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Embora Hitler sentisse que havia particular urgência em combater judeus e comunistas e
neutralizar os Partidos de oposição, ele entrevia na Igreja Católica um opositor que lhe
parecia muito pernicioso e que era necessário controlar imediatamente e até derrotar
radicalmente a fim de poder estabelecer o seu Reich (reino) de mil anos.
"Vocês todos podem tossir como lhes agrada, mas a mim não farão tossir para que eu
não diga a verdade".
No mesmo mês de fevereiro, o Ministro Goering proibiu a circulação de todos os
penódicos católicos de Colônia. Levantaram-se protestos, aos quais ele respondeu
negando que isso fosse parte de um plano dirigido contra a Igreja Católica; dizia ele que
"o governo estaria lavrando a sua própria ruína, caso seguisse tal política ". A
proibição foi posteriormente revogada, mas deixou a população atemorizada por toda a
região da Renânia: de resto, o fato aconteceu pouco antes que a imprensa católica fosse
encampada na Alemanha pelos nazistas.
Ainda aos 22 de fevereiro de 1933 outro notável incidente ocorreu. As tropas de SA
nazistas desbarataram encontros de sindicatos cristãos com o Partido do Centro
Católico. Um eminente político católico, Adam Stegerwald, foi atacado em público numa
plataforma de Krefeld e vários sacerdotes foram feridos.
Uma breve pausa nos conflitos verificou-se quando Hitler se dispôs a fortalecer a
unidade nacional para poder enfrentar inimigos de dentro e de fora do país. Dirigiu então
um apelo à Igreja Católica para que aceitasse entrar em negociação. Ao mesmo tempo
circulavam fortes rumores que ameaçavam a Igreja Católica, caso não fosse logo
concluído um acordo. Isto provocou debates. Finalmente o Papa Pio XI e seu Secretário
de Estado, o Cardeal Eugenio Pacelli, apesar de muitas apreensões, averiguaram que
não podiam recusar conversações com um governo legitimamente instaurado. Se
recusassem, Hitler faria público o seu aparente propósito de paz e acusaria os católicos
de o solapar. O Cardeal Pacelli argumentava que um acordo lavrado por escrito seria
melhor base de coexistência tranqüila do que nenhum pacto jurídico. Os luteranos
também aceitaram negociar com o governo.
Pacelli afirmava que de dois males era preciso escolher o menor. Se não fora a
Concordata, os católicos teriam sido deixados à mercê das tropas de choque nazistas
(SA, SS) e da Gestapo. A Concordata poderia servir-lhes de amparo para protestarem
contra as injustiças. Em julho de 1933, observava Pacelli frente a um oficial da
Embaixada Britânica que, embora os ataques aos católicos fossem perdurar,
"dificilmente os nazistas violariam todos os artigos da Concordata ao mesmo
tempo". Na verdade, apesar de pretensas garantias, foram constantemente
desrespeitados os termos do Acordo.
Em dezembro de 1933, um Estatuto de Editores obrigava todos os editores a tornar-se
membros da Câmara Literária do Reich e a obedecer a todas as diretrizes que dela
emanassem. Tal lei proibia dar notícias minuciosas de peregrinações, imprimir
calendários litúrgicos e até anunciar Encontros de agremiações católicas. Ao definir o
que considerava propaganda contra o Estado, o Estatuto desferia um golpe mortal na
ampla e próspera imprensa católica.
A censura enrijeceu. Cada tipografia ficou sujeita ao capricho das autoridades, e um véu
cobriu parcialmente o que ocorria dentro da própria Alemanha.
2. De 1934 a 1939
A documentação fornecida por Mueller permitiu averiguar crescente progresso das
medidas anticatólicas entre 1933 e 1939. O Estado queria forçar os jovens católicos a
entrar na Juventude Hitlerista; as escolas e os sindicatos católicos foram desmantelados,
o clero condenado à perseguição e ao cárcere. Entre 1935 e 1938 os padres e os
Religiosos foram humilhados cinicamente por motivo de "divisas ilegais" e "imoralidade".
Com efeito, as leis do Estado regulamentavam a importação e exportação de dinheiro;
mandar qualquer quantia para fora do país podia ser considerado "alta traição" e
"sabotagem". Por alegação de infrações às leis vigentes, a campanha foi dura e resultou
em encarceramentos vários e pesadas multas. Tal foi o caso do Pe. Agner, redentorista,
que foi preso numa cidade e falsamente acusado.
