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VITÓRIA DA CONQUISTA
2009
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VITÓRIA DA CONQUISTA
JULHO DE 2009
3
4
AGRADECIMENTOS
À minha família, à minha namorada, aos meus amigos, aos meus professores e a todos os que
contribuíram de alguma forma. Muito obrigado!
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RESUMO
ABSTRACT
This work aimed to identify the possible relations between journalistic practice and
ideology. Based on notions of media frame, analyses the editions of the magazines
CartaCapital and Veja that have published articles on the succession of the Cuban president
Fidel Castro, after the announcement that he wouldn‟t contest anymore for the office he
accumulated for over 49 years. Such analysis aimed to understand how different
representations of Cuba and Fidel Castro are constituted on both magazines. Identifying the
reality representations as favorable to the ideologies of their editorial lines and the inexistence
of the journalistic impartiality.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 10
1. JORNALISMO E IDEOLOGIA
1.1 Definição (ou definições) de jornalismo 14
1.2 O campo jornalístico e a prática 16
1.2.1 Objetividade e imparcialidade 19
1.2.2 O sentido de subjetividade 21
1.3 O que é ideologia 22
1.4 A ideologia no jornalismo 25
1.4.1 Informação, opinião e ideologia 26
1.4.2 O lugar da verdade no jornalismo 27
2. ENQUADRAMENTOS NA MÍDIA
2.1 Uma noção de enquadramento 29
2.1.1 Tipos de enquadramentos 33
2.1.2 Enquadramento ou manipulação do real? 35
2.2 Estudo do enquadramento 38
2.2.1 Análise de enquadramento 39
CONSIDERAÇÕES FINAIS 72
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 75
APÊNDICE 78
ANEXOS 80
10
INTRODUÇÃO
como uma renúncia ao poder, pois, considerava como certa sua reeleição. Consequentemente,
esse termo também será assumido pelo trabalho ao tratar tal atitude do presidente.
Qualquer acontecimento sobre Cuba ou Fidel Castro é uma boa pauta no jornalismo do
mundo inteiro, pois envolve questões maiores que o simples acontecimento. Fidel, por
exemplo, reúne algumas características que o torna noticiável pelos critérios que o jornalismo
busca para caracterizar uma notícia: ele foi o presidente do único país socialista na América
Latina, à frente do governo por quase 50 anos; chegou ao poder através de uma guerrilha;
conquistou popularidade; influenciou políticos e líderes de esquerda pelo mundo inteiro;
enfrentou os Estados Unidos em diversas ocasiões e sempre provoca polêmicas, dentro e fora
do seu país, com seus pronunciamentos, principalmente por ir de encontro à ordem
hegemônica.
A renúncia, portanto, alcança mais que manchetes em jornais, se torna capa de
revistas. À primeira vista, sob a mesma foto, a CartaCapital apresenta o título Cuba sem
Fidel e a Veja, Já vai tarde. Essas edições das revistas serviram de objeto de estudo para esta
pesquisa, que visou compreender os enquadramentos jornalísticos utilizados pelas revistas
para apresentar suas matérias de capa e o sentido que elas conotam. Notavelmente, as revistas
assumiram diferentes abordagens e pontos de vista sobre o pequeno país latino-americano e
socialista que desafiou os Estados Unidos durante anos e estamparam em suas capas as duas
representações sobre Cuba e Fidel. Eis, portanto, uma questão que confronta o entendimento
sobre o jornalismo: como pode dois veículos jornalísticos apresentar, sobre um mesmo fato,
duas realidades diferentes?
Dessa forma, é preciso analisar as representações criadas sobre Cuba e sobre Fidel
Castro e identificar as possíveis relações entre jornalismo e ideologia. Para tal, a metodologia
utilizada foi a análise de enquadramento, que consiste em identificar os aspectos mais
relevantes das matérias e elegê-las em categorias de análises, para então relacioná-las e poder
caracterizar as reportagens de maneira geral e descrevê-las, conforme propôs Soares (2006).
A análise, ainda, admite o confronto entre reportagens para buscar compreender os
enquadramentos e interpretá-los.
Esta análise contribui com as pesquisas sobre os enquadramentos de mídia, que ainda
são incipientes no Brasil e que estão focadas nos temas políticos. Iniciadas por Mauro Porto
(2004), fora utilizado como principal referência para nos apresentar as noções sobre
enquadramento de mídia. Tal referência foi adotada por contribuir para o melhor
entendimento do jornalismo e sua atuação no âmbito político e a influência que exerce a partir
das suas representações. A presente pesquisa também explora as relações entre ideologia e
12
jornalismo, frente ao ideal de imparcialidade imposto, sendo que a prática se dá sob diversas
interferências socioculturais e, portanto, ideológicas.
No primeiro capítulo, faz-se uma abordagem sobre o que é o jornalismo e como ele se
dá na prática: interferências internas e externas, rotinas, noção de imparcialidade, de
objetividade e de subjetividade, além do conceito de ideologia e sua relação com o
jornalismo. Parte-se do entendimento da teoria democrática, em que o jornalismo atua como
guardião do poder que serve informações aos cidadãos para que esses possam participar e
sustentar a sociedade democrática. Consequentemente, a atuação da comunidade jornalística
configura-se a partir de ideologias e, portanto, a necessidade de entender o seu significado e
como se relaciona com o campo jornalístico.
O segundo capítulo apresenta os enquadramentos de mídia, as noções que os definem,
os tipos, os estudos e as pesquisas desenvolvidas a partir do tema e a metodologia para a
análise de enquadramento. O estudo realizado por Mauro Porto (2004) é assumido como a
principal referência, primeiro por ter sido ele quem iniciou a discussão sobre enquadramento
entre os estudiosos da mídia no Brasil e também por ainda ser a principal referência nesta área
pouco explorada pelos teóricos e pesquisadores da comunicação. Os enquadramentos são
assumidos como formas de ver e explicar o mundo, influenciadas pelo contexto e pelas
pressões internas e externas dos âmbitos social e pessoal.
As noções expostas sobre enquadramento, também entendido com frame, encaminham
para a discussão sobre a manipulação da informação, assim como para a opinião no
jornalismo, fazendo-se necessária a diferenciação entre manipulação e enquadramento, assim
como entre opinião, ponto de vista, tendência, angulação e enquadramento. Tais preocupações
ressaltam a representação da realidade e o que é a verdade no jornalismo, como elas se dão
dentro da perspectiva democrática e sob a noção de enquadramento.
O último capítulo apresenta as características do jornalismo de revista e as revistas
informativas do Brasil, com destaque para as que serão analisadas: são apresentadas a origem,
as linhas editorias e outras características das revistas CartaCapital e Veja. Nessa parte é
possível compreender as peculiaridades desse tipo de veículo, que permite, sobretudo, o
aprofundamento e análise dos seus temas. Em sequência, para que se possa entender o quanto
pode ser complexo o tratamento de Cuba e de Fidel Castro, é apresentada as características
atuais de Cuba e um pouco da história.
Finalmente, a análise das reportagens, que identifica os tipos de enquadramentos
utilizados, assumindo como referência os dois principais tipos: noticioso ou interpretativo. Os
objetos analisados permitiram identificar esses dois tipos de enquadramento e as interações
13
entre eles, considerando o sentido que eles empregam à mensagem. Para a análise, procurou-
se eleger categorias que gerassem dados quantitativos para possíveis interpretações, que
foram eleitas a partir de aspectos de destaque dos textos, os que contribuíram com a
representação de Cuba e de Fidel Castro: as adjetivações e as características escolhidas e
apresentadas pelas revistas como reais.
A análise, no entanto, não se limita ao campo quantitativo, as valorações e o
significado dessas categorias e de outros elementos, como as técnicas da produção
jornalísticas, são destacados na pesquisa a fim de observarmos o quanto ideológico pode se
configurar um texto jornalístico. As imagens criadas pelas revistas e a identificação das
tendências e inclinações nos permitem compreender que as abordagens assumidas pelas
revistas são, na verdade, fruto de posicionamentos ideológicos.
14
Capítulo I
JORNALISMO E IDEOLOGIA
O jornalismo que conhecemos hoje deu seus primeiros passos somente no século XIX,
quando as redações começaram a encarar o jornalismo como uma técnica, fazendo com que os
profissionais adotassem critérios para elaboração da notícia. Essa profissionalização da prática
jornalística exigia dos jornalistas deixar de lado a impulsividade e a emoção, pois, em busca
de maior número de leitores, a valorização dos fatos passou para primeiro plano. Com a
influência das evoluções tecnológicas, essa nova formatação, onde se buscava agradar a todos
para garantir o lucro econômico, contribuiu com a consolidação e popularização do
jornalismo na sociedade, uma vez que, hoje, é impossível imaginar o cotidiano das pessoas
sem a o jornalismo. A cada instante somos bombardeados por informações e buscamos, cada
vez mais, notícias sobre o que está acontecendo, não só na nossa cidade, mas no mundo.
Informações locais, nacionais e internacionais, previsão do tempo, situação do
trânsito, as bolsas de valores, o mundo das celebridades, o placar do jogo, corrupção na
política, assaltos a bancos, tráfico, assassinatos, guerras e escândalos. Hoje, todos esses fatos
interessam às pessoas, as quais passaram a ter a necessidade de cada vez mais consumir
informações. Desse modo, o jornalismo contribuiu para a difusão da informação, o que
implicou também em uma atividade voltada para o lucro.
Mais que uma atividade lucrativa, o jornalismo é responsável por tornar pública a
realidade. O que conhecemos é em grande parte filtrado pela investigação que o jornalista faz
sobre o real, pois este possui instrumentos para investigar a realidade, não podendo inventar
ou se apropriar dela. Aquilo que não seria possível se conhecer sem estar presente, o
jornalismo nos apresenta, ou mesmo aquilo que não deveria se tornar público, mas que é do
interesse do público. Então, o jornalismo é um relato dos acontecimentos, é um retrato da
realidade ou a própria realidade, no entanto, esta realidade é fragmentada.
Muitas vezes essa „realidade‟ é contada como uma telenovela, e aparece
quase sempre em pedaços, em acontecimentos, uma avalanche de
acontecimentos perante a qual os jornalistas sentem como primeira
obrigação dar resposta com notícias, rigorosas e se possível confirmadas, o
mais rapidamente possível, perante a tirania do fator tempo (TRAQUINA,
2005, p. 20).
15
A prática jornalística ainda é influenciada por outros fatores e não só pelos que
residem dentro das empresas jornalísticas. Outros níveis, que devem ser observados sem
19
Ser imparcial e agir com objetividade são alguns dos valores destacados pela cultura e
comunidade jornalística. A defesa desses valores está ligada à configuração que tomou o
jornalismo a partir do século XIX, quando agradar a todos os tipos de leitores – e não somente
aos políticos, se tornou ideologia dominante no campo. Foi o jornal inglês The Daily Courant
que iniciou, ainda no século XVIII, essa nova concepção de jornalismo, onde fatos e opiniões
não se misturavam.
O editor do Courant, Samuel Buckley, criou uma estratégia e um estilo, que séculos
depois influenciou o jornalismo pelo mundo inteiro e até hoje é vigente, principalmente nos
jornais do mundo ocidental: separou as notícias dos artigos, para a opinião não “contaminar”
as informações. “Com a ideologia da objetividade, os jornalistas substituíram uma fé simples
nos fatos por uma fidelidade às regras e aos procedimentos criados para um mundo no qual
até os fatos eram postos em causa” (TRAQUINA, 2005, p. 138). Pela ideia da objetividade, as
regras e os procedimentos garantem ao jornalista a soberania dos fatos. Os fatos falam por si e
o jornalista é isento e imparcial ao relatar um acontecimento qualquer.
A objetividade é um „ritual‟, segundo Tuchman, por que é identificado com
uma adesão a procedimentos de rotina. E esses „rituais‟ são „estratégicos‟
porque os jornalistas invocam os procedimentos rituais para neutralizar
potenciais críticas. (...) Os jornalistas acreditam que podem mitigar pressões
contínuas como sejam os prazos, os possíveis processos de difamação e as
repressões antecipadas dos superiores, com a argumentação de que o seu
trabalho é „objetivo‟ porque foram seguidos procedimentos identificados
com a objetividade (TRAQUINA, 2005, p. 139).
valores que coordenam seus atos. Esses aspectos ainda são influenciados por outros, como
idade, sexo, raça, naturalidade, classe social e religião.
Essas características que formam e fazem cada membro da sociedade definem o nosso
modo de se comportar diante das coisas, dos fatos e do mundo. Por mais homogêneo que
possa parecer um determinado grupo de pessoas, cada uma terá diferenças que as tornam
únicas. E, o jornalista, ao reagir diante dos acontecimentos que serão transformados em
notícias, é o sujeito que reproduz a realidade.
