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ARTIGO ARTICLE 297

Trabalho e morbidade comum em indústria


de celulose e papel: um perfil segundo setor

Work and common disease in a pulp and paper


industry: a profile by department

Anaclaudia Gastal Fassa 1


Luiz Augusto Facchini 1
Marinel Mór Dall’Agnol 1

1 Departamento de Medicina Abstract The purpose of this study was to identify associations between common morbidity
Social, Faculdade de
and work accidents and the respective departments in a pulp and paper industry, describing
Medicina, Universidade
Federal de Pelotas work loads and performing broad control of potential confounding factors. We studied all the
C. P. 464, Pelotas, RS workers from a specific pulp and paper industry, using a cross-sectional design and interviews
96001-970, Brasil.
at the workplace (n=671) with a standardized questionnaire. We characterized workers’ percep-
tions of their occupational exposures and health problems. The industrial area had an excess in
auditory problems (OR>2.5) and respiratory problems (OR>2.7) as well as accidents (OR>4.7).
These diseases were probably related to the high prevalence of noise, dust, sudden temperature
changes, exposure to various chemicals, and excessive effort and high-risk situations. Moreover,
the management group showed an excess in eye problems, backache, irritation, and nervousness
(OR>1.7), apparently related to lack of autonomy and creativeness at work, ergonomic problems,
and strained eyesight. The study confirmed not only a high prevalence of common diseases, but
also their relationship to specific features of the work process indicated by each department cate-
gory.
Key words Morbidity; Worker’s Health; Work Accidents; Epidemiology

Resumo Este artigo objetiva identificar as associações das morbidades comuns e dos acidentes
de trabalho com setor, descrevendo as cargas de trabalho e realizando um amplo controle de fa-
tores de confusão. Através de delineamento transversal, estudou-se a totalidade dos trabalhado-
res de uma indústria de celulose e papel (n=671). Realizaram-se entrevistas nesta indústria, ca-
racterizando a percepção dos trabalhadores sobre as exposições ocupacionais e a morbidade. A
área industrial caracterizou-se pelo excesso de problemas auditivos (RO>2,5), respiratórios
(RO>2,7) e acidentes (RO>4,7), possivelmente relacionados com ruído, poeira, mudanças bruscas
de temperatura e exposições a substâncias químicas, além do trabalho físico pesado e exposições
a situações de risco. A administração apresentou um aumento de problemas nos olhos, dor nas
costas, irritação e nervosismo (RO>1,7), que parecem ter relação com a falta de autonomia e
criatividade no trabalho, problemas ergonômicos e esforço visual. Confirmaram-se não só as al-
tas prevalências de morbidades comuns, mas também sua relação com as particularidades do
processo de trabalho sintetizadas pela categoria setor.
Palavras-chave Morbidade; Saúde do Trabalhador; Acidentes de Trabalho; Epidemiologia

Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 12(3):297-307, jul-set, 1996


