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A INFLUÊNCIA DOS ORGANISMOS FINANCEIROS INTERNACIONAIS NA POLÍTICA

DE SAÚDE BRASILEIRA
Joseane Barbosa de Lima1

Introdução

O presente trabalho tem como objeto de estudo a influência dos organismos financeiros
internacionais – Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional – nas políticas estatais brasileiras, em
especial na política de saúde. É resultado da pesquisa PIBIC (2006/2007/2008) sobre “As orientações dos
organismos financeiros internacionais à política de saúde brasileira e o posicionamento do Conselho
Nacional de Saúde”2, a partir dos estudos do grupo de pesquisa Políticas Públicas, Controle Social e
Movimentos Sociais.
Destaca-se que a década de 80 se configura o marco das orientações desses organismos na
política de saúde implementada pelos países de capitalismo periférico. Conforme Correia (2005), no
Brasil o protagonismo do Banco Mundial e do FMI na política de saúde se evidenciou nos governos de
Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), através de orientações em termos de flexibilização da gestão
da saúde, do modelo assistencial centrado na atenção básica, e da ampliação da rede privada na produção
de serviços de saúde.
Neste sentido, evidencia-se que o projeto universalizante do Sistema Único de Saúde, apesar das
bases legais em que se firma, tem encontrado dificuldades na sua concretização, pois está na contramão
dos interesses do projeto neoliberal expressos nas orientações dos organismos internacionais.
As orientações dos referidos organismos têm funcionado como instrumento de indução de
reformas nos países “em desenvolvimento”, e essas tem beneficiado apenas o setor privado. O projeto
político que está por traz dessa reforma é o projeto de dominação do capital, que se instaura no Brasil
com raízes profundas impondo, adaptando e elaborando metas administrativas para a reforma do Estado,
a qual se tornou o lema dos anos 90, a partir da administração do presidente Fernando Collor de Mello,
conquistando espaços concretos nas gestões de Fernando Henrique Cardoso e tendo continuidade no
governo de Luís Inácio Lula da Silva.

1. O PAPEL DOS ORGANISMOS FINACEIROS INTERNACIONAIS NO


CAPITALISMO CONTEMPORANEO

1
Assistente Social e mestra em Serviço Social pela Universidade Federal de Alagoas
2
Esse projeto de pesquisa foi desenvolvido e atualizado desde o ano de 2006, numa parceria com a Faculdade de
Serviço Social (UFAL), pelo PIBIC, com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico – CNPq/UFAL.
2

O capital financeiro, como padrão de riqueza do capitalismo dos nossos dias, começa a se tornar
o modelo vigente da economia mundial a partir da década de 1960 nos Estados Unidos. De acordo com
Oliveira (1998) esse capital financeiro não mais se restringe às definições clássicas, já que agora possuem
uma função em si, e não apenas a de financiamento da indústria. Este autor vai enumerar os fatores que
contribuíram para as mudanças na estrutura capitalista contemporânea. Citando Tavares e Melin (1997),
“afirma que as transformações do sistema monetário financeiro” estão relacionadas às alterações na
natureza do dinheiro, do crédito e do patrimônio, da gestão dos bancos centrais sobre a liquidez e as taxas
de juros; da emergência das corporações produtivas com finanças que são um objetivo em si mesmo; da
circulação internacional ampliada dos capitais sob o regime de taxas de câmbio flexíveis; da interação
desses movimentos com as restrições impostas às finanças públicas; da desregulamentação financeira; e
da condução das políticas de globalização pela hegemonia dos Estados Unidos (Cf. Oliveira. 1998, p.28).
A crise do capitalismo que marcou os anos 70 caracterizava-se por uma forte recessão da
economia capitalista internacional, onde o modelo de acumulação fordista, com base na produção em
série e no Keynesianismo, não conseguiu deter a queda da taxa de lucro. A saída encontrada pelo capital
para o enfrentamento de sua crise se constitui em adotar um novo padrão de acumulação favorecido pela
revolução tecnológica, com base na desregulação estatal via privatizações e cortes nas políticas de
proteção social, redução de direitos sociais e trabalhistas. O ponto principal da reestruturação capitalista é
o retorno do Laissez Faire, ou seja, da liberdade do mercado com maior força, eliminando o pacto social-
democrata e o Estado intervencionista. Estas medidas vão favorecer aos monopólios financeiros que
controlam a economia mundial em detrimento dos direitos sociais e trabalhistas, o que se convencionou
chamar de flexibilização, terceirização (Cf.. CORREIA, 2005).
Conforme a análise de Balanco e Pinto (2004) a crise na qual o capitalismo se encontra imerso,
representa a ação de uma coleção de manifestações econômicas e políticas que caracterizam um período
particular de sua trajetória. Em linhas gerais, os autores afirmam que a economia capitalista experimentou
um relevante desvio da taxa geral de lucro e a cristalização de uma posição de superprodução. A crise
acabou orientando o sistema para a busca de meios alternativos de enfrentamento do recuo da
lucratividade através de variadas formas, quais sejam; “a acentuação a acumulação rentista e o aumento
das taxas de mais-valia, vinculadas ao processo de flexibilização e fragmentação do trabalho”
(BALANCO & PINTO et. al.2004.13).
As medidas adotadas para a desregulamentação financeira passaram a ser feitas através
de ajustes estruturais que os Estados centrais passaram a impor via Banco Mundial, Fundo
Monetário Internacional (FMI) e Organização Mundial do Comércio (OMC) aos Estados
nacionais e deram o perfil político-econômico materializado no receituário neoliberal. Esses
3

organismos internacionais desempenham funções relevantes para o ajuste de integração dos


espaços mundiais, visando à produção e reprodução do capital. A preocupação contida na ação
dessas instituições consiste nos seguintes eixos dominantes:

O capitalismo enquanto eixo da esfera econômica; a democracia liberal no


campo político; valores culturais coerentes com as perspectivas liberais. Este
ideário torna-se uma quase obrigação a ser cumprida pelos países que disputam
empréstimos ou ajuda financeira, principalmente, nos momentos em que
enfrentam dificuldades de captação de recursos para projetos produtivos ou
crises cambiais, associados a problemas nos balanços de pagamento
(OLIVEIRA, apud BALANCO & Pinto, 2004).

Visando consolidar o ideário neoliberal, o FMI e o Banco Mundial impõem os ajustes estruturais
aos países que enfrentam dificuldades. Existe uma cumplicidade entre FMI e Banco Mundial nas
principais estratégias das reformas institucionais. As “recomendações” e seus respectivos objetivos, que
compõem os ajustes estruturais são

A condição de liberalizar o comércio, revisar políticas de preços, diminuir os


subsídios com objetivo de permitir a operacionalização das vantagens
comparativas; eliminar restrições ao investimento externo e alentar a
intermediação financeira com taxas de juros reais positivas com o intento de
remover a repressão financeira e fomentar a livre circulação de capitais; redefinir
o papel do setor público em atividades econômicas, reduzir os programas sociais
universalizantes, eliminar subsídios aos bens e serviços públicos objetivando
estimular a iniciativa privada, estabelecer prioridade de investimentos sociais
(políticas focalizadas) e desalentar gastos improdutivos que pesem no déficit
fiscal (LICHTENSZTEJN & BAER, apud Balanço e Pinto et.al. 2004)).