“O sujeito, por reconstruir o real, é fonte de imprecisão, de delimitações desviadas
pela consciência do cognoscente, de inadequação à realidade, de falta de correspondência com
o objeto, de falsidade e de preconceitos próprios daquele que enuncia, e inimigo da ciência”
(BARROS FILHO, 1995, p. 99). Contido nessa imprecisão, há a necessidade de o jornalista
assumir a objetividade como simulacro, pois deixar transparecer a subjetividade na prática
jornalística poderia tornar a atividade suspeita e/ou duvidosa, retirando a credibilidade social
garantida ao longo da sua história.
O jornalista manifesta sua individualidade num compromisso com as
coações próprias ao universo social a que pertence. Essa individualização do
sujeito (no caso, o profissional de imprensa), socialmente reconhecida e que
estabelece limites em relação ao outro, denomina-se subjetividade. Trata-se
de um estado particular do sujeito enquanto manifestante de sua própria
especificidade através da comunicação. „A subjetividade é o que faz com
que o sujeito seja reconhecido e circunscrito pelo outro, uma vez que a
subjetividade representa, em definitivo, o que o sujeito faz ver de si na
relação de troca simbólica com o outro‟ (Lamizet, p. 47). Ela dependerá do
grau de liberdade que terá o sujeito, inversamente proporcional ao grau de
pressão que sofra, para manifestar sua singularidade, seu ethos (BARROS
FILHO, 1995, p. 103-104).
A palavra “ideologia” não aparece com muita frequência nos livros de jornalismo e é
entendida, superficialmente, como o conjunto de ideias que rege e une um determinado grupo
23
social ou como o modo de enxergar o mundo e como se comportar diante dele. No entanto, é
preciso aprofundar o estudo e o entendimento sobre ideologia, principalmente ao tratar de
comunicação de massa e jornalismo, pois a nossa sociedade está cada vez mais sustentada por
formas simbólicas de comunicação.
O termo “ideologia” apareceu pela primeira vez no início do século XIX, no livro
Eléments d’Idéologie (Elementos de Ideologia), de Destutt de Tracy e outros pensadores que
passaram a ser chamados de ideólogos. O tratado, segundo Marilena Chaui, pretendia
apresentar uma teoria acerca das faculdades sensíveis, responsáveis pela formação de todas as
nossas ideias: querer (vontade), julgar (razão), sentir (percepção) e recordar (memória). A
próxima contribuição foi de Auguste Comte, que acrescentou ao sentido de ideologia “o
conjunto de ideias de uma época, tanto como „opinião geral‟ quanto no sentido de elaboração
teórica dos pensadores dessa época” (CHAUI, 2006, p. 28). Desde quando o termo passou a
ser discutido pelos filósofos, não se conseguiu definir ideologia em um único sentido, e tal
tarefa parece ser impossível. Atualmente a questão é tratada por vários autores que
apresentam diversas formas de se entender a ideologia. Para início de discussão, a ideologia é
observada sob duas vertentes, uma positivista e outra negativista.
A ideologia vista de forma positiva, ou neutra, é aquela mais difundida no/pelo senso
comum: conjunto de ideias e valores que pertencem a um grupo de pessoas, ou seja, cada um
pode ter a sua própria ideologia. Já a ideologia vista de forma negativa (ou sob a concepção
crítica ou ainda marxista) são as ideias e representações produzidas e difundidas pela classe
dominante para legitimar e assegurar seu poder econômico, social e político, ou seja, é um
instrumento que mantém as relações de dominação em uma sociedade desigual através de
diversas estratégias. Segundo Chaui (2006), o que torna a ideologia possível pela concepção
marxista:
É a separação entre trabalho material e trabalho intelectual, ou seja, a
separação entre trabalhadores e pensadores. (...) é o fenômeno de alienação,
(...) enquanto não houver um conhecimento da história real, enquanto a
teoria não mostrar o significado da prática imediata dos homens, enquanto a
experiência comum de vida for mantida sem crítica e sem pensamento, a
ideologia se manterá; O que torna a ideologia possível é a luta de classes, a
dominação de uma sobre a outra. (...) Em outras palavras, a ideologia nasce
para fazer com que os homens creiam que suas vidas são o que são em
decorrência da ação de certas entidades. (...) Seu papel é o de fazer com que
os homens creiam que tais ideias representam efetivamente a realidade
(CHAUI, 2006, p. 79-80).
Outro teórico que discute o que é ideologia é John B. Thompson (1995), a quem se
atribuem os conceitos mais amplamente aceitos. A ideologia, como aponta a concepção
24
marxista, pode operar através de obscurecimento ou falsa interpretação das situações; mas
essas são possibilidades contingentes, e não características necessárias da ideologia. E
acrescenta que os fenômenos ideológicos são fenômenos simbólicos significativos desde que
eles sirvam, em circunstâncias sócio-históricas específicas, para estabelecer e sustentar
relações de dominação.
Nesse sentido, o autor aponta cinco maneiras através das quais a ideologia pode
operar: a legitimação (quando as formas são apresentadas como legítimas, justas e apoiadas);
a dissimulação (através da ocultação, negação ou mesmo desvio da atenção); unificação
(quando se cria uma identidade coletiva que interliga os indivíduos independente de suas
diferenças); segmentação (quando separam os que podem ameaçar a ordem); e reificação
(quando desconsidera que uma situação é na verdade permanente, natural e atemporal e a trata
como uma situação histórica, transitória).
Enquanto Thompson (1995) concebe um sentido para ideologia dentro da concepção
crítica, Martin Seliger (1976 apud EAGLETON, 1997, p. 20) a define de forma mais neutra,
sendo o “conjunto de ideias pelas quais os homens postulam, explicam e justificam os fins e
os meios da ação social organizada, e especialmente da ação política, qualquer que seja o
objetivo dessa ação, se preservar, corrigir, extirpar ou reconstruir uma certa ordem social”. As
duas concepções podem ser aceitas simultaneamente, conforme defende Terry Eagleton
(1997), desde que se considere a incompatibilidade entre elas, pois provêm de histórias
políticas e conceituais diferentes. A partir dessa interpretação, ele apresenta ideologia como:
que seja real e reconhecível o bastante para não ser peremptoriamente rejeitada”
(EAGLETON, 1997, p. 27). Portanto, não basta se apresentar numa dessas formas,
compreender o sentido de ideologia pode ser bem mais complexo, entrelaçar, ao mesmo
tempo, algumas dessas interpretações ou ir além desses entendimentos.
Sabendo que as ideologias moldam o nosso mundo, seja a partir de “nossas ideias” ou
das ideias que nos são impostas, podemos investir em uma reflexão acerca do jornalismo e
suas implicações no campo da ideologia, já que o jornalismo se configura como um dos
poderes no contexto das sociedades democráticas.
Nem tudo pode ser descrito como ideologia, como nem tudo deve ser considerado
jornalismo. A primeira pode ser apenas uma explicação de ordem prática como o segundo
que, às vezes, é apenas um discurso interessado, ou seja, um discurso ideológico. Como
explica Eagleton (1997), “a ideologia tem mais a ver com a questão de quem está falando o
quê, com quem e com que finalidade do que com as propriedades lingüísticas inerentes de um
pronunciamento”. Talvez por isso, os livros de jornalismo não queiram abordar a ideologia e
suas implicações no campo jornalístico.
A informação, quando chega ao público, já passou por um processo de interação social
que a configurou conforme ela se apresenta. Fatores internos e externos influenciam a
produção das notícias. “Herman e Chomsky argumentam que o conteúdo das notícias não é
determinado ao nível interior (isto é, ao nível dos valores e preconceitos dos jornalistas), nem
ao nível interno (isto é, ao nível da organização jornalística), mas ao nível externo, ao nível
macroeconônimo” (1989 apud TRAQUINA, 2005, p. 164). Os autores se referem à submissão
do jornalismo aos interesses capitalistas, à configuração da profissão como negócio, como
atividade econômica e lucrativa, o que determina o comportamento do jornalista e da empresa
em que trabalha.
Por consequência, o dito quarto poder, passa a servir aos demais poderes, deixando de
agir como guardião para ser porta voz oficial dos poderes legitimados que operam como
dominadores na sociedade. “Stuart Hall escreve que os media – embora involuntariamente, e
através dos seus próprios „caminhos autônomos‟ – têm-se transformado efetivamente num
aparelho do próprio processo de controle – um „aparelho ideológico de Estado‟”
(TRAQUINA, 2005, p. 175). Na busca da informação, a facilidade de acesso a fontes oficiais,
26
a pressão do tempo e a ausência de senso crítico para retratar os fatos com aprofundamento
fizeram das mídias reprodutoras da ideologia dominante.
Outro fator que levou o jornalismo a esta atual configuração foi a dependência das
fontes governamentais e do mundo empresarial. As notícias se aliaram às instituições
legitimadas, pois as fontes consultadas, por serem oficiais, pertencem à estrutura do poder
estabelecido, consequentemente, as notícias tendem a apoiar o status quo, ou mesmo
constituir o chamado jornalismo chapa-branca, como observa Traquina, frequentemente um
tema ou acontecimento é capaz de servir às relações públicas ou exigências ideológicas de um
grupo de poder.
Robert Hakett (1993, p. 128) lista as principais formas pelas quais as mídias
funcionam como instituição ideológica: favoritismo partidário ou preconceitos políticos;
critérios de noticiabilidade; características tecnológicas de cada meio noticioso; logística da
produção jornalística; retraimentos orçamentais; inibições legais; disponibilidade das fontes;
necessidade de contar „estórias‟ de modo inteligível e interessante; necessidade de empacotar
a notícia de um modo que seja compatível com o imperativo comercial de vender audiências
aos anunciantes; e formas de aparência dos acontecimentos sociais e políticos.
Nesse novo formato, a comunicação em massa e o jornalismo são instrumentos que
contribuem com a ideologia. São eles que nos apresentam a realidade, nos mostram sobre o
que pensar e até mesmo como pensar, nos fornecem ideias e influenciam nossos desejos,
então, podem ser vistos como parte de um processo hegemônico ou de legitimação, já que
estão sendo utilizados pelos poderosos.
veículos que se movem na direção que lhes é dada pelas forças sociais que
os controlam e que refletem também as contradições inerentes às estruturas
societárias em que existem. (...) O jornalismo não exclui a reprodução
verdadeira dos acontecimentos, seja qual for a orientação ideológica da
instituição ou de seus profissionais. Mas a medida da veracidade é uma
conseqüência da disponibilidade de fontes de difusão jornalísticas que
permitam à coletividade a confrontação dos fatos e de suas versões (MELO,
2003, p. 73-74).
Uma atividade voltada para o lucro e ao mesmo tempo com grandes responsabilidades
nas sociedades democráticas, o jornalismo se justifica pelo seu papel de informante. No
entanto, se ele está legitimado como guardião da sociedade e contribui com a participação do
cidadão nesta, ele não apenas informa, como tem a missão de formar os cidadãos.
Esse processo de formação ocorre através dos conteúdos e das mensagens que os
medias transmitem, são as informações que armam o cidadão para o confronto diário com a
realidade. E, considerando as estruturas que existem do campo jornalístico, as mensagens
28
Capítulo II
ENQUADRAMENTOS NA MÍDIA
mesmo fato pode ser interpretado de diferentes maneiras dependendo da forma como ele foi
apresentado. Assim, o enquadramento configura-se como um instrumento de poder, já que os
“efeitos de formulação podem ocorrer sem ninguém ter consciência do impacto do
enquadramento adotado nas decisões e podem ainda ser explorados para alterar a atratividade
relativa das opções” (PORTO, 2004, p. 79). Disto pode-se inferir que o enquadramento passa
a ser uma ferramenta para aqueles que têm como transmitir o seu jeito de pensar para os
demais.
No campo dos estudos comunicacionais, a socióloga Gaye Tuchman foi quem
primeiro aplicou o conceito de enquadramento. No livro Making news (1978), Tchuman
defende que o enquadramento constitui uma característica das notícias, pois elas “impõem um
enquadramento que define e constrói a realidade, (...) a autora sugere que notícias são „um
recurso social cuja construção limita um entendimento analítico da vida contemporânea‟”
(apud PORTO, 2004, p. 79)1. Mais tarde, seguindo o mesmo entendimento da socióloga,
Todd Gitlin (1980) propõe a primeira definição clara acerca do conceito de enquadramento:
Os enquadramentos da mídia (…) organizam o mundo tanto para os
jornalistas que escrevem relatos sobre ele, como também, em um grau
importante, para nós que recorremos às suas notícias. Enquadramentos da
mídia são padrões persistentes de cognição, interpretação e apresentação, de
seleção, ênfase e exclusão, através dos quais os manipuladores de símbolos
organizam o discurso, seja verbal ou visual, de forma rotineira (apud
PORTO, p. 80, 2004)2.