298 FASSA, A. G.; FACCHINI, L. A. & DALL’ AGNOL, M.M.

Introdução Por esta razão, privilegia-se, aqui, a compa-


ração dos setores da área industrial com a ad-
A indústria de celulose e papel é uma atividade ministração, que, embora interdependentes,
produtiva em expansão no Brasil. Entre as dez têm atividades de natureza distinta.
indústrias de grande porte de nosso país, que
produzem mais de oitocentas toneladas por
dia, várias duplicaram sua produção recente- Metodologia
mente, e outras, como a indústria aqui consi-
derada, devem fazê-lo nos próximos anos. Em Através de um delineamento transversal inves-
vista disso, estudos na área de saúde do traba- tigou-se a totalidade dos trabalhadores de uma
lhador, à semelhança das avaliações de impac- indústria de celulose e papel. Utilizou-se um
to ambiental, poderão contribuir para que os questionário padronizado, pré-codificado, que
investimentos priorizem, além do aumento de captou a percepção dos trabalhadores sobre as
produtividade e de melhorias na qualidade do cargas de trabalho e os danos à saúde.
produto, processos e tecnologias não poluen- Os trabalhadores foram entrevistados em
tes e saudáveis. seu setor, na própria fábrica, em salas que ga-
Existem vários estudos sobre condições de rantiam o sigilo das entrevistas, as quais foram
trabalho e saúde na indústria de celulose e pa- realizadas por três auxiliares de pesquisa no
pel, realizados principalmente em países do período de 10 de janeiro a 21 de março de 1994.
Primeiro Mundo, que geralmente buscam rela- Como variável independente, identifica-
cionar, através de delineamentos complexos, ram-se quatro setores: administração (com-
agentes etiológicos isolados e morbidades es- pras, vendas, recursos humanos, projetos...),
pecíficas. Estes estudos enfocam, principal- produção (corte, branqueamento, secagem,
mente, doenças ocupacionais crônicas e com empacotamento e planta química), apoio (cal-
longos períodos de latência, como doenças deiras, tratamento de água e efluentes, labora-
cardiovasculares, câncer e problemas respira- tórios e porto) e manutenção (mecânica, civil e
tórios, e sua associação com a exposição a ris- elétrica). Estes eram caracterizados como o lo-
cos químicos e poeira ( Jäppinen, 1987; Jäppi- cal em que o trabalhador estava desempe-
nen et al., 1987; Ericsson et al., 1988). nhando suas atividades no momento da entre-
No entanto, ainda são escassos os estudos vista.
sobre a importância do trabalho na determina- Além disso, a partir de uma listagem, per-
ção das morbidades comuns, especialmente guntava-se ao trabalhador sobre as cargas a
nas indústrias de celulose e papel. As morbida- que ele se considerava exposto no setor, valori-
des comuns, embora não impliquem um risco zando-se a resposta afirmativa como um indi-
de vida iminente, têm mostrado altas prevalên- cador de exposição. As cargas foram subdividi-
cias e forte relação com o trabalho, marcando das em dois grandes grupos, ambientais e rela-
o grande desgaste de uma população jovem, cionadas à atividade, sendo entendidas não co-
em atividade, e, portanto, teoricamente sadia mo agentes nocivos isolados, mas como um
(Laurell et al., 1991). conjunto de exposições inter-relacionadas
Assim, o objetivo deste estudo é identificar (Facchini, 1994; Laurell et al., 1991).
as associações das morbidades comuns e dos Utilizaram-se três critérios na caracteriza-
acidentes de trabalho com setor, realizando um ção do perfil de morbidade. A partir da lista de
amplo controle de fatores de confusão, e carac- problemas, perguntava-se nos dois primeiros:
terizar o perfil de cargas de trabalho para com- que morbidade o trabalhador costumava ter e
preender os mecanismos de determinação. relacionava com seu trabalho e que morbida-
Neste sentido, destaca-se o estudo de Lau- de havia apresentado nos 15 dias anteriores à
rell et al. (1991) sobre a relação do perfil de entrevista. O terceiro critério captava a ocor-
morbidade com as características do processo rência de acidente de trabalho no ano anterior
de trabalho em uma indústria siderúrgica. Os à entrevista, caracterizando-se o tipo de aci-
autores propuseram setor como um indicador dente, por exemplo, cortes e queimaduras. Nos
sintético capaz de captar o conjunto das expo- três casos, havia três possibilidades de respos-
sições que afetam os operários em cada local ta: sim, não e ignorado. A resposta sim indica-
de trabalho. No entanto, ressaltaram a limita- va, respectivamente, a percepção da morbida-
ção do indicador para demonstrar diferenças de como relacionada ao trabalho, a ocorrência
nas morbidades e sua relação com o processo do problema de saúde nos 15 dias anteriores à
de trabalho quando os setores apresentam ex- entrevista e a ocorrência de pelo menos um
posições semelhantes (Laurell et al., 1991; Lau- acidente de trabalho no ano anterior à entre-
rell et al., 1992). vista.

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TRABALHO E MORBIDADE EM INDÚSTRIA DE CELULOSE E PAPEL 299

Aplicou-se também o questionário padro- gressão logística, expressando os resultados


nizado SRQ-20 (Self-reported questionnaire), em termos de “razão de odds”, optou-se por es-
para identificar problemas psiquiátricos me- ta medida de efeito. Entretanto, é preciso lem-
nores. Considerou-se positivo o teste com pelo brar que, para fatores de risco, a “razão de
menos oito respostas afirmativas para mulhe- odds” é ligeiramente maior do que a razão de
res e seis respostas afirmativas para homens prevalências (Checkoway, 1989; Olinto, 1993).
(Mari et al., 1986). Estudaram-se também as A análise multivariada foi realizada com o
perguntas do teste de forma isolada, conside- pacote estatístico EGRET (EGRET, 1988). Sele-
rando a resposta afirmativa como a presença cionaram-se para esta análise as morbidades
do problema em questão. significativamente associadas com setor, bem
Também foram coletadas as seguintes in- como aquelas com prevalências superiores a
formações: 25% nos expostos, para as quais havia poder es-
• variáveis demográficas: gênero, idade em tatístico para detectar riscos de 2,5 após ajus-
anos, estado civil (casado ou com companhei- tar para os fatores de confusão. A identificação
ro, solteiro ou sem companheiro); dos fatores de confusão levou em conta o mo-
• variáveis sócio-econômicas: escolaridade delo teórico e a associação estatística (p<0,1)
em anos completos, renda em salários míni- com setor (variável dependente) e com as mor-
mos no mês anterior à entrevista; bidades (variáveis independentes) (Figura 1).
• outras variáveis ocupacionais: turno (admi- Assim construiu-se uma equação de regres-
nistrativo, revezamento), antigüidade na em- são para cada uma das trinta morbidades. As
presa em meses, função (operador, técnico/la- variáveis gênero, idade, estado civil e alcoolis-
boratorista, analista/supervisor, assistente/au- mo estiveram significativamente associadas a
xiliar), treinamento para a função (curso no setor (p<0,1) e foram incluídas na equação
SESI (Serviço Social de Indústria)/técnico/su- quando estavam também associadas a morbi-
perior, curso patrocinado pela empresa, trei-
namento em serviço/ajudante, não fez treina-
mento);
• variáveis comportamentais: tabagismo (fu- Figura 1
mante, não fumante) e alcoolismo medido
através do questionário padronizado CAGE Modelo Teórico.

