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Sexo e Envelhecimento: A Teoria do “Filho Premiado”

João Carlos Holland de Barcellos, Novembro/2008

“Tudo fica claro, depois que o mistério é


desvendado” (Autor Desconhecido)

Resumo: Após mostrarmos onde algumas das teorias mais conhecidas sobre o envelhecimento
e morte falham, iremos propor uma nova teoria, que explica a reprodução sexual e o
envelhecimento. Nesta teoria, tanto a reprodução sexual como a senescência surgem como uma
adaptação darwiniana. Um mecanismo que dribla a seleção de grupo também é proposto.
Desenvolveremos então a “Equação da Morte”, que estabelece a longevidade da espécie como
função de parâmetros de suas presas e predadores.

Palavras Chaves: Envelhecimento, Sexo, Morte, Evolução, Senescência, Adaptação,


Pressão Seletiva, Reprodução, Sexuada, Assexuada, Teoria do Envelhecimento,
Longevidade, Relógio Biológico, Morte Programada, Equação da Morte.

1-Definições
Utilizaremos neste texto a palavra “envelhecimento” como sinônimo de “senescência”.
A senescência é definida como um lento acúmulo de alterações degenerativas no
organismo que o leva, inexoravelmente, à morte. Ou então como “a deterioração
progressiva da quase totalidade das funções do organismo durante do tempo”. [1]

Também utilizaremos o termo “imortal”, para designarmos o organismo que não morre
por envelhecimento. Isso não significa que não possa morrer por falta de alimentos,
ataques de predadores, acidentes, doenças, por um ambiente hostil ou alguma outra
causa externa, mas apenas que não senesce, isto é, não possua uma morte programada
em seu DNA nem que suas funções vitais decaiam significativamente com o tempo
levando, por isso, o organismo à morte. Como exemplo de organismos imortais,
podemos citar as bactérias. Estas não envelhecem, e, portanto, neste sentido, são
imortais.

Da mesma forma utilizaremos a palavra “mortal” para qualificar o organismo que


envelhece, isto é, que possuem instruções em seu DNA para que, após certo período de
tempo, faleça, ou que suas funções vitais caiam significativamente com o tempo,
levando-o sempre à morte. Como exemplo, podemos citar os mamíferos, que sempre
envelhecem e morrem.

2-Introdução

A causa do envelhecimento, a nível evolutivo, ainda é considerada um dos grandes


mistérios da ciência e, em particular, da biologia. Várias teorias tentaram explica-lo:
“O gerontólogo russo Zhores Medvedev recenseou mais de 300. Contudo um grande
número entre elas não se interessa realmente às causas, mas antes a mecânica
senescente.” [1]
Entretanto, apesar deste grande número de teorias, apenas algumas poucas tiveram
alguma aceitação na comunidade científica. Infelizmente, nenhuma delas explicou
satisfatoriamente as causas darwinianas do envelhecimento. A teoria que exporemos, e
que chamei de a “Teoria do Filho Premiado”, pretende resolver este problema
explicando a causa da senescência no nível neo-darwiniano, isto é, através da adaptação
genética por seleção natural. Assim, defenderemos, nesta nova teoria, que o
envelhecimento é uma decorrência da “morte programada”, pois seria evolutivamente
vantajoso para os genes, em organismos com reprodução sexuada, se eles eliminassem
os corpos que os carregam.

Para entendermos o processo evolutivo envolvido no envelhecimento precisamos partir


do início: A origem da vida.

3-O Início

As teorias mais modernas sobre a origem da vida [2] apontam que esta se iniciou há
cerca de quatro bilhões de anos, tendo como origem uma molécula replicante. Segundo
as teorias mais modernas, este replicante deveria ser algo parecido como um proto-
RNA, formada ao acaso no ambiente primitivo da época, conhecido como “sopa ou
caldo primordial”.

Os primeiros replicantes faziam cópias de si mesmos – clones- utilizando as moléculas


que vagavam neste “caldo primordial”. Como as cópias nem sempre eram perfeitas,
ocorriam mutações, que faziam com que estas cópias pudessem ter maior ou menor
habilidade em fazer cópias em relação aos seus pais. As que tinham mais sucesso em
sobreviver e se reproduzir, colocavam mais cópias de si mesmas do que as demais.
Houve as condições necessárias para que a evolução darwiniana ocorresse: Reprodução,
Variabilidade e Seleção Natural.

A “luta” pela replicação continuou sem tréguas. Em algum momento deve ter surgido
um replicante mutante, que criou uma capa de proteção contra ataques de outros
replicantes – a primeira célula-. Este replicante celular teve tanto sucesso com sua capa
protetora que praticamente dominou a vida primitiva em seu início. No caldo primordial
devem ter sobrado apenas os replicantes celulares – como as bactérias [3]-.
Posteriormente, algumas bactérias mutantes “perceberam” que se elas se agrupassem
em colônias teriam mais chances de sobrevivência. Estas colônias evoluiriam para os
primeiros seres pluricelulares.

4-As Bactérias

As bactérias são imortais. Elas se reproduzem por fissão: A bactéria se divide em duas
(dois clones idênticos), e cada um destes clones se divide em dois, e assim por diante,
crescendo a uma taxa exponencial com o tempo, se não houver alguma restrição
ambiental.

O importante é percebermos que a vida se iniciou imortal. Não havia um mecanismo


interno de envelhecimento, A característica mais simples para se existir é, portanto, a da
imortalidade.
5-Causas e Mecanismos

É importante diferenciar as causas evolutivas das causas físicas que provocam o


envelhecimento (os mecanismos internos de senescência). As causas evolutivas sempre
levam a algum mecanismo interno (causas físicas) que desencadeiam o processo de
envelhecimento. Por exemplo, a sensação de medo pode provocar tremor, sudorese,
calafrios, e podemos dizer que a causa é devido a hormônios como adrenalina e cortisol,
que preparam o organismo para a luta ou a fuga. Mas isto seria mais uma causa física do
processo do medo do que sua causa evolutiva. A causa evolutiva seria a explicação do
porque, ou quais foram as pressões seletivas, que propiciaram os genes a criarem este
mecanismo interno. Assim, podemos dizer que a causa evolutiva do medo seria devido a
uma adaptação genética de percepção de perigo: Os organismos que tinham genes que
os capacitassem a perceber o perigo tinham mais chances de sobreviver do que os
organismos que não apresentassem tais genes. Assim, os genes que induziram o
organismo a perceberem e a reagirem ao perigo, tiveram maior sucesso evolutivo do
que os desprovidos deles. Em suma: A causa evolutiva (darwiniana) do medo seria a
detecção do perigo, as causas físicas seriam a liberação de hormônios específicos para
preparar o corpo para a ação.

6- O Limite de Hayflick

Atualmente, o chamado “Limite de Hayflick” [4] é considerado a causa física mais


importante do envelhecimento – o nosso “relógio biológico”. Dr. Leonard Hayflick, em
1961, descobriu que na espécie humana existe um número máximo de divisões celulares
–cerca de 50- que cada célula somática pode se dividir. Passado este limite, a célula não
se divide mais, e morre.

O mecanismo interno responsável por esta limitação está baseado nos telômeros dos
cromossomos. Nos cromossomos lineares, em forma de bastão, como nos da espécie
humana, existe uma terminação em cada uma das suas extremidades conhecida como
telômero. A cada divisão celular estes telômeros são encurtados. Isso significa que os
cromossomos das células filhas têm um telômero menor do que o das células que lhes
deram origem, e, portanto, também tem uma vida útil menor, pois cromossomos sem
telômeros perdem sua função, fazendo com que a célula morra [5].

7-As Células Germinativas e a Telomerase

Nem todas as células do corpo padecem do limite de Hayflick. As células germinativas,


os gametas (óvulos e espermatozóides) não sofrem este processo de encurtamento do
telômero, pois nestas células é produzida uma enzima – a telomerase – que tem a função
de impedir esta redução [6]. As células somáticas também produzem esta enzima, mas
num nível insuficiente para reparar completamente o telômero. Nos gametas a produção
é maior, e, portanto, eles não envelhecem. As células germinativas são, portanto,
imortais. Pessoas com deficiência na produção desta enzima podem apresentar
senilidade precoce, como é o caso da doença chamada progéria [28]. Esta doença é uma
evidência forte da causa dos telômeros no processo do envelhecimento:
“A manutenção do telômero está implicada na estabilização do cromossoma e na
imortalização celular. A telomerase, que catalisa a síntese de novo do telômero, é
ativada em células germinativas e em muitos cânceres.” [7]

8-Uma Boa Teoria do Envelhecimento

Uma boa teoria do envelhecimento deve fornecer, caso existam, as causas evolutivas, ou
as pressões seletivas, que favoreceram o surgimento do envelhecimento. Deve
responder também as seguintes questões:

a) Por que algumas espécies envelhecem e outras não?

b) Por que o envelhecimento ocorre predominantemente nos seres sexuados e não nos
assexuados? (seres pluricelulares, assexuados, como anêmonas e medusas,
aparentemente, não envelhecem) [11].

c) Por que as células somáticas não produzem mais telomerase, como as células
germinativas o fazem, de modo a também não sofrerem o envelhecimento?

d) Por que algumas espécies envelhecem muito mais rapidamente que outras?

