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SISTEMATIZAÇÃO DA ASSISTÊNCIA DE ENFERMAGEM AO IDOSO COM

PROBLEMA DE ABUSO E DEPENDÊNCIA DE ÁLCOOL


INTRODUÇÃO

O envelhecimento, antes considerado um fenômeno, hoje, faz parte da realidade da


maioria das sociedades. Este é definido como um processo seqüencial individual,
acumulativo, irreversível, universal, não patológico de deterioração de um organismo
maduro, próprio a todos os membros de uma espécie.1

Um envelhecimento bem sucedido dependerá de alguns fatores do próprio


indivíduo e, depois, da sociedade cujo dever é propiciar espaços, no qual resida o cuidado
pelo outro, sem superproteção ou subestimação, promovendo laços sócio-afetivos capazes
de integrá-los ou mantê-los nos grupos sociais.2 Destaca-se o papel da enfermagem como
profissão comprometida com o cuidado do ser humano em todo o processo de viver e
morrer, incluindo a velhice, fase ainda tão cheia de preconceitos e tabus.3

Assim, o cuidado como fundamento da ciência e da arte da Enfermagem, como


uma atividade que vai além do atendimento às necessidades básicas do ser humano no
momento em que ele está fragilizado, é o compromisso com o cuidado existencial que
envolve também o auto-cuidado, a auto-estima, a auto-valorização, a cidadania do outro e
da própria pessoa que cuida.4

No entanto, a Enfermagem ainda é uma profissão com déficit em um cuidado


especializado ou pelo menos mais direcionado aos idosos e, a Sistematização da
Assistência de Enfermagem (SAE) tem se mostrado uma das principais ferramentas
metodológicas para o desempenho sistemático de uma prática assistencial especializada e
de qualidade.5

A velhice é uma fase em que o indivíduo está mais suscetível a problemas físicos,
emocionais e sociais, um que vem ganhando grande peso é o uso problemático de bebidas
alcoólicas pelos idosos. Nas últimas décadas, o uso e o abuso de álcool têm aumentado
drasticamente, constituindo-se em um dos maiores riscos à saúde da população mundial.
Conforme o relatório sobre a saúde no mundo em 2002, o uso de álcool constituía o
principal risco à saúde nos países em desenvolvimento e na região das Américas, era o
principal fator de risco entre os 27 fatores avaliados na carga de morbidade.6
No Brasil, o último levantamento nacional7 estimou que cerca de 12% de toda a
população preenchiam critérios para dependência alcoólica, o que justifica a grande
percentagem de indivíduos com problemas relacionados ao álcool e ao alcoolismo em
unidades de internação hospitalar, ou buscando atendimento em serviços de atenção
primária à saúde. No Brasil, o alcoolismo é a terceira causa de aposentadorias por invalidez
e ocupa o segundo lugar entre os demais transtornos mentais.8

Diante disso, vêm-se estabelecendo políticas públicas que apontam para a atenção
psicossocial baseada em uma rede de apoio a ser organizados pelos Centros de Atenção
Psicossocial (CAPS), articulada aos demais serviços de saúde e dispositivos comunitários
como alternativa de tratamento as pessoas que tem problemas com o álcool.9

Esses percentuais evidenciam que o enfermeiro vem se deparando no dia-a-dia com


problemas relacionados ao álcool e alcoolismo em sua prática profissional. Os
profissionais da atenção primária em saúde ocupam uma posição privilegiada para intervir
junto ao beber excessivo, em razão da grande parcela da população que tem acesso a esses
serviços. Os enfermeiros são os que mantêm maior contato com esses pacientes e, portanto,
os que obtêm o maior número de informações sobre o consumo de álcool de sua clientela.
Por outro lado, o reconhecimento do potencial desses profissionais na redução da
prevalência dos problemas com o beber contrasta com suas práticas pouco efetivas e
subutilizadas frente ao problema.10

Em virtude do que foi apresentado, julgamos de grande importância proporcionar


um cuidado individualizado e de qualidade através da Sistematização da Assistência de
Enfermagem (SAE) aos indivíduos idosos, especialmente aqueles com problemas de abuso
e dependência de álcool, visto que se configuram como uma clientela de características
bastante peculiares que necessitam de criatividade e persistência do enfermeiro devido às
altas chances de recaídas.