Há, portanto, forças que agem e influenciam durante a organização do discurso. O que
faz o jornalista escolher uma informação e excluir outra, buscar uma determinada fonte ou
destacar certos dados está ligado às ideias que organizam as tomadas de atitude do jornalista.
Estas ideias estão relacionadas a preconceitos, modo de vida, comportamentos,
relacionamentos pessoais, constrangimentos organizacionais, rotina, condições de trabalho,
espaço e tempo. Essas forças internas e externas podem reproduzir as forças ideológicas
dominantes, ou mesmo, ir de encontro. Segundo Karl Manoff (apud SOUSA, 1999, p.47), a
escolha de um frame não é inteiramente livre, pois depende do “catálogo de frames
disponíveis” num determinado momento socio-histórico-cultural3. Ou seja, depende do
aspecto que o jornalista assume como o real nesse momento, bem como da sua experiência,
que molda sua percepção.
1
TUCHMAN, Gaye. Making News. New York: The Free Press, 1978.
2
GITLIN, Todd. The Whole World is Watching. Berkeley: University of California Press, 1980.
3
Manoff, R. K. Writing the news (by telling the 'story'). In Manoff, R. K.; Schudson, M. (Ed.). Reading the
News. New York: Pantheon Books, 1986.
31
Dessa forma, podemos afirmar que enquadramento é o modo que cada pessoa
interpreta e dá sentido a todas as coisas, a partir da seleção daquilo que lhe é compreensível e
aceitável. Da mesma forma, o jornalista, na prática, reproduz os fatos e as informações de
acordo sua interpretação e seu sentido. O enquadramento de mídia é, como afirma Scheufele
(cf. PORTO, 2004), uma forma de construtivismo social, onde diferentes interpretações da
realidade lutam entre si para convencer maior número de pessoas e ser, de fato, representação
do real.
Após revisar os estudos sobre enquadramentos da mídia, Robert Entman apresentou
uma definição com os principais aspectos do conceito:
O enquadramento envolve essencialmente seleção e saliência. Enquadrar
significa selecionar alguns aspectos de uma realidade percebida e fazê-los
mais salientes em um texto comunicativo, de forma a promover uma
definição particular do problema, uma interpretação causal, uma avaliação
moral e/ou uma recomendação de tratamento para o item descrito (apud
PORTO, p. 82, 2004)4.
4
Entman, Robert. Framing: Toward clarification of a fractured paradigm. In LEVY, M.; GUREVITCH, M.
(Ed.). Defining Media Studies. New York: Oxford University Press, 1994, p. 293-300.
32
pode ser entendido como o ângulo de abordagem que o jornalista irá adotar, pois,
independente do veículo jornalístico, qualquer assunto envolve um número significativo de
desdobramentos que podem ser noticiados. O ponto de vista (ou a tendência), segundo Sergio
Vilas Boas (1996), depende das noções vividas (ou lidas) que o nosso pensamento transmite
para o nosso discurso, e diferentemente do enquadramento, admite a interpretação do
leitor/público. Pode ser entendido como o propósito do texto, não necessariamente explícito,
e, portanto, é a partir do enquadramento adotado pelo jornalista que ele se manifesta. Já a
opinião é quando há uma atitude do jornalista de valorizar o fato e o seu sentido, ou seja, a
partir de determinado ponto de vista, ele mesmo interpreta os fatos.
- Enquadramento temático: destaca um nível ou contexto analítico mais geral que vai além
dos “fatos”;
- Enquadramento corrida de cavalos: em tempo de eleições, apresenta quem está crescendo
ou caindo, focalizando o desempenho dos candidatos nas pesquisas e as estratégias para
manter a dianteira ou melhorar o desempenho nas pesquisas;
- Enquadramento do jogo: noticia a política em termos estratégicos e ressalta as intenções e
ações dos diversos “jogadores”;
- Enquadramento episódico: possui um forte foco em eventos e faz com que as pessoas
atribuam a responsabilidade pelos problemas políticos e sociais a indivíduos, em lugar da
consideração de forças ou fatores sociais mais amplos;
34
Tal classificação pode ser utilizada para analisarmos o comportamento atual dos
veículos jornalísticos, que, na busca da objetividade, apresentam os fatos de forma simplista e,
na maioria das vezes, descontextualizada. Os tipos de enquadramentos apontados por Porto
são facilmente identificados na cobertura de temas políticos, pois envolvem conflitos e
embates de opinião, forçando o meio jornalístico a assumir uma postura diante dos fatos, o
que quase sempre aparece implicitamente.
Outros estudiosos que colocaram o enquadramento no centro de suas investigações são
Semetko e Valkenburg (apud SOARES, 2006, p. 453), os quais identificaram quatro tipos de
enquadramentos frequentes na imprensa holandesa, entre eles, o de interesse humano; os
outros três são: de conflito, das consequências econômicas e da responsabilidade5. O
enquadramento de conflito é aquele que reduz o debate complexo à oposição simplista. O
enquadramento das conseqüências econômicas enfoca os resultados econômicos de um fato
atribuindo-os a um grupo, ou indivíduo. O enquadramento da responsabilidade atribui a causa
de um problema a um grupo ou a um indivíduo – estes últimos se aproximam do
enquadramento episódico.
Retornando a Porto, este distingue dois tipos principais de enquadramento: os
enquadramentos noticiosos e os enquadramentos interpretativos. E são estas noções de
enquadramentos adotadas para esta pesquisa.
Esta distinção entre dois tipos principais de enquadramento é fundamental
para evitar a confusão que tem caracterizado as aplicações do conceito. (...)
Enquadramentos noticiosos são padrões de apresentação, seleção e ênfase
utilizados por jornalistas para organizar seus relatos. No jargão dos
jornalistas, este seria o "ângulo da notícia", o ponto de vista adotado pelo
texto noticioso que destaca certos elementos de uma realidade em detrimento
de outros. (...) Uma característica importante dos enquadramentos noticiosos
é o fato de que eles são resultado de escolhas feitas por jornalistas quanto ao
5
SEMETKO, H. A.; VALKENBURG, P. M. Framing european politics: a content analysis of press and
television news. Journal of Communication, 50 (2), p. 93-109, June, 2000.
35
formato das matérias, escolhas estas que têm como conseqüência a ênfase
seletiva em determinados aspectos de uma realidade percebida (PORTO,
2004, p. 91-92).
A manipulação dos fatos através das informações transmitidas pela mídia é, segundo
Perseu Abramo (2003), característica do jornalismo brasileiro. A manipulação pode ser
36
entendida como um processo que distorce a realidade e produz um material que tem algum
tipo de relação com a realidade, mas que na verdade é uma realidade artificial, criada e
desenvolvida pela imprensa. Apesar de ocorrer de muitas formas, ela não é encontrada em
todo o material produzido pela imprensa.
Enquanto que todo e qualquer processo comunicacional se dá através de determinado
enquadramento, pois ele é a forma que temos para dar sentido a nossas experiências – e,
portanto, entendê-las e retransmiti-las. Assim, o enquadramento é um processo inevitável ao
qual todos, inclusive os jornalistas, estão sujeitos e, por isso, não se refere apenas a processos
de manipulação da realidade. Todavia, durante o processo de construção da notícia é possível
utilizar determinados enquadramentos visando manipular a realidade.
Em ensaio sobre a manipulação na grande imprensa, Perseu Abramo (2003, p. 24) diz
que “a relação entre a imprensa e a realidade é parecida com aquela entre um espelho
deformado e um objeto que ele reflete: a imagem do espelho tem algo a ver com o objeto, mas
não só não é o objeto, como não é a sua imagem”. Tal afirmação não se apoia apenas nos
exemplos em que a intenção do jornalista era, de fato, manipular a realidade, mas sim na
crença de que toda a imprensa apresenta uma realidade artificial, criada, desenvolvida e
apresentada no lugar da realidade real.
Dessa forma, “a maior parte dos indivíduos move-se num mundo que não existe, e que
foi artificialmente criado para ele justamente a fim de que ele se mova nesse mundo irreal”
(ABRAMO, 2003, p. 24). O indivíduo só percebe a contradição entre a realidade que vive e
aquela apresentada pela imprensa quando ele é sujeito envolvido, testemunha ou protagonista,
e que a conhece de fato.
Ocultar, fragmentar, induzir, inverter e/ou reordenar são características do texto e da
prática jornalística. Elas são apontadas por Abramo como padrões da manipulação e como
parte da produção cotidiana da imprensa. Tanto que é impossível fazer jornalismo sem utilizar
esses “padrões”. Porém, para utilizá-los, o jornalista deve lançar mão do seu caráter moral, ou
seja, ter como base a honestidade e a ética de jornalista e da empresa em que atua.
Os jornalistas e os estudiosos da área precisam reconhecer que o processo de
construção das notícias e as limitações da prática jornalística proporcionam a manipulação do
real, assim como está legitimando os enquadramentos noticiosos. Afinal, independentemente
do veículo jornalístico, um mesmo acontecimento não deveria ser apresentado da mesma
forma e com as mesmas informações por todos os jornalistas? Aqueles que respondem
positivamente tomam como base a imparcialidade da imprensa e a independência dos
jornalistas ao mundo exterior.
37
trabalhar nos dois níveis simultaneamente. Uma linha de pesquisa interessante poderia tratar,
por exemplo, da relação entre os dois tipos de enquadramento” (PORTO, 2004, p. 93). Essa
definição é importante para a construção de um marco teórico claro, sistemático e coerente a
partir do conceito assumido pelo pesquisador. No entanto, não é preciso, nem possível
segundo Porto, construir uma teoria que aborde todos os aspectos tratados pelos estudos do
enquadramento da mídia.
Adiante, a pesquisa deve identificar as interpretações e as controvérsias que são
apresentadas pela mensagem jornalística e “o pesquisador deve analisar não só os
enquadramentos dominantes ou de grupos influentes, mas também incluir as interpretações
promovidas por movimentos sociais ou de oposição, inclusive aquelas que são excluídas pela
mídia” (PORTO, 2004, p. 94). Dessa forma, a pesquisa irá considerar os fatores que
influenciam o processo de enquadramento dado pela mídia.
Durante a realização da análise de enquadramentos, o observador não deve limitar sua
análise sob a óptica quantitativa ou qualitativa, mas adotar um enfoque integrado que inclua
tanto as questões quantitativas, como o espaço ocupado ou o número de vezes que aparece
determinada fonte, como as questões qualitativas, que buscam no texto suas estruturas
sintáticas e retóricas.
Soares (2006) descreveu a análise de enquadramento nas seguintes etapas:
Capítulo III
O jornalista deve ter em mente que o seu maior compromisso é com o público, e por
isso, deve manter a sua independência dentro e fora das redações. Independentemente do tipo
de veículo, o jornalista tem que respeitar os limites éticos e atuar com responsabilidade ao
utilizar as técnicas que tem à disposição, principalmente durante os processos de apuração. As
diferenças entre o jornalismo praticado por diversos meios residem nas características de
linguagem e formato, que se adaptam de acordo as condições e necessidades do veículo.
A principal característica do jornalismo de revista que o diferencia dos outros meios é
a sua maior preocupação com o leitor, pois a revista tem um público bem definido, ou mesmo
segmentado, desde a sua origem. Criada em 1663 na Alemanha, com cara e jeito de livro, a
Erbauliche Monaths-Unterredungen é considerada a primeira revista do mundo por reunir
vários artigos sobre teologia, portanto, a primeira publicação destinada a um público
específico. Somente em 1731, em Londres, que surgiu a primeira revista mais parecida às que
conhecemos hoje, com o nome The Gentleman’s Magazine.
As revistas ganharam espaço ao longo do século XIX, quando, segundo Marília Scalzo
(2008, p. 20), elas viraram e ditaram moda e ocuparam um espaço entre o livro (objeto
sacralizado) e o jornal (que só trazia noticiário ligeiro). “[A revista] possui menos informação
no sentido clássico (as „notícias quentes‟) e mais informação pessoal (aquela que vai ajudar o
leitor no seu cotidiano, em sua vida prática)” (SCALZO, 2008, p. 14). Dessa forma, tal
veículo se constituiu como um conjunto de serviços, que mistura jornalismo e entretenimento,
e contribui com a construção de identidade, ou seja, dá ao leitor a sensação de pertencer a um
determinado grupo.
