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DPSIC – DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA

Edvaldo Melo Colen

DINÂMICA DE PAPÉIS E CONSTRUÇÃO DE IDENTIDADES VIRTUAIS

São João del-Rei


2010
Edvaldo Melo Colen

DINÂMICA DE PAPÉIS E CONSTRUÇÃO DE IDENTIDADES VIRTUAIS

Projeto de pesquisa apresentado como exigência para


obtenção de pontos na disciplina Método de Pesquisa
Qualitativa, sob orientação da Prof. Dra. Kety Valéria
Simões Franciscatti.

São João del-Rei


2010
SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO.........................................................................................................................03

2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA................................................................................................. 04

2.1. É possível falar em socialização e existência virtuais?...................................04


2.2. As bases da construção da identidade virtual num MMORPG.......................06

3. PROBLEMA DE PESQUISA...................................................................................................08

3.1. Delimitação do problema................................................................................08


3.2. Justificativa.....................................................................................................09

4. OBJETIVOS..............................................................................................................................10

4.1 Objetivo Geral..................................................................................................10


4.2 Objetivos Específicos.......................................................................................10

5. MÉTODO..................................................................................................................................10

5.1 Descrição do ambiente do jogo........................................................................10


5.2 Procedimentos de pesquisa..............................................................................11

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................................13

7. CRONOGRAMA.......................................................................................................................14
1. INTRODUÇÃO
O presente projeto visa à continuação de uma pesquisa feita no período de 2009 e 2010, e que
se inseria em um com junto de estudos realizados na Brinquedoteca da Universidade Federal de
São João del-Rei, que, com a atenção voltada para a ludicidade humana busca investigar as
atividades mediatizadas por tecnologias digitais. O cotidiano do homem contemporâneo está
repleto de fenômenos relacionados às Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC),
revelando a necessidade de se conhecer melhor os efeitos de tais artefatos tanto sobre indivíduo
quanto sociedade, uma vez que estes dois elementos são interdependentes. Mais especificamente,
é notável o grande número de sujeitos que dedicam horas de seus dias em atividades relacionadas
a jogos de simulação computacional. Aos milhares, e espalhados por diferentes partes do mundo,
jogadores movimentam recursos, criam novas comunidades online, e suas influências se
estendem à vida off-line.
Uma categoria bastante popular de jogos eletrônicos é formada pelos Massive Multiplayer
Online Role Playing Games1 (MMORPG), nos quais vários jogadores, conectados
simultaneamente através da Internet, interagem em cenários virtuais. Este tipo de jogo é uma
tradução dos tradicionais Role Playing Games para as tecnologias digitais, mantendo a mesma
dinâmica de assunção de papeis e a interpretação de personagens em um cenário desenvolvido
para um fim determinado. O jogo que pretendemos estudar nesta pesquisa é o World of Warcraft
(WoW), pela sua expressiva parcela de jogadores e possibilidades promovidas por seu ambiente
virtual.
Recentemente, Colen e Queiroz e Melo (2009a) estudaram os personagens de MMORPGs.
Estes avatares2, como são chamados, se constituem como uma forma bastante sofisticada que
seus usuários têm de projetarem seus corpos e mentes no ambiente virtual. As opções para a
caracterização destes personagens se multiplicam com os avanços tecnológicos. Pode-se escolher
desde nome e gênero até raças, características físicas, profissões, etc. Após criar seu avatar, o
sujeito imerge em um ambiente vasto, cheio de outros seres com os quais irá interagir, muitos
destes sendo outros jogadores.
O estudo acima referido teve como foco investigar como se dá a construção dos avatares
utilizados pelos jogadores, buscando compreender o que ele projeta nesta identidade virtual, o
que ele leva de sua vida real para o ambiente virtual, e o que ele traz de lá. Por que, dentre tantas