(Soibelman et al., 1990).


A população estudada teve uma relação ex- Setor
características
administração
postos/não expostos de 5:1; desta forma, foi demográficas
produção antigüidade
V

V
possível detectar, com um erro alfa de 5% e um sócio-econômicas
apoio
e comportamentais
poder estatístico de 80%, riscos superiores a manutenção
2,5 para morbidades com prevalências maiores
que 10% nos não expostos.
A parte descritiva do estudo e a análise bi-
variada foram realizadas através do programa V V
SPSS/PC+ (Norussis, 1986). A população foi função turno
descrita pelas variáveis demográficas, sócio-
econômicas e ocupacionais, enquanto a análi-
se bivariada consistiu no exame das associa-
ções de setor com as cargas de trabalho e a V

morbidade.
Cargas de trabalho
As cargas de trabalho foram estudadas so- ambientais
mente no nível da análise bivariada, utilizan- relacionadas
do-se este dado para compreender melhor as à atividade
associações entre setor e morbidade. Como as
prevalências das cargas foram muito altas, fre-
qüentemente acima de 40%, adotou-se a razão V

de prevalências como a medida de efeito. Processo saúde-doença


As morbidades, em muitos casos, apresen- morbidade relacionada com o trabalho
morbidade referida
V

taram prevalências superiores a 10% (Tabelas 3


morbidade psiquiátrica menor
e 4); portanto, a medida de efeito mais adequa- acidente de trabalho
da seria razão de prevalências. Porém, como as
associações entre setor e morbidade foram ex-
ploradas na análise multivariada através de re-

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dade. Tabagismo e antigüidade na empresa do que os caracterizados; neste caso, se hou-


não estiveram significativamente associados vesse um viés, este seria em direção à hipótese
com setor (p>0,1), desta forma não foram in- nula.
cluídos na análise multivariada. Os fatores de O processo de produção de celulose é físi-
confusão examinados que não modificaram co-químico e consiste em picar a madeira
substancialmente a “razão de odds” não foram transformando-a em cavaco; levar o cavaco ao
excluídos da equação. Esta opção levou em digestor, onde é cozido a uma temperatura de
conta o fato de a identificação de fatores de 175o C com líquor branco (composto de água,
confusão, na associação entre setor e as morbi- soda e antraquinona), transformando-o em ce-
dades, não ser objetivo deste estudo. lulose; clarear a celulose com oxigênio e bran-
Para aprofundar o entendimento dos me- queá-la com dióxido de cloro, após o que a ce-
canismos causais, examinaram-se também as lulose é seca, prensada, cortada e embalada
variáveis função e turno como fatores de con- para a comercialização.
fusão. Uma vez que estas não se comportaram O uso mais comum da celulose é na fabri-
como fatores de confusão, mas sim como de- cação de papel. Com celulose não branqueada
terminantes principais de algumas morbida- produz-se o papel kraft; com a clareada com
des, serão abordadas em outras publicações oxigênio (celulose oxicel) elabora-se o papel
(Fassa, 1995). ecograph e com a branqueada faz-se o papel
branco comum. Porém, a celulose também é
utilizada como matéria-prima para outros pro-
Resultados dutos, como, por exemplo, fraldas e filmes fo-
tográficos.
Características do processo de produção
Características da população
Em funcionamento há mais de vinte anos, a in-
dústria estudada produz diariamente cerca de Dos 671 trabalhadores elegíveis, foram estuda-
oitocentas toneladas de celulose e duzentas to- dos 638, o que implicou 4,9% de perdas. Estas
neladas de papel. Há sete anos, após protestos não se concentraram em setores ou funções es-
que culminaram com sua interdição temporá- pecíficas e deveram-se ao fato de alguns traba-
ria, adequou a planta de forma a evitar a polui- lhadores estarem em férias no período final do
ção do meio ambiente. estudo.
O processo de trabalho é automatizado, de Da população estudada, a maioria era do
fluxo contínuo e com controle computadoriza- gênero masculino (90,9%), casada (75,9%) e
do na maior parte das fases dos setores produ- branca (93,9%). Os trabalhadores tinham uma
tivos e de apoio. distribuição normal de idade com média de 33
A indústria vem realizando a flexibilização anos (d.p.7,7). Apresentavam um alto nível de
do processo de produção, com terceirização de escolaridade (média 11 anos, d.p.3,7) e de ren-
áreas periféricas com maior risco ou com da (média de 10,3 salários mínimos, d.p.7,7).
maior contingente de trabalhadores. Esta polí- Os tabagistas representavam 41,2% da popula-
tica costuma transferir às empresas contrata- ção.
das problemas de saúde do trabalhador típicos
de funções críticas, como, por exemplo, aque- Características ocupacionais
les observados nos jatistas de areia.
Além da terceirização, não ocorreram gran- O setor que concentrava o maior número de
des modificações no processo de trabalho nos trabalhadores era a produção (37,6%), seguido
últimos anos. As modificações que ocorreram, do apoio (28,2%), manutenção (17,2%) e admi-
como a introdução de oxigênio para clarear a nistração (16,9%). A maioria trabalhava em tur-
celulose, foram nos pontos de maior automa- no de revezamento (63,8%).
ção, onde o contato direto com os trabalhado- Na população em estudo, 66,3% tinham
res é pequeno. Em vista disso, e considerando mais de cinco anos de antigüidade na empre-
a pequena mobilidade entre os diferentes seto- sa. Esta variável foi transformada em categóri-
res, assume-se que as exposições caracteriza- ca para a utilização na análise, uma vez que es-
das não sofreram grandes modificações ao lon- ta não apresentava distribuição normal.
go do tempo. A função de operador era a mais freqüente
A maioria dos trabalhadores da indústria entre os trabalhadores da indústria (35,6%), se-
(77%) considera que as condições de trabalho guindo-se de técnicos e laboratoristas (29,9%),
melhoraram, ou seja, os níveis de exposição assistentes e auxiliares (19,9%) e analistas e su-
histórica foram possivelmente iguais ou piores pervisores (14,6%). E cerca de 40% tinham

