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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO SUDOESTE DA BAHIA

AILTON FERNANDES VIEIRA JUNIOR

JORNALISMO, ENQUADRAMENTO E IDEOLOGIA:


A renúncia de Fidel Castro nas revistas CartaCapital e Veja

VITÓRIA DA CONQUISTA
2009
2

AILTON FERNANDES VIEIRA JUNIOR

JORNALISMO, ENQUADRAMENTO E IDEOLOGIA:


A renúncia de Fidel Castro nas revistas CartaCapital e Veja

Monografia apresentada ao curso de Comunicação


Social – Jornalismo, do Departamento de
Filosofia e Ciências Humanas da Universidade
Estadual do Sudoeste da Bahia como requisito
final à obtenção do bacharelado em Jornalismo.

Orientadora: Prof.ª Mestra Ana Cláudia Pacheco


de Andrade

VITÓRIA DA CONQUISTA
JULHO DE 2009
3
4

A todos os latino-americanos que


sonham com uma sociedade mais
justa e acreditam que ela é possível.
5

As notícias são muito mais


do que o que acontece.
Robert Hackett
6

AGRADECIMENTOS

À minha família, à minha namorada, aos meus amigos, aos meus professores e a todos os que
contribuíram de alguma forma. Muito obrigado!
7

RESUMO

Este trabalho pretendeu identificar as possíveis relações entre prática jornalística e


ideologia. A partir das noções de enquadramento de mídia, analisa as edições das revistas
CartaCapital e Veja que publicaram reportagens sobre a sucessão do presidente cubano Fidel
Castro, após o anúncio de que não mais disputaria aos cargos que acumulava há mais de 49
anos. Tal análise buscou compreender como representações diferentes acerca de Cuba e de
Fidel Castro são construídas nas duas revistas. Identificando as representações da realidade
como favoráveis às ideologias das suas linhas editoriais e a inexistência de imparcialidade
jornalística.

Palavras chaves: enquadramento; ideologia; CartaCapital; Veja; Cuba; Fidel Castro.


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ABSTRACT

This work aimed to identify the possible relations between journalistic practice and
ideology. Based on notions of media frame, analyses the editions of the magazines
CartaCapital and Veja that have published articles on the succession of the Cuban president
Fidel Castro, after the announcement that he wouldn‟t contest anymore for the office he
accumulated for over 49 years. Such analysis aimed to understand how different
representations of Cuba and Fidel Castro are constituted on both magazines. Identifying the
reality representations as favorable to the ideologies of their editorial lines and the inexistence
of the journalistic impartiality.

Keywords: frame; ideology; CartaCapital; Veja; Cuba; Fidel Castro.


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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 10

1. JORNALISMO E IDEOLOGIA
1.1 Definição (ou definições) de jornalismo 14
1.2 O campo jornalístico e a prática 16
1.2.1 Objetividade e imparcialidade 19
1.2.2 O sentido de subjetividade 21
1.3 O que é ideologia 22
1.4 A ideologia no jornalismo 25
1.4.1 Informação, opinião e ideologia 26
1.4.2 O lugar da verdade no jornalismo 27

2. ENQUADRAMENTOS NA MÍDIA
2.1 Uma noção de enquadramento 29
2.1.1 Tipos de enquadramentos 33
2.1.2 Enquadramento ou manipulação do real? 35
2.2 Estudo do enquadramento 38
2.2.1 Análise de enquadramento 39

3. A RENÚNCIA DE FIDEL CASTRO NAS REVISTAS


CARTACAPITAL E VEJA
3.1 Jornalismo de revista 42
3.1.1 Revistas informativas no Brasil 43
3.1.2 A revista Veja 45
3.1.3 A revista CartaCapital 47
3.2 Cuba: o país de Fidel Castro 49
3.2.1 A revolução cubana 52
3.2.2 A renúncia 55
3.3 Análise das revistas CartaCapital e Veja 57
3.3.1 Os enquadramentos de CartaCapital e Veja 61
3.3.2 Tendências e opiniões 64
3.3.3 A imagem de Cuba e de Fidel nas revistas 68

CONSIDERAÇÕES FINAIS 72

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 75

APÊNDICE 78

ANEXOS 80
10

INTRODUÇÃO

O que é o jornalismo, senão a realidade convertida em palavras e imagens? O que é a


realidade, senão o que nos diz o jornalismo? É ele que nos apresenta aquilo que acontece pelo
mundo, a realidade à qual as pessoas estão submetidas. São apresentações do desconhecido,
do novo, do espetacular e/ou do anormal. São leituras sobre as coisas e as pessoas. Os olhares
dos jornalistas se voltam sobre o diferente para nos apresentar aquilo que até então
desconhecíamos, mas que nos passa a ser real.
Os olhares, no entanto, também são diferentes. Dependem do espaço, do tempo, da
cultura, das relações e do comportamento de cada um. Mesmo com a ideia de que o jornalista
deve se comportar como mero observador e transmitir os fatos sem se envolver, apresentá-los
como tal é impossível, pois a pessoalidade de cada um e as condições para a produção das
notícias acabam definindo a formatação da mensagem.
Os acontecimentos não geram, portanto, as mesmas notícias em veículos diferentes.
Eles sofrem diferentes interpretações, diferentes abordagens e são noticiados sob olhares
diferentes dos jornalistas, no entanto, devem conter a mesma representação, afinal o
acontecimento é único. O sentido e o significado devem ser preservados, sobrevivendo às
interferências que podem ocorrer durante a construção da notícia. Entre estas interferências
estão as correntes ideológicas que definem os padrões de comportamento da sociedade, os
pensamentos das pessoas, os gostos, as atitudes, as características dos grupos sociais e,
também, as linhas editoriais dos veículos jornalísticos.
A forma do relato jornalístico é coordenada por diversos fatores, que vão além das
atitudes dos jornalistas, pois eles estão condicionados a linha editorial do veículo para o qual
trabalha, à ideologia da empresa. Os jornalistas da revista CartaCapital (Confiança), por
exemplo, adotam maneiras diferentes de “contar uma história” se compararmos com os
jornalistas da revista Veja (Abril). Concorrentes, estas semanais brasileiras são guiadas por
linhas editoriais opostas.
No dia 27 de fevereiro de 2008, as duas revistas publicaram como matérias principais
a sucessão de Fidel Castro e análises sobre o futuro de Cuba após a “renúncia” do seu
presidente. Fidel, de fato, não renunciou. Afastado desde 2006, devido a complicações com a
saúde, dos cargos que acumulava a frente do governo cubano, ele comunicou, no dia 18 de
fevereiro, que não aspirava nem aceitaria ser reeleito pela Assembleia Nacional para
presidente do Conselho de Estado e comandante-em-chefe. A imprensa interpreta a atitude
11

como uma renúncia ao poder, pois, considerava como certa sua reeleição. Consequentemente,
esse termo também será assumido pelo trabalho ao tratar tal atitude do presidente.
Qualquer acontecimento sobre Cuba ou Fidel Castro é uma boa pauta no jornalismo do
mundo inteiro, pois envolve questões maiores que o simples acontecimento. Fidel, por
exemplo, reúne algumas características que o torna noticiável pelos critérios que o jornalismo
busca para caracterizar uma notícia: ele foi o presidente do único país socialista na América
Latina, à frente do governo por quase 50 anos; chegou ao poder através de uma guerrilha;
conquistou popularidade; influenciou políticos e líderes de esquerda pelo mundo inteiro;
enfrentou os Estados Unidos em diversas ocasiões e sempre provoca polêmicas, dentro e fora
do seu país, com seus pronunciamentos, principalmente por ir de encontro à ordem
hegemônica.
A renúncia, portanto, alcança mais que manchetes em jornais, se torna capa de
revistas. À primeira vista, sob a mesma foto, a CartaCapital apresenta o título Cuba sem
Fidel e a Veja, Já vai tarde. Essas edições das revistas serviram de objeto de estudo para esta
pesquisa, que visou compreender os enquadramentos jornalísticos utilizados pelas revistas
para apresentar suas matérias de capa e o sentido que elas conotam. Notavelmente, as revistas
assumiram diferentes abordagens e pontos de vista sobre o pequeno país latino-americano e
socialista que desafiou os Estados Unidos durante anos e estamparam em suas capas as duas
representações sobre Cuba e Fidel. Eis, portanto, uma questão que confronta o entendimento
sobre o jornalismo: como pode dois veículos jornalísticos apresentar, sobre um mesmo fato,
duas realidades diferentes?
Dessa forma, é preciso analisar as representações criadas sobre Cuba e sobre Fidel
Castro e identificar as possíveis relações entre jornalismo e ideologia. Para tal, a metodologia
utilizada foi a análise de enquadramento, que consiste em identificar os aspectos mais
relevantes das matérias e elegê-las em categorias de análises, para então relacioná-las e poder
caracterizar as reportagens de maneira geral e descrevê-las, conforme propôs Soares (2006).
A análise, ainda, admite o confronto entre reportagens para buscar compreender os
enquadramentos e interpretá-los.
Esta análise contribui com as pesquisas sobre os enquadramentos de mídia, que ainda
são incipientes no Brasil e que estão focadas nos temas políticos. Iniciadas por Mauro Porto
(2004), fora utilizado como principal referência para nos apresentar as noções sobre
enquadramento de mídia. Tal referência foi adotada por contribuir para o melhor
entendimento do jornalismo e sua atuação no âmbito político e a influência que exerce a partir
das suas representações. A presente pesquisa também explora as relações entre ideologia e
12

jornalismo, frente ao ideal de imparcialidade imposto, sendo que a prática se dá sob diversas
interferências socioculturais e, portanto, ideológicas.
No primeiro capítulo, faz-se uma abordagem sobre o que é o jornalismo e como ele se
dá na prática: interferências internas e externas, rotinas, noção de imparcialidade, de
objetividade e de subjetividade, além do conceito de ideologia e sua relação com o
jornalismo. Parte-se do entendimento da teoria democrática, em que o jornalismo atua como
guardião do poder que serve informações aos cidadãos para que esses possam participar e
sustentar a sociedade democrática. Consequentemente, a atuação da comunidade jornalística
configura-se a partir de ideologias e, portanto, a necessidade de entender o seu significado e
como se relaciona com o campo jornalístico.
O segundo capítulo apresenta os enquadramentos de mídia, as noções que os definem,
os tipos, os estudos e as pesquisas desenvolvidas a partir do tema e a metodologia para a
análise de enquadramento. O estudo realizado por Mauro Porto (2004) é assumido como a
principal referência, primeiro por ter sido ele quem iniciou a discussão sobre enquadramento
entre os estudiosos da mídia no Brasil e também por ainda ser a principal referência nesta área
pouco explorada pelos teóricos e pesquisadores da comunicação. Os enquadramentos são
assumidos como formas de ver e explicar o mundo, influenciadas pelo contexto e pelas
pressões internas e externas dos âmbitos social e pessoal.
As noções expostas sobre enquadramento, também entendido com frame, encaminham
para a discussão sobre a manipulação da informação, assim como para a opinião no
jornalismo, fazendo-se necessária a diferenciação entre manipulação e enquadramento, assim
como entre opinião, ponto de vista, tendência, angulação e enquadramento. Tais preocupações
ressaltam a representação da realidade e o que é a verdade no jornalismo, como elas se dão
dentro da perspectiva democrática e sob a noção de enquadramento.
O último capítulo apresenta as características do jornalismo de revista e as revistas
informativas do Brasil, com destaque para as que serão analisadas: são apresentadas a origem,
as linhas editorias e outras características das revistas CartaCapital e Veja. Nessa parte é
possível compreender as peculiaridades desse tipo de veículo, que permite, sobretudo, o
aprofundamento e análise dos seus temas. Em sequência, para que se possa entender o quanto
pode ser complexo o tratamento de Cuba e de Fidel Castro, é apresentada as características
atuais de Cuba e um pouco da história.
Finalmente, a análise das reportagens, que identifica os tipos de enquadramentos
utilizados, assumindo como referência os dois principais tipos: noticioso ou interpretativo. Os
objetos analisados permitiram identificar esses dois tipos de enquadramento e as interações
13

entre eles, considerando o sentido que eles empregam à mensagem. Para a análise, procurou-
se eleger categorias que gerassem dados quantitativos para possíveis interpretações, que
foram eleitas a partir de aspectos de destaque dos textos, os que contribuíram com a
representação de Cuba e de Fidel Castro: as adjetivações e as características escolhidas e
apresentadas pelas revistas como reais.
A análise, no entanto, não se limita ao campo quantitativo, as valorações e o
significado dessas categorias e de outros elementos, como as técnicas da produção
jornalísticas, são destacados na pesquisa a fim de observarmos o quanto ideológico pode se
configurar um texto jornalístico. As imagens criadas pelas revistas e a identificação das
tendências e inclinações nos permitem compreender que as abordagens assumidas pelas
revistas são, na verdade, fruto de posicionamentos ideológicos.
14

Capítulo I

JORNALISMO E IDEOLOGIA

1.1 Definição (ou definições) de Jornalismo

O jornalismo que conhecemos hoje deu seus primeiros passos somente no século XIX,
quando as redações começaram a encarar o jornalismo como uma técnica, fazendo com que os
profissionais adotassem critérios para elaboração da notícia. Essa profissionalização da prática
jornalística exigia dos jornalistas deixar de lado a impulsividade e a emoção, pois, em busca
de maior número de leitores, a valorização dos fatos passou para primeiro plano. Com a
influência das evoluções tecnológicas, essa nova formatação, onde se buscava agradar a todos
para garantir o lucro econômico, contribuiu com a consolidação e popularização do
jornalismo na sociedade, uma vez que, hoje, é impossível imaginar o cotidiano das pessoas
sem a o jornalismo. A cada instante somos bombardeados por informações e buscamos, cada
vez mais, notícias sobre o que está acontecendo, não só na nossa cidade, mas no mundo.
Informações locais, nacionais e internacionais, previsão do tempo, situação do
trânsito, as bolsas de valores, o mundo das celebridades, o placar do jogo, corrupção na
política, assaltos a bancos, tráfico, assassinatos, guerras e escândalos. Hoje, todos esses fatos
interessam às pessoas, as quais passaram a ter a necessidade de cada vez mais consumir
informações. Desse modo, o jornalismo contribuiu para a difusão da informação, o que
implicou também em uma atividade voltada para o lucro.
Mais que uma atividade lucrativa, o jornalismo é responsável por tornar pública a
realidade. O que conhecemos é em grande parte filtrado pela investigação que o jornalista faz
sobre o real, pois este possui instrumentos para investigar a realidade, não podendo inventar
ou se apropriar dela. Aquilo que não seria possível se conhecer sem estar presente, o
jornalismo nos apresenta, ou mesmo aquilo que não deveria se tornar público, mas que é do
interesse do público. Então, o jornalismo é um relato dos acontecimentos, é um retrato da
realidade ou a própria realidade, no entanto, esta realidade é fragmentada.
Muitas vezes essa „realidade‟ é contada como uma telenovela, e aparece
quase sempre em pedaços, em acontecimentos, uma avalanche de
acontecimentos perante a qual os jornalistas sentem como primeira
obrigação dar resposta com notícias, rigorosas e se possível confirmadas, o
mais rapidamente possível, perante a tirania do fator tempo (TRAQUINA,
2005, p. 20).
15

Dessa forma, o conjunto de “estórias” apresentadas pelo jornalismo é, na verdade, uma


fração daquilo que realmente está acontecendo, mas o real conhecido é apenas o que nos é
apresentado e o temos como verdadeiro. Nelson Traquina (2005, p. 20) lembra ainda que “a
transgressão da fronteira entre realidade e ficção é um dos maiores pecados da profissão de
jornalista”, pois o jornalismo não é baseado na ficção, mas são os fatos que sustentam as
informações.
Então, se o papel principal do jornalismo é transmitir ao público o que está
acontecendo, ou seja, informar, ele se configura como uma importante atividade dentro da
sociedade, sendo considerada uma das estruturas de poder nas sociedades democráticas. Esse
é o entendimento clássico de jornalismo: guardião da sociedade.
Reservaram ao jornalismo não apenas o papel de informar os cidadãos, mas
também, num quadro de checks and balances (a divisão do poder entre
poderes), a responsabilidade de ser o guardião (watchdog) do governo. Tal
como a democracia sem uma imprensa livre é impensável, o jornalismo sem
liberdade ou é farsa ou é tragédia (TRAQUINA, 2005, p. 23).

Essa concepção faz do jornalismo uma profissão de enorme responsabilidade social,


exigente e perigosa - devido aos conflitos e pressões da prática. Segundo esta concepção, cabe
ao jornalista servir à sociedade as informações que tornam públicos os acontecimentos do dia-
a-dia e que criam a representação da realidade. Assim, “o jornalismo encontra a sua
legitimidade social na sua identificação como serviço público e não como uma atividade
econômica igual aos outros negócios” (TRAQUINA, 2005, p. 120), pois a sua missão é
informar sem censuras, e é a informação que cria e mantém a democracia.
Porém, o entendimento de jornalismo vai além da sua relevância e das suas
contribuições com as sociedades democráticas. “Uma resposta bem clara à pergunta „o que é
ser jornalista?‟, parte de toda uma cultura constituída por uma constelação de crenças, mitos,
valores, símbolos e representações que constituem o ar que marca a produção de notícias”
(TRAQUINA, 2005, p. 121). Estas marcas da profissão fazem do jornalismo uma das
atividades mais desejadas por jovens ou mesmo exaltada pela sociedade. A ideia de guardião,
por exemplo, atribui ao jornalismo a função de ser representante de todos os cidadãos, pois
caberiam a eles vigiar o poder. O jornalismo então é, como o chamam, o quarto poder, ou
mesmo, um contra-poder. No entanto, fica a questão: quem vigia o jornalismo, já que ele
também se configura como poder dentro das sociedades democráticas?
Pode parecer simples, mas a influência do jornalismo reside nas informações que ele
transmite e como as transmite. As vidas das pessoas são configuradas pela informação, pela
16

notícia. “O conhecimento do desconhecido lhes dá segurança, permite-lhes planejar e


administrar suas próprias vidas” (KOVACH; ROSENSTIEL, 2003, p. 36). Saber se vai
chover, se o dólar caiu, se há congestionamentos no trânsito, ou mesmo conhecer a realidade
de lugares distantes não só nos informa como forma o nosso pensamento sobre aquilo que, até
então, não conhecíamos.
Portanto, atualmente o jornalismo ultrapassa as funções de guardião e de quarto poder,
essa explicação já não é suficiente para entender o que é o jornalismo. Kovach e Rosenstiel
(2003) nos apresentam uma nova reflexão:
O novo jornalista não decide mais o que o público deve saber, ele ajuda o
público a pôr ordem nas coisas. Isso não significa simplesmente acrescentar
interpretação ou análise a uma reportagem. A primeira tarefa dessa mistura
de jornalista e „explicador‟ é checar se a informação é confiável e ordenável
de forma que o leitor possa entendê-la. Numa era em que qualquer pessoa
pode virar repórter ou comentarista na Internet, (...) o jornalista se converte
numa espécie de moderador de discussões (p. 41).

Essa concepção mantém a principal característica do jornalismo: checar os fatos para


transmitir informações com base na verdade. E ainda assim o jornalismo atua como campo
influente de poder ou contra-poder, definindo sobre o que pensar e como pensar, pois o
público reconhece a função de vigilante como papel do jornalismo, e muitas vezes, o buscam,
através das ferramentas tecnológicas, como o solucionador de problemas que caberiam aos
poderes públicos resolver, por exemplo.

1.2 A prática e o campo jornalístico

Apresentado com a missão de proteger os cidadãos, o jornalismo faz dos seus


principais personagens – os jornalistas, agentes de uma estrutura de poder, uma espécie de
super heróis (um mito mantido e protegido pelo próprio campo jornalístico). O “tipo ideal”,
segundo Traquina (2005), “são pessoas comprometidas com os valores da profissão em que
agem de forma desinteressada, fornecendo informação, a serviço da opinião pública, e em
constante vigilância na defesa da liberdade e da própria democracia”.
No entanto, no dia-a-dia, o jornalista tem a sua fonte de recompensas não entre os
leitores, que são manifestamente os seus clientes, mas entre os seus colegas e superiores, e por
isso, controlam sua conduta, posicionamento e atitude. Segundo Traquina (2005, p. 157), os
jornalistas se conformam com a política editorial das organizações que pode ocorrer devido à
autoridade institucional e as sanções; os sentimentos de obrigação e de estima para com os
17

superiores; as aspirações de mobilidade; a ausência de grupos de lealdade em conflito; o


prazer da atividade e as notícias como valor.
Assim, o campo jornalístico funciona da mesma forma que os demais campos sociais,
pois também “é um espaço social estruturado, um campo de forças – há dominantes e
dominados, há relações constantes, permanentes, de desigualdade, que se exercem no interior
desse espaço – que é um campo de lutas para transformar ou conservar esse campo de forças”
(BOURDIEU, 1997, p. 57). A própria estrutura de uma redação, a divisão de tarefas, os
cargos e as atribuições podem exemplificar esse campo de força, assim como a concorrência
entre veículos e mídias diferentes que disputam um mesmo público.
O mito do “tipo-ideal” mantido e fortalecido pelo campo jornalístico é o que lhe
garante credibilidade e respeito na sociedade. Os jornalistas dizem a todos os cidadãos sobre o
que se deve pensar, dizem quais são os problemas sociais, ditam valores e mostram o que é
normal e o que é anormal, por deter os meios de produção e de difusão em grande escala da
informação. Mas, como acrescenta Bourdieu (1997), o que dizem só é aceito, ou respeitado,
por se basear em um conjunto de pressupostos e crenças partilhadas.
Atuam no jornalismo diversas forças invisíveis, como a noção do jornalismo como
detentor de poder, o contexto sócio-político e cultural, a tirania do espaço e do tempo, as
gratificações e a organização empresarial, assim como as expectativas de audiência e de
influência. São forças que, como a força da gravidade, não se vê. São os entraves da prática
diária que, segundo Bourdieu (1997) se transformam em conflitos pessoais e em escolhas
existenciais, pois se relaciona com maior intensidade com as forças externas, sendo
dependente dessas forças, em específico, das demandas de mercado.
Diariamente, os jornalistas se deparam com diversos acontecimentos propensos a se
tornar notícia e terão que enfrentar alguns conflitos e pressões que a prática jornalística
impõe: os critérios de noticiabilidade; a preocupação com a audiência; a tirania do tempo; a
limitação de espaço; a linha editorial da empresa jornalística; as influências externas à redação
e as relações com os anunciantes.
Dessa forma, a produção jornalística tem início com um minucioso processo de
seleção. Os jornalistas selecionam aquilo que virá a tornar notícia de acordo os chamados
critérios de noticiabilidade, que medem o valor-notícia dos fatos que chegam às redações
diariamente. A seleção é, antes de tudo, necessária por uma questão de espaço e tempo.
Os critérios de noticiabilidade geralmente incluem, sob a forma de uma
lista, fatores como a oportunidade, a proximidade, a importância, o impacto
ou a consequência, o interesse, o conflito ou a controvérsia, a negatividade, a
frequência, a dramatização, a crise, o desvio, o sensacionalismo, a
18

proeminência das pessoas envolvidas, a novidade, a excentricidade e a


singularidade (no sentido de pouco usual) (SOUSA, 1999, p. 58).

