não são os merecimentos de Cristo e dos santos, porquanto
ossos de suas ovelhas. este sempre são suficientes, e, independente do papa, operam graça do
homem interior e são a cruz, a morte e o inferno do homem exterior.
51ª Tese
Deve-se ensinar aos cristãos que o papa, por um dever seu, preferiria 59ª Tese
distribuir o seu dinheiro aos que em geral são despojados do dinheiro São Lourenço chama aos pobres, os quais são membros da Igreja,
pelos apregoadores de indulgência, vendendo, se necessário, a própria tesouros da Igreja, mas no sentido em que a palavra era usada na sua
basílica de São Pedro. época.

52ª Tese 60ª Tese


Esperar ser salvo mediante breves de indulgência é vaidade e Afirmamos com boa razão, sem temeridade ou leviandade, que estes
mentira, mesmo se o comissário de indulgências e o próprio papa tesouros são as chaves da Igreja, que lhe foram dadas pelo
oferecessem sua alma como garantia. merecimento de Cristo.

53ª Tese 61ª Tese


São inimigos de Cristo e do papa quantos por causa da prédica de Evidente é que, para o perdão das penas e para a absolvição em
indulgências proíbem a palavra de Deus nas demais igrejas. determinados casos, o poder do papa por si só basta.

54ª Tese
Comete-se injustiça contra a palavra de Deus quando, no mesmo
sermão, se consagra tanto ou mais tempo à indulgência do que à
pregação da palavra do Senhor. 62ª Tese

4
O verdadeiro tesouro da Igreja é o santíssimo evangelho da glória e
da graça de Deus. 72ª Tese
Aquele, porém, que se insurgir contra as palavras insolentes e
63ª Tese arrogantes dos apregoadores de indulgências, seja abençoado.
Este tesouro, porém, é muito desprezado e odiado, porquanto faz com
que os primeiros sejam os últimos.

64ª Tese
Enquanto isso o tesouro das indulgências é notoriamente o mais 73ª Tese
apreciado, porque faz com que os últimos sejam os primeiros. Da mesma maneira em que o papa usa de justiça ao fulminar com a
excomunhão aos que em prejuízo do comércio de indulgências
65ª Tese procedem astuciosamente.
Por essa razão os tesouros evangélicos foram outrora as redes com
que se apanhavam os ricos e abastados. 74ª Tese
Muito mais deseja atingir com o desfavor e a excomunhão àqueles
66ª Tese que, sob pretexto de indulgências, prejudicam a santa caridade e a
Os tesouros das indulgências, porém, são as redes com que hoje se verdade pela sua maneira de agirem.
apanham as riquezas dos homens.
75ª Tese
67ª Tese Considerar a indulgência do papa tão poderosa, a ponto de absolver
As indulgências, apregoadas pelos seus vendedores como a mais alguém dos pecados, mesmo que (coisa impossível de se expressar)
sublime graça, decerto assim são consideradas porque lhes trazem tivesse deflorado a mãe de Deus, significa ser demente.
grandes proventos.
76ª Tese
68ª Tese Bem ao contrário afirmamos que a indulgência do papa nem mesmo
Nem por isso semelhante indulgência é a mais ínfima graça, pode anular o menor pecado venial no que diz respeito a culpa que
comparada com a graça de Deus e a piedade da cruz. representa.

69ª Tese 77ª Tese


Os bispos e os sacerdotes são obrigados a receber os comissários Afirmar que nem mesmo São Pedro, se no momento fosse papa,
das indulgências apostólicas com toda reverência. poderia dispensar maior indulgência, constitui insulto contra São Pedro e
o papa.
70ª Tese
Entretanto tem muito maior dever de conservar abertos os olhos e 78ª Tese
ouvidos, para que estes comissários, em vez de cumprirem as ordens Dizemos, ao contrário, que o atual papa, e todos os que o sucederam,
recebidas do papa, não apregoem os seus próprios sonhos. é detentor de muito maior indulgência, isto é, o evangelho, dom de curar,
etc., de acordo com o que diz 1 Corinto 12.6-9.
71ª Tese
Quem levanta a sua voz contra a verdade das indulgências papais é 79ª Tese
excomungado e maldito.

5
Alegar ter a cruz de indulgências, erguida e adornada com as armas tornam a remir mediante dinheiro, pela concessão de indulgência, como
do papa, tanto valor como a própria cruz de Cristo é blasfêmia. se continuassem em vigor e bem vivos?

80ª Tese 86ª Tese


Os bispos, padres e teólogos que consentem em semelhante E: Por que o papa, cuja fortuna é maior do que a de qualquer Creso,
linguagem diante do povo, terão de prestar contas desta atitude. não prefere construir a basílica de São Pedro de seu próprio bolso em
vez de o fazer com o dinheiro de cristãos pobres?
81ª Tese
Semelhante pregação, a enaltecer atrevida e insolentemente a 87ª Tese
indulgência, torna difícil até homens doutos defenderem a honra e E: Que perdoa ou concede o papa pela sua indulgência àqueles que
dignidade do papa contra a calúnia e as perguntas mordazes e astutas pelo arrependimento completo tem direito ao perdão ou indulgência
dos leigos. plenária?