1
Um jogo de interpretação de papéis jogado por vários jogadores online. Disponível em:
http:www.computeandvideogames.com/article.php?id=131791. Acessado em 14.05.2010.
2
No que se refere a computadores, avatares são representações gráficas de pessoas em contexto virtual. Dependendo
da tecnologia podem ser uma simples imagem ou modelos 3D altamente elaborados e detalhados.
possibilidades tal sujeito escolhe aquela representação? As observações feitas revelaram que um
elemento bastante influente na construção do avatar era o ambiente no qual ele se inseria. De
maneira semelhante à realidade concreta, a identidade virtual do sujeito baseia-se na história de
suas interações. Este estudo com os avatares mostrou que sua identidade não é estática,
representada apenas pelas características que lhe foram atribuídas no momento de sua criação,
mas sim, algo dinâmico, que se encontra nas relações estabelecidas com outros elementos do
jogo, com os grupos, e a busca (ou não) de pertença por parte do jogador. Para seguir este
fenômeno utilizaremos a Teoria Ator-Rede, que é um instrumento teórico-metodológico para
seguir redes estabelecidas por elementos heterogêneos, e que considera a sociedade como fruto
de um processo interacional entre humanos e não-humanos.

2. REVISÃO DE LITERATURA
2.1 É possível falar em socialização e existência virtuais?
O que inicialmente estamos definindo como socialização virtual são os processos de
aprendizagem com pares, assunção de novas identidades, comprometimento com tarefas, e
outros processos semelhantes à socialização tradicional que ocorrem em um ambiente
mediatizado por tecnologias digitais.
A complexidade e pluralidade da sociedade em que vivemos nos reeditam sempre que temos a
intenção de pertencer a algum grupo, ao nos abrir para trocas com seus membros, seja
profissionalmente ou por lazer. Há atualmente, até certo ponto, uma mudança no que afirmavam
Berger e Luckman (citados por Belloni, 2008), de que a socialização primária e secundária são
processadas de uma vez. O que vemos hoje é que a socialização, assim como a formação
identidade, se estende por toda a vida.
Belloni (2008) afirma que a socialização é um processo que se desenvolve ao longo de toda
infância e adolescência, não se fechando apenas em instituições como escola e família, e que a
“socialização” em si é um conceito complexo e variando dentro da Sociologia, Antropologia e
Psicologia, e que evoluiu seguindo as mudanças da sociedade. A autora ainda mostra que a
complexidade e dinamicidade do conceito cria a necessidade de ressignificá-lo, através de
perspectivas transdisciplinares. Relatando as mudanças na concepção de socialização, passando
de uma concepção determinista (onde o meio constituia o indivíduo) até visões mais abertas,
considerando o processo como uma negociação entre sujeito e coletivo, a autora traz autores
como Piaget e Vygotsky para demonstrar o importante papel do lúdico neste contexto. A
popularização das TIC na sociedade atual aumenta ainda mais as possibilidades do lúdico para
este sujeito contemporâneo.
No tocante ao processo de socialização da criança, Mead (1997) faz uma contraposição entre
play e game. O primeiro seria uma etapa de ações descoordenadas e individuais na tentativa de
generalizar situações aprendidas através da experiência. Já no game, não há elementos
individualizados. A importância desta modalidade está no fato da criança utilizá-lo para fantasiar
suas experiências, tomando atitudes controladas e organizadas, pois, no game, o jogador
responde por suas ações (Manso & Queiroz e Melo, 2004).
O processo de socialização através das mídias eletrônicas vem sendo estudado nas últimas
duas décadas (Turkle, 1997; Nicolaci-da-Costa, 2002, 2005, entre outros). A rede mundial de
computadores através de sites de relacionamento, blogs, fóruns multiplicam as possibilidades de
contato e pertencimento a grupos. Este admirável mundo novo no qual os sujeitos têm se
inserido oferece espaços para experimentações de si próprios e de outros, criam novas relações
homem-máquina, novas culturas, linguagens, lógicas de aprendizagem e relacionamentos e
influenciam bastante na vida concreta das pessoas, conforme aponta Nicolaci-da-Costa (1998).
Já no contexto dos MMORPGs, vemos que as identidades e papéis assumidos tem recebido
pouca atenção da academia, o que nos leva a contribuir no preenchimento desta lacuna.
A influência tecnológica nas práticas lúdicas atualmente chama atenção pela riqueza de
detalhes que os ambientes virtuais apresentam, bem como a quantidade de recursos investidos
pela indústria dos videogames em seu aperfeiçoamento. Nestes vastos mundos virtuais
encontramos árvores, lagos, montanhas, criaturas e construções que demosntram sofisticação em
termos de design e técnicas em sua construção. Interagindo com tais elementos estão os
jogadores, se projetando através de seus avatares. Como sugere o nome de um dos mais famosos
simuladores, é uma “segunda vida3”, com novos papéis, relações, perspectivas e uma infinidade
de possibilidades de existência virtual. Segundo Yee (2003), um avatar possivelmente é uma
projeção ou idealização da própria identidade, ao passo que para outros é uma experimentação de
uma nova identidade. Há ainda aqueles que consideram o avatar um mero peão, um simples meio
de se atingir um objetivo proposto pelo jogo.
Pierre Lévy (1996) em seu livro O que é virtual? Nos apresenta uma nova visão para o
conceito. Segundo ele, real e virtual não se opõe, mas se completam. Desta maneira, não
podemos considerar a realidade virtual como desprovida de existência. Com o processo de
virtualização o que temos é um deslocamento de identidade, pois o objeto se move no espaço e
no tempo, tornando-se atemporal e ocupando um não-lugar. A falta de materialidade que vemos