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TRABALHO E MORBIDADE EM INDÚSTRIA DE CELULOSE E PAPEL 301

Tabela 1

Prevalência das cargas relacionadas ao ambiente de trabalho por setor.

Cargas relacionadas ao ambiente adm pro man apo tot


n=108 n=240 n=110 n=180 n=638

Barulho 37,0 92,9 89,4 90,9 82,1


Mudanças bruscas de temperatura 29,6 65,8 73,6 72,8 63,0
Poeira ou pós 22,2 65,0 76,4 63,3 59,2
Óleos solventes e outros químicos 4,6 62,9 76,1 75,5 58,9
Vapor d’água, umidade 4,6 65,4 64,5 64,4 54,7
Vibração ou trepidação 12,0 67,9 60,0 57,8 54,2
Muito calor 11,1 69,6 73,6 45,0 53,2
Risco de cair 4,6 63,8 61,8 58,9 52,0
Fumaça ou gases tóxicos 11,1 42,9 65,5 68,9 48,7
Chão escorregadio 11,1 48,8 54,5 45,6 42,5
Trabalho a céu aberto 6,5 39,2 62,7 46,1 39,7
Objetos ou ferramentas cortantes 3,7 41,3 52,7 35,6 35,3
Ambiente abafado 6,5 36,7 49,1 32,2 32,1
Radiações 8,3 31,7 57,3 31,7 32,1
Muito frio 13,0 26,7 29,1 24,4 24,1
Pouca luz 5,6 16,3 38,2 21,7 19,7

adm – administração; pro – produção; man – manutenção; apo – apoio; tot – total

mais de cinco anos de antigüidade na função. cia e risco permanente de vida eram significa-
O treinamento em serviço foi o mais fre- tivamente mais prevalentes na produção, ma-
qüente (41,5%), seguido dos cursos regulares nutenção e apoio (Tabela 2).
(técnico, superior, SESI), que envolveram 20,1%
dos trabalhadores. Além disso, cerca de 15% Perfil de morbidade por setor
dos operários não fizeram qualquer treinamen-
to para a função. Neste estudo, foi possível estabelecer um perfil
de morbidade segundo setor. A partir de uma
As cargas de trabalho lista, estudou-se a referência de 22 problemas
relacionados ao trabalho, 44 problemas ocorri-
De uma maneira geral, as cargas de trabalho dos nos 15 dias anteriores à entrevista, além do
apresentaram altas prevalências. Metade dos teste SRQ-20 para problemas psiquiátricos me-
trabalhadores considerou problemáticas oito nores. Entretanto, como objetiva-se examinar
das 16 cargas ambientais listadas e cinco das setor como um determinante de morbidade
22 cargas relacionadas à atividade. comum, serão apresentadas apenas as associa-
As cargas ambientais foram pelo menos ções significativas.
duas vezes maiores na área industrial (produ- A Tabela 3 mostra as morbidades mais fre-
ção, apoio e manutenção) do que na adminis- qüentes na administração do que na área in-
tração, sendo ruído, poeira, mudanças bruscas dustrial, ajustadas para fatores de confusão. Ir-
de temperatura e exposição a óleos e solventes ritação e nervosismo, dor nas costas e proble-
químicos as mais prevalentes (Tabela 1). mas nos olhos foram cerca de três vezes mais
Quanto às cargas de trabalho relacionadas relacionados ao trabalho. Dor ou irritação nos
à atividade, o perfil foi mais heterogêneo. For- olhos e enxergar pouco foram duas vezes mais
çar a vista, trabalhar em grande velocidade, fi- referidas. Cansar-se com facilidade (SRQ-20)
car no mesmo posto o tempo todo, posição in- apresentou um risco em torno de seis quando
cômoda, sofrer pressão do chefe, não poder comparado com a manutenção.
usar suas idéias foram significativamente mais As morbidades mais freqüentes na área in-
prevalentes na administração, enquanto fazer dustrial do que na administração, controlados
muita força, ficar molhado ou sujo, fazer reve- os fatores de confusão, foram os problemas res-
zamento de tarefa, trabalhar com perigo de piratórios, auditivos e os acidentes. Os primei-
acidentar-se, enfrentar situações de emergên- ros estiveram cerca de duas vezes mais relacio-

