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argumentos sobre a existência de Deus

and Confirmation Theory. British Journal for the cos acessíveis, em princípio, a todos os envol-
Philosophy of Science 42: 513–33. vidos no debate.
Hume, David. 1748. Investigações sobre o Entendi- O conceito de Deus em causa nos argumen-
mento Humano e sobre os Princípios da Moral. tos em questão é já em si uma complexa questão
São Paulo: UNESP, 2003. filosófica. Em geral, na tradição monoteísta do
Le Blanc, Jill. 1993. Infinity in Theology and judaísmo, cristianismo e islamismo, Deus é
Mathematics. Religious Studies 29: 51–62. entendido como um ser incorpóreo, criador e
Prevost, Robert. 1990. Probability and Theistic Ex- garante do universo físico, omnipotente, omnis-
planation. Oxford: Clarendon. ciente, omnipresente, eterno, maximamente
Price, Richard. 1768. On the Importance of Christi- bom, maximamente livre, digno de culto e ado-
anity and the Nature of Historical Evidence, and ração e que se manifesta aos homens em oca-
Miracles. In Earman 2000. siões especiais. Colocam-se questões importan-
Salmon, Wesley. 1990. Rationality and Objectivity in tes tanto quanto à coerência interna desses con-
Science or Tom Kuhn Meets Tom Bayes. Reim- ceitos quanto à sua inter-relação. Um exemplo
presso em M. Curd e J. A. Cover, orgs., Philoso- de problemas internos aos atributos divinos é o
phy of Science. Nova Iorque e Londres: W. W. chamado PARADOXO DA PEDRA relativo ao atribu-
Norton & Company. to da omnipotência: teria Deus poder para criar
Sober, Elliott. 1988. Reconstructing the Past. Cam- uma pedra tão pesada que Deus não pudesse
bridge, MA: MIT Press. erguer? Em caso afirmativo, Deus não é omni-
Swinburne, Richard. 1996. Será que Deus Existe? potente, pois haveria pelo menos uma coisa que
Trad. D. Murcho et al. Lisboa: Gradiva, 1998. não poderia fazer. Em caso negativo, o mesmo
— 2004. The Existence of God. Oxford: Clarendon. problema se coloca. Um exemplo famoso da
dificuldade na relação entre as qualidades divi-
argumentos sobre a existência de Deus Ten- nas é o problema do mal, que aponta para a difi-
tativas de fundamentar ou refutar, com base em culdade de se conciliar a existência de um ser
premissas universalmente aceitáveis, a conclu- sumamente bom, omnipotente e omnisciente
são de que Deus (definido com base na doutri- com a existência do mal, tanto na natureza como
na das grandes religiões monoteístas) existe. na moralidade.
No seu conjunto, esses argumentos constituem Os argumentos mais famosos em prol da
um empreendimento que valoriza o uso de existência de Deus são os seguintes: o ARGU-
formas de raciocínio e premissas cuja validade MENTO ONTOLÓGICO, o argumento cosmológico
e valor de verdade sejam acessíveis a todos em e o argumento teleológico (ver também ARGU-
princípio. Ou seja, os argumentos sobre a exis- MENTO ONTOLÓGICO DE GÖDEL). Discutiremos
tência de Deus pretendem-se neutros em rela- apenas os dois últimos, bem como o principal
ção ao tipo de atitude frente à crença religiosa argumento contrário à existência de Deus, o
que se tenha concretamente, ou seja, se se é problema do mal.
ateu, agnóstico ou adepto de uma dada religião. Argumento cosmológico Num argumento
Assim, o empreendimento intelectual dos cosmológico típico as premissas contêm tanto
argumentos sobre a existência de Deus, que no algum facto empírico público (como a ocorrên-
seu conjunto é tradicionalmente conhecido cia de mudanças ou a existência do universo)
como «teologia natural», caracteriza-se por quanto algum princípio de causalidade, de
procurar discutir esse tema num plano comum modo a fundamentar a conclusão de que se
tanto a crentes religiosos quanto a não crentes. pode afirmar que Deus existe como causa fun-
O objectivo deste esforço é fundamentar ou damental daquele dado empírico.
refutar a crença em Deus com base não na reli- Há dois tipos básicos de argumento cosmo-
gião revelada, mas na discussão conduzida lógico. Um deles, denominado «argumento
conforme regras de raciocínio e dados empíri- kalam», foi sugerido inicialmente por filósofos