9-Principais Teorias do Envelhecimento

As teorias do envelhecimento baseadas exclusivamente em mecanismos internos,


desconsiderando influências evolutivas estão, no mínimo, incompletas. Estas teorias,
além de não explicarem as enormes diferenças no tempo de envelhecimento das
diferentes espécies, não apontam as razões do próprio organismo não se auto-regenerar:
Se a bactéria é uma célula, e ela vive indefinidamente, sem envelhecer, porque as
células somáticas de um corpo também não poderiam fazer o mesmo? [9]

Antes de entrarmos no âmago da nova teoria, é conveniente expormos algumas das


principais teorias sobre o envelhecimento, e mostrarmos porque elas não resolvem o
problema: a de explicar as causas evolutivas do envelhecimento. Devemos notar que as
teorias que se baseiam exclusivamente em mecanismos internos estão longe de explicar
o problema a nível darwiniano, pois como indicam as evidências, existe influência
genética no processo, e, portanto, tais genes estiveram sujeitos à seleção natural.

9.1-A Teoria dos “Radicais Livres”

Esta teoria, de 1954 [8] [6], diz que envelhecemos por excesso de radicais livres, que
são moléculas ionizadas, em geral compostos de oxigênio, produzidas e liberadas no
organismo como subproduto do metabolismo celular (mitocôndrias).

Estes radicais livres seriam os responsáveis pelo envelhecimento, pois degenerariam a


célula levando-a por fim à morte. É verdade que a degeneração das células pode
acelerar o envelhecimento, mas esta teoria não explica por que as células mortas pelos
radicais livres não poderiam ser substituídas por outras não degeneradas como acontece
normalmente nas células somáticas mortas. Esta teoria deveria implicar que quanto
maior o metabolismo de um animal, mais rapidamente ele envelhece, já que produziria
mais radicais livres. Entretanto, muitos animais fazem exceção a esta regra [1]. Também
seria de se esperar que esportistas envelhecessem muito mais rapidamente do que
pessoas de vida sedentária, o que também nem sempre é verdade. Então podemos
concluir que, embora os radicais livres possam prejudicar as células, e até contribuírem
para o envelhecimento, deixa muito a desejar como uma teoria que explique o processo
como um todo.

9.2-Teoria do “Bem da Espécie” (Weismann)

August Weismann (1834-1914) [10], em 1882 propôs que o envelhecimento seria


devido à “morte programada” – um mecanismo codificado no DNA que leva a célula à
morte-, e que teria evoluído por seleção natural para favorecer o bem da espécie, mesmo
que isso tivesse um efeito negativo no “fitness” (capacidade de sobrevivência e
reprodução) do organismo. Weismann pensava que removendo velhos membros da
população sobrariam mais recursos para os mais jovens que, presumivelmente,
deveriam ser mais adaptados ao ambiente que os seus pais, e, portanto, favoreceria a
evolução da espécie como um todo [10].

Esta teoria, também conhecida como “teoria de Weismann” [1] apresenta uma falha não
solucionada: Ela apela para a “seleção de grupo”, que, como veremos, não deve ser
utilizada a menos que bem fundamentada.

Para entendermos porque a seleção de grupo, no caso, “a morte para o bem da espécie”,
é problemática, consideremos uma população de organismos da mesma espécie
constituídos de organismos mortais e de imortais (que não envelhecem), inicialmente
em igual número, e em equilíbrio, de modo que o total da população tenha que se
manter constante devido à quantidade limitada de recursos alimentares disponíveis.
Neste cenário, se um dos organismos morre, ele pode ser substituído por um filho
mortal ou imortal. A probabilidade de morrer mortais é maior, pois estes envelhecem e
morrem. A probabilidade de ele ser substituído por um filho de imortal também é maior,
já que pode haver vários mortais em idade avançada, debilitados e com dificuldade de
procriar. Portanto, aparentemente, a população iria se tornando imortal. Mesmo que isso
seja prejudicial à espécie.

Agora, vamos supor que exista uma população 100% composta por organismos mortais.
Suponhamos que nasça um organismo mutante imortal – que não envelhece-, portanto,
como maior “fitness”, esse organismo poderia continuar procriando e tendo filhos na
época de sua vida em que os outros todos, de sua idade, já estariam mortos pela velhice.
Ou seja, este organismo imortal teria, aparentemente, muito mais probabilidade de ter
seus filhos substituindo os organismos que morrem do que os mortais. Portanto, sem um
mecanismo que contra-argumente esta lógica, a tendência, ao longo do tempo, é que a
população vá se tornando toda imortal, mesmo que isso seja para a população como um
todo, prejudicial. A aptidão do organismo, neste caso, tenderia a sobrepujar o benefício
da espécie.

Assim, sem contar com nenhum outro mecanismo que explicasse como a seleção de
grupo favoreceria os mortais, frente aos imortais, a “seleção de grupo”, utilizada nesta
teoria, parece contradizer os mecanismos darwinianos de aptidão, pois os mais aptos
(imortais) tenderiam a se manter e proliferar e não os mortais, e, por esta razão, esta
teoria também não vingou.

9.3- Teoria da “Acumulação de Danos” (P. Medawar e J. Haldane)

Sir Peter Medawar (1915-1987), Nobel de medicina, foi um professor de zoologia e


anatomia da Universidade de Londres [10]. Em 1952, Medawar e J. Haldane
escreveram um artigo propondo uma teoria que explicasse o envelhecimento através da
acumulação de danos no genoma. Tal acumulação de danos seria possível se tais danos
aparecessem apenas tardiamente na vida do organismo [11], de modo que esses genes
teriam uma baixa pressão seletiva atuando sobre eles. Por exemplo, se uma doença
genética grave, provocado por uma mutação em um dado gene, aparece na puberdade,
antes da maturidade sexual, este gene é fortemente selecionado a desaparecer, pois o
organismo não tem tempo para chegar à maturidade sexual e ter filhos para poder passar
o gene adiante. Dessa forma, quanto mais cedo os genes malignos se expressem (gene
expresso=gene ativado) no organismo, menos chances eles tem de passarem para a
próxima geração, e mais raros eles são. O oposto também é verdadeiro: Quanto mais
tarde um gene maligno se expressa, maiores são as chances dele permanecer na
população, já que o organismo pode ter muitos filhos antes de, finalmente, o gene se
expressar e matar o organismo. Assim, mutações nocivas, que se expressam
tardiamente, poderiam ir se acumulando lentamente no genoma da população, e este
acúmulo, segundo Medawar, seria o responsável pelo envelhecimento [10] [11].

Esta teoria tem vários pontos positivos: Explica o envelhecimento sob o ponto de vista
genético; Utiliza a teoria darwiniana para explicar o modelo; Os dados empíricos
parecem corroborar, ao menos parcialmente, com a teoria.

Apesar disso, esta teoria tem ainda algumas falhas graves: Os organismos começaram
imortais e não mortais. Assim sendo qualquer gene que diminua o “fitness“ do
organismo deveria ser selecionado negativamente, mesmo que apareça tardiamente. Por
exemplo: Considere uma espécie imortal (no início todas as espécies eram imortais) e
surge um organismo mutante com um gene que o mata, por exemplo, aos 50 anos de
idade. Este organismo não poderá ter mais filhos, pois está morto, isso não aconteceria
com os outros da espécie, então seus concorrentes deixariam mais descendentes do que
este mutante mortal. Então, não há razão para que este gene se propague, espalhando a
mortalidade e o envelhecimento. É o mesmo argumento que refuta a hipótese de
Weissman (9.2). Além disso, esta teoria não explica por que algumas espécies não
envelhecem e outras sim. Não correlaciona também a relação da reprodução sexuada
com o envelhecimento como parece indicar todas as evidências.

9.4- A Teoria da “Pleiotropia Antagônica” (G. Williams)

George Williams, professor da Universidade de Michigan, em 1957, formulou uma


teoria na qual a senescência poderia ser explicada pelo efeito chamado “Pleiotropia
antagônica”. Pleiotropia é o nome da característica que faz com que um mesmo gene
possa fazer parte de vários traços distintos no mesmo organismo. A tônica desta teoria é
que existem alguns alelos que podem beneficiar o organismo em relação a algum traço
na sua juventude, por exemplo, uma capacidade de visão aguçada, e, por outro lado,
prejudicá-lo em outro traço depois, na maturidade, por exemplo, fazê-lo adoecer de
catarata [10]. Dessa forma, o gene seria benéfico (mais que o alelo normal) no início da
sua vida sexual, permitindo que o organismo seja dotado de um alto “fitness” em sua
juventude, podendo ter mais filhos que organismos sem essa mutação. Entretanto, após
certo tempo, este gene atuaria negativamente em outro traço, prejudicando o organismo.
Entretanto, o gene já teria sido passado às novas gerações, pois teria sido vantajoso ao
organismo no início de sua vida reprodutiva.