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Tabela 2

Prevalência das cargas relacionadas à atividade por setor.

Cargas relacionadas à atividade adm pro man apo tot


n=108 n=240 n=110 n=180 n=638

Cuidar muito para não errar 91,7 95,8 97,3 95,0 95,1
Sempre ficar atento, sem se distrair 66,7 82,5 75,5 74,4 76,3
Enfrentar situações de emergência 41,7 72,1 88,2 71,1 69,4
Fazer revezamento de tarefa 50,9 63,8 66,4 68,3 63,3
Trabalhar com perigo de acidentar-se 9,3 68,8 61,7 62,7 55,6
Forçar a vista 75,1 36,7 49,1 46,1 48,1
Fazer tarefas sempre do mesmo jeito 38,9 60,0 21,8 52,8 47,8
Ficar molhado ou sujo 4,6 53,8 50,9 43,3 42,0
Ficar no mesmo posto o tempo todo 45,4 44,2 30,9 38,9 40,6
Trabalhar em grande velocidade 56,5 40,0 36,4 31,5 39,8
Risco permanente de vida 2,8 46,3 47,3 45,6 38,9
Não escolher a forma de fazer suas tarefas 13,0 28,3 13,6 29,4 36,7
Sempre repetir os mesmos movimentos 27,8 43,3 20,0 38,3 35,3
Posição incômoda 56,5 25,4 42,7 20,0 32,1
Fazer muita força 3,7 37,1 30,0 28,9 27,9
Não desenvolver atividade de defesa
dos trabalhadores 12,0 6,7 9,1 9,4 23,5
Sofrer pressão do chefe, encarregado 33,3 15,0 20,0 20,0 20,4
Falta de ferramentas adequadas 7,4 15,8 14,5 24,4 16,6
Fazer intervalos devido a função 8,3 14,2 24,5 17,2 15,8
Falta de segurança 1,9 10,4 6,4 17,8 10,3
Não poder usar as suas idéias 7,4 2,5 0,9 5,0 3,8
Não poder conversar com os colegas 0,9 1,3 0 1,7 1,1

adm – administração; pro – produção; man – manutenção; apo – apoio; tot – total

nados com o trabalho, enquanto os acidentes des de sua distribuição em função do setor,
foram os desfechos com maior risco, sendo mais que expressa a lógica global da organização do
de 14 para queimaduras nos três setores da área trabalho e as especificidades das exposições
industrial e em torno de quatro para ocorrên- ocupacionais.
cia de acidente no último ano (Tabela 4). Deste modo, irritação e nervosismo, dor
Caracterizando-se algumas especificidades nas costas, problemas nos olhos e cansaço des-
da área industrial em relação à administração, tacaram-se como problemas típicos dos traba-
observou-se que dor nas juntas relacionada ao lhadores da administração. Ao mesmo tempo,
trabalho e idéias embaralhadas (SRQ-20) eram problemas respiratórios, auditivos e acidentes,
cerca de duas vezes mais freqüentes na manu- especialmente queimaduras, relacionaram-se
tenção. Problema de pele relacionado ao traba- fortemente aos trabalhadores da área indus-
lho teve risco três vezes maior no apoio e zum- trial.
bido nos ouvidos foi cerca de três vezes maior Tendo em vista a controvérsia relativa à de-
na produção (Tabela 4). terminação das morbidades comuns pelo tra-
balho, discutem-se inicialmente alguns aspec-
tos metodológicos relevantes à validade dos
Discussão achados. Em relação ao delineamento, cabe
questionar a possibilidade de afirmar uma re-
Tradicionalmente o trabalho não é reconheci- lação de determinação através de estudo trans-
do como determinante de morbidades co- versal. A falta da dimensão temporal (Hern-
muns (Laurell et al., 1991; Moeller, 1992). No berg, 1992; Chekoway, 1989) é parcialmente su-
entanto, neste estudo, foi possível confirmar perada pela caracterização da antigüidade na
não só as altas prevalências de morbidades co- empresa como um dos fatores em estudo. O fa-
muns nos trabalhadores de uma indústria de to de a maioria dos trabalhadores terem mais
celulose e papel, mas também as particularida- de cinco anos de antigüidade na empresa e de