Atualmente, 184 países são membros do FMI e seu voto depende do montante de quotas em seu
poder; esta quantidade, maior ou menor, é reflexo da contribuição de dinheiro que cada membro faz
anualmente. Os Estados Unidos detém 18% dos votos e outros quatro membros (França, Alemanha,
Japão e Inglaterra) detêm juntos, 22%, implicando em que somente cinco países controlam 40% das
decisões e dos recursos. O controle americano não se restringe apenas aos aspectos organizativos, uma
vez que o diretor executivo norte-americano conta com meios reais para influenciar nas decisões do FMI,
o que contraria os outros diretores executivos de outros países. Os autores destacam também, que o
tesouro estadunidense exerce grande influência na estrutura de poder do Fundo.
O Banco Mundial, em parceria ideológica com o FMI, continua a desempenhar papéis a que
sempre se propôs desde sua criação como parte dos Acordos de Bretton-Woods. Atualmente, 180 países
são membros do Banco. Os cincos acionistas principais são: Alemanha, Estados Unidos, França, Japão e
Inglaterra. Ressalta-se que os Estados Unidos possuem aproximadamente 19,0% dos votos junto ao
Banco, o que lhe garante o status de país membro de maior influência. As decisões no Banco requerem
uma maioria de ordem de dois terços dos votos para as decisões correntes e de quatro quintos de votos
4

para mudanças no Acordo Geral. Nos últimos anos, o Banco Mundial acentuou seu papel como
intermediário na obtenção de fundos junto aos bancos privados internacionais, por um lado, e,
principalmente, junto aos governos, por outro. Essa expansão dos recursos captados pelo Banco junto aos
investidores financeiros, principalmente americanos, significou uma adequação dessas instituições aos
padrões que regem atualmente o mercado financeiro. Conforme os autores além do Banco Mundial e do
FMI, as novas formas de integração capitalista se sustentam, também, através da OMC. Estas instituições
formam um tripé “virtuoso” para a produção e reprodução do capitalismo.
A OMC, da mesma forma que o FMI e o Banco Mundial, se transformou num utensílio relevante
da política econômica externa de países desenvolvidos e, particularmente, daqueles com hegemonia no
cenário internacional.
Observa-se claramente que o novo papel das instituições internacionais viabiliza a
instrumentalização do novo processo integrativo do capital dos espaços mundiais, conformando um
processo de centralização capitalista acelerada, ampliando a concentração do poder econômico e político
num espaço restrito, qual seja, o Estado-nação norte-americano.
De acordo com as informações do site oficial do FMI, o Fundo Monetário Internacional foi
criado para promover a cooperação e a estabilidade econômica internacional, estimular o crescimento
econômico e fornecer assistência financeira temporária para países em crise. Foi fundado em julho de
1944, em uma conferência das Nações Unidas ocorrida na cidade de Bretton Woods, em New Hampshire,
Estados Unidos. Nessa conferência, representantes de 45 países concordaram em estabelecer um sistema
de cooperação econômica, desenvolvido para evitar a repetição das desastrosas políticas econômicas que
contribuíram para a ocorrência da Grande Depressão na década de 30. Durante a década em que ocorreu a
Segunda Guerra Mundial, a atividade econômica decaiu nas principais nações industriais. Os países
tentaram defender suas economias, restringindo as importações, o que apenas resultou em uma queda no
comércio, na produção, no padrão de vida e no aumento do desemprego pelo mundo. Na seqüência da
Conferência de Bretton Woods e das regras então adotadas para a constituição daquelas instituições
internacionais, os acordos que lhe deram vida entraram em vigor em 27 de dezembro de 1945, quando se
verificou a ratificação e conseqüente assinatura daqueles "Estatutos" por 29 países, correspondentes à
subscrição de 80% do valor das quotas originalmente fixadas como sendo o "capital social" inicial do
Fundo.
Em Março do ano seguinte (1946), foi realizada a primeira reunião do Board of Governors. Foi
então fixada a cidade de Washington como sede para a nova instituição. Em 1 de Março de 1947 o Fundo
começou as suas operações, tendo o primeiro empréstimo sido concedido à França.
As principais funções atribuídas ao FMI pelos seus Estatutos e pelas orientações do seu Conselho
de Governadores resultam do objetivo fundamental para que ele foi criado no final da II Grande Guerra: a
supervisão do sistema financeiro internacional de modo a evitar crises graves da economia internacional,
5

em geral, e nas economias dos seus países membros, em particular. O Fundo desempenha essencialmente
funções de supervisão e acompanhamento das economias nacionais e internacional e de empréstimo de
recursos financeiros aos países que necessitem de reequilibrar as suas economias, nomeadamente as suas
contas com o exterior.3
A atual estrutura organizativa do FMI vem do tempo da constituição deste, em 1945, e inclui o
Conselho de Governadores, o Conselho Provisório, o Comitê para o Desenvolvimento, o Diretório
Executivo, o Diretor-Gerente e o corpo de funcionários.
Na época em que o FMI foi criado, o Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento
(BIRD), mais conhecido como Banco Mundial, foi estabelecido para promover o desenvolvimento
econômico em longo prazo, incluindo o financiamento de projetos de infra-estrutura, tais como a
construção de estradas e a melhora no abastecimento de água. O FMI e o Grupo Banco Mundial, que
inclui a Corporação Financeira Internacional (IFC) e a Associação Internacional de Desenvolvimento
(IDA), se complementam. O Fundo se preocupa com a economia de um país como um todo e com seu
mercado financeiro. O Banco Mundial concentra-se principalmente no desenvolvimento do país em longo
prazo e na redução dos problemas causados pela pobreza mundial. Suas atividades incluem a concessão
de empréstimos para financiar projetos de infra-estrutura de países em desenvolvimento e a promoção de
reformas de setores privados da economia e mudanças estruturais. O FMI não fornece ajuda financeira
para setores ou projetos privados, mas fornece apoio à balança de pagamentos e reservas internacionais
de um país, enquanto o país toma medidas políticas para resolver suas dificuldades.
A partir dos anos 70, a dívida externa dos países latino-americanos começa a crescer, acelerando
também sua dependência. Assim, por essa dependência e vulnerabilidade da economia dos países da
América Latina, os Estados passaram a submeter ás imposições das agências financeiras internacionais,
de adoção de programas de estabilização e de ajuste estrutural (ARANTES, 2002 apud CORREIA, 2005,
p.85). Nesse processo, os Estados Nacionais perdem sua soberania, pois quando o capital estrangeiro
realiza os empréstimos ele impõe condicionalidades4. O aumento da dívida externa é uma conseqüência
dos constantes empréstimos buscados no exterior fazendo com que esses organismos ditem as regras,
deixando os países deficitários cada vez mais dependentes.
A dívida externa se constitui como um fator de pressão para adoção de medidas impostas
através das condicionalidades, fazendo com que os organismos financeiros internacionais cumpram o
papel de vigilantes, isto é, de cobradores da implementação de programas de estabilização e de ajuste
estrutural.
3
Informações contidas no site: http://www.iseg.utl.pt/disciplinas/mestrados/dci/fmi_1.htm
4
As “condicionalidades” são as condições exigidas em termos de políticas econômicas que garantam aos credores
internacionais o pagamento dos compromissos assumidos. Os recursos vão sendo liberados mediante o
cumprimento dessas, que passam a moldar toda a política nacional. As exigências são em torno de um ajuste fiscal
capaz de gerar superávits primários para garantir o pagamento da dívida (CORREIA, 2007, p 04).
6

Assim, o FMI e o Banco Mundial passaram a desempenhar um papel protagônico na orientação


das políticas econômicas adotadas pelos Estados Latino Americanos mediante a imposição da adoção dos
programas de estabilização e de ajuste estrutural.
Desta forma, as políticas econômicas e sociais implementadas pelos países de capitalismo
periférico ficam reféns das condicionalidades impostas pelos referidos agentes financeiros internacionais.