A revista ainda se diferencia das outras mídias pelo seu formato – a qualidade da
impressão e a durabilidade são pontos positivos em relação ao jornal, e pela periodicidade – o
que acaba determinando o trabalho dos envolvidos na sua produção. No entanto, é a
linguagem a característica marcante do jornalismo de revista. Segundo Scalzo (2008, p. 54), o
jornalista de revista não deve escrever para si mesmo, pois “o leitor é alguém específico, com
43
cara, nome e necessidades próprias, e deve se comportar como prestador de serviços, alguém
que dá informações corretas, e não um ideólogo ou um defensor de causas e bandeiras”. O
desafio para o jornalista é fazer uma revista acessível a qualquer leitor, mas seu texto deve ser
preciso ao ponto de poder ser lido, sem constrangimentos, por especialistas da área sobre a
qual escreve.
É importante lembrar que as revistas “cobrem funções culturais mais complexas que a
simples transmissão de notícias. Entretêm, trazem análise, reflexão, concentração e
experiência de leitura” (SCALZO, 2008, p. 13) e não apenas „revê‟ o que o jornal já „disse‟.
“O jornal diário tem de noticiar as exceções, ou seja, tudo aquilo que escapa à normalidade. Já
a revista de informações deve tratar o conceito de notícia de um modo mais amplo,
restabelecendo um contexto maior” (VILAS BOAS, 1996, p. 75). Logo, o texto jornalístico
para uma revista é o grande desafio para o jornalista, que deve estar atento às suas
especificidades.
As revistas exigem de seus profissionais textos elegantes e sedutores.
Considerados os valores ideológicos do veículo, não há regras muito rígidas.
Há, isto sim, uma conciliação entre as técnicas jornalísticas e literária. Não
fazem exatamente literatura, porque jornalismo não se expressa por supra-
realidade. Ao contrário, tratam de uma realidade comum a todos. Mas a
técnica literária é perfeitamente compatível com o estilo jornalístico. O estilo
magazine, por sua vez, também guarda suas especificidades, na medida em
que pratica um jornalismo de maior profundidade. Mais interpretativo e
documental do que o jornal, o rádio e a TV; e não tão avançado e histórico
quanto o livro-reportagem (VILAS BOAS, 1996, p. 9).
6
Pesquisa “Retrato da Leitura no Brasil” realizada pelo Ibope entre 29 de novembro e 14 de dezembro de 2007,
divulgada em dezembro de 2008.
7
Dados divulgados pelo Instituto Verificador de Circulação (IVC) em março de 2008.
45
mundo a desfrutar de tal situação (...), é hoje a quarta revista de informação mais vendida no
mundo” (SCALZO, 2008, p. 31). No entanto, as publicações semanais de informação
registraram uma queda de 12% no mercado, comparando com os números do ano 2000 8, a
revista CartaCapital (Editora Confiança) foi a única do segmento informativo que registrou
crescimento, enquanto que as revistas destinadas ao público feminino e as populares
registraram aumento de 27% em circulação.
A editora Abril começou sua trajetória no final da década de 1940 com a chegada do
seu fundador, o italiano Victor Civita, a São Paulo, que trouxe para o Brasil os direitos de
reprodução dos quadrinhos de Walt Disney. Pato Donald foi o primeiro sucesso em
circulação da editora, seguido pela Capricho, Manequim, Quatro Rodas, Claudia, Intervalo e
Realidade. A revista Veja, hoje a principal publicação da editora, começou a circular em 11
de setembro de 1968, quando o Brasil vivia sob as ordens do regime militar instaurado em 1º
de abril de 1964. Criada por Victor Civita para suprir uma necessidade do país, a Veja era a
única newsmagazine semanal do país.
O Brasil não pode mais ser o velho arquipélago separado pela distância, o
espaço geográfico, a ignorância, os preconceitos e os regionalismos: precisa
de informação rápida e objetiva a fim de escolher rumos novos. Precisa saber
o que está acontecendo nas fronteiras da ciência, da tecnologia e da arte no
mundo inteiro. Precisa acompanhar o extraordinário desenvolvimento dos
negócios, da educação, do esporte, da religião. Precisa, enfim, estar bem
informado. E este é o objetivo de VEJA (Veja, n. 1, 11 de setembro de
1968).
Na coordenação da equipe de redação, até então a maior montada para uma revista,
estava o jornalista Mino Carta, que logo teria de enfrentar a fase mais cruenta do regime
militar, com a instauração do Ato Institucional nº 5. Segundo Fernando Lattman-Weltman,
“os problemas de Veja com a censura ocorreram já na semana de decretação do ato [13 de
dezembro de 1968] e a partir daí se tornaram mais freqüentes. Mas foi também quando a
revista começou a se recuperar, com coberturas de impacto e com a introdução de inovações”
(2003, p. 178). Nesse período inicial que a revista ganhou prestígio e capacidade de
influenciar, além de incomodar e preocupar as autoridades do regime militar.
De 1968 a 1974, a Veja sofreu uma censura considerada “branda”, que se acirrou a
partir de 1974, para a preocupação dos senhores Civita, devido ao comportamento da revista
8
Dados divulgados pelo Instituto Verificador de Circulação (IVC) em março de 2008.
46
diante dos fatos. Em 75, para não prejudicar Roberto e Victor Civita, o diretor de redação
Mino Carta colocou o cargo à disposição dos patrões, que resolveram mantê-lo, ele aceitou
com a condição de continuar atuando como sempre atuou. A demissão só foi aceita após Carta
retornar de férias, em 76. Na mesma época a censura deixa a revista que reafirma, dois anos
depois, seus princípios liberais em editorial assinado.
O que consolidou a revista foram as estratégias de marketing que investiram,
principalmente, na venda de assinaturas, conforme afirma o atual diretor da revista, Eurípedes
Alcântara, “o que determinou o crescimento de Veja foram os assinantes, que se tornaram
fiéis à revista (...). Não trair o seu leitor é mais importante do que as questões mais técnicas”
(REVISTA IMPRENSA, janeiro/fevereiro de 2009). Porém, desde o início, a revista
reconhecia a necessidade de se aproximar do leitor.
Veja se definia não exatamente por seu conteúdo informativo ou pela
qualidade de sua apuração e de seu texto, talvez nem mesmo pelo peso
editorial diferenciado dado aos elementos gráficos da notícia – texto,
chamada, foto, ilustração etc. O que a distinguia era sua proposta editorial
intrínseca, ou seja, sua relação com seu público-alvo, o tipo de consumo de
informação que propunha e a auto-imagem que sugeria (e construía) para seu
consumidor (LATTMAN-WELTMAN, 2003, p. 179-180).
9
Acessados em http://veja.abril.com.br.
47
O jornalista italiano Mino Carta iniciou na profissão com 16 anos, indicado pelo pai, o
jornalista de O Estado de S. Paulo, Giannino Carta, para cobrir a Copa do Mundo de 1950
para o jornal romano Il Messaggero. Retornou a Itália com 22 anos, onde trabalhou como
redator nos jornais La Gazzetta Del Popolo, de Turim, e Il Messaggero, também foi
correspondente do Diário de Notícias, do Rio de Janeiro. Voltou para o Brasil em 1960,
10
Divulgada pelo site da revista: http://veja.abril.com.br.
11
Projeção Brasil de Leitores com base nos Estudos Marplan consolidado 2008 e IVC.
48
quando ingressou na editora Abril para criar e dirigir a revista Quatro Rodas. Em 1964,
fundou a edição de esporte do jornal O Estado de S. Paulo e, dois anos depois, o Jornal da
Tarde, onde trabalhava quando foi convidado pelo Victor Civita para dirigir o novo projeto da
editora, a Veja. Após sair da Veja, fundou, em 1976, a revista IstoÉ (Editora Três), onde atuou
como diretor de redação entre 1988 e 1993. Em 1994, fundou a revista CartaCapital, pela
Carta Editorial, editora da família.
As [revistas] americanas eram o modelo mais celebrado, e o foram, de um
polo a outro, por muito tempo. (...) quisemos aplicar uma receita adequada
aos tempos (...) a novidade não está apenas no enfoque independente, que
resulta, neste nosso Brasil, em navegação contra a corrente. (...) não
pretendemos que os leitores concordem conosco e sim que levem em conta,
sem preconceitos, sem tolos mergulhos na banalidade e no clichê, a opinião
de quem merece respeito (CartaCapital – edição especial, n. 500, 18 de
junho de 2008).
Desde 1º de janeiro de 1959, o país está sob o regime dos que lideraram a Revolução
Cubana, conforme o socialismo soviético: regime de partido único, de economia estatizada, de
controle da informação e dependente de lideranças carismáticas. Com a implantação do
socialismo, os cubanos tiveram o padrão de vida elevado. Cuba tem hoje um dos melhores
índices sociais da América Latina, o Índice do Desenvolvimento Humano (IDH) da ilha é o
51º entre os 177 países do Relatório de Desenvolvimento Humano 2007/2008 da Organização
das Nações Unidas (ONU). De acordo o RDH, a mortalidade infantil em Cuba é de 6 a cada
mil crianças nascidas vivas, a expectativa de vida é de 77,7 anos, 99,8% dos cubanos maiores
de 15 anos são alfabetizados e 98% da população tem acesso ao sistema de saneamento
básico. Segundo o mesmo relatório, a taxa de desemprego é de 1,9% da população ativa.
Em Cuba, 5,5% do Produto Interno Bruto (PIB) são destinados à saúde e 9,8% à
educação, para efeito de comparação, no Brasil esses números são de, respectivamente, 4,8%
e 4,4%. Na ilha caribenha, a educação é gratuita para todos os níveis e o número de médicos
per capita é o maior do mundo: são 591 médicos para cada 100.000 cubanos. Cuba ainda é o
quarto maior produtor cinematográfico da América Latina e a terceira maior potência
esportiva do mundo. Apesar de ser uma nação materialmente pobre, com carros antigos pelas
ruas e poucos casarões restaurados, em Cuba não há disputas por terras e quase não se vê
assassinatos, acidentes de trânsito e desabrigados.
No entanto, para garantir o controle do país, o governo cubano restringe a livre
manifestação contra o regime. Entrar e sair da ilha também só é possível com autorização
oficial, o acesso à internet é vedado nos domicílios, os veículos comunicação estatizados e
existe racionamento de alimentos. Além disso, a fragilidade da economia cubana e a
dependência de outros países têm causado redução no abastecimento de alimentos e de outros
produtos básicos e ainda quedas na produção de energia elétrica, resultando em cortes do
fornecimento.
Atualmente a economia cubana gira em torno do turismo e das produções de charutos,
rum e café. Segundo o Banco Mundial, o PIB cresceu 5,4% em 2004. Um cubano comum
ganha em média, por dia, 1 US$. Mesmo em uma sociedade sem classes, modesta e não
consumista, o governo reconhece que o salário é baixo e o poder de compra é pequeno, por
isso não condena o acúmulo de capital, até estimula a entrada de dólares, só exige explicações
sobre a origem do dinheiro. O governo cubano assegura que o povo não quer mudar o regime,
apenas melhorar a vida.
Através da estatização da indústria privada, o governo passou a controlar
toda a produção industrial do país. O programa de desenvolvimento
51
O sistema político cubano é composto pelo regime de partido único e pelo órgão
soberano, a Assembleia Nacional do Poder Popular, composta por 614 membros e
responsável pelos poderes administrativo, legislativo e constituinte. A Assembleia se reúne
durante dez dias, duas vezes ao ano e é representada pelo Conselho de Estado, formado por 31
deputados escolhidos pela própria Assembleia. Os membros da Assembleia Nacional são
escolhidos através do voto popular, direto e secreto. Os candidatos são escolhidos nas
Assembleias Municipais e Provinciais e depois de eleitos cumprem seus mandatos por cinco
anos sem salários ou privilégios.
O escolhido para presidir o Conselho de Estado assume, automaticamente, a
presidência do Conselho de Ministros e do Conselho de Defesa Nacional e é quem dirige a
política geral, controla e supervisiona as atividades dos ministérios e demais órgãos da
administração, e ainda propõe à Assembléia os nomes para os membros do Conselho de
Ministros. Desde a instauração do regime, em 1959, até 31 de julho de 2006, o cargo foi
ocupado pelo líder da Revolução Cubana, Fidel Alejandro Castro Ruz, passado oficialmente
para o seu irmão, Raúl Castro, em fevereiro de 2008 com a escolha deste para presidente pela
Assembleia.