82ª Tese 88ª Tese


Haja vista exemplo como este: Por que o papa não livra duma só vez Afinal: Que benefício maior poderia receber a igreja se o papa, que
todas as almas do purgatório, movido pela santíssima caridade e atualmente o faz uma vez ao dia cem vezes ao dia concedesse aos fiéis
considerando a mais premente necessidade das mesmas, havendo este perdão a título gratuito?
santa razão para tanto, quando, em troca de vil dinheiro para a
construção da basílica de São Pedro, livra inúmeras delas, logo por 89ª Tese
motivo bastante infundado? Visto o papa visar mais a salvação das almas mediante a indulgência
do que o dinheiro, por que razão revoga os breves de indulgência
outrora por ele concedidos, quando tem sempre as mesmas virtudes?

83ª Tese 90ª Tese


Outrossim: Por que continuam as exéquias e missas de ano em Desfazer estes argumentos muito sutis dos leigos, recorrendo apenas
sufrágio das almas dos defuntos e não se devolve o dinheiro recebido à força e não por razões sólidas apresentadas, significa expor a igreja e
para esse fim ou não se permite os doadores busquem de novo os o papa ao escárnio dos inimigos e desgraçar os cristãos.
benefícios ou prebendas oferecidos em favor dos mortos, quando já não
é justo continuar a rezar pelos que se acham remidos? 91ª Tese
Se, portanto, a indulgência fosse apregoada no espírito e sentido do
84ª Tese papa, estas objeções poderiam ser facilmente respondidas e nem
E: Que nova santidade de Deus e do papa é esta a consentir a um mesmo teriam surgido.
ímpio e inimigo resgate uma alma piedosa e agradável a Deus por amor
ao dinheiro e não livrar esta mesma alma piedosa e amada por Deus do 92ª Tese
seu tormento por amor espontâneo e sem paga? Fora, pois, com todos este pregadores que dizem à igreja de Cristo:
Paz! Paz! Sem que haja paz!
85ª Tese
E: Por que os cânones de penitência, isto é, os preceitos de 93ª Tese
penitência, que faz muito caducaram e morreram de fato pelo desuso, Abençoados, porém, sejam todos os pregadores que dizem à igreja
de Cristo: Cruz! Cruz! Sem que haja cruz!

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assim as condições da família. Com este objetivo, enviou o jovem
94ª Tese Martinho para escolas em Mansfeld, Magdeburgo e Eisenach.
Admoeste-se os cristãos a que se empenhem em seguir seu Cabeça, Aos dezessete anos, em 1501, Lutero ingressou na Universidade de
Cristo, através da cruz, da morte e do inferno; Erfurt, onde tocava alaúde e recebeu o apelido de "O filósofo". O
jovem estudante graduou-se em bacharel em 1502 e o mestrado em
95ª Tese 1505, o segundo entre dezessete candidatos[1]. Seguindo os desejos
E desta maneira mais esperem entrar no reino dos céus por muitas paternos, inscreveu-se na escola de Direito dessa Universidade. Mas
aflições do que confiando em promessas de paz infundadas. tudo mudou após uma grande tempestade, com descargas elétricas,
ocorrida neste mesmo ano (1505): um raio caiu próximo de onde ele
estava, ao voltar de uma visita à casa dos pais. Aterrorizado, gritara
então: "Ajuda-me, Sant'Ana! Eu me tornarei um monge!"
Tendo sobrevivido aos raios, deixou a faculdade, vendeu os seus
MARTINHO LUTERO livros com exceção dos de Virgílio, e entrou para a ordem dos
Agostinianos, de Erfurt, a 17 de julho de 1505.[2]

VIDA MONÁSTICA E ACADÊMICA

Lutero aos 46 anos (Lucas Cranach o Velho, 1529)


Martinho Lutero (Eisleben, 10 de Novembro de 1483 — Eisleben, 18
de Fevereiro de 1546) foi um teólogo alemão. É considerado o pai
espiritual da Reforma Protestante.

