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MAL DO SÉCULO: CARDIOPATIA NA VISÃO REICHIANA

Altair Rodrigues Marinho1

Francisco Mário Pereira Mendes2

Artigo apresentado
como Trabalho de
Conclusão de Curso
atendendo aos
requisitos necessários
para a aprovação na
habilitação Formação
de Psicólogos.

Universidade Tuiuti do Paraná.

Curitiba
2002
MAL DO SÉCULO: CARDIOPATIA NA VISÃO REICHIANA
1

Graduando do 5º ano de Psicologia da Universidade Tuiuti do Paraná (Avenida Anita Garibaldi, 3616. São
Lourenço CEP 82210-000 - Tel 3019-4717 – altaircuritiba@yahoo.com.br).
2
Professor do Curso de Psicologia da Universidade Tuiuti do Paraná, supervisor na confecção do trabalho
Altair Rodrigues Marinho

Francisco Mário Pereira Mendes

Resumo

O presente artigo visa realizar uma descrição de como surgem as doenças cardíacas a partir
da visão reichiana. Fazendo com isto um levantamento das causas e processos que
desencadeiam estas doenças, como por exemplo o papel do estresse, da couraça, da estase
energética e das emoções. Com isto pretende-se esclarecer os processos psicossomáticos
responsáveis pela instauração das doenças, levantando questões que possam aumentar o
conhecimento dos motivos pelos quais as doenças cardíacas proliferam no último século.

Palavras chave: couraça, estase, estresse, emoções.


INTRODUÇÃO

A cardiopatia é definida pela medicina como uma doença, mas o que é uma doença?

A doença é um conceito relativo a um estado e não a órgãos e partes do corpo. Tudo o que

acontece no corpo de um ser vivo é expressão de um padrão correspondente de informação.

O pulso e o coração seguem determinado ritmo, a temperatura corporal se mantém em um

nível constante, as glândulas secretam hormônios com determinada constância.

“Quando várias funções corporais se desenvolvem em conjunto segundo uma


determinada maneira, aparece um modelo que sentimos como harmonioso e que,
por isso, recebe o nome de saúde. Se uma função falha, ela compromete a
harmonia do todo e então falamos de doença.”(Dethlefsen, Dahlke 1983, pg.14).

Assim a doença é vista como a perda relativa da harmonia, ou da ordem até então vigente.

O estresse é representativo da homeostase dinâmica do corpo, todavia sua

perpetuação prolongada é o primeiro passo para essa desarmonia chamada de doença. O

estresse é definido como uma alteração global do organismo para adaptar-se a uma situação

nova ou às mudanças de um modo geral. É um conjunto de respostas específicas e ou

generalizadas de nosso organismo diante de estímulos externos ou internos, concretos ou

imaginários, que são percebidos como pressões e exigem a entrada em ação de mecanismos

adaptativos. Trata-se de um mecanismo normal, necessário e benéfico ao organismo, pois

faz com que o ser humano fique mais atento e sensível diante de situações de perigo ou de

dificuldade.

O presente artigo tratará das situações e fatores capazes de produzir uma alteração

suficientemente grande no organismo a ponto de produzir as doenças do coração. O artigo

consta de quatro partes, na primeira serão apresentados dados fisiológicos e algumas

pesquisas. Na segunda parte será exposta a teoria reichiana. Na terceira serão cruzados os
dados da primeira e segunda partes. Na quarta e última parte serão apresentadas algumas

considerações sobre a atualidade e as doenças cardíacas.


CARDIOPATIA

A maioria das pessoas em nosso tempo aceita a noção de um estresse exagerado

causar enfermidades. Em (Lowen 1990) constam referências às pesquisas de Friedman e

Rosenman sobre as doenças do coração. Estes pesquisadores ao estudarem seus pacientes

coronarianos constataram que estes possuíam gestos, expressões e verbalizações muito

parecidas. Desta maneira postularam que havia uma personalidade com características que

expunha certas pessoas a um maior risco de vir a apresentar uma cardiopatia. Esta

personalidade foi batizada de tipo A. Estas pessoas são extremamente tensas, possuem uma

pressa crônica, hostilidade inespecífica e inconsciente e uma auto-estima precária que é

compensada por realizações para vencer na vida. Seguindo em suas pesquisa foi constatado

que as pessoas tipo A: tem uma metabolização difícil de gordura no sangue, com ou sem

histórico cardíaco, possuem níveis elevados de norepinefrina “hormônio combativo” no

sangue. Secretam mais ACTH, hormônio que estimula a glândula adrenal a produzir

hormônios corticóides de estresse, menos hormônio do crescimento que o normal e reação

intensa ao açúcar pela produção de quantidade excessiva de insulina.