Então, o processo de construção da notícia começa dentro de uma lógica comercial,


sendo que os critérios de noticiabilidade visam, principalmente, a audiência. No entanto, é um
processo extremamente pessoal, sob a responsabilidade de um profissional que tem o poder
para definir aquilo que se tornará notícia (gatekeeper), geralmente o editor chefe, pois atua
conforme a linha editorial da instituição jornalística. Sendo assim, a prática obedece a uma
rotina já consagrada no campo jornalístico.
As rotinas são comportamentos padrões estabelecidos que fornecem ao jornalista o
controle sobre o seu trabalho e a rápida transformação dos acontecimentos em notícia. Para
Mauro Wolf (2008, p. 229), três fases principais fazem parte da produção das notícias: a
coleta de materiais informativos, a seleção e a apresentação. Contudo, o processo de produção
varia de acordo a organização do trabalho de cada meio de comunicação, consequentemente,
o jornalista está limitado ao que ele pode fazer e a sua produção de notícias é, na maioria das
vezes, daquilo que a redação não pode deixar de noticiar.
Durante as três fases apontadas por Wolf, algumas interferências internas e externas
podem ser destacadas por influenciar na qualidade e no resultado final da produção noticiosa.
Durante a coleta de materiais noticiosos, por exemplo, as agências de notícias e as fontes são
algumas das forças influentes. Os materiais enviados por agências garantem o fluxo de
notícias seguras, agindo como fontes insubstituíveis e indispensáveis por motivos
econômicos. Enquanto que as fontes são os fornecedores de informações a respeito de grupos
de interesse e de outros setores da sociedade.
A consagração das rotinas jornalísticas faz prevalecer procedimentos que acabam por
beneficiar as redações, “como a racionalização do trabalho, redução dos custos, redução de
tempo, fidedignidade de quem fornece os materiais, oficialização das fontes, impedimento de
pressões externas, redução da necessidade de controles, etc.” (WOLF, 2008, p. 231). No
entanto, as rotinas trazem consigo algumas desvantagens:
Podem distorcer ou simplificar arbitrariamente o mundo dos acontecimentos;
constrangem os jornalistas; o jornalismo tende a cair numa atividade
burocrática; o jornalismo cai na dependência dos canais de rotina, o que leva
à institucionalização (e legitimação “normalizada”) de determinadas fontes e
aos problemas decorrentes das relações pessoais aprofundadas; a utilização
rotineira de fontes “oficiais”; as rotinas tornam as notícias semelhantes nos
diversos órgãos de comunicação social (SOUSA, 1999, p. 29-30).

A prática jornalística ainda é influenciada por outros fatores e não só pelos que
residem dentro das empresas jornalísticas. Outros níveis, que devem ser observados sem
19

fronteiras rígidas entre um e outro, interferem no processo de construção da notícia conforme


lista Sousa (1999), utilizando Schudson:
1) Ação pessoal – as notícias resultam parcialmente das pessoas e das suas
intenções; 2) Ação social – as notícias são fruto das dinâmicas e dos
constrangimentos do sistema social, particularmente do meio organizacional,
em que foram construídas e fabricadas; 3) Ação ideológica – as notícias são
originadas por forças de interesse que dão coesão aos grupos, seja esse
interesse consciente e assumido ou não; 4) Ação cultural – as notícias são
um produto do sistema cultural em que são produzidas, que condiciona quer
as perspectivas que se têm do mundo quer a significação que se atribui a esse
mesmo mundo (mundividência); 5) Ação do meio físico e tecnológico – as
notícias dependem dos dispositivos tecnológicos que são usados no seu
processo de fabrico e do meio físico em que são produzidas; 6) Ação
histórica as notícias são um produto da história, durante a qual interagiram as
restantes cinco forças que enformam as notícias que temos (acções pessoal,
social, ideológica, cultural e tecnológica) (SOUSA, 1999, p. 4).

O entendimento dessas influências e das interações sociais que ocorrem durante o


processo de construção das notícias nos permite compreender, em parte, o porquê as notícias
são como são. Visto que não só as fontes são agentes interessados, pois há também as
interações na própria comunidade jornalística que acabam por determinar as escolhas e os
comportamentos do jornalista, além das particularidades de cada membro desta comunidade
que influenciam uns aos outros e, ainda, ao seu público.

1.2.1 Objetividade e imparcialidade

Como participante de um campo que possui características próprias e bem


determinantes, o jornalista carrega consigo valores que são compartilhados pela comunidade
jornalística e que, consequentemente, estão presentes na estrutura do seu principal produto, a
notícia. Afinal, existe a cultura jornalística e os valores, reconhecidos pelos seus membros e
pela sociedade, que norteiam a profissão, além das rotinas, dos procedimentos, dos códigos e
das ideologias que regem a profissão.
Cabe salientar ainda que, os jornalistas não são seres isolados do contexto social.
Carregam além dos seus direcionamentos profissionais, sua conduta e seus valores pessoais,
seu modo de ver e de pensar o mundo e também são influenciados por forças sociais
pertencentes a outros campos, como, por exemplo, o político. Preconceitos, julgamento,
opiniões, interesses materiais, a noção de poder e a busca pelo lucro são fatores que fogem à
vontade do jornalista, mas que interferem, direcionando o trabalho de jornalista.
20

Ser imparcial e agir com objetividade são alguns dos valores destacados pela cultura e
comunidade jornalística. A defesa desses valores está ligada à configuração que tomou o
jornalismo a partir do século XIX, quando agradar a todos os tipos de leitores – e não somente
aos políticos, se tornou ideologia dominante no campo. Foi o jornal inglês The Daily Courant
que iniciou, ainda no século XVIII, essa nova concepção de jornalismo, onde fatos e opiniões
não se misturavam.
O editor do Courant, Samuel Buckley, criou uma estratégia e um estilo, que séculos
depois influenciou o jornalismo pelo mundo inteiro e até hoje é vigente, principalmente nos
jornais do mundo ocidental: separou as notícias dos artigos, para a opinião não “contaminar”
as informações. “Com a ideologia da objetividade, os jornalistas substituíram uma fé simples
nos fatos por uma fidelidade às regras e aos procedimentos criados para um mundo no qual
até os fatos eram postos em causa” (TRAQUINA, 2005, p. 138). Pela ideia da objetividade, as
regras e os procedimentos garantem ao jornalista a soberania dos fatos. Os fatos falam por si e
o jornalista é isento e imparcial ao relatar um acontecimento qualquer.
A objetividade é um „ritual‟, segundo Tuchman, por que é identificado com
uma adesão a procedimentos de rotina. E esses „rituais‟ são „estratégicos‟
porque os jornalistas invocam os procedimentos rituais para neutralizar
potenciais críticas. (...) Os jornalistas acreditam que podem mitigar pressões
contínuas como sejam os prazos, os possíveis processos de difamação e as
repressões antecipadas dos superiores, com a argumentação de que o seu
trabalho é „objetivo‟ porque foram seguidos procedimentos identificados
com a objetividade (TRAQUINA, 2005, p. 139).

O “ritual” garantiu a legitimidade do jornalismo e mantém a ideia de guardião da


sociedade, no entanto, é controverso defendê-lo como aliado da prática jornalística, pois até
“a escolha da narrativa feita pelo jornalista não é inteiramente livre. Essa escolha é orientada
pela aparência que a „realidade‟ assume para o jornalista, pelas convenções que moldam a sua
percepção e fornecem o repertório formal para a apresentação dos acontecimentos”
(TRAQUINA, 2005, p. 174).
No ritual da objetividade reside a preocupação em ouvir os dois ou mais lados de um
fato e identificar as possibilidades conflituosas; apresentar provas que comprovem versões;
utilizar aspas para indicar a quem pertence a informação ou opinião; e, estruturar a
informação numa sequência apropriada, conforme a técnica da pirâmide invertida, onde as
informações mais importantes aparecem primeiro no texto.
Inevitavelmente, o jornalista emprega suas intenções e seus valores ao cumprir este
ritual, pois não há jornalismo sem as intervenções valorativas, e não há texto sem intenção
nem leitura sem atribuição de sentidos. “A apuração e a depuração, indispensáveis ao bom
21

relato, são intervenções valorativas, intencionadas por pressupostos, juízos, interesses e


pontos de vista estabelecidos” (CHAPARRO, 2008, p. 148). No entanto, o jornalista, assim
como qualquer outro profissional, não consegue deixar em casa suas normas, princípios,
referências políticas e ideológicas e excluí-los do pensamento para se concentrar na narração
dos fatos.
O processo de construção da notícia, desde o início, é baseado nos valores que o
jornalista carrega consigo: primeiro seleciona-se o acontecimento e escolhe a abordagem,
depois lista as possíveis fontes e escolhe quem ouvir, para então selecionar o que vai aparecer
no texto jornalístico, qual a ordem de apresentação dos fatos, as palavras utilizadas no título e
a disposição nas páginas. Todo esse processo, além de ser conduzido pelo jornalista, sofre
com as influências internas e externas apontadas anteriormente.
Informação e opinião são inevitavelmente associadas em qualquer texto
jornalístico, até porque não existe texto dissociado da ação de pensar. E
assim como, nas artes do narrar, são os critérios subjetivos (ou seja, as
ideias) que determinam escolhas e hierarquias dos fatos, nos textos da
argumentação o que dá clareza às ideias é a contundência dos fatos (...). Até
as notícias dita objetiva, construída com informação „pura‟, resulta de
seleções e exclusões deliberadas, controladas pela competência opinativa do
jornalista (...). Ao relatar, narra-se uma história, com suas complicações e
seus sucessos, mas os juízos de valor estão lá, explícitos, nas falas
(escolhidas) dos personagens, às vezes até na agressividade dos títulos; e
implícitos, nas intencionalidades preexistentes das estratégias autorais e nas
intencionalidades adquiridas pelo próprio texto (CHAPARRO, 2008, p. 162-
163).

Como o que de fato existe é a objetividade como um simulacro e como um ideal


inatingível, somente o ritual da objetividade que deve ser defendido e perseguido. Visto que
não ocorre em sua plenitude, a objetividade significa apenas uma tendência, uma direção a ser
buscada e isso é útil ao trabalho dos jornalistas, que terão à disposição os métodos necessários
para garantir agilidade e facilidade, visto que o tempo é um fator determinante nas redações.
Tendo a objetividade como ideal, ela contribui a relatar com veracidade e equilíbrio o real,
contribuindo com a manutenção da credibilidade jornalística.

1.2.2 O sentido de subjetividade

O jornalista precisa ser entendido como membro da sociedade e influenciado não só


pelo campo jornalístico, mas também pelos outros com os quais mantém contato. Ele pertence
a uma complexa rede de relações estabelecidas através de diferentes agentes e forças. Como
todas as pessoas, o jornalista possui crenças, desejos, vontades, ambições, preconceitos e
22

valores que coordenam seus atos. Esses aspectos ainda são influenciados por outros, como
idade, sexo, raça, naturalidade, classe social e religião.
Essas características que formam e fazem cada membro da sociedade definem o nosso
modo de se comportar diante das coisas, dos fatos e do mundo. Por mais homogêneo que
possa parecer um determinado grupo de pessoas, cada uma terá diferenças que as tornam
únicas. E, o jornalista, ao reagir diante dos acontecimentos que serão transformados em
notícias, é o sujeito que reproduz a realidade.
“O sujeito, por reconstruir o real, é fonte de imprecisão, de delimitações desviadas
pela consciência do cognoscente, de inadequação à realidade, de falta de correspondência com
o objeto, de falsidade e de preconceitos próprios daquele que enuncia, e inimigo da ciência”
(BARROS FILHO, 1995, p. 99). Contido nessa imprecisão, há a necessidade de o jornalista
assumir a objetividade como simulacro, pois deixar transparecer a subjetividade na prática
jornalística poderia tornar a atividade suspeita e/ou duvidosa, retirando a credibilidade social
garantida ao longo da sua história.
O jornalista manifesta sua individualidade num compromisso com as
coações próprias ao universo social a que pertence. Essa individualização do
sujeito (no caso, o profissional de imprensa), socialmente reconhecida e que
estabelece limites em relação ao outro, denomina-se subjetividade. Trata-se
de um estado particular do sujeito enquanto manifestante de sua própria
especificidade através da comunicação. „A subjetividade é o que faz com
que o sujeito seja reconhecido e circunscrito pelo outro, uma vez que a
subjetividade representa, em definitivo, o que o sujeito faz ver de si na
relação de troca simbólica com o outro‟ (Lamizet, p. 47). Ela dependerá do
grau de liberdade que terá o sujeito, inversamente proporcional ao grau de
pressão que sofra, para manifestar sua singularidade, seu ethos (BARROS
FILHO, 1995, p. 103-104).

Os jornalistas, mesmo seguindo os métodos que a objetividade oferece e assimilando


as características do campo jornalístico, agem conforme suas singularidades, detidas pela
liberdade profissional que lhe é oferecida para informar ao cidadão. Pois ao redigir uma
matéria, materializa um processo de escolhas e de eliminações, constituindo uma única
mensagem entre outras possibilidades. A credibilidade do jornalismo, no entanto, é
assegurada pela aparente objetividade, visto que os elementos internos das notícias fazem crer
que aquela é uma descrição pura e simples dos acontecimentos.

1.3 O que é Ideologia

A palavra “ideologia” não aparece com muita frequência nos livros de jornalismo e é
entendida, superficialmente, como o conjunto de ideias que rege e une um determinado grupo
23

social ou como o modo de enxergar o mundo e como se comportar diante dele. No entanto, é
preciso aprofundar o estudo e o entendimento sobre ideologia, principalmente ao tratar de
comunicação de massa e jornalismo, pois a nossa sociedade está cada vez mais sustentada por
formas simbólicas de comunicação.
O termo “ideologia” apareceu pela primeira vez no início do século XIX, no livro
Eléments d’Idéologie (Elementos de Ideologia), de Destutt de Tracy e outros pensadores que
passaram a ser chamados de ideólogos. O tratado, segundo Marilena Chaui, pretendia
apresentar uma teoria acerca das faculdades sensíveis, responsáveis pela formação de todas as
nossas ideias: querer (vontade), julgar (razão), sentir (percepção) e recordar (memória). A
próxima contribuição foi de Auguste Comte, que acrescentou ao sentido de ideologia “o
conjunto de ideias de uma época, tanto como „opinião geral‟ quanto no sentido de elaboração
teórica dos pensadores dessa época” (CHAUI, 2006, p. 28). Desde quando o termo passou a
ser discutido pelos filósofos, não se conseguiu definir ideologia em um único sentido, e tal
tarefa parece ser impossível. Atualmente a questão é tratada por vários autores que
apresentam diversas formas de se entender a ideologia. Para início de discussão, a ideologia é
observada sob duas vertentes, uma positivista e outra negativista.
A ideologia vista de forma positiva, ou neutra, é aquela mais difundida no/pelo senso
comum: conjunto de ideias e valores que pertencem a um grupo de pessoas, ou seja, cada um
pode ter a sua própria ideologia. Já a ideologia vista de forma negativa (ou sob a concepção
crítica ou ainda marxista) são as ideias e representações produzidas e difundidas pela classe
dominante para legitimar e assegurar seu poder econômico, social e político, ou seja, é um
instrumento que mantém as relações de dominação em uma sociedade desigual através de
diversas estratégias. Segundo Chaui (2006), o que torna a ideologia possível pela concepção
marxista:
É a separação entre trabalho material e trabalho intelectual, ou seja, a
separação entre trabalhadores e pensadores. (...) é o fenômeno de alienação,
(...) enquanto não houver um conhecimento da história real, enquanto a
teoria não mostrar o significado da prática imediata dos homens, enquanto a
experiência comum de vida for mantida sem crítica e sem pensamento, a
ideologia se manterá; O que torna a ideologia possível é a luta de classes, a
dominação de uma sobre a outra. (...) Em outras palavras, a ideologia nasce
para fazer com que os homens creiam que suas vidas são o que são em
decorrência da ação de certas entidades. (...) Seu papel é o de fazer com que
os homens creiam que tais ideias representam efetivamente a realidade
(CHAUI, 2006, p. 79-80).

Outro teórico que discute o que é ideologia é John B. Thompson (1995), a quem se
atribuem os conceitos mais amplamente aceitos. A ideologia, como aponta a concepção
24

marxista, pode operar através de obscurecimento ou falsa interpretação das situações; mas
essas são possibilidades contingentes, e não características necessárias da ideologia. E
acrescenta que os fenômenos ideológicos são fenômenos simbólicos significativos desde que
eles sirvam, em circunstâncias sócio-históricas específicas, para estabelecer e sustentar
relações de dominação.
Nesse sentido, o autor aponta cinco maneiras através das quais a ideologia pode
operar: a legitimação (quando as formas são apresentadas como legítimas, justas e apoiadas);
a dissimulação (através da ocultação, negação ou mesmo desvio da atenção); unificação
(quando se cria uma identidade coletiva que interliga os indivíduos independente de suas
diferenças); segmentação (quando separam os que podem ameaçar a ordem); e reificação
(quando desconsidera que uma situação é na verdade permanente, natural e atemporal e a trata
como uma situação histórica, transitória).
Enquanto Thompson (1995) concebe um sentido para ideologia dentro da concepção
crítica, Martin Seliger (1976 apud EAGLETON, 1997, p. 20) a define de forma mais neutra,
sendo o “conjunto de ideias pelas quais os homens postulam, explicam e justificam os fins e
os meios da ação social organizada, e especialmente da ação política, qualquer que seja o
objetivo dessa ação, se preservar, corrigir, extirpar ou reconstruir uma certa ordem social”. As
duas concepções podem ser aceitas simultaneamente, conforme defende Terry Eagleton
(1997), desde que se considere a incompatibilidade entre elas, pois provêm de histórias
políticas e conceituais diferentes. A partir dessa interpretação, ele apresenta ideologia como:

1) produtora de ideias, crenças e valores na vida social;


2) ideias e crenças (verdadeiras ou falsas) que simbolizam as condições e experiências
de um grupo ou classe específicos, socialmente significativo;
3) o que promove e legitima interesses de determinados grupos sociais em face de
interesses opostos;
4) aquilo que unifica a sociedade conforme vontade dos governantes;
5) o que legitima interesses através de ideias e crenças que distorcem a realidade;
6) falsas crenças ou ilusões contidas nas estruturas da sociedade.

Estes conceitos sinalizam que os diversos sentidos atribuídos à ideologia podem se


relacionar para a construção de um entendimento de como ela se dá na prática. “Para serem
verdadeiramente eficazes, as ideologias devem ser mais que ilusões impostas e, a despeito de
todas as suas inconsistências, devem comunicar a seus sujeitos uma versão da realidade social
25

que seja real e reconhecível o bastante para não ser peremptoriamente rejeitada”
(EAGLETON, 1997, p. 27). Portanto, não basta se apresentar numa dessas formas,
compreender o sentido de ideologia pode ser bem mais complexo, entrelaçar, ao mesmo
tempo, algumas dessas interpretações ou ir além desses entendimentos.
Sabendo que as ideologias moldam o nosso mundo, seja a partir de “nossas ideias” ou
das ideias que nos são impostas, podemos investir em uma reflexão acerca do jornalismo e
suas implicações no campo da ideologia, já que o jornalismo se configura como um dos
poderes no contexto das sociedades democráticas.

1.4 A ideologia no jornalismo

Nem tudo pode ser descrito como ideologia, como nem tudo deve ser considerado
jornalismo. A primeira pode ser apenas uma explicação de ordem prática como o segundo
que, às vezes, é apenas um discurso interessado, ou seja, um discurso ideológico. Como
explica Eagleton (1997), “a ideologia tem mais a ver com a questão de quem está falando o
quê, com quem e com que finalidade do que com as propriedades lingüísticas inerentes de um
pronunciamento”. Talvez por isso, os livros de jornalismo não queiram abordar a ideologia e
suas implicações no campo jornalístico.
A informação, quando chega ao público, já passou por um processo de interação social
que a configurou conforme ela se apresenta. Fatores internos e externos influenciam a
produção das notícias. “Herman e Chomsky argumentam que o conteúdo das notícias não é
determinado ao nível interior (isto é, ao nível dos valores e preconceitos dos jornalistas), nem
ao nível interno (isto é, ao nível da organização jornalística), mas ao nível externo, ao nível
macroeconônimo” (1989 apud TRAQUINA, 2005, p. 164). Os autores se referem à submissão
do jornalismo aos interesses capitalistas, à configuração da profissão como negócio, como
atividade econômica e lucrativa, o que determina o comportamento do jornalista e da empresa
em que trabalha.
Por consequência, o dito quarto poder, passa a servir aos demais poderes, deixando de
agir como guardião para ser porta voz oficial dos poderes legitimados que operam como
dominadores na sociedade. “Stuart Hall escreve que os media – embora involuntariamente, e
através dos seus próprios „caminhos autônomos‟ – têm-se transformado efetivamente num
aparelho do próprio processo de controle – um „aparelho ideológico de Estado‟”
(TRAQUINA, 2005, p. 175). Na busca da informação, a facilidade de acesso a fontes oficiais,
26

a pressão do tempo e a ausência de senso crítico para retratar os fatos com aprofundamento
fizeram das mídias reprodutoras da ideologia dominante.
Outro fator que levou o jornalismo a esta atual configuração foi a dependência das
fontes governamentais e do mundo empresarial. As notícias se aliaram às instituições
legitimadas, pois as fontes consultadas, por serem oficiais, pertencem à estrutura do poder
estabelecido, consequentemente, as notícias tendem a apoiar o status quo, ou mesmo
constituir o chamado jornalismo chapa-branca, como observa Traquina, frequentemente um
tema ou acontecimento é capaz de servir às relações públicas ou exigências ideológicas de um
grupo de poder.
Robert Hakett (1993, p. 128) lista as principais formas pelas quais as mídias
funcionam como instituição ideológica: favoritismo partidário ou preconceitos políticos;
critérios de noticiabilidade; características tecnológicas de cada meio noticioso; logística da
produção jornalística; retraimentos orçamentais; inibições legais; disponibilidade das fontes;
necessidade de contar „estórias‟ de modo inteligível e interessante; necessidade de empacotar
a notícia de um modo que seja compatível com o imperativo comercial de vender audiências
aos anunciantes; e formas de aparência dos acontecimentos sociais e políticos.
Nesse novo formato, a comunicação em massa e o jornalismo são instrumentos que
contribuem com a ideologia. São eles que nos apresentam a realidade, nos mostram sobre o
que pensar e até mesmo como pensar, nos fornecem ideias e influenciam nossos desejos,
então, podem ser vistos como parte de um processo hegemônico ou de legitimação, já que
estão sendo utilizados pelos poderosos.

1.4.1 Informação, opinião e ideologia

Dividir o jornalismo em informação e opinião, ou em relatos e comentários como


propôs Chaparro (2008), não é o suficiente para garantir o jornalismo como imparcial e fiel
aos acontecimentos. Imparcialidade e objetividade são características relacionadas, até hoje,
ao jornalismo, o que o legitima na sociedade como quarto poder. No entanto, é preciso
reconhecer que a informação por mais pura que se apresente, está servindo a uma ideologia,
defendendo ou pregando uma ordem.
Os meios de comunicação coletiva, através dos quais as mensagens
jornalísticas penetram na sociedade, bem como os demais meios de
reprodução simbólica, são „aparatos ideológicos‟, (...) atuando como uma
„indústria da consciência‟, de acordo a perspectiva que lhes atribui
Enzensberger, influenciando pessoas, comovendo grupos, mobilizando
comunidades, dentro das contradições que marcam as sociedades. São
27

veículos que se movem na direção que lhes é dada pelas forças sociais que
os controlam e que refletem também as contradições inerentes às estruturas
societárias em que existem. (...) O jornalismo não exclui a reprodução
verdadeira dos acontecimentos, seja qual for a orientação ideológica da
instituição ou de seus profissionais. Mas a medida da veracidade é uma
conseqüência da disponibilidade de fontes de difusão jornalísticas que
permitam à coletividade a confrontação dos fatos e de suas versões (MELO,
2003, p. 73-74).

Como o jornalismo não se restringe à informação em forma de notícia, precisamos


considerar a informação apresentada através das opiniões. Pois o texto argumentativo tem
relação direta aos acontecimentos apresentados pelo jornalismo noticioso e por isso não deixa
de ser uma fonte de informação, diferente por estar aliada ao posicionamento do seu autor
diante dos fatos, dados e provas reais. José Marques de Melo aponta que a expressão da
opinião, como mecanismo de direcionamento ideológico, corporifica-se nos processos
jornalísticos através de seleção das incidências observadas no organismo social a que atendem
às características de atual e de novo.
Portanto, não é uma opinião qualquer que ocupa espaço no jornalismo. Ela deve
apresentar os mesmos valores-notícia, tais como relevância, proximidade, interesse,
curiosidade. No entanto, a opinião legitimada como jornalística também se configura
conforme uma simples opinião, pois nada mais é que um conjunto de juízos, lógicos e
momentâneos, pertencentes a um grupo ou a uma só pessoa.
Mesmo agindo o tempo todo como aparatos ideológicos, é através dos espaços para a
opinião que os medias, de fato, direcionam o seu discurso e assumem posições. Afinal, a
opinião é uma construção subjetiva que mantém relação ou que reage à realidade, e portanto,
às ideologias. Na maioria das vezes a opinião legitima, através do discurso, a ideologia, tendo
em vista que a prática jornalística e a construção da notícia se dão da mesma forma.