PRIMEIROS ANOS DE VIDA


Martinho Lutero, cujo nome original em alemão era Martin Luther era
filho de Hans Luther e Margarethe Lindemann. Nascido em 1483 e
Lutero com a tonsura monástica
morto em 1546. Mudou-se para Mansfeld, onde seu pai dirigia várias
minas de cobre. Tendo sido criado no campo, Hans Luther deseja
que seu filho viesse a tornar-se um funcionário público, melhorando
7
O jovem Martinho Lutero dedicou-se por completo a sua vida no essencial para o estudo das Escrituras. Notou, ainda, que a falta de
mosteiro, empenhando-se em realizar boas obras a fim de agradar a clareza na distinção da Lei e dos Evangelhos era a causa da
Deus e servir ao próximo através de orações por suas almas. incorreta compreensão dos Evangelhos de Jesus pela Igreja de seu
Dedicou-se intensamente à meditação, às auto-flagelações, muitas tempo, instituição a quem responsabilizava por haver criado e
horas de oração diárias, às peregrinações e à confissão. Quanto fomentado muitos erros teológicos fundamentais.
mais intentava ser agradável ao Senhor, mais dava-se conta de seus A CONTROVÉRSIA POR CAUSA DAS INDULGÊNCIAS
pecados[3] Além de suas atividades como professor, Martinho Lutero ainda
Johann von Staupitz, o superior de Lutero, concluiu que o jovem laborava como pregador e confessor na igreja de Santa Maria, na
necessitava de mais trabalhos, para afastá-lo de sua excessiva cidade. Também pregava habitualmente na igreja do Castelo
reflexão. Ordenou portanto ao monge que iniciasse uma carreira (chamada de "Todos os Santos" - por causa de ali haver uma coleção
acadêmica. Em 1507 Lutero foi ordenado sacerdote. Em 1508 de relíquias, estabelecidas por Frederico II de Sabóia). Foi durante
começou a lecionar teologia na Universidade de Wittenberg. Lutero este período em que o jovem sacerdote deu-se conta dos efeitos em
recebeu seu bacharelado em Estudos Bíblicos a 19 de março de se oferecer indulgências aos fiéis, como se fossem fregueses.
1508. Dois anos depois visita Roma, de onde regressa bastante A indulgência é a remissão (parcial ou total) do castigo temporal que
decepcionado. [4] alguém permanece devedor por conta dos seus pecados, de cuja
Em 19 de outubro de 1512, Martinho Lutero graduou-se Doutor em culpa tenha se livrado pela absolvição. Naquele tempo qualquer
Teologia e a 21 de outubro deste ano foi "recebido no Senado da pessoa poderia comprar uma indulgência, quer para si mesmo, quer
Faculdade Teológica", com o título de "Doutor em Bíblia". Em 1515 para um parente já morto que estivesse no Purgatório. O frade
foi nomeado vigário de sua ordem, tendo sob sua ordem onze Johann Tetzel fôra recrutado para viajar através dos territórios
monastérios. episcopais do arcebispo Alberto de Mogúncia, promovendo e
Durante este período estuda o grego e o hebraico, para aprofundar- vendendo indulgências com o objetivo de financiar as reformas da
se no significado e origem das palavras utilizadas nas Escrituras - Basílica de São Pedro, em Roma.
conhecimentos que logo utilizaria para a tradução da Bíblia. Lutero viu este tráfico de indulgências como um abuso que poderia
confudir as pessoas e levá-las a confiar apenas nas indulgências,
A TEOLOGIA DA GRAÇA DE LUTERO deixando de lado a confissão e o arrependimento verdadeiro.
O desejo de obter os graus acadêmicos levaram Lutero a estudar as Proferiu, então, três sermões contra as indulgências em 1516 e 1517.
Escrituras em profundidade. Influenciado por sua formação Segundo a tradição, a 31 de outubro de 1517 foram pregadas as 95
humanista de buscar ir "ad fontes" (às fontes), mergulhou nos Teses na porta da Igreja do Castelo de Wittenberg, com um convite
estudos sobre a Igreja Primitiva. Devido a isto, termos como aberto ao debate sobre elas. Estas teses condenavam a avareza e o
"penitência" e "honestidade" ganharam novo significado para ele, já paganismo na Igreja como um abuso, e pediam um debate teológico
convencido de que a Igreja havia perdido sua visão de várias das sobre o que as Indulgèncias significavam. Para todos os efeitos,
verdades do cristianismo ensinadas nas Escrituras - sendo a mais nelas ele não questionava diretamente a autoridade do Papa para
importante delas a doutrina da chamada "Justificação" apenas pela conceder as tais indulgências.
fé. Lutero começou a ensinar que a Salvação era um benefício As 95 Teses foram logo traduzidas para o alemão e amplamente
concedido apenas por Deus, dado pela Graça divina através de copiadas e impressas. Ao cabo de duas semanas haviam se
Jesus Cristo e recebido apenas com a fé.[5] espalhado por toda a Alemanha e em dois meses por toda a Europa.
Mais tarde, Lutero definiu e reintroduziu o princípio da distinção Este foi o primeiro episódio da História em que a imprensa teve papel
própria entre o Torá (Leis Mosaicas) e os Evangelhos, que primacial, pois facilitava uma distribuição simples e ampla de
reforçavam sua teologia da graça. Em conseqüência, Lutero qualquer documento.
acreditava que seu princípio de interpretação era um ponto inicial