1.1 FMI E AS CARTAS DE INTENÇÕES

De acordo com Arantes (2002) a função original do FMI seria de regulador do sistema
monetário internacional, ele passou de fato a cumprir uma função de controle das políticas econômicas
dos países deficitários, em particular dos países dependentes (ARANTES, 2002, p.80).
Os empréstimos concedidos pelo FMI podiam ser tomados com base nas quotas que os países
membros dispunham no Fundo, depois se criou uma nova modalidade os acordos stand by. Este permite
que o membro associado saque uma determinada quantia de recursos, além do permitido por sua quota,
com a condição de que o membro explicite suas “intenções” em termos de política econômica.
As Cartas de Intenção expressam as “condicionalidades”, isto é, exigências de políticas
econômicas que garantam o pagamento dos compromissos com os credores internacionais. Conforme
Arantes o boletim do FMI entende as condicionalidades como elemento essencial da contribuição que o
Fundo realiza para diminuir os problemas de balança de pagamentos dos países membros e para facilitar
o processo de ajuste internacional.
A relação do Brasil com os organismos financeiros vem se fortalecendo a cada governo, com
menor ou maior adesão as suas orientações. Tal influência neoliberal no Brasil aconteceu, de fato, na
virada dos anos 90, com Collor, porém, seus traços tornam-se mais nítidos a partir do governo de
Fernando Henrique Cardoso. E o governo Lula segue a mesma herança dos seus antecessores neoliberais,
cumprindo à risca a agenda de reformas estabelecidas pelos organismos financeiros internacionais. Pagar
a dívida externa sempre foi prioridade do Governo Lula. Pois, antes mesmo de ser eleito Presidente do
Brasil, ele se comprometeu em apoiar o acordo com o FMI, como mostra a Carta de Intenção do Brasil
para o FMI, datada de 29 de agosto de 2002: "os candidatos que lideram as pesquisas de opinião já
receberam explicações sobre os elementos fundamentais do programa e se comprometeram a apoiá-los".
A preocupação demonstrada na carta era com a incerteza do novo acordo com o presidente eleito, por
isso o atual governo - FHC - pediu que o acordo fosse renovado por 15 meses. Nesse caso, final de 2002
e 2003, já no mandato do novo presidente.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva cumpriu o que prometeu, como mostra a Carta de
Intenção, de 28 de fevereiro de 2003. A referida carta assinada por Antônio Palocci, na época Ministro da
Fazenda, e Henrique Meirelles, Presidente do Banco Central, diz que o novo governo "já começou a
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construir consenso em torno da necessidade de mudanças" estruturais como orienta o FMI, e que "um
grande passo à frente foi o acordo obtido com os governadores dos 26 estados e do Distrito Federal com
respeito aos princípios a serem seguidos pelas reformas da Previdência e Tributária" (Carta de Intenção
de 28 de fevereiro de 2003).
Luiz Inácio Lula da Silva vem seguindo a herança FHC, dando continuidade ao projeto
neoliberal, no qual a política social fica subordinada a econômica, assim como, o seu governo está
subordinado às condicionalidades dos organismos financeiros internacionais.
Inicialmente, Lula condenava a "submissão" de governos brasileiros aos "ditames" do Fundo
Monetário Internacional e sua abertura ao capital financeiro internacional. Ao longo de suas campanhas
eleitorais, ele vai alterando sua estratégia para se acomodar às novas realidades. A desconfiança em
relação ao capital estrangeiro cedeu lugar a uma postura “mais equilibrada”, ou seja, começou a mudar de
opinião e ter uma posição não mais contra a entrada do capital estrangeiro no país. Essa mudança de
postura, não se resume à política econômica, podemos notar que até o objetivo central do Partido dos
Trabalhadores - PT, verbalizado através de Lula, também se alterou: o PT se dizia um partido de esquerda
com objetivo socialista, no entanto, ao longo das candidaturas foi deixando esse discurso de lado.
Ao analisar as cartas de intenções do governo Lula ao FMI constatamos que com dois meses que
assumiu o governo, o mesmo começou a cumprir seu compromisso, o de reforçar a estabilidade, acelerar
o crescimento econômico e melhorar as condições sociais, isso é o que diz a carta de intenção enviada ao
FMI em 28 de fevereiro de 2003, que descreve as prioridades de política econômica mais imediatas do
governo.
Para demonstrar essas prioridades, o governo faz um arcabouço macroeconômico retomando
alguns problemas de origem econômica que o Brasil enfrentou em 2002, como um surto inflacionário e
que se estendeu, e teve efeitos em 2003. Porém, o governo ressalta: “A firmeza das políticas adotadas até
agora e a agenda de mudanças estruturais assinalada pelo governo não apenas ajudarão o Brasil a crescer,
como tornarão mais perceptível a menor vulnerabilidade econômica brasileira” (CARTA DE
INTENÇÃO DE 28 DE FEVEREIRO DE 2003).
Em relação às políticas macroeconômicas destaca-se na carta que, em 2002, o resultado fiscal
superou mais uma vez as metas do programa, registrando um superávit primário 5 para o setor público
com mais de 3,9% do PIB, porém, depois de analisar as perspectivas de sustentabilidade da dívida
pública, o governo resolveu reforçar a política fiscal, propondo-se a alcançar um superávit primário de
4,25% do PIB em 2003. O documento ressalta ainda: “O governo tem o compromisso de gerar, no médio
prazo, superávits primários suficientes para garantir declínio da relação dívida/PIB” (Idem).

5
Termo usado pelos economistas para definir o dinheiro que um governo economiza para pagar os juros de sua
dívida. Quanto maior o superávit, maior o corte nos gastos públicos ou maior a arrecadação de impostos.
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Sobre as Políticas Estruturais, o governo descreve na carta que existe um problema


fundamental que o país terá que enfrentar no futuro próximo, que são as pensões do setor público, e
ressalta que deseja aumentar a equidade do sistema previdenciário deste setor, como identificado na Carta
de Intenção do Brasil ao FMI, estão sendo analisados diversas opções, incluindo o aumento da idade para
aposentadoria, a elevação no número de anos de contribuição que dá direito a uma aposentadoria, assim
como uma revisão de regras que regem as pensões. O governo afirma que:

Uma proposta de reforma desenhada de forma a reduzir o déficit da previdência do


setor público ao longo do tempo será enviada ao Congresso até a metade desse ano [...]
A reforma visará corrigir os efeitos regressivos na distribuição da renda do atual
sistema, além de melhorar as condições financeiras da previdência do setor público já
no médio prazo [...] A votação do Projeto de Lei Complementar regulando a
aposentadoria complementar para o setor público continua entre as prioridades do
governo e fará parte das reformas da previdência.

Na carta, o governo enfatiza que pretende seguir uma agenda adicional de mudanças estruturais
em outras áreas. Assim, no final de Junho de 2003, houve progresso no processo de venda de quatro
bancos federais, a apresentação ao Congresso de uma reforma fiscal, entre outros.
Em 20 de Agosto de 2003, em outra carta de intenção enviada ao FMI, o governo brasileiro
ressalta:

Em conseqüência do esforço do governo, a economia claramente superou as


dificuldades iniciais e esperamos a retomada do crescimento em bases sólidas [...] A
agenda de reformas estruturais do governo avança com vigor no Congresso [...] A
reforma da previdência foi votada em primeiro turno [...] tendo havido avanços nas
discussões da reforma tributária.