1.4.2 O lugar da verdade no jornalismo

Uma atividade voltada para o lucro e ao mesmo tempo com grandes responsabilidades
nas sociedades democráticas, o jornalismo se justifica pelo seu papel de informante. No
entanto, se ele está legitimado como guardião da sociedade e contribui com a participação do
cidadão nesta, ele não apenas informa, como tem a missão de formar os cidadãos.
Esse processo de formação ocorre através dos conteúdos e das mensagens que os
medias transmitem, são as informações que armam o cidadão para o confronto diário com a
realidade. E, considerando as estruturas que existem do campo jornalístico, as mensagens
28

jornalísticas, independente do formato assumido para transmissão do fato, estão direcionadas


e apresentam não só a informação como também qual deve ser a reação do cidadão diante do
acontecimento. As opiniões dos cidadãos pertencem, portanto, à mídia. Porém, os jornalistas
não são donos da verdade, e as opiniões que ajudaram a construir a notícia e mesmo aquela
que ocupa o seu devido espaço, estão sujeitas às falhas e equívocos, afinal, nenhuma opinião
dá garantia de validade.
Diante do exposto, há de se fazer a reflexão sobre o lugar da verdade no jornalismo.
As ideologias, a subjetividade e as opiniões estão presentes em qualquer momento da prática
jornalística. A objetividade e a imparcialidade também, ao menos aparentemente, já que são
mantidas pela comunidade jornalística e integra o ethos do jornalista. No entanto, o
compromisso com a verdade só está garantido através desses valores que fazem parte apenas
das aparências. Para ser fiel com a verdade, o jornalista não deveria emitir opiniões, deveria
informar e deixar que as pessoas formassem suas opiniões, mas o simples ato de informar já
está condicionado ao modo em que o jornalista interpreta o mundo.
A noção mais clássica e prática de verdade, pelo critério aristotélico, é aquilo que tem
correspondência com a realidade, ou seja, com o palpável, com o observável. Então, é
impossível a mídia retratar a verdade, já que somente uma pequena fração da realidade é
apresentada. E, ainda assim, quando apresentada é inviável apresentar todas as implicações do
fato e tudo o que envolve o acontecimento.
Apresentada como a primeira lealdade do jornalista, a verdade é assumida por Kovach
e Rosenstiel como um objetivo:
Uma vez verificados os fatos, os repórteres tentam armar um relato
equilibrado e confiável desses mesmos fatos, válidos por agora, mas sujeito a
uma investigação posterior (...). Obter a informação mais próxima da versão
completa da verdade tem conseqüências reais, (...) considerando que a
presença da inverdade tem sido muito mais prevalecente (KOVACH;
ROSENSTIEL, 2003, p. 73-77).

No entanto, a verdade e a objetividade, assim como a liberdade de imprensa, são


alguns dos nobres valores sociais que fazem parte da ideologia jornalística, que tomou tal
configuração quando o jornal passou a ser uma mercadoria.
29

Capítulo II

ENQUADRAMENTOS NA MÍDIA

2.1 Uma noção de enquadramento

Durante o processo de construção da notícia, os jornalistas selecionam, excluem e


ordenam fatos e informações a todo o momento. Esse processo é o que dá forma ao conteúdo
e à mensagem jornalística, considerada reflexo da realidade que nos cerca. No entanto, esta
mensagem assumiu um determinado enquadramento para se apresentar como tal – e este não é
percebido pelo público, ou até mesmo pelo jornalista.
A noção de enquadramento foi desenvolvida por norte-americanos, sendo a obra
Frame analysis (1986), do sociólogo Erving Goffman, a referência principal sobre o assunto.
No Brasil, somente Porto (2004) desenvolveu referencial teórico acerca do conceito, ainda
que, segundo ele, desde 1994, este tem sido o enfoque de pesquisadores brasileiros para
realizar trabalhos sobre a cobertura jornalística e o comportamento da mídia diante de fatos
conflituosos, como eleições e movimentos sociais: “o conceito de enquadramento (framing),
apesar de encontrar-se em estado embrionário, suas aplicações têm dinamizado o campo da
comunicação política, oferecendo uma nova perspectiva para entender o papel da mídia”. A
partir da noção de enquadramento, pôde-se notar que a mídia não só define sobre o que falar e
pensar, mas também como falar e pensar. Além de ter contribuído com as reflexões acerca da
imparcialidade e objetividade jornalísticas.
O conceito de Goffman é o primeiro mais sistemático e aplicado às análises das
interações sociais. Para o sociólogo, o enquadramento é como os princípios de organização
que governam os eventos sociais e o nosso envolvimento neles. “Segundo o autor, tendemos a
perceber os eventos e situações de acordo com enquadramentos que nos permitem responder à
pergunta: „o que está ocorrendo aqui?‟” (PORTO, 2004, p. 78). Tal questão é a mesma que os
jornalistas buscam responder diariamente. Seguindo o pensamento de Goffman, podemos
dizer que enquadramentos são maneiras de interpretar e dar sentido ao que se passa ao nosso
redor.
O estudo de Porto também utiliza a psicologia cognitiva para explicar a noção de
enquadramento. Por meio de uma pesquisa, Kahneman e Tversky constataram que mudanças
na formulação de problemas provocam variações nas percepções das pessoas, ou seja, um
30

mesmo fato pode ser interpretado de diferentes maneiras dependendo da forma como ele foi
apresentado. Assim, o enquadramento configura-se como um instrumento de poder, já que os
“efeitos de formulação podem ocorrer sem ninguém ter consciência do impacto do
enquadramento adotado nas decisões e podem ainda ser explorados para alterar a atratividade
relativa das opções” (PORTO, 2004, p. 79). Disto pode-se inferir que o enquadramento passa
a ser uma ferramenta para aqueles que têm como transmitir o seu jeito de pensar para os
demais.
No campo dos estudos comunicacionais, a socióloga Gaye Tuchman foi quem
primeiro aplicou o conceito de enquadramento. No livro Making news (1978), Tchuman
defende que o enquadramento constitui uma característica das notícias, pois elas “impõem um
enquadramento que define e constrói a realidade, (...) a autora sugere que notícias são „um
recurso social cuja construção limita um entendimento analítico da vida contemporânea‟”
(apud PORTO, 2004, p. 79)1. Mais tarde, seguindo o mesmo entendimento da socióloga,
Todd Gitlin (1980) propõe a primeira definição clara acerca do conceito de enquadramento:
Os enquadramentos da mídia (…) organizam o mundo tanto para os
jornalistas que escrevem relatos sobre ele, como também, em um grau
importante, para nós que recorremos às suas notícias. Enquadramentos da
mídia são padrões persistentes de cognição, interpretação e apresentação, de
seleção, ênfase e exclusão, através dos quais os manipuladores de símbolos
organizam o discurso, seja verbal ou visual, de forma rotineira (apud
PORTO, p. 80, 2004)2.

Há, portanto, forças que agem e influenciam durante a organização do discurso. O que
faz o jornalista escolher uma informação e excluir outra, buscar uma determinada fonte ou
destacar certos dados está ligado às ideias que organizam as tomadas de atitude do jornalista.
Estas ideias estão relacionadas a preconceitos, modo de vida, comportamentos,
relacionamentos pessoais, constrangimentos organizacionais, rotina, condições de trabalho,
espaço e tempo. Essas forças internas e externas podem reproduzir as forças ideológicas
dominantes, ou mesmo, ir de encontro. Segundo Karl Manoff (apud SOUSA, 1999, p.47), a
escolha de um frame não é inteiramente livre, pois depende do “catálogo de frames
disponíveis” num determinado momento socio-histórico-cultural3. Ou seja, depende do
aspecto que o jornalista assume como o real nesse momento, bem como da sua experiência,
que molda sua percepção.

1
TUCHMAN, Gaye. Making News. New York: The Free Press, 1978.
2
GITLIN, Todd. The Whole World is Watching. Berkeley: University of California Press, 1980.
3
Manoff, R. K. Writing the news (by telling the 'story'). In Manoff, R. K.; Schudson, M. (Ed.). Reading the
News. New York: Pantheon Books, 1986.
31

Um enquadramento não é necessariamente um processo consciente por parte


dos jornalistas; pode muito bem ser o resultado da absorção inconsciente das
pressuposições a cerca do mundo social na qual a notícia tem de ser
embutida de modo a ser inteligível para o seu público pretendido. (...) a
notícia e as ideologias sociais dominantes estão integralmente ligadas. Estas
últimas são o elo entre os chamados „fatos‟ da notícia e as conjecturas
antecedentes que possibilitam ao público compreender os „fatos‟. Do mesmo
modo, Hall (1982, p. 72) defende que os relatos podem ser ideológicos, “não
por causa da parcialidade ou distorções manifestas dos seus conteúdos
superficiais, mas porque são produzidos a partir de uma limitada matriz
ideológica, ou porque são transformações assentes nessa mesma matriz” –
um conjunto de regras e conceitos destinado a dar sentido ao mundo que se
encontra sistematicamente limitado pelo seu contexto social e histórico
(HACKETT, 1993, p. 121).

Dessa forma, podemos afirmar que enquadramento é o modo que cada pessoa
interpreta e dá sentido a todas as coisas, a partir da seleção daquilo que lhe é compreensível e
aceitável. Da mesma forma, o jornalista, na prática, reproduz os fatos e as informações de
acordo sua interpretação e seu sentido. O enquadramento de mídia é, como afirma Scheufele
(cf. PORTO, 2004), uma forma de construtivismo social, onde diferentes interpretações da
realidade lutam entre si para convencer maior número de pessoas e ser, de fato, representação
do real.
Após revisar os estudos sobre enquadramentos da mídia, Robert Entman apresentou
uma definição com os principais aspectos do conceito:
O enquadramento envolve essencialmente seleção e saliência. Enquadrar
significa selecionar alguns aspectos de uma realidade percebida e fazê-los
mais salientes em um texto comunicativo, de forma a promover uma
definição particular do problema, uma interpretação causal, uma avaliação
moral e/ou uma recomendação de tratamento para o item descrito (apud
PORTO, p. 82, 2004)4.

Com os estudos do enquadramento de mídia, lacunas de teorias existentes passam a ser


preenchidas e paradigmas em declínios começam a ser substituídos. O mito da
imparcialidade, por exemplo, deve ser superado com o entendimento dos enquadramentos de
mídia. Segundo Porto (2004), a sustentação desse mito não é suficiente para o entender as
relações entre mídia e política, pois tornam invisíveis outros aspectos.
A impossibilidade da comunicação imparcial também é apontada por Robert Hackett
(1993), que propõe substituir o conceito de parcialidade por orientação estruturada, o que é
muito mais abrangente, pois inclui vários tipos de orientações e relações sistemáticas que,

4
Entman, Robert. Framing: Toward clarification of a fractured paradigm. In LEVY, M.; GUREVITCH, M.
(Ed.). Defining Media Studies. New York: Oxford University Press, 1994, p. 293-300.
32

inevitavelmente, estruturam os relatos noticiosos. Esta orientação estruturada se dá e se


mantém através dos enquadramentos adotados pelos jornalistas, que trabalham conforme a
estrutura organizacional encontrada.
Hackett argumenta que o conteúdo da mídia pode desempenhar um papel
político e ideológico importante não apenas quando existe ou falta
“objetividade” e/ou “imparcialidade”, mas também quando este conteúdo é
produzido a partir de uma matriz ideológica limitada. Essa matriz seria
composta por um conjunto de regras e conceitos (uma “estrutura profunda”)
que são ativados pelos jornalistas, nem sempre de forma consciente e sem
necessariamente existir uma intenção deliberada de iludir ou manipular.
Segundo Hackett, um dos fatores mais importantes da “estrutura profunda”
que rege a produção do noticiário são os “enquadramentos” aplicados pelos
jornalistas em seus relatos (PORTO, 2004, p. 75-76).

As mídias, os jornalistas e, principalmente, os teóricos e a academia reconhecem que é


impossível a produção imparcial de notícias e a reprodução fiel dos fatos. Hackett (1993: 127)
alerta que já não podemos limitar a pressupor a possibilidade de comunicação imparcial, de
notícias objetivas e independentes acerca de um alegado mundo político e social exterior. A
objetividade nos media já não pode ser entendida como o oposto de ideologia. Ideologia,
segundo o próprio Hackett, nada mais é que um sistema de enquadramentos através dos quais
a pessoa vê o mundo e aos quais ajusta as suas ações, é a forma como cada pessoa percebe a si
mesma e ao mundo e controla o que é visto como natural ou óbvio.
A noção de imparcialidade permanece no campo jornalístico graças aos ditames que
ela oferece para garantir às notícias equilíbrio e proximidade ao real. No entanto, o discurso
de conteúdos objetivos e independentes do mundo exterior faz parte do ethos jornalístico, pois
esta crença contribui com a manutenção da credibilidade que o jornalismo conquistou na
sociedade.
Todavia, assumir as ligações com o mundo exterior não implica na perda da
credibilidade jornalística. Pelo contrário, as mídias seriam fiéis ao seu público e agiria
eticamente, deixando de pregar um discurso que na prática é impossível de ser realizado. Para
Hackett, “a mudança da imparcialidade para a ideologia parece ser importante se quisermos
compreender suficientemente os papéis políticos do jornalismo” (1993, p. 129). Este
comportamento não torna os meios manipuladores da realidade, mas faz com que o público
perceba que as mensagens estão enquadradas conforme a orientação estruturada de cada meio.
Como vimos, o enquadramento das mensagens acontece em qualquer veículo comunicacional,
independente de expor suas posições com o mundo exterior.
Antes de partirmos para os possíveis tipos de enquadramento, é preciso esclarecer as
diferenças entre enquadramento, ponto de vista e opinião. Como vimos, o enquadramento
33

pode ser entendido como o ângulo de abordagem que o jornalista irá adotar, pois,
independente do veículo jornalístico, qualquer assunto envolve um número significativo de
desdobramentos que podem ser noticiados. O ponto de vista (ou a tendência), segundo Sergio
Vilas Boas (1996), depende das noções vividas (ou lidas) que o nosso pensamento transmite
para o nosso discurso, e diferentemente do enquadramento, admite a interpretação do
leitor/público. Pode ser entendido como o propósito do texto, não necessariamente explícito,
e, portanto, é a partir do enquadramento adotado pelo jornalista que ele se manifesta. Já a
opinião é quando há uma atitude do jornalista de valorizar o fato e o seu sentido, ou seja, a
partir de determinado ponto de vista, ele mesmo interpreta os fatos.

2.1.1 Tipos de enquadramentos

Os estudos e as pesquisas realizadas no campo da comunicação têm identificado


diferentes tipos de enquadramentos realizados e presentes na mídia. Resultados das múltiplas
interações que ocorrem durante a produção das notícias, os enquadramentos são constituídos
através das tradicionais pressuposições do jornalismo, apontadas por Traquina: “1) as notícias
envolvem acontecimentos e não as condições que produzem os acontecimentos; 2) as notícias
privilegiam as pessoas e não o grupo; 3) as notícias destacam o conflito e não o consenso; 4)
as notícias privilegiam o fato que alimenta a estória e não o fato que a explica” (2003, p. 198).
No entanto, ainda dependem da inspiração e da criatividade do jornalista, que narra os fatos
para seduzir leitores e/ou atribuir significados.
A partir dos estudos sobre enquadramento realizados por Mauro Porto (2004), é
possível listar alguns tipos de enquadramentos de mídia:

- Enquadramento temático: destaca um nível ou contexto analítico mais geral que vai além
dos “fatos”;
- Enquadramento corrida de cavalos: em tempo de eleições, apresenta quem está crescendo
ou caindo, focalizando o desempenho dos candidatos nas pesquisas e as estratégias para
manter a dianteira ou melhorar o desempenho nas pesquisas;
- Enquadramento do jogo: noticia a política em termos estratégicos e ressalta as intenções e
ações dos diversos “jogadores”;
- Enquadramento episódico: possui um forte foco em eventos e faz com que as pessoas
atribuam a responsabilidade pelos problemas políticos e sociais a indivíduos, em lugar da
consideração de forças ou fatores sociais mais amplos;
34

- Enquadramento estratégico: chama a atenção do público para o cinismo e as manipulações


dos políticos, ativando a desconfiança do público;
- Enquadramento de interesse humano: focaliza indivíduos e personaliza a cobertura da
mídia destacando o lado emocional;
- Enquadramento dramático: ressalta elementos de violência, perigo e conflito;
- Enquadramento moral: inclui a crítica moral, reclama racionalidade e responsabilidade;
- Enquadramento oficialista: julga e indica causas dos fatos com base nas evidências;

Tal classificação pode ser utilizada para analisarmos o comportamento atual dos
veículos jornalísticos, que, na busca da objetividade, apresentam os fatos de forma simplista e,
na maioria das vezes, descontextualizada. Os tipos de enquadramentos apontados por Porto
são facilmente identificados na cobertura de temas políticos, pois envolvem conflitos e
embates de opinião, forçando o meio jornalístico a assumir uma postura diante dos fatos, o
que quase sempre aparece implicitamente.
Outros estudiosos que colocaram o enquadramento no centro de suas investigações são
Semetko e Valkenburg (apud SOARES, 2006, p. 453), os quais identificaram quatro tipos de
enquadramentos frequentes na imprensa holandesa, entre eles, o de interesse humano; os
outros três são: de conflito, das consequências econômicas e da responsabilidade5. O
enquadramento de conflito é aquele que reduz o debate complexo à oposição simplista. O
enquadramento das conseqüências econômicas enfoca os resultados econômicos de um fato
atribuindo-os a um grupo, ou indivíduo. O enquadramento da responsabilidade atribui a causa
de um problema a um grupo ou a um indivíduo – estes últimos se aproximam do
enquadramento episódico.
Retornando a Porto, este distingue dois tipos principais de enquadramento: os
enquadramentos noticiosos e os enquadramentos interpretativos. E são estas noções de
enquadramentos adotadas para esta pesquisa.
Esta distinção entre dois tipos principais de enquadramento é fundamental
para evitar a confusão que tem caracterizado as aplicações do conceito. (...)
Enquadramentos noticiosos são padrões de apresentação, seleção e ênfase
utilizados por jornalistas para organizar seus relatos. No jargão dos
jornalistas, este seria o "ângulo da notícia", o ponto de vista adotado pelo
texto noticioso que destaca certos elementos de uma realidade em detrimento
de outros. (...) Uma característica importante dos enquadramentos noticiosos
é o fato de que eles são resultado de escolhas feitas por jornalistas quanto ao

5
SEMETKO, H. A.; VALKENBURG, P. M. Framing european politics: a content analysis of press and
television news. Journal of Communication, 50 (2), p. 93-109, June, 2000.
35

formato das matérias, escolhas estas que têm como conseqüência a ênfase
seletiva em determinados aspectos de uma realidade percebida (PORTO,
2004, p. 91-92).

Para o autor, entre os enquadramentos noticiosos estão outros tipos de enquadramento,


como o de interesse humano, o episódico, o corrida de cavalos (horse race frame) e o
enquadramento temático (thematic frame). Por outro lado, o enquadramento interpretativo
apresenta um nível mais específico e maior independência relativa em relação ao jornalista:
Enquadramentos interpretativos são padrões de interpretação que promovem
uma avaliação particular de temas e/ou eventos políticos, incluindo
definições de problemas, avaliações sobre causas e responsabilidades,
recomendações de tratamento, etc. Estas interpretações são promovidas por
atores sociais diversos, incluindo representantes do governo, partidos
políticos, movimentos sociais, sindicatos, associações profissionais, etc.
Apesar do fato que jornalistas também contribuem com seus próprios
enquadramentos interpretativos ao produzir notícias, este tipo de
enquadramento tem origem geralmente em atores sociais e políticos externos
à prática jornalista. Trata-se aqui de interpretações oriundas de um contexto
mais amplo que podem ser incorporadas ou não pela mídia (PORTO, 2004,
p. 92).

O jornalista define, intencionalmente ou não, o enquadramento de sua mensagem logo


no início da produção noticiosa ao escolher a sua fonte. Segundo Porto (2004, p. 92), em
geral, os enquadramentos noticiosos são criados por jornalistas e os interpretativos são
elaborados por atores políticos e sociais. Como as normas da imparcialidade e objetividade
jornalísticas inibem a apresentação do pensamento do jornalista, são nos espaços de opinião
ou em matérias analíticas que os jornalistas apresentam seus enquadramentos interpretativos.
No entanto, através das fontes que busca, é possível que o jornalista apresente, através das
opiniões alheias, a sua interpretação acerca dos fatos.
O enquadramento noticioso é constituído através dos métodos e técnicas adotados pelo
jornalista. A seleção e a exclusão fazem parte desse processo que irá resultar na narrativa
daquilo que está acontecendo. Através das noções de relevância que a produção noticiosa é
coordenada, limitada pela linha editorial do veículo, pelas intenções da pauta, pelo contexto
sócio-organizacional, pelo próprio campo jornalístico e ainda pela criatividade,
comportamento e conhecimento do jornalista.