8
junho-18 de julho de 1519), no curso do qual negou o direito divino do
A RESPOSTA DO PAPADO solidéu papal e da autoridade de possuir o "poder das chaves", que,
Depois de fazer pouco caso de Lutero, dizendo ser ele um "alemão segundo ele, haviam sido outorgados à Igreja (como congregação de
bêbado que escrevera as teses", e afirmando que "quando estiver fé). Negou que a salvação pertencesse à Igreja Católica ocidental
sóbrio mudará de opinião"[6] o Papa Leão X ordenou em 1518 ao sob a autoridade do Papa, mas que esta se mantinha na Igreja
professor de teologia dominicano Silvestro Mazzolini que investigasse Ortodoxa, do Oriente. Depois do debate, Eck afirmou que forçara
o assunto. Este denunciou que Lutero se opunha de maneira implícita Lutero a admitir a semelhança de sua própria doutrina com a de João
à autoridade do Sumo Pontífice, quando discordava de uma de suas Huss, que havia sido queimado numa fogueira.
bulas. Declarou ser Lutero um herege e escreveu uma refutação
acadêmica a suas teses. Nela, mantinha a autoridade papal sobre a AUMENTA A CISÃO
Igreja e condenava cada "desvio" como uma apostasia.
Lutero replicou de igual forma, dando assim início à controvérsia. Lutero durante os acontecimentos
Enquanto isto, Lutero tomava parte da convenção dos agostinianos
em Heidelberg, onde apresentou uma tese sobre a escravidão do
homem ao pecado e a graça divina. No decorrer da controvérsia
sobre as indulgências, o debate se elevou até ao ponto de duvidar do
poder absoluto e autoridade do Papa, pois as doutrinas de
"Tesouraria da Igreja" e "Tesouraria dos Merecimentos", que serviam
para reforçar a doutrina e venda e das indulgências, haviam se
baseado na bula papal "Unigenitus" (de 1343), do Papa Clemente VI.
Por causa de sua oposição a esta doutrina, Lutero foi qualificado
como heresiarca e o Papa, decidido a suprimir por completo com
seus pontos de vista, ordenou que fosse chamado a Roma, viagem
que deixou de ser realizada por motivos políticos.
Lutero, que anteriormente professava a obediência implícita à Igreja,
negava agora abertamente a autoridade papal e apelava para que
fosse realizado um Concílio. Também declarava que o papado não
formava parte da essência imutável da Igreja original.
Desejando manter-se em relações amistosas com o protetor de
Lutero, Frederico, o Sábio, o Papa engendrou uma tentativa final de
alcançar uma solução pacífica para o conflito. Uma conferência com
o representante papal Karl von Miltitz em Altenburgo, em janeiro de
1519 levou Lutero a decidir guardar silêncio, assim como seus
opositores, como também a escrever uma humilde carta ao Papa e Martinho Lutero
compor um tratado demonstrando suas opiniões sobre a Igreja
Católica. A carta escrita nunca chegou a ser enviada, pois não Não parecia haver esperanças de entendimento. Os escritos de
continha nenhuma retratação. E no tratado, que compôs mais tarde, Lutero circulavam amplamente, alcançando a França, Inglaterra e
Lutero negou qualquer efeito das indulgências no Purgatório. Itália em 1519, e os estudantes dirigiam-se a Wittenberg para escutar
Quando Johann Eck, em Carlstadt, desafiou um colega de Lutero Lutero, que naquele momento publicava seus comentários sobre a
para um debate em Leipzig, Lutero juntou-se à discussão (27 de

9
Epístola aos Gálatas e suas "Operationes in Psalmos" (Trabalho nos peregrinações nocivas; a eliminação dos excessivos dias santos; a
Salmos). supressão dos conventos para monjas, da mendicidade e da
As controvérsias geradas por seus escritos levaram Lutero a suntuosidade; a reforma das universidades; a abrogação do celibato
desenvolver suas doutrinas mais a fundo, e o seu "Sermão sobre o do clero; a união dos boêmios; e, finalmente, uma reforma geral na
Sacramento Abençoado do Verdadeiro e Santo Corpo de Cristo, e moralidade pública.
suas Irmandades", levou mais além o significado da eucaristia para o O cativeiro babilônico
perdão dos pecados e ao fortalecimento da fé naqueles que o Lutero gerou polêmicas doutrinárias em seu "Prelúdio no Cativeiro
recebem, e ainda apoiava a realização de um concílio a fim de Babilônico da Igreja", em especial no que diz respeito aos
restituir a comunhão. sacramentos.
O conceito luterano de "igreja" foi desenvolvido em seu "Von dem
Papsttum zu Rom" (Sobre o Papado de Roma), uma resposta ao
• Eucaristia - apoiava que fosse devolvido o "cálice" ao laicado;
ataque do franciscano Augustin von Alveld, em Leipzig (junho de
na chamada questão do dogma da transubstanciação,
1520); enquanto o seu "Sermon von guten Werken" (Sermão das
afirmava que era real a presença do corpo e do sangue do
Boas Obras), publicado na primavera de 1520, era contrário à
Cristo na eucaristia, mas rechaçava o ensinamento de que a
doutrina católica das boas obras e dos atos como meio de perdão,
eucaristia era o sacrifício oferecido por Deus.
mantendo que as obras do crente são verdadeiramente boas, quer
para o secular como para o clérigo, se ordenadas por Deus.
• Batismo - ensinava que apenas trazia a justificação apenas se
combinado com a fé salvadora em o recebedor; de fato,
Os tratados de 1520
mantinha o princípio da salvação inclusive para aqueles que
A Nobreza alemã mais tarde se convertiam.
A disputa havida em Leipzig em 1519 fez com que Lutero travasse
• Penitência - afirmou que sua essência consiste na palavra de
contato com os humanistas, especialmente Melanchthon, Reuchlin e
promessa de desculpas recebidas com fé.
Erasmo de Roterdão, que por sua vez também influenciara ao nobre
Franz von Sickingen. Von Sickingen e Silvestre de Schauenbur
Para ele, apenas estes três sacramentos podiam assim ser
queriam manter Lutero sob sua proteção, convidando-o para seus
considerados, pois sua instituição era divina e a promessa da
castelos na eventualidade de não ser-lhe seguro permanecer na
salvação de Deus estava conexa a eles; mas, em sentido estrito,
Saxônia, em virtude da proscrição papal.
apenas o batismo e a eucaristia seriam verdadeiros sacramentos,
Sob estas circunstâncias de crise, e confrontando aos nobres
pois apenas estes tinham o "sinal visível da instituição divina": a água
alemães, Lutero escreveu "À Nobreza Cristã da Nação Alemã"
no batismo e o pão e vinho da eucaristia. Lutero negou, em seu
(agosto de 1520), onde recomendava ao laicado, como um sacerdote
documento, que a confirmação, o matrimônio, a ordenação
espiritual, que fizesse a reforma requerida por Deus mas abandonada
sacerdotal e a extrema unção fossem sacramentos.
pelo Papa e pelo clero. Pela primeira vez Lutero referiu-se ao Papa
como o Anticristo[7]. Liberdade de um Cristão
As reformas que Lutero propunha não se referiam apenas a questões Da mesma forma, o completo desenvolvimento da doutrina de Lutero
doutrinárias, como também aos abusos eclesiásticos: a diminuição do sobre a salvação e a vida cristã foi exposta em "A liberdade de um
número de cardeais e outras exigências da corte papal; a abolição cristão" (publicado em 20 de novembro de 1520, onde exigia uma
das rendas do Papa; o reconhecimento do governo secular; a completa união com Cristo mediante a palavra através da fé, e a
renúncia da exigência papal pelo poder temporal; a abolição dos inteira liberdade do cristão como sacerdote e rei sobre todas as
Interditos e abusos relacionados com a excomunhão; a abolição das coisas exteriores, e um perfeito amor ao próximo.