E explicou, ainda, o que ocorreu com algumas ações que havia descrito na carta de intenção
anterior, como: a legislação para os fundos de previdência complementar do setor público que havia sido
incorporada na própria reforma da previdência, a venda dos bancos federalizados, que segundo o
governo, avançou mais lentamente do que o previsto, devido a questões legais e concluiu: “como de
hábito, continuaremos a manter uma relação próxima de diálogo com o Fundo e, se necessário, estaremos
prontos a tomar eventuais medidas adicionais para alcançar os objetivos do programa” (CARTA DE
INTENÇÃO DE 20 DE AGOSTO DE 2003).
Ao se aproximar do fim do primeiro ano de governo, o Brasil deixa claro os progressos que
foram feitos, e ressalta a agenda de reformas do governo que tem progredido no Congresso como as
reformas tributária e da Previdência, a Lei de Recuperação das Empresas, onde já foram aprovadas na
Câmara dos Deputados e estão em tramitação no Senado, é o que diz a carta de intenção enviada ao FMI,
referente ao novo acordo.
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O governo brasileiro ressalta na carta que acredita ser do interesse do País que a relação de
trabalho com o Fundo, seja mantida de maneira estreita e cooperativa. Assim, o governo propôs que o
atual acordo de Stand-By seja estendido por 15 meses, de forma a cobrir todo o ano de 2004.
Em relação ao cenário macroeconômico o governo afirma que as recentes quedas de juros
reais, e o maior acesso do setor privado ao mercado de capitais, já estão abrindo o caminho para uma
sólida recuperação econômica em 2004.
Nessa mesma carta o governo afirma que está criando um ambiente para o desenvolvimento, e
que vai trabalhar para garantir a implementação das reformas tributária e previdenciária, reduzir as
vulnerabilidades associadas à estrutura da dívida pública e melhorar o acesso a serviços sociais
essenciais.
Quando se fala em investimentos, o governo ressalta o Plano Plurianual (PPA), onde prevê que
uma importante fração do investimento em infra-estrutura seja conduzida pelo setor privado. Com esse
objetivo, o governo está estruturando um programa fiscalmente responsável de parcerias público-privadas
em que todos os compromissos assumidos serão divulgados ao público e sejam consistentes com a
sustentabilidade fiscal de médio prazo. E diz mais: “um sistema de intermediação financeira sólido e
eficiente é essencial para canalizar a poupança privada para o setor produtivo privado [...] Diversas
outras medidas estão em andamento ou sendo preparadas para melhorar a intermediação financeira ou
reduzir os custos de crédito” (CARTA DE INTENÇÃO REFERENTE AO NOVO ACORDO DE 15 DE
DEZEMBRO DE 2003, p. 04).
A fim de criar um ambiente para o desenvolvimento da atividade econômica, o governo
propôs, dentre outras medidas, que a ampla reforma tributária auxiliará na redução das distorções
associadas ao sistema tributário, e propôs também, acabar com a cumulatividade da COFINS6
transformando-a em tributo do tipo sobre o valor adicionado.
Na referente carta, o governo brasileiro ressalta que apesar da melhoria do ambiente
econômico, que contribuiu para uma importante melhoria na composição da dívida pública em 2003, a
composição da dívida continua sendo, ainda, fonte de vulnerabilidade, e afirma que importantes medidas
continuarão a ser implementadas nessa área.
Sobre Políticas Sociais, o governo ressalta nesta carta o programa Bolsa Família (que consolida
diversos programas sociais), onde afirma que este foi criado para reduzir a pobreza e a profunda
desigualdade de renda existentes no país. E diz, ainda, que o governo também deverá tomar uma série de
medidas para melhorar e expandir a cobertura de água e saneamento.
Na carta do governo brasileiro ao FMI do mês de março de 2004, o governo ressalta que as
importantes reformas estruturais adotadas pelo governo desde o começo de sua administração têm dado
resultados que se evidenciam pelos ganhos nos indicadores financeiros. A carta cita a aprovação da
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Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social.
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Reforma Tributária e Previdenciária pelo congresso, salientando que administração prudente da dívida
pública tem permitido o alongamento dos seus prazos e a melhora da sua composição.
Em 03 de junho de 2004, a Carta enviada ao FMI tem como destaque o curso da recuperação
econômica do país. O então Ministro da Fazenda, Antônio Palloci, enfatiza o forte desempenho das
exportações, e que a conta corrente do balanço de pagamentos deve ser fechada em superávit primário de
4,25% do PIB para o período de 2005 a 2007, reforçando assim o compromisso do governo brasileiro em
reduzir a dívida pública. Nesse sentindo, a Carta explicita que todos os critérios e desempenho foram
cumpridos. Podemos observar isso no seguinte trecho da referida Carta

O congresso aprova a reforma do setor elétrico, que permitirá ao setor operar


em um ambiente mais próximo ao do mercado [...]. A lei que regula as parcerias
público privada foi aprovada na câmara e está sendo apreciada pelo senado.O
governo enviou ao congresso legislação apoiando a pesquisa e inovação no setor
privado que consideramos o núcleo de uma estratégia para aumentar o
crescimento industrial brasileiro [...] Em particular foi aprovada a medida que
permite aos servidores públicos e aos aposentados comprometerem uma fração
de sua renda futura para o pagamento de empréstimos (CARTA DE
INTENÇÃO DE 03 DE JUNHO DE 2004).

Em três de junho de dois mil e quatro a Carta dirigida ao diretor gerente do FMI ressalta que as
políticas macroeconômicas do país lançaram as bases para o crescimento equilibrado e para redução das
vulnerabilidades externas. Enfatiza-se que a política monetária prudente que o país tem adotado é
compatível com a faixa da meta estabelecida para o referido ano. As metas de superávits primário em
4,25% do PIB para o período de 2005 a 2007 estavam mantidas pela nova Lei de Diretrizes
Orçamentárias, políticas essas que reafirmam o comprometimento do país em tomar medidas ativas para
melhorar a estrutura da dívida.
Em linhas gerais esta Carta salienta que as Reformas estruturais realizadas pelo governo têm
como compromisso a disciplina fiscal monetária, onde se adota um conjunto de medidas tributárias que
visa honrar a dívida do Brasil com o FMI:

Continuamos mantendo o compromisso com a disciplina fiscal e monetária, ao


mesmo tempo que avançamos nas Reformas estruturais. Em um ambiente de
estabilidade macroeconômica, novas reformas estruturais aumentarão a
produtividade e contribuirão para sustentar o crescimento no médio prazo. Em
conjunto com o corpo técnico do FMI, estamos avaliando o espaço para
aumentar o investimento público de maneira compatível com as medidas para
alcançar a sustentabilidade fiscal. Aproveitando o forte crescimento recente das
receitas, adotamos um conjunto de medidas tributárias que irá estimular a
poupança e o investimento a longo prazo (CARTA DE INTENÃO DE 08 DE
SETEMBRO DE 2004).
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A Carta de 02 de Dezembro de 2004 explicita que o Brasil tem conseguido manter uma política
econômica sólida e que o crescimento do PIB foi de 6% nos últimos quatro semestres do ano. Essa
recuperação econômica se reflete em um aumento persistente do emprego. Assim a prudente gestão
monetária da divida se fortalece e o plano de financiamento externo para 2005 é mantido com sucesso. O
Ministro Antonio Palloci afirma que “em conjunto com a equipe do Fundo o Brasil continuará a explorar
o escopo para elevar o investimento público de forma consistente com a sustentabilidade fiscal de médio
prazo”. (CARTA DE INTENÇÃO DE 02 DE DEZEMBRO DE 2004).
A partir dessa análise percebe-se que as condições impostas pelo Fundo foram incorporadas pelo
governo e se expressam nas leis do país através das opções internas de política econômica. As decisões
foram incorporadas à Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). As condicionalidades tradicionais,
impostas pelo Fundo, foram completamente internalizadas, expressando-se agora em leis brasileiras e
coincidindo com opções internas de política econômica, pois se observa que o superávit primário, que era
de 3,75% do PIB no governo de Fernando Henrique, foi aumentado por Lula para 4,25%, enquanto os
gastos sociais, que correspondiam a 2,59% do PIB, foram reduzidos para 2,45%; essas decisões não
dependem mais de negociações com o Fundo, pois foram incorporadas à Lei de Diretrizes Orçamentárias
(LDO) que está em vigor até 2006.7
O governo Lula segue a risca às orientações do FMI, e esse compromisso com o Fundo é
explicitado em suas Cartas onde se inscreve: "Continuaremos a manter estreito diálogo com o FMI e
estamos dispostos a adotar medidas adicionais, conforme necessário, para atingir estes objetivos" (Carta
de Intenção de 28 de maio de 2003). E em outra, "[...] Como sempre, manteremos estreito diálogo sobre
políticas com o FMI e estaremos dispostos a adotar outras medidas que venham a ser convenientes para
garantir o cumprimento dos objetivos do programa" (Carta de Intenção de 08 de setembro de 2004).
Em 28 de fevereiro de 2005, uma das Cartas do Brasil ao FMI expõe os motivos pelos quais o
Brasil não renovaria o acordo com o Fundo. No mesmo dia Antônio Palocci pronuncia em rede nacional
de rádio e TV: "é com grande satisfação, que em nome do Presidente Lula, comunico nesse momento ao
povo brasileiro um fato da maior relevância. Depois de tantos e tantos anos dependendo do Fundo
Monetário Internacional, nosso País finalmente, tem conseguido equilibrar as suas contas e sua balança
de pagamentos [...] não mais precisando da ajuda do FMI"8.
É importante considerar, que se a não renovação do acordo com o FMI trouxe satisfação ao
Ministro da Fazenda Antônio Palocci, porque o Brasil ficou tanto tempo dependente dos empréstimos?
Também nos chama atenção o fato de apenas nesse momento o povo ter esclarecimento sobre o acordo,
tendo em vista que esses acordos com o FMI eram feitos às portas fechadas. Isso mostra a estratégia do

7
Benjamin & Riberi (2003).
8
Pronunciamento do Ministro Antonio Palocci em cadeia de rádio e TV, 28 de fevereiro de 2005, disponível no site
do Ministério da Fazenda.
12

PT para legitimar a imagem do candidato Lula, às vésperas de uma eleição para Presidente da República,
na qual Lula tentaria o segundo mandato.
No final de 2005, o Brasil mesmo sem um acordo formal (o Brasil não renovou o acordo com o
FMI em 2005) paga ao FMI dois anos de juros da dívida adiantado, isto é, US$ 15,5 bilhões. O governo
brasileiro não mediu esforços para enxugar gastos e gerar superávit para o pagamento da dívida externa,
demonstrando mais uma vez que este governo tem seguido todas as orientações do Fundo. Os interesses
dos organismos financeiros internacionais vêm sendo atendidos as custas do povo brasileiro; o número de
pobres e indigentes vem crescendo progressivamente nos últimos anos. São as vítimas do ajuste estrutural
que garante o pagamento da dívida externa.

2- A INFLUÊNCIA DOS ORGANISMOS FINANCEIROS INTERNACIONAIS NA


INTERVENÇÃO DO ESTADO SOBRE AS POLÍTICAS SOCIAIS

Situar a influência dos organismos financeiros internacionais na política de saúde brasileira,


nos remete ao contexto histórico do triunfo do neoliberalismo alinhado às reformas defendidas pelo
Banco Mundial e pelo FMI. Essas Reformas exigem ajustes estruturais nos países devedores,
desresponsabilizando o Estado da área social.
O neoliberalismo dos anos 80 deslocou da esfera estatal a responsabilidade de intervenção da
área social, no sentido de um mínimo Estado para o social, e um máximo Estado para o capital, onde a
“desresponsabilização estatal das respostas às seqüelas da questão social é (supostamente) compensada
pela ampliação dos sistemas privados mercantis (do chamado terceiro setor)” (MONTANO, 2001, p.22
apud CORREIA, 2005, p.78). Desta maneira, o Estado vem transferindo suas responsabilidades para a
sociedade. Os apelos ao voluntariado, a “refilantropização” da assistência, o repasse dos serviços ao
terceiro setor, têm funcionado como mecanismos estratégicos para enfraquecer e fragilizar os
movimentos populares e sindicais.
O processo de mundialização do capital comanda a distribuição social da riqueza criada na
produção, a partir da combinação social de formas de trabalho humano (CORREIA, 2005, p.83).
Conforme a autora citada, a existência e o poder do capital financeiro são defendidos pelas instituições
financeiras internacionais que representando os interesses dos Estados mais poderosos do mundo,
pressionam os demais Estados nacionais a adotarem políticas de liberalização e privatização. Correia cita
Chesnais (1996) ao afirmar que “são os EUA, pela sua imposição no plano do capital financeiro que
impõe as regras do comércio e das finanças internacionais”. A institucionalização do FMI e do Banco
Mundial foi um fator de grande importância para a hegemonia financeira dos EUA, por alterar as bases
do sistema financeiro internacional para o padrão ouro-dolar, pois antes era baseado no padrão ouro,
sob a hegemonia da Inglaterra (CORREIA, 2005, p.83).
13

A partir dos anos 70, a dívida externa dos países latino americanos começa a crescer
aceleradamente, isto se deve a decisão do Federal Reserve System9 de elevar as taxas de juros para
combater a inflação dos EUA. O aumento da dívida externa somada ao aumento das despesas com a
importação de petróleo e a queda dos preços dos produtos exportados influenciou no déficit das balanças
de pagamento dos países dependentes configurando assim, a crise da dívida externa.
Bóron (1995) ao avaliar o papel do FMI e do Banco Mundial afirma que o poder desses
organismos aumentou a partir da década de 80, com o clima de recessão e a crise da dívida por parte das
nações periféricas. O FMI e o Banco Mundial passaram a orientar as políticas econômicas adotadas pelos
Estados Latinos Americanos, através da adoção de programas de estabilização e ajustes estruturais.
Diante disso, os liberais identificam as causas da crise como excesso de gastos estatais, ao
atendimento das demandas excessivas dos trabalhadores. A solução encontrada pela política neoliberal é
a redução de gastos estatais e a diminuição dos direitos dos trabalhadores. O Banco Mundial orienta os
governos a priorizar os ‘setores sociais fundamentais’.
O primeiro acordo do Brasil com o FMI foi feito em 1958, e tinha por objetivo equilibrar a
balança de pagamentos do país. Entretanto, com as condições impostas pelo FMI para tal empréstimo
(300 milhões) – liberalização das importações, eliminação de subsídios e alterações no sistema cambial –
se chocavam com o plano de metas do então Presidente da República Juscelino Kubitschek, que visava o
desenvolvimento econômico do país e a mudança da capital pra Brasília. Jucelino rompeu com o FMI em
1959.
A relação do Brasil com o FMI melhorou durante o governo de Jânio Quadros que adotou
rigorosas medidas econômicas: corte nos gastos públicos, desvalorização do cruzeiro em 100% para
estimular as exportações e etc. Assim, firmou-se um acordo com o clube de Paris, permitindo o
reescalonamento da dívida de US$ 407 milhões.
O Estado pós-64 foi essencialmente funcional a consolidação do capitalismo monopolista,
antinacional e antidemocrático, seu eixo de intervenção passa a ser a garantia dos superlucros dos
monopólios. O Estado autoritário levou a exaustão e aos impasses atuais de déficit e dívidas públicas
internas e externas.
A submissão do Estado brasileiro aos planos do capital a época da ditadura foi evidenciada
com os novos acordos estabelecidos com o BM e o FMI, com o apoio norte americano ao golpe militar. É
através de novas medidas para expansão do capital - a revogação da Lei de Remessas de Lucros, controle
de preços, supressão de subsídios, fim da estabilidade no emprego, que o BM e o FMI recomeçam a
liberar empréstimos. A partir de1967, a prioridade do governo militar passa a ser o crescimento acelerado
da economia. O objetivo dessa política chamada “milagre brasileiro” era o crescimento econômico dos