Frequentemente, notícias sobre Cuba são veiculadas pelos veículos de comunicação do
Brasil, não só sobre a sua situação política, econômica ou social, mas, principalmente, quando
envolve os impasses da ilha com a considerada maior potência mundial, os Estados Unidos.
Apresentado como um país miserável pertencente ao guerrilheiro Fidel Castro, a quem
atribuem a truculência de um regime ditatorial, repressivo e antidemocrático ao qual o povo
cubano está submetido.
É flagrante o profundo desconhecimento da maioria dos brasileiros sobre a
história e a trajetória daquele povo e país. (...) A imprensa brasileira, em
geral, segue os moldes da imprensa norte-americana, espanhola ou francesa,
negligenciando as relações históricas que cada um desses países teve e tem
com Cuba (SILVESTRI-LEVY, Alessandra14. É preciso conhecer o país.
Caros Amigos – edição especial, agosto de 2007, p. 29).
14
Ex-embaixatriz da França em Cuba.
52
moldes capitalistas de seus países. É preciso considerar que Cuba é o único país onde o
socialismo sobrevive de fato, que apesar de buscar se adequar ao século XXI não adotou o
caráter misto para a economia e, portanto, enfrenta o capitalismo e a ordem econômica
mundial. Cuba consolidou o seu sistema político diante de muitas dificuldades, como as crises
financeiras que abalaram o país, mas sempre apoiada pelo espírito nacionalista do seu povo. A
experiência cubana evidencia que os países de “terceiro mundo” podem garantir melhores
condições sociais assumindo práticas alternativas ao capitalismo para construção do seu
próprio sistema político-econômico.
depois, Fidel Castro entra com o seu exército em Havana e assume o cargo de primeiro-
ministro do Governo Revolucionário.
[A revolução cubana] deslocou e esmagou a burguesia, nacional e
estrangeira, porque para liberar a nação e para criar um Estado democrático
soberano ela tinha de converter-se em uma revolução contra a ordem, ou
seja, anticapitalista (...). A revolução contra a ordem só se liberta e torna-se
viável depois da conquista do poder pelas classes trabalhadoras
(FERNANDES, 2007, p. 31).
3.2.2 A renúncia
Classificando a sua doença como segredo de Estado, Fidel Castro só voltou a aparecer
através de fotos ou vídeos, ao lado de autoridades políticas que lhe visitaram. O não
aparecimento em público fez surgir suspeitas acerca de sua possível morte. Em março de
2007, oito meses após ter se afastado do cargo de comandante-em-chefe, o presidente voltou a
escrever seus artigos, publicados pelo jornal oficial do Partido Comunista de Cuba, o
Granma, acabando com as suspeitas da sua morte.
As eleições no parlamento cubano, em 20 de janeiro de 2008, reelegem Fidel como
deputado. Afastado por mais de um ano e meio devido às complicações com a saúde, ele não
56
Fidel Castro ainda cita uma carta que havia enviado à televisão nacional, na qual
afirmara que o seu dever não era se “perpetuar em cargos, ou impedir a passagem de pessoas
mais jovens, mas fornecer experiências e idéias cujo modesto valor provém da época
excepcional que pude viver”. Ele afirma que acredita que as novas gerações cubanas contam
com autoridade e experiência suficiente para garantir a sua substituição e que, a partir daquele
momento, lutaria “como um soldado das idéias”, pois continuaria a escrever suas mensagens
ao povo cubano.
Com a “renúncia” de Fidel aos cargos para os quais havia sido reeleito, a Assembleia
Nacional do Poder Popular de Cuba designou, no dia 24 de fevereiro, Raúl Castro o
presidente do Conselho de Estado, cargo que assumira desde o afastamento do irmão. As
primeiras atitudes do novo presidente foram assegurar o seu compromisso com a revolução e
solicitar à Assembleia a autorização para seguir consultando Fidel Castro nas decisões mais
importantes que poderiam afetar os rumos do país. Maioria absoluta aprovou tal solicitação. É
preciso considerar que o termo “renúncia” foi empregado pela mídia internacional ao noticiar
o comunicado de Fidel Castro, pois considerava como certa a reeleição do presidente, então
seu comunicado foi interpretado como uma desistência do poder.
Desde quando anunciou o seu afastamento, a sucessão do presidente que mais tempo
ficou à frente de um país se tornou assunto, principalmente, em outros países, onde os líderes
políticos começaram a especular sobre o futuro da ilha. Para muitos, a saída de Fidel do poder
significaria a retomada de Cuba ao modelo de uma sociedade capitalista. No entanto, Fidel
Castro confiava na estabilidade do sistema político que implantara há quase 50 anos.
57
15
Disponível em http://carosamigos.terra.com.br/. Acessado em 01 de março de 2008.
58
16
Os dados levantados pela pesquisa podem ser consultados no Apêndice deste trabalho.
59
seu conjunto de reportagens com o título Cuba sem Fidel – análises de Jon Lee Anderson,
Tariq Ali, Emir Sader, José Jobson Arruda e Antonio Luiz M. C. da Costa, enquanto que a
Veja direciona para a opinião da revista: Já vai tarde – o fim melancólico do ditador que
isolou Cuba e hipnotizou a esquerda durante 50 anos.
À primeira vista, as duas publicações utilizaram a mesma foto, no entanto, percebe-se
através de detalhes que elas não são iguais, apesar de terem sido tiradas no mesmo momento.
O crédito da foto que ocupa a capa da revista CartaCapital é de Javier Galeano da agência
Associated Press, e a utilizada pela revista Veja é da agência Reuters. Nas fotos, o
personagem principal do acontecimento, Fidel Castro, foi fotografado contra um foco de luz,
criando um efeito de sombra que marca apenas o seu perfil. Mesmo sem retratar suas
expressões ou o local onde ele estava, pode-se identificar que aquele que aparece na foto é
Fidel Castro, sem mostrá-lo como herói ou como bandido. Talvez, foi a primeira vez que o
representaram como uma figura neutra e sozinha.
Figura 1 Figura 2
Capa da revista CartaCapital (27/02/2008, ano 14, nº 484) Capa da revista Veja (27/02/2008, ano 41, nº 2049)
São várias as possíveis interpretações da foto que justificam a sua utilização, uma
delas é a noção de mistério – afinal, as revistas analisam a renúncia com foco no que poderia
acontecer após a retirada de Fidel. A fotografia ainda cria uma sensação de medo, de incerteza
e de reflexão, além de contribuir com os títulos expostos nas capas. Pode-se dizer que a foto
60
retrata o fim da época Fidel, o “apagar das luzes”, a saída, o abandono, a renúncia, a tristeza, a
desistência ou mesmo uma derrota do líder cubano. A diferença que marca as capas reside nos
títulos.
As duas publicações dedicaram um número expressivo de páginas ao assunto. A
CartaCapital publicou uma série de matérias. Uma reportagem, assinada por Antonio Luiz M.
C. Costa (O retiro de Fidel), com base em dados e fatos históricos a fim de apresentar a atual
situação econômica e política da ilha. Em seguida uma matéria analítica (Como manter Miami
longe) sobre a transição do poder em Cuba, feita em Londres por Gianni Carta, a partir de
entrevista com o historiador e escritor Tariq Ali. Uma entrevista (Havana esmiuçada) com o
historiador José Jobson Arruda, feito por Sergio Lirio, sobre os desdobramentos históricos
que envolvem Cuba. E, por fim, uma matéria de Cynara Menezes (O socialismo vai resistir)
com a opinião de diversos pesquisadores sobre o futuro de Cuba, as peculiaridades do
castrismo e a resistência do socialismo.
A revista Veja apresenta uma reportagem de Alexandre Salvador, Duda Teixeira,
Thomaz Favaro e Vanessa Vieira, assinada pelo editor Diogo Schelp (Um país de muito
passado agora tem algum futuro), uma entrevista com o dissidente cubano Hector Palácio
Ruiz (“O castrismo acabou”), feita em Madri por Thomaz Favaro e um artigo (Fidel e o
golpe da revolução operada por outros meios) de Reinaldo Azevedo sobre a influência de
Fidel Castro na esquerda brasileira.
Podemos considerar que a revista CartaCapital nos apresenta o regime de Fidel Castro
e a atual situação de Cuba de maneira mais comprometida com as informações que a revista
Veja, pois nesta prevalece as opiniões acerca da atual Cuba e da sucessão de Fidel. A
CartaCapital reconhece os méritos da revolução cubana, as dificuldades que o regime
enfrentou durante os anos de governo, os avanços sociais e as deficiências econômicas. Assim
como condena o poder centralizado de Fidel Castro, suas medidas intransigentes, o
autoritarismo e a repressão. No entanto, assume que o socialismo cubano deveria resistir à
sucessão de Fidel, sem ter que ceder à economia neoliberal.
Ainda que não se possam negar os méritos de sua revolução, ela deixou
muito a dever quanto à abertura de novos caminhos para a democracia e a
participação popular. Será uma tragédia se essa deficiência levar a perder
tudo o que foi conquistado no campo do combate ao imperialismo, do bem-
estar social e da sustentabilidade ecológica. Apesar de tudo, é uma
experiência com a qual o mundo, ante a perspectiva de esgotamento do
petróleo, deterioração do ambiente e agravamento das desigualdades, tem
muito a aprender (CARTACAPITAL, 2008. Ed. 484, p. 32).
61
Enquanto a CartaCapital apresenta tal ponto de vista, a Veja aponta o líder cubano
Fidel Castro como ditador, estrategista em tudo que faz e responsável por todas as mazelas
que afetam a ilha. Para a Veja, desde a revolução cubana, o país vem sofrendo com o governo
de Fidel, “agente do maior fracasso material das ditaduras latino-americanas” (p. 72).
Considera a ilha um “país-cárcere” (p. 71), com falsas democracia e justiça social, de onde os
cubanos só planejam sair. A única referência positiva sobre Cuba são os índices sociais,
apresentados como “razoáveis para uma ilha do Caribe” (p.79) sem números para comparação.
A revista Veja assume a imagem fotográfica como principal linguagem, pois as fotos
ocupam mais espaço que a própria reportagem. O personagem Fidel Castro é o mais
explorado pelo recurso, seguido da representação de Cuba (um resorte de luxo proibido para
os cubanos, uma balsa com cubanos fugindo para os Estados Unidos e um café em Havana
antes da revolução). 91% das fotos de Veja são de agências internacionais de notícias. A
CartaCapital, por sua vez, dá destaque aos entrevistados. No entanto, as fotos aparecem em
menores dimensões, ocupando pouco espaço se comparado com os do texto. A maioria das
fotos é de agências internacionais e Cuba é representada pela fotografia de uma de suas ruas,
com sobrados e carros antigos.
17
O artigo de Reinaldo Azevedo foi desconsiderado da análise por pertencer, naturalmente, ao gênero opinativo
e, portanto, estar resguardado por critérios subjetivos e ideologias.
63
enquadramento interpretativo, mas nos serve como exemplo de uma seleção de fonte que está
alinhada à ideologia da revista.
A CartaCapital publicou outros três textos. Como manter Miami longe e Havana
esmiuçada são duas entrevistas, a primeira com o escritor Tariq Ali e a outra com o
historiador José Jobson Arruda. Da mesma forma que Veja, são textos com enquadramentos
interpretativos e fontes que não contrastam com a linha editorial da revista. O último texto da
CartaCapital (O socialismo vai resistir) é uma reportagem analítica que aprofunda a reflexão
sobre a sucessão de Fidel Castro e o futuro da ilha caribenha. A reportagem é um bom
exemplo de enquadramento interpretativo. Pois a diversidade de fontes utilizadas cria a
sensação de isenção por parte do jornalista, no entanto, o peso ideológico do texto é
identificado no seu título.
Entende-se por ideologia tanto o “conjunto de ideias pelas quais os homens postulam,
explicam e justificam os fins e os meios da ação social” (Martin Seliger, 1976 apud
EAGLETON, 1997, p. 20) quanto a concepção em que atribui à ideologia a falsa interpretação
das situações. Conforme Eagleton (1997), a ideologia promove e legitima interesses de
determinados grupos, podendo até distorcer a realidade através da legitimação de ideias e
crenças. Dessa forma, as fontes ouvidas e, consequentemente, as representações de Cuba
estão servindo às ideologias das revistas, identificadas nas suas linhas editoriais.
Mesmo a CartaCapital apresentando um número expressivo de entrevistados, foram
seis no total, isso não significa uma diversidade de opiniões. A reportagem em suma, reflete a
mesma interpretação: o socialismo cubano sobreviverá à ausência de Fidel Castro. Essa
uniformização do discurso das fontes e a ausência de opinião contrária alimentam a ideia de
que o socialismo cubano realmente não irá acabar, no entanto, não caberia ao jornalismo
garantir o futuro de Cuba. A ausência de contrastes entre as fontes nessa matéria converte-se
na criação de uma pseudo-realidade, programada para acontecer e, portanto, sendo uma
geradora de expectativas (ou de ilusões).