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argumentos sobre a existência de Deus

islâmicos e judeus na idade média, como al- cosmológico teria a seguinte forma:
Kindi e Saadia ben Joseph, respectivamente, e
posteriormente adoptado por São Boaventura, 1. Observa-se que existe pelo menos um ente con-
no âmbito cristão. O argumento kalam refere-se tingente.
a Deus como criador do universo num dado 2. Esse ente contingente tem uma causa para sua
momento do tempo. Este tipo de argumento existência.
cosmológico sustenta, então, que o universo teve 3. A causa desse ente contingente tem de ser algo
de ter tido origem num momento no tempo (uma diferente de si próprio.
tese, em geral, defendida com base na ideia de 4. A causa desse ente contingente tem de estar num
impossibilidade da REGRESSÃO AD INFINITUM de conjunto que contenha ou entes contingentes
causas) e, uma vez que nada é causa de si mes- apenas ou pelo menos um ser necessário, não
mo, apenas um ser distinto do universo poderia contingente.
ser a causa do surgimento deste. 5. Um conjunto que contenha apenas entes contin-
O segundo tipo de argumento cosmológico gentes não pode ser a causa da existência do ente
prescinde da ideia de que o universo teve um contingente observado, pois careceria, ele pró-
início no tempo e, por sua vez subdivide-se em prio, de causa.
duas formas: uma que defende a tese da exis- 6. Assim, temos de postular a existência de pelo
tência de Deus como ser necessário e agente menos um ser necessário como causa primeira
causal na manutenção dos entes contingentes dos entes contingentes.
na existência; e outra que se vale do princípio
da razão suficiente de Leibniz. Na versão que recorre ao princípio da razão
Na primeira forma deste tipo de argumento suficiente de Leibniz, o argumento é epistemo-
cosmológico, «contingente» e «necessário» lógico e não ontológico. Ou seja, Deus não é
têm, em geral, um sentido distinto do usado em colocado como o agente causador último dos
lógica e devem ser entendidos como a expres- entes contingentes, mas como a explicação fun-
são da situação de um ente quanto à sua damental da ocorrência desses. Este princípio
dependência ontológica. Assim, um ente con- afirma que toda verdade de facto tem de ter uma
tingente é aquele que depende de outro para razão suficiente que explique por que razão é
existir, ao passo que um ser necessário é aquele como é e não de outra maneira. Ou seja, tudo
que existe independentemente de qualquer cau- que é matéria de facto tem de ter uma explicação
sa para sua existência. Um exemplo famoso de que a torne suficientemente inteligível. Assim,
exposição desta forma de argumento cosmoló- argumenta-se que a existência de cada objecto
gico, de entre as que não postulam uma origem no universo tem de ter uma explicação para sua
do universo no tempo, encontra-se no Livro I existência. No entanto, nenhum objecto particu-
(questão 1, artigo 3) da Suma Teológica de lar se explica a si próprio. Por outro lado, se, na
Tomás de Aquino, na terceira das suas cinco tentativa de explicar um objecto que não tenha
vias para se provar a existência de Deus. Ape- razão suficiente em si próprio, nos restringimos
sar de admitir a possibilidade de que o universo a outro objecto da mesma natureza, a sequência
seja eterno, o argumento sustenta que, sendo inteira será ininteligível e irracional. Assim,
contingente, ou seja, uma vez que o universo temos de aceitar a existência de um ponto final
poderia não existir, o facto de continuar a exis- na cadeia explicativa que dê inteligibilidade
tir tem de ter uma causa que não seja, ela última a todos os elementos subsequentes e que,
mesma, contingente (ou seja, que não dependa por sua vez, contenha em si a razão suficiente da
de outro ente para a sua existência). Assim, sua existência.
Deus é postulado não como uma causa criado- Das muitas objecções ao argumento cosmo-
ra, mas sim como garante do universo. Nesses lógico, apresentamos a seguir uma breve selec-
termos, essa segunda versão do argumento ção. Um ponto crucial que se aplica às três

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argumentos sobre a existência de Deus

formas do argumento expostas é a rejeição da pode ser um critério de racionalidade em geral.