9
Sistema de bancos centrais dos Estados Unidos. Criado em 1913 pela promulgação da Lei Federal Reserve, é um
semi-público (parte privada, parte governo) do sistema bancário
14

setores produtores de bens destinados às camadas altas e média da sociedade e teve como conseqüência o
aumento exorbitante da dívida externa, tornando o país cada vez mais dependente do FMI.
É durante o curto governo de Collor que a influência neoliberal chega ao Brasil. Este
presidente “baseado nas recomendações do BM, procedeu a uma liberalização do regime importações,
dando execução a um programa de abertura unilateral do mercado brasileiro por meio de atos
administrativos” (CORREIA, 2005, p.96).
Motta (1995, p.149) afirma que ao contrário da universalização das políticas sociais o que
aparece é um patamar de seletividade intraclasse que tem como intermediária as ideologias neoliberais,
visto como uma necessidade econômica “pelas austeridades das políticas de seguridade do FMI, e pela
necessidade do Estado alargar sua intervenção na esfera da reprodução da força de trabalho”.
A partir do governo de Fernando Henrique Cardoso que a política neoliberal torna-se mais
visível, isto pelo plano de estabilização econômica que visava conter a inflação, onde o Estado renuncia a
seu papel regulador e provedor, deixando esses serviços aos cuidados das livres forças do mercado. As
imposições do FMI - exigências de reajuste estrutural, a reforma do Estado, liberalização da economia –
teve como conseqüências alterações na Constituição Federal que vem se realizando desde 1991, durante o
governo Collor:

A reforma promove alterações do artigo 170º da Constituição Federal de 1988, que


tinha como objetivo proteger a indústria nacional [...] mudanças no artigo 177º
implicou na quebra do monopólio estatal do petróleo. A prestação de serviços de
telecomunicações também foi aberta a qualquer empresa nacional ou estrangeira, com
a alteração do artigo 21º (CORREIA, 2005, p.99).

Na prática houve também um retrocesso no sistema de proteção social conquistado na


constituição de 1988. Correia (2005) analisa que as reformas de FHC “por um lado em nome da
modernização, anulou aos poucos as conquistas do povo brasileiro no campo dos direitos sociais, e por
outro em nome da privatização desmontou instrumentos que ainda possuímos para poder nos afirmar
como nação soberana em face da nova fase do imperialismo, a da ‘mundialização do capital”.
No que diz respeito às reformas, Bóron (1999) afirma que as reformas econômicas iniciadas
nos anos recentes da América Latina são na verdade contra-reformas que se direcionam ao aumento da
desigualdade social e econômica, visando esvaziar o conteúdo das instituições democráticas.
O sistema de Seguridade Social foi inaugurado no Brasil pela Constituição de 1988, entretanto,
o que se verificou foi um sistema seletivo, focalizado, com características assistencialistas. De um lado,
as propostas de reformas no sentido progressista do bloco das classes subalternizadas absorvidas na sua
maioria na Constituição de 1988 graças as grandes mobilizações e alianças que procederam. “Do outro,
as propostas de reforma do Estado do bloco da classe dominante, que são na realidade contra-reformas,
15

no sentido de desregulação estatal, acompanhada de uma política de privatização das estatais e dos
serviços públicos” (CORREIA, 2005).
Os elementos das reformas estão pautados e associados aos programas de ajuste macroeconômico
defendidos pelos agentes financeiros internacionais que visam “o equilíbrio fiscal do setor público da
moeda, privatização estatais [...] redução de políticas sociais retirando seu caráter universal e abertura ao
mercado do acesso aos serviços coletivos” (CORREIA, 2005, p.106).
O atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva vem seguindo a herança de FHC, dando
continuidade ao projeto neoliberal, no qual a política social fica subordinada a econômica, assim como, o
seu governo está subordinado às condicionalidades dos organismos financeiros internacionais.
Este presidente condenava a "submissão" de governos brasileiros aos "ditames" do Fundo
Monetário Internacional e sua abertura ao capital financeiro internacional. Ao longo de suas campanhas
eleitorais ele vai alterando sua estratégia para se acomodar às novas realidades. A primeira iniciativa do
Presidente Lula, após a eleição, foi continuar o que Fernando Henrique Cardoso não terminou: a reforma
da previdência, a qual consiste na mudança do sistema previdenciário dos servidores públicos,
estabelecendo o mesmo teto para as aposentadorias dos empregados dos setores público e privado, e
ainda cria a previdência complementar a ser definida em legislação específica. e aprovou a prorrogação
da DRU (Desvinculação das Receitas da União) até 2011. Conforme Áquilas e Mendes (2004), a
DRU foi criada em 1994, e instituída como Desvinculação de parte dos Recursos da Seguridade
Social com criação do Fundo Social de Emergência. Esse Fundo, depois nomeado de
Estabilização Fiscal em 1997, e finalmente para expressar seu verdadeiro caráter, foi renomeado
para Desvinculação de Receitas da União - DRU10 (ÁQUILA & MENDES, 2004, p.06). Por sua
vez, permite que o Executivo retire das rubricas originais até 20% das verbas arrecadadas por
uma série de impostos. Assim, começa a continuidade da agenda de reformas do governo anterior. Na
prática, tendo em vista a política econômica neoliberal executada no país há mais de uma
década, representa a retirada de verbas para investimentos públicos e o seu uso para enriquecer
os bancos nacionais e internacionais, através do pagamento de juros da dívida. Essa medida
recebeu franca oposição de setores comprometidos com a sociedade e o Partido dos
Trabalhadores, em 2000, se posicionou contrário a sua aprovação no Congresso Nacional.
Entretanto, quando Luís Inácio Lula da Silva assume a presidência, esse mesmo partido
encaminhou a proposta de Reforma Tributária, ampliando a vigência da DRU para 2007 e em
seguida para 2011, esquecendo os princípios antes defendidos (idem).

10
EC 27, desde 21/03/2000.
16

As reformas exigidas pelos organismos financeiros internacionais foram a previdenciária e


tributária, além da reforma universitária, e as privatizações disfarçadas nas Parcerias Público-Privados -
PPPs. Tanto a reforma da Previdência, quanto o Programa Fome Zero tiveram a aprovação das agências
internacionais, ou seja, do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional. O que está sendo
concretizado é o que o FMI recomendou: reformas que implicariam mudanças na Constituição Federal,
interferindo na soberania do país. Assim Lula recebeu vários elogios por ter superado as expectativas dos
organismos financeiros internacionais.