A utilização dos dois tipos de enquadramento, noticioso e interpretativo, pode ser
justificada devido à abordagem que as revistas adotaram. Os critérios de noticiabilidade, que
envolve, entre outras características apontadas por Sousa (1999, p. 58), a novidade, fizeram
com que as publicações buscassem novo foco para retratar a renúncia e as características do
jornalismo de revista permitiram o aprofundamento e a análise do tema. Portanto, as revistas
abordaram, com o enquadramento noticioso temático, a sucessão de Fidel Castro e,
posteriormente, a partir do enquadramento interpretativo, analisaram o governo e os
desdobramentos que surgiram com a sua renúncia.
64
É de se esperar diferentes abordagens por parte das revistas, já que suas linhas
editoriais são opostas e, como defende Vilas Boas (1996, p. 41), as revistas precisam suscitar
um ponto de vista, uma determinada tendência, sem necessariamente opinar. Além disso,
temos de considerar o público-leitor das revistas. Veja é uma publicação mais massificada que
a CartaCapital, apesar das duas estarem voltadas para as classes A e B. A primeira tem
ganhado espaço na classe C e sido apontada como uma revista para a classe média brasileira,
enquanto que a Carta visa, o que ela considera, a elite intelectual. Essa diferença do público
nos serve para a compreensão, por exemplo, da diferença entre as tiragens, de linguagem e
ainda a relevância das imagens visuais para cada publicação.
Para analisar a atual conjuntura política e social de Cuba, a revista CartaCapital
apresenta em suas reportagens quatro tipos de fontes: entrevistados, imprensa, livros e
instituições. A reportagem ouviu ao todo oito pessoas: o escritor Tariq Ali; o historiador José
Jobson Arruda; o professor Emir Sader; o ex-embaixador brasileiro em Cuba, Tilden
Santiago; o professor Tullo Vigevani; o advogado Itobi Alves Correia que se exilou em Cuba
durante a ditadura militar brasileira; o jornalista norte-americano Jon Lee Anderson; e o
professor Augusto Zamora. Trechos dos livros Fidel Castro – biografia a duas vozes (de
Ignacio Ramonet), Depois de Fidel (de Brian Latell), Rupturas em Cuba (de Janette Habel),
Piratas do Caribe – o eixo da esperança (de Tariq Ali) e de reportagens da agência AFP, dos
jornais New York Times e El País e de editorial publicado no jornal Le Monde são citados pela
revista, além de dados da Anistia Internacional. A CartaCapital ainda utiliza trechos da
mensagem de Fidel Castro publicada no dia 19 de fevereiro. Já a revista Veja faz a citação de
um ensaio escrito pelo argentino Mariano Grodona e utiliza três entrevistados como fontes: o
historiador argentino Carlos Malamud; a socióloga cubana Marifeli Pérez-Stable, de um
centro de análises políticas em Washington; e o dissidente cubano Hector Palacios Ruiz. A
revista ainda inclui trechos de discursos de Fidel Castro sem identificar a data do
65
No entanto, Fidel Castro não foi julgado pela CartaCapital como fez a revista Veja. A
publicação da editora Abril atribui a Fidel Castro toda a responsabilidade por Cuba. O texto
de Veja é marcado pelas interpretações da própria reportagem, que limita as suas fontes a
poucos parágrafos. O início da reportagem relembra o julgamento de Fidel Castro por ter
liderado o ataque ao quartel Moncada em 1953, ou como aponta a revista, “pelo crime de ter
enviado seus primeiros seguidores para um ataque suicida a um quartel” (p. 70), e destaca sua
própria defesa (A história me absolverá). Logo em seguida, a revista sentencia: “visto o
sofrimento que infligiu ao povo cubano durante 49 anos como senhor absoluto de Cuba, a
absolvição está fora de cogitação” (p. 70).
A reportagem publicada por Veja segue relatando “o sofrimento” do povo cubano, o
que demonstra que com a renúncia de Fidel a revista espera uma mudança radical no país.
Para a revista, Cuba é o maior fracasso material das ditaduras latino-americanas devido à
visão ideológica de Fidel sobre os problemas sociais da ilha. Segundo a reportagem, o líder
cubano foi “incapaz de gerar riqueza” (p. 73) e quando viu algumas pessoas melhorarem de
vida, achou uma afronta aos ideais revolucionários. A leitura da realidade de Cuba feita por
Veja não se apoia na história ou no contexto do país, os fatos históricos que aparecem ao
longo da reportagem são apresentados superficialmente e com elementos que atribuem a Fidel
Castro o papel de carrasco.
Depois de perder a mesada soviética, a economia cubana encolheu 35%
entre 1989 e 1993. Muita gente esperou que Fidel fosse engolido pela queda
do Muro de Berlim. Ele respondeu declarando um “período especial”, com
medidas austeras e reformas tímidas, mas pragmáticas. Sob o comando de
Raúl [Castro] e [Carlos] Lage. (...) O resultado foi que algumas pessoas
melhoraram de vida. Fidel viu nisso uma afronta ao sacrossanto princípio de
igualdade revolucionário. Em 1996, ele deu marcha a ré nas reformas
(VEJA, 2008. Ed. 2049, p. 75).
destino para Cuba não é sustentado por uma referência maior a não ser pelos fatos que a
reportagem apresenta.
Uma tendência evidenciada na reportagem de Veja é a da ideologia norte-americana.
Segundo a revista, Fidel Castro é uma figura que desafia os EUA como se tal comportamento
fosse condenável e destaca que ele “sobreviveu à inimizade dos Estados Unidos, lutou na
linha de frente da Guerra Fria” (p. 71) e “tentou deflagrar a III Guerra Mundial” (p. 79). Por
isso, justifica a revista, o embargo comercial decretado em 62, sendo que “o restante do
mundo está ávido por negociar com Cuba” (p. 79) e “o próprio embargo não é tão fechado
quanto parece” (p. 79).
As duas revistas declaram seus posicionamentos referentes ao socialismo cubano e a
Fidel Castro, atitude aceitável e responsável de um veículo de comunicação quando as
opiniões e os pontos de vista se baseiam em fatos reais. Quando acontece o contrário, quando
alguns fatos são escolhidos e outros ocultados para apoiar determinada opinião pré-concebida,
a atividade jornalística é ameaçada e descompromissada com o seu público. Os textos da
revista CartaCapital buscam, ao máximo, essa sustentação da opinião, fornece informações
que tanto levam o leitor à própria interpretação como servem às opiniões apresentadas pelos
seus autores. Já a revista Veja apresenta as interpretações de imediato, com base em
informações descontextualizadas e gerais, ou mesmo com base em outras opiniões.
Seus apaniguados viram o gesto [a renúncia] como prova de desprendimento
do comandante e evidência de modéstia e renúncia pessoal em benefício da
pátria. Tudo encenação. Nem que quisesse, a saúde debilitada e a velhice lhe
permitiriam candidatar-se a algo mais do que uma vaga no jazigo dos heróis
na Praça da Revolução (VEJA, 2008. Ed. 2049, p. 70).
Imagem do governo
(de acordo as ações atribuídas ao regime de Fidel Castro)
CartaCapital Veja
Positiva 54% 10%
Negativa 46% 90%
Imagem de Cuba
(de acordo as características atribuídas à atual Cuba)
CartaCapital Veja
Positiva 55% 7%
Negativa 45% 93%
69
Imagem de Fidel
(de acordo a aplicação dos adjetivos empregados a Fidel Castro)
CartaCapital Veja
Positiva 47% 38%
Negativa 53% 62%
Sem Fidel talvez o país fosse socialmente mais desigual. Mas implantar uma
realidade de zoológico – ou seja, aquela em que todos têm comida, escola e
saúde, mas vive enjaulado – não paga o preço do atraso, da falta de liberdade
e da pequenez intelectual (VEJA, 2008. Ed. 2049, p. 79).
CartaCapital Veja
Apesar da insistência de Fidel em que o O próprio Partido Comunista foi, durante
regime não era de um homem só, o Partido bastante tempo, mero coadjuvante. Há mais
Comunista não realiza congresso desde o de dez anos não realiza um congresso (p.
quinto, em 1997 (p. 28). 73).
De 1989 a 1993, Cuba perdeu 90% das Depois de perder a mesada soviética, a
importações de petróleo, 80% de seu economia cubana encolheu 35% entre 1989 e
comércio exterior e 34% do PIB (p. 29). 1993 (p. 75).
Além de garantir a ordem, [as FAR] são uma [As FAR] Instituição que, dentro do caos geral
potência econômica que investe no turismo, que padece o país, funciona razoavelmente
na agricultura, na indústria e nas bem. O Exército transformou-se no pioneiro
telecomunicações e controla dois terços da do capitalismo cubano, investindo na
economia (com o objetivo de conseguir agricultura, no turismo e na indústria (p. 77).
recursos para sua missão de defender o país
dos EUA) (p. 32).
Enjaular por tempo indeterminado, e sem
O comandante não deu espaço para o debate juízo formado, toda a oposição. Ajuda muito
público, à crítica racional ou à ascensão de abolir as liberdades individuais e ser um
lideranças de brilho próprio (p. 32). ditador de uma ilha, um país-cárcere (p. 71).
A forma como foi citada a própria renúncia de Fidel Castro também exemplifica
diferentes sentidos de interpretação gerados pelas construções textuais:
O bom senso e os limites do corpo acabaram por prevalecer, por maior que
fosse a teimosia do comandante-em-chefe. Ou seu desagrado por satisfazer
“um adversário que fez todo o imaginável para se desfazer de mim”,
segundo a carta com a qual confirmou como definitivo o afastamento do
governo (CARTACAPITAL, 2008. Ed. 484, p. 28).
Esse tipo de representação, atrelada aos sentidos que o veículo pretende configurar a
sua mensagem, é descompromissado com a informação, com os fatos e, consequentemente,
com o jornalismo. Isto serve para ilustrar como a mídia pode influenciar (ou manipular) a
opinião pública e acabar contribuindo com a criação de preconceitos e representações que não
71
condizem com a realidade. Dessa forma, tanto a sociedade quanto a comunidade jornalística
encontram-se ameaçadas, pois não conseguem identificar as falsas representações publicadas
ou abstrair a verdadeira realidade acerca dos fatos noticiados.
72
CONSIDERAÇÕES FINAIS
jornalismo como guardião dos poderes, por exemplo, se baseia nesta influência que ele
exerce.
O alinhamento ideológico dos veículos não é condenável, desde que as informações
consigam manter independência e buscar reapresentar os “pedaços” da realidade, ao máximo,
como de fato a realidade se apresentou, conforme defende a ideia de se aspirar a objetividade
e a imparcialidade, mesmo sendo impossível de serem alcançadas. Condicionar o jornalismo à
linha editorial e ao leitor faz parte da sobrevivência do jornalismo, assim como assumir
ideologias e se posicionar diante dos fatos são atitudes que revelam o compromisso do veículo
jornalístico com o público, desde que, ao agir dessa forma, não defenda a imparcialidade ou
oculte tais atitudes.
As ideologias e as tendências estarão, inevitavelmente, presentes no jornalismo. Cada
veículo jornalístico age conforme sua linha editorial e assume determinado comportamento e
ideologia, pois são elas que produzem ideias, crenças, valores sociais e legitimam interesses
de determinados grupos e, portanto, asseguram relações de dominação. Os veículos podem ir
de encontro ou a favor da ideologia dominante, pode até mesmo construir uma nova
ideologia, sendo que terão sempre como contexto e como referência o seu tempo e o seu
espaço, que determinam as condições sócio-culturais às quais estão submetidos.
Os enquadramentos da mídia são estratégias que contribuem com a composição da
mensagem jornalística e não são eles os responsáveis pelos sentidos das matérias, pois apenas
empregam direcionamentos e encaminhamentos que o jornalista pode adotar para retransmitir
os fatos. São as influências, as condições, as limitações, as tendências e as atitudes do
jornalista diante dos fatos que conotarão sentido à mensagem. É certo que, a utilização de
determinados enquadramentos contribuem com o objetivo do jornalista, com as possíveis
interpretações que ele pretende criar.