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A excomunhão A DIETA DE WORMS
A 15 de junho de 1520 o Papa advertiu a Lutero, com a bula O Imperador Carlos V inaugurou a Dieta real a 22 de janeiro de 1521.
"Exsurge Domine", onde ameaçava-o com a excomunhão, a menos Lutero foi chamado a renunciar ou confirmar seus ditos e foi-lhe
que num prazo de sessenta dias repudiasse 41 pontos de sua outorgado um salvo-conduto para garantir-lhe o seguro
doutrina, selecionados em seus escritos. Em outubro de 1520 Lutero deslocamento.
enviou seu escrito "A liberdade de um cristão" ao Papa, A 16 de abril Lutero apresentou-se diante da Dieta. Johann Eck,
acrescentando a frase significativa: assistente do Arcebispo de Trier, mostrou a Lutero uma mesa cheia
"Eu não me submeto a leis ao interpretar a palavra de Deus". de cópias de seus escritos. Perguntou então a Lutero se os livros
Enquanto isto, um rumor chegara de que Johan Ech saíra de eram seus e se ele acreditava naquilo que as obras diziam. Lutero
Meissem com uma proibição papal, enquanto este se pronunciara pediu um tempo para pensar na sua resposta, o que lhe foi
realmente a 21 de setembro. O último esforço de paz de Lutero foi concedido. Este então isolou-se em oração, e depois consultou seus
seguido em 12 de dezembro da queima da bula, que já tinha expirado aliados e amigos, apresentando-se à Dieta no dia seguinte. Quando a
há 120 dias, e o decreto papa de Wittenberg, defendendo-se com Dieta veio a tratar do assunto, o conselheiro Eck pediu a Lutero que
seus "Warum des Papstes und seiner Jünger Bücher verbrannt sind" respondesse explicitamente:
e "Assertio omnium articulorum". O Papa Leão X excomungou Lutero "Lutero, repeles seus livros e os erros que eles contêm?"
a 3 de janeiro de 1521, na bula "Decet Romanum Pontificem". Lutero então ripostou:
A execução da proibição, com efeito, foi evitada pela relação do Papa "Que se me convençam mediante testemunho das Escrituras
com Frederico III da Saxônia, e pelo novo imperador, Carlo I da e claros argumentos da razão - porque não acredito nem no
Espanha (Carlos V) que julgou inoportuna apoiar as medidas contra Papa nem nos concílios já que está provado amiúde que estão
Lutero, diante de sua posição face a Dieta. errados, contradizendo-se a si mesmos - pelos textos da
Sagrada Escritura que citei, estou submetido a minha
consciência e unido à palavra de Deus. Por isto, não posso
nem quero retratar-me de nada, porque fazer algo contra a
consciência não é seguro nem saudável."
De acordo com a tradição, Lutero então proferiu essas palavras:
"Nao posso fazer outra coisa, esta é a minha posição. Que
Deus me ajude![8]
Nos dias seguintes seguiram-se muitas conferências privadas para
determinar qual o destino de Lutero. Antes que a decisão fosse
tomada, Lutero abandonou Worms. Durante seu regresso a
Wittenberg, desapareceu.
O Imperador redigiu o Édito de Worms a 25 de maio de 1521,
declarando Martinho Lutero fugitivo e herege, e proibindo suas obras.

PROCESSO ROMANO
Em Junho de 1518 foi aberto o processo contra Lutero, com base na
publicação das suas 95 Teses. Alegava-se que este incorria em
Castello Wartburg em Eisenach heresia, a ser examinado pelo processo. Nas aulas que dava na
Universidade de Wittenberg, espiões registram os comentários
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negativos de Lutero sobre a excomunhão. Depois disso, em agosto Notável é no entanto que Lutero foi mais uma vez recebido em
de 1518, o processo é alterado para heresia notória. Lutero é audiência, que também deixou claras as diferenças entre o papado e
convidado para ir a Roma, onde desmentiria sua doutrina. o rei/imperador. Carlos foi o último rei (após uma reconciliação) a ser
coroado imperador pelo papa. A 17 e 18 de Abril de 1521 Lutero é
ouvido na Dieta de Worms (conferência governativa) e após ter
negado a revocação da sua doutrina, é publicado o Édito de Worms,
banindo Lutero.