2.1 - AS INFLUÊNCIAS DO BM E DO FMI NA POLITÍCA DE SAÚDE BRASILEIRA

Segundo Correia as intervenções do BM, se guiavam pelas ideologias desenvolvimentistas,


seus empréstimos eram voltados para a área de infra-estrutura “na perspectiva de que o desenvolvimento
econômico resolveria naturalmente o problema da pobreza e tirania os países subdesenvolvidos do atraso,
elevando-os patamar de países desenvolvidos” (CORREIA, 2005, p.108). Neste sentido, em
conseqüência do crescimento econômico, a saúde da população melhoraria, não necessitando de um
investimento direto do Banco.
Os estudos dessa autora apontam que a temática da saúde passou a ser abordada pelo Banco
articulada aos problemas decorrentes do crescimento demográfico que tinha como conseqüência o
crescimento da pobreza, empecilho ao desenvolvimento. Apresentava como saída o controle da
natalidade para os mais pobres, através de medidas de planejamento familiar.
O Banco, desde 1975, apresenta diretrizes para uma reforma nas políticas de saúde dos países
por ele subsidiados, “tais como: a quebra da universalidade do atendimento a saúde, a priorização a
atenção básica, a utilização da mão de obra desqualificada para os procedimentos de atenção a saúde e
simplificação das mesmas, a seletividade e focalização da atenção aos mais pobres” (CORREIA, 2005,
p.108). O eixo que norteia a proposta de reforma de caráter econômico é no sentido de cortar os gastos
com os serviços de saúde, utilizando como critério de avaliação a relação custo/ benefício e transferindo
para o mercado a responsabilidade de financiar e oferecer cuidados à saúde.
Costa (1998, p.129), registra que foi a partir dos anos 80 que o BM assumiu a liderança no
desenvolvimento global da agenda internacional para as políticas de saúde, apoiando projetos, tendo em
vista os interesses instrumentais, na missão do ajuste estrutural (COSTA 1998 apud CORREIA, 2005,
p.110).
É a partir dos anos 90, que o Banco Mundial retoma o discurso centrado no combate a pobreza,
em conseqüência às críticas em relação ao aumento dos índices de pobreza, e à precariedade das
condições de vida da população dos países devedores, resultante dos programas de ajustes estruturais
recomendados pelo BM e pelo FMI. A orientação do BM na política de saúde em nível internacional tem
17

seu marco com a publicação do Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial de 1993: “Investindo em
Saúde”. Este relatório apresentava um diagnóstico geral sobre a saúde em nível mundial, destacando a
realidade dos países em desenvolvimento, e propondo um projeto detalhado para as reformas do sistema
de saúde, evidenciando seu interesse em financiar projetos específicos deste setor. Suas propostas estão
fundamentadas na política liberal, articulada com o recomendado pelo consenso de Washington. Estes
relatórios são publicados anualmente tratando de temas específicos relacionados ao desenvolvimento “a
escolha do tema saúde” para o relatório de 1993 reflete a importância desta área no interior do Banco.
“Este relatório dá continuidade a sobreposição da lógica econômica sobre o social, ao abordar os ganhos
em saúde como conseqüência das políticas de ajuste e estabilização macroeconômica” (CORREIA, 2005,
p.114).
Correia (2005) ao analisar os documentos do Banco verificou que o mesmo define qual deve
ser o papel do Estado e os limites da sua atuação na saúde, definindo conceitos de “serviço de Saúde
Pública”, e de “Serviços Clínicos Essenciais”, propondo a reforma para o setor saúde através da
recomendação da oferta de pacotes, isto é, da definição das intervenções que devem ser financiadas pelo
governo. Neste sentido, para o Banco, os Serviços de Saúde Pública, teriam por objetivo prevenir doenças
ou prestar informações sobre automedicação e a importância de buscar tratamento, e os “Serviços
Clínicos Essenciais” visa atender a demanda dos indivíduos, procurando curar ou aliviar a dor dos que já
estão enfermos. Essa intervenção tem por alvo, impactos de doenças muito fortes.
Diante disso, o Banco “defende que as intervenções de saúde, que não contemplem
custo/efetividade devem ser financiados pela iniciativa privada ou por outra forma de seguro social. Neste
sentido as função do governo teria apenas um papel regulador sobre esses serviços, limitar-se-ia a
capacitar melhor os mercados de seguros e atendimento a saúde. As diretrizes e as orientações políticas
defendidas pelo Banco estão voltadas para a “descentralização de responsabilidades para instâncias não-
governamentais, desresponsabilizando o Estado da execução desses serviços, mas repassando recursos
públicos para subsidiá-los, além de reforçar a linha de contratação de serviços de terceiros disponíveis no
mercado” (CORREIA, 2005, p.117-118).
De acordo com Correia, na lógica do processo de mercantilização da saúde, proposta do BM
aos países por ele subsidiados, as instituições públicas teriam por função atender a população mais pobre
e com alto risco de adoecer, ao mesmo tempo em que a rede privada se ocupa das áreas mais rentáveis,
ou seja, dos serviços de média e alta complexidade.
O protagonismo do BM nas orientações da política de saúde brasileira, é evidenciado através
dos documentos do Banco, produzidos especialmente para orientar a reforma no setor de saúde neste país.
Correia ressalta que as orientações vão de encontro com o assegurado legalmente para a saúde na
Constituição brasileira de 1988 e nas Leis Orgânicas “resultando no tencionamento de dois projetos para
a saúde na década de 90: um voltado para a consolidação de um sistema de saúde pública – SUS -
18

defendido pelo Movimento de Reforma Sanitária, e o outro voltado para o mercado, que tem se
constituído em uma contra-reforma, no sentido de perdas ao garantido na lei” (Idem, p. 119).
De acordo com a autora, existem três documentos que sintetizam o conjunto de propostas do
BM para a área de saúde no Brasil. O primeiro documento produzido pelo Banco Mundial sobre a saúde
foi publicado em 1975 “Salud: documento de política sectorial”. Este contém um conjunto de
publicações de documentos de política setorial elaborados a partir de estudos setoriais da economia e da
sociedade dos países devedores, e apontavam os problemas existentes em cada área propondo políticas
governamentais para resolução de tais problemas.
Conforme Correia (2008) o Banco Mundial desde o referido documento de 1975, já apresentava
as primeiras diretrizes para uma reforma nas políticas de saúde aos países por ele subsidiados,
reafirmadas nos documentos posteriores, tais como: a quebra da universalidade do atendimento à saúde, a
priorização da atenção básica, a utilização da mão-de-obra desqualificada para os procedimentos de
atenção à saúde e simplificação dos mesmos, a seletividade e focalização da atenção aos mais pobres.

A não universalização dos serviços de saúde é explicitada no documento ao


colocar que “nos países em desenvolvimento, os grupos prósperos da população
têm capacidade econômica para obter a preços de mercado a maioria dos
serviços de saúde que necessitam, por isso não se justificam as subvenções
públicas a tais grupos, qualquer que seja o critério que se invoque” (Banco
Mundial, 1975, p.37 Apud CORREIA, 2008, p.02).