A escolha de um tipo enquadramento em detrimento de outro pode ser justificada
através da ideologia que irá sustentar o sentido da mensagem a ser transmitida. Então, a forma
como aparece o enquadramento pode nos servir para identificar a ideologia que o jornalista e
o veículo sustentam, quais os posicionamentos que assumem diante dos fatos e quais os
aspectos apontados como mais importantes, além de compreendermos qual o sentido e a
pretensão do jornalista com aquela mensagem.
Enquadrar é um modo de ver e de apresentar os fatos, portanto, é um modo de instituir
sentido. Por meio do enquadramento, a ideologia, tanto do jornalista, quanto dos veículos,
transparece e demonstra existir um contexto mais amplo por trás dos textos jornalísticos, que,
na maioria das vezes, se diz uma reconstituição neutra da realidade. Assumir que os
74
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARROS FILHO, Clóvis de. Ética na comunicação. Da informação ao receptor. São Paulo:
Moderna, 1995.
Caros Amigos – edição especial Cuba, sempre. São Paulo, n. 33, agosto de 2007.
CARTA, Mino. Uma história de catorze anos. CartaCapital – edição especial. São Paulo, n.
500, 18 de junho de 2008, p. 12.
CHAPARRO, Manuel Carlos. Sotaques d’aquém e d’além mar. Travessias para uma nova
teoria dos gêneros jornalísticos. São Paulo: Summus, 2008.
CHAUI, Marilena. O que é ideologia. Coleção Primeiros passos. São Paulo: Brasiliense, 2ª
edição, 2006.
MELO, José Marques de. Jornalismo opinativo. Campos do Jordão: Mantiqueira, 2003.
O Estado de São Paulo – Caderno Aliás, edição especial, Os 50 anos da Revolução Cubana.
São Paulo, 28 de dezembro de 2008.
SOARES, Murilo Cezar. Análise de Enquadramento. 2006. Capítulo extra do livro Métodos
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www.editoraatlas.com.br
SOUSA, Jorge Pedro. A notícia e seus efeitos. As teorias do jornalismo e dos efeitos sociais
dos media jornalísticos. 1999. Biblioteca On-line de Ciências da Comunicação. Acessado em
20/11/2008: http://bocc.ubi.pt
THOMPSON, John B. Ideologia e cultura moderna. Teoria social crítica na era dos meios
de comunicação de massa. Petrópolis: Vozes, 1995.
VILAS BOAS, Sergio. O estilo magazine: o texto em revista. Summus: São Paulo, 1996.
WOLF, Mauro. Teorias das comunicações de massa. São Paulo: Martins Fontes, 3ª edição,
2008, p. 228-264.
78
APÊNDICE
79
CartaCapital Veja
Repórteres 4 6 (sendo 1 articulista)
Páginas 11 12
Área Textos 53% 35%
Fotos 17% 45%
Gráficos - 4%
Outros 30% 16%
Fotos 15 11
Color 73% 73%
PB 27% 27%
ORIGEM
Agências 60% 91%
Imprensa 7% -
Revista 20% -
Outros 13% 9%
TEMA
Entrevistados 33% 9%
Cuba 7% 27%
Fidel 20% 37%
Fatos 20% 9%
Outros 20% 18%
FONTES E REFERÊNCIAS
(divulgadas nas reportagens)
CartaCapital Veja
Entrevistados 47% 75%
Imprensa 23% 25%
Livros 23% -
Instituições 7% -
ASSUNTOS
(de acordo a extensão das abordagens)
CartaCapital Veja
Política 58% 50%
Economia 20% 11%
Condições sociais 2% 22,5%
Relações exteriores 5% 6%
História 15% 10,5%
80
ANEXOS
81
1) Texto de Fidel Castro publicado pelo jornal Granma onde declara sua renúncia
Queridos compatriotas:
Les prometí el pasado viernes 15 de febrero que en la próxima reflexión abordaría un
tema de interés para muchos compatriotas. La misma adquiere esta vez forma de mensaje.
Ha llegado el momento de postular y elegir al Consejo de Estado, su Presidente,
Vicepresidentes y Secretario.
Desempeñé el honroso cargo de Presidente a lo largo de muchos años. El 15 de
febrero de 1976 se aprobó la Constitución Socialista por voto libre, directo y secreto de más
del 95% de los ciudadanos con derecho a votar. La primera Asamblea Nacional se
constituyó el 2 de diciembre de ese año y eligió el Consejo de Estado y su Presidencia.
Antes había ejercido el cargo de Primer Ministro durante casi 18 años. Siempre dispuse de
las prerrogativas necesarias para llevar adelante la obra revolucionaria con el apoyo de la
inmensa mayoría del pueblo.
Conociendo mi estado crítico de salud, muchos en el exterior pensaban que la
renuncia provisional al cargo de Presidente del Consejo de Estado el 31 de julio de 2006,
que dejé en manos del Primer Vicepresidente, Raúl Castro Ruz, era definitiva. El propio
Raúl, quien adicionalmente ocupa el cargo de Ministro de las F.A.R. por méritos personales,
y los demás compañeros de la dirección del Partido y el Estado, fueron renuentes a
considerarme apartado de mis cargos a pesar de mi estado precario de salud.
Era incómoda mi posición frente a un adversario que hizo todo lo imaginable por
deshacerse de mí y en nada me agradaba complacerlo.
Más adelante pude alcanzar de nuevo el dominio total de mi mente, la posibilidad de
leer y meditar mucho, obligado por el reposo. Me acompañaban las fuerzas físicas
suficientes para escribir largas horas, las que compartía con la rehabilitación y los
programas pertinentes de recuperación. Un elemental sentido común me indicaba que esa
actividad estaba a mi alcance. Por otro lado me preocupó siempre, al hablar de mi salud,
evitar ilusiones que en el caso de un desenlace adverso, traerían noticias traumáticas a
nuestro pueblo en medio de la batalla. Prepararlo para mi ausencia, sicológica y
políticamente, era mi primera obligación después de tantos años de lucha. Nunca dejé de
señalar que se trataba de una recuperación "no exenta de riesgos".
Mi deseo fue siempre cumplir el deber hasta el último aliento. Es lo que puedo
ofrecer.
A mis entrañables compatriotas, que me hicieron el inmenso honor de elegirme en
días recientes como miembro del Parlamento, en cuyo seno se deben adoptar acuerdos
importantes para el destino de nuestra Revolución, les comunico que no aspiraré ni aceptaré
- repito- no aspiraré ni aceptaré, el cargo de Presidente del Consejo de Estado y
Comandante en Jefe.
En breves cartas dirigidas a Randy Alonso, Director del programa Mesa Redonda de
la Televisión Nacional, que a solicitud mía fueron divulgadas, se incluían discretamente
elementos de este mensaje que hoy escribo, y ni siquiera el destinatario de las misivas
conocía mi propósito. Tenía confianza en Randy porque lo conocí bien cuando era
estudiante universitario de Periodismo, y me reunía casi todas las semanas con los
representantes principales de los estudiantes universitarios, de lo que ya era conocido como
el interior del país, en la biblioteca de la amplia casa de Kohly, donde se albergaban. Hoy
todo el país es una inmensa Universidad.
Párrafos seleccionados de la carta enviada a Randy el 17 de diciembre de 2007:
82
"Mi más profunda convicción es que las respuestas a los problemas actuales de la
sociedad cubana, que posee un promedio educacional cercano a 12 grados, casi un millón
de graduados universitarios y la posibilidad real de estudio para sus ciudadanos sin
discriminación alguna, requieren más variantes de respuesta para cada problema concreto
que las contenidas en un tablero de ajedrez. Ni un solo detalle se puede ignorar, y no se
trata de un camino fácil, si es que la inteligencia del ser humano en una sociedad
revolucionaria ha de prevalecer sobre sus instintos.
"Mi deber elemental no es aferrarme a cargos, ni mucho menos obstruir el paso a
personas más jóvenes, sino aportar experiencias e ideas cuyo modesto valor proviene de la
época excepcional que me tocó vivir.
"Pienso como Niemeyer que hay que ser consecuente hasta el final."
Carta del 8 de enero de 2008:
"...Soy decidido partidario del voto unido (un principio que preserva el mérito
ignorado). Fue lo que nos permitió evitar las tendencias a copiar lo que venía de los países
del antiguo campo socialista, entre ellas el retrato de un candidato único, tan solitario como
a la vez tan solidario con Cuba. Respeto mucho aquel primer intento de construir el
socialismo, gracias al cual pudimos continuar el camino escogido."
"Tenía muy presente que toda la gloria del mundo cabe en un grano de maíz",
reiteraba en aquella carta.
Traicionaría por tanto mi conciencia ocupar una responsabilidad que requiere
movilidad y entrega total que no estoy en condiciones físicas de ofrecer. Lo explico sin
dramatismo.
Afortunadamente nuestro proceso cuenta todavía con cuadros de la vieja guardia,
junto a otros que eran muy jóvenes cuando se inició la primera etapa de la Revolución.
Algunos casi niños se incorporaron a los combatientes de las montañas y después, con su
heroísmo y sus misiones internacionalistas, llenaron de gloria al país. Cuentan con la
autoridad y la experiencia para garantizar el reemplazo. Dispone igualmente nuestro
proceso de la generación intermedia que aprendió junto a nosotros los elementos del
complejo y casi inaccesible arte de organizar y dirigir una revolución.
El camino siempre será difícil y requerirá el esfuerzo inteligente de todos. Desconfío
de las sendas aparentemente fáciles de la apologética, o la autoflagelación como antítesis.
Prepararse siempre para la peor de las variantes. Ser tan prudentes en el éxito como firmes
en la adversidad es un principio que no puede olvidarse. El adversario a derrotar es
sumamente fuerte, pero lo hemos mantenido a raya durante medio siglo.
No me despido de ustedes. Deseo solo combatir como un soldado de las ideas.
Seguiré escribiendo bajo el título "Reflexiones del compañero Fidel" . Será un arma más del
arsenal con la cual se podrá contar. Tal vez mi voz se escuche. Seré cuidadoso.
Gracias
Fidel Castro Ruz
18 de febrero de 2008
5 y 30 p.m.
83
2) Comunicado pelo qual Fidel Castro anunciou o seu afastamento dos cargos do governo
devido às complicações com a saúde, em 31 de julho de 2006
Con motivo del enorme esfuerzo realizado para visitar la ciudad argentina de
Córdoba, participar en la Reunión del MERCOSUR, en la clausura de la Cumbre de los
Pueblos en la histórica Universidad de Córdoba y en la visita a Altagracia, la ciudad donde
vivió el Che en su infancia y unido a esto asistir de inmediato a la conmemoración del 53
aniversario del asalto a los cuarteles Moncada y Carlos Manuel de Céspedes, el 26 de julio
de 1953, en las provincias de Granma y Holguín, días y noches de trabajo continuo sin
apenas dormir dieron lugar a que mi salud, que ha resistido todas las pruebas, se sometiera
a un estrés extremo y se quebrantara. Esto me provocó una crisis intestinal aguda con
sangramiento sostenido que me obligó a enfrentar una complicada operación quirúrgica.
Todos los detalles de este accidente de salud constan en las radiografías, endoscopías y
materiales filmados. La operación me obliga a permanecer varias semanas de reposo,
alejado de mis responsabilidades y cargos.
Como nuestro país se encuentra amenazado en circunstancias como esta por el
Gobierno de los Estados Unidos, he tomado la siguiente decisión:
1) Delego con carácter provisional mis funciones como Primer Secretario del Comité
Central del Partido Comunista de Cuba en el Segundo Secretario, compañero Raúl Castro
Ruz.
2) Delego con carácter provisional mis funciones como Comandante en Jefe de las
heroicas Fuerzas Armadas Revolucionarias en el mencionado compañero, General de
Ejército Raúl Castro Ruz.
3) Delego con carácter provisional mis funciones como Presidente del Consejo de
Estado y del Gobierno de la República de Cuba en el Primer Vicepresidente, compañero
Raúl Castro Ruz.
4) Delego con carácter provisional mis funciones como impulsor principal del
Programa Nacional e Internacional de Salud Pública en el Miembro del Buró Político y
Ministro de Salud Pública, compañero José Ramón Balaguer Cabrera.
5) Delego con carácter provisional mis funciones como impulsor principal del
Programa Nacional e Internacional de Educación en los compañeros José Ramón Machado
Ventura y Esteban Lazo Hernández, Miembros del Buró Político.
6) Delego con carácter provisional mis funciones como impulsor principal del
Programa Nacional de la Revolución Energética en Cuba y de colaboración con otros países
en este ámbito en el compañero Carlos Lage Dávila, Miembro del Buró Político y Secretario
del Comité Ejecutivo del Consejo de Ministros.