EXÍLIO NO CASTELO DE WARTBURG


O seqüestro de Lutero durante a sua viagem de regresso foi
arranjado. Frederico, o sábio ordenou que Lutero fosse capturado no
seu retorno da Dieta de Worms por um grupo de homens
mascarados a cavalo, que o levaram para o Castelo de Wartburg, em
Eisenach, onde ele permaneceu por cerca de um ano. Deixou crescer
O selo de Lutero. a barba e tomou as vestes de um cavaleiro, assumindo o
pseudónimo de Jörg. Durante este período de retiro forçado, Lutero
Lutero recusa-se a fazê-lo, alegando razões de saúde e pretende trabalhou na sua célebre tradução da bíblia para o alemão.
uma audiência em território alemão. O seu pedido baseia-se no
argumento (Gravamina) da Nação Alemã. O seu pedido foi aceito, ele
foi convidado para uma audiência com o Cardeal Caetano, durante a
reunião das cortes (Reichstag) imperiais de Augsburg. Entre 12 e 14
de Outubro de 1518, Lutero fala a Caetano. Este pede-lhe que
revogue a sua doutrina. Lutero recusa-se a fazê-lo.
Do lado romano, o caso pareceu terminado. Por causa da morte de
Imperador Maximiliano I (Janeiro de 1519), houve uma pausa de dois
anos. O Imperador tinha decidido que o seu sucessor seria Carlos
(futuro Carlos V). Por causa das pertenças de Carlos em Itália, o
papa renascentista Leão X receava o cerco do estado da Igreja e
procurava evitar que os príncipes-eleitores alemães (Kurfürsten)
renunciassem a Carlos.
O papel de protetor de Lutero assumido por Frederico, o sábio levou
a que Roma pedisse a Karl von Miltiz que intercedesse junto ao
príncipe por uma solução razoável. Após a escolha de Carlos V como
imperador (26 de junho de 1519), o processo de Lutero voltará a ser
reatado.
Em junho de 1520 reaparece a ameaça no escrito "Exsurge Domini",
Martínho Lutero pregando no Castelo Wartburg, quadro de Hugo
em Janeiro de 1521 a bula "Decet Romanum Pontificem". Com ela foi
Vogel
excomungado Lutero. Seguiu-se a ameaça oficial do imperador
(Reichsacht).

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Com o início da moradia de Lutero em Wartburg começou um
período construtivo de sua carreira como reformista. Em seu
"deserto" ou "Patmos" (como ele mesmo chamava, em suas cartas)
de Wartburg, começou a tradução da Bíblia, da qual foi impresso o
Novo Testamento em setembro de 1522.
Produziu outros escritos, preparou a primeira parte de seu guia para
párocos e "Von der Beichte" (Sobre a Confissão), em que nega a
obrigatoriedade da confissão, e admite como saudável a confissão
privada voluntária. Também escreveu contra o Arcebispo Albrecht, a
quem obrigou com isto a desistir de retomar a venda das
indulgências; enquanto que em seus ataques a Jacobus Latomus
avançou em sua visão sobre a relação entre a graça e a lei, assim
como sobre a natureza revelada pelo Cristo, distinguindo o objetivo
da graça de Deus para o pecador, que, por acreditar, é justificado por
Deus devido à justiça de Cristo, pois a graça salvadora reside dentro
do homem pecador; e ainda que o "princípio da justificação" é
insuficiente, ante a persistência do pecado depois do batismo - pela
inerência do pecado em cada boa obra. Seu quarto no castelo de Wartburg, em Eisenach.
Lutero amiudadamente escrevia cartas a seus amigos e aliados,
respondendo-lhes ou perguntando-lhes por seus pontos de vista e Enquanto isto, alguns sacerdotes saxões haviam renunciado ao voto
respondendo-lhe aos pedidos de conselhos. Por exemplo, Felipe de castidade, ao tempo em que outros tantos atacavam os votos
Melanchthon lhe escreveu perguntando-lhe como responder à monásticos. Lutero, em seu De votis monasticis (Sobre os votos
acusação de que os reformistas renegavam a peregrinação, e outras monásticos), aconselhava a ter mais cautela, aceitando no fundo que
formas tradicionais de piedade. Lutero lhe respondera em 1 de os votos eram geralmente tomados "com a intenção da salvação ou à
agosto de 1521: busca de justificação". Com a aprovação de Lutero em seu "De
"Se és um pregador da misericórdia, não pregues uma abroganda missa privata (Sobre a abrogação da missa privada), mas
misericórdia imaginária, mas sim uma verdadeira. Se a contra a firme oposição de seu prior, os agostinianos de Wittenberg
misericórdia é verdadeira, deve penitenciar ao pecado realizaram a troca das formas de adoração e terminaram com as
verdadeiro, não imaginário. Deus não salva apenas aqueles missas. Sua violência e intolerância, certamente, desagradaram a
que são pecadores imaginários. Conheça o pecador, e veja se Lutero, que em princípios de dezembro passou uns dias entre eles.
os seus pecados são fortes, mas deixai que tua confiança em Ao retornar para Wartburg, escreveu "Eine treue Vermahnung... vor
Cristo seja ainda mais forte, e que se alegre em Cristo que é o Aufruhr und Empörung" (Uma sincera admoestação por Martinho
vencedor sobre o pecado, a morte e o mundo. Cometeremos Lutero a todos os cristãos para que se resguardem da insurreição e
pecados enquanto estivermos aqui, porque nesta vida não há rebelião). Apesar disto, em Wittengerg, Carlstadt e o ex-agostiniano
um só lugar onde resida a justiça. Nós todos, sem embargo, Gabriel Zwilling reclamavam pela abolição da missa privada e da
disse Pedro (2ª Pedro 3:13), estamos buscando mais além um comunhão em duas espécies, assim como a eliminação das imagens
novo céu e uma nova terra onde a justiça reinará". nas igrejas e na abrogação do celibato.