Lowen comenta também sobre outras pesquisas, uma delas que indica a grande

influência da hostilidade no desenvolvimento de doenças cardíacas. Um grupo de 255

médicos preencheu o Inventário Multifásico Minessota sobre Personalidade (MMPI),

durante seu tempo de faculdade. Destes médicos, os que apresentaram índices de

hostilidade acima da média apresentaram um índice de cinco a seis vezes maior de ataques

cardíacos e óbito. (LOWEN 90). Apesar da raiva suprimida não ter uma relação direta com

o coração, o estado de raiva libera grande quantidade de norepinefrina que serve para
mobilizar o corpo para a ação, se o corpo estimulado reage, a taxa do hormônio baixa

gradativamente. Já a raiva contida mantém o organismo em constante estado de crise.

Lowen cita o livro The Broken Heart de James Lynch, no qual aparecem estatísticas

de que nos Estados Unidos para ambos os sexos, para todas as idades e raças os casados

chegam a ter um índice até cinco vezes menor de mortalidade que os solteiros, viúvos e

divorciados. Embora essa taxa envolva todos os tipos de morte é significativamente maior a

incidência de doenças cardiovasculares. Algumas pesquisas demonstrararm que agradar um

cachorro pode reduzir a pressão sanguínea, deduz-se disto que o ser humano precisa de

contato.

Frente a estímulos dolorosos ou ameaçadores o corpo reage através do sistema

nervoso autônomo simpático e da mobilização de glândulas que secretam hormônios para a

defesa do organismo. Dentre elas as adrenais que secretam as catecolaminas.

As catecolaminas (adrenalina e norepinefrina) possuem uma ação simpática.

Aumentam a pressão sanguínea e a atividade do coração, contraem os vasos sanguíneos

periféricos, levando mais oxigênio e nutrientes ao cérebro, coração e musculatura. Elas

influem também no metabolismo das gorduras, produzindo ácidos gordurosos que no

fígado se tornam triglicerídios. As lipoproteínas resultantes podem ficar depositadas nas

paredes das artérias, formando placas ateromatosas que estreitam o calibre das artérias e

diminuem o fluxo sanguíneo. Quando este estreitamento ocorre ao nível das coronárias,

torna-se um dos fatores responsáveis pelo ataque cardíaco. Outro fator é o espasmo

coronário que, agindo sobre uma esclerótica, fará cessar por completo o fluxo de sangue até

o músculo cardíaco.

A lesão acontece quando o corpo é mobilizado para agir, mas não o faz por ficar

paralisado pelo medo. Quando o organismo reage lutando ou fugindo, a atividade física
utiliza a energia excedente. Quando o indivíduo fica impossibilitado de assumir uma dessas

reações as lipoproteínas excedentes ficarão depositadas nas paredes das artérias.

A tromboquinase (TA2) e a prostaciclina (P612) ambos derivados do ácido

aráquico, presentes nas paredes dos vasos e no plasma sanguíneo, regulam a viscosidade do

sangue. A tromboquinase causa a agregação das plaquetas e é um poderoso agente de

contração dos vasos sanguíneos, é liberada quando o tecido arterial é lesionado, o que visa

coibir a hemorragia. A prostaciclina inibe a aglutinação das plaquetas e dilata os vasos

sanguíneos, estando presente em seu interior em situações normais.

As catecolaminas ou hormônios de combate aumentam a produção de

tromboquionase. O corpo reagindo a algo sentido como perigo, prepara-se para luta e a

possibilidade de ferimentos. Esta se produzida por tempo prolongado, possibilitará a

formação de coágulos nas paredes das artérias não danificadas. Pesquisas demonstraram

que a prostaciclina é produzida nos pulmões. Respirando mais, mesmo que seja por

estimulação química o nível de prostaciclina no sangue sobe. Assim segundo Santorski,

surge o estresse – limitação respiratória – menos prostaciclina – esclerose. Oxigênio é a

primeira coisa ministrada a uma vítima de um ataque do coração.

O ataque do coração acontece quando uma das artérias coronárias se fecha por

completo, impedindo o suprimento necessário de oxigênio para o coração, embora seja

necessário o fechamento de apenas uma artéria coronária para que ocorra o infarto do

miocárdio, em geral as outras não estão isentas da doença

Uma pesquisa com 1347 infartos conclui que apenas 2% ocorreu durante esforço

físico (LOWEN 1990), o que mostra que não é simplesmente a elevação da freqüência

cardíaca a responsável pelo ataque. Um levantamento feito por japoneses em 30.000 óbitos

constatou que apenas 35 ocorreram durante a atividade sexual. Destes 28 se deram quando
o homem mantinha relações sexuais com outra pessoa que não sua mulher. A implicação

disto é que não a atividade sexual, mas a culpa foi o agente letal.