3
Referência ao Second Life, que dependendo de seu uso pode ser definido como jogo, simulador, ambiente de
educação à distância, comércio virtual ou rede social.
em ambientes virtuais não significa sua inexistência, pois seus efeitos são percebidos na
realidade concreta, as vezes sendo bastante intensos.
Nicolaci-da-Costa (2005) considera o sujeito contemporâneo como multitarefa, e buscando o
prazer em tudo o que faz online. Ele busca novas formas de ser através de artefatos tecnológicos
que lhe dão acesso a novas realidades. No plano de infinitas possibilidades que é o ambiente
virtual, os sujeitos conhecem poucos limites para seus desejos, o que nos dá indícios de por que
temos um número tão crescente de pessoas que dedicam uma grande parcela de tempo a seus
avatares.

2.2 As bases da construção da identidade virtual num MMORPG


A construção de um avatar envolve o trabalho conjunto de humanos e não-humanos. O sujeito
lhe atribui nome, características físicas, atitudes, e uma gama enorme de outros elementos que
vão tornar aquele avatar único. Contudo, o leque de opções possíveis é dado pelo programa no
qual o avatar será criado. Assim, apensar do usuário contribuir com as escolhas na criação
daquele ser com o qual vai explorar o ambiente virtual, as opções são dadas pela máquina, e é o
resultado desta negociação que será o avatar. Partindo dessa perspectiva, podemos considerar
que, neste contexto de jogos eletrônicos de interpretação de papéis, os avatares se apresentam
como híbridos, mesclas de entidades humanas e não-humanas, e têm a função de permitir acesso
a novos campos de interações, atuações e experiências. Durante a realização de seu estudo,
Colen e Queiroz e Melo (2010), constataram que o ambiente do jogo apenas não determina nas
relações, mas sim os elementos envolvidos nas redes em que estas ocorrem. Latour (2005) toma
emprestado o conceito de plug-ins da informática para denominar os vários elementos
subjetivadores, personalizadores ou individualizadores que, durante nossa existência, vão nos
permitindo o acesso a cada vez mais conexões que nos subjetivam, diferenciam, e alargam nosso
acesso ao mundo. Ao agregar nossas conexões com a realidade concreta e com a virtual,
constituimos para nós papeis dentro e fora do jogo, aumentando nosso leque de possibilidades de
atuação.
Ao flagrar esta dinâmica na observação do jogo World of Warcraft (WoW), verificou-se que a
etapa de definição dos avatares está condicionada à participação em uma guild, um dos três
níveis de organização que os jogadores têm para se agrupar no jogo. O primeiro desses níveis é a
facção, sendo mais amplo e já dado desde o início a partir da raça que o usuário escolhe para seu
personagem. Já o segundo, a “guilda”, tem uma estrutura menor e é criado pelos próprios
jogadores, sendo neste nível do processo grupal que detivemos nosso foco de observação. A
terceira forma de organização é o grupo (party), que também é criado pelos jogadores: é bem
menor e tem uma existência bem mais breve que as outras. Esta é feita momentaneamente, sendo
rapidamente desfeita assim que seus objetivos são alcançados. O grande foco do jogo é a