Los fondos correspondientes para estos tres programas, Salud, Educación y
Energético, deberán seguir siendo gestionados y priorizados, como he venido haciéndolo
personalmente, por los compañeros Carlos Lage Dávila, Secretario del Comité Ejecutivo del
Consejo de Ministros, Francisco Soberón Valdés, Ministro Presidente del Banco Central de
Cuba, y Felipe Pérez Roque, Ministro de Relaciones Exteriores, quienes me acompañaron
en estas gestiones y deberán constituir una comisión para ese objetivo.
Nuestro glorioso Partido Comunista, apoyado por las organizaciones de masas y
todo el pueblo, tiene la misión de asumir la tarea encomendada en esta Proclama.
La reunión Cumbre del Movimiento de Países No Alineados, a realizarse entre los
días 11 y 16 de septiembre, deberá recibir la mayor atención del Estado y la Nación cubana
para celebrarse con el máximo de brillantez en la fecha acordada.
El 80 aniversario de mi cumpleaños, que tan generosamente miles de
personalidades acordaron celebrar el próximo 13 de agosto, les ruego a todos posponerlo
para el 2 de diciembre del presente año, 50 aniversario del Desembarco del Granma.
84
Pido al Comité Central del Partido y a la Asamblea Nacional del Poder Popular el
apoyo más firme a esta Proclama.
No albergo la menor duda de que nuestro pueblo y nuestra Revolución lucharán
hasta la última gota de sangre para defender estas y otras ideas y medidas que sean
necesarias para salvaguardar este proceso histórico.
El imperialismo jamás podrá aplastar a Cuba.
La Batalla de Ideas seguirá adelante.
¡Viva la Patria!
¡Viva la Revolución!
¡Viva el Socialismo!
¡Hasta la Victoria Siempre!
85
EDITORIAIS CONSULTADOS
Meu sobrinho Andrea queria muito abrigar uma revista de business debaixo do teto
da Carta Editorial, fundada pelo pai, e irmão meu, Luis, em 1976, 18 anos antes dos fatos
que me preparo a contar. Eu deixara a direção da IstoÉ em agosto de 1993 e no começo do
ano seguinte estava saborosamente desempregado. Andrea, que me chamava zio Mino, tio
em italiano, bateu à minha porta.
Respondi que gostaria de trabalhar com ele, mas o business está fora dos meus
alcances por uma série interminável de razões. Ele insistia. Andrea era apaixonado e duro
na queda. Ao cabo declarei meu possível interesse por uma revista destinada a analisar o
poder onde quer que se manifestasse, sem exclusão do mundo dos negócios.
Nasceu ali o projeto da CartaCapital, Carta não por minha causa, mas por ser
publicada pela editora do mesmo nome. Quanto a Capital, cuidei de esclarecer na edição
número 1: ―Significa principal, essencial, fundamental, decisivo, determinante. Mas capital
também é substantivo, e significa valor econômico, centro administrativo de um país, riqueza
na sua acepção mais estreita e mais vasta. A escolha do nome não indica mania de
grandeza: explica simplesmente o propósito de uma CartaCapital endereçada ao coração do
poder‖.
Meu irmão estava em Madri, onde fora convocado pela Condé Nast para fundar e
dirigir na Espanha mais um feudo do império da família Newhouse. E de Madri abençoou o
empreendimento. Era fim de março de 94, faleceria menos de um mês depois, colhido antes
de completar 58 anos por uma doença que não perdoa. O trabalho de preparação iniciou-se
no começo de junho, e o primeiro passo foi uma reunião a quatro, com Bob Fernandes e
Nelson Letaif, companheiros de aventuras anteriores, Senhor e IstoÉ, mais Wagner Carelli,
o filho pródigo. Estivera comigo na IstoÉ do final dos anos 70 e no Jornal da República,
fracasso esculpido por um santeiro de cemitério, do qual me orgulho. Presentes também um
correspondente de Paris, Gianni Carta, e a minha irredutível secretária (hoje há 20 anos),
Mara Lúcia.
CartaCapital não desfigurou como mensal e em março de 1996 tornou-se quinzenal, sem
deixar de manter o projeto inicial, ao valorizar as áreas econômicas, macro e micro. Não se
deu por acaso que a revista Exame publicasse anúncios para recomendar: recuse
imitações.
O pendor pela política acentuou-se aos poucos. Era desfecho inevitável. Memorável,
no meu entendimento, a capa da primeira edição de janeiro de 1999: colocava o presidente
FHC em um círculo de fogo e exclamava: quebramos! Recordo que naquela semana Andrea
Carta convocou uma reunião de publicitários para assistir a um debate entre Delfim Netto e
Luiz Gonzaga Belluzzo. Cabia-me o papel de mediador e o assunto foi a chamada
conjuntura.
A platéia seleta ficara revoltada com a nossa capa e não deixou de manifestar seu
desagrado. No entanto, o Brasil estava mesmo quebrado e FHC acabava de cometer um
dos grandes engodos eleitorais da história nativa. Depois de prometer campanha afora a
estabilidade da moeda, desvalorizou o real tão logo tomou posse na Presidência pela
segunda vez.
Difícil é praticar no Brasil um jornalismo independente, isento, honesto. Nem por isso
perdemos a oportunidade de prosseguir na escalada e em agosto de 2001, exatos sete anos
86
Ponto e linha. Claro, objetivo. Pingos nos is. Preto no branco. A nova sobriedade.
Back to basics. Direto, confiável. Mais qualidade, menos ―flash‖. Humor sutil e sofisticado.
O texto é de autoria de Mariana Ochs ao estabelecer os fundamentos do projeto
gráfico que CartaCapital põe em prática a partir desta edição. Mariana, diretora de arte
respeitada até na Madison Avenue, é velha conhecida dos nossos leitores. Cuidou da
fisionomia da revista por três vezes e agora realizamos a sua quarta e preciosa intervenção.
Mariana é boa intérprete do princípio dos gregos antigos pelo qual ética e estética são
sinônimos. Os esclarecimentos acima provam a sintonia com o ideal helênico.
Esta edição é especial e atípica, por ser comemorativa de 15 anos de vida de
CartaCapital a começar pela concepção. A qual se deu nestes mesmos dias de 1994,
quando quatro jornalistas reuniram-se para inventar seu próprio emprego. Alhures estava
difícil. Bob Fernandes, Nelson Letaif, Wagner Carelli e o acima assinado. Quanto ao novo
projeto de Mariana, adapta-se à especificidade da edição, mas se mostrará mais
claramente, em todos os seus alcances, a partir do próximo número. De linha, digamos
assim.
Volto ao quarteto e à enésima aventura. Meu sobrinho Andrea, saudosa figura que
se foi cedo demais, comandava a Editora Carta Editorial, fundada pelo pai, Luis Carta,
dezoito anos antes. Ausente meu irmão, chamado pela Condé Nast a fundar a Vogue
España em Madri, Andrea pilotava a editora e pretendia lançar uma nova publicação, de
Economia e Negócios. Procurou-me com o afeto de sempre, respondi: ―Sem falsa modéstia,
isso eu não sei fazer‖.
Luis ligou-me da Espanha, torcia para que eu, desempregado, topasse a parada.
Expliquei: ―Saberia fazer, creio eu, uma publicação sobre o poder, onde quer que se
manifeste, na política, na economia, nos negócios, na cultura, em quaisquer gramados‖. A
ideia foi aceita. Chamei companheiros de outras jornadas e quinze anos atrás traçamos o
plano de uma revista necessariamente mensal por causa dos recursos modestos. Houve
hesitações apenas em relação ao seu nome. Alguém sugeriu Carta, eu recusei. Receava
que soasse como exigência minha. Andrea queria Capital. Ficou como ficou.
Meados de agosto de 1994, ela foi às bancas. Em março de 1996 tornou-se
quinzenal, solidamente amparada no primeiro projeto gráfico de Mariana Ochs. O plano era
mais ambicioso quanto à periodicidade. A realização levou, porém, mais de cinco anos. A
semanal nasceu na penúltima semana de agosto de 2001, mais uma vez programada
graficamente por Mariana. Inicia-se aqui a separação de Carta Editorial e sua substituição
pela Editora Confiança. Em seguida à eleição do ex-metalúrgico, em 2002, chovem as
calúnias contra uma publicação que ousa remar contra a corrente. Revista chapa-branca,
panfleto partidário.
Preto no branco, recomenda Mariana. Temos é uma mídia de pensamento único,
leves nuanças não bastam para encobrir a senha geral. CartaCapital empenha-se em
exercer o jornalismo em que acredita, baseado na fidelidade canina à verdade factual, na
aplicação diuturna do espírito crítico, na fiscalização desabrida do poder. Não se expõe a
sardinha à brasa de ninguém com o intuito de favorecer este ou aquele. Respeite-se o
império dos fatos, nunca poluídos pela opinião. CartaCapital jamais esconde o fato, não
nega, contudo, a sua opinião, e aferra-se a ela.
É quanto basta para inquietar. Às vezes me pego a imaginar o que se daria se fosse
brasileira a The Economist, a semanal de maior prestígio no mundo. Ela distribui no Reino
Unido pouco mais de 200 mil exemplares, tadinha. Comparem com os números de Veja.
Sempre acontece que o planeta se curve diante do Brasil. Pois é, o que não se aquietou
nestes quinze anos é a arrogância da minoria, seu exibicionismo provinciano contraposto ao
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Prezado leitor:
Onde quer que você esteja, na vastidão do território nacional, estará lendo estas
linhas pràticamente ao mesmo tempo que todos os demais leitores do País. Pois VEJA quer
ser a grande revista semanal de informação de todos os brasileiros.
Há quase vinte anos, a Editôra Abril lançava sua primeira publicação, O Pato Donald,
apresentando — para jovens de tôdas as idades — as estórias maravilhosas das
personagens de Walt Disney.
Nos anos seguintes, com o sucesso de uma série de lançamentos (e o insucesso de
alguns), crescemos e aprendemos muito. Publicações foram surgindo. Entre outras,
Capricho, em 1952, Manequim, em 1959. Em 1960 — junto com a implantação da nossa
indústria automobilística —, Quatro Rodas. No ano seguinte, Claudia. Em 1963, Intervalo. E,
há pouco mais de dois anos, Realidade.
Agora nasce VEJA. Para fazê-la, selecionamos 100 entre 1.800 candidatos
universitários de todos os Estados e realizamos um inédito Curso Intensivo de Jornalismo.
Ao término do Curso, com cinqüenta dêsses moços e outros tantos jovens "veteranos",
formamos a maior equipe redacional já reunida por uma revista brasileira. Enviamos editôres
e redatores para o exterior a fim de observar as principais revistas congêneres em ação.
Abrimos ou ampliamos escritórios regionais em tôdas as grandes cidades do País e
montamos uma complexa rêde de telecomunicações para mantê-los em contato constante
com a redação em São Paulo.
Para a cobertura internacional, contratamos os serviços de agências noticiosas e
revistas de prestígio mundial: "Paris-Match", da França; "Newsweek", dos Estados Unidos;
"Epoca", da Itália; e "Der Spiegel", da Alemanha. Finalmente, no decorrer dos últimos três
meses, preparamos treze edições experimentais completas — com capa, texto, fotos e
anúncios —, a fim de treinarmos para a grande jornada que hoje se inicia.
O Brasil não pode mais ser o velho arquipélago separado pela distância, o espaço
geográfico, a ignorância, os preconceitos e os regionalismos: precisa de informação rápida e
objetiva a fim de escolher rumos novos. Precisa saber o que está acontecendo nas
fronteiras da ciência, da tecnologia e da arte no mundo inteiro. Precisa acompanhar o
extraordinário desenvolvimento dos negócios, da educação, do esporte, da religião. Precisa,
enfim, estar bem informado. E êste é o objetivo de VEJA.
Devemos esta revista — em primeiro lugar — aos milhões de leitores que através
dos anos têm prestigiado nossas publicações. Às classes governantes, produtoras,
intelectuais que reclamaram da Abril êste lançamento. Aos jornalistas, que com dedicação e
espírito profissional o tornaram possível. Aos quase mil gráficos que participam,
entusiàsticamente, de seu complexo esquema de produção semanal. Aos distribuidores,
jornaleiros e transportadores que aceitaram o desafio de vencer as enormes distâncias
nacionais na corrida até as bancas, tôda segunda-feira. E às agências e aos anunciantes
que tomaram todo o nosso espaço disponível sem sequer conhecerem o projeto final da
revista, numa comovedora prova de confiança. Conscientes da responsabilidade assumida
ao editar VEJA, dedicamos a revista a tôdas essas pessoas. Ao Brasil de hoje e de amanhã.
Victor Civita