Este estudo proporcionará uma contribuição aos profissionais de enfermagem pela


reflexão teórica sobre este tema tão complexo, além da especificação do caso e
detalhamento dos cuidados de enfermagem que podem ser oferecidos a pacientes idosos
com problemas de abuso e dependência alcoólica.
OBJETIVO

 Implementar a Sistematização da Assistência de Enfermagem (SAE), através de


visitas domiciliares, a um idoso com problema de abuso e dependência de álcool
residente em Sobral/CE.

METODOLOGIA
Estudo de caso com abordagem qualitativa recorte da pesquisa intitulada Perfil dos
idosos acompanhados pelos acadêmicos da disciplina de enfermagem geriátrica da UVA.
A Unidade de análise é um idoso com problema de abuso e dependência de álcool
residente em Sobral/CE. A coleta de dados se deu por entrevistas e formulário junto ao
cliente e sua família, através de visitas domiciliares realizadas no período de março a junho
de 2010. Foram aplicadas escalas para avaliar a realização de atividades da vida diária
(Barthel), a funcionalidade da família (apgar familiar) e a depressão geriátrica (Yesavage –
versão reduzida/ GDS-15). Construiu-se o genograma e o ecomapa da família. Além disso,
realizou-se exame físico.

Os dados foram organizados e analisados segundo a metodologia da Sistematização da


Assistência de Enfermagem (SAE). Em consonância com a resolução 196/96 esta pesquisa
obteve parecer favorável no Comitê de Ética em Pesquisa da UVA e o sujeito do estudo
aceitou participar da pesquisa, após conhecer e assinar o termo de consentimento livre e
esclarecido.

RESULTADOS

Genograma e ecomapa
Histórico de enfermagem

S.F.S., 61 anos, sexo masculino, 58 kg, separado, cor parda, tem 1º grau incompleto,
desempregado, católico, residente no bairro Coração de Jesus em Sobral/CE. Tem
antecedentes familiares de hipertensão e diabetes. É diabético, porém não utiliza nenhuma
medicação. Mora sozinho e recebe ajuda das duas filhas e de uma irmã que mora próximo.
A casa de dois cômodos (quarto e banheiro), possui piso de cerâmica, água, esgoto, forro,
é pequena e apresenta precárias condições de higiene e ventilação. Quanto à alimentação o
idoso refere utilizar adoçante e consumir uma dieta hipossódica e hipolipídica. Caminha
freqüentemente, utilizando calçados adequados, apesar de apresentar um problema na
marcha (perna esquerda mais curta). Relata que às vezes tem dificuldade para dormir e que
suas eliminações intestinais e urinárias são normais. Nunca fumou, mas faz uso constante e
abusivo de álcool, desde que se separou há aproximadamente 30 anos por infidelidade da
esposa, abandonou o emprego nesse mesmo período. Era acompanhado pelo CAPS AD,
mas abandonou o tratamento. Sofreu vários atropelamentos, fraturando o quadril, costelas e
perna esquerda. Já foi internado devido ao álcool e a descompensações da glicemia.
Comenta que a família falta coragem em ajudá-lo, apesar de a mesma informar que faz o
possível, mas que o idoso fica agressivo quando alcoolizado. Afirma manter um padrão
sexual normal e ser muito exigente para companheiras. Seu lazer é fazer consertos em
objetos, quando possível, de onde obtém uma pequena renda. Relata que não tem mais
condições de trabalhar e deseja se aposentar, porém a família fica receosa que ele gaste
tudo com o álcool e prefere que ele fique sem o benefício, já que o idoso não permitiria
que ninguém administrasse. Após a aplicação das escalas anteriormente citadas
encontramos uma Escala de Barthel=100, que indica independência, um apgar familiar=3,
que sugere uma família severamente disfuncional e na escala de depressão geriátrica
identificamos cinco respostas deprimidas, o que sugere depressão leve. Além disso, o idoso
percebe seu estado de saúde como ruim. Ao exame físico, o paciente encontrava-se
consciente, porém algumas vezes desorientado, higienizado, apresenta um déficit motor em
MMII, diminuindo a coordenação. Pele apresentando manchas, cicatrizes e escoriações. A
boca com dentes ausentes, porém sem a utilização de prótese, encontrava-se higienizada e
com hálito alcoólico. Referiu embaçamento da vista. A avaliação pulmonar mostrou sons
respiratórios normais e a avaliação cardíaca ausculta também normal. SSVV:
pulso=80bpm, FC=88bpm, PA=120x80mmHg e FR=16.
Plano de cuidados