evolução do personagem, pois quanto maior seu nível, maiores as possibilidades de exploração
e/ou uso de itens. Embora o processo possa ser feito de várias maneiras, a mais comum é por
meio de missões, que dão como recompensa dinheiro, itens, e/ou pontos de experiência.
Algumas missões são muito difíceis para serem realizadas por apenas uma pessoa e, desta
maneira, faz-se necessária a criação de grupos, as guildas em questão. Guilda era um termo
utilizado para definir as antigas associações de artesãos de um mesmo ramo, criadas para garantir
os interesses de seus membros. Assim, como as antigas guildas européias, as guildas de WoW
são associações onde os membros se ajudam em prol de um interesse comum. Os membros de
uma guilda podem repartir dinheiro, recompensas, trocar itens, se ajudar em missões, interagir
através do canal de bate-papo (por voz ou escrita) onde pode pedir ajuda, marcar encontros, ou
simplesmente conversar. A guilda é criada quando a pessoa que será seu o futuro líder colhe dez
assinaturas de possíveis membros e a registra com o Non-Playing Character4 (NPC) responsável
pelo processo. As guildas são grupos de afinidade (Gee, 2007) compostos por pessoas de
diferentes tipos quanto às idades e experiências, que estão juntas por um interesse em comum
para participar de um jogo em particular. Numa mesma guilda, podem estar reunidos um
advogado, um militar, uma dona de casa, o funcionário de uma lanchonete. Nestes grupos, as
pessoas têm a oportunidade de testar suas possibilidades de pertencimento, assim como novas
idéias, sem a pressão que exercem os grupos do mundo físico. Para entrar em uma guilda é
necessário o convite de um dos membros que tenha esta permissão (Rains, 2008).
Com relação à dinâmica grupal, Pichon-Rivière (1988) postula que, durante as interações com
os membros de seu grupo, o sujeito assume papéis que são as maneiras com as quais buscamos
pertencer a determinados contextos. A assunção de um papel vai depender do vínculo que o
sujeito estabelece com outros sujeitos, com o grupo ou objetos (inanimados ou não). Segundo
este autor, este vínculo formado nunca é impessoal e sempre se estabelece em função de outras
relações historicamente acumuladas ao longo do processo de constituição do sujeito. O autor
ainda afirma que “através do vínculo toda a personalidade do sujeito se comunica” (p. 77). Se
buscamos compreender o processo de construção dos avatares dos usuários de um jogo, uma
maneira de fazê-lo seria através da análise dos vínculos e papéis estabelecidos no processo
grupal virtual. Papel e vínculo são dois conceitos que estão interligados, já que ambos se
retroalimentam nas situações em que os membros de um grupo realizam juntos uma tarefa. Essas
inter-relações que emergem entre papéis e vínculos geram uma “pauta de conduta”, princípios

4
Personagens presentes no jogo mas que não pertencem a nenhum jogador.
que vão nortear a maneira com a qual o sujeito vai se relacionar com outros, encenando papeis
de maneira coordenada. Os MMORPGs são como uma tradução feita, para ambientes virtuais,
deste jogo no qual sujeitos assumem diferentes posições para construir suas relações com
elementos presentes em seu campo de atuação.