2.1.2 Enquadramento ou manipulação do real?

A manipulação dos fatos através das informações transmitidas pela mídia é, segundo
Perseu Abramo (2003), característica do jornalismo brasileiro. A manipulação pode ser
36

entendida como um processo que distorce a realidade e produz um material que tem algum
tipo de relação com a realidade, mas que na verdade é uma realidade artificial, criada e
desenvolvida pela imprensa. Apesar de ocorrer de muitas formas, ela não é encontrada em
todo o material produzido pela imprensa.
Enquanto que todo e qualquer processo comunicacional se dá através de determinado
enquadramento, pois ele é a forma que temos para dar sentido a nossas experiências – e,
portanto, entendê-las e retransmiti-las. Assim, o enquadramento é um processo inevitável ao
qual todos, inclusive os jornalistas, estão sujeitos e, por isso, não se refere apenas a processos
de manipulação da realidade. Todavia, durante o processo de construção da notícia é possível
utilizar determinados enquadramentos visando manipular a realidade.
Em ensaio sobre a manipulação na grande imprensa, Perseu Abramo (2003, p. 24) diz
que “a relação entre a imprensa e a realidade é parecida com aquela entre um espelho
deformado e um objeto que ele reflete: a imagem do espelho tem algo a ver com o objeto, mas
não só não é o objeto, como não é a sua imagem”. Tal afirmação não se apoia apenas nos
exemplos em que a intenção do jornalista era, de fato, manipular a realidade, mas sim na
crença de que toda a imprensa apresenta uma realidade artificial, criada, desenvolvida e
apresentada no lugar da realidade real.
Dessa forma, “a maior parte dos indivíduos move-se num mundo que não existe, e que
foi artificialmente criado para ele justamente a fim de que ele se mova nesse mundo irreal”
(ABRAMO, 2003, p. 24). O indivíduo só percebe a contradição entre a realidade que vive e
aquela apresentada pela imprensa quando ele é sujeito envolvido, testemunha ou protagonista,
e que a conhece de fato.
Ocultar, fragmentar, induzir, inverter e/ou reordenar são características do texto e da
prática jornalística. Elas são apontadas por Abramo como padrões da manipulação e como
parte da produção cotidiana da imprensa. Tanto que é impossível fazer jornalismo sem utilizar
esses “padrões”. Porém, para utilizá-los, o jornalista deve lançar mão do seu caráter moral, ou
seja, ter como base a honestidade e a ética de jornalista e da empresa em que atua.
Os jornalistas e os estudiosos da área precisam reconhecer que o processo de
construção das notícias e as limitações da prática jornalística proporcionam a manipulação do
real, assim como está legitimando os enquadramentos noticiosos. Afinal, independentemente
do veículo jornalístico, um mesmo acontecimento não deveria ser apresentado da mesma
forma e com as mesmas informações por todos os jornalistas? Aqueles que respondem
positivamente tomam como base a imparcialidade da imprensa e a independência dos
jornalistas ao mundo exterior.
37

A noção de enquadramento pode justificar a resposta negativa, pois reconhece ser


impossível agir imparcialmente e, portanto, são os enquadramentos, as intenções e a
pessoalidade do jornalista que irão definir como os fatos serão apresentados, ou melhor, qual
sentido as notícias irão assumir. Os enquadramentos são, conforme Tuchman (apud Soares,
2006, p. 451), “uma característica essencial às notícias, as quais definem a realidade e balizam
o entendimento da vida contemporânea”. Ou seja, a imparcialidade jornalística foi de uma vez
por todas descartada.
“O órgão de comunicação não apenas pode, mas deve orientar seus
leitores/espectadores, a sociedade, na formação da opinião, na tomada de posição e na ação
concreta como seres humanos e cidadãos” (ABRAMO, 2003, p. 38). Então, a imprensa e os
jornalistas devem assumir que agem conforme enquadramentos definidos pelo seu contexto
sócio-cultural, influenciados, principalmente, por ideologias, inclusive as que regem o
ambiente de trabalho e o campo jornalístico.
Segundo Cremilda Medina (1988), o primeiro entre os componentes da mensagem
jornalística é a angulação, pois desde a pauta se identifica as características da empresa onde a
mensagem será transmitida. E este processo de angulação segue “nas formulações dos textos,
nos apelos visuais e linguísticos, na seleção das fotos, a preocupação em corresponder a „um
gosto médio‟ ou, em outros termos, em embalar a informação com ingredientes certos de
consumo” (MEDINA, 1988, p. 75). As forças sociais que interagem com o jornalista também
contribuem com a composição da mensagem jornalística, tanto as suas relações individuais ou
em grupos, como com os colegas de trabalho, quanto as relações que mantém com o seu
público conotam sentido em suas mensagens.
Como o processo de construção da mensagem jornalística é influenciado por
diferentes fatores, como por exemplo, as fontes que busca ouvir e as informações que
consegue, é preciso reconhecer que a realidade apresentada pelos jornalistas é apenas uma das
leituras possíveis de um fato. A imprensa apresenta uma realidade que não é a própria
realidade, que pode ser tomada como uma manipulação do real, assim como pode ser
entendida como um enquadramento de mídia. No entanto, a mensagem jornalística, seja ela
apresentada como informação ou opinião, ainda é entendida como a fiel representação dos
fatos e da real realidade.
38

2.2 Estudo do enquadramento

Os enquadramentos foram estudados, primeiramente, por duas importantes áreas do


conhecimento humano, a sociologia e a psicologia, para então, em 1978, ser objeto de
pesquisas dentro da área de comunicação. O enquadramento foi apresentado nesta época, por
Tuchman, como o instrumento que define e constrói, a partir das notícias, a realidade, e ainda,
como elementos determinantes durante a produção noticiosa.
Os estudos sobre enquadramento têm motivado os pesquisadores brasileiros a analisar
o conteúdo midiático sob esta nova perspectiva. Os principais temas da cobertura jornalística
que são analisados a partir do enquadramento são os assuntos políticos, principalmente
durante o período eleitoral, e ainda os conflitos sociais, na maioria das vezes os que estão
relacionados aos movimentos organizados da sociedade.
Além de substituir a ideia de imparcialidade do jornalismo, os estudos do
enquadramento têm contribuído com o melhor entendimento do papel social da mídia e das
implicações que provoca dentro do campo político. Robert Hackett (1993, p. 129-130), diz
que “as análises dos enquadramentos noticiosos (ou „interpretações preferenciais‟) em
interação com o seu contexto social tem contribuído bastante para a nossa compreensão dos
media enquanto força ideológica”. Ainda que em estágio inicial, os estudos na área começam
a interferir na compreensão do jornalismo não só no campo jornalístico como em toda a
sociedade.
Reconhecer o jornalismo como força ideológica implica em assumir, de vez, que os
jornalistas, de fato, não atuam segundo as teorias que apostam na imparcialidade – entendida
como impessoalidade e independência ao mundo externo às redações. Afinal, uma força
ideológica atua conforme e defende uma determinada ideologia, e por isso o jornalista
enquadra os fatos que tornarão notícias sob a mesma ótica.
A partir de análises de enquadramentos é possível identificar, por exemplo, que um
mesmo assunto ou fato recebe diferente tratamento em veículos diferentes devido aos
enquadramentos que são utilizados pelos jornalistas. Ou mesmo, diferentes enquadramentos
são utilizados dentro de um veículo para retratar determinado assunto sob as suas intenções.
Alonso de Albuquerque foi quem, em 1994, realizou o primeiro trabalho nesta área
aqui no Brasil, analisando a cobertura da eleição presidencial realizada pelo Jornal Nacional
(Rede Globo) e identificando que os candidatos Luís Inácio Lula da Silva e Fernando
Henrique Cardoso receberam tratamentos diferentes. Outra análise foi feita em 1997, por
Gustavo Fabrício, do mesmo telejornal durante as eleições presidenciais de 1994, que
39

identificou um enquadramento favorável ao Fernando Henrique devido à forma que o Plano


Real foi apresentado pelo jornal. Outra pesquisa, também de 1997, observou como os
principais telejornais do Brasil, Jornal Nacional e TJ Brasil, trataram de forma diferente
assuntos que envolviam o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.
Segundo Mauro Porto (2004, p. 10), em 1998, nas pesquisas acadêmicas realizadas
sobre a eleição presidencial que se expandiu o conceito de enquadramento. “O conceito de
enquadramento permitiu aos pesquisadores ressaltar a clara ressonância que havia entre as
estratégias de campanha de Cardoso e o cenário construído pela mídia”. No entanto, o autor
alerta para um forte “indeterminismo conceitual”, devido às diversas formas de utilizações do
conceito. Para esclarecer o conceito “é preciso especificar os diferentes níveis de análise e,
como conseqüência, definir mais claramente os diversos tipos de enquadramento” (p. 90).
Com a expansão do conceito nas pesquisas na área do jornalismo, o enquadramento tem ainda
servido para estudos comparativos entre o jornalismo praticado no Brasil e o de outros países.

2.2.1 Análise de enquadramento

Com o amadurecimento do conceito de enquadramento e as contribuições que o tema


tem recebido das diversas áreas de pesquisa, a análise do conteúdo midiático com base nesse
entendimento da produção das notícias se apresenta como uma nova metodologia da pesquisa
em comunicação. Murilo Cezar Soares aponta a análise de enquadramento como uma
metodologia que toma como objeto a forma como a mensagem jornalística se apresenta.
Trata-se de uma abordagem que salienta o caráter construído da mensagem,
revelando a sua retórica implícita, entranhada em textos supostamente
objetivos, imparciais e com função meramente referencial. No entanto,
refere-se à natureza do texto jornalístico em geral, numa perspectiva
sociocultural e política, não implicando um questionamento da atuação
profissional dos autores das matérias. Ao desenvolver a análise, o
pesquisador identifica as estratégias textuais e as representações contidas em
um corpus, podendo estabelecer, por exemplo, contrastes entre coberturas
diferentes, as quais, a uma simples leitura, podem parecer semelhantes
(SOARES, 2006, p. 450).

Através da análise de enquadramento de matérias jornalísticas é possível fazer


interpretações específicas sobre o texto jornalístico analisado com base em dados que ele
mesmo nos fornece e revela, por exemplo, sentidos implícitos e representações midiáticas.
Um primeiro passo para a realização de uma análise de enquadramento é a definição
do nível em que se está trabalhando, se é enquadramento noticioso ou interpretativo,
conforme diferencia Mauro Porto. “Isto não significa, todavia, que pesquisadores não possam
40

trabalhar nos dois níveis simultaneamente. Uma linha de pesquisa interessante poderia tratar,
por exemplo, da relação entre os dois tipos de enquadramento” (PORTO, 2004, p. 93). Essa
definição é importante para a construção de um marco teórico claro, sistemático e coerente a
partir do conceito assumido pelo pesquisador. No entanto, não é preciso, nem possível
segundo Porto, construir uma teoria que aborde todos os aspectos tratados pelos estudos do
enquadramento da mídia.
Adiante, a pesquisa deve identificar as interpretações e as controvérsias que são
apresentadas pela mensagem jornalística e “o pesquisador deve analisar não só os
enquadramentos dominantes ou de grupos influentes, mas também incluir as interpretações
promovidas por movimentos sociais ou de oposição, inclusive aquelas que são excluídas pela
mídia” (PORTO, 2004, p. 94). Dessa forma, a pesquisa irá considerar os fatores que
influenciam o processo de enquadramento dado pela mídia.
Durante a realização da análise de enquadramentos, o observador não deve limitar sua
análise sob a óptica quantitativa ou qualitativa, mas adotar um enfoque integrado que inclua
tanto as questões quantitativas, como o espaço ocupado ou o número de vezes que aparece
determinada fonte, como as questões qualitativas, que buscam no texto suas estruturas
sintáticas e retóricas.
Soares (2006) descreveu a análise de enquadramento nas seguintes etapas:

1) definir o objeto a ser analisado e identificar o problema de pesquisa e sua


fundamentação teórica;
2) indicar quais publicações e linha editorial, período da observação, coletar aspectos
relevantes do texto, eleger categorias de análise e relacioná-las;
3) descrever as reportagens em análise afim de caracterizá-las como um todo;
4) confrontar e interpretar os dados, visando explicar ou compreender o
enquadramento identificado nos textos.

A realização da análise, segundo Soares, deve se constituir a partir dos seguintes


passos: a partir da leitura dos textos escolhidos para a análise, identificar os aspectos mais
relevantes e criar categorias de análise, enfocando pontos que suscitem maiores contrastes nos
enquadramentos; a partir de uma análise descritiva, caracterizar as reportagens de maneira
geral; interpretar os dados obtidos a partir das categorias apontadas anteriormente; confrontar
os resultados e teorizar os dados descritos visando a explicação ou a compreensão dos
enquadramentos.
41

Conforme o roteiro resumidamente apresentado, a proposta metodológica de Soares


foi construída com base nas próprias metodologias da pesquisa em comunicação, em que
definição do objeto, observação, descrição e interpretação formam o processo investigativo da
pesquisa científica. E esta é proposta metodológica adotada por esta pesquisa que pretende
analisar os enquadramentos noticiosos nas edições das revistas CartaCapital e Veja que
destacaram em suas capas a renúncia do presidente cubano Fidel Castro.
42

Capítulo III

A RENÚNCIA DE FIDEL CASTRO NAS REVISTAS


CARTACAPITAL E VEJA

3.1 Jornalismo de revista

O jornalista deve ter em mente que o seu maior compromisso é com o público, e por
isso, deve manter a sua independência dentro e fora das redações. Independentemente do tipo
de veículo, o jornalista tem que respeitar os limites éticos e atuar com responsabilidade ao
utilizar as técnicas que tem à disposição, principalmente durante os processos de apuração. As
diferenças entre o jornalismo praticado por diversos meios residem nas características de
linguagem e formato, que se adaptam de acordo as condições e necessidades do veículo.
A principal característica do jornalismo de revista que o diferencia dos outros meios é
a sua maior preocupação com o leitor, pois a revista tem um público bem definido, ou mesmo
segmentado, desde a sua origem. Criada em 1663 na Alemanha, com cara e jeito de livro, a
Erbauliche Monaths-Unterredungen é considerada a primeira revista do mundo por reunir
vários artigos sobre teologia, portanto, a primeira publicação destinada a um público
específico. Somente em 1731, em Londres, que surgiu a primeira revista mais parecida às que
conhecemos hoje, com o nome The Gentleman’s Magazine.
As revistas ganharam espaço ao longo do século XIX, quando, segundo Marília Scalzo
(2008, p. 20), elas viraram e ditaram moda e ocuparam um espaço entre o livro (objeto
sacralizado) e o jornal (que só trazia noticiário ligeiro). “[A revista] possui menos informação
no sentido clássico (as „notícias quentes‟) e mais informação pessoal (aquela que vai ajudar o
leitor no seu cotidiano, em sua vida prática)” (SCALZO, 2008, p. 14). Dessa forma, tal
veículo se constituiu como um conjunto de serviços, que mistura jornalismo e entretenimento,
e contribui com a construção de identidade, ou seja, dá ao leitor a sensação de pertencer a um
determinado grupo.
A revista ainda se diferencia das outras mídias pelo seu formato – a qualidade da
impressão e a durabilidade são pontos positivos em relação ao jornal, e pela periodicidade – o
que acaba determinando o trabalho dos envolvidos na sua produção. No entanto, é a
linguagem a característica marcante do jornalismo de revista. Segundo Scalzo (2008, p. 54), o
jornalista de revista não deve escrever para si mesmo, pois “o leitor é alguém específico, com
43

cara, nome e necessidades próprias, e deve se comportar como prestador de serviços, alguém
que dá informações corretas, e não um ideólogo ou um defensor de causas e bandeiras”. O
desafio para o jornalista é fazer uma revista acessível a qualquer leitor, mas seu texto deve ser
preciso ao ponto de poder ser lido, sem constrangimentos, por especialistas da área sobre a
qual escreve.
É importante lembrar que as revistas “cobrem funções culturais mais complexas que a
simples transmissão de notícias. Entretêm, trazem análise, reflexão, concentração e
experiência de leitura” (SCALZO, 2008, p. 13) e não apenas „revê‟ o que o jornal já „disse‟.
“O jornal diário tem de noticiar as exceções, ou seja, tudo aquilo que escapa à normalidade. Já
a revista de informações deve tratar o conceito de notícia de um modo mais amplo,
restabelecendo um contexto maior” (VILAS BOAS, 1996, p. 75). Logo, o texto jornalístico
para uma revista é o grande desafio para o jornalista, que deve estar atento às suas
especificidades.
As revistas exigem de seus profissionais textos elegantes e sedutores.
Considerados os valores ideológicos do veículo, não há regras muito rígidas.
Há, isto sim, uma conciliação entre as técnicas jornalísticas e literária. Não
fazem exatamente literatura, porque jornalismo não se expressa por supra-
realidade. Ao contrário, tratam de uma realidade comum a todos. Mas a
técnica literária é perfeitamente compatível com o estilo jornalístico. O estilo
magazine, por sua vez, também guarda suas especificidades, na medida em
que pratica um jornalismo de maior profundidade. Mais interpretativo e
documental do que o jornal, o rádio e a TV; e não tão avançado e histórico
quanto o livro-reportagem (VILAS BOAS, 1996, p. 9).

O jornalismo de revista é, portanto, um jornalismo de aprofundamento, de


investigação e de interpretação. Para Vilas Boas (1996, p. 41) o texto da revista esconde uma
tendência, o que “não quer dizer, necessariamente, que a revista está opinando sobre o factual
da reportagem. Significa que o texto pode suscitar – ou mesmo induzir a pensar”. Como as
revistas são importantes formadoras de opinião e o seu texto integra informação, análise,
interpretação e ponto de vista, é importante nos debruçar sobre esse veículo, sua atuação e
influência, mesmo que o jornalismo seja um só.

3.1.1 Revistas informativas no Brasil

Os veículos impressos têm sido ameaçados de extinção desde o surgimento do rádio e,


posteriormente, com a popularização da televisão e de outros meios eletrônicos, sobretudo da
internet. Para sobreviver, os jornais e as revistas têm buscado se adaptar a esse novo contexto
a partir de novos formatos e linguagens, inclusive a multimídia. No Brasil, manter um veículo
44

de comunicação impresso é desafiar um público com pouco hábito de leitura. Pesquisa


realizada pelo Ibope6 aponta que o brasileiro lê menos de cinco livros por ano.
Segundo a pesquisa, os leitores brasileiros preferem as revistas, depois o livro e, então,
o jornal. Os textos na internet ainda ocupam o sétimo lugar na preferência. No entanto,
Marília Scalzo (2008) revela que cada brasileiro lê uma média de 3,5 revistas por ano,
enquanto que nos Estados Unidos esse número vai para 30 e na Escandinávia, 60. Mesmo
assim, nos últimos anos, a circulação de revistas no país tem aumentado devido a um
fenômeno mundial: o sucesso das revistas populares – publicações dedicadas ao mundo das
celebridades, e no Brasil, também às novelas.
Como referimos, o jornalismo de revista apresenta ao leitor os fatos de forma
aprofundada, com contexto e, muitas vezes, com uma análise particular acerca dos
acontecimentos, pois “cada revista tem sua „voz‟ própria, expressa na pauta, na linguagem e
em seu projeto gráfico” (SCALZO, 2008, p. 66). Consequentemente, a revista de informação
tem a característica de formadora de opinião e os brasileiros são mais influenciados pelas
revistas se compararmos com a influência exercida pelo jornal impresso, apesar de circular
semanalmente cerca de 2 milhões de revistas7, em um país com quase 190 milhões de
habitantes.
A primeira revista a aparecer no Brasil foi Variedade ou Ensaios de Literatura, em
1812, em Salvador, na Bahia, parecida com os livros e abordando diversos temas sobre
comportamento, história e até filosofia. Outras publicações começaram a surgir. A primeira
para um público específico foi O propagador das Ciências Médicas em 1827, quando
também surge a feminina Espelho Diamantino. Essas publicações não duraram mais de dois
anos e tiveram baixíssimas tiragens. Só a partir de 1837, com o surgimento das primeiras
ilustradas e com o avanço das técnicas de impressão, que as revistas começam a se consolidar
e se manter no mercado editorial brasileiro.
As revistas O Cruzeiro e Manchete, de 1928 e 1952, respectivamente, foram os dois
primeiros fenômenos editorias do Brasil. Para concorrer com as publicações ilustradas, surgiu
em 1968 a primeira revista de informação do país. Inspirada na norte-americana Time, a
revista Veja que abriu o mercado brasileiro para o gênero. Atualmente, ela é a principal
publicação informativa, seguida pela Época (Editora Globo) e Isto É (Editora Três). “A Veja
é hoje a revista mais vendida e mais lida do Brasil, a única revista semanal de informação no

6
Pesquisa “Retrato da Leitura no Brasil” realizada pelo Ibope entre 29 de novembro e 14 de dezembro de 2007,
divulgada em dezembro de 2008.
7
Dados divulgados pelo Instituto Verificador de Circulação (IVC) em março de 2008.
45

mundo a desfrutar de tal situação (...), é hoje a quarta revista de informação mais vendida no
mundo” (SCALZO, 2008, p. 31). No entanto, as publicações semanais de informação
registraram uma queda de 12% no mercado, comparando com os números do ano 2000 8, a
revista CartaCapital (Editora Confiança) foi a única do segmento informativo que registrou
crescimento, enquanto que as revistas destinadas ao público feminino e as populares
registraram aumento de 27% em circulação.

3.1.2 A revista Veja

A editora Abril começou sua trajetória no final da década de 1940 com a chegada do
seu fundador, o italiano Victor Civita, a São Paulo, que trouxe para o Brasil os direitos de
reprodução dos quadrinhos de Walt Disney. Pato Donald foi o primeiro sucesso em
circulação da editora, seguido pela Capricho, Manequim, Quatro Rodas, Claudia, Intervalo e
Realidade. A revista Veja, hoje a principal publicação da editora, começou a circular em 11
de setembro de 1968, quando o Brasil vivia sob as ordens do regime militar instaurado em 1º
de abril de 1964. Criada por Victor Civita para suprir uma necessidade do país, a Veja era a
única newsmagazine semanal do país.
O Brasil não pode mais ser o velho arquipélago separado pela distância, o
espaço geográfico, a ignorância, os preconceitos e os regionalismos: precisa
de informação rápida e objetiva a fim de escolher rumos novos. Precisa saber
o que está acontecendo nas fronteiras da ciência, da tecnologia e da arte no
mundo inteiro. Precisa acompanhar o extraordinário desenvolvimento dos
negócios, da educação, do esporte, da religião. Precisa, enfim, estar bem
informado. E este é o objetivo de VEJA (Veja, n. 1, 11 de setembro de
1968).

Na coordenação da equipe de redação, até então a maior montada para uma revista,
estava o jornalista Mino Carta, que logo teria de enfrentar a fase mais cruenta do regime
militar, com a instauração do Ato Institucional nº 5. Segundo Fernando Lattman-Weltman,
“os problemas de Veja com a censura ocorreram já na semana de decretação do ato [13 de
dezembro de 1968] e a partir daí se tornaram mais freqüentes. Mas foi também quando a
revista começou a se recuperar, com coberturas de impacto e com a introdução de inovações”
(2003, p. 178). Nesse período inicial que a revista ganhou prestígio e capacidade de
influenciar, além de incomodar e preocupar as autoridades do regime militar.
De 1968 a 1974, a Veja sofreu uma censura considerada “branda”, que se acirrou a
partir de 1974, para a preocupação dos senhores Civita, devido ao comportamento da revista

8
Dados divulgados pelo Instituto Verificador de Circulação (IVC) em março de 2008.
46

diante dos fatos. Em 75, para não prejudicar Roberto e Victor Civita, o diretor de redação
Mino Carta colocou o cargo à disposição dos patrões, que resolveram mantê-lo, ele aceitou
com a condição de continuar atuando como sempre atuou. A demissão só foi aceita após Carta
retornar de férias, em 76. Na mesma época a censura deixa a revista que reafirma, dois anos
depois, seus princípios liberais em editorial assinado.
O que consolidou a revista foram as estratégias de marketing que investiram,
principalmente, na venda de assinaturas, conforme afirma o atual diretor da revista, Eurípedes
Alcântara, “o que determinou o crescimento de Veja foram os assinantes, que se tornaram
fiéis à revista (...). Não trair o seu leitor é mais importante do que as questões mais técnicas”
(REVISTA IMPRENSA, janeiro/fevereiro de 2009). Porém, desde o início, a revista
reconhecia a necessidade de se aproximar do leitor.
Veja se definia não exatamente por seu conteúdo informativo ou pela
qualidade de sua apuração e de seu texto, talvez nem mesmo pelo peso
editorial diferenciado dado aos elementos gráficos da notícia – texto,
chamada, foto, ilustração etc. O que a distinguia era sua proposta editorial
intrínseca, ou seja, sua relação com seu público-alvo, o tipo de consumo de
informação que propunha e a auto-imagem que sugeria (e construía) para seu
consumidor (LATTMAN-WELTMAN, 2003, p. 179-180).

Na tentativa de explicar a linha editorial da revista Veja, Sergio Vilas-Boas (1996) a


atribui uma espécie de filosofia do agradável: “luxo, alta posição social, feitos
extraordinários, beleza física e outros fatores enquadram-se no padrão Veja de valorização do
sucesso”. Dentro dessa proposta, Veja se mantém fiel aos seus leitores, pois, segundo dados
divulgados pela própria revista9, 80% deles pertencem às classes A e B, conforme
classificação do IBGE.
A fidelização do público garantiu o que os senhores Civita buscavam com a fundação
da revista: criar uma empresa forte e lucrativa. No entanto, reduzir um veículo de
comunicação informativo e influente a um tipo de público, produzindo informações com vista
neste, é ignorar a diversidade, principalmente a de ideias, que traria maiores possibilidades de
análise e de interpretação acerca dos fatos. Consequentemente, a revista apresenta uma
pseudo-realidade, aquela que o leitor de Veja gostaria de ler.
Em comportamento, estamos à esquerda do nosso leitor. Não discriminamos
homossexualidade, escolhas sexuais e opções religiosas e essa relação é
tensa. Em termos econômicos, em geral, estamos à direita do nosso leitor.
(...) a Veja é uma revista que tende a acreditar nas instituições. Nossas
reações mais violentas acontecem quando as instituições são desrespeitadas
(Revista Imprensa, n. 242, janeiro / fevereiro de 2009).

9
Acessados em http://veja.abril.com.br.
47

A explicação do atual diretor de redação demonstra que a revista reproduz o mesmo


discurso da classe média brasileira, que hora se posiciona de uma forma, hora de outra, pois
está à mercê das circunstâncias e das especificidades de cada situação. Tanto que, segundo
Fernando Lattman-Weltman (2003, p. 182), basta ler Veja “se quisermos conhecer o senso
comum dos setores mais dinâmicos, mais competitivos, e mais bem integrados à nova ordem
social brasileira do fim do século XX”. Apesar de ser uma revista abrangente, que cobre as
áreas de política, economia, internacional, cultura e arte, a Veja tem sua segmentação no
público: o leitor de Veja é o consumidor em potencial, o brasileiro em ascensão, deslumbrado
pelo sucesso e pela riqueza.
A missão da revista Veja de “ser a maior e mais respeitada revista do Brasil.
Ser a principal publicação brasileira em todos os sentidos” (Roberto Civita)10 demonstra que o
sucesso é colocado, pela revista, como principal valor, desprezando a informação, a ética e a
responsabilidade com os fatos e com os leitores. Tal missão foi alcançada, tanto que,
rotineiramente, os temas abordados pela revista passam a integrar como elementos o cotidiano
do brasileiro, seja com a abordagem sobre comportamento, entretenimento, saúde ou sexo, ou
mesmo a história do país, com denúncias ou escândalos que chegam a derrubar autoridades
políticas, por exemplo.
Para tamanha influência, a revista consegue manter semanalmente, em média, uma
circulação de 1.100.000 exemplares, alcançando aproximadamente 8 milhões de leitores11.
Por isso, cerca de 45% das páginas da revista são ocupadas por publicidades, o que lhe dá
quase 2,5% do total da receita da publicidade brasileira. Atualmente, a redação da revista Veja
envolve 128 profissionais de jornalismo, entre editores, repórteres, fotógrafos, designers,
colunistas e estagiários, concentrados em São Paulo ou distribuídos nas seis sucursais (uma
delas internacional).