A confiscação de contas bancárias era procedimento habitual, adotado pela polícia, que
era muitas vezes brutal e agressiva. Em maio de 1935, no convento de S. Carlos
Borromeu em Trebnitz (Saxônia), duas Religiosas morreram do choque quando a
Superiora e outras Irmãs foram presas sob a acusação de que exportavam dinheiro para
um convento na Tchecoslováquia. As Irmãs responderam que era absurdo pensar que
elas possuíssem elevadas quantias, já que gastavam toda a sua vida em obras de
caridade. Em 22/07/1935 declarou um advogado em Münster: "Era notório que até
juizes e procuradores do Estado caíam em erro no tocante à legislação econômico-
financeira".
Os processos por imoralidade procuravam destruir a reputação dos Religiosos católicos.
Sacerdotes, monges e freiras foram acusados de "estilo de vida pervertido e imoral". A
polícia secreta lhes preparou numerosas armadilhas: assim em maio de 1936 alguns
padres foram chamados para atender a pessoas doentes em quartos de hotel. Eram
aguardados nesses quartos por fotógrafos. Quando o padre entrava no quarto, a pessoa
"doente" revelava ser uma prostituta ali colocada pela Gestapo. As fotografias assim
tiradas eram levadas aos tribunais e ao público como irrefutáveis provas de corrupção
moral.
Voltando à Alemanha, observa-se que tais vozes ficaram sem resposta. Nos anos
subseqüentes continuaram os ataques aos clérigos nas ruas, nas casas paroquiais e nos
postos de fronteira. O culto divino nas igrejas podia ser interrompido, as procissões
dissipadas, enquanto os fiéis católicos eram assaltados nas ruas.
Na Páscoa de 1935, peregrinos alemães que voltavam de Roma após visitar o Papa Pio
XI, foram punidos na fronteira por agentes da Gestapo e da SS; receberam a ordem de
deixar o trem em que viajavam e de ficar esperando; isto durou sete horas debaixo de
copiosa chuva; enquanto a sua bagagem era toda minuciosamente inspecionada; foi-lhes
confiscado tudo o que fosse sinal de alguma organização ou associação: bandeiras,
estandartes, livros, barracas, até facas e garfos... Os peregrinos foram insultados
furiosamente: "Assim são os papistas, o povo que apunhalou a Alemanha pelas costas
em 1918! É preciso que eles sejam espancados e enviados para um campo de
concentração... A melhor coisa seria degolá-los!". Diante dos protestos dos injuriados a
polícia local apenas respondeu que estavam procurando uniformes ilegais.
No dia das eleições para o Reichstag em 1938, sacerdotes e Bispos foram atacados
depois que a votação se encerrou. Em Fellbach, perto de Stuttgart, o Pe. Sturm, pároco,
foi cercado por uma turma de 25 SS e SA (guardas nazistas), que lhe perguntaram em
quem ele votara. Após ter saqueado a casa paroquial, obrigaram-no a passar entre duas
fileiras de homens munidos de açoites, que cuspiram nele, zombando: "Este é o traidor,
Pe. Sturm!". Depois de duas horas de abuso, foi levado ao chefe, que lhe deu uma lição
acerca da doutrina de Hitler e lhe manifestou como ele (chefe) concebia os deveres de
um pároco na nova Alemanha. A meia-noite, o Pe. Sturm foi posto em liberdade.
Embora os SS e a Juventude Hitlerista tivessem sido instruídos para não fazer mártires,
era muito freqüente encontrar sacerdotes ameaçados. Muitos foram tratados com
aspereza, sendo que um, atirado janela abaixo, teve as duas pernas quebradas. O
Cardeal Faulhaber, de Munique, foi alvo de um tiro; o Cardeal lnnitzer teve sua
residência saqueada em Viena no mês de abril de 1938. Neste mesmo mês deu-se um
incidente notável, quando o Bispo Mons. Sproll, de Rottenburg, foi maltratado.
Posteriormente ele recebeu uma carta anônima de um agente SA, que foi obrigado a
tomar parte na agressão e que dizia: " Sempre fui ufano do meu país, mas nesse
sábado eu me senti, pela primeira vez, envergonhado de ser um alemão".
Nessa mesma década de 1930, canções, filmes, discursos de membros do Partido,
cartazes e peças de teatro satirizavam o clero. O produtor Anderl Kern redigiu a peça
anticlerical intitulada "O Último Camponês", que circulou por toda a Alemanha,
provocando sérios debates. Foram então apresentados ao público um pároco com um
filho ilegítimo, um olho no sexo oposto e dinheiro fácil; um jovem seminarista volta para
a casa dos pais, anunciando que perdeu a vocação; uma senhora mãe tenta matar uma
jovem empregada doméstica com o rosário numa mão e o punhal na outra. No fim da
peça aparece o ex-seminarista como "o autêntico herói alemão", tendo renunciado ao
sacerdócio e prometido ao pai uma numerosa família "para a segurança futura da raça
ariana".