3. PROBLEMA DE PESQUISA
3.1 Delimitação do problema
Alguns autores têm utilizado os MMORPGs como ferramentas para pesquisas acadêmicas.
Turkle (1997) entrevistou jogadores, constatando que muitas dessas pessoas ampliavam suas
possibilidades emocionais a partir da exploração de diferentes papéis que os MMORPGs
permitem encenar. Yee (2003, 2006) realizou um levantamento de 3500 jogadores de
MMORPGs para estudar aspectos sociológicos e psicológicos destes jogos. Nos estudos
realizados por este autor, muitos jogadores contaram sobre as emoções que viveram durante o
jogo, destacando a sua intensidade. No site The Daedalus Gateway5, Yee apresenta os dados
obtidos como resultados destes estudos, oferecendo um modelo empírico das motivações dos
jogadores para entender como estes diferem uns dos outros e como suas motivações para jogar e
para desempenhar papeis estão relacionadas com o gênero e com os padrões usuais de
comportamentos a serem solicitados no jogo. Através de Yee, tomamos contato com o
empreendimento de Bartle (1996) que criou um teste para analisar a personalidade dos
jogadores, classificando-os em categorias, tais como “explorador”, “socializador”, “matador” ou
“realizador”. Outro autor, Bailenson (2006) apresenta um modelo teórico chamado TSI
(Transformed Social Interaction) que explora as maneiras pelas quais a realidade virtual permite
às pessoas interagir de maneiras que não seriam possíveis face a face. Rains (2008) defende que
os videogames criam uma nova dimensão para que as pessoas experimentem a vida, podendo
explorar, em mundos virtuais, a construção de novas identidades para fazer coisas e conhecer
pessoas que estão fora do seu dia-a-dia. Tomando como foco de estudo os MMORPGs, a autora
destaca que o sucesso de um jogador geralmente depende dos outros, pois os grupos orientam
seus esforços e práticas de associação para objetivos que são comuns.
Esta “socialização virtual” despertou nosso interesse ao vermos dinâmicas bastante peculiares
nas interações entre os jogadores. Nossa imersão no ambiente do jogo levantou algumas questões
a serem investigadas: como se processa a socialização virtual durante a construção de um avatar?
Como o pertencimento a grupos - que possuem determinados objetivos - influencia na assunção

5
www.nickyee.com/daedalus/gateway_identity.html
de um papel a ser desempenhado por um avatar? Desloca-se, nesta proposta, a questão do sujeito
isolado projetando algo de muito particular, mantendo-se ou contrapondo-se à sua identidade
real, para o sujeito articulado e pertencente a um grupo inaugurando a sua identidade virtual. É
no novo grupo que sua identidade virtual vai fazer sentido, uma vez que não estará agindo
sozinho, mas de maneira orquestrada com os outros membros na consecução de um objetivo.
Este objeto que pretendemos estudar nos aponta algumas questões: como o grupo provê
elementos para a construção do avatar? Como os sujeitos buscam tais referências? Como é
realizado o processo de socialização virtual?

3.2 Justificativa
Em um processo cíclico, homens criam técnicas, e essas, por sua vez, recriam homens. Ao
desenvolver um artefato, método, ideologia, o homem amplia seu campo de atuação. Estas
entidades não humanas, ao serem criadas, apresentam novos esquemas e possibilidades que não
estavam previstas no projeto inicial. Neste processo em que tecnologias e sociedade se
influenciam intimamente, observa-se que as mudanças não são apenas a nível concreto,
objetivado, mas também vemos que a subjetividade dos que entram em contato com as técnicas é
alterada. Nesta primeira década do século XXI temos nas Tecnologias da Informação e
Comunicação os maiores representantes desta relação íntima entre técnicas e humanidade. As
TIC nos apresentam novas formas de socialização, novas formas de existência, novas
possibilidades de desenvolver potenciais. Sua presença maciça em nosso cotidiano gera a
necessidade de conhecer estas novas relações estabelecidas, já que cada vez mais pessoas estão
passando horas a fio em função de suas “vidas virtuais”, construindo relações cada vez mais
significativas com estes novos elementos e possibilidades trazidos pelas novas tecnologias.
Tentar compreender este fenômeno é de suma importância para aprofundar nossa visão sobre a
sociedade contemporânea, com os resultados deste estudo esperamos contribuir com o corpo de
pesquisas que vem sendo realizadas acerca deste tema.