irracionalidade da ideia de sequência infinita Estes são alguns dos pontos que mais suscitam
de causas ou explicações. Embora a rejeição de debate no que respeita ao argumento cosmoló-
cadeias infinitas actuais seja mais característica gico e que são ainda hoje objecto de intensa
do argumento kalam, esta tem também um discussão no meio filosófico.
papel importante nas outras duas versões. Argumento teleológico Este argumento par-
Porém, segundo o filósofo britânico J. L. Mac- te da premissa de que o universo tem uma
kie, é possível eliminar as aparentes contradi- ordem para fundamentar a conclusão de que
ções geradas pela ideia de infinito actual desde Deus existe. Em vista da importância de se
que se distingam os critérios pelos quais se caracterizar o modo pelo qual o mundo físico
identificam um conjunto menor que o outro funciona de forma a extrair dali uma base para
dos parâmetros para identificar conjuntos fundamentar a existência de Deus, uma das
iguais. Se forem critérios diferentes, então não características fundamentais do argumento teleo-
há contradição. Além disso, se há mesmo lógico é a sua forte conexão com os desenvol-
necessidade de um término da sequência, o vimentos históricos do conhecimento científico.
argumento precisa ainda de mostrar por que Também comummente denominado «argu-
razão tal término tem de ser uma causa primei- mento do desígnio», o argumento teleológico
ra e não num número indefinidamente grande tem antecedentes que remontam pelo menos a
de causas incausadas. Por fim, caso esta causa Platão, o qual, no livro X das Leis, fala da pro-
primeira fique estabelecida, a sua identificação porção e ordem no movimento dos corpos
com Deus está longe de ser auto-evidente. celestes como argumento para demonstrar a
Por outro lado, o argumento cosmológico é existência dos deuses. É em Tomás de Aquino,
acusado de incorrer na falácia da composição ao porém, que encontramos um exemplo histórico
supor que o universo é um ente contingente por mais claro do argumento teleológico, mais pre-
ser composto apenas por entes contingentes. cisamente na quinta via para se provar a exis-
Nesse ponto, inclui-se a tese kantiana de que o tência de Deus. O argumento tomista parte da
universo não é objecto de conhecimento, pois constatação de uma ordem de acções com vista
caso contrário cai-se em antinomias. Uma res- a um fim, observável em todos os objectos
posta famosa a essa objecção alega que, mesmo sujeitos a leis da natureza e desprovidos de
sem se referir à contingência do universo como consciência. Assim, por exemplo, toda a pedra,
conjunto de todos os entes, cada um desses entes quando solta, cai em direcção ao chão e todo o
poderia deixar de existir; isto é, o facto de cada ser vivo, ao nascer, tende a realizar a essência
objecto continuar a existir ao invés de desapare- imutável da sua espécie na fase adulta. Dado
cer no nada exige uma causa que esteja para lá que há uma constância no modo ordenado pelo
de cada um desses objectos. Deus seria, assim, o qual esses objectos agem e dado que não têm
elemento que sustentaria cada ente no ser, evi- vontade nem inteligência que os capacitem a
tando o seu colapso no nada. dirigir suas próprias acções, pode-se inferir que
No que se refere especificamente ao argu- esta ordem não seja mera coincidência aciden-
mento leibniziano, discute-se se faz sentido tal, mas se deva a uma tendência em direcção a
exigir-se uma explicação fundamental e abso- um fim causado por um arquitecto inteligente.
luta para se explicar a existência de um ente Com os desenvolvimentos na física e na
observado; por que não contentarmo-nos com a biologia posteriores ao séc. XIII, porém, o
explicação deste por meio da causa imediata argumento tomista parece perder a sua força,
que lhe seja suficiente? De facto, no âmbito pois o movimento dos corpos já não são expli-
científico e da vida quotidiana, por exemplo, as cados em termos de causas finais, como na
explicações não são cabais e nem por isso são física aristotélica, nem se entende o desenvol-
consideradas insatisfatórias; portanto, esse não vimento biológico como a realização de um