Um estudo comparou a vida sexual de 100 mulheres, entre 40 e 60 anos

hospitalizadas com infarto agudo do miocárdio com as de um grupo controle,

hospitalizadas por motivos diversos. Constatou-se frigidez e insatisfação sexual em 65%

das pacientes coronárias, contra 24% do grupo controle. São dados estatisticamente

significativos que indicam que uma ausência de satisfação sexual deve ser considerada fator

de risco para doenças cardíacas para as mulheres (LOWEN 1990). Uma outra pesquisa com

131 homens entre 31 e 86 anos hospitalizados por ataques cardíacos levantaram os

seguintes dados. Dois terços da amostra revelaram a presença de problemas sexuais

significativos nas semanas ou meses antecedentes ao ataque. Levantou-se ainda que 64%

eram impotentes, 28% tinham um decréscimo significativo (50%) da freqüência sexual e

8% sofriam de ejaculação precoce (LOWEN 1990).


A TEORIA REICHIANA

Toda obra de Wilhelm Reich circunavega os conceitos das antíteses contração-

expansão, centro-periferia e prazer-desprazer. Reich destaca a propriedade de

autoregulação da vida em geral em sua Fórmula do Orgasmo. “A Fórmula do Orgasmo

permeia toda escala biológica, ocasionando sempre o mesmo resultado: a pulsação entre um

período de fechamento e acúmulo de matéria e energia e um período de abertura e descarga

de matéria e energia” (CALEGARI 2001, pg 29). Esta fórmula é composta de quatro

tempos:

Tensão Mecânica – Carga Energética – Descarga Energética – Relaxação Mecânica.

No caso específico da relação sexual o primeiro tempo da fórmula, tensão mecânica,

corresponde à fricção dos órgãos genitais que por sua vez induz ao segundo tempo, a carga

energética, devido à fricção e a diferença de potencial das membranas. No terceiro tempo, a

descarga energética ocorre com o orgasmo através de movimentos involuntários do corpo.

Por fim o quarto tempo, a relaxação mecânica decorre do relaxamento muscular advindo da

descarga energética.

No caso de um óvulo, este depois de fertilizado absorve o fluído e a energia da

célula espermática. Como seu volume, carga energética e pressão interna aumentam, a

membrana que o delimita se estica produzindo uma maior pressão externa (de superfície),

para manter a coesão do sistema vivo, especialmente após a irradiação do núcleo (divisão).

A pressão interna e externa aumentam de modo diretamente proporcional (Tensão

Mecânica). “(...) o enchimento extremo da célula, tensão mecânica, é acompanhado por

uma carga elétrica” (REICH 1992, pg 242) (Carga Energética). Dá-se inicio uma contração

da célula no ponto em que atingiu maior diâmetro e maior tensão. Por fim a divisão do
óvulo corresponde a uma solução para diminuir a tensão (Descarga Energética pela divisão

do material interno). Em conseqüência da divisão ocorre o (Relaxamento Mecânico) da

membrana. Este processo expressa o equilíbrio dinâmico das antíteses contração-expansão,

centro-periferia e, se o óvulo fosse provido de consciência, experienciaria o prazer-

desprazer.

O conceito reichiano de identidade funcional, afirma que o psíquico e o somático

possuem leis diferenciadas que os regem, mas funcionam de modo complementar e

indissociável, o que é atualmente aceito pela psicossomática.“Qualquer resposta mental,

seja ela reação emocional ou atividade intelectual faz parte e é parcela de um processo

físico. Analogamente, todo estado físico – seja de bem estar ou padecimento - tem

componentes emocionais” (LEWIS, LEWIS 72, pg11).

O movimento interno experimentado no nível psíquico como prazer, corresponde

somaticamente a uma expansão do organismo através do sistema nervoso autônomo

parassimpático, ocorre uma vasodilatação, relaxação muscular, diminuição da freqüência

cardíaca, maior irrigação da periferia corporal e o decorrente direcionamento do fluxo

energético para a periferia do organismo.