4. OBJETIVOS
4.1 Objetivo geral:
Investigar a construção de um avatar à luz da dinâmica de atribuição/assunção de papéis que
ocorre em um grupo que se propõe a cumprir determinados objetivos no cenário do jogo World
of Warcraft.

4.2 Objetivos específicos:


 Verificar semelhanças e diferenças entre o processo de socialização ocorrido na vida real
e aquele que se desenvolve nos ambientes virtuais mediatizados pelas tecnologias
digitais.
 Compreender como se processa essa negociação entre o participante construtor de um
avatar e o grupo no qual está imerso durante o jogo.
 Pensar a socialização virtual como dotada de características próprias, regida por uma
dinâmica singular.
 Observar a dinâmica do processo grupal virtual do jogo.

5. MÉTODO
5.1 Descrição do ambiente a ser estudado
O espaço no qual se movimentam os grupos é o jogo eletrônico World of Warcraft,
considerado um MMORPG. O jogo é da produtora americana Blizzard e foi lançado em fevereiro
de 2004. Para jogar, é necessário o programa que se conecta a uma rede de servidores. O usuário
terá que criar uma conta utilizando o código que é vendido junto com o jogo original, pagando
cerca de 15 dólares mensalmente para ter acesso aos servidores. Em outubro de 2008, WoW foi
considerado o mais popular jogo de sua categoria, com mais de 11,5 milhões de assinantes em
todo o mundo, número que provavelmente está maior hoje em dia. O usuário escolhe entre mais
de 200 servidores para entrar, cada um destes é como se fosse uma cópia do jogo independente
das outras. Um personagem é criado como condição para entrar no ambiente virtual e o jogador
controla, então, este personagem explorando cenários, lutando com várias criaturas, completando
missões, interagindo com outros seres, jogadores e NPCs. Neste processo, seu personagem ganha
pontos de experiência e se torna mais forte. O jogo se passa num mundo fictício chamado
Azeroth e em uma dimensão paralela chamada Outland. Em proporções, os três continentes de
Azeroth juntamente com Outland somariam cerca de 640 km², sem contar a área dos oceanos. O
deslocamento do personagem pode dar-se à pé, por montaria, trem, navio, zepelim e outros
meios de transporte.
Dentre os vários cenários que o jogo possui, há as instâncias (instances). Na maioria das
vezes, estes locais são templos, castelos ou cavernas habitados por seres hostis mais fortes se
comparados aos outros de mesmo nível que residem fora destas áreas. As missões em que é
preciso se aventurar pelas instâncias geralmente são feitas em grupos devido ao seu alto grau de
dificuldade, podendo às vezes serem necessários 40 jogadores para completá-las.
O jogo possui dez raças selecionáveis, divididas entre as duas facções existentes, Aliança
(Alliance) e Horda (Horde), que estão em guerra. Após a escolha da raça, o jogador deve
selecionar uma das nove classes que o jogo possui. A escolha da classe irá determinar todos os
aspectos do jogo para o jogador, tais como habilidades, feitiços, talentos, armas e armaduras a
que terá acesso. No decorrer do jogo o jogador ainda pode escolher algumas profissões, como
pescador, joalheiro, ferreiro, cozinheiro (dentre outras), que o ajudarão a ganhar dinheiro e criar
itens melhores para auxiliá-lo enquanto joga. Como a duração do grupo é curta, caso haja a
intenção de uma organização mais duradoura os jogadores podem criar uma guilda.