Esta teoria, embora seja lógica, e aparentemente consistente, ainda apresenta algumas
deficiências: Não explica porque este efeito não ocorre em espécies assexuadas. Não
responde o porquê de espécies muito semelhantes (como algumas espécies de aves e
peixes), que teriam genes muito semelhantes, têm expectativas de vidas tão discrepantes
[10]. Não esclarece porque o organismo não poderia manter o mesmo nível de atividade
dos genes que o beneficiaram na juventude, na fase de alto “fitness”, quando se
sobressaía frente aos demais, para mudar, repentinamente, diminuindo sua
adaptabilidade. E o mais importante, a teoria não mostra que os organismos imortais,
que não herdaram estes genes, e que, portanto, que não padeceriam destes sintomas na
fase adulta, não poderiam compensar seu fraco desempenho da juventude com um
maior vigor em sua infinita fase adulta.

9.5- Teoria do “Soma Descartável” (T. Kirkwood)

Em 1977, Thomas Kirkwood, na época um estatístico, publicou um artigo intitulado:


“Teoria do Soma Descartável”. “Soma” refere-se à parte do corpo que é constituída por
células somáticas, isto é, não germinativas. Segundo Kirkwood, como os organismos
apresentam alta mortalidade devido a fatores externos (predadores, doenças, acidentes,
fome etc.), não seria producente manter o organismo alem do seu tempo de vida [13].
Desta forma a energia deveria ser utilizada para melhorar a capacidade reprodutiva e
não para mantê-lo vivo indefinidamente. Ou seja, o organismo poderia ter um
mecanismo interno de reparo no DNA para mantê-lo vivo, mas isso custaria alguma
energia, que poderia ser utilizada na reprodução. Se o organismo tende a morrer de
alguma causa externa então não compensaria o custo de mantê-lo vivo além do
necessário [10].

Um dos problemas desta teoria é que ela não mostra quanto de energia é necessária para
corrigir os problemas dos danos celulares em relação aos gastos com a reprodução para
então concluir que o gasto seria inviável. Além disso, organismos no inicio da vida tem
muito mais probabilidade de morrer do que os adultos experientes, isso sem contar o
tempo necessário e o gasto de energia para se chegar à puberdade para o inicio da vida
reprodutiva. Assim, parece haver um contra-senso em descartar um adulto experiente e
já em idade reprodutiva, para substituí-lo por mais jovens e inexperientes que ainda vão
perder tempo e energia antes de iniciar sua vida reprodutiva. Mesmo que um adulto
custe mais caro em termos de energia, se ele tivesse um alto “fitness”, pela sua
experiência e imortalidade, ele poderia espalhar seus genes com muito mais eficiência,
mesmo que o mecanismo de reparo do seu DNA consumisse maior energia.

9.6- As Teorias da “Evolutividade”


Em seu artigo “The Evolution of Aging” [10], Theodore C. Goldsmith, um engenheiro
da NASA, faz uma excelente explanação das principais teorias do envelhecimento e
coloca vários cientistas e estudiosos, (por ex. J. Mitteldorf, J. Travis, J. Bowles),
defensores das assim chamadas “Teorias da Evolutividade” (“Evolvability Theories”).

Estas teorias são baseadas na teoria do “Bem da Espécie” de Weismann onde o “bem” é
definido como o incremento da taxa de evolutiva da espécie. Assim, seria bom para a
espécie que os seus membros envelhecessem e morressem, pois o envelhecimento
permitiria que novas gerações, em princípio, mais adaptadas e mais evoluídas, fossem
substituindo às antigas numa taxa mais elevada do que uma população imortal, isto é,
num ritmo maior que a de uma espécie que não envelhece. Dessa forma, o
envelhecimento dos organismos faria aumentar a “taxa de evolução” da espécie que
envelhece como um todo, beneficiando o grupo.

Isso, de fato, é bom para a espécie. Entretanto, o problema destas teorias que beneficiam
o grupo, a custas do prejuízo individual (seleção de grupo), é que elas, como vimos no
item 9.2, não costumam apresentar um mecanismo “neo-darwiniano” (baseado no
“fitness” do gene) nem darwiniano (baseado no “fitness” do organismo), que dêem cabo
do paradoxo da “seleção de grupo”. Segundo a teoria de Darwin os organismos mais
adaptados, com maiores “fitness”, tendem a sobreviver mais e deixar mais descendentes
do que os menos adaptados. Assim uma característica que, em princípio, seria
desvantajosa ao individuo, diminuindo seu “fitness”, mesmo que fosse boa ao grupo
como um todo, não deveria se propagar pela espécie. Ou seja, o problema da seleção de
grupo, quando esta se dá a custas do organismo individual, precisa, para ser válida, vir
acompanhada de um mecanismo que consiga explicar o paradoxo da perda do “fitness”.
Infelizmente, não é o caso das ‘teorias da Evolutividade’ apontadas por Goldsmith.

9.7- Teoria da “Causa Sexual” (W. Clark)

Em seu livro “Sexo e a Origem da Morte”, William R. Clark, catedrático do


departamento de biologia molecular da Universidade da Califórnia, aperfeiçoa a teoria
do “Soma Descartável” (9.5) e o coloca sob uma ótica neodarwiniana – baseada em
genes- [14].

Assim, nesta nova roupagem do “Soma Descartável”, Clark mostra que o


envelhecimento se iniciou logo cedo na face da Terra, com nossos primeiros ancestrais,
os chamados proctotístas, organismos unicelulares dotados de um núcleo com
revestimento protetor que armazena DNA linear com as extremidades revestidas por
telômeros. Clark não explica por que foi vantajoso aos protistas mudarem seu
cromossomo celular circular para cromossomos lineares. De qualquer modo, também
houve incorporação de genes de bactérias parasitas aos proctotístas – e posterior relação
simbiótica-, como acontece com as mitocôndrias. Isso permitiu aos proctotístas
crescerem e a desenvolverem novas estruturas especializadas como, por exemplo, de
proteção (cito esqueletos), de alimentação (micro túbulos) [17], ou mesmo a capacidade
de viverem em colônias, cuja especialização levaria alguns, posteriormente, a se
transformarem em organismos pluricelulares.
Com o advento da reprodução sexuada, que traz inúmeros benefícios aos genes e à
espécie (como veremos no próximo tópico), ocorre nestes proctotístas, pela primeira
vez, a segregação do DNA em núcleos distintos: O micronúcleo, com o DNA
germinativo, usado apenas no momento da reprodução, e o macronúcleo, com o DNA
somático, utilizado na manutenção diária da célula.

Segundo Clark, o DNA somático sofre mais degradação do que o DNA germinativo, e
como este último é o que vai para a próxima geração, não haveria necessidade de
reparar o DNA somático, que pode acumular mutações prejudiciais, e, portanto, deveria
ser destruído. Assim, durante a reprodução sexuada, teríamos o seguinte processo:

“... e, em seguida, o antigo macronúcleo, isolado numa extremidade da célula, começa


a se degenerar e morre... O que os ciliados protistas têm a ver com os seres
humanos?... Muita coisa porque é somente analisando a reprodução sexuada em
protoctistas como o paramécio que podemos ver pela primeira vez a geração de DNA
que não é transmitida à geração seguinte. Esta segregação de DNA em dois
compartimentos não acontece em bactérias nem em outros organismos que se
reproduzem assexuadamente. E o que é feito do excesso de DNA que não é usado na
reprodução? É destruído. Na verdade pode-se muito bem afirmar que é na morte
programada dos macronúcleos dos eucariontes primitivos, como o paramécio, que
nossa própria morte corporal é prenunciada. ”[18]

Clark explica que o motivo da morte programada dos macronúcleos (que corresponderia
às células somáticas do corpo) seria devido à necessidade de destruí-los, pois estariam
provavelmente muito desgastados, e que depois da reprodução não seriam mais
necessários.