O conjunto de propostas do Banco Mundial para área de saúde no Brasil é apresentado em três
documentos, um do ano de 1991, “Brasil: novo desafio à saúde do adulto”, outro de 1995 que, define a
agenda da saúde para os anos 90, “A Organização, Prestação e Financiamento da Saúde no Brasil: uma
agenda para os anos 90” e o mais recente publicado em fevereiro de 2007: “Governança do Sistema
Único de Saúde (SUS) Brasileiro – Fortalecendo a Qualidade do Investimento Público e da Gestão de
Recursos”. Segundo Correia (2008), estes documentos rebatem frontalmente os avanços conquistados
pela Reforma Sanitária contemplados na legislação, pois para o BM, “as realidades fiscais colidem com
os sonhos de despesas alimentadas pelo processo de democratização pela Constituição de 1988” (Banco
Mundial, 1991, p.1/20).
O BM, tendo por eixo suas propostas baseadas no custo/efetividade, sugere a seletividade do
acesso tendo como proposta à quebra da universalidade dos serviços de saúde. A intenção é direcionar os
programas especificamente para os pobres e considerar explicitamente a sua situação.
Os documentos citados acima defendem a redução dos recursos destinados à saúde, em
coerência com as políticas de ajuste dos organismos financeiros internacionais que exigem corte de
gastos públicos. Desta forma, ao enfatizar o papel regulador e financiador do Estado, eles defendem a
ampliação do setor privado na prestação de serviços de saúde.
19

A agenda do BM para o Brasil, absorvida durante o governo de FHC, dá início a contra-


reforma na área da saúde, empreendida pelo governo brasileiro em atendimento às exigências dos
organismos internacionais. O Documento elaborado conjuntamente entre o Ministério da Saúde e o
Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado – “Sistema de atendimento de Saúde do SUS”
– evidencia a proposta de reforma deste setor orientada em concordância com o documento elaborado
pelo BM – A Organização, Prestação e Financiamento para a Saúde no Brasil: Uma agenda para os anos
90.

CONCLUSÃO

Ao final deste percurso, considerando que foram analisados processos recentes, onde as
repercussões estão em pleno fluxo, constatamos as reais influências dos organismos financeiros
internacionais – Banco Mundial e FMI, na política de saúde brasileira.
Destacamos que as orientações desses organismos tem funcionado como instrumento de reformas
de países “em desenvolvimento”, e essas têm beneficiado apenas o setor privado. O projeto político que
está por traz dessa reforma é o projeto de dominação do capital, que se instaura no Brasil com raízes
profundas impondo, adaptando e elaborando metas administrativas para a reforma do Estado, a qual se
tornou o lema dos anos 90, a partir da administração do presidente Fernando Collor de Mello,
conquistando espaços concretos nas gestões de FHC e tendo continuidade no primeiro governo Lula. 11
Assim, as perdas e desvantagens no âmbito social, acontecem em conseqüência das políticas de ajuste
estrutural.
Como enfatizamos no decorrer do trabalho, a contra-reforma do BM para a área da saúde, no
Brasil, deu-se no bojo das reformas empreendidas pelo governo de FHC no atendimento às exigências
dos organismos internacionais. Apesar das bases legais em que se firma o projeto universalizante do
SUS, há dificuldades na sua concretização, pois seu arcabouço legal vai de encontro com os interesses do
projeto neoliberal expressos nas orientações dos organismos internacionais.
Assim, percebe-se que há um processo contraditório: de um lado, a Constituição de 1988
enfatizando direitos, de outro, o FMI propondo cortes nos gastos sociais para gerar superávits para o
pagamento da dívida e o BM propondo a quebra da universalização do direito à saúde, através de
políticas seletivas; enfatizando o custo/benefício dos serviços, defendendo para isso a ampliação do setor
privado na prestação de serviços de saúde; e enfatizado o papel do Estado apenas como regulador e
financiador da política de saúde, quando repassa recursos para qualquer instituição prestar tais serviços.

11
É importante ressaltar que apesar de ser um fenômeno mundial, implementar ou não a
reforma é uma decisão do governo de cada país.
20

Ao analisar as orientações dos organismos financeiros internacionais à política de saúde


brasileira, a proposta de privatização da saúde só acontece nas atividades rentáveis, ficando o restante a
cargo do setor público. Neste sentido, cabe ao Estado a oferta de saúde pública destinada à população
mais pobre através de gastos essenciais privilegiando a atenção primária, visando diminuir o gasto
hospitalar e ampliar a participação da rede privada na oferta de serviços de saúde, especialmente, na parte
lucrativa, de média e alta complexidade.
Concluímos que o governo de Luís Inácio Lula da Silva ainda mantém os compromissos de
implementar ajustes estruturais e continua a seguir a agenda macroeconômica do FMI, com o
compromisso de gerar superávits. Segue também a agenda do BM para a política de Saúde, cumprida em
parte pelo Ministério da Saúde. Os exemplos são bem visíveis: a continuidade do Programa Saúde da
Família (PSF) que é um programa que oferece às famílias brasileiras o "atendimento" em uma política de
saúde pública, mas focalizada na pobreza e priorizando a atenção básica, desconsiderando a
universalidade da saúde como um direito de todos e fragmentando a política de saúde em linhas de
atenção à saúde; medidas como o Programa de Aceleração do Crescimento – PAC, que como mostramos
no decorrer do trabalho, é um “Programa de Atendimento aos Credores”, onde se aprofunda a política de
superávits primário; e uma nova Reforma na Previdência anunciada; PAC Saúde, uma lógica camuflada
da proposta, que trata de um novo modelo de gestão, onde se consolida o Projeto de Fundações Estatais,
que evidencia o mínimo para o trabalhador e o máximo para o capital, em que os trabalhadores, embora
concursados, não terão mais estabilidade no emprego, além de restringir o controle social. O empenho em
concretizar as Fundações Estatais de Direito Privado, projeto alinhado às orientações do Banco Mundial
para a política de saúde brasileira, compõe o quadro das contra-reformas do Estado brasileiro que
favorece o projeto do grande capital.
Ressaltamos, que o processo da contra-reforma que está em curso no Estado brasileiro remete
ao contexto das transformações do mundo do capital e que, como já foi enfatizado, o governo Lula vem
seguindo a herança de FHC, dando continuidade a agenda de reformas do governo anterior, ou seja, ao
projeto do capital, subordinado às condicionalidades dos organismos financeiros internacionais.

Entretanto, destacamos que existem espaços de resistência ao referido processo da contra-


reforma por parte da sociedade organizada, principalmente através dos mecanismos de controle social. Os
estudos de Correia (2005) relativos à atuação do Conselho Nacional de Saúde nas duas gestões de
Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), demonstram que este contribuiu categoricamente para inibir,
ou mesmo evitar a implementação de muitas das recomendações do BM para a política nacional de saúde,
tais como:

a quebra do caráter universal do acesso aos serviços de saúde na forma


da lei; a propagação das experiências de flexibilização administrativas
21

com o repasse da gestão da saúde para Organizações Sociais ou


Cooperativas que tendem à privatização deste setor; o duplo acesso aos
hospitais públicos; o co-pagamento quebrando o caráter público dos
serviços de saúde estatais; a transformação da FUNASA em Agência
Executiva Autônoma, que caracterizaria o repasse das funções
executoras do Ministério da Saúde para uma esfera não estatal. Esta
atuação foi impulsionada e apoiada pelas Conferências Nacionais de
Saúde e pelos Encontros e Plenárias Nacionais de Conselhos de Saúde,
nos quais o CNS esteve presente na mobilização e na organização
(CORREIA, 2007a).

Concordamos com Correia (2007a) quando afirma que estes fatos demonstram a
“importância das lutas políticas dos segmentos sociais que representam as classes subalternas na
consolidação do Sistema Único de Saúde e na construção de resistências ao projeto do capital,
sem as quais o cenário da política nacional de saúde poderia ser outro”.

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