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TRABALHO E MORBIDADE EM INDÚSTRIA DE CELULOSE E PAPEL 303

a rotatividade entre os setores ser praticamen- chini, 1994; Laurell, 1989). Este método, ao es-
te inexistente, aliado à ênfase em morbidades tabelecer uma listagem de setor e função espe-
comuns agudas, com menores períodos de in- cífica para a indústria em estudo, supera as
dução e latência, sugere uma anterioridade da matrizes de exposição ocupacional (job expo-
exposição em relação aos desfechos analisa- sure matrix) e as listagens de profissão (job ti-
dos, afastando a possibilidade de causalidade tles) ( Vingard et al., 1991; Mäkelä et al., 1991;
reversa. Alterman et al., 1994; Rom, 1983; Hernberg,
No estabelecimento de um perfil de morbi- 1992). O método supera também as medições
dade, um aspecto problemático é o exame de ambientais, que não examinam as cargas com
múltiplas associações, também denominado materialidade interna, como, por exemplo,
“fenômeno da multisignificância” (Hernberg, aquelas decorrentes da organização e divisão
1992). Entretanto, as relações de morbidade do trabalho, freqüentemente relacionadas ao
com setor e cargas de trabalho não parecem estresse (Facchini, 1994; Laurell, 1989). Além
decorrentes de achados casuais devido a plau- disso, a inclusão do setor administrativo propi-
sibilidade e força das associações. ciou a comparação de áreas com exposições
A opção pela coleta de dados no local de bastante heterogêneas, aumentando as dife-
trabalho poderia levar a um viés de informação renças tanto nas exposições quanto nas morbi-
(Checkoway, 1989). Neste caso, a possibilidade dades.
de os trabalhadores sentirem-se intimidados A caracterização do desfecho através da
levaria a uma subestimação de exposição e percepção de problemas de saúde foi a forma
desfecho. Entretanto, a realização das entrevis- encontrada para poder estudar o perfil de mor-
tas em salas que preservavam a privacidade do bidade. Esta opção poderia ser questionada
trabalhador e a garantia do sigilo das informa- pela introdução de um possível viés de infor-
ções parecem haver minimizado este proble- mação (Kleinbaum, 1982). Porém, não há por
ma, melhorando a acurácia das medidas (Last, que pensar que existam diferenças sistemáti-
1988). cas na forma de referir morbidades entre os di-
Outro aspecto que reforça a validade dos ferentes setores, considerando-se a semelhan-
achados diz respeito ao controle de fatores de ça das características sócio-econômico-cultu-
confusão, realizado através de análise multiva- rais da população ( Joung, 1994). Além disso,
riada (Hernberg, 1992). Esta estratégia analíti- vários estudos têm sido realizados captando
ca raramente é utilizada em estudos transver- morbidade através da percepção. Demers et al.
sais de perfil de morbidade. (1990) mostraram baixa incongruência entre
Os fatores de confusão estudados foram gê- sintomas referidos relativos a dispnéia e tosse
nero, idade e tabagismo, comumente explora- quanto aos achados clínicos. No estudo de Ke-
dos em estudos epidemiológicos ocupacionais hoe et al. (1994), as disparidades foram maio-
(Checkoway, 1989), além de alcoolismo e esta- res, porém este captava diagnósticos referidos
do civil. Alcoolismo é um potente determinan- por pacientes em relação a um relatório médi-
te de acidentes, morbidade muito importante co realizado a partir do registro; desta forma, o
no estudo. Estado civil, no entanto, esteve for- padrão ouro também poderia ser o problema.
temente associado com setor, bem como com Portanto, a referência de problemas de saúde e
algumas morbidades. Isto poderia dever-se ao sintomas parece bastante adequada, ao con-
fato de estado civil ser um marcador de setor, trário da referência de diagnósticos.
não sendo neste caso fator de confusão. Por Discutida a validade dos achados, apresen-
outro lado, estas associações poderiam indicar ta-se a contribuição das características do pro-
um excesso de exposição entre os casados, que, cesso de trabalho na determinação das morbi-
em função de maiores responsabilidades, te- dades comuns.
riam outras ocupações além daquela em foco. Laurell et al. (1991), observando o perfil de
Desta forma, optou-se por incluir estado civil morbidade em siderúrgica, mostraram diferen-
no modelo, uma vez que, não sendo fator de ças nas prevalências de doenças comuns em
confusão, alteraria a medida de efeito no senti- relação a antiguidade e setor. À semelhança de
do da hipótese nula. nossos achados, os autores encontraram um
A caracterização da exposição costuma ser risco aumentado de problemas auditivos e res-
um dos aspectos mais difíceis e controversos piratórios em trabalhadores da área industrial.
em epidemiologia ocupacional (Hernberg, Doenças irritativas dos olhos, transtornos men-
1992). Para enfrentar este desafio, utilizaram- tais e fadiga, ao contrário de nossos achados,
se indicadores sintéticos do processo de traba- também foram maiores na área industrial, pos-
lho (Laurell, 1992), complementando-os com sivelmente porque sua comparação não foi
um perfil de cargas de trabalho por setor (Fac- com a administração, mas com trabalhadores

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Tabela 3

Morbidades típicas da administração e os riscos por setor: prevalências, razões de odds brutos e ajustados para fatores de confusão (n=638).