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mensagens revolucionárias por toda a Alemanha. Enfatizava-se a
REGRESSO A WITTENBERG E OS SERMÕES INVOCAVIT formação de um grupo de "santos"(espalharam boatos de que estes
Ao fim de 1521, os anabatistas de Zwickau se entregam à anarquia. santos, seriam a causa da derrota da Igreja Católica), com a tarefa de
Contrário a tais concepções radicais e temendos seus resultados, lutar contra a autoridade constituída e promover a aniquilação dos
Lutero regressa em segredo a Wittenberg a 6 de março de 1522. "ímpios"(i. católica). Um desses pregadores foi Tomas Müntzer.
Durante oito dias, a partir de 9 de março (domigo de Invocavit) e A mensagem escatológica de Müntzer, na verdade, tinha pouco a ver
concluindo no domingo seguinte, Lutero pregou outros tantos com a proposta dos camponeses, tanto que ele procurou a nobreza
sermões que tornaram-se conhecidos como os "Sermões de da Saxônia para obter apoio. Com a negativa destes e a eclosão dos
Invocavit". conflitos camponeses no sudoeste alemão, ele logo viu o instrumento
Nestas pregações Lutero aconselha uma reforma cuidadosa, que para a concretização de seus planos.
leve em consideração a consciência daqueles que ainda não estão Lutero desde cedo prevenira a nobreza e os próprios camponeses
persuadidos a acolher a reforma. A consagração do pão foi sobre a revolta e particularmente sobre Müntzer, um dos "profetas do
restaurada por um tempo e o cálice sagrado foi ministrado somente assassínio", colocando-o como um dos mentores do movimento
aqueles do laicado que o desejaram. O cânon das missas, devido ao camponês. Lutero escreveu a Terrível História e Juízo de Deus sobre
seu caráter imolatório, foi suprimido. Devido ao sacramento da Tomas Müntzer, inaugurando essa linha de pensamento.
confissão haver sido abolido confrontou-se com a necessidade que Na iminência da revolta (1524), Lutero escreveu a Carta aos
muitas pessoas ainda tinham de confessar-se e buscar assim o Príncipes da Saxônia sobre o Espírito Revoltoso, mostrando a tirania
perdão. Esta nova forma de serviço foi dada a Lutero em "Formula dos nobres que oprimiam o povo e a loucura dos camponeses em
missæ et communionis" (Fórmula da missa e Comunhão), de 1523. reagir através da força e a confiar em Müntzer como pregador. Houve
Em 1524 apareceu o primeiro hinário de Wittenberg, com quatro pouca repercussão deste escrito.
hinos. Ainda em 1524, Müntzer mudou-se para a cidade imperial de
Como esta parte da Saxônia ser governada pelo Duque Jorge, Mühlhausen, oferecendo-se como pregador. Lutero escreveu a Carta
que proibira seus escritos, Lutero declarou que a autoridade civil não Aberta aos Burgomestres, Conselho e toda a Comunidade da Cidade
podia promulgar leis para a alma, em seu "Über die weltliche Gewalt, de Mühlhausen com o propósito de alertar sobre as intenções de
wie weit man ihr Gehorsam schuldig sei" (Autoridade Temporal: em Müntzer. Também este escrito não teve repercussão, pois o conselho
que medida deve ser obedecida). da cidade limitou-se a pedir informações sobre Müntzer na cidade
imperial de Weimar.
A GUERRA DOS CAMPONESES O principal escrito dos camponeses eram os Doze Artigos, onde as
reinvidicações foram expostas. Neles haviam artigos de fundo
A guerra dos camponeses (1524-1525) foi de muitas maneiras uma
teológico (direito de ouvir o Evangelho através de pregadores
resposta aos discursos de Lutero e de outros reformadores. Revoltas
chamados por eles próprios) e artigos que tratavam dos maus tratos
de camponeses já tinham existido em pequena escala Flandres
(exploração nos impostos, etc.). Os artigos eram fundamentados com
(1321-1323), França (1358), Inglaterra (1381-1388), durante as
passagens bíblicas e pedia-se que se alguém pudesse provar pelas
guerras hussitas do século XV, e muitas outras até o século XVIII,
Escrituras que aquelas reinvidicações eram injustas, eles as
mas muitos camponeses julgaram que os ataques verbais de Lutero
abandonariam, e entre aqueles que se consideravam dignos de fazer
à Igreja e sua hierarquia significavam que os reformadores iriam
tal coisa estava o nome de Lutero.
igualmente apoiar um ataque armado à hierarquia social. Por causa
De fato Lutero escreveu sobre os Doze artigos em seu livro
dos fortes laços entre a nobreza hereditária e os líderes da Igreja que
Exortação à Paz: Resposta aos Doze artigos do Campesinato da
Lutero condenava, isto não seria surpreendente.
Suábia, de 1525. Nele Lutero ataca os príncipes e senhores por
Já em 1522, enquanto Lutero estava em Wartburg, colaboradores