Mas esta conclusão embute dois erros lógicos: Primeiro, porque não haveria
necessidade de programar a morte celular já que esta morte iria acontecer por si própria,
seja com o acúmulo de mutações, seja com o desgaste da própria célula. Seria como um
engenheiro projetar uma pesada e cara bomba num robô marciano para que ela
explodisse quando a bateria do robô terminasse e ele ficasse inoperante. Se o robô vai
deixar de funcionar por si mesmo, seria ilógico gastar tempo e material com um
dispositivo que o fizesse explodir depois que não tivesse mais utilidade. Da mesma
forma, Clark não mostra a necessidade evolutiva, ou qualquer outra causa da natureza,
programar a morte das células somáticas se elas levam o organismo, de qualquer
maneira, à morte. Segundo, ele não mostrou as razões que inviabilizariam o reparo do
DNA somático, já que isso pode ser feito uma vez que, como as bactérias, as células
somáticas também se dividem por fissão. Se as bactérias, e as células germinativas, são
imortais, as células somáticas também poderiam ser. Se as bactérias podem se
reproduzir indefinidamente, os proctotistas, em princípio, também poderiam fazê-lo.
10- A Teoria do “Filho Premiado” (Jocax)

Para entendermos a teoria do “Filho Premiado” vamos, primeiramente, entender as


vantagens (+), e desvantagens (-) da Reprodução Sexuada e Assexuada. A Tabela (I),
abaixo, resume as principais diferenças:

Reprodução Sexuada Reprodução Assexuada


(+) Maior Variabilidade Genética. (há (-) Menor Variabilidade Genética. (os
mistura de genes dos genitores) descendentes são clones)
(+) Elimina mutações malévolas da espécie (-) Não elimina mutações malévolas
mais facilmente. (Organismos que herdam facilmente.
dupla mutação malévola tendem a ser
eliminados mais rapidamente).
(+) Espalha mutações benéficas mais (-) Não espalha mutações benéficas a
rapidamente através dos machos. (Um todos. (Cada célula gera sua própria
único macho, com alto “fitness”, bem linhagem).
adaptado, pode inseminar várias fêmeas).
(+) Seleção sexual favorece encontro de (-) Não existe seleção sexual.
características adaptativas e promove a
extinção das menos adaptativas. (As
fêmeas escolhem os ‘melhores’ machos)
(-) Maior dificuldade na reprodução, pois (+) Mais facilidade em se reproduzir, pois
há necessidade de encontrar parceiro (a) não há necessidade de busca de parceiro
para isso. (Nem sempre existe parceiro (a)s
sexual à disposição)
(-) Maior gasto com energia para a (+) Menos gasto com energia para a
reprodução. (A energia para gerar um reprodução.
macho é grande, e sua função é apenas
transportar gametas para que as fêmeas
gerem os novos organismos).
(-) Cada filho leva apenas metade dos (+) Cada filho leva todos os cromossomos
cromossomos de um genitor. (A meiose do genitor. Uma eficácia de 100% na
segrega os cromossomos dos pais, e a junta transmissão.
nos filhos com a metade de cada genitor).
(*+*) Um filho pode herdar duas ou mais (-) Uma dupla mutação benéfica depende
mutações benéficas de cada um dos seus diretamente da quantidade da prole e do
pais e tornar-se um ‘super-organismo’. (O tempo para que isso ocorra. (Se uma
filho pode ser premiado com duas ou mais mutação benéfica é rara, uma dupla
mutações benéficas de cada um de seus mutação benéfica é ainda mais rara).
pais).

Tabela I – Vantagens e desvantagens da reprodução sexuada/assexuada


Vamos também resumir as vantagens e desvantagens entre organismos mortais (que
envelhecem e morrem) e os Imortais (que não morrem por envelhecimento). As
comparações precisam ser feitas dentro de uma população em relativo equilíbrio, isto é,
de tamanho relativamente constante, estável no tempo. Nesta tabela II a mortalidade não
está relacionada ao tipo de reprodução.

Organismos Mortais (Envelhecem) Organismos Imortais (Não envelhecem)


(+) Maior taxa de mutação benéfica. (Uma (-) Menor taxa de mutação benéfica. (Uma
taxa de morte maior permite que mais menor taxa na mortalidade impede que
nascimentos ocorram. Cada nascimento nascimentos novos sobrevivam).
novo pode carregar uma nova mutação)
(-) Maior taxa de mutações maléficas. (+) Menor taxa de mutações maléficas.
(idem)
(*+*) Maior taxa evolutiva da espécie. (O (-) Menor taxa evolutiva da espécie.
conjunto populacional é substituído mais (Organismos antigos tendem a
rapidamente por novas gerações). permanecerem vivos e consumir recursos
que poderiam servir aos novos).

Tabela II – Vantagens e desvantagens da imortalidade

10.1- Introdução

A teoria do “Filho Premiado” está baseada em duas teorias do envelhecimento: A teoria


do “Bem da Espécie” (cap. 9.2) e a teoria da “Evolutividade” (9.6). Entretanto,
diferentemente destas, ao invés de utilizarmos o darwinismo ortodoxo com a seleção
atuando sobre o organismo individual, utilizaremos o neodarwinismo, com a seleção
natural agindo sobre os genes, e, a partir daí, romperemos a barreira da seleção de
grupo.

Na maioria dos casos não há conflitos entre o darwinismo ortodoxo, centrado no


“fitness” do organismo individual e o neodarwinismo, baseado nos genes. Em geral o
que é vantajoso para o organismo individual também o é para os genes que o compõe e
vice-versa. Dessa forma, as pressões seletivas que atuam no organismo individual
aplicam-se também aos seus genes. Por exemplo, se um organismo apresenta uma
grande adaptabilidade (“fitness” =capacidade de sobrevivência e reprodução) ao seu
meio, então é esperado que seus genes tenham suas freqüências aumentadas no “pool
genético” da espécie na geração seguinte. Entretanto, nem sempre o organismo e os seus
genes estão em plena concordância. Existem, por exemplo, em que a sobrevivência do
organismo entra em conflito com a sobrevivência de seus genes.

10.2- Exemplos de conflitos

Para exemplificar alguns conflitos entre o organismo e seus genes, vejamos alguns
casos hipotéticos:

10.2.1- Conflitos que favoreceriam o indivíduo em detrimento dos genes:


1-O Infanticida: Um organismo mutante que costuma se alimentar de sua cria. Ele pode
sobreviver e se procriar mais que outros organismos que não apresentam essa mutação,
mas seus genes não serão beneficiados. Por esta razão é muito raro esta pratica. Pois se
alimentando de sua própria prole, tenderia a fazer diminuir a freqüência de seus genes
do pool genético. Claro que esta prática poderia ser benéfica aos genes, e ao organismo,
se a situação que este se encontra é de absoluta falta de alimentação, o que certamente
inviabilizaria a sobrevivência da prole. Neste caso particular, seria vantajoso aos genes
que o organismo sobrevivesse mesmo que se alimentando de sua cria.

2-O Canibal: O organismo que tem por hábito caçar e comer, indistintamente, tanto
organismos da própria espécie, como de outras. Ele pode sobreviver e se reproduzir com
maior eficácia do que os organismos que se alimentam exclusivamente de espécies
distintas da sua. Entretanto, tal prática tende a prejudicar seus genes, pois, com esta
prática, ele estaria a destruir seus próprios genes, sem que houvesse necessidade disso.

3-A Mãe Covarde: Uma mãe que não apresente o “instinto materno”, e não arrisque sua
integridade física pela de sua prole, mesmo que a probabilidade de sofrer dano seja
muito baixa. Neste caso ela também terá seus genes reduzidos no pool genético da
população em relação às que protegem sua cria, embora tal prática seja favorável à sua
própria sobrevivência e reprodução.

10.2.2- Conflitos que favoreceriam os genes em detrimento do organismo

1-A Mãe Altruísta: A Mãe que arrisca a sua vida para defender sua prole. Isso acontece
na natureza quando a mãe, instintivamente, estima que arriscando sua vida, poderia
fazer sobreviver sua prole. Esse instinto pode favorecer seus genes mesmo que o risco à
sua vida individual seja alto, desde que a probabilidade de salvar a cria seja igualmente
alta.

2-Suicídio sexual: Em algumas espécies, como a do louva-deus, e a de algumas aranhas,


os machos deixam-se ser devorados pela fêmea em troca de uma cópula bem sucedida.
A fecundação pode resultar em centenas de filhotes, e assim ser vantajosa para os genes,
mesmo à custa da vida do organismo-pai.

Estes exemplos servem para entender o contraste entre o darwinismo ortodoxo –


centrado no organismo individual – e o neodarwinismo, centrado nos genes. Os
exemplos que favorecem os genes em detrimento do organismo individual são reais,
acontecem com freqüência na natureza, ao passo que os exemplos que prejudicam os
genes, não. O neodarwinismo, atualmente, é a corrente mais aceita na biologia, e os
exemplos acima são facilmente explicados tomando o gene, e não o organismo
individual (nem mesmo a espécie), como a peça central do jogo evolutivo.

10.3- “Fitness do gene”

Poderíamos então criar o conceito de “fitness do gene” (ou “fitness” de um subgrupo de


genes), que seria a adaptabilidade ou grau de adequação do gene, em contraposição ao
“fitness” do organismo. O “fitness do gene” pode ser definido como a capacidade que o
gene confere ao fenótipo em aumentar sua própria freqüência no “pool genético” da
população.
Nos três primeiros casos do exemplo anterior (10.2.1) podemos ver que haveria redução
no “fitness do gene” ou do subgrupo de genes que induzem o organismo a atacar ou a
prejudicar organismos que tendem a compartilhar com ele grande quantidade de genes.
Por outro lado, haveria aumento no fitness do gene, nos casos em que os genes são
beneficiados, mesmo com o risco da sobrevivência do organismo individual (Exemplos
10.2.2). Então podemos concluir que as ações, ou predisposições que prejudiquem o
“fitness do gene”, devam, caso existam, serem muito raras, e por esta razão, os
exemplos acima (10.2.1) não acontecem na natureza, ao passo que o oposto deve ser
verdadeiro: ações ou predisposições que aumentem o “fitness do gene”, mesmo que isso
prejudique o organismo individual, devem ser naturais.