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argumentos sobre a existência de Deus

bem final regido por uma essência invariável. que se construiu em seu torno que acabou por
Mesmo assim, o argumento teleológico não ser o principal obstáculo para argumentos deste
desapareceu com o surgimento da física moder- tipo em favor do teísmo. O olho humano, por
na ou da biologia darwinista. Perante esses exemplo, ao invés de um mecanismo inteligen-
desenvolvimentos do conhecimento científico, o temente elaborado, seria produto de um longo
argumento assumiu duas formas, uma analógica processo de luta pela adaptação ao meio
e uma indutiva. A forma analógica do argumento ambiente, no qual a ocorrência de mutações
do desígnio tem o seu exemplo mais perfeito na aleatórias e um processo de selecção natural
versão de William Paley, onde a natureza é favorável às características mais bem sucedidas
comparada a um relógio. Assim, do mesmo teriam papéis preponderantes. Não haveria
modo que a existência de um relógio, dada a sua necessidade de um relojoeiro, o mecanismo
organização rara, complexamente sistematizada, desenvolver-se-ia por uma dinâmica interna
só pode ter sido obra de um relojoeiro que o que dispensa o recurso a inteligências ordena-
tenha fabricado e ordenado propositadamente, o doras externas.
universo, no seu funcionamento regulado pelas É em resposta aos problemas colocados por
leis da mecânica, só pode ter sido obra de um Hume e pelo darwinismo que os teístas con-
poderosíssimo arquitecto que o teria criado em temporâneos têm formulado uma versão indu-
função de um propósito. tiva (no sentido de inferência pela melhor
Nos Diálogos Sobre a Religião Natural, explicação; ver ABDUÇÃO) do argumento do
porém, David Hume tinha já argumentado que desígnio. Segundo esses autores, mesmo que se
a analogia entre o universo e um artefacto admita que se pode explicar satisfatoriamente
mecânico não tem a força pretendida pelo vários exemplos de ordenação entre meios e
argumento teleológico, não sendo, portanto, fins na natureza por meio de princípios que
uma forma sólida de demonstrar a existência envolvem aleatoriedade, a probabilidade de se
de Deus. Em primeiro lugar, a porção do uni- ter, com base apenas no acaso, uma ordem tão
verso a que temos acesso é composta não de complexa e finamente sintonizada como a que
peças mecânicas apenas, mas também de seres temos é extremamente baixa. Assim, susten-
orgânicos. Ora, as analogias que dispensam a tam, mesmo que os mecanismos que levaram à
ideia de uma inteligência criadora e autora do constituição do universo tal como temos agora
design (como as que relacionam o universo envolvam elementos fortuitos, uma melhor
com um animal ou com uma planta, que têm o explicação do mundo que temos deveria tam-
princípio de ordem do seu desenvolvimento em bém envolver um princípio de ordenação que
si mesmos) têm pelo menos a mesma plausibi- envolva um propósito. De facto, sustentam
lidade que a de um artefacto mecânico. Parece filósofos como o britânico Richard Swinburne,
até mais plausível pensar-se em múltiplos prin- a própria existência de uma ordenação por
cípios de ordenamento do mundo, cada um meio de leis da natureza, pressuposta no pró-
relacionado com uma forma particular de esta- prio darwinismo e na ciência em geral, explica-
dos de coisas. Além disso, a analogia não se melhor por meio da hipótese de que Deus
demonstra a existência de uma única divinda- existe (ver ARGUMENTOS BAYESIANOS A FAVOR
de, pois um artefacto pode ser produto do tra- DA CRENÇA RELIGIOSA).
balho colectivo; e, se viesse a demonstrá-lo, Problema do mal Dos argumentos contrá-
seria um deus demasiado antropomórfico para rios à existência de Deus, o problema do mal é
ter algum interesse para a religião. o mais conhecido e debatido. Pode-se distin-
Os argumentos de Hume parecem sepultar guir duas formas básicas nas diversas versões
de vez as tentativas analógicas do argumento do argumento: uma formulação dedutiva e uma
teleológico, mas há quem sustente que foi o indutiva.
trabalho de Charles Darwin e o modelo teórico Na versão dedutiva, a ocorrência do mal no