3.1.3 A revista CartaCapital

O jornalista italiano Mino Carta iniciou na profissão com 16 anos, indicado pelo pai, o
jornalista de O Estado de S. Paulo, Giannino Carta, para cobrir a Copa do Mundo de 1950
para o jornal romano Il Messaggero. Retornou a Itália com 22 anos, onde trabalhou como
redator nos jornais La Gazzetta Del Popolo, de Turim, e Il Messaggero, também foi
correspondente do Diário de Notícias, do Rio de Janeiro. Voltou para o Brasil em 1960,

10
Divulgada pelo site da revista: http://veja.abril.com.br.
11
Projeção Brasil de Leitores com base nos Estudos Marplan consolidado 2008 e IVC.
48

quando ingressou na editora Abril para criar e dirigir a revista Quatro Rodas. Em 1964,
fundou a edição de esporte do jornal O Estado de S. Paulo e, dois anos depois, o Jornal da
Tarde, onde trabalhava quando foi convidado pelo Victor Civita para dirigir o novo projeto da
editora, a Veja. Após sair da Veja, fundou, em 1976, a revista IstoÉ (Editora Três), onde atuou
como diretor de redação entre 1988 e 1993. Em 1994, fundou a revista CartaCapital, pela
Carta Editorial, editora da família.
As [revistas] americanas eram o modelo mais celebrado, e o foram, de um
polo a outro, por muito tempo. (...) quisemos aplicar uma receita adequada
aos tempos (...) a novidade não está apenas no enfoque independente, que
resulta, neste nosso Brasil, em navegação contra a corrente. (...) não
pretendemos que os leitores concordem conosco e sim que levem em conta,
sem preconceitos, sem tolos mergulhos na banalidade e no clichê, a opinião
de quem merece respeito (CartaCapital – edição especial, n. 500, 18 de
junho de 2008).

A princípio, a proposta da CartaCapital era de uma revista mensal sobre economia,


que se tornou uma das principais referências de formadores de opinião e leitura obrigatória da
elite econômica e intelectual do país12. A revista passou para quinzenal em março de 96,
mantendo o mesmo projeto inicial. A tendência pela política se acentuou aos poucos, até que,
ao se tornar uma revista semanal, sendo editada pela Editora Confiança, em agosto de 2001,
define-se como uma revista de política, economia e cultura.
A proposta editorial da revista considera a fidelidade à verdade factual, o espírito
crítico e a fiscalização do poder como os pilares fundamentais do jornalismo. Conforme
declaração de Mino Carta13, a revista, desde sua origem, está voltada para a fiscalização do
poder, onde quer que ele se manifeste: na política, na economia ou nos negócios.
A CartaCapital é uma publicação com personalidade própria, distinta da fórmula do
newsmagazine americano, que inspirou as revistas de informação semanais brasileiras e que
fez da mídia brasileira uma mídia de pensamento único. A CartaCapital diz exercer o
jornalismo no qual acredita: segundo Mino Carta, a revista não esconde os fatos e ao mesmo
tempo não nega a sua opinião. “Leitores, ou não, queremos brasileiros cada vez mais
conscientes em lugar de um público imbecilizado, a trafegar entre chavões e mentiras”
(CARTACAPITAL, 18 de junho de 2008). As singularidades da linha editorial da revista
provocam a crítica dos acostumados com a imprensa herdeira da norte-americana.
Em 2002, antes do pleito presidencial, [a CartaCapital] tomou partido a
favor da candidatura Lula, por tê-la como a melhor. Prática comum do
jornalismo dos países mais avançados, apontada por aqui, pela mídia da falsa
isenção, como deslize moral imperdoável. Incrível, não nos arrependemos. E
12
Segundo o site da revista: http://www.cartacapital.com.br
13
Depoimento ao CPDOC, publicado no livro Eles mudaram a imprensa (2003).
49

em 2006, às vésperas do segundo turno da reeleição, denunciamos as


mazelas midiáticas urdidas para deter a avançada lulista, graças a uma
reportagem de Raimundo Pereira, que certamente contribuiu para despertar
algumas consciências (CartaCapital – edição especial, 22 de maio de
2009).

A linha editorial da revista, desde sua origem, se aproxima do pensamento da esquerda


política brasileira. De forma mais analítica, CartaCapital tem travado brigas com as forças
dominantes que tentam naturalizar a desigualdade e a opressão, em defesa dos que são vítimas
das injustiças sociais. A revista se pronuncia contra a política externa e interna dos Estados
Unidos e tece críticas sobre dois poderosos veículos de comunicação do Brasil, a revista
concorrente Veja e a Rede Globo de Televisão. No entanto, a revista não condena a prática
capitalista, desde que essa seja humanizada, ou defende transição para outra ordem econômica
e social. Tal comportamento tem atribuído à revista uma relação com os ideais progressistas,
tanto que se diz uma revista feita para a elite econômica e intelectual brasileira.
Desde o início do governo Lula, a revista tem sido apontada como chapa-branca e
panfleto partidário, mas, para Mino Carta essas são consequências para quem ousa “remar
contra a corrente”. A proposta editorial de Mino Carta tem seguido fiel, sem demonstrar
fanatismo naquilo que acredita e buscando mostrar os dois lados dos acontecimentos,
inclusive nos períodos de crise que abalaram o governo Lula. A revista tem conseguido
sobreviver entre as semanais de informação do Brasil, registrando crescimento em circulação.
Atualmente a revista tem uma circulação semanal média de 80 mil exemplares e conta com o
trabalho de 70 profissionais de jornalismo.

3.2 Cuba: o país de Fidel Castro

Localizada ao norte da América Central, no mar do Caribe, Cuba é a única nação


comunista das Américas. A ilha de 110.922 km² é formada por 14 províncias e 169
municípios, habitados por 11,3 milhões de pessoas. O idioma oficial é o espanhol e a maioria
da população segue o cristianismo. A 144 km dos Estados Unidos, de quem dependeu por
mais de 60 anos, Cuba passou por momentos de profunda crise econômica e ainda hoje possui
uma economia fragilizada. Segundo Fernando Morais (1977, p.44), “a economia, a
tecnologia, a indústria, a educação, a cultura, a alimentação, o fornecimento de petróleo, a
venda de açúcar – tudo dependia dos vizinhos americanos”, o que contribuiu com sua
histórica dependência externa. Atualmente a ilha só utiliza 45% das suas terras agriculturáveis
e o país importa 60% dos alimentos que o estado distribui a preços subsidiados.
50

Desde 1º de janeiro de 1959, o país está sob o regime dos que lideraram a Revolução
Cubana, conforme o socialismo soviético: regime de partido único, de economia estatizada, de
controle da informação e dependente de lideranças carismáticas. Com a implantação do
socialismo, os cubanos tiveram o padrão de vida elevado. Cuba tem hoje um dos melhores
índices sociais da América Latina, o Índice do Desenvolvimento Humano (IDH) da ilha é o
51º entre os 177 países do Relatório de Desenvolvimento Humano 2007/2008 da Organização
das Nações Unidas (ONU). De acordo o RDH, a mortalidade infantil em Cuba é de 6 a cada
mil crianças nascidas vivas, a expectativa de vida é de 77,7 anos, 99,8% dos cubanos maiores
de 15 anos são alfabetizados e 98% da população tem acesso ao sistema de saneamento
básico. Segundo o mesmo relatório, a taxa de desemprego é de 1,9% da população ativa.
Em Cuba, 5,5% do Produto Interno Bruto (PIB) são destinados à saúde e 9,8% à
educação, para efeito de comparação, no Brasil esses números são de, respectivamente, 4,8%
e 4,4%. Na ilha caribenha, a educação é gratuita para todos os níveis e o número de médicos
per capita é o maior do mundo: são 591 médicos para cada 100.000 cubanos. Cuba ainda é o
quarto maior produtor cinematográfico da América Latina e a terceira maior potência
esportiva do mundo. Apesar de ser uma nação materialmente pobre, com carros antigos pelas
ruas e poucos casarões restaurados, em Cuba não há disputas por terras e quase não se vê
assassinatos, acidentes de trânsito e desabrigados.
No entanto, para garantir o controle do país, o governo cubano restringe a livre
manifestação contra o regime. Entrar e sair da ilha também só é possível com autorização
oficial, o acesso à internet é vedado nos domicílios, os veículos comunicação estatizados e
existe racionamento de alimentos. Além disso, a fragilidade da economia cubana e a
dependência de outros países têm causado redução no abastecimento de alimentos e de outros
produtos básicos e ainda quedas na produção de energia elétrica, resultando em cortes do
fornecimento.
Atualmente a economia cubana gira em torno do turismo e das produções de charutos,
rum e café. Segundo o Banco Mundial, o PIB cresceu 5,4% em 2004. Um cubano comum
ganha em média, por dia, 1 US$. Mesmo em uma sociedade sem classes, modesta e não
consumista, o governo reconhece que o salário é baixo e o poder de compra é pequeno, por
isso não condena o acúmulo de capital, até estimula a entrada de dólares, só exige explicações
sobre a origem do dinheiro. O governo cubano assegura que o povo não quer mudar o regime,
apenas melhorar a vida.
Através da estatização da indústria privada, o governo passou a controlar
toda a produção industrial do país. O programa de desenvolvimento
51

industrial foi iniciado em 1963, e a partir de então foram instaladas no país


fábricas de vidro, de papel de imprensa, de pneus, produtos químicos, fios e
arames de cobre e acetato, produtos de aço, fertilizantes e têxteis – mas
nenhuma delas capaz sequer de abastecer o mercado interno (MORAIS,
1977, p. 101).

O sistema político cubano é composto pelo regime de partido único e pelo órgão
soberano, a Assembleia Nacional do Poder Popular, composta por 614 membros e
responsável pelos poderes administrativo, legislativo e constituinte. A Assembleia se reúne
durante dez dias, duas vezes ao ano e é representada pelo Conselho de Estado, formado por 31
deputados escolhidos pela própria Assembleia. Os membros da Assembleia Nacional são
escolhidos através do voto popular, direto e secreto. Os candidatos são escolhidos nas
Assembleias Municipais e Provinciais e depois de eleitos cumprem seus mandatos por cinco
anos sem salários ou privilégios.
O escolhido para presidir o Conselho de Estado assume, automaticamente, a
presidência do Conselho de Ministros e do Conselho de Defesa Nacional e é quem dirige a
política geral, controla e supervisiona as atividades dos ministérios e demais órgãos da
administração, e ainda propõe à Assembléia os nomes para os membros do Conselho de
Ministros. Desde a instauração do regime, em 1959, até 31 de julho de 2006, o cargo foi
ocupado pelo líder da Revolução Cubana, Fidel Alejandro Castro Ruz, passado oficialmente
para o seu irmão, Raúl Castro, em fevereiro de 2008 com a escolha deste para presidente pela
Assembleia.
Frequentemente, notícias sobre Cuba são veiculadas pelos veículos de comunicação do
Brasil, não só sobre a sua situação política, econômica ou social, mas, principalmente, quando
envolve os impasses da ilha com a considerada maior potência mundial, os Estados Unidos.
Apresentado como um país miserável pertencente ao guerrilheiro Fidel Castro, a quem
atribuem a truculência de um regime ditatorial, repressivo e antidemocrático ao qual o povo
cubano está submetido.
É flagrante o profundo desconhecimento da maioria dos brasileiros sobre a
história e a trajetória daquele povo e país. (...) A imprensa brasileira, em
geral, segue os moldes da imprensa norte-americana, espanhola ou francesa,
negligenciando as relações históricas que cada um desses países teve e tem
com Cuba (SILVESTRI-LEVY, Alessandra14. É preciso conhecer o país.
Caros Amigos – edição especial, agosto de 2007, p. 29).

A representação de Cuba na mídia internacional, e consequentemente, na opinião


pública, é prejudicada pela interpretação daqueles que analisam a ilha caribenha conforme os

14
Ex-embaixatriz da França em Cuba.
52

moldes capitalistas de seus países. É preciso considerar que Cuba é o único país onde o
socialismo sobrevive de fato, que apesar de buscar se adequar ao século XXI não adotou o
caráter misto para a economia e, portanto, enfrenta o capitalismo e a ordem econômica
mundial. Cuba consolidou o seu sistema político diante de muitas dificuldades, como as crises
financeiras que abalaram o país, mas sempre apoiada pelo espírito nacionalista do seu povo. A
experiência cubana evidencia que os países de “terceiro mundo” podem garantir melhores
condições sociais assumindo práticas alternativas ao capitalismo para construção do seu
próprio sistema político-econômico.

3.2.1 A Revolução Cubana

Cuba é um dos países americanos historicamente marcados pela luta por


independência. Desde a chegada de Cristóvão Colombo à América, em 1492, até o fim da
Revolução Cubana, o país viveu sob o controle de outras nações, ainda que de forma indireta.
Entre 1492 e 1848, Cuba foi colônia espanhola, chegando a produzir quase um terço do total
mundial de açúcar nos séculos XVIII e XIX. Duas guerras, sem êxito, pela independência do
país ocorreram nesse período. A primeira em 1868, que chegou a durar dez anos e a outra, em
1895, quando o seu líder, o poeta José Martí, foi assassinado numa emboscada.
A partir da década de 1890, os Estados Unidos reconhecem a importância do poder
naval e das ilhas do Caribe e do Pacífico para o controle dos oceanos e a expansão de suas
relações comerciais. Em 1897, os EUA anexaram o Hawaii e, em 1898, venceram a Guerra
Hispano-Americana, conquistando Cuba, Filipinas e outras ilhas caribenhas. Os americanos
mantiveram a presença militar em Cuba até 1902, quando a ilha declarou sua primeira
Constituição independente, porém com uma lei aprovada e imposta pelo Congresso
Americano definia os limites e as condições para o exercício da independência proclamada
em Cuba. Dessa forma, as políticas externas e econômicas continuariam sobre o controle dos
norte-americanos, que ainda poderiam intervir no governo do primeiro presidente, Geraldo
Machado.
Em 1933, entre a ameaça de um levante popular, o general Fulgêncio Batista lidera o
golpe militar, com apoio dos Estados Unidos, que derruba a ditadura de Geraldo Machado.
Um ano depois a lei que garantia as intervenções dos estadunidenses é substituída por um
tratado que assegurava aos norte-americanos o controle da base naval localizada em
Guantánamo e garantia a presença dos EUA nos anos de poder do general Fulgêncio Batista,
que instaurou, em 1952, uma nova ditadura em Cuba.
53

O setor açucareiro, a mineração, o turismo e os jogos atraem investimentos norte-


americanos, mas não beneficia a maioria da população. Conforme aponta Florestan Fernandes
(2007, p. 96), essa experiência com a ordem competitiva foi catastrófica para o país, pois
“levara Cuba ao impasse econômico, social e político que se configura dramaticamente na
década de 1950”. Tal situação motiva o ataque ao quartel Moncada, em Santiago, em 1953,
quando o líder Fidel Castro é preso e enviado para exílio no México, em 1955, onde organiza
sua volta com um grupo de guerrilheiros que se instala na Sierra Maestra, em dezembro de
1956.
A realidade do país criara uma insatisfação generalizada com o governo de Fulgêncio
Batista, o que contribuiu com nascimento dos sentimentos de nacionalismo e de esperança dos
cubanos. A juventude universitária pertencente às correntes socialistas e ultra-radicais se une
aos intelectuais e à esquerda católica, o que contribui com a solidificação da utopia
nacionalista. O que fez da Revolução Cubana “uma revolução dentro da ordem desacreditada,
soturna e frouxa, em impasse crônico, converteu-se no seu contrário, uma revolução contra a
ordem cheia de fé, alegre e exuberante, que buscou e descobriu seus caminhos na fusão entre
povo, nação e Estado em Cuba” (FERNANDES, 2007, p. 111). Esse desdobramento eclodiu
no movimento que se deu de baixo pra cima, das classes trabalhadoras e populares, que veio a
ser a principal força desagregadora da ordem.
Em Sierra Maestra, Fidel Castro organiza a guerrilha que “subverteu a órbita das
relações e conflitos de classes, conferindo às classes trabalhadoras e destituídas a
possibilidade (antes inconcebível) de enfrentar as tarefas políticas” (FERNANDES, 2007, p.
117) com um grupo de guerrilheiros que formavam o exército rebelde. No início eram 82
homens contra os milhares de soldados do exército cubano. O primeiro combate ocorre em
janeiro de 1957, quando os guerrilheiros tomam Comandancia de La Plata, que serviu como
prova de que o exército existia e estava disposto a lutar.
Enquanto a guerrilha promove uma série de atentados e sabotagens, grupos civis
fazem ações de insubordinação contra Batista nas principais cidades cubanas. Em abril de
1958, sem o apoio da guerrilha, é convocada uma greve geral que fracassa. Fidel declara
guerra total contra o governo, e os rebeldes avançam em todo o território da ilha. O exército
cubano reage com uma ofensiva de 10 mil homens contra La Plata, e é derrotado após 74 dias
de batalhas. A batalha de Guisa, em novembro de 1958, marca o início da última ofensiva
revolucionária e abre caminho para Santiago. A essa altura, os revolucionários são cerca de
três mil homens armados, número que subiria a 40 mil até a tomada de Havana. Em 1º de
janeiro de 1959, Fulgêncio Batista deixa Cuba rumo à República Dominicana. Uma semana
54

depois, Fidel Castro entra com o seu exército em Havana e assume o cargo de primeiro-
ministro do Governo Revolucionário.
[A revolução cubana] deslocou e esmagou a burguesia, nacional e
estrangeira, porque para liberar a nação e para criar um Estado democrático
soberano ela tinha de converter-se em uma revolução contra a ordem, ou
seja, anticapitalista (...). A revolução contra a ordem só se liberta e torna-se
viável depois da conquista do poder pelas classes trabalhadoras
(FERNANDES, 2007, p. 31).

A tomada do poder pelo exército de Fidel era o início da revolução cubana,


propriamente dita, e esta seria não apenas o fim da dominação imperialista, mas
principalmente a construção de um caminho socialista para o futuro. “A autonomia da nação
se configurava como expressão da vontade coletiva dos trabalhadores e a continuidade da
revolução repousava em seus ombros” (FERNANDES, 2007, p. 337). Em pouco tempo, Cuba
livrou-se de uma série de problemas, como o crime organizado, o desemprego, o alto déficit
habitacional e a má distribuição de terras. A reforma urbana, a reforma agrária e a estatização
das empresas foram realizadas pouco tempo após a derrubada de Fulgêncio Batista.
Desde que assumiram o poder, os líderes da revolução cubana resistiram às políticas
que poderiam ameaçar seu governo, considerando a unidade nacional sob um governo
centralizado uma questão de sobrevivência. O monopólio do poder e dos meios de
comunicação ajudou a moldar e manter a nova ordem em Cuba, que passou a investir em
aparatos de segurança e estendeu o acesso à assistência médica, educação e outros benefícios
básicos, como os da previdência.
Em janeiro de 1961, os interesses econômicos dos Estados Unidos em choque com o
novo governo cubano levam ao rompimento das relações diplomáticas. Após tentativa
frustrada dos Estados Unidos de derrubar o governo revolucionário, com o ataque à Baía dos
Porcos, Fidel Castro anuncia adesão do Estado ao marxismo-leninismo, declarando-se,
portanto, socialistas e mais tarde, comunistas. Devido a isso, em 1962, os EUA decretam
bloqueio econômico e político a Cuba, que é expulsa da Organização dos Estados Americanos
(OEA). O bloqueio impede empresas estadunidenses de fazer negócios com Cuba, limita a
atuação nos EUA de empresas que atuam na ilha e proíbe que o país use dólares para suas
transações comerciais internacionais.
Em 1972, Cuba passa a integrar o mercado comum do bloco comunista com a
exportação de açúcar e importação de petróleo a preços subsidiados. Nesse período que o país
consolida os progressos nas áreas da medicina, saúde pública e educação. No entanto, uma
nova crise afeta a ilha com a dissolução da União Soviética, em 1991. Privado do petróleo
55

soviético e com as exportações em queda, o país incentiva os investimentos estrangeiros,


ampliando, a partir de 1995, a aplicação de recursos externos em diversos setores, entretanto
não dá sinais de abertura do regime político.
A administração de Cuba pelo grupo de Fidel Castro completou 50 anos em 1º de
janeiro de 2009, tendo o próprio líder à frente do governo por mais de 47 anos. A tomada do
poder em 1959 foi, de fato, uma revolução para toda a América Latina, pois a ilha passou de
um poder burguês para um poder popular. Tanto que a ilha é símbolo do enfrentamento de
uma pequena nação ao mais poderoso e rico país do mundo, os Estados Unidos, para quem a
ilha, que está situada em sua zona de segurança, representou uma das principais derrotas no
período da Guerra Fria.

3.2.2 A renúncia

No dia 31 de julho de 2006, prestes a completar 80 anos de idade, o presidente cubano


Fidel Castro se afastou do poder temporariamente por ter passado por uma cirurgia
gastrointestinal, deixando o comando do país nas mãos do irmão e primeiro vice-presidente
do Conselho de Estado, Raúl Castro. Desde 2001, a saúde do líder da revolução cubana havia
dado sinais de fragilidade, quando desmaiou em praça pública após um discurso.
Na mensagem que anunciou o seu afastamento, o líder cubano explicou o motivo de
delegar a Raúl Castro as funções que exercia no governo de Cuba.
Dias e noites de trabalho contínuo, sem apenas dormir, deram lugar ao que
minha saúde, que vinha resistindo a todas as provas, se submetera a um
estresse extremo e se transgredira. Isto me provocou uma crise intestinal
aguda com sangramentos duradouros que me obrigaram a enfrentar uma
complicada operação cirúrgica. (...) A operação me obriga a permanecer
várias semanas em repouso, afastado de minhas responsabilidades e cargos
(CASTRO, Fidel. Proclama del Comandante en Jefe al pueblo de Cuba. 31
de julho de 2006. Disponível em http://www.cuba.cu/gobierno/discursos).

Classificando a sua doença como segredo de Estado, Fidel Castro só voltou a aparecer
através de fotos ou vídeos, ao lado de autoridades políticas que lhe visitaram. O não
aparecimento em público fez surgir suspeitas acerca de sua possível morte. Em março de
2007, oito meses após ter se afastado do cargo de comandante-em-chefe, o presidente voltou a
escrever seus artigos, publicados pelo jornal oficial do Partido Comunista de Cuba, o
Granma, acabando com as suspeitas da sua morte.
As eleições no parlamento cubano, em 20 de janeiro de 2008, reelegem Fidel como
deputado. Afastado por mais de um ano e meio devido às complicações com a saúde, ele não
56

se pronuncia e deixa a possibilidade de reassumir o cargo de presidente do Conselho de


Estado. Quase um mês depois, no dia 19 de fevereiro, Fidel publica uma nova mensagem ao
povo cubano onde assume que o período que se manteve longe dos cargos do governo servira
para preparar o país para a sua ausência.
Sempre me preocupei, ao falar da minha saúde, em evitar ilusões de que, no
caso de um agravamento do quadro adverso, trariam notícias traumáticas a
nosso povo no meio da batalha. Prepará-lo para minha ausência, psicológica
e politicamente, era minha primeira obrigação após tantos anos de luta. (...)
Aos meus compatriotas, que fizeram a imensa honra de me eleger
recentemente como membro do Parlamento, em cujo âmbito devem ser
adotados acordos importantes para o destino de nossa Revolução, comunico
a vocês que não aspirarei nem aceitarei o cargo de Presidente do Conselho
de Estado e Comandante-em-chefe (CASTRO, Fidel. Mensaje del
Comandante en Jefe. 18 de fevereiro de 2008. Disponível em
http://www.granma.cu).