seus perverteram seus ensinamentos e passaram a pregar
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cometerem injustiças contra os camponeses e ataca os camponeses transmitidos às províncias do império romano, por mais longínquas
pela rebelião e desrespeito à autoridade. que fossem, nos menos de 100 anos que separam a oficialização da
Infelizmente também esse escrito não teve repercussão e durante religião cristã pelo Imperador Romano Teodósio I em 380 d.C. e a
uma viagem de Lutero pela região da Turíngia ele pôde testemunhar deposição do último imperador de Roma pelo Germânico Odoacro
as atrocidades cometidas pelos camponeses, motivando-o a escrever em 476 d.C., data avançada por Edward Gibbon e
o Adendo: Contra as Hordas Salteadoras e Assassinas dos convencionalmente aceite como ano da queda de Roma (Império
Camponeses. Tratava-se de um apêndice de Exortação à Paz..., mas Ocidental). O fim da perseguição da religião cristã pelo império
cedo tornou-se um livro separado. O Adendo foi publicado quando a romano tinha-se dado em 313 d.C. (Ver: Édito de Milão, Concílio de
revolta camponesa já estava no final e os príncipes cometiam Niceia, Constantino I, A história do declínio e queda do império
atrocidades contra os camponeses derrotados, de modo que o escrito romano, Santo Jerónimo).
causou grande revolta na opinião pública contra Lutero. Nele, Lutero No entanto, o domínio do latim era, no século XVI, no fim da Idade
encorajava os príncipes a castigar os camponeses, até com a morte. Média e princípio da chamada Idade Moderna, apenas o privilégio de
Tal repercussão negativa obrigou Lutero a pregar um sermão no dia uma percentagem ínfima de população instruída, entre os quais os
de pentecostes de 1525 que tornou-se o livro Posicionamento do Dr. elementos da própria igreja. A tradução de Lutero para o alemão foi
Martinho Lutero Sobre o Livrinho Contra os Camponeses Assaltantes simultaneamente um acto de desobediência e um pilar da
e Assassinos, onde o reformador contesta os críticos e reafirma sua sistematização do que viria a ser a língua alemã, até aí vista como
posição anterior. uma língua inferior, dos ignorantes, plebeus. (É preciso adicionar que
Como ainda havia repercussão negativa, Lutero novamente se Lutero não se opôs ao latim, e ele mesmo publicou uma edição
posiciona sobre a questão no seu Carta Aberta a Respeito do revisada da tradução latina da Bíblia (Vulgata). Lutero escrevia tanto
Rigoroso Livrinho Contra os Camponeses, onde lamenta e exorta em latim como em alemão. A tradução da Bíblia para o alemão não
contra a crueldade que estava sendo praticada pelos príncipes mas significou, portanto, rejeição do latim como língua acadêmica.)
reafirma sua posição anterior. Notas
Por fim, a pedido de um amigo, o cavaleiro Assa von Kram, Lutero 1. ↑ Schwiebert, p. 128.
redigiu Acerca da Questão, Se Também Militares Ocupam uma 2. ↑ Schwiebert, p. 136.
Função Bem-Aventurada, em 1526, com o propósito de esclarecer 3. ↑ Roland H. Bainton, "The Gospel," em Here I Stand: a Life of
questões sobre consciência do cristão em caso de guerra e sua Martin Luther (New American Library, 1950), pp. 40-42.
função como militar. 4. ↑ Vidal, p. 108
5. ↑ Markus Wriedt, "Luther's Theology," en The Cambridge
OBRAS IMPORTANTES Companion to Luther (Cambridge University Press, 2003), pp.
Foi o autor de uma das primeiras traduções da Bíblia para o alemão, 88-94.
algo que na altura não era permitido pela Igreja católica sem especial 6. ↑ Philip Schaff, History of the Christian Church (Charles
autorização eclesiástica. Lutero não foi o primeiro tradutor da Bíblia Scribner's Sons, 1910), 7:99; W.G. Polack, The Story of
para o alemão. Já havia traduções mais antigas. A tradução de Luther (Concordia Publishing House, 1931), p. 45.
Lutero, contudo, suplantou as anteriores. Além da qualidade da 7. ↑ Martinho Lutero, An Open Letter to The Christian Nobility of
tradução, foi amplamente divulgada em decorrência da sua difusão the German Nation Concerning the Reform of the Christian
por meio da imprensa, desenvolvida por Gutenberg em 1453. Estate, 1520, trad. C. M. Jacobs, em Works of Martin Luther:
O latim, a língua do extinto Império Romano, permanecia a lingua With Introductions and Notes, Volumen 2 (A. J. Holman
franca européia, imediatamente conotada com o passado romano Company, 1915; Project Wittenberg, 2006)
glorioso, uma era de ciência, de progresso económico e civilizacional,
sendo também a língua dos textos sagrados tal como estes foram 8. ↑ "Frase extraída de página luterana alemã.

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