A estratégia nazista consistia, essencialmente, em destruir o Catolicismo, eliminando
todas as organizações patrocinadas pela Igreja desde as escolas infantis até os
sindicatos. Em 1939, as escolas e os sindicatos católicos estavam praticamente extintos.
Em troca havia as escolas nacional-socialistas, a Frente de Trabalho Nazista e a
Juventude Hitlerista com seu ramo feminino, que era a Liga das Moças Alemãs.
Em 1937 os pais de família eram obrigados a escolher a escola de seus filhos perante
duas testemunhas, geralmente homens da tropa de choque rigorosamente uniformizados;
essas testemunhas os advertiam a respeito de perda de emprego e outras sanções. As
próprias crianças nas escolas católicas sofriam represálias; não havia para elas prêmios
pelos estudos primários, pois estes só podiam ser concedidos pelas escolas oficiais; aos
pais que optassem por uma escola católica, era dito que seus filhos teriam que ir
freqüentá-la nos subúrbios, a algumas milhas de distância. Em Speyer, cidade da
Renânia, um operário narrou ao seu Bispo pormenores de como sua opção de escola foi
obtida:
3. O ano de 1939
A morte de Pio XI em fevereiro de 1939 e a eleição de seu sucessor, o Cardeal Pacelli,
suscitaram o escárnio do periódico Das Schwarze Korps (O Corpo Negro), órgáo do SS e
porta-voz do Ministro Himmler. Referia-se a Pio XI como sendo "o Rabino-chefe dos
cristãos, patrão da firma Judah-Roma". O Cardeal Pacelli já fora considerado pelo jornal
como um aliado dos judeus e dos comunistas numa série de caricaturas e artigos
publicados por ocasião de sua visita à França em 1937; ver ilustração à p. 218.
A política nazista podia variar segundo as circunstâncias históricas, tentando novas
estratégias ou suprimindo táticas pouco profícuas. A perseguição podia tornar-se
dissimulada ou mesmo sustada quando convinha. Por exemplo, em agosto de 1937, por
ocasião dos Jogos Olímpicos em Berlim, o governo deu ordens de suspender qualquer
atividade hostil aos judeus, aos católicos e aos protestantes; deviam ser subtraídos aos
olhares dos jornalistas estrangeiros todos os espetáculos agressivos à religião. Todavia,
logo que partiram os estrangeiros, a estrutura persecutória voltou a funcionar.
Quando irrompeu a segunda guerra mundial em setembro de 1939, Hitler preferiu deixar
de lado o seu propósito de total destruição do Cristianismo para melhor desenvolver a
ação bélica. Contudo houve no Partido quem julgasse ser um erro a suspensão da luta
contra a Igreja (Kirchenkampf). Martin Bormann em 1941 fez ver a Himmler, chefe dos
agentes SS, que "a influência da Igreja Católica deveria ser inteiramente sufocada".
No tocante, porém, à perseguição movida contra os judeus, houve quase unanimidade na
cúpula do nacional-socialismo em favor da continuação: a guerra dava a Hitler a
oportunidade de novas investidas contra os israelitas para assim "purificar a Europa"
pela eliminação dos não ários. Por quase toda a Europa os judeus foram maltratados e
assassinados, ao passo que os eslavos foram escravizados ou mortos. A extensão do
poder nazista para dentro da URSS dilatou enormemente o seu campo de ação
exterminatória. A respeito da posição do Papa Pio XII frente ao Holocausto judaico, muito
se tem escrito; está comprovado que se empenhou por salvar a vida de quantos judeus
lhe foi dado atingir; só não se pronunciou em alta voz contra o anti-semitismo para evitar
mais veementes represálias da parte do nacional-sociajismo. Cf. PR 446, 1999, pp. 317-
331.
Embora o alcance da perseguição contra os cristãos tenha sido menor do que o da luta
contra os judeus (com exceção talvez do que aconteceu na Polônia), as duas moções
persecutórias manifestam a monstruosidade do sistema nazista.
Baldur von Schirach, chefe da Juventude Hitlerista, nas assembléias de seus colegas,
gostava de lhes dizer, à guisa de chavão: "Somos jovens que crêem em Deus, porque
servimos à Lei Divina, que se chama Alemanha". - É preciso não esquecer que essa
blasfema concepção de Lei Divina, por dez mil caminhos tortos, levou à guerra, ao
saque, a sofrimentos inauditos e, por fim, à destruição do ser humano.
Notas:
O conteúdo deste artigo é retirado dos escritos do Prof. Karol Josef Gajewski, de
Sandbach (Inglaterra), especialista em História da Europa. Os resultados de seus
estudos foram publicados pela revista norte-americana Inside the Vatícan, novembro
1999, pp. 50-54.
Fonte: Pergunte e Responderemos 456 - pp. 208-218