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argumentos sobre a existência de Deus

mundo é apresentada como uma refutação co de mal porque resulta em dor e sofrimento,
cabal da tese de que Deus existe. Ou seja, e contraria qualquer parâmetro de juízo ético.
haveria uma inconsistência na admissão, por A mais famosa das defesas contra o pro-
um lado, da ocorrência do mal e, por outro, da blema do mal moral é a defesa do livre-
existência de um Deus maximamente bom, arbítrio. Segundo os seus proponentes, a ocor-
omnisciente e omnipotente. Segundo os defen- rência desse tipo de mal deve-se ao mau uso da
sores deste argumento, ou Deus não é maxi- liberdade que Deus teria conferido aos seres
mamente bom, pois caso contrário não permiti- humanos. Em termos conceptuais, se conce-
ria o oposto do bem, ou não sabe que o mal bemos o ser humano como um agente livre,
existe (e, portanto, não é omnisciente), ou não deve-se admitir que a liberdade acarreta a pos-
pode suprimir o mal do mundo (e, portanto, sibilidade de se fazer o mal e não apenas o
não é omnipotente). Em todo caso, não se bem. Deus permitiria o mal porque teria esco-
poderia sustentar racionalmente a crença num lhido criar o homem como agente livre ao
ser com todos esses predicados ao mesmo tem- invés de um autómato sem poder de decisão.
po que se aceitasse a existência do mal, pois Assim, uma vez que a possibilidade de agir
um tal conjunto de proposições seria contradi- imoralmente decorre logicamente da liberdade
tório. Assim, ou o teísta abdica de um desses concedida ao homem por Deus, diz o teísta, o
elementos centrais da sua crença ou é obrigado mal não contradiz a omnipotência divina, pois
a negar a existência do mal, o que as religiões resulta da escolha de Deus de permitir a liber-
monoteístas têm fortes razões para não fazer. dade humana. Além disso, o mal moral não
Em resposta à forma dedutiva do problema contradiz a máxima bondade divina, pois, por
do mal, os defensores do teísmo procuram um lado, o autor da acção imoral é o homem e
apresentar argumentos que mostrem a compa- não Deus e, por outro, Deus permite o mal
tibilidade em princípio dos atributos de Deus moral em função de um bem maior, ou seja, a
com a ocorrência do mal. Tais tentativas rece- liberdade humana.
bem o nome de «defesas», que se caracterizam No tocante ao mal natural, a argumentação
por serem apenas respostas à iniciativa argu- segue linhas análogas às da defesa do livre-
mentativa daqueles que propõem o problema arbítrio. Entendendo-se mal natural por sofri-
do mal. Deve-se distinguir as defesas das teo- mento provocado por razões não humanas, a
diceias, que também lidam com o mesmo pro- resposta ao problema do mal recorre ao concei-
blema, mas que não são apenas respostas, mas to de lei da natureza. Um terramoto que deixa
iniciativas de conciliação entre o teísmo e o famílias inteiras desabrigadas, mata e fere
mal. Ou seja, numa teodiceia, o ónus da prova milhares de pessoas ou um incêndio na floresta
está com o teísta. Assim, numa teodiceia não que leva animais indefesos à morte agonizante
basta que se mostre uma possibilidade lógica seriam apenas tristes consequências da regula-
de compatibilização; é necessário que se justi- ridade que podemos encontrar no mundo físi-
fique por que razão Deus teria criado um uni- co. A existência de uma ordem na natureza é
verso que contivesse mal. análoga ao livre-arbítrio no âmbito humano, no
As defesas contra a forma dedutiva do pro- sentido em que, em resultado da ordem, podem
blema do mal geralmente partem da distinção acontecer tanto o mal quanto o bem, sendo a
entre mal moral e mal natural. Na verdade, o eventual ocorrência de sofrimento compensada
próprio conceito de mal é objecto de intensa pelo bem maior representado pela própria exis-
discussão. No presente debate, normalmente, tência de regularidade na natureza.
entende-se por mal, por um lado, o sofrimento Diferentemente das versões dedutivas do
e a dor intensos, e, por outro lado, a acção con- problema do mal, que só podem ser respondi-
trária aos valores morais. Assim, um acto como das mostrando-se a possibilidade conceptual de
torturar uma criança é tido como exemplo típi- se conciliar o mal e o teísmo, a versão indutiva