10.4- “Altruísmo Parental”

O chamado “Altruísmo Parental” é o conjunto de predisposições (genéticas) que levam


o organismo individual a auxiliar outros de sua espécie mesmo que isso possa prejudicar
a si próprio. Quanto maior o grau de parentesco, maior tende a ser o grau de altruísmo
despendido ao outro. O exemplo mais familiar é o da mãe que arrisca sua integridade
física, ou mesmo sua vida, e enfrenta um predador perigoso para defender sua ninhada.
Tal prática pode ser benéfica aos seus genes, que estão em seus filhos, mesmo que isso
possa prejudicá-la como organismo individual. O benefício conferido aos genes, em
relação ao organismo individual, justificaria evolutivamente o altruísmo parental.

10.5- “Seleção de Grupo”

A “seleção de grupo” pode ser definida como ações, práticas, predisposições instintivas,
ou traços fenotípicos que beneficiam o grupo como um todo (a população ou a espécie)
em detrimento do organismo individual. Em termos do darwinismo clássico, centrado
no organismo individual, este conceito é quase impossível de ser aceito, pois fere os
princípios da seleção natural clássica que confere maior adaptabilidade ao organismo
com maior “fitness”. Por exemplo, um leão que ao abater sua caça, ao invés de comê-la,
dividisse a carne com outros do bando, estaria fazendo um benefício ao grupo, mas
poderia ficar muito prejudicado, com poucas possibilidades de sobrevivência e
reprodução, a menos que todos os leões também fizessem isso, caso contrário tal prática
lhe seria prejudicial. Entretanto, este comportamento altruísta só poderia prosperar se o
‘bando’ em que ele dividisse o alimento, fosse constituído por sua própria família, onde
possui alto compartilhamento genético. Caso contrário, esta prática também não seria
explicável.

Assim, a seleção de grupo não pode ser considerada uma explicação neodarwiniana
válida se não houver um mecanismo que comprove o benefício ao gene do organismo
que faz beneficiar o grupo em detrimento do organismo individual.

10.6- A Reprodução Sexuada

A reprodução sexuada pode ser considerada uma forma de seleção de grupo. Pois tende
a prejudicar o organismo individual ao mesmo tempo em que confere benefício ao
grupo como um todo (Tabela-I).

Mas por que a seleção sexual “prejudicaria” o indivíduo?


Por muitas razões: O organismo precisa procurar, e pode até não achar, parceiros para se
procriar. Na reprodução assexuada isso não acontece. O organismo precisa gastar mais
energia na procura e pode até não achar um parceiro para se reproduzir, na assexuada
isso não é necessário. Os genes geram machos, que não engravidam, sua única função
biológica seria carregar o material germinativo para as fêmeas, um desperdício de
energia. Além disso, o organismo só transfere metade de seus cromossomos a cada
filho, na reprodução assexuada ele transfere 100% dos genes, o dobro. Então, porque a
reprodução sexuada existe? Que mecanismo faria compensar o “malefício” individual?

William Donald Hamilton, biólogo e membro da Royal Society de Londres, criou uma
teoria que ficou conhecida como a “Teoria da Rainha Vermelha”. Nesta teoria,
Hamilton pretende explicar a necessidade da reprodução sexuada como uma forma dos
organismos pluricelulares se defenderem das infecções bacterianas [19], [22]. Assim,
como a taxa de crescimento das bactérias, e, portanto também de mutações, é mais
rápida que dos animais pluricelulares, estes últimos precisariam conseguir uma
variabilidade mais rápida para se protegerem destas mutações bacterianas. E, uma
maneira de conseguir isso, seria através da reprodução sexuada, na qual a variabilidade
genética poderia contrabalancear as rápidas mutações bacterianas. Entretanto, sabemos
que a imensa maioria das mutações ou são inócuas, ou malévolas. As mutações
benéficas são muito mais raras. Assim sendo, a mistura de genes pela reprodução
sexuada deveria, portanto, proporcionar mais organismos menos adaptados do que
organismos mais adaptados, mais organismos com menor resistência às bactérias do que
com mais resistência a elas. Além disso, assim como a teoria do “Bem da Espécie”, de
Weissman, a teoria de Hamilton não mostra um mecanismo que responda como esta
seleção de grupo poderia acontecer em termos de benefício ao gene: como, por
exemplo, um “gene da sexualidade” poderia dar-se melhor que um “gene da
assexualidade”?

Para responder a estas questões e também à do envelhecimento que, como veremos,


estão inter-relacionadas, vamos ao nosso próximo tópico.

10.7- A Teoria do Filho Premiado

Uma resposta, que pode ser a chave para estas questões, seria o que eu chamei de a
“Teoria do Filho Premiado”: A reprodução sexuada permite unir duas ou mais
mutações benéficas, de dois organismos distintos, num único organismo, produzindo
um “super-organismo” de alto “fitness”, sem que haja necessidade de se esperar um
enorme tempo, como no caso da reprodução sexuada.

10.7.1- Na Reprodução Sexuada

A reprodução assexuada não permite uma dupla mutação benéfica num mesmo
organismo sem uma boa dose de sorte! Vejamos, por exemplo, como é difícil às
bactérias, conseguirem sobreviver a dois tipos de antibióticos, administrados
simultaneamente, por não possuírem reprodução sexuada:

"...Comparado a outras bactérias, o H. pylori é um microrganismo hiper-mutável. Sua


frequência de mutação é dependente do marcador considerado e varia muito entre as diversas
linhagens bacterianas. Com referência à rifampicina, por exemplo, encontraram-se taxas de
mutação elevadíssimas em algumas estirpes, 3x10-5, e em outras, taxas muito mais baixas,
4x10-8. Por outra parte, em relação à eritromicina a freqüência de mutação é menor,
oscilando entre 1x10-7 e 5x10-9. Quanto maior for a população bacteriana no local da
infecção, maior é a chance de ocorrerem mutações de resistência, eventualmente selecionáveis
durante a antibioticoterapia. Considerando a média das taxas de mutação do exemplo acima,
para que fossem encontradas bactérias resistentes a duas drogas seria necessária uma
densidade populacional em torno de 1x1014; o que é impossível. Isso evidencia a importância
das associações antibióticas..." [20]

Se estas bactérias possuíssem reprodução sexuada, uma bactéria resistente ao primeiro


antibiótico poderia cruzar com outra, resistente ao segundo antibiótico, produzindo uma
superbactéria resistente a ambos, que então se proliferaria.

A idéia que está por trás da “Teoria do Filho Premiado” é que não importa tanto aos
genes a quantidade de sobreviventes na próxima geração quanto importa sua capacidade
de sobrevivência no longo prazo. Deve valer à pena aos genes sacrificar a facilidade da
reprodução assexuada, mais complexa e difícil, se isso resultar numa maior capacidade
de perpetuação aos genes. G. Miller retrata bem esse ponto de vista, em seu livro “A
Mente Seletiva”, quando se refere à sexualidade como forma de descartar mutações, no
caso, as mutações prejudiciais:

“...Para evitar que as mutações acumulem-se ao longo do tempo, a reprodução sexual assume
alguns riscos. ... A maioria dos filhos herdará quase o mesmo número de mutações dos pais.
Contudo, alguns podem ter sorte: Eles podem herdar um número abaixo da média de mutações
do pais e um número abaixo da média também da mãe. Eles terão genes muito melhores que a
média, e devem sobreviver e se reproduzir muito bem. Seus genes livres de mutações serão
difundidos pelas gerações futuras. Outros filhos podem ter muito azar: eles podem herdar uma
carga de mutações acima da média de mutações de ambos os pais e podem não se desenvolver
absolutamente, ou podem morrer na infância. Quando morrem, levam um grande número de
mutações consigo, para o esquecimento evolutivo. Este efeito é extremamente importante.
Dotando a próxima geração com número desiguais de mutações, a reprodução sexual garante
que pelo menos alguns dos filhos terão genes muito bons.....Como a evolução a longo prazo é
uma competição em que o vencedor leva tudo, é mais importante produzir alguns filhos que
terão uma chance de se saírem bem do que um número maior de filhos medíocres...” [21]

A minha crítica sobre a sexualidade existir para eliminar mutações malévolas também
se aplica aqui: Mutações malévolas são eliminadas pela própria natureza. Não há
necessidade da sexualidade para isso. Da mesma forma que existem bactérias sem
mutações malévolas, também pode existir filhos de organismos de reprodução sexuada
sem elas. Da mesma forma que as mutações malévolas prejudicam as bactérias que as
portam, também podem prejudicar os organismos de reprodução sexuada que os portam
reduzindo seu “fitness” e dificultando a sobrevivência do gene mutante no longo prazo.

A função dos machos, na reprodução sexuada, seria a de possibilitar que mutações


benéficas sejam disseminadas pela população num ritmo muito maior do que na
reprodução assexuada.

Qual seria o mecanismo que possibilitaria a reprodução sexuada?

Para respondermos a isso, vamos supor que exista, numa mesma espécie, um alelo, um
gene, que induza à reprodução sexual, por exemplo, jogando gametas no seu ambiente
aquático que, ao se juntarem formariam novos organismos. E existe também o alelo
assexuado, que induz à reprodução assexuada. Temos então dois alelos (sexuado e
assexuado), competindo na mesma espécie para sobreviver. Existem mutações que
acontecem nos dois subgrupos. Um filho mutante assexuado tem as mesmas chances de
receber uma mutação que a de um filho sexuado. Se a mutação é boa, ou má, isso vai
beneficiar, ou prejudicar, a ambos da mesma forma. Mas suponha que este filho
mutante gere gametas que irão encontrar outro gameta mutante com outra mutação
benéfica.

Temos então um super organismo, um mutante com uma dupla mutação benéfica, um
ser de altíssimo “fitness”, que faria com que este alelo sexual tivesse muito mais
probabilidade de sobrevivência e reprodução que seu competidor assexuado. Tal fato
poderia, no longo prazo, fazê-lo se fixar na espécie.

10.7.2- No Envelhecimento

Também podemos utilizar a teoria do “Filho Premiado” para explicarmos o


envelhecimento. Para entendermos o processo vamos supor uma história hipotética e
bastante bizarra: Suponha que um determinado governo desse um prêmio de um milhão
de dólares à família de quem tivesse um filho que se suicidasse. Mas, de modo a não
estimular a prática, o prêmio não seria dado logo após o suicídio, e nem a família
saberia o motivo de ter ganhado o prêmio. Assim, se o suicídio tivesse alguma origem
genética, estes genes poderiam estar em algum outro membro da mesma família (os
irmãos compartilham, em média, 50% dos cromossomos) e assim o valor concedido
acabaria por favorecer todos os genes desta família, inclusive, e principalmente, os
genes que causaram o suicídio.

Mas o que podemos depreender da bizarra história acima?

Que um traço fenotípico que prejudique o “fitness” do organismo, mesmo que tal traço
possa levá-lo à morte, poderá prosperar na população, se este traço causar um benefício
suficientemente grande ao grupo no qual este organismo compartilha seus genes. Vimos
isto quando estudamos alguns conflitos entre o organismo individual e seus genes no
tópico 10.2.2 acima.

Num ambiente razoavelmente estável a taxa de nascimento de uma espécie deve


corresponder, na média, à taxa de mortalidade. Se não fosse assim, Isto é, se a taxa de
nascimento fosse maior que a de mortalidade a espécie dominaria todo o planeta até que
não houvesse mais recursos naturais para alimentá-la. Se, por outro lado, a taxa de
mortalidade fosse sempre maior que a de nascimento, então a espécie se extinguiria
[10]. Então, vamos analisar o envelhecimento na hipótese que as espécies estão em um
relativo grau de equilíbrio, a espécie poderia crescer no máximo até o limite dos
recursos alimentares de seu habitat, que é a situação normal, para isto:

Taxa de Nascimento = Taxa de Morte

Assim, dentro desta condição de equilíbrio, se a espécie é imortal, isto é, se não há uma
morte programada em seu DNA (não há envelhecimento), os únicos nascimentos que
poderiam sobreviver e chegar à maturidade são os que iriam ocupar a “vaga” dos
indivíduos que morressem por morte acidental como, por exemplo, brigas, acidentes,
predadores, doenças etc.
Entretanto, vamos agora supor uma situação hipotética limite onde os organismos
adultos de uma espécie que não envelhece, também não morrem de outras causas (além
da inanição). Neste caso, todos os possíveis nascimentos desta espécie morreriam de
fome antes de atingirem a maturidade, pois não haveria recursos alimentares para os
nascituros. Desta forma também não haveria evolução uma vez que não poderiam
nascer organismos mutantes que são a matéria prima da evolução. Neste caso limite, a
espécie estaria parada no tempo, sem poder evoluir. E uma espécie que não evolui é
uma espécie fadada a extinção uma vez que a espécie não pode se adaptar às mudanças
ambientais e nem à competição com outras espécies, principalmente em competição
com as bactérias que causam doenças, e que tem uma taxa de mutações muito alta já
que se reproduzem também rapidamente (teoria da Rainha Vermelha).

Concluímos então, que uma espécie em que não acontecem mortes de seus adultos
acaba se extinguindo. Entretanto, como vimos, ainda podem ocorrer mortes acidentais, e
isso permitiria que nascimentos, e, portanto, possíveis mutações benéficas, chegassem à
maturidade e fossem transmitidas ao pool genético da espécie. Contudo, mutações são
raras, e mutações benéficas muito mais raras. Por esta razão, a taxa de mortalidade
acidental poderia não ser suficiente alta para que a quantidade de mutações benéficas
necessárias à adaptação da espécie fosse alcançada.

Se aparecesse um gene mutante da morte (ou grupo de genes) que matasse o organismo
depois que este passasse de sua fase reprodutiva, isto é, que desse tempo suficiente ao
organismo para que este passasse este gene à próxima geração, este “gene da morte”
poderia ser beneficiado pelo aumento que ele mesmo provocou na taxa de morte.

Temos então um caso de seleção de grupo: O “gene do envelhecimento” seria benéfico


ao grupo, por permitir aumentar o número de ‘bons’ mutantes, e, assim, a taxa evolutiva
da espécie, beneficiando-a. Contudo, prejudicaria o organismo individual ao matá-lo,
diminuindo seu “fitness”. Para que isso seja possível, deve haver um mecanismo que
sobrepuje a perda do “fitness” do organismo individual e, em contra partida, aumente o
“fitness do gene”. E é isso que, como veremos, ocorrerá:

Quando o “gene do envelhecimento” mata o organismo (que já teve seus filhos) ele cria
uma “vaga” (desaloca o espaço ocupado e os recursos alimentares que utilizava) no
grupo local para que algum infante, ou nascituro possa chegar à maturidade. É
importante observar que os recursos que este organismo ocupava estão, em geral,
geograficamente mais perto dos organismos que compartilhavam seus genes, como seus
filhos e parentes.

Além disso, cria-se uma possibilidade de que o organismo que agora pode chegar à
maturidade, seja um “super organismo”, ou seja, com a vaga aberta por esta morte, cria-
se a possibilidade de que o novo organismo herde duas ou mais mutações benéficas de
seus pais desde que a reprodução desta espécie seja sexuada!

Ou seja, temos um caso análogo ao do suicida de nosso exemplo bizarro anterior, no


qual a família recebia um milhão de dólares se algum filho se suicidava. No nosso caso,
quem morre é o genitor, e quem ganha o grande prêmio é quem é contemplado com um
“filho premiado” que possui duas ou mais mutações benéficas. Como a morte acontece
no grupo local, existe uma probabilidade maior de que esta vaga seja ocupada por um
parente do organismo que morreu do que um estranho total, isto é, o gene que causou a
morte por envelhecimento tem mais probabilidade de ocupar a vaga, por estar
geograficamente perto dos recursos deixados, do que um alelo longínquo, que não
compartilhe muitos genes.

Se o “super organismo” que ocupou a vaga e chegou à maturidade sexual tiver um


“fitness” suficientemente alto, ele irá propagar seus genes de forma muito mais vigorosa
do que um organismo normal. Dessa forma, basta que o “gene do envelhecimento”
consiga, uma única vez, pegar carona em um “filho-premiado” para se espalhar
rapidamente pela população, beneficiando a taxa de evolução do grupo e, agora
também, a do próprio “gene do envelhecimento”.

Vamos agora supor que aconteça o oposto, uma população formada de mortais e nasça
um organismo mutante imortal (que não envelhece) que também é um “super
organismo”. Neste caso, como no anterior o gene da imortalidade deve espalhar-se
rapidamente pelo ambiente local em função do “fitness” conferido pela dupla mutação
benévola. E, essa localidade, essa região onde este imortal habita, tende a se tornar
também uma região de imortais, e como conseqüência, com uma baixa taxa evolutiva.
Isso significa que esta região de imortais terá baixa adaptabilidade, e poderá ser
“tomada” rapidamente a partir de algum organismo de maior adaptabilidade, qual seja: a
do grupo de organismos mortais. Assim, podemos concluir que o grupo dos organismos
imortais, por possuir uma taxa evolutiva mais baixa, é instável, e tenderão a serem
substituídos por organismos mortais, de maior adaptabilidade evolutiva.

É interessante observar que a própria taxa de envelhecimento (o tempo do relógio


biológico), e que está correlacionada à taxa evolutiva da espécie, deve também sofrer
uma pressão seletiva de ajuste. O envelhecimento deve estar numa cadência tal que, se
matar o organismo cedo demais, prejudica os genes impedindo-o de ter um número
adequado de descendentes. Se deixar o organismo viver muito, impede que outros
possam nascer e sobreviver. Deve haver, portanto, um nível ótimo de envelhecimento,
que permita aos organismos terem um número ótimo de filhos e, ao mesmo tempo,
permitir que a espécie evolua.

Resumindo:

- Num ambiente equilibrado e relativamente estável, o envelhecimento é benéfico à


espécie porque aumenta a taxa de morte, e com isso a taxa evolutiva da espécie, sua
adaptabilidade.

- O Envelhecimento, como uma adaptação evolutiva, só poderia ocorrer em espécies


com reprodução sexuada, que possibilita a ocorrência de “super organismos”
(organismos portadores de duas ou mais mutações benéficas), que podem espalhar a
mutação com muito mais rapidez e eficácia.

- O “gene do envelhecimento” precisa pegar carona uma única vez em um “filho-


premiado” para que se espalhe para o grupo e beneficie a espécie e o próprio gene.

- Um subgrupo de organismos imortais teria existência instável, pois, por não se


adaptarem à mesma taxa dos mortais, tenderia a ser substituída por estes últimos.
- Espécies pluricelulares, de reprodução assexuada, não apresentariam senescência, mas
poderiam perecer devido à acumulação de danos em seu DNA.

11- A “Equação da Morte”

Com esta teoria podemos agora esboçar a “Equação da Morte”. Esta equação seria uma
avaliação do tempo de vida das espécies sexuadas –sua longevidade-, em função de
algumas de suas características e a de seus predadores dentro de um ambiente estável.

Vamos supor que exista um ambiente como, por exemplo, uma ilha, onde presas e
predadores convivem não muito pacificamente, já que os predadores se alimentam de
suas presas para sobreviverem. Um lema se aplica a todos os ambientes naturais:

“Se existe um recurso em grande abundância que pode ser utilizado pela vida, e se
surgir um ‘predador’ que se beneficie deste recurso, sua população crescerá”.

A luz solar é um recurso em abundância que cobre nosso ambiente e pode ser utilizado
pela vida. Então, pelo nosso lema, se surgir um ‘predador’ desta luz, por exemplo, um
vegetal, que utilize esta luz solar, e crescerá enquanto houver este recurso disponível.
Agora, neste exemplo, temos outro recurso em abundância: os vegetais. Da mesma
forma surgirão os herbívoros que crescerão utilizando esta vegetação como recurso
alimentar. Depois surgirão os vários tipos de carnívoros, e assim se forma uma pirâmide
de presas e predadores com a vegetação na base da pirâmide, seguido pelos herbívoros,
e as diversas espécies de carnívoros. O nível mais alto desta pirâmide alimentar seria o
predador que se alimenta de carnívoros, mas que não é presa de nenhum outro
organismo. Seria, por exemplo, o caso da águia, ou do leão. Devemos notar que o
ambiente humano atual não é estável, pois estamos num processo de crescimento
populacional acelerado o que descaracteriza o equilíbrio. Entretanto, os genes dos
organismos terrestres se adaptaram, na maior parte dos quatro bilhões de anos que
existe vida na Terra, em períodos de tempo de relativo equilíbrio. As grandes
transformações ocorrem, em geral, em curtos períodos de tempo.

11.1-Condições Iniciais

Vamos supor que nosso ambiente seja relativamente estável, isto é, esteja em equilíbrio
dinâmico: organismos morrem e nascem, mas sua freqüência relativa permanece
constante. Isto é, o número total de organismos de qualquer espécie que habita nosso
ambiente se mantém constante no tempo. É claro que a hipótese de um ecossistema
estável não ocorre em tempos evolutivos. Na escala de milhões de anos novas espécies
costumam desaparecer e outras novas surgirem. Nossa escala de tempo é, portanto,
menor. Assim, pela nossa hipótese inicial do ambiente estar em equilíbrio, temos para
todas as espécies:

Taxa de Nascimento = Taxa de Morte (I)

Se a taxa de nascimento fosse maior que a de morte, a população cresceria


continuamente até exaurir os recursos disponíveis. Se a taxa de nascimento fosse maior
que a de morte, a população diminuiria até a sua extinção. Como estudamos
anteriormente, podemos supor também que todas as espécies sexuadas tenham a morte
programada, isto é, envelhecem e morrem. Assim vamos definir algumas variáveis,
relativas a um instante de tempo qualquer deste ambiente:

L = Longevidade de uma determinada espécie X, isto é, seu tempo médio de vida antes
de morrer de velhice.
Nt = O número total de organismos desta espécie X.
Nu = Número de organismos de X que procriaram ou procriarão.
Nn = Número de organismos de X que morrerão sem se reproduzir.

Então:

Nt = Nu+Nn (II)

Se definirmos:
G = Número médio de gestações por organismo que procriam (depois de um período L).
Isto é, G é o número total de gestações durante o período L, dividida pela quantidade de
organismos que procriam (G=Total de Gestações/Nu). Assim, num período L, os
organismos que procriam irão gerar (G*F) filhos cada um.
F = Número médio de filhos por gestação por organismo que procriam.

Devemos notar também que no período L (Longevidade =período de vida do organismo


da espécie X), todos os organismos da espécie de um dado instante qualquer, são mortos
(de velhice ou por predadores) e substituídos pelos seus descendentes. Por exemplo: um
organismo da espécie X, que acaba de nascer agora, daqui a um tempo L estará morto,
se não por predadores, por envelhecimento. Assim, num período L todos os organismos
de um determinado instante, estarão mortos e toda a população será trocada.

No período L, toda a população é substituída pelos filhos dos organismos que procriam:

Nt = Nu * (G * F) (III)

11.2- A Taxa Evolutiva

Devido à constante troca de organismos em decorrência da morte, algumas mutações


benéficas acontecem e as espécies evoluem. Se uma espécie não evolui, isto é, deixa de
apresentar mutações benéficas, ela para no tempo, e pode ser extinta por predadores que
continuem a evoluir, ou então é substituída por outra que consome os mesmos recursos
que ela consumia. Então, para que o equilíbrio seja mantido a taxa de evolução de uma
presa deve ser, pelo menos, equivalente à taxa de evolução de seus predadores. O
inverso também é verdade: A taxa evolutiva de um predador deve, ao menos,
acompanhar a taxa evolutiva das suas presas (ao menos a da presa que menos evolui).
Se, por exemplo, suas presas evoluírem adotando mecanismos de defesa contra o
predador, e este não evoluir à altura, ele morrerá de fome.

Mas a taxa evolutiva de uma espécie é proporcional à taxa de mutações benéficas que a
espécie sofre, e a taxa de mutações benéficas é proporcional à taxa de mutações, e a taxa
de mutações é proporcional à taxa de nascimento dos que procriam nesta espécie.
Assim, a taxa evolutiva da espécie é proporcional à taxa de nascimentos úteis, ou seja,
dos organismos que procriarão, pois os organismos que não procriam não podem passar
suas mutações, e não contribuirão para a “evolutividade” da espécie.

Então, para qualquer espécie, é válido:

Taxa Evolutiva = k * Taxa de Nascimentos Úteis (IV)

Onde k é a constante que converte a taxa de nascimento na taxa de mutações benéficas.

Se definirmos:

Tx= Taxa evolutiva da espécie X. Poderemos reescrever (IV) em termos de nossas


variáveis:

Tx = k * Nu/L (Va)

Se definirmos ainda:
T(i) = Taxa evolutiva do i-ésimo predador
N(i) = Taxa de nascimentos úteis (que irão procriar) do i-ésimo predador
L(i) = Longevidade (tempo de vida máxima) do i-ésimo predador

Utilizando estas variáveis, a fórmula (IV) pode ser re-escrita agora também para os
predadores de X:

Taxa Evolutiva do i-ésimo Predador = k * N(i) / L(i) (Vb)

11.3- A Base da Pirâmide

Para se manter em equilíbrio, em relação aos seus predadores, a taxa evolutiva de uma
espécie deve ser proporcional à soma das taxas evolutivas de seus predadores. Se K(i)
(um número que varia de 0% a 100%) denota o grau de importância da espécie X no
cardápio do i-ésimo predador (=predador (i)), teremos:

Taxa Evolutiva de X = Soma{ K(i) * Taxa Evolutiva do Predador(i) }


(VI)

K(i)=Constante que define o grau de importância da espécie X para a dieta do i-ésimo


predador. Isto é necessário porque a espécie X pode não ser o cardápio principal do
predador(a), mas pode ser a dieta principal do predador(b) de modo que sua taxa
evolutiva contribua mais a taxa evolutiva de X.

Colocando (VI) em termos de nossas variáveis, e utilizando as equações (Va) e (Vb),


teremos:

Nu/L = Soma{ K(i) * N(i) / L(i) } (VII)

Se nós utilizarmos agora a equação (III), poderemos isolar a longevidade L, e teremos o


tempo de vida por envelhecimento em função dos parâmetros dos predadores, do
tamanho da população de X e do número médio de filhos por organismo:
L = (Nt / (G*F)) / Soma{ k(i) * N(i) / L(i) } (VIII)

Esta fórmula serve apenas para os organismos da base da pirâmide alimentar, pois só
contempla os predadores da espécie X, e não o caso geral. Podemos simplificá-la um
pouco para fazermos uma análise qualitativa.

Vamos simplificar a equação (VIII), tomando como hipótese que os predadores tenham
a mesma taxa de nascimento e longevidade, isto é, que k(i)*N(i)/L(i) = k1*N1/L1. Se
tivermos “M” espécies de predadores de X, onde X é sua única dieta (k(i)=1), e sabendo
que N1 = Nt1/(G1F1), a fórmula (VIII) ficará simplificada para:

L = L1*(Nt /N1) / (G*F) / M (IX)

Podemos inferir, neste caso, que a longevidade L das presas da base da pirâmide
alimentar é:

- inversamente proporcional ao número de filhos por organismo (G*F).


- inversamente proporcional ao número de predadores (M).
- proporcional à longevidade de seus predadores (L1).
- proporcional ao tamanho da população relativa aos predadores(Nt/N1).

11.4- O Topo da Pirâmide

Agora iremos calcular a fórmula da longevidade da espécie X, quando X está no topo da


cadeia alimentar, como, por exemplo, uma águia, ou um leão.

Há uma assimetria entre estar na base da pirâmide ou estar em seu topo, pois o cardápio
do predador que está no topo, sendo variado, ele não ficará a mercê de uma única
espécie de presa, ao passo que do ponto de vista da presa, qualquer um de seus
predadores, poderia, em princípio, exterminá-la. Ou seja, para uma presa, qualquer um
dos seus predadores poderia, caso evoluísse mais rapidamente que X, levá-la à extinção.
Assim, no caso em que X é um predador do topo da pirâmide, com vários tipos de
presas disponíveis, a evolução rápida de uma destas presas pode não matar o predador
de fome, já que este poderia se nutrir das outras presas de seu cardápio.

Tx do Predador X = Soma da taxa evolutiva de suas Presas (X)

Se Z(i) denota o fator de peso, um número entre 0 e 1, que indica o quão importante a i-
ésima presa é para o cardápio do predador X. Então poderemos reescrever a equação
(X) em termos destas variáveis:

Tx = Soma{ Z(i) * Tx_da_Presa(i) } (XI)

Utilizando (Va e Vb) e (III) e (XI), teremos a fórmula para a Longevidade do predador
do topo da cadeia alimentar em função dos parâmetros de suas presas:
L = (Nt / (G*F)) / Soma{ Z(i)* N(i) / L(i) } (XII)

Para efeito de análise, vamos simplificar um pouco a fórmula do predador, acima, e


considerarmos que todas as suas presas têm a mesma importância no seu cardápio
alimentar e que suas populações e tempo de vida são iguais, isto é: N(i) = N1 e L(i)=L1.
Teremos então para a longevidade do predador do topo da pirâmide:

L = (Nt/N1) * L1 / (G*F) (XIII)

Ou seja, a longevidade do predador do topo cadeia alimentar é:

- Inversamente proporcional ao número médio de filhos (G*F).


- Proporcional à longevidade média de suas presas (L1).
- Proporcional à sua população relativa (Nt/N1).

11.5- A Equação da Morte

Vamos então calcular a longevidade no meio da cadeia alimentar, isto é, iremos


considerar o caso geral, em que nossa espécie X pode ter várias presas e vários
predadores.

Neste caso a espécie está “espremida” entre a evolução de suas presas e também à de
seus predadores. A taxa evolutiva da espécie deverá ser a combinação das equações (VI)
e (XI), onde teremos:

Taxa Evolutiva de X = Soma{ Taxa evolutiva dos predadores e Presas} (XIV)

Utilizando (XI), (VII) e (V), (XIV), e denotando Predadores{} como a soma em relação
aos predadores de X e Presas{} como a soma em relação às suas presas, teremos:

Nu/L = Predadores{ K(i)*N(i) / L(i)}+Presas{ Z(i)* N(i) / L(i) } (XV)

Isolando a variável de longevidade L, e teremos, finalmente, a

“Equação da Morte”:

L=(Nt/(G*F)) / [Predadores{K(i)*N(i)/L(i)}+Presas{Z(i)*N(i)/L(i)}] (XVI)

Onde:
L = Longevidade da espécie X.
Nt = Tamanho da população da espécie X.
G = Número médio de gestações, por organismo, da espécie X.
F = Número médio de filhos por Gestação.
Predadores{} = Soma sobre os predadores da espécie X.
K(i) = Número entre 0 e 1 indicando o grau de importância de X no cardápio do i-ésimo
predador. A soma de K(i) não precisa ser a unidade.
N(i) = Tamanho da População que se reproduz da i-ésima espécie. Se estiver dentro de
Predador{} será uma espécie de predador de X, se estiver dentro de Presas{} será uma
espécie de presa de X. Isto é: N(i)=Nt(i)/(F(i)*G(i))
L(i) = Longevidade da i-ésima espécie.
Z(i) = Fator de peso na ponderação. Indica o quanto importante é a i-ésima presa na
alimentação de X.

11.6- Verificações Empíricas

Podemos agora comparar nossa equação com os dados experimentais da longevidade


dos animais [24]. Para um predador, a equação (XVI) pode ser simplificada na forma
da equação (VIII). Nela verificamos que a longevidade é proporcional à idade média de
suas presas, e proporcional ao tamanho de sua população em relação à de suas presas:

Um Tigre vive, em média, 17 anos. E algumas de suas presas são: Porcos 12 anos;
Cabras 17; Javali 17, Macaco 13. O que parece estar de acordo com a equação.

Um Rato vive, em média, 4 anos mas há um número enorme de predadores que se


alimentam dele. De acordo com a equação (IX) seu tempo de vida é inversamente
proporcional ao número de predadores, que são muitos. Portanto isso explicaria sua
baixa longevidade.
Referências

[1] O Envelhecimento Biológico


http://pierre.senellart.com/travaux/divers/vieillissement.pt

[2] A Gênese do DNA


http://www.genismo.com/geneticatexto33.htm

[3] Bactérias
http://www.enq.ufsc.br/labs/probio/disc_eng_bioq/trabalhos_pos2003/const_microorg/b
acterias.htm

[4] O Limite de Hayflick


http://pt.wikipedia.org/wiki/Limite_de_Hayflick

[5] Envelhecimento - fenômeno de Hayflick


http://www.medicinageriatrica.com.br/2007/09/23/saude-geriatria/envelhecimento-
fenomeno-de-hayflick/

[6] Genética do Envelhecimento – Telomerase


http://www.medicinageriatrica.com.br/2006/12/28/saude-geriatria/teorias-do-
envelhecimento-celular/

[7] Telômero
http://www.icb.ufmg.br/prodabi/assuntos/simone.html

[8] Envelhecimento: Radicais Livres


http://www.drrondo.com/art/envelhecimento.htm

[9] Fisher, Medawar, Hamilton and the Evolution of Aging


http://www.genetics.org/cgi/content/full/156/3/927

[10] The Evolution of Aging


http://www.azinet.com/aging/Aging_Book.html

[11] Varella: Os genes do Envelhecimento


http://drauziovarella.ig.com.br/artigos/envelhecimento.asp

[12] Varella: Meio ambiente e Envelhecimento


http://drauziovarella.ig.com.br/artigos/envelhecimento_meioambiente.asp

[13] Biologia do Envelhecimento: Teorias, Mecanismos e perspectivas


http://www.abrasco.org.br/cienciaesaudecoletiva/artigos/artigo_int.php?id_artigo=2229

[14] Clark: O Sexo e as Origens da Morte (I)


http://veja.abril.com.br/120406/p_132.html

[15] Clark: O Sexo e as Origens da Morte (II)


http://veja.abril.com.br/idade/exclusivo/120406/trecho_sexo.html
[16] Clark: O Sexo e as Origens da Morte (III)
http://gnoronha.blogspot.com/2007/04/morte-de-uma-clula.html

[17] Clark: O Sexo e as Origens da Morte (IV)


http://gnoronha.blogspot.com/2007/04/o-sexo-e-origem-da-morte.html

[18] Sexo e as Origens da Morte


William R. Clark, Editora Record, 2006

[19] Sexo e ciência: um tributo a Hamilton


http://dererummundi.blogspot.com/2007/03/sexo-e-cincia-um-tributo-hamilton.html

[20] Helicobacter Pylori Droga Resistente


http://www.laboratoriolpc.com.br/artigo18.php

[21] “A Mente Seletiva”


Geoffrey F. Miller, Editora Campus, 2000

[22] A Rainha Vermelha explica o sexo?


http://www.cecm.usp.br/~ltrabuco/escritos/redqueen/node19.html

[23] Por que mulher vive mais?


http://www.genismo.com/psicologiatexto27.htm

[24] Tempo de Vida dos Animais


http://www.saudeanimal.com.br/artigo52.htm

[25] Viver mais e melhor a ciência do envelhecimento


http://www.tudook.com/saude/viver_mais_e_melhor_a_ciencia_do_envelhecimento.ht
ml

[26] Uma abordagem evolucionista do altruísmo


http://aartedepensar.com/leit_soberego.html

[27] Qual bicho tem a vida mais curta?


http://noticias.terra.com.br/educacao/vocesabia/interna/0,,OI3144283-EI8399,00.html

[28] Genoma Humano - O Mapa do Envelhecimento e da Morte


http://video.google.com/videoplay?docid=6795697927445437059

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