Fidel Castro ainda cita uma carta que havia enviado à televisão nacional, na qual
afirmara que o seu dever não era se “perpetuar em cargos, ou impedir a passagem de pessoas
mais jovens, mas fornecer experiências e idéias cujo modesto valor provém da época
excepcional que pude viver”. Ele afirma que acredita que as novas gerações cubanas contam
com autoridade e experiência suficiente para garantir a sua substituição e que, a partir daquele
momento, lutaria “como um soldado das idéias”, pois continuaria a escrever suas mensagens
ao povo cubano.
Com a “renúncia” de Fidel aos cargos para os quais havia sido reeleito, a Assembleia
Nacional do Poder Popular de Cuba designou, no dia 24 de fevereiro, Raúl Castro o
presidente do Conselho de Estado, cargo que assumira desde o afastamento do irmão. As
primeiras atitudes do novo presidente foram assegurar o seu compromisso com a revolução e
solicitar à Assembleia a autorização para seguir consultando Fidel Castro nas decisões mais
importantes que poderiam afetar os rumos do país. Maioria absoluta aprovou tal solicitação. É
preciso considerar que o termo “renúncia” foi empregado pela mídia internacional ao noticiar
o comunicado de Fidel Castro, pois considerava como certa a reeleição do presidente, então
seu comunicado foi interpretado como uma desistência do poder.
Desde quando anunciou o seu afastamento, a sucessão do presidente que mais tempo
ficou à frente de um país se tornou assunto, principalmente, em outros países, onde os líderes
políticos começaram a especular sobre o futuro da ilha. Para muitos, a saída de Fidel do poder
significaria a retomada de Cuba ao modelo de uma sociedade capitalista. No entanto, Fidel
Castro confiava na estabilidade do sistema político que implantara há quase 50 anos.
57

Segundo o jornalista cubano Jorge Garrido, em texto enviado à revista Caros


Amigos15, Fidel não surpreendeu os cubanos, que estavam “há dezoito meses se preparando
para esse dia, inclusive esperando sua morte. (...) Não há ambiente de pesar. Fidel continuará
entre os cubanos. (...) Que fazer sem Fidel? Nada em especial. Cuba continua indo em frente”.
Com a renúncia de Fidel, que exerce enorme influência entre o governo e o povo cubano
através de suas ideias, Cuba continua sob o mesmo sistema político-econônico apesar dos que
arriscaram prever o fim do socialismo na ilha.

3.3 Análise das revistas CartaCapital e Veja

Conforme os capítulos anteriores, uma das responsabilidades do jornalismo é tornar


toda e qualquer realidade conhecida e acessível a todos. Informações sobre o que acontece no
outro lado do mundo, em outros países, estados, nas cidades vizinhas, nos centros do poder ou
mesmo dentro de outras casas, nos trazem realidades, até então, desconhecidas, portanto, que
não nos eram admitidas como real. Dizemos, por exemplo, conhecer os Estados Unidos, as
personalidades ou os políticos por vê-los representados através da comunicação de massa,
especialmente no jornalismo.
No entanto, são apresentações de “pseudo-realidades” acerca de uma única realidade.
São diversos os fatores que contribuem com a criação destas realidades paralelas ao fato que
lhe deu origem. A apresentação de um fato, tido aqui como a realidade em si, vai depender,
principalmente, de quem o re-apresenta, o seu contexto, seu conhecimento, seu
comportamento e suas relações com o mundo e com as pessoas. Os veículos jornalísticos não
fogem à regra. Desta forma, o conhecimento que alimentamos através das informações
jornalísticas nos leva a acreditar em pseudo-realidades, pois não foram representadas em sua
essência.
Todavia, esta reapresentação é impossível de ser alcançada, pois qualquer pessoa,
independentemente de atuar como jornalista, irá fazê-la de acordo as forças sociais às quais
estão submetidas. No jornalismo, linha editorial, fontes, critérios de noticiabilidade e de
apuração, espaço e tempo são exemplos de algumas dessas influências. Assim como as
opiniões, as crenças, as preferências, os preconceitos, o conhecimento, a cultura e a ideologia
do jornalista e, sobretudo, dos empresários donos dos veículos jornalísticos.

15
Disponível em http://carosamigos.terra.com.br/. Acessado em 01 de março de 2008.
58

Eis, então, uma constatação: a imparcialidade jornalística é um mito da comunidade


jornalística. Se os fatos falassem por si só, conforme prega os defensores da imparcialidade,
todos os jornalistas, todos os meios e todas as pessoas relatariam um mesmo fato da mesma
forma. Re-apresentariam a realidade como tal, sem a construção de pseudo-realidades.
Consequentemente, dois veículos de jornalismo podem apresentar duas realidades ao relatar o
mesmo fato, sem, necessariamente, uma excluir a outra. Isso ocorre devido às diferentes
abordagens e enquadramentos adotados, as opiniões e os posicionamentos de cada órgão de
informação.
Cada veículo tem o próprio estilo, público-alvo, principais assuntos ou segmentos, e,
principalmente, reconhecem os seus leitores e o que eles esperam ver/ler. Assim, definem a
própria linha editorial, sendo que essa tem como referência alguma ideologia. Portanto, os
entendimentos de sociedade e da função do jornalismo que irão ditar o comportamento dos
veículos diante dos fatos e acontecimentos, principalmente quando os fatos exigem
posicionamento crítico e/ou analítico dos jornalistas e demais profissionais envolvidos na
produção da notícia, na re-construção da realidade.
É dentro desta perspectiva que se sustenta a noção do enquadramento jornalístico (ver
p. 31). São as atitudes dos jornalistas e dos veículos diante dos fatos que definem a
mensagem, o seu sentido e as possíveis linhas de interpretação e de influência, acerca do fato
noticiado. Esta pesquisa busca compreender os enquadramentos jornalísticos das revistas
CartaCapital e Veja, que apresentaram a renúncia do presidente cubano Fidel Castro sob
diferentes posicionamentos, criando pseudo-realidades sobre Cuba e o seu principal
protagonista.
Como vimos anteriormente, apesar de concorrer um mesmo público, atuando como
revistas de informação voltadas para as abordagens em política, economia e cultura, as
revistas CartaCapital e Veja se distinguem através das suas linhas editoriais (ver p. 45 e 47).
As edições publicadas com data do dia 27 de fevereiro de 2008 trouxeram em suas capas a
renúncia de Fidel Castro e servem como objetos desta pesquisa16.
A revista CartaCapital (ano 14, nº 484) dedicou onze páginas sobre o assunto, 53%
ocupadas por textos e 17% por fotos. Enquanto que na revista Veja (ano 41, nº 2049), são ao
todo 12 páginas com 35% de textos e 45% de fotos. Ambas dedicaram o editorial de suas
edições ao assunto que ocupara a capa. As diferenças entre as abordagens das revistas
CartaCapital e Veja podem ser notadas pela apresentação de capa. CartaCapital apresenta

16
Os dados levantados pela pesquisa podem ser consultados no Apêndice deste trabalho.
59

seu conjunto de reportagens com o título Cuba sem Fidel – análises de Jon Lee Anderson,
Tariq Ali, Emir Sader, José Jobson Arruda e Antonio Luiz M. C. da Costa, enquanto que a
Veja direciona para a opinião da revista: Já vai tarde – o fim melancólico do ditador que
isolou Cuba e hipnotizou a esquerda durante 50 anos.
À primeira vista, as duas publicações utilizaram a mesma foto, no entanto, percebe-se
através de detalhes que elas não são iguais, apesar de terem sido tiradas no mesmo momento.
O crédito da foto que ocupa a capa da revista CartaCapital é de Javier Galeano da agência
Associated Press, e a utilizada pela revista Veja é da agência Reuters. Nas fotos, o
personagem principal do acontecimento, Fidel Castro, foi fotografado contra um foco de luz,
criando um efeito de sombra que marca apenas o seu perfil. Mesmo sem retratar suas
expressões ou o local onde ele estava, pode-se identificar que aquele que aparece na foto é
Fidel Castro, sem mostrá-lo como herói ou como bandido. Talvez, foi a primeira vez que o
representaram como uma figura neutra e sozinha.

Figura 1 Figura 2
Capa da revista CartaCapital (27/02/2008, ano 14, nº 484) Capa da revista Veja (27/02/2008, ano 41, nº 2049)

São várias as possíveis interpretações da foto que justificam a sua utilização, uma
delas é a noção de mistério – afinal, as revistas analisam a renúncia com foco no que poderia
acontecer após a retirada de Fidel. A fotografia ainda cria uma sensação de medo, de incerteza
e de reflexão, além de contribuir com os títulos expostos nas capas. Pode-se dizer que a foto
60

retrata o fim da época Fidel, o “apagar das luzes”, a saída, o abandono, a renúncia, a tristeza, a
desistência ou mesmo uma derrota do líder cubano. A diferença que marca as capas reside nos
títulos.
As duas publicações dedicaram um número expressivo de páginas ao assunto. A
CartaCapital publicou uma série de matérias. Uma reportagem, assinada por Antonio Luiz M.
C. Costa (O retiro de Fidel), com base em dados e fatos históricos a fim de apresentar a atual
situação econômica e política da ilha. Em seguida uma matéria analítica (Como manter Miami
longe) sobre a transição do poder em Cuba, feita em Londres por Gianni Carta, a partir de
entrevista com o historiador e escritor Tariq Ali. Uma entrevista (Havana esmiuçada) com o
historiador José Jobson Arruda, feito por Sergio Lirio, sobre os desdobramentos históricos
que envolvem Cuba. E, por fim, uma matéria de Cynara Menezes (O socialismo vai resistir)
com a opinião de diversos pesquisadores sobre o futuro de Cuba, as peculiaridades do
castrismo e a resistência do socialismo.
A revista Veja apresenta uma reportagem de Alexandre Salvador, Duda Teixeira,
Thomaz Favaro e Vanessa Vieira, assinada pelo editor Diogo Schelp (Um país de muito
passado agora tem algum futuro), uma entrevista com o dissidente cubano Hector Palácio
Ruiz (“O castrismo acabou”), feita em Madri por Thomaz Favaro e um artigo (Fidel e o
golpe da revolução operada por outros meios) de Reinaldo Azevedo sobre a influência de
Fidel Castro na esquerda brasileira.
Podemos considerar que a revista CartaCapital nos apresenta o regime de Fidel Castro
e a atual situação de Cuba de maneira mais comprometida com as informações que a revista
Veja, pois nesta prevalece as opiniões acerca da atual Cuba e da sucessão de Fidel. A
CartaCapital reconhece os méritos da revolução cubana, as dificuldades que o regime
enfrentou durante os anos de governo, os avanços sociais e as deficiências econômicas. Assim
como condena o poder centralizado de Fidel Castro, suas medidas intransigentes, o
autoritarismo e a repressão. No entanto, assume que o socialismo cubano deveria resistir à
sucessão de Fidel, sem ter que ceder à economia neoliberal.
Ainda que não se possam negar os méritos de sua revolução, ela deixou
muito a dever quanto à abertura de novos caminhos para a democracia e a
participação popular. Será uma tragédia se essa deficiência levar a perder
tudo o que foi conquistado no campo do combate ao imperialismo, do bem-
estar social e da sustentabilidade ecológica. Apesar de tudo, é uma
experiência com a qual o mundo, ante a perspectiva de esgotamento do
petróleo, deterioração do ambiente e agravamento das desigualdades, tem
muito a aprender (CARTACAPITAL, 2008. Ed. 484, p. 32).
61

Enquanto a CartaCapital apresenta tal ponto de vista, a Veja aponta o líder cubano
Fidel Castro como ditador, estrategista em tudo que faz e responsável por todas as mazelas
que afetam a ilha. Para a Veja, desde a revolução cubana, o país vem sofrendo com o governo
de Fidel, “agente do maior fracasso material das ditaduras latino-americanas” (p. 72).
Considera a ilha um “país-cárcere” (p. 71), com falsas democracia e justiça social, de onde os
cubanos só planejam sair. A única referência positiva sobre Cuba são os índices sociais,
apresentados como “razoáveis para uma ilha do Caribe” (p.79) sem números para comparação.
A revista Veja assume a imagem fotográfica como principal linguagem, pois as fotos
ocupam mais espaço que a própria reportagem. O personagem Fidel Castro é o mais
explorado pelo recurso, seguido da representação de Cuba (um resorte de luxo proibido para
os cubanos, uma balsa com cubanos fugindo para os Estados Unidos e um café em Havana
antes da revolução). 91% das fotos de Veja são de agências internacionais de notícias. A
CartaCapital, por sua vez, dá destaque aos entrevistados. No entanto, as fotos aparecem em
menores dimensões, ocupando pouco espaço se comparado com os do texto. A maioria das
fotos é de agências internacionais e Cuba é representada pela fotografia de uma de suas ruas,
com sobrados e carros antigos.

3.3.1 Os enquadramentos de CartaCapital e Veja

As revistas CartaCapital e Veja sobre a renúncia de Fidel Castro tiveram de buscar


uma nova abordagem para o assunto, afinal apenas o fato não bastaria, pois desde o dia 19 de
fevereiro, quando a imprensa cubana publicou o comunicado de Fidel, que o assunto ocupava
a mídia internacional. Como as revistas só chegariam às bancas quase uma semana depois, as
duas publicações fizeram o mesmo, indagaram o futuro de Cuba “sem Fidel”. A partir do
atual contexto e da história da ilha, buscaram responder o que aconteceria com o país.
Como as revistas não publicaram somente um texto, pode-se afirmar, conforme as
noções de enquadramento adotadas para esta pesquisa (ver p. 33), que elas utilizam tanto o
enquadramento noticioso quanto o interpretativo. O enquadramento interpretativo é segundo
Porto (2004), aquele que “promovem uma avaliação particular de temas e/ou eventos
políticos, incluindo definições de problemas, avaliações sobre causas e responsabilidades,
recomendações de tratamento, etc.” (p. 91). Os noticiosos são os “padrões de apresentação,
seleção e ênfase utilizados por jornalistas para organizar seus relatos” (PORTO, 2004, p. 91) e
entre esses está o enquadramento temático, que vai além da retratação dos fatos e destaca um
contexto analítico mais geral. CartaCapital e Veja publicaram os seus primeiros textos com
62

esse tipo de enquadramento. As matérias O retiro de Fidel (CartaCapital) e Um país de muito


passado agora tem algum futuro (Veja) estão voltadas à análise do contexto político de Cuba,
a partir da renúncia de Fidel Castro.
Os repórteres construíram seus textos com base na seleção e apresentação de fatos
recentes, acontecimentos históricos, dados econômicos e condições sociais e políticas da ilha.
As duas matérias assumem como ângulo principal a sucessão do líder cubano e não mais a sua
renúncia. No entanto, aspectos diferentes ganham ênfase em cada publicação. Enquanto que a
revista CartaCapital destaca resultados positivos do castrismo para Cuba e defende a
resistência do regime, Veja enfatiza pontos negativos e defende a transformação da sociedade
cubana numa sociedade capitalista.
É importante notar que, apesar de assumirem o mesmo tipo de enquadramento e o
mesmo foco sobre o assunto, as revistas se comportam de maneiras diferentes. Para a
compreensão de tal fenômeno, temos de considerar não só as diferenças entre as linhas
editoriais, mas também as estratégias e os recursos que o jornalismo oferece à produção e à
prática jornalística. Entre esses, temos a ocultação e a seleção, que excluem e/ou escolhem
tanto informações obtidas quanto fontes utilizadas. O critério para excluir e/ou escolher é
definido por questões como espaço e tempo, mas também por alinhamento ideológico.
Normalmente o jornalista procura informações/fontes que irão dizer aquilo que ele pretende
ouvir e utilizar em suas matérias.
Apesar de apresentar o enquadramento temático como principal, a matéria da revista
Veja tem características do enquadramento episódico, que focaliza os eventos, mas “faz com
que as pessoas atribuam a responsabilidade pelos problemas políticos e sociais a indivíduos,
em lugar da consideração de forças ou fatores sociais mais amplos” (PORTO, 2004, p. 83).
Pois, mesmo não tendo o foco sobre o evento (no caso, a renúncia), ao analisar o contexto da
sociedade cubana, a Veja atribuiu a responsabilidade pelos problemas políticos e sociais a
Fidel Castro, desconsiderando, por exemplo, a estrutura política da ilha.
O enquadramento dos textos seguintes das duas revistas se classifica como
interpretativo, que ocorre, segundo definição de Porto (2004), quando o jornalista adota
interpretações de atores sociais e políticos externos à prática jornalística. CartaCapital e Veja
apresentam suas principais fontes nesses textos. A revista Veja, além do seu texto principal,
nos apresenta uma entrevista com o sociólogo e dissidente cubano Hector Palacios Ruiz17. O
formato de entrevista é o suficiente para classificarmos o texto (“O castrismo acabou”) como

17
O artigo de Reinaldo Azevedo foi desconsiderado da análise por pertencer, naturalmente, ao gênero opinativo
e, portanto, estar resguardado por critérios subjetivos e ideologias.
63

enquadramento interpretativo, mas nos serve como exemplo de uma seleção de fonte que está
alinhada à ideologia da revista.
A CartaCapital publicou outros três textos. Como manter Miami longe e Havana
esmiuçada são duas entrevistas, a primeira com o escritor Tariq Ali e a outra com o
historiador José Jobson Arruda. Da mesma forma que Veja, são textos com enquadramentos
interpretativos e fontes que não contrastam com a linha editorial da revista. O último texto da
CartaCapital (O socialismo vai resistir) é uma reportagem analítica que aprofunda a reflexão
sobre a sucessão de Fidel Castro e o futuro da ilha caribenha. A reportagem é um bom
exemplo de enquadramento interpretativo. Pois a diversidade de fontes utilizadas cria a
sensação de isenção por parte do jornalista, no entanto, o peso ideológico do texto é
identificado no seu título.
Entende-se por ideologia tanto o “conjunto de ideias pelas quais os homens postulam,
explicam e justificam os fins e os meios da ação social” (Martin Seliger, 1976 apud
EAGLETON, 1997, p. 20) quanto a concepção em que atribui à ideologia a falsa interpretação
das situações. Conforme Eagleton (1997), a ideologia promove e legitima interesses de
determinados grupos, podendo até distorcer a realidade através da legitimação de ideias e
crenças. Dessa forma, as fontes ouvidas e, consequentemente, as representações de Cuba
estão servindo às ideologias das revistas, identificadas nas suas linhas editoriais.
Mesmo a CartaCapital apresentando um número expressivo de entrevistados, foram
seis no total, isso não significa uma diversidade de opiniões. A reportagem em suma, reflete a
mesma interpretação: o socialismo cubano sobreviverá à ausência de Fidel Castro. Essa
uniformização do discurso das fontes e a ausência de opinião contrária alimentam a ideia de
que o socialismo cubano realmente não irá acabar, no entanto, não caberia ao jornalismo
garantir o futuro de Cuba. A ausência de contrastes entre as fontes nessa matéria converte-se
na criação de uma pseudo-realidade, programada para acontecer e, portanto, sendo uma
geradora de expectativas (ou de ilusões).
A utilização dos dois tipos de enquadramento, noticioso e interpretativo, pode ser
justificada devido à abordagem que as revistas adotaram. Os critérios de noticiabilidade, que
envolve, entre outras características apontadas por Sousa (1999, p. 58), a novidade, fizeram
com que as publicações buscassem novo foco para retratar a renúncia e as características do
jornalismo de revista permitiram o aprofundamento e a análise do tema. Portanto, as revistas
abordaram, com o enquadramento noticioso temático, a sucessão de Fidel Castro e,
posteriormente, a partir do enquadramento interpretativo, analisaram o governo e os
desdobramentos que surgiram com a sua renúncia.
64

Nesta sequência, os textos criam a noção de continuidade: o leitor irá conhecer


primeiro o contexto político de Cuba com a renúncia de Fidel, e, posteriormente, encontrar as
reflexões acerca do futuro do país. Essa última abordagem, no entanto, são apenas
especulações e opiniões sobre o mistério que as revistas pretenderam revelar, afinal nenhuma
opinião pode garantir o que irá acontecer em Cuba (ou em qualquer outro lugar).

3.3.2 Tendências e opiniões

É de se esperar diferentes abordagens por parte das revistas, já que suas linhas
editoriais são opostas e, como defende Vilas Boas (1996, p. 41), as revistas precisam suscitar
um ponto de vista, uma determinada tendência, sem necessariamente opinar. Além disso,
temos de considerar o público-leitor das revistas. Veja é uma publicação mais massificada que
a CartaCapital, apesar das duas estarem voltadas para as classes A e B. A primeira tem
ganhado espaço na classe C e sido apontada como uma revista para a classe média brasileira,
enquanto que a Carta visa, o que ela considera, a elite intelectual. Essa diferença do público
nos serve para a compreensão, por exemplo, da diferença entre as tiragens, de linguagem e
ainda a relevância das imagens visuais para cada publicação.
Para analisar a atual conjuntura política e social de Cuba, a revista CartaCapital
apresenta em suas reportagens quatro tipos de fontes: entrevistados, imprensa, livros e
instituições. A reportagem ouviu ao todo oito pessoas: o escritor Tariq Ali; o historiador José
Jobson Arruda; o professor Emir Sader; o ex-embaixador brasileiro em Cuba, Tilden
Santiago; o professor Tullo Vigevani; o advogado Itobi Alves Correia que se exilou em Cuba
durante a ditadura militar brasileira; o jornalista norte-americano Jon Lee Anderson; e o
professor Augusto Zamora. Trechos dos livros Fidel Castro – biografia a duas vozes (de
Ignacio Ramonet), Depois de Fidel (de Brian Latell), Rupturas em Cuba (de Janette Habel),
Piratas do Caribe – o eixo da esperança (de Tariq Ali) e de reportagens da agência AFP, dos
jornais New York Times e El País e de editorial publicado no jornal Le Monde são citados pela
revista, além de dados da Anistia Internacional. A CartaCapital ainda utiliza trechos da
mensagem de Fidel Castro publicada no dia 19 de fevereiro. Já a revista Veja faz a citação de
um ensaio escrito pelo argentino Mariano Grodona e utiliza três entrevistados como fontes: o
historiador argentino Carlos Malamud; a socióloga cubana Marifeli Pérez-Stable, de um
centro de análises políticas em Washington; e o dissidente cubano Hector Palacios Ruiz. A
revista ainda inclui trechos de discursos de Fidel Castro sem identificar a data do
65

pronunciamento. As duas revistas não declaram a origem de dados apresentados sobre as


condições sociais e econômicas de Cuba.
A revista CartaCapital distribui suas fontes ao longo dos seus textos. As opiniões
aparecem, predominantemente, através das fontes, elas que dão sentido à análise que a revista
propôs fazer sobre o futuro de Cuba. As tendências e as inclinações, já previstas devido à sua
linha editorial, podem ser percebidas. Uma delas é a aproximação do pensamento da revista
com o do governo cubano, pois, aponta os Estados Unidos como responsáveis por parte das
dificuldades econômicas enfrentadas pela ilha. As interpretações dos próprios jornalistas
aparecem pouco, no entanto é possível de ser notada em algumas passagens dos textos, ou
mesmo nos títulos das matérias.
As principais chaves de sobrevivência foram as medidas drásticas de
racionalização do uso de energia e derivados do petróleo, a diversificação da
agricultura, a reforma dos métodos agrícolas, que, ao promover a
recuperação do solo, o uso de fertilizantes e pesticidas naturais e o retorno ao
uso do trabalho humano e animais de tração, criou a única economia no
mundo moderno que pode ser realmente chamada de ecologicamente
sustentável (CARTACAPITAL, 2008. Ed. 484, p. 30).

