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A guerra às drogas é uma guerra etnocida, Antohony R. Henman.

In Diamba
Sarabamba, Anthony Richard Henman e Oswaldo Pessoa Jr. (orgs). Ed. Ground.
S.Paulo, 1986: 91-111.

07.08.05

O artigo objeto desta resenha é um estudo do uso da maconha entre os


índios Tenetehara do Maranhão. O fio que conduz o trabalho pauta-se na tortura
do índio Celestino Guajajara (outra nome pelo qual a etnia tenetehara também é
conhecida), ocorrida durante a ‘operação maconha’, conduzida pela Polícia
Federal (PF) nas áreas indígenas do Maranhão em 1977.
Visto à distância que os quase trinta anos permitem, surpreendem-nos a
atualidade da discussão que o texto propõe. Se, por um lado, notam-se ali
exemplos flagrantes de uma militarização dos diversos segmentos do poder
estatal - compreensível a partir das características do regime político de então -
não é menos importante destacar que o discurso de guerra às drogas daquele
momento ainda se faz presente de modo sistemático nas discussões acerca do
tema.
Ao realizar o trabalho etnográfico proposto em duas incursões à tribo dos
Tenetehara, o autor afirma, já nas primeiras páginas no artigo, que ‘é hora de
escutar a mensagem implícita na prática indígena de que as plantas psicotrópicas
não são maléficas em si, mas que o seu aproveitamento adequado depende de
uma precisa contextualização cultural’ [94].
Esse aspecto destacado pelo autor é de suma importância, pois aponta
para uma outra interpretação no que tange ao uso de substâncias psicotrópicas,
o qual não se restringe à problemática da dependência química ou psíquica.
Henman ilustra a questão acima através da exemplificação do uso da
maconha pelos Tenetehara: a mesma é mais consumida durante a realização de
trabalhos que exigem esforços físicos, como, por exemplo, a preparação do
terreno para o plantio. [cf. 103]. Os índios acreditam que ela tenha um poder
estimulante. Todavia, lembrando-nos que o período de preparação da roça
coincide com o fim da safra da maconha, bem como da imprevidência que os
caracteriza, revela-se que os membros da tribo passam meses sem poder fazer
uso dela, sem que isso resulte em qualquer prejuízo do funcionamento daquela
sociedade.
Um outro contexto de uso da maconha pelos Tenetehara diz respeito às
reuniões noturnas. Ali, os índios ‘se juntam para discutir questões referentes à
vida da comunidade, dando espaço para os velhos recitarem mitos e fazerem
discursos políticos e os jovens contarem piadas e aventuras sexuais’ [103].
Marcadamente, o uso é menos ritualístico do que em outras tribos e, portanto,
não se pode encontrar ali nada que se coadune com ‘rituais místicos’. O estado
de transe característico do xamanismo dessa tribo faz uso exclusivamente do
tabaco, por exemplo.
Deve ser destacado que os poucos elementos ritualísticos encontrados
denotam clara influência da população circundante o que, por sua vez, pode estar
ligado a um padrão histórico de uso na região norte-nordeste. Interpelações
lingüísticas, expressões e nomes dados à maconha parecem também apontar
para essa possibilidade. No entanto, cabe destacar, como o autor, que os
Tenetehara provavelmente se lançaram a um uso ativo da maconha, não apenas
se resumindo a assimilação do uso feito pela sociedade circundante. Um exemplo
seria a expressão hê’mongatú, elemento não integrante do vocabulário clássico
tenetehara. Como esclarece o autor: ‘Ainda que seu sentido seja apenas ‘numa
boa’ ou ‘tudo bem’(...) é de se notar que a expressão originalmente foi utilizada
com exclusividade para referir-se ao estado de ânimo decorrente do uso da
maconha (...)’ [105].
O autor prossegue esclarecendo outros contextos de uso, bem como as
peculiaridades que marcam o plantio e os cuidados com a planta, todavia, a
demarcação lingüística assinalada acima parece apontar para a especificidade da
experiência demarcada no contexto cultural dos Tenetehara. A imposição de um
regime de abstinência que desconheça as peculiaridades do uso não é sem
conseqüências para o funcionamento da tribo. Como indicamos no início desta
resenha, as experiências de erradicação das plantações de coca da Colômbia e
do Peru talvez não estejam distantes do mesmo problema apontado no artigo.
Para nós, decorridos tantos anos, resta ainda à tarefa de criar um discurso de
ação sobre as drogas que não se paute exclusivamente nos imperativos de sua
demonização.

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