5.2 Procedimentos de pesquisa


Uma maneira bastante fecunda de se estudar o fenômeno dos avatares é através da perspectiva
da Teoria Ator-Rede (TAR), que é um instrumento conceitual e prático para seguir os
movimentos traçados nesta construção simultânea de homens e objetos em que materialidade e
socialidade se mesclam, tendo como resultado a nossa condição de humanidade (Law & Mol,
1995).
Segundo a TAR, nenhuma característica é inerente a algo ou alguém. Ela se dá a partir de
relações e transações entre elementos, não sendo assim pré-estabelecida nem eterna. Tudo que se
tem são interações, pontos em uma rede que influenciam os demais a partir de sua capacidade de
se estabilizar, expandir e reproduzir. Não apenas pessoas são elementos dessas interações, mas
também os objetos, máquinas, idéias, pautas, organizações, todos causando e sofrendo efeitos.
Seguindo esta lógica, entendemos que o sujeito se constitui a partir das conexões que estabelece
com outros, na necessidade de que algo lhe mostre os limites e as possibilidades de sua
existência, para que ele se reconheça como tal (Colen & Queiroz e Melo 2009b).
Em Latour (2006), encontramos a expressão “Estudo Ator-Rede” para designar um tipo de
investigação que visa o mapeamento de situações de um social que não é anterior nas relações
entre os atores, mas definido como algo em constante modificação, fato que vem quebrar as
certezas sobre a composição do mundo em que vivemos. Para o autor, um mundo em constante
mudança exige outros métodos de investigação que possam dar conta de campos ainda não
explorados, de exigências que se tornam urgentes.
Como se trata de uma pesquisa que visa compreender um fenômeno que se dá entre as
realidades real e virtual, faz-se necessária a inserção do pesquisador no ciberespaço6. Para
realizar as observações, bem como as entrevistas, continuaremos utilizando uma metodologia de
pesquisa em Internet que foi denominada por Kozinets (1998) como “netnografia”. O autor
afirma que o método netnográfico é interpretativo e claramente inspirado nos métodos da
antropologia. Desta maneira, é de suma importância que o pesquisador esteja totalmente imerso

6 “Espaço de comunicação aberto pela interconexão mundial dos computadores e das memórias dos computadores.” (Lévy, 1999,
p. 92).
na cultura que deseja estudar, chegando ao ponto de ser reconhecido como membro. Ele deverá
também conhecer a linguagem e os símbolos dessa cultura para poder traduzi-los a partir de suas
interpretações. Esta metodologia encontra pontos de encontro com a Teoria Ator-Rede que
preconiza um movimento de simetria entre pesquisado e pesquisador, ambos na condição de nós
numa rede muito heterogênea de materiais, pessoas, técnicas das quais emerge o fenômeno
estudado.
Imersos no ambiente virtual, buscaremos permissão de alguma guilda para que possamos
acompanhá-la durante algum período. Explicitaremos a natureza da pesquisa e após algum tempo
de observação (e interação) convidaremos alguns sujeitos para participarem de entrevistas semi-
dirigidas a serem realizadas no próprio ambiente do jogo. Para participar destas entrevistas, após
ser esclarecido sobre os objetivos e métodos da pesquisa, o sujeito, deverá, através do chat do
jogo, declarar que é maior de idade, entender a finalidade e os procedimentos do estudo, sabendo
que sua identidade será preservada e que aceita participar da pesquisa. Esta declaração será
gravada através de um print screen como uma forma de termo de consentimento livre após
esclarecimento. Ressaltamos que, pela própria dinâmica do ambiente, a identidade do sujeito fica
protegida atrás de seu avatar e que a tentativa de outras formas de contato além daquele através
do jogo poderia prejudicar este anonimato.
As narrativas coletadas nestas entrevistas nos oferecerão dados cuja análise será feita com
base no Método de Explicitação do Discurso Subjacente (MEDS)7 utilizado por Nicolaci-da-
Costa (2007) tendo a defesa de que com ele é possível fazer generalizações com amostras de
pequeno porte devido às suas bases exigentes e também pela