A sensação de angústia ou desprazer expressa-se biologicamente através do sistema

nervoso autônomo simpático, ocorre uma contração do organismo, e assim a

vasoconstrição, limitando a irrigação da periferia corporal, elevação da freqüência cardíaca,

espasmos musculares, liberação de hormônios para preparar o corpo para a luta ou fuga

(adrenalina noradrenalina, ACTH...). Face ao perigo ou ao desprazer o organismo

experiencia contração e um direcionamento energético ao centro do organismo. Face ao

prazer o organismo experiencia expansão e um direcionamento energético a periferia.


não há conversão de uma excitação sexual. A mesma excitação que aparece nos
genitais como sensação de prazer é percebida como angustia quando se apodera
do sistema cardíaco. O sistema vasovegetativo, pode, num momento manifestar-
se em forma de excitação sexual e, noutro momento, quando a excitação é
bloqueada, manifestar-se em forma de angustia (REICH 1992, pg 121).

Desta forma o organismo relativamente saudável, capaz de se autoregular, pode

experienciar a contração e a expansão, respondendo de maneira adaptada ao meio externo e

interno. Esta capacidade de pulsar do organismo é considerada por Reich uma expressão

natural e permite sua adaptação ao meio.

Segundo (Lowen 1982), a vida está direcionada ao prazer, estamos orientados a

buscar o prazer, e a evitar situações que propiciem a dor. Quando uma situação objetiva o

prazer, mas há uma possibilidade de haver dor, surge à ansiedade. Inicialmente na infância

os pais são considerados como fonte de prazer e satisfação, mas à medida que a criança tem

suas necessidades frustradas, seja de alimento, afeto ou respeito, faz-se necessário erigir

barreiras de defesa contra a ansiedade despertada, entretanto estas barreiras além de limitar

a ansiedade, também limitam a capacidade de vibração e expressão do sujeito, as ondas

vegetativas. Lowen apresenta uma cadeia esquemática para explicar os problemas de

personalidade: “Busca do prazer - privação, frustração ou punição – ansiedade e depois –

defesa” (LOWEN 1982, pg 119).

A vida se limita para se proteger. “A identidade do ego é mantida estável limitando

a quantidade de estímulos que chegam a consciência e as respostas específicas a eles”

(CALEGARI 2001, pg 65). A manutenção de estímulos que sejam nocivos à vida ou

signifiquem risco para o ego levam a estruturações de respostas limitadoras da vida, que se

tornam automáticas, portanto inconscientes, eis a couraça.


O caráter significa a soma de todas as forças de defesa do organismo. É composto

da couraça muscular e caracterial, que são mutuamente influenciáveis e complementares. A

caracterial é a expressão psíquica da couraça, é uma maneira rígida e cristalizada de estar

no mundo, restringe a capacidade de percepção e pensamento. É responsável pela

manutenção de um conjunto de racionalizações pelo qual é explicado o mundo e o próprio

sujeito. A couraça muscular se apresenta com uma modificação do tônus muscular natural,

seja por rigidez ou por flacidez. Seu efeito é a limitação do movimento mediante atitudes

rígidas do corpo, que determinam uma forma específica de sentir e agir.

Este processo de encouraçamento estabelece um padrão de equilíbrio neurótico do

organismo em que através de tensões crônicas o metabolismo corporal como um todo é

diminuído. Respira-se menos, produz-se menos energia, diminui-se a capacidade de

experienciar desprazer, todavia também de prazer. O corpo comporta-se como se estivesse

em permanente estado de “luta ou fuga”, com uma predominância do sistema simpático.

O sujeito fica preso num círculo vicioso em que uma rigidez corporal está a serviço

de diminuir o metabolismo para diminuir a pressão/excitação. Paradoxalmente essas

tensões também o impedem de ter uma descarga energética efetiva. Esta ocorre por via do

orgasmo que necessita de um afrouxamento das defesas e consiste em um abandono às

sensações corporais involuntárias, ou por via de reações espontâneas as demandas

ambientais e internas, o que mantém uma estase energética.

Acerca da neurose Reich assim como Freud, acreditava que ela era produto da

repressão sexual. Entretanto diferentemente de Freud, Reich dava total prioridade a função

genital, “a perturbação da genitalidade não é, como se pensava, um sintoma entre outros. É

o sintoma da neurose” ( REICH 92, pg 101,102).


Reich chegou a conclusão de que “a fonte da energia da neurose tem origem na

diferença entre o acúmulo e a descarga da energia sexual” (REICH 1992, pg 102). Este

processo ocorrendo sucessivamente deixa grande quantidade de energia sem descarregar

que irá alimentar a neurose, que segundo Reich é a reativação de mecanismos pré-genitais

de comportamento. “o que acontece é que um conflito secundário, em si mesmo normal,

causa uma leve perturbação na balança da energia sexual. Esta estase secundária intensifica

o conflito, e o conflito por sua vez intensifica a estase” (REICH 1992, pg103).