A CartaCapital ressalta, sem a utilização de fontes, algumas características de Cuba


que denunciam uma certa inclinação: “Fidel Castro reconheceu o dever de não se aferrar a
cargos nem obstruir o caminho aos mais jovens” (p. 28); “a única economia do mundo
moderno que pode ser chamada de ecologicamente sustentável” (p. 30); “padrões de educação
e saúde, equivalentes ou melhores que os dos EUA” (p. 30); “Havana jamais deu sinais de
querer promover o surgimento e crescimento de uma nova classe empresarial” (p. 30); “a
reforma mais importante praticada pelo governo foi a desdolarização” (p. 31); “economia em
melhor forma e a juventude pressionando por uma melhora nos padrões de consumo e por
empregos correspondentes às suas elevadas qualificações” (p. 32).
A revista condena os atos de autoritarismo de Fidel Castro, a centralização do poder e
destaca as reformas que o seu governo fez no país, os benefícios sociais e os avanços na área
econômica. No entanto, não atribuem somente a Fidel Castro as ações e atitudes do governo
cubano, apesar de, nos primeiros parágrafos, ter evidenciado que ele centralizava as principais
decisões. CartaCapital demonstra sua afinidade com as políticas do governo cubano ao
opinar sobre o futuro da ilha. A revista reconhece que a renúncia não significa muito para os
rumos do país, assim como evidencia o desejo da resistência do socialismo cubano à ausência
de Fidel. Buscar “manter Miami longe” (p. 33) é uma das propostas que a revista aponta para
o sucessor de Fidel Castro.
66

A “renúncia”, a rigor, é simples anúncio de que ele [Fidel Castro] não


aceitará mais um mandato como presidente e comandante-em-chefe. Fidel
continuará a ser o secretário-geral do Partido Comunista e ideólogo oficial,
exercendo poder por meio de seus escritos (CARTACAPITAL, 2008. Ed.
484, p. 29).

No entanto, Fidel Castro não foi julgado pela CartaCapital como fez a revista Veja. A
publicação da editora Abril atribui a Fidel Castro toda a responsabilidade por Cuba. O texto
de Veja é marcado pelas interpretações da própria reportagem, que limita as suas fontes a
poucos parágrafos. O início da reportagem relembra o julgamento de Fidel Castro por ter
liderado o ataque ao quartel Moncada em 1953, ou como aponta a revista, “pelo crime de ter
enviado seus primeiros seguidores para um ataque suicida a um quartel” (p. 70), e destaca sua
própria defesa (A história me absolverá). Logo em seguida, a revista sentencia: “visto o
sofrimento que infligiu ao povo cubano durante 49 anos como senhor absoluto de Cuba, a
absolvição está fora de cogitação” (p. 70).
A reportagem publicada por Veja segue relatando “o sofrimento” do povo cubano, o
que demonstra que com a renúncia de Fidel a revista espera uma mudança radical no país.
Para a revista, Cuba é o maior fracasso material das ditaduras latino-americanas devido à
visão ideológica de Fidel sobre os problemas sociais da ilha. Segundo a reportagem, o líder
cubano foi “incapaz de gerar riqueza” (p. 73) e quando viu algumas pessoas melhorarem de
vida, achou uma afronta aos ideais revolucionários. A leitura da realidade de Cuba feita por
Veja não se apoia na história ou no contexto do país, os fatos históricos que aparecem ao
longo da reportagem são apresentados superficialmente e com elementos que atribuem a Fidel
Castro o papel de carrasco.
Depois de perder a mesada soviética, a economia cubana encolheu 35%
entre 1989 e 1993. Muita gente esperou que Fidel fosse engolido pela queda
do Muro de Berlim. Ele respondeu declarando um “período especial”, com
medidas austeras e reformas tímidas, mas pragmáticas. Sob o comando de
Raúl [Castro] e [Carlos] Lage. (...) O resultado foi que algumas pessoas
melhoraram de vida. Fidel viu nisso uma afronta ao sacrossanto princípio de
igualdade revolucionário. Em 1996, ele deu marcha a ré nas reformas
(VEJA, 2008. Ed. 2049, p. 75).

As noções de produtividade, riqueza, lucro, crescimento e investimentos aparecem no


texto como uma necessidade do povo cubano. Anula-se a noção de um país socialista e cria a
sensação de que a própria sociedade cubana espera pela transição para uma sociedade
capitalista, que possa explorar o turismo, aderir ao livre comércio e ser beneficiada por
investimentos estrangeiros. No entanto, esse ponto de vista apresentado pela revista como
67

destino para Cuba não é sustentado por uma referência maior a não ser pelos fatos que a
reportagem apresenta.
Uma tendência evidenciada na reportagem de Veja é a da ideologia norte-americana.
Segundo a revista, Fidel Castro é uma figura que desafia os EUA como se tal comportamento
fosse condenável e destaca que ele “sobreviveu à inimizade dos Estados Unidos, lutou na
linha de frente da Guerra Fria” (p. 71) e “tentou deflagrar a III Guerra Mundial” (p. 79). Por
isso, justifica a revista, o embargo comercial decretado em 62, sendo que “o restante do
mundo está ávido por negociar com Cuba” (p. 79) e “o próprio embargo não é tão fechado
quanto parece” (p. 79).
As duas revistas declaram seus posicionamentos referentes ao socialismo cubano e a
Fidel Castro, atitude aceitável e responsável de um veículo de comunicação quando as
opiniões e os pontos de vista se baseiam em fatos reais. Quando acontece o contrário, quando
alguns fatos são escolhidos e outros ocultados para apoiar determinada opinião pré-concebida,
a atividade jornalística é ameaçada e descompromissada com o seu público. Os textos da
revista CartaCapital buscam, ao máximo, essa sustentação da opinião, fornece informações
que tanto levam o leitor à própria interpretação como servem às opiniões apresentadas pelos
seus autores. Já a revista Veja apresenta as interpretações de imediato, com base em
informações descontextualizadas e gerais, ou mesmo com base em outras opiniões.
Seus apaniguados viram o gesto [a renúncia] como prova de desprendimento
do comandante e evidência de modéstia e renúncia pessoal em benefício da
pátria. Tudo encenação. Nem que quisesse, a saúde debilitada e a velhice lhe
permitiriam candidatar-se a algo mais do que uma vaga no jazigo dos heróis
na Praça da Revolução (VEJA, 2008. Ed. 2049, p. 70).

O aprofundamento, a análise e a reflexão fazem parte do jornalismo de revista,


entretanto, como podemos perceber, este espaço é ocupado por personagens que já estão
alinhados à linha editorial da publicação, sendo utilizados, portanto, para dizer aquilo que o
jornalista ou o veículo gostaria de dizer ao seu público. Tal atitude limita o âmbito da
discussão e contradiz uma das regras básicas do jornalismo (ouvir os dois lados), além de
reconstruir para o leitor uma realidade baseada em opiniões, contribuindo com a construção
de representações que, na maioria das vezes, não condiz com os fatos. A representação de
Cuba e de Fidel Castro, por exemplo, é diferente nas duas revistas analisadas, o que
abordamos em seguida.
68

3.3.3 A imagem de Cuba e de Fidel nas revistas

A cobertura de assuntos internacionais envolve, na maioria das vezes, situações que


não se aplicam ao contexto ou à cultura do jornalista. A forma como o jornalista apresenta ao
seu público a realidade de outro lugar é, para o público, a realidade propriamente dita. Então,
as revistas CartaCapital e Veja permitiram aos brasileiros conhecer a realidade de Cuba, ou
mesmo, conhecer o personagem Fidel Castro. Entretanto, as revistas apresentam visões
diferentes sobre a ilha do Caribe e realidades que podem conferir sentidos opostos.
Através do levantamento de dados a partir dos aspectos mais relevantes contidos nos
textos publicados pelas revistas, apresentamos as seguintes categorias de análise: imagem do
governo; imagem de Cuba; e imagem de Fidel Castro. Cada uma dessas categorias busca
demonstrar qual o ponto de vista, positivo ou negativo, construído acerca desses elementos e
qual a representação que cada revista disponibiliza ao leitor.
As duas revistas apresentam o contexto social de Cuba a fim de analisar a sucessão de
Fidel Castro e as perspectivas políticas. Partindo dessas apresentações da realidade cubana
que identificamos as características e as adjetivações empregadas à ilha e a Fidel, além das
ações atribuídas ao governo cubano e apresentadas nos textos. Essas categorias foram
escolhidas por reconhecermos que as técnicas jornalísticas de seleção e edição que
configuram as representações contidas no conjunto de textos.
Os dados mostram que a revista CartaCapital apresenta todas as categorias com certo
equilíbrio. A imagem do governo e de Cuba são apontadas como positivas, enquanto que a
imagem de Fidel pode ser considerada negativa conforme a representação da revista. Por
outro lado, a revista Veja representa de forma negativa todos esses elementos analisados e
com uma grande diferença entre o número das características positivas e negativas.

Imagem do governo
(de acordo as ações atribuídas ao regime de Fidel Castro)

CartaCapital Veja
Positiva 54% 10%
Negativa 46% 90%

Imagem de Cuba
(de acordo as características atribuídas à atual Cuba)

CartaCapital Veja
Positiva 55% 7%
Negativa 45% 93%
69

Imagem de Fidel
(de acordo a aplicação dos adjetivos empregados a Fidel Castro)

CartaCapital Veja
Positiva 47% 38%
Negativa 53% 62%

Apesar da importância dessa análise a nível quantitativo, é preciso considerar o


emprego qualitativo desses elementos que, ao se relacionarem, conotam forças ideológicas
que contribuem com a representação da realidade apresentada pelas revistas.
Cuba manteve bons padrões de educação e saúde, equivalentes ou melhores
que os dos EUA em vários aspectos, inclusive expectativa de vida,
mortalidade infantil e alfabetização (CARTACAPITAL, 2008. Ed. 484, p.
30).

Sem Fidel talvez o país fosse socialmente mais desigual. Mas implantar uma
realidade de zoológico – ou seja, aquela em que todos têm comida, escola e
saúde, mas vive enjaulado – não paga o preço do atraso, da falta de liberdade
e da pequenez intelectual (VEJA, 2008. Ed. 2049, p. 79).

Outro aspecto importante dessa análise é a constatação de que as revistas analisadas


publicaram determinadas informações em detrimento de outras não para re-construir a
realidade cubana, mas sim para representá-la de acordo a sua linha editorial. Por isso,
comparando as duas publicações, encontramos informações acerca de Cuba em uma revista
que a outra não publica.
Entre as informações não publicadas pela CartaCapital estão os números de cubanos
exilados, o valor do salário médio no país, a existência do mercado ilegal e as transações
comerciais com os Estados Unidos que o embargo econômico não impede. Da mesma forma,
a revista Veja não cita a reforma agrária realizada pelo governo de Fidel Castro, os números
do crescimento econômico do país, os índices sociais e as proibições do embargo econômico
imposto pelos EUA.
As revistas também empregam diferentes recursos da linguagem para transmissão da
mesma informação ou assunto. A Veja, por exemplo, diz que “o regime perdeu a lealdade dos
jovens” (p. 77), enquanto que a CartaCapital diz que “a juventude [está] pressionando por
uma melhora dos padrões de consumo e por emprego” (p. 32). Tal estratégia reproduz
sentidos diferentes para quem lê: a afirmação de Veja diz, por exemplo, que o governo cubano
não conta mais com o apoio da juventude, o que tinha antes; a CartaCapital mostra que os
jovens cobram do regime as melhorias que desejam. No entanto, as duas revistas relatam que
há insatisfação por parte da juventude cubana com as atuais condições do país. Outros
exemplos dessa estratégia são apresentados na tabela abaixo.
70

Diferentes construções textuais para retratar o mesmo assunto

CartaCapital Veja
Apesar da insistência de Fidel em que o O próprio Partido Comunista foi, durante
regime não era de um homem só, o Partido bastante tempo, mero coadjuvante. Há mais
Comunista não realiza congresso desde o de dez anos não realiza um congresso (p.
quinto, em 1997 (p. 28). 73).

A ―renúncia‖, a rigor, é simples anúncio de Enquanto estiver neste mundo, Fidel


que ele não aceitará mais um mandato como continuará a ser a voz forte nas decisões
presidente e comandante-em-chefe (p. 29). estratégicas (p. 71).

De 1989 a 1993, Cuba perdeu 90% das Depois de perder a mesada soviética, a
importações de petróleo, 80% de seu economia cubana encolheu 35% entre 1989 e
comércio exterior e 34% do PIB (p. 29). 1993 (p. 75).

O governo da Venezuela aliviou as Hugo Chávez substituiu a União Soviética


dificuldades para a importação de como provedor. Ele manda 92 000 barris
combustíveis e outros produtos essenciais, diários a preços subsidiados para Cuba. Nos
oferecendo ao governo cubano linhas de últimos dois anos, ajudou com 2,3 bilhões de
crédito e a troca direta de petróleo pelo dólares. Graças a Chávez, os cortes de
trabalho de médicos cubanos nas favelas de energia elétrica tornaram-se raros (p. 77).
Caracas e outros serviços (p. 31).

Além de garantir a ordem, [as FAR] são uma [As FAR] Instituição que, dentro do caos geral
potência econômica que investe no turismo, que padece o país, funciona razoavelmente
na agricultura, na indústria e nas bem. O Exército transformou-se no pioneiro
telecomunicações e controla dois terços da do capitalismo cubano, investindo na
economia (com o objetivo de conseguir agricultura, no turismo e na indústria (p. 77).
recursos para sua missão de defender o país
dos EUA) (p. 32).
Enjaular por tempo indeterminado, e sem
O comandante não deu espaço para o debate juízo formado, toda a oposição. Ajuda muito
público, à crítica racional ou à ascensão de abolir as liberdades individuais e ser um
lideranças de brilho próprio (p. 32). ditador de uma ilha, um país-cárcere (p. 71).

A forma como foi citada a própria renúncia de Fidel Castro também exemplifica
diferentes sentidos de interpretação gerados pelas construções textuais:
O bom senso e os limites do corpo acabaram por prevalecer, por maior que
fosse a teimosia do comandante-em-chefe. Ou seu desagrado por satisfazer
“um adversário que fez todo o imaginável para se desfazer de mim”,
segundo a carta com a qual confirmou como definitivo o afastamento do
governo (CARTACAPITAL, 2008. Ed. 484, p. 28).

Fidel está em fase terminal de uma grave doença e, na semana passada,


anunciou que não mais concorreria à eleição indireta que escolhe o
presidente e o comandante-em-chefe das Forças Armadas (VEJA, 2008. Ed.
2049, p. 70).

Esse tipo de representação, atrelada aos sentidos que o veículo pretende configurar a
sua mensagem, é descompromissado com a informação, com os fatos e, consequentemente,
com o jornalismo. Isto serve para ilustrar como a mídia pode influenciar (ou manipular) a
opinião pública e acabar contribuindo com a criação de preconceitos e representações que não
71

condizem com a realidade. Dessa forma, tanto a sociedade quanto a comunidade jornalística
encontram-se ameaçadas, pois não conseguem identificar as falsas representações publicadas
ou abstrair a verdadeira realidade acerca dos fatos noticiados.
72

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As diferentes representações de Cuba e Fidel Castro, assim como as abordagens sobre


a sua sucessão, nas revistas CartaCapital e Veja demonstraram que, apesar do conceito de
jornalismo ser único, são as forças ideológicas que guiam a construção da mensagem e a
cobertura jornalística, desde a produção à apresentação. Conforme afirma Traquina (2005), a
realidade no jornalismo aparece em pedaços, consequentemente, o jornalismo nos apresenta
realidades que não correspondem completamente com os fatos.
CartaCapital e Veja apresentaram realidades que se sustentam em suas linhas
editoriais, em suas tendências e ideologias. O compromisso com a informação, com a
checagem e com a representação dos fatos conforme eles são, seguindo a busca da
imparcialidade (ou tendo a objetividade como simulacro), não aparecem como primeira
preocupação das publicações. Afinal, comparando as duas representações, é possível
responder se Fidel Castro é carrasco ou herói? Cuba é um bom lugar para se viver? Qual o
significado da revolução cubana? Como os cubanos avaliam o governo? O que eles esperam
após a renúncia de Fidel?
A análise das edições nos aponta a impossibilidade em responder a tais
questionamentos com base nestas duas revistas. É fato que um leitor de CartaCapital,
dificilmente, será também leitor de Veja, e vice-versa. No entanto, os leitores de cada uma
dessas revistas estarão consumindo informações influenciadas por diversos fatores, sendo
incapaz de, por exemplo, assumir uma visão crítica a respeito da realidade cubana ou de poder
“conhecer” o país de Fidel Castro. Os leitores são, por vezes, uma dessas influências que as
revistas admitem para construir cada edição e compor suas mensagens jornalísticas.
Por questões comerciais, as revistas publicam aquilo que o seu leitor quer ler, aquilo
que ele pensa, confrontá-lo pode ser um risco para a publicação. Todavia, desprezar os valores
e as normas jornalísticas em prol das vendas das revistas, dos anúncios e das ideologias
contrapõe as noções e teorias do jornalismo, principalmente, a mais propagada pelos próprios
veículos: a da imparcialidade, que apesar de questionada e apontada pelos críticos como
impossível, integra e fortalece o campo ideológico do jornalismo.
A influência que o jornalismo exerce dentro dos diversos campos sociais o torna um
instrumento de poder reconhecido nestes espaços. A formação da opinião pública, a criação
de mitos, de preconceitos e até mesmo de verdades, por muitas vezes, são constituídas com a
colaboração das mensagens transmitidas através dos meios de comunicação, principalmente
dos veículos jornalísticos, que possuem credibilidade no âmbito social. O entendimento do
73

jornalismo como guardião dos poderes, por exemplo, se baseia nesta influência que ele
exerce.
O alinhamento ideológico dos veículos não é condenável, desde que as informações
consigam manter independência e buscar reapresentar os “pedaços” da realidade, ao máximo,
como de fato a realidade se apresentou, conforme defende a ideia de se aspirar a objetividade
e a imparcialidade, mesmo sendo impossível de serem alcançadas. Condicionar o jornalismo à
linha editorial e ao leitor faz parte da sobrevivência do jornalismo, assim como assumir
ideologias e se posicionar diante dos fatos são atitudes que revelam o compromisso do veículo
jornalístico com o público, desde que, ao agir dessa forma, não defenda a imparcialidade ou
oculte tais atitudes.
As ideologias e as tendências estarão, inevitavelmente, presentes no jornalismo. Cada
veículo jornalístico age conforme sua linha editorial e assume determinado comportamento e
ideologia, pois são elas que produzem ideias, crenças, valores sociais e legitimam interesses
de determinados grupos e, portanto, asseguram relações de dominação. Os veículos podem ir
de encontro ou a favor da ideologia dominante, pode até mesmo construir uma nova
ideologia, sendo que terão sempre como contexto e como referência o seu tempo e o seu
espaço, que determinam as condições sócio-culturais às quais estão submetidos.
Os enquadramentos da mídia são estratégias que contribuem com a composição da
mensagem jornalística e não são eles os responsáveis pelos sentidos das matérias, pois apenas
empregam direcionamentos e encaminhamentos que o jornalista pode adotar para retransmitir
os fatos. São as influências, as condições, as limitações, as tendências e as atitudes do
jornalista diante dos fatos que conotarão sentido à mensagem. É certo que, a utilização de
determinados enquadramentos contribuem com o objetivo do jornalista, com as possíveis
interpretações que ele pretende criar.
A escolha de um tipo enquadramento em detrimento de outro pode ser justificada
através da ideologia que irá sustentar o sentido da mensagem a ser transmitida. Então, a forma
como aparece o enquadramento pode nos servir para identificar a ideologia que o jornalista e
o veículo sustentam, quais os posicionamentos que assumem diante dos fatos e quais os
aspectos apontados como mais importantes, além de compreendermos qual o sentido e a
pretensão do jornalista com aquela mensagem.
Enquadrar é um modo de ver e de apresentar os fatos, portanto, é um modo de instituir
sentido. Por meio do enquadramento, a ideologia, tanto do jornalista, quanto dos veículos,
transparece e demonstra existir um contexto mais amplo por trás dos textos jornalísticos, que,
na maioria das vezes, se diz uma reconstituição neutra da realidade. Assumir que os
74

jornalistas possuem características próprias e interagem de forma diferente com os fatos e as


coisas, seria assumir que a imparcialidade jornalística é algo impossível de se alcançar, o que
poderia prejudicar a imagem do jornalismo, e consequentemente a sua credibilidade na
sociedade. Portanto, mesmo sendo impossível se mover sem ideologias ou escrever sem
assumir um ponto de vista, o ethos jornalístico tenta não demonstrar que a ideologia tem o seu
lugar na prática jornalística e que são elas que definem as representações publicadas pelos
veículos diariamente.
75

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WOLF, Mauro. Teorias das comunicações de massa. São Paulo: Martins Fontes, 3ª edição,
2008, p. 228-264.
78

APÊNDICE
79

CARACTERÍSTICAS DAS REPORTAGENS

CartaCapital Veja
Repórteres 4 6 (sendo 1 articulista)
Páginas 11 12
Área Textos 53% 35%
Fotos 17% 45%
Gráficos - 4%
Outros 30% 16%
Fotos 15 11
Color 73% 73%
PB 27% 27%
ORIGEM
Agências 60% 91%
Imprensa 7% -
Revista 20% -
Outros 13% 9%
TEMA
Entrevistados 33% 9%
Cuba 7% 27%
Fidel 20% 37%
Fatos 20% 9%
Outros 20% 18%

FONTES E REFERÊNCIAS
(divulgadas nas reportagens)

CartaCapital Veja
Entrevistados 47% 75%
Imprensa 23% 25%
Livros 23% -
Instituições 7% -

ASSUNTOS
(de acordo a extensão das abordagens)

CartaCapital Veja
Política 58% 50%
Economia 20% 11%
Condições sociais 2% 22,5%
Relações exteriores 5% 6%
História 15% 10,5%
80

ANEXOS
81

MENSAGENS ORIGINAIS DE FIDEL

1) Texto de Fidel Castro publicado pelo jornal Granma onde declara sua renúncia

Mensaje del Comandante en Jefe

Queridos compatriotas:
Les prometí el pasado viernes 15 de febrero que en la próxima reflexión abordaría un
tema de interés para muchos compatriotas. La misma adquiere esta vez forma de mensaje.
Ha llegado el momento de postular y elegir al Consejo de Estado, su Presidente,
Vicepresidentes y Secretario.
Desempeñé el honroso cargo de Presidente a lo largo de muchos años. El 15 de
febrero de 1976 se aprobó la Constitución Socialista por voto libre, directo y secreto de más
del 95% de los ciudadanos con derecho a votar. La primera Asamblea Nacional se
constituyó el 2 de diciembre de ese año y eligió el Consejo de Estado y su Presidencia.
Antes había ejercido el cargo de Primer Ministro durante casi 18 años. Siempre dispuse de
las prerrogativas necesarias para llevar adelante la obra revolucionaria con el apoyo de la
inmensa mayoría del pueblo.
Conociendo mi estado crítico de salud, muchos en el exterior pensaban que la
renuncia provisional al cargo de Presidente del Consejo de Estado el 31 de julio de 2006,
que dejé en manos del Primer Vicepresidente, Raúl Castro Ruz, era definitiva. El propio
Raúl, quien adicionalmente ocupa el cargo de Ministro de las F.A.R. por méritos personales,
y los demás compañeros de la dirección del Partido y el Estado, fueron renuentes a
considerarme apartado de mis cargos a pesar de mi estado precario de salud.
Era incómoda mi posición frente a un adversario que hizo todo lo imaginable por
deshacerse de mí y en nada me agradaba complacerlo.
Más adelante pude alcanzar de nuevo el dominio total de mi mente, la posibilidad de
leer y meditar mucho, obligado por el reposo. Me acompañaban las fuerzas físicas
suficientes para escribir largas horas, las que compartía con la rehabilitación y los
programas pertinentes de recuperación. Un elemental sentido común me indicaba que esa
actividad estaba a mi alcance. Por otro lado me preocupó siempre, al hablar de mi salud,
evitar ilusiones que en el caso de un desenlace adverso, traerían noticias traumáticas a
nuestro pueblo en medio de la batalla. Prepararlo para mi ausencia, sicológica y
políticamente, era mi primera obligación después de tantos años de lucha. Nunca dejé de
señalar que se trataba de una recuperación "no exenta de riesgos".
Mi deseo fue siempre cumplir el deber hasta el último aliento. Es lo que puedo
ofrecer.
A mis entrañables compatriotas, que me hicieron el inmenso honor de elegirme en
días recientes como miembro del Parlamento, en cuyo seno se deben adoptar acuerdos
importantes para el destino de nuestra Revolución, les comunico que no aspiraré ni aceptaré
- repito- no aspiraré ni aceptaré, el cargo de Presidente del Consejo de Estado y
Comandante en Jefe.
En breves cartas dirigidas a Randy Alonso, Director del programa Mesa Redonda de
la Televisión Nacional, que a solicitud mía fueron divulgadas, se incluían discretamente
elementos de este mensaje que hoy escribo, y ni siquiera el destinatario de las misivas
conocía mi propósito. Tenía confianza en Randy porque lo conocí bien cuando era
estudiante universitario de Periodismo, y me reunía casi todas las semanas con los
representantes principales de los estudiantes universitarios, de lo que ya era conocido como
el interior del país, en la biblioteca de la amplia casa de Kohly, donde se albergaban. Hoy
todo el país es una inmensa Universidad.
Párrafos seleccionados de la carta enviada a Randy el 17 de diciembre de 2007:
82

