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RESENHAS BOOK REVIEWS 2251

TABU DO CORPO. Rodrigues JC. Rio de Janeiro: Bruno Latour e a americana Donna Jay Haraway, no
Editora Fiocruz; 2006. 154 pp. espaço/tempo histórico no qual Rodrigues escreveu
ISBN: 857541-089-X. seu livro, tais oposições serviam de base ao desenvolvi-
mento do raciocínio e colocavam em cena noções-cha-
A ficha catalográfica registra 1980 como o ano da pri- ve e caras ao pensamento das ciências sociais, como a
meira edição de Tabu do Corpo. Assim sendo, sua sé- de dialética. Se de alguma maneira já se aceitava que
tima reedição, já nesse novo milênio, traduz a impor- a estruturação dicotômica era estreita e reducionista,
tância de continuamente disponibilizar a gerações de a recuperação da dialética grega enfatizando a idéia de
estudantes, dedicados ao aprendizado das ciências diálogo, de contraposição e contradição de idéias le-
sociais, um determinado momento da história do pen- vando a outras idéias, e mais ainda, à consolidação do
samento brasileiro acerca das questões que envolvem, método dialético tendo como elementos de esquema
digamos assim, a construção social do corpo. básico a tese, a antítese e a síntese, sob a maior influên-
Não é somente, embora tal já fosse para lá de sufi- cia nas décadas que seguiram a Segunda Guerra Mun-
ciente, ofertar ao público acadêmico um texto didática dial da dialética marxista permeada por alguns elemen-
e intelectualmente bem escrito e pensado, mas permi- tos da dialética idealista hegeliana constituiu o pano de
tir um exercício histórico reflexivo sobre os fundamen- fundo que regeu a maioria das pesquisas centradas no
tos da antropologia no Brasil, num momento em que anthropos, dentro de sua condição de elemento inte-
de dentro da universidade brasileira – sem querer fazer grante de grupos socialmente organizados.
analogia com o título do livro – tabus começavam a ser As oposições apresentadas por Rodrigues que vão
quebrados e os sistemas de significações tomavam seu se desdobrando em outras ao longo de todo o texto
lugar e abriam novas sendas que iriam e continuam a reverberam essa maneira de pensar, colocando o lei-
ser percorridas desde então. tor num redemoinho de termos que ora apresentam
De saída, no que tange a tal aspecto, descobre-se relação de contradição, ora de contrariedade recípro-
em Rodrigues um tipo de associação entre sociologia e ca e, por que não dizer, ora até de complementarida-
antropologia e entre essas e metapsicologia freudiana, de. Nesse sentido, pode-se afirmar que a influência da
fato que, para muitos ortodoxos, sobretudo no que diz lingüística de Ferdinand Saussure, cuja disseminação
respeito à segunda, não passaria de um modismo pas- consensualmente deu início ao que se viria conhecer
sageiro que não traria nenhuma espécie de contribui- como estruturalismo está presente e, por conseguinte,
ção à solidificação e ao desenrolar de conhecimentos retomando-se o que foi dito no início desta resenha,
produzidos por tipos de ciências do homem, tingidas desvendando ao acadêmico de hoje a dinâmica de uma
pelo empírico, expostas às contingências e que episte- determinada maneira de trabalhar as significações e as
mologicamente envolvem o conjectural e a interpreta- representações.
ção. Em História, por exemplo, da mesma maneira que Caminhar pela exposição da sociedade como um
na antropologia de Marcel Mauss, Margareth Mead, sistema de significações, tema do capítulo de abertu-
Mary Douglas e Lévi-Strauss, dentre outros gigantes ra, até se chegar à operacionalização do coletado em
que sustentam as proposições de Rodrigues, as pes- entrevistas para pautar o nojo do corpo é, sem dúvida,
quisas levadas a cabo por Peter Gay mais do que refe- não só transitar pelos fundamentos do pensar sobre
rendam uma aliança, e por intermédio dela um tráfego as sociedades e as culturas humanas e como o corpo
entre fronteiras disciplinares, incluindo-se a psicaná- nelas se situa e por elas é situado, considerando-se as
lise, que hoje se sabe ser inevitável porque é de todo diferentes conceituações do que uma e outra podem
profícuo. querer dizer ou já disseram, mas também apreender
Em seguida, constata-se, exatamente em função do modos e maneiras de se conceber uma antropologia
modelo epistemológico destas ciências, a necessidade social e os pensadores dos quais fez uso para inovado-
da matizar os dados pela teoria, conscientes de que in- ramente, em termos da academia no Brasil, apresentar
gerências exteriores, de cunho das subjetividades indi- a gramática cultural de diferentes sociedades e os sig-
viduais, atravessam todo o processo investigativo. Essa nificados particulares que auferem ao corpo.
não é uma questão nova e, hoje mais do que antes, vem A antropologia, para Rodrigues, e para todo bom
sendo muito equacionada e solidamente argumentada, antropólogo, tem como problema e desafio a relação
mormente dentro de novos parâmetros como os esta- entre a natureza biológica e a natureza social do ho-
belecidos por antropólogos como Rayna Rapp, diante mem. O foco de sua preocupação, todavia, ao enfrentar
de temáticas atuais como os aspectos sócio-culturais tal problema e desafio é de mostrar como a dimensão
do processo saúde e doença e de seu impacto frente às social é a que se apropria desse corpo de modo que a
mudanças trazidas pelos avanços relacionados ao em- presunção de uma “fisiologia cada vez mais fisiológica”,
prego das técnicas de DNA recombinante e sua rever- assim como o de uma “anatomia cada vez mais anatô-
beração mais tangível: o Projeto Genoma Humano. O mica” (p. 116) se torna, para o homem moderno, diante
que cabe sublinhar é a atualidade da discussão levanta- do cientificismo hegemônico, uma espécie de natura-
da por Rodrigues no que tange a pontos e a posiciona- lização do que, na realidade, é relacional e simbólico.
mentos imbricados nos trabalhos de campo, incluindo Assim, a satisfação das necessidades fisiológicas ganha
preciosas exposições em torno da assunção dos riscos dimensões naturais e sua ligação com crenças, misti-
que se colocam para os pesquisadores quando se tem cismo e religiosidade passa a ser acreditada como for-
a pretensão de moldar sistemas de perguntas e se cen- mas primitivas, fundamentalistas e obscurantistas de
trar nelas, quando o melhor a fazer é deixar os sujeitos pensar que são jogadas no mundo das “inverdades”.
observados falarem e procederem da forma a mais livre Nesse patamar não há como discutir que o livro
e aberta possível. de Rodrigues, por meio de suas oposições, referenda-
Se na atualidade, a tecnologia fez implodir a sepa- das nomeadamente pelo autor à dialética, proporciona
ração entre natureza e cultura, sujeito e objeto e assim vislumbrar o quanto um modelo dicotômico de pensar
por diante, como advogam teóricos como o francês ainda nos embasa e o quanto ainda nos é necessário

Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 23(9):2248-2252, set, 2007


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mantê-lo, porque, de certa forma, na busca de expli- ções metafísicas, como querem alguns, mas de realida-
carmos a nós mesmos ainda permanecemos, como des que são objetos de fabulações e cuja materialidade
Rodrigues afirma no término de seu trabalho, tendo a é semiótica e, portanto, simbólica. E, mais uma vez, a
natureza humana como estranha a nós. reedição do livro de Rodrigues nos faz reconhecer que
Também não há como deixar de reconhecer o não existe real sem simbólico e, nessa direção, o quan-
quanto a oposição entre razão e sentidos oblitera que to é importante situar no tempo e no espaço humanos
tanto a primeira quanto os segundos, se são possibilita- aquilo que em conjunto construímos, mesmo quando
dos pelas estruturas biológicas, estão associados à cul- achamos que não somos os outros.
tura que fornece as maneiras como se vê, sente e pensa
o que, por sua vez, faz aflorar novos aromas, sons, vi- Maria Helena Cabral de Almeida Cardoso
Instituto Fernandes Figueira, Fundação Oswaldo Cruz,
sões formadoras de novos corpos, novas lógicas, novos
Rio de Janeiro, Brasil.
universos. Está-se diante da produção não de inven-

Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 23(9):2248-2252, set, 2007

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