Os conflitos vividos pelo sujeito em maior ou menor escala suprimem suas

sensações corporais e emoções. Reich acreditava que o que é vivenciado como emoções

(ex movere, mover-se fora, para fora) é um fluxo energético (fluidos corporais

energeticamente carregados) ou ondas vegetativas do centro do corpo em direção a

periferia.

As emoções primárias são o prazer, a raiva e a expressão de dor (choro). Em

oposição à emoção, há a remoção que é movimento de contração do organismo, os fluidos e

a energia recuam da periferia para o centro do corpo, sendo a angústia e o medo as

remoções primárias. Este movimento direcionado a periferia e ao meio resulta em

expressão do organismo e em interação.


BIOPATIA

Reich percebia as doenças como a manifestação de um equilíbrio neurótico

encontrado pelo organismo para dar conta de um conflito. Tinha o câncer e as doenças

cardíacas como uns dos principais exemplos de biopatias. “Reich define (...) as biopatias

como doenças provocadas por perturbações da pulsação biológica do aparelho autônomo da

vida” (DADOUN 75, pg 72). Expressa no trecho seguinte esta visão de biopatia como uma

alteração sistêmica, referindo-se as cardiopatias em especial.

Se a oscilação biológica é perturbada, numa ou noutra direção, i.e., se predomina


a função de expansão ou contração, então deve ter também uma perturbação do
equilíbrio biológico geral (...) a persistência de um estado de contração
angustiosa indica uma simpaticotonia. Assim todos os estados somáticos que se
conhecem clinicamente, como a hipertensão cardiovascular, se tornam
compreensíveis como estados de atitudes crônicas simpaticotonicas de angústia
(REICH 1992,pg 252).

Possivelmente este fato decorre da defasagem de tempo entre a evolução cultural e

tecnológica para a biológica. O ser humano estando na era espacial enfrenta o meio com a

mesma aparelhagem biológica com que caçava mamutes ou fugia de tigres dente de sabre.

A hostilidade possui um importante papel no desenvolvimento de doenças

cardíacas. A raiva é uma reação do organismo a uma ofensa ou ao perigo a integridade

física, surgem então duas possibilidades. Utilizar o sistema locomotor para retirada do

objeto ou modificação da situação hostil, como o leão que frente o adversário luta ou foge.

Assim, ou pela retirada do objeto hostil ou pelo abando do campo, o organismo pode

relaxar. A outra alternativa é a resignação e a subserviência como no caso do leão que

perdendo a luta e não abandonando o grupo abaixa-se como em reverência ao opositor e

assume uma postura de inferioridade dentro do grupo. Neste caso a fonte geradora de

estresse é perpetuada.
Agressão significa aproximação, é a expressão de vida da musculatura e do sistema

de movimento. Lowen coloca que “podemos reduzir os sentimentos e sensações se nos

matarmos um pouco, se desenvolvermos uma ‘casca grossa’, capaz de não só reduzir a

impacto do meio sobre nós como também nossa capacidade de responder ou ir em busca de

algo externo”(LOWEN 1990, pg 117). Para nos adaptarmos eficientemente as exigências

do meio necessitamos de auto-domínio. Para tanto, todavia se faz necessária à capacidade

de perceber os sentimentos e sensações que motivam certa resposta e a capacidade de

expressá-las. A neurose reduz esta capacidade, pois o controle é inconsciente, a pessoa

perde o controle e a consciência do que ocorre com ela.

No caso da raiva pode ser que em determinada época da vida a supressão tenha sido

a única saída. A couraça em suas duas expressões complementares impede a pessoa de

modificar seu comportamento de acordo com as necessidades e possibilidades do meio,

mantendo um padrão defasado. A couraça caracterial molda psiquicamente a pessoa,

limitando sua percepção e cognição. Assim, mesmo com a mudança do campo, a pessoa

continua a agir como se estivesse vivendo aquele momento em que não era possível a

expressão. A couraça muscular impede biologicamente esta mudança, pois o corpo

estabeleceu este equilíbrio neurótico de contenção e baixa produção energética que dificulta

a percepção e expressão dos estados internos. A pessoa obstruiu este canal, os impulsos

originários do centro do organismo não conseguem alcançar a periferia para serem

percebidos e expressados. Quando ultrapassam a barreira muscular comumente sofrem uma

distorção dando vazão a reações desmedidas e não adequadas à situação. A raiva não

descarregada vai se acumulando, mantendo o corpo em estado de alerta permanente. Assim