"Mi más profunda convicción es que las respuestas a los problemas actuales de la
sociedad cubana, que posee un promedio educacional cercano a 12 grados, casi un millón
de graduados universitarios y la posibilidad real de estudio para sus ciudadanos sin
discriminación alguna, requieren más variantes de respuesta para cada problema concreto
que las contenidas en un tablero de ajedrez. Ni un solo detalle se puede ignorar, y no se
trata de un camino fácil, si es que la inteligencia del ser humano en una sociedad
revolucionaria ha de prevalecer sobre sus instintos.
"Mi deber elemental no es aferrarme a cargos, ni mucho menos obstruir el paso a
personas más jóvenes, sino aportar experiencias e ideas cuyo modesto valor proviene de la
época excepcional que me tocó vivir.
"Pienso como Niemeyer que hay que ser consecuente hasta el final."
Carta del 8 de enero de 2008:
"...Soy decidido partidario del voto unido (un principio que preserva el mérito
ignorado). Fue lo que nos permitió evitar las tendencias a copiar lo que venía de los países
del antiguo campo socialista, entre ellas el retrato de un candidato único, tan solitario como
a la vez tan solidario con Cuba. Respeto mucho aquel primer intento de construir el
socialismo, gracias al cual pudimos continuar el camino escogido."
"Tenía muy presente que toda la gloria del mundo cabe en un grano de maíz",
reiteraba en aquella carta.
Traicionaría por tanto mi conciencia ocupar una responsabilidad que requiere
movilidad y entrega total que no estoy en condiciones físicas de ofrecer. Lo explico sin
dramatismo.
Afortunadamente nuestro proceso cuenta todavía con cuadros de la vieja guardia,
junto a otros que eran muy jóvenes cuando se inició la primera etapa de la Revolución.
Algunos casi niños se incorporaron a los combatientes de las montañas y después, con su
heroísmo y sus misiones internacionalistas, llenaron de gloria al país. Cuentan con la
autoridad y la experiencia para garantizar el reemplazo. Dispone igualmente nuestro
proceso de la generación intermedia que aprendió junto a nosotros los elementos del
complejo y casi inaccesible arte de organizar y dirigir una revolución.
El camino siempre será difícil y requerirá el esfuerzo inteligente de todos. Desconfío
de las sendas aparentemente fáciles de la apologética, o la autoflagelación como antítesis.
Prepararse siempre para la peor de las variantes. Ser tan prudentes en el éxito como firmes
en la adversidad es un principio que no puede olvidarse. El adversario a derrotar es
sumamente fuerte, pero lo hemos mantenido a raya durante medio siglo.
No me despido de ustedes. Deseo solo combatir como un soldado de las ideas.
Seguiré escribiendo bajo el título "Reflexiones del compañero Fidel" . Será un arma más del
arsenal con la cual se podrá contar. Tal vez mi voz se escuche. Seré cuidadoso.
Gracias
Fidel Castro Ruz
18 de febrero de 2008
5 y 30 p.m.
83

2) Comunicado pelo qual Fidel Castro anunciou o seu afastamento dos cargos do governo
devido às complicações com a saúde, em 31 de julho de 2006

Proclama del Comandante en Jefe al pueblo de Cuba

Con motivo del enorme esfuerzo realizado para visitar la ciudad argentina de
Córdoba, participar en la Reunión del MERCOSUR, en la clausura de la Cumbre de los
Pueblos en la histórica Universidad de Córdoba y en la visita a Altagracia, la ciudad donde
vivió el Che en su infancia y unido a esto asistir de inmediato a la conmemoración del 53
aniversario del asalto a los cuarteles Moncada y Carlos Manuel de Céspedes, el 26 de julio
de 1953, en las provincias de Granma y Holguín, días y noches de trabajo continuo sin
apenas dormir dieron lugar a que mi salud, que ha resistido todas las pruebas, se sometiera
a un estrés extremo y se quebrantara. Esto me provocó una crisis intestinal aguda con
sangramiento sostenido que me obligó a enfrentar una complicada operación quirúrgica.
Todos los detalles de este accidente de salud constan en las radiografías, endoscopías y
materiales filmados. La operación me obliga a permanecer varias semanas de reposo,
alejado de mis responsabilidades y cargos.
Como nuestro país se encuentra amenazado en circunstancias como esta por el
Gobierno de los Estados Unidos, he tomado la siguiente decisión:
1) Delego con carácter provisional mis funciones como Primer Secretario del Comité
Central del Partido Comunista de Cuba en el Segundo Secretario, compañero Raúl Castro
Ruz.
2) Delego con carácter provisional mis funciones como Comandante en Jefe de las
heroicas Fuerzas Armadas Revolucionarias en el mencionado compañero, General de
Ejército Raúl Castro Ruz.
3) Delego con carácter provisional mis funciones como Presidente del Consejo de
Estado y del Gobierno de la República de Cuba en el Primer Vicepresidente, compañero
Raúl Castro Ruz.
4) Delego con carácter provisional mis funciones como impulsor principal del
Programa Nacional e Internacional de Salud Pública en el Miembro del Buró Político y
Ministro de Salud Pública, compañero José Ramón Balaguer Cabrera.
5) Delego con carácter provisional mis funciones como impulsor principal del
Programa Nacional e Internacional de Educación en los compañeros José Ramón Machado
Ventura y Esteban Lazo Hernández, Miembros del Buró Político.
6) Delego con carácter provisional mis funciones como impulsor principal del
Programa Nacional de la Revolución Energética en Cuba y de colaboración con otros países
en este ámbito en el compañero Carlos Lage Dávila, Miembro del Buró Político y Secretario
del Comité Ejecutivo del Consejo de Ministros.
Los fondos correspondientes para estos tres programas, Salud, Educación y
Energético, deberán seguir siendo gestionados y priorizados, como he venido haciéndolo
personalmente, por los compañeros Carlos Lage Dávila, Secretario del Comité Ejecutivo del
Consejo de Ministros, Francisco Soberón Valdés, Ministro Presidente del Banco Central de
Cuba, y Felipe Pérez Roque, Ministro de Relaciones Exteriores, quienes me acompañaron
en estas gestiones y deberán constituir una comisión para ese objetivo.
Nuestro glorioso Partido Comunista, apoyado por las organizaciones de masas y
todo el pueblo, tiene la misión de asumir la tarea encomendada en esta Proclama.
La reunión Cumbre del Movimiento de Países No Alineados, a realizarse entre los
días 11 y 16 de septiembre, deberá recibir la mayor atención del Estado y la Nación cubana
para celebrarse con el máximo de brillantez en la fecha acordada.
El 80 aniversario de mi cumpleaños, que tan generosamente miles de
personalidades acordaron celebrar el próximo 13 de agosto, les ruego a todos posponerlo
para el 2 de diciembre del presente año, 50 aniversario del Desembarco del Granma.
84

Pido al Comité Central del Partido y a la Asamblea Nacional del Poder Popular el
apoyo más firme a esta Proclama.
No albergo la menor duda de que nuestro pueblo y nuestra Revolución lucharán
hasta la última gota de sangre para defender estas y otras ideas y medidas que sean
necesarias para salvaguardar este proceso histórico.
El imperialismo jamás podrá aplastar a Cuba.
La Batalla de Ideas seguirá adelante.

¡Viva la Patria!
¡Viva la Revolución!
¡Viva el Socialismo!
¡Hasta la Victoria Siempre!
85

EDITORIAIS CONSULTADOS

1) Editorial da revista CartaCapital, edição nº 500, 18 de junho de 2008

Uma história de catorze anos


Mino Carta

Meu sobrinho Andrea queria muito abrigar uma revista de business debaixo do teto
da Carta Editorial, fundada pelo pai, e irmão meu, Luis, em 1976, 18 anos antes dos fatos
que me preparo a contar. Eu deixara a direção da IstoÉ em agosto de 1993 e no começo do
ano seguinte estava saborosamente desempregado. Andrea, que me chamava zio Mino, tio
em italiano, bateu à minha porta.
Respondi que gostaria de trabalhar com ele, mas o business está fora dos meus
alcances por uma série interminável de razões. Ele insistia. Andrea era apaixonado e duro
na queda. Ao cabo declarei meu possível interesse por uma revista destinada a analisar o
poder onde quer que se manifestasse, sem exclusão do mundo dos negócios.
Nasceu ali o projeto da CartaCapital, Carta não por minha causa, mas por ser
publicada pela editora do mesmo nome. Quanto a Capital, cuidei de esclarecer na edição
número 1: ―Significa principal, essencial, fundamental, decisivo, determinante. Mas capital
também é substantivo, e significa valor econômico, centro administrativo de um país, riqueza
na sua acepção mais estreita e mais vasta. A escolha do nome não indica mania de
grandeza: explica simplesmente o propósito de uma CartaCapital endereçada ao coração do
poder‖.
Meu irmão estava em Madri, onde fora convocado pela Condé Nast para fundar e
dirigir na Espanha mais um feudo do império da família Newhouse. E de Madri abençoou o
empreendimento. Era fim de março de 94, faleceria menos de um mês depois, colhido antes
de completar 58 anos por uma doença que não perdoa. O trabalho de preparação iniciou-se
no começo de junho, e o primeiro passo foi uma reunião a quatro, com Bob Fernandes e
Nelson Letaif, companheiros de aventuras anteriores, Senhor e IstoÉ, mais Wagner Carelli,
o filho pródigo. Estivera comigo na IstoÉ do final dos anos 70 e no Jornal da República,
fracasso esculpido por um santeiro de cemitério, do qual me orgulho. Presentes também um
correspondente de Paris, Gianni Carta, e a minha irredutível secretária (hoje há 20 anos),
Mara Lúcia.
CartaCapital não desfigurou como mensal e em março de 1996 tornou-se quinzenal, sem
deixar de manter o projeto inicial, ao valorizar as áreas econômicas, macro e micro. Não se
deu por acaso que a revista Exame publicasse anúncios para recomendar: recuse
imitações.
O pendor pela política acentuou-se aos poucos. Era desfecho inevitável. Memorável,
no meu entendimento, a capa da primeira edição de janeiro de 1999: colocava o presidente
FHC em um círculo de fogo e exclamava: quebramos! Recordo que naquela semana Andrea
Carta convocou uma reunião de publicitários para assistir a um debate entre Delfim Netto e
Luiz Gonzaga Belluzzo. Cabia-me o papel de mediador e o assunto foi a chamada
conjuntura.
A platéia seleta ficara revoltada com a nossa capa e não deixou de manifestar seu
desagrado. No entanto, o Brasil estava mesmo quebrado e FHC acabava de cometer um
dos grandes engodos eleitorais da história nativa. Depois de prometer campanha afora a
estabilidade da moeda, desvalorizou o real tão logo tomou posse na Presidência pela
segunda vez.
Difícil é praticar no Brasil um jornalismo independente, isento, honesto. Nem por isso
perdemos a oportunidade de prosseguir na escalada e em agosto de 2001, exatos sete anos
86

depois do lançamento da mensal, CartaCapital virou semanal, ao definir claramente seu


papel de revista de política, economia e cultura.
A situação havia mudado bastante. Dos pais fundadores sobravam Bob Fernandes e o
acima assinado, sem que pudesse ser esquecida a bela contribuição de Carelli e Letaif.
(Bob também saiu em dezembro de 2005, depois de ter mostrado todo seu talento de
grande repórter). A redação crescera, aparelhada para a tarefa mais complexa, mas
sobretudo surgira uma nova empresa, a Editora Confiança, para abrigar CartaCapital e
cogitar da ampliação do leque editorial.
Na Confiança, Luiz Gonzaga Belluzzo e eu selamos com uma singular sociedade
empresarial uma amizade de quatro décadas. Fique claro que Manuela Carta, a publisher, e
o próprio Belluzzo tratam de me deixar afastado do negócio, de sorte a não comprometê-lo.
Como já disse, não tenho a mais pálida vocação para o business.
No editorial da primeira semanal sublinhava que a revista permanecia atada aos
princípios defendidos desde o nascimento: fidelidade canina à verdade factual, exercício
desabrido do espírito crítico, fiscalização incansável do poder onde quer que se manifeste.
No nosso entendimento – o plural não é majestático, indica o consenso da alameda Santos,
1.800, 7º andar, São Paulo, Brasil – tais são os requisitos do bom jornalismo. Aquele que
busca nivelar por cima, voltado para os interesses da nação em peso. Leitores, ou não,
queremos brasileiros cada vez mais conscientes em lugar de um público imbecilizado, a
trafegar entre chavões e mentiras.
A transformação em semanal, meta de chegada sempre perseguida, implica ainda
questões propostas pelo jornalismo dos começos do século XXI. Quando fui chamado pela
Editora Abril para dirigir aquela que seria a Veja, tratava-se de editar o primeiro
newsmagazine brasileiro. Vinha de estágios no L’Express, na Der Spiegel, na Time e na
Newsweek. Na época, as americanas eram o modelo mais celebrado, e o foram, de um pólo
ao outro, por muito tempo.
Que sentido teria agora repetir o padrão para uma platéia submetida diuturnamente à
hegemonia da informação? Notícias nos alvejam da aurora à calada da noite. Quisemos
aplicar uma receita adequada aos tempos, e mais uma vez o plural não é majestático. A
novidade não está apenas no enfoque independente, que resulta, neste nosso Brasil, em
navegação contra a corrente. Está em mais dois pontos capitais. Primeiro: seleção rigorosa
dos assuntos, aqueles que determinam o futuro próximo ou remoto, abordados em
profundidade, a bem de um jornalismo dito investigativo, pronto, inclusive, a atingir
qualidade literária. Por que não?
Segundo: análise dos fatos entregue a quem dispõe de autoridade para tanto, de
Raymundo Faoro, nosso Profeta, que infelizmente nos deixou faz cinco anos, a Delfim
Netto. De Thomaz Wood a Marcio Alemão. De Belluzzo a Wálter Fanganiello. De Nirlando
Beirão ao Doutor Sócrates. Etc. Etc.
Não pretendemos que os leitores concordem conosco e sim que levem em conta,
sem preconceitos, sem tolos mergulhos na banalidade e no clichê, a opinião de quem
merece respeito.
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2) Editorial da revista CartaCapital, edição nº 547, 22 de maio de 2009

Como remar contra a corrente


Mino Carta

Ponto e linha. Claro, objetivo. Pingos nos is. Preto no branco. A nova sobriedade.
Back to basics. Direto, confiável. Mais qualidade, menos ―flash‖. Humor sutil e sofisticado.
O texto é de autoria de Mariana Ochs ao estabelecer os fundamentos do projeto
gráfico que CartaCapital põe em prática a partir desta edição. Mariana, diretora de arte
respeitada até na Madison Avenue, é velha conhecida dos nossos leitores. Cuidou da
fisionomia da revista por três vezes e agora realizamos a sua quarta e preciosa intervenção.
Mariana é boa intérprete do princípio dos gregos antigos pelo qual ética e estética são
sinônimos. Os esclarecimentos acima provam a sintonia com o ideal helênico.
Esta edição é especial e atípica, por ser comemorativa de 15 anos de vida de
CartaCapital a começar pela concepção. A qual se deu nestes mesmos dias de 1994,
quando quatro jornalistas reuniram-se para inventar seu próprio emprego. Alhures estava
difícil. Bob Fernandes, Nelson Letaif, Wagner Carelli e o acima assinado. Quanto ao novo
projeto de Mariana, adapta-se à especificidade da edição, mas se mostrará mais
claramente, em todos os seus alcances, a partir do próximo número. De linha, digamos
assim.
Volto ao quarteto e à enésima aventura. Meu sobrinho Andrea, saudosa figura que
se foi cedo demais, comandava a Editora Carta Editorial, fundada pelo pai, Luis Carta,
dezoito anos antes. Ausente meu irmão, chamado pela Condé Nast a fundar a Vogue
España em Madri, Andrea pilotava a editora e pretendia lançar uma nova publicação, de
Economia e Negócios. Procurou-me com o afeto de sempre, respondi: ―Sem falsa modéstia,
isso eu não sei fazer‖.
Luis ligou-me da Espanha, torcia para que eu, desempregado, topasse a parada.
Expliquei: ―Saberia fazer, creio eu, uma publicação sobre o poder, onde quer que se
manifeste, na política, na economia, nos negócios, na cultura, em quaisquer gramados‖. A
ideia foi aceita. Chamei companheiros de outras jornadas e quinze anos atrás traçamos o
plano de uma revista necessariamente mensal por causa dos recursos modestos. Houve
hesitações apenas em relação ao seu nome. Alguém sugeriu Carta, eu recusei. Receava
que soasse como exigência minha. Andrea queria Capital. Ficou como ficou.
Meados de agosto de 1994, ela foi às bancas. Em março de 1996 tornou-se
quinzenal, solidamente amparada no primeiro projeto gráfico de Mariana Ochs. O plano era
mais ambicioso quanto à periodicidade. A realização levou, porém, mais de cinco anos. A
semanal nasceu na penúltima semana de agosto de 2001, mais uma vez programada
graficamente por Mariana. Inicia-se aqui a separação de Carta Editorial e sua substituição
pela Editora Confiança. Em seguida à eleição do ex-metalúrgico, em 2002, chovem as
calúnias contra uma publicação que ousa remar contra a corrente. Revista chapa-branca,
panfleto partidário.
Preto no branco, recomenda Mariana. Temos é uma mídia de pensamento único,
leves nuanças não bastam para encobrir a senha geral. CartaCapital empenha-se em
exercer o jornalismo em que acredita, baseado na fidelidade canina à verdade factual, na
aplicação diuturna do espírito crítico, na fiscalização desabrida do poder. Não se expõe a
sardinha à brasa de ninguém com o intuito de favorecer este ou aquele. Respeite-se o
império dos fatos, nunca poluídos pela opinião. CartaCapital jamais esconde o fato, não
nega, contudo, a sua opinião, e aferra-se a ela.
É quanto basta para inquietar. Às vezes me pego a imaginar o que se daria se fosse
brasileira a The Economist, a semanal de maior prestígio no mundo. Ela distribui no Reino
Unido pouco mais de 200 mil exemplares, tadinha. Comparem com os números de Veja.
Sempre acontece que o planeta se curve diante do Brasil. Pois é, o que não se aquietou
nestes quinze anos é a arrogância da minoria, seu exibicionismo provinciano contraposto ao
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medo pânico de perder os privilégios. Ou, simplesmente, de vê-los ameaçados. Os nossos


15 anos bastaram, no entanto, para convencer The Economist a fechar conosco uma
magnífica parceria, que nos habilita a publicar seus textos em perfeita concomitância, como
ocorreu com o número de fim de ano, realizado a quatro mãos.
Estética e ética. Opinião exposta sem meios-termos. Ainda exemplos. Na edição nº
30 de agosto de 1996 CartaCapital cavava sua trincheira contra o neoliberalismo em pleno
ataque. Estava certa, ficou provado doze anos depois. De Bush, a semanal desde a
penúltima semana de agosto traçou o perfil implacável, necessário, porém, no nosso
entendimento, logo após a implosão das Torres Gêmeas, setembro de 2001.
Em 2002, antes do pleito presidencial, tomou partido a favor da candidatura Lula, por
tê-la como a melhor. Prática comum do jornalismo dos países mais avançados, apontada
por aqui, pela mídia da falsa isenção, como deslize moral imperdoável. Incrível, não nos
arrependemos. E em 2006, às vésperas do segundo turno da reeleição, denunciamos as
mazelas midiáticas urdidas para deter a avançada lulista, graças a uma reportagem de
Raimundo Pereira, que certamente contribuiu para despertar algumas consciências.
Nesta edição evocamos nosso tempo de vida. Elegemos personagens e situação
representativas do período para trafegar por este trecho de tempo e contá-lo aos nossos
leitores. Não pretendemos a abrangência absoluta, a cobertura total. Acreditamos, de todo
modo, ter iluminado diversos instantes deste passado recente. Pelo caminho, não
descuramos de recorrer ao humor, como Mariana Ochs propõe. A vida, de resto, consagra
todos os dias, hora a hora, a simbiose implacável entre a tragédia e a comédia, sem olvidar
a farsa.
A ironia é arma afiada contra quem a desconhece. Ainda assim, Raymundo Faoro,
mestre de todos nós, cuidava de me precaver: não exagere por esta senda, a maioria pensa
que você fala sério. Pois é, às vezes a gente exagera.
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3) Editorial da revista Veja, edição nº 1, 11 de setembro de 1968

Prezado leitor:

Onde quer que você esteja, na vastidão do território nacional, estará lendo estas
linhas pràticamente ao mesmo tempo que todos os demais leitores do País. Pois VEJA quer
ser a grande revista semanal de informação de todos os brasileiros.
Há quase vinte anos, a Editôra Abril lançava sua primeira publicação, O Pato Donald,
apresentando — para jovens de tôdas as idades — as estórias maravilhosas das
personagens de Walt Disney.
Nos anos seguintes, com o sucesso de uma série de lançamentos (e o insucesso de
alguns), crescemos e aprendemos muito. Publicações foram surgindo. Entre outras,
Capricho, em 1952, Manequim, em 1959. Em 1960 — junto com a implantação da nossa
indústria automobilística —, Quatro Rodas. No ano seguinte, Claudia. Em 1963, Intervalo. E,
há pouco mais de dois anos, Realidade.
Agora nasce VEJA. Para fazê-la, selecionamos 100 entre 1.800 candidatos
universitários de todos os Estados e realizamos um inédito Curso Intensivo de Jornalismo.
Ao término do Curso, com cinqüenta dêsses moços e outros tantos jovens "veteranos",
formamos a maior equipe redacional já reunida por uma revista brasileira. Enviamos editôres
e redatores para o exterior a fim de observar as principais revistas congêneres em ação.
Abrimos ou ampliamos escritórios regionais em tôdas as grandes cidades do País e
montamos uma complexa rêde de telecomunicações para mantê-los em contato constante
com a redação em São Paulo.
Para a cobertura internacional, contratamos os serviços de agências noticiosas e
revistas de prestígio mundial: "Paris-Match", da França; "Newsweek", dos Estados Unidos;
"Epoca", da Itália; e "Der Spiegel", da Alemanha. Finalmente, no decorrer dos últimos três
meses, preparamos treze edições experimentais completas — com capa, texto, fotos e
anúncios —, a fim de treinarmos para a grande jornada que hoje se inicia.
O Brasil não pode mais ser o velho arquipélago separado pela distância, o espaço
geográfico, a ignorância, os preconceitos e os regionalismos: precisa de informação rápida e
objetiva a fim de escolher rumos novos. Precisa saber o que está acontecendo nas
fronteiras da ciência, da tecnologia e da arte no mundo inteiro. Precisa acompanhar o
extraordinário desenvolvimento dos negócios, da educação, do esporte, da religião. Precisa,
enfim, estar bem informado. E êste é o objetivo de VEJA.
Devemos esta revista — em primeiro lugar — aos milhões de leitores que através
dos anos têm prestigiado nossas publicações. Às classes governantes, produtoras,
intelectuais que reclamaram da Abril êste lançamento. Aos jornalistas, que com dedicação e
espírito profissional o tornaram possível. Aos quase mil gráficos que participam,
entusiàsticamente, de seu complexo esquema de produção semanal. Aos distribuidores,
jornaleiros e transportadores que aceitaram o desafio de vencer as enormes distâncias
nacionais na corrida até as bancas, tôda segunda-feira. E às agências e aos anunciantes
que tomaram todo o nosso espaço disponível sem sequer conhecerem o projeto final da
revista, numa comovedora prova de confiança. Conscientes da responsabilidade assumida
ao editar VEJA, dedicamos a revista a tôdas essas pessoas. Ao Brasil de hoje e de amanhã.

Victor Civita

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