Morbidade Setor P RO Variáveis RO e IC 95%


na equação ajustados

Relacionada
c/trabalho
Irritação, Administração 58,3 1,00 Gênero, idade 1,00
nervosismo Produção 33,8 0,36 0,36 0,21 – 0,61
Apoio 40,6 0,49 0,50 0,29 – 0,84
Manutenção 40,0 0,48 0,48 0,26 – 0,86

Dor nas costas Administração 49,1 1,00 Gênero 1,00


Produção 30,0 0,44 0,57 0,34 – 0,96
Apoio 28,9 0,42 0,51 0,30 – 0,87
Manutenção 30,9 0,46 0,60 0,33 – 1,10

Problemas Administração 54,6 1,00 Gênero, 1,00


nos olhos Produção 22,1 0,24 estado civil 0,21 0,12 – 0,36
Apoio 22,2 0,24 0,22 0,13 – 0,36
Manutenção 28,2 0,33 0,28 0,15 – 0,53

Referida
Dor ou irritação Administração 29,6 1,00 — 1,00
nos olhos Produção 17,1 0,49 0,49 0,29 – 0,83
Apoio 12,2 0,33 0,33 0,18 – 0,61
Manutenção 20,9 0,63 0,63 0,34 – 1,17

Enxergar pouco Administração 40,7 1,00 Idade 1,00


Produção 25,0 0,48 0,44 0,27 – 0,73
Apoio 30,0 0,62 0,60 0,36 – 1,00
Manutenção 25,2 0,50 0,39 0,21 – 0,72

SRQ-20
Cansa com Administração 9,3 1,00 — 1,00
facilidade Produção 10,0 1,09 1,09 0,50 – 2,36
Apoio 4,4 0,46 0,46 0,17 – 1,19
Manutenção 1,8 0,18 0,18 0,00 – 0,84

P – prevalência; RO – “razão de odds”; IC – intervalo de confiança

do apoio que desenvolviam tarefas fora da área a níveis de ruído superiores a 85 db, mostrando
industrial. uma média de perda auditiva maior do que a
Heederik et al. (1990) também encontraram esperada para a idade. A maior importância
um risco aumentado de problemas respirató- dos problemas auditivos na área industrial, em
rios em operários de indústrias de papel, quan- comparação com a administração, é indicada
do comparados com trabalhadores do setor de pela realização de exames audiométricos pe-
serviços. Nejjari et al. (1993) igualmente identi- riódicos exigidos por lei apenas nos trabalha-
ficaram uma alta prevalência de problemas dores do primeiro grupo.
respiratórios em indústrias de papel quando Outro problema aumentado na área indus-
comparadas com outros ramos produtivos. trial quando comparada à administração fo-
O fato de os problemas respiratórios have- ram os acidentes, especialmente queimaduras.
rem sido mais relacionados ao trabalho na área Neste caso, além das particularidades da ativi-
industrial pode ser compreendido pela maior dade, cargas decorrentes do processo físico-
presença de cargas ambientais no setor, como, químico, como, por exemplo, altas temperatu-
por exemplo, poeira, calor, mudanças bruscas ras e substâncias químicas, parecem determi-
de temperatura e umidade, decorrentes dos nantes (Facchini, 1986).
procedimentos físico-químicos utilizados. Apesar da importância das evidências ante-
Em estudo realizado na própria indústria, riores, existem poucos estudos relacionando
Kwitko et al. (1994) encontraram que 88% dos morbidade comum a setor. Entretanto, há indi-
operários da área industrial estavam expostos cações na literatura de que as morbidades dis-

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TRABALHO E MORBIDADE EM INDÚSTRIA DE CELULOSE E PAPEL 305

Tabela 4

Morbidades típicas da área industrial e os riscos por setor: prevalências, razões de odds brutos e ajustados para fatores de confusão (n=638).