Diagnósticos de Prescrições Evolução


Enfermagem
Adaptação prejudicada - Realizar exame físico O cliente apresenta um
completo e avaliação déficit motor em MMII,
psicossocial; o seu suporte familiar e
- Identificar os sistemas de social está prejudicado
apoio utilizados pelo cliente; pelo consumo constante
- Reconhecer os esforços do e excessivo de álcool.
cliente para adaptar-se; Com as visitas
- Utilizar as habilidades da domiciliares estabeleceu-
comunicação terapêutica; se um vínculo
- Identificar os aspectos terapêutico entre idoso e
favoráveis que o cliente acadêmico.
percebe em sua situação atual;
Atividades de recreação - Avaliar a capacidade de É capaz de participar,
deficientes participar e o interesse por porém não se interessa
atividades disponíveis; pelas atividades
- Rever a história de disponíveis. Foi
atividades/passatempos solicitado uma visita da
prediletos; T.O. ao CSF Alto da
- Envolver a T.O.; Brasília e o cliente
- Encaminhar para grupos; encaminhado ao grupo
de idosos.
Deambulação prejudicada - Identificar a condição Apresenta a perna direita
clínica/diagnósticos que mais curta devido a um
contribuem para a dificuldade atropelamento. Foi
de andar; solicitado uma visita do
- Em colaboração com a fisio fisioterapeuta e da T.O.
terapia/T.O., desenvolver um
programa individualizado.
Desempenho de papel - Determinar o papel do cliente O idoso desempenha um
ineficaz na família; papel pouco relevante na
família.
Desobediência (falta de - Conversar com o O idoso reconhece que é
adesão ao tratamento contra cliente/família sobre suas dependente do álcool,
alcoolismo) percepções/entendimento da que este lhe traz muitos
situação (doença/tratamento); prejuízos, embora não
- Estimular o cliente a manter deseje abandoná-lo. A
o autocuidado, recebendo família não entende que
ajuda quando necessária; seu comportamento
- Estabelecer metas gradativas; agressivo é causado pela
- Reforçar a importância da dependência alcoólica.
compreensão do cliente quanto
à necessidade de
tratamento/fármacos, assim
como a conseqüência de suas
ações/opções.
Enfrentamento familiar - Identificar as situações A irmã também é idosa e
comprometido coexistentes que possam possui diversos
contribuir para a incapacidade problemas de saúde, as
da família de prestar ajuda; filhas trabalham e moram
- Conversar sobre as distante da residência do
percepções da situação por idoso, dificultando uma
parte da família; ajuda mais satisfatória. A
- Estimular o cliente/família a família relata que é muito
desenvolverem habilidades difícil a convivência com
para solucionar problemas. o idoso, pois ele próprio
não se ajuda.
Manutenção do lar - Avaliar os recursos Seria ideal a
prejudicada financeiros necessários ao aposentadoria do idoso
atendimento das necessidades; para melhoria de sua
- Ajudar o cliente/família a qualidade de vida,
desenvolver um plano de embora a família tenha
manutenção do ambiente receio que possa agravar
limpo e saudável. o seu estado de saúde. O
idoso foi orientado
quanto a importância de
manter o ambiente limpo
e organizado, permitindo
que sua família o ajude.
Manutenção ineficaz da - Avaliar o desejo/nível de Mostra-se desinteressado
saúde habilidade para atender às e com habilidades
necessidades de saúde, bem comprometidas em
como às AVD de autocuidado; manter sua saúde,
- Desenvolver um plano de embora realize às AVD
autocuidado com o cliente; corretamente.
Processos familiares - Fornecer informações sobre A família foi informada
disfuncionais (alcoolismo) os efeitos da dependência no sobre os efeitos do álcool
humor/personalidade da no humor/personalidade
pessoa envolvida; do idoso.O idoso foi
- Conversar sobre a estimulado a retornar ao
importância de reestruturar as CAPS AD.
AVD e os relacionamentos;
- Estimular a
participação/encaminhar para
grupos de apoio.
Risco de solidão - Estimular a participação nas Foi encaminhado para o
atividades de um grupo de grupo de idosos do CSF
apoio. Alto da Brasília.
Risco de trauma - Enfatizar a importância de Recebeu orientações
mudar de posição lentamente e sobre como prevenir
de pedir ajuda quando quedas e acidentes.
necessário.
Análise e discussão do plano de cuidados