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argumentos sobre a existência de Deus

deste argumento não acusa a crença teísta de mundo que contenha o mal como uma possibili-
ser contraditória. Os proponentes deste tipo de dade, então a probabilidade deste facto em rela-
formulação sustentam que o mal pode até ser ção ao teísmo P(m/D) também é considerável.
compatível em princípio com a existência de Os proponentes do problema do mal como
Deus, mas que torna esta muito pouco prová- argumento contrário à existência de Deus,
vel. Ou seja, mesmo que não seja impossível porém, têm várias objecções às defesas teístas.
admitir-se a existência conjunta de Deus e do Uma das mais importantes é a tese de que o
mal, a probabilidade do teísmo perante este problema do mal está na intensidade e na quan-
facto seria extremamente baixa. Assim, a irra- tidade do que de mau se observa no mundo,
cionalidade do teísta estaria no facto de susten- que fariam duvidar seriamente na existência de
tar uma crença que tem pouca probabilidade de um Deus como o proposto pelo judaísmo, cris-
ser verdadeira. tianismo e islamismo. Além disso, contra a
Um autor que tentou apresentar uma resposta defesa do livre-arbítrio, argumenta-se que a
ao argumento do mal na sua forma indutiva foi acção livre humana e um certo tipo de determi-
Richard Swinburne. Ele admite que a ocorrência nismo divino são compatíveis, desde que o
do mal é perfeitamente explicável face à tese de motor da acção do homem seja a própria von-
que o Deus das grandes religiões monoteístas tade do indivíduo. Assim, Deus poderia manter
não existe, ou seja, que a probabilidade do mal o livre-arbítrio nos homens e, ao mesmo tem-
(m) em vista da não existência de Deus (¬D), ou po, constituir o arbítrio humano de tal modo
simbolicamente, P(m/¬D), é bastante considerá- que nunca tivéssemos inclinação para o mal.
vel. No entanto, defende Swinburne, a probabi- Segundo a tese compatibilista, ao escolher
lidade de que Deus exista face a esse facto não é sempre agir bem, o ser humano seria livre no
tão baixa a ponto de tornar o teísmo insustentá- sentido de determinar as suas acções por meio
vel do ponto de vista racional. O seu contra- das suas escolhas, mesmo que essas escolhas
argumento tenta mostrar que Deus teria razões fossem sempre no sentido do bem. Assim, se
para fazer um mundo que contivesse o mal. um Deus maximamente bom e omnipotente
Assim, sendo essas razões dedutíveis da tese existisse, impediria que os homens agissem
teísta e sendo elas suficientes para explicar o imoralmente, pois criá-los-ia sem a possibili-
porquê da existência de males no mundo, o pro- dade de agir mal.
blema do mal não funcionaria para mostrar a O problema do mal, assim como os argumen-
baixa probabilidade do teísmo. Entre outras tos cosmológico e teleológico, dada a quantida-
razões, Swinburne propõe que o mal decorre da de e complexidade de tópicos de discussão
possibilidade que temos de aprender sobre o envolvidos, estão longe de estarem resolvidos.
mundo. Sem a possibilidade do mal, a nossa Mesmo que provavelmente sejam poucos os
aprendizagem não só seria menos vívida como crentes religiosos que pautem a sua fé por esses
também muito menos relevante. Além disso, argumentos, estes não deixam de ter interesse
Swinburne menciona a tese de que o mal se dá filosófico, não só porque permitem uma cone-
como subproduto de bens maiores, como o livre- xão entre várias áreas de investigação em filoso-
arbítrio e a regularidade natural, que seriam fia, mas também porque submetem os conceitos
condições fundamentais para permitir a aprendi- filosóficos a um teste extremo. ACP
zagem e o desenvolvimento. A supressão da
possibilidade de ocorrer o mal, sustenta Swin- Davies, B. org. 1998. Philosophy of Religion. Lon-
burne, acarretaria tanto a eliminação da liberda- dres: Cassell.
de humana quanto a ocorrência de um mundo Helm, P. org. 1999. Faith and Reason. Oxford: Ox-
muito menos interessante e com menos desafios ford University Press.
para se viver. Nesse sentido, se a tese da exis- Hume, David. 1779. Diálogos Sobre a Religião Natu-
tência de Deus permite a compreensão de um ral. Trad. A. Nunes. Lisboa: Edições 70, 2005.