Morbidade Setor P RO Variáveis RO e IC 95%


na equação ajustados

Relacionada
c/ trabalho
Dor nas juntas Administração 8,3 1,00 Idade, 1,00
Produção 17,1 2,27 estado civil 2,01 0,93 – 4,35
Apoio 15,0 1,94 1,84 0,82 – 4,11
Manutenção 22,7 3,24 2,63 1,15 – 6,00

Problemas Administração 4,6 1,00 — 1,00


de pele Produção 8,8 1,97 1,97 0,72 – 5,39
Apoio 12,8 3,01 3,01 1,11 – 8,19
Manutenção 11,8 2,76 2,76 0,94 – 8,03

Problemas Administração 6,5 1,00 Idade 1,00


respiratórios Produção 15,8 2,71 2,71 1,17 – 6,31
Apoio 16,7 2,89 2,86 1,21 – 6,77
Manutenção 18,2 3,21 3,42 1,38 – 8,51

Problemas Administração 11,1 1,00 Gênero, idade, 1,00


auditivos Produção 26,7 2,91 estado civil 2,65 1,27 – 5,51
Apoio 23,3 2,44 2,43 1,16 – 5,09
Manutenção 27,3 3,00 2,66 1,20 – 5,92

Referida
Zumbido Administração 4,6 1,00 Idade, 1,00
nos ouvidos Produção 12,9 3,06 estado civil, 2,73 1,01 – 7,37
Apoio 7,8 1,74 CAGE 1,42 0,48 – 4,17
Manutenção 11,8 2,76 2,45 0,83 – 7,28

SRQ-20
Idéias Administração 12,0 1,00 CAGE 1,00
embaralhadas Produção 17,9 1,60 1,48 0,75 – 2,89
Apoio 13,9 1,18 1,03 0,50 – 2,14
Manutenção 23,6 2,26 2,24 1,08 – 4,64

Acidentes
Queimaduras Administração 0,9 1,00 Idade, 1,00
Produção 11,3 13,56 estado civil 14,77 1,96 – 111,20
Apoio 16,1 20,55 21,76 2,90 – 163,40
Manutenção 10,9 13,10 16,65 2,10 – 132,00

Sofreu acidente Administração 7,4 1,00 Idade, CAGE 1,00


no último ano Produção 27,9 4,84 4,79 2,19 – 10,50
Apoio 23,3 3,80 3,54 1,57 – 7,97
Manutenção 27,3 4,69 5,57 2,39 –13,02

P – prevalência; RO – “razão de odds”; IC – intervalo de confiança

cutidas estão fortemente relacionadas ao perfil trial reconheceram estas cargas como proble-
de cargas dos setores estudados. máticas. Por outro lado, os problemas ergonô-
Hernberg et al. (1992) e Levy et al. (1988) re- micos foram extremamente importantes na
feriram que dor nas costas é mais comum em administração, atingindo mais da metade dos
trabalhos pesados do que em leves, embora trabalhadores, podendo justificar o risco au-
também seja causada por trabalho sedentário mentado de dor nas costas no setor.
e condições ergonômicas adversas. Fazer mui- A forte associação de irritação e nervosis-
ta força e sempre repetir os mesmos movimen- mo com a administração parece guardar rela-
tos tiveram um risco aumentado na área indus- ção com as particularidades do processo de
trial em relação à administração. Entretanto, trabalho no setor, especialmente com pressão
apenas 35% dos trabalhadores da área indus- da chefia e trabalho não criativo, com forte

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306 FASSA, A. G.; FACCHINI, L. A. & DALL’ AGNOL, M.M.

presença no cotidiano dos operários. Na área A área industrial caracterizou-se pelo ex-
industrial, as cargas potencialmente relaciona- cesso de problemas auditivos, respiratórios e
das a esta morbidade, como o enfrentamento acidentes possivelmente relacionados com as
de situações de risco, adquirem concretude altas prevalências de ruído, poeira, mudanças
eventualmente, como quando ocorrem emer- bruscas de temperatura e exposição a substân-
gências ou acidentes. cias químicas, além do trabalho físico pesado e
As demandas visuais intensivas, referidas exposição a situações de risco. A administração
como forçar a vista, podem explicar, em parte, apresentou um aumento de problemas nos
a maior freqüência de problemas visuais na ad- olhos, dor nas costas, irritação e nervosismo,
ministração. Neste contexto, um aspecto ocu- que parecem ter relação com a falta de autono-
pacional que tem recebido crescente atenção mia e criatividade no trabalho, problemas er-
como possível causa de problemas visuais é o gonômicos e esforço visual.
trabalho com “terminais de vídeo” (Last, 1992; Estes achados apontam, além das principais
Rom, 1983), mais disseminado na administra- morbidades, cargas de trabalho que, se contro-
ção do que na área industrial, onde a exposição ladas, tornarão o processo de produção mais
restringe-se aos operadores. saudável, fazendo com que este estudo possa
Em síntese, ao longo desta discussão, foi significar para os empresários a oportunidade
possível evidenciar a participação decisiva de de prevenir a ocorrência de danos à saúde dos
setor, como indicador das particularidades do trabalhadores, evitando custos desnecessários;
processo de trabalho, na determinação de para os trabalhadores, o direito de conhecer o
morbidades comuns em operários de uma in- impacto do trabalho sobre sua saúde e para os
dústria de celulose e papel. Além disso, pôde- profissionais de saúde, a possibilidade de rela-
se avançar na caracterização da exposição, exa- cionar de modo mais preciso as morbidades
minando-se a plausibilidade de as cargas de comuns a características ocupacionais.
trabalho típicas de cada setor mediarem o pro-
cesso de determinação da morbidade.

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