Percebemos como a utilização da SAE possibilita uma qualificação e


individualização do cuidado de enfermagem. Através das visitas domiciliares conseguiu-se
um vínculo com o idoso e uma maior percepção da realidade e do cotidiano do mesmo.

Devido ao longo tempo de dependência alcoólica e falta de um estímulo/motivo


para parar de beber, não encontramos no idoso vontade em abster-se, embora reconheça os
prejuízos que o álcool trouxe e trará para sua vida e saúde. Destacamos que durante as
entrevistas e aplicação das escalas ficamos em dúvida quanto a veracidade das informações
devido as alterações no estado mental provocadas pelo álcool.

Quanto a abordagem familiar, só conseguimos envolver a irmã que mora próximo,


já que não tivemos a oportunidade de encontrar as filhas durante as visitas. A irmã embora
também idosa e adoentada afirma fazer o possível para ajudar o irmão fornecendo
alimentos enquanto as filhas ficam responsáveis pela limpeza da casa e lavagem da roupa
do idoso, quando este permite.

No que se refere ao Centro de Saúde da Família Alto da Brasília que é responsável


pelo acompanhamento da área em que reside o idoso, detectamos visitas da agente de
saúde e da assistente social para resolver a questão da aposentadoria do idoso. A
enfermeira mostrou-se cooperativa em solicitar as visitas do fisioterapeuta e da terapeuta
ocupacional. No entanto, percebemos pouco envolvimento da equipe no acompanhamento
e manejo do problema com o álcool do idoso, talvez por delegar isso exclusivamente ao
CAPS AD ou pela resistência do próprio idoso em procurar assistência à saúde.

Além disso, encontramos dificuldades em obter diagnósticos e intervenções de


enfermagem específicos para o problema do alcoolismo na literatura. Vivenciamos como é
complexo o problema do abuso e dependência de álcool, necessitando de uma abordagem
diferenciada por parte do enfermeiro, não julgando ou punindo o paciente, mas
considerando os motivos que o levam a consumir o álcool e o apoio familiar e social.

CONCLUSÃO
Faz-se necessário entender que, ao longo dos anos, são processadas mudanças na
forma de pensar, de sentir e de agir dos seres humanos que lidam com a velhice. Várias
dimensões: biológica, psicológica, social, espiritual dentre outras, necessitam ser
consideradas no cuidado à pessoa idosa, possibilitando a aproximação de um conceito que
a abranja e que a perceba como ser multidimensional e complexo.

A pessoa idosa com problema de abuso e dependência de álcool faz parte de um


contexto complexo e necessita ser vista em suas especificidades e multidimensionalidade,
o que pode ser ignorado por muitos trabalhadores da saúde, reforçando a importância de
seu preparo para atuarem nessa área, tanto na vida acadêmica, como profissional, por meio
da educação permanente.
Esta pesquisa pretende representar mais uma opção de modelo para ser aplicado,
testado e fomentado nas discussões dos variados cenários de prática e teoria. A aplicação e
a utilização deste plano de cuidados representarão, para os profissionais de enfermagem,
um avanço na qualidade do cuidado ao idoso que enfrenta problemas com o álcool, pois irá
trabalhar com aspectos específicos dessa população de maneira organizada e
individualizada, contribuindo para uma velhice mais digna e saudável.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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