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aritmética

Mackie, J. 1982. The Miracle of Theism. Oxford: podem ser ulteriormente analisados como
Clarendon Press. compostos a partir de outros objectos. Pode
Peterson, M. et al. 1991. Reason and Religious Be- acontecer, no entanto, que uma suspensão deste
lief. Oxford: Oxford University Press. princípio seja tolerada, quando, por exemplo,
Swinburne, Richard. 1996. Será que Deus Existe? as propriedades básicas dos números racionais
Trad. D. Murcho et al. Lisboa: Gradiva, 1998. positivos são expostas a partir de uma repre-
— 2004. The Existence of God. Oxford: Clarendon. sentação destes como pares de números natu-
Tomás de Aquino. Suma Teológica. rais. A palavra «aritmética» é também usada
para denotar a investigação de algumas opera-
aridade A relação «x é pai de y» é uma relação ções particulares como a soma, a multiplicação
binária, ou de aridade 2. As relações «x apre- e conceitos afins, em contraste com a expres-
sentou y a z» e «x é belo» têm, respectivamen- são «teoria dos números», em que o domínio
te, aridades 3 e 1. As relações unárias ou de de conceitos é bastante vasto. Finalmente, uma
aridade 1 (como no exemplo anterior) são mais extensão desta terminologia ocorre quando se
conhecidas por PROPRIEDADES. As funções fala de aritmética para denotar, por exemplo, a
também têm aridades: assim, as funções «a teoria da adição de conjuntos de números não
mãe de x» e «o produto de x por y» têm arida- denumeráveis, em contextos como «a aritméti-
des 1 e 2, respectivamente. Uma relação (ou ca dos números cardinais transfinitos».
uma função) de aridade n é uma relação (ou Embora a reflexão filosófica sobre o concei-
função) n-ária. to de número natural seja tão antiga como a
Na linguagem do cálculo de predicados, os própria filosofia, só no início do séc. XX foi
símbolos relacionais e os símbolos funcionais possível passar a um tratamento científico des-
vêm munidos de uma determinada aridade. ta reflexão com a obra de Dedekind e de Frege:
Alguns autores permitem, inclusivamente, ari- a nova orientação traduziu-se por um ainda
dades iguais a 0. Um símbolo funcional de ari- maior significado filosófico para a aritmética,
dade 0 não é mais do que uma constante. Um como se vê pela discussão sobre os teoremas
símbolo relacional de aridade 0 não é mais do de Löwenheim e de Gödel, e pelo problema
que uma letra proposicional. Os autores que especificamente filosófico da definição da
permitem símbolos relacionais de aridade 0 natureza do juízo aritmético.
têm geralmente, na sua linguagem do cálculo A primeira caracterização do conceito de
de predicados, dois símbolos lógicos especiais número que Dedekind apresentou em 1901 é cla-
para denotar as duas únicas relações de aridade ramente captada nas seguintes asserções: 1) 0 é
0: um para a verdade (geralmente o símbolo F) um número; 2) Se x é um número, então existe
e outro para a falsidade (geralmente o símbolo um outro número, N(x), chamado o sucessor de
⊥). Por vezes, em vez de se falar na aridade de x; 3) Não existe um número de que 0 seja o
um predicado, fala-se no seu grau. Ver RELA- sucessor; 4) Se dois números têm o mesmo
ÇÃO, FUNÇÃO, CÁLCULO DE PREDICADOS. FF sucessor, então são iguais; 5) Se P é uma pro-
priedade aritmética e se 0 tem a propriedade P
aritmética O objecto de estudo da aritmética é e se sempre que um número x tem a proprieda-
não só os números naturais como também de P então N(x) tem a propriedade P, então
outros conjuntos de objectos definíveis catego- todos os números têm a propriedade P.
ricamente, como os números inteiros ou os Uma medida do valor destas asserções é
números racionais, de modo que uma teoria que, juntamente com a TEORIA DOS CONJUNTOS,
acerca de um destes conjuntos de objectos é elas permitem a derivação não só da teoria dos
usualmente designada também por uma aritmé- números naturais, como também da teoria dos
tica. Em geral os objectos estudados são consi- números racionais, reais e complexos.
derados indivíduos, no sentido em que não As proposições 1–5 não podem ser conside-

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