a norepinefrina produzida por este estado também não é descarregada, pois não houve

reação do organismo. Além de sua ação simpática de contração, influi no metabolismo das
gorduras, que também não utilizadas se transformam em lipoproteínas que vão sendo

depositadas nas paredes das artérias, formando placas ateromatosas que estreitam o calibre

das artérias e diminuem o fluxo sanguíneo. A não descarga dos hormônios combativos,

adrenalina e noradrenalina, ainda aumentam a produção de tromboquinase que causa a

agregação das plaquetas e a contração dos vasos sanguíneos, podendo formar coágulos que

auxiliarão no entupimento das artérias. Apesar do efeito deletério da raiva suprimida sobre

o coração. Consta em LOWEN 1990 que Friedman e Rosenman, entretanto descobriram

que da população de sujeitos eleitos como tipo A, durante o tempo estipulado de sua

pesquisa, apenas 10% chegou a sofrer ataques cardíacos.

Uma vez que o coração não está diretamente implicado com a raiva e a hostilidade,

mas sim com o amor, verifiquemos outras pesquisas relativas a associação do amor com as

doenças cardíacas. As conclusões diretas destas pesquisas é de que os seres humanos

precisam de algum contato amoroso.

Lowen 1990 coloca que amamos o que é prazeroso, mas nem sempre o amor gera

prazer. Na verdade é um dos momentos em que o ser humano se encontra mais

desprotegido e a mercê da dor. A intensidade da dor é diretamente proporcional a

intensidade do amor. É difícil pensar num amor maior do que o irrestrito amor de um filho.

A dor sentida por um filho se crendo rejeitado provavelmente o fará hostil ou descrente ao

amor. Ele não precisa necessariamente ser rejeitado, mas pode ser que o comportamento

dos pais seja assim interpretado. Pode ser que relacionamentos significativos posteriores

alterem esse padrão, todavia seu impulso de contato será hesitante e restrito. Seu próprio

corpo constrito dificultará a chegada destes impulsos à superfície do organismo propiciando

sua expressão e vivência, apesar de um desejo consciente.


A excitação do amor pede proximidade, seja da criança pelo seu animal de

estimação ou ursinho, o aperto de mão, o abraço e da voz dos amigos ou o toque e a união

genital com a pessoa amada. Assim o impulso primeiro da vida, o “de ir em busca de”

possui um papel fundamental na realização de qualquer uma destas possibilidades. Uma

criança que tenha seus impulsos frustrados naturalmente protestará e reagirá raivosamente.

Se esta expressão natural e saudável do organismo for excessivamente repreendida, tanto

em intensidade quanto em periodicidade por castigos físicos ou psicológicos, terá esta parte

sua gradativamente inibida. De inicio ocorrerá por meio de tensões musculares conscientes

que com o tempo se tornarão automáticas, como os músculos do alto das costas, braços,

queixo e pernas. Como o leão que não abandona o grupo por sua dependência deste, a

criança não possui alternativa, não pode expressar a raiva, mudar o meio ou se afastar.

Os mesmos músculos que possibilitam o abraço, também o fazem com o soco.

Suprimir a raiva congela os dois. O músculo com retesamento possui sua textura e

constituição alterada independentemente do sentimento a ser expresso.

A culpa é decorrente da constatação de sentimentos que culturalmente são

desaprovados, este são internalizados na forma de superego. Assim estabelecem-se padrões

os quais devem ser seguidos para que a pessoa seja aceita e digna de amor. Para tanto a

pessoa necessita negar os sentimentos considerados sujos, feios, indesejáveis ou

pecaminosos, sejam este de agressividade ou sexuais.

Ocorrerá uma cisão em maior ou menor escala entre sua percepção e pensamento,

sentimento e ação. Serão utilizados os mecanismos de rigidificação do corpo para conter e

diminuir tais sensações, localizados principalmente na cintura escapular e pélvica. Serão

separados a cabeça, o peito e a pelve, podendo manter-se em conexão apenas no biológico

profundo. Agindo cada um destes de certa forma independente. O sexo corresponderá a um


descarrego de tensão e ou alimento narcísico. A cabeça usará o corpo para seus propósitos e

metas. Os sentimentos permanecerão soterrados, trancados no peito. A caixa torácica terá

um progressivo enrijecimento muscular, que depois de afetar os músculos estriados também

afetará os músculos lisos como as vísceras e os vasos sanguíneos.

Este estado permanente de supressão causa os efeitos corporais já descritos. A

sexualidade vivida como simples descarga de tensão é fragmentada em desejo e amor. A

excitação é limitada aos genitais e a descarga parcial produz a estase energética. Esta estase

além de alimentar a neurose aumenta a pressão interna, que demanda uma maior pressão de

superfície para conter o organismo. O sujeito fica preso num círculo vicioso em que uma

rigidez corporal está a serviço de diminuir o metabolismo para diminuir a pressão.

Paradoxalmente essas tensões também o impedem de ter uma descarga energética efetiva.

Que ocorre por via do orgasmo. Então o organismo permanece nesta armadilha que cada

vez mais força seus sistemas, inclusive o circulatório.


CONTEMPORANEIDADE

O ser humano enquanto criador de seu meio contribui com suas ações e crenças para

a formação e manutenção do paradigma social vigente. Como criatura é também formado

por este. Recebe os códigos que sua cultura usa para se comunicar e entender o mundo,

adquiri uma forma e um conteúdo característico de pensamento. O organismo deste sujeito

terá também de se adaptar aos fenômenos físicos e biológicos de seu ambiente, como a

poluição, altitude e microorganismos. Desta forma o espaço-tempo em que a pessoa está

inserida a influencia tanto psíquica quanto somaticamente. Cada agrupamento humano em

função de sua localização geográfica e histórica terá um modo de vida, um conceito

estabelecido de doença e uma forma também de como ela se expressa.

Segundo Dadoun “as biopatias são determinadas socialmente e são o resultado de

uma estase sexual” (DADOUN 1975, pg 73). A biopatia caracteriza-se por uma perturbação

biológica global. O social, entretanto fornece ao indivíduo uma forma de pensar, agir e os

valores que o regem. O exercício destes valores é que irão determinar a doença

característica de determinado grupo. Briganti expressa que é sobre o corpo que se instaura o

legislado, que é nele que se demarca a história. Cada um de nós guarda no corpo as

cicatrizes originárias dos diferentes ritos de iniciação. Aquilo que está inscrito no corpo é o

resultado de todo histórico individual, sendo este a expressão de troca do corpo com o

meio.

A forma corporal contém os diferentes projetos de pertinência, sendo exemplo


generalizado o do filho da classe aristocrática que ao eleger o seu objeto de
desejo, inicia um processo de identificação: olhar de superioridade, queixo
empertigado, peito duro e inflado, tórax para frente, braços e dedos em riste,
pernas frágeis. E assim se constroem as diferentes cicatrizes da lei da
pertinência. (BRIGANTI 1987, pg. 61)
A nossa cultura contemporânea ocidental é marcada pelo fim da tradição e pela

desintegração da autoridade e limites em todas as esferas, na ciência, nos relacionamentos

ou no trabalho. Tudo parece transitório, o conhecimento, os objetos, as pessoas e os

valores. A atualidade é caracterizada também por um ritmo alucinante de vida, um

individualismo crescente, os bens materiais constando mais como medida de valor e há uma

premência de tempo e de sucesso. Os hábitos sexuais parecem muito mais soltos e

condescendentes. A sexualidade atualmente apresenta muito poucas amarras a sua

expressão, contudo seu exercício é desprovido de sentimento. Segundo Lowen a sociedade

contemporânea tornou-se narcisista.

O narcisismo descreve uma condição psicológica e uma condição cultural. Indica

uma perturbação da personalidade caracterizada por um investimento exagerado na imagem

da própria pessoa em detrimento do self. “Falta à confiança básica, o que leva a um

movimento contínuo de reasseguramento externo...” (CALEGARI 2001, pg. 77).

Culturalmente pode ser considerado como perda de valores humanos.

Lowen equipara o self ao corpo vivo.”...o sentimento de self depende da percepção

do que se passa no corpo vivo” (LOWEN 93). Trata-se então de uma desconexão das

sensações do corpo e das cisões presentes neste corpo, o que é possibilitado por sua

rigidificação. A imagem tem a função de tornar uma situação mais suportável. Nega-se em

parte uma realidade em prol de outra mais suportável para o sujeito. Essa nova realidade

formada tem conexão com os preceitos e conceitos valorizados familiar e socialmente

formadores do superego. Em maior ou menor escala todos são narcisistas. Lowen explica

que o narcisismo surge principalmente como conseqüência da falta de respeito à

individualidade da criança. Em busca de aceitação a criança abre mão de seus desejos e

necessidades. Para tanto o corpo precisa ser anestesiado através da limitação respiratória e
de tensões musculares crônicas para que não produza sensações em desacordo com o que

foi introjetado. Sem contato com as sensações corporais que são a base da auto-estima o

futuro cidadão apóia-se apenas na imagem formada. A manutenção desta imagem passa a

orientar sua vida. Para não intervir na concretização dos ideais e na manutenção da

imagem, o corpo se necessário passa a ser química ou cururgicamente controlado. Como

exemplos extremos desta disposição cortam-se terminações nervosas para eliminar a

sudorese excessiva, quebram-se as pernas para ganhar alguns centímetros ou se propõe a

dezenas de cirurgias para se assemelhar a boneca “Barbie”.

Em Dadoun 1975,consta uma analise de Reich das estatísticas das mortes por

doenças do estado de Nova Iorque, entre os anos de 1920 e 1940, as proporções são

relativas a cada 100.000 habitantes. Analisa a incidência de doenças biopáticas e não

biopáticas (que não se originam de uma afecção funcional do biossistema, como fraturas,

pneumonia, sífilis). A tuberculose de 88,6 em 1921 foi para 42,9 em 1940. Assim como a

pneumonia de 99,3 para 45,5 e a difteria de 15,9 para 0,01. Dentre o mesmo período as

doenças cardiovasculares pularam de 341,4 para 481,3, o câncer de 104,01 para 158,4. Os

progressos científicos e as melhorias sanitárias permitiram diminuir e até erradicar certas

doenças não biopáticas o que parece ser inversamente proporcional no caso das biopatias,

que se propagam como uma epidemia na civilização.

Quando se chegar a compreender que as enfermidades biopáticas do aparelho


vital são, por sua vez, causa e resultado de enfermidades sociais, esse quadro tão
alarmante e desconcertante simplificar-se-á. É verdade que nenhum ser humano
pode constituir-se em salvador, é verdade que não poderá aparecer o “redentor”
que aguardam as massas; mas o constante agravamento da tragédia social
conseguirá o que nenhum indivíduo pode conseguir; as massas humanas que
tanto padecem biopática e socialmente, ver-se-ão obrigadas a pensar de forma
racional e a recuperar o contato com sua essência biológica (...) Há inúmeros
sinais de que essa resolução está em marcha. ( REICH pg.175)
Antes do início deste século, na hera vitoriana o indivíduo era totalmente

encouraçado e apenas grandes interrupções violentas e circunscritas de sintomas neuróticos,

a grande histeria conseguia transpor a rígida couraça. Com a mudança de costumes,

liberação da sexualidade, progresso científico e difusão de informações. As pessoas

passaram a tomar consciência das maiores exigências da vida, suas necessidades vitais

naturais. Estas pessoas todavia não conseguiam por em prática o conhecimento conseguido.

Reich expõe que a mudança social e as reivindicações individuais não são seguidas por uma

transformação correspondente das estruturas profundas da sociedade e do individuo. A

sociedade se mantém repressiva e anti-sexual e os indivíduos a sofrerem na carne os efeitos

da educação e da moralidade.

Seres humanos que adquirem consciência de suas necessidades sexuais ao trocar


os costumes, mas que ao mesmo tempo, não encontram os caminhos e meios
para permitir que sua energia sexual siga um curso natural na satisfação plena,
tem que viver, necessariamente, em grave conflito, têm que ser vítimas de
biopatias, tem que se tornar anti-sociais e criminosos. (REICH PG.176)

Desta forma resta ao cidadão “normal” se cindir, sendo guiado apenas pela razão,

suprimindo seus sentimentos e sensações corporais. A cardiopatia parece então ser a

expressão da incapacidade dos seres humanos em suportar a atual organização social

repressiva, negadora da vida e das funções naturais humanas.


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

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PSICOTERÁPICA. Summus , São Paulo, 1987.

CALEGARI, Dimas. DA TEORIA DO CORPO AO CORAÇÃO, UMA VISÃO DO


HOMEM A PARTIR DA ENERGIA CÓSMICA. São Paulo, Summus, 2001.

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EMOÇÕES PODEM AFETAR SUA SAÚDE. 5º edição, Rio de Janeiro, José Olympio,
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LOWEN, Alexander. AMOR, SEXO E SEU CORAÇÃO, 2 Edição, São Paulo, Summus,
1990.

LOWEN, Alexander. BIOENERGÉTICA. 7 edição, São Paulo: Summus, 1982.

LOWEN, Alexander. NARCISIMO, NEGAÇÃO DO VERDADEIRO SELF. 3 edição, São

Paulo:Cultrix, 1993.

REICH, Wilhelm. A FUNÇÃO DO ORGASMO. 17 edição, São Paulo: Brasiliense, 1992.

REICH, Wilhelm. BIOPATIA DO CÂNCER. vol II. Curitiba: Centro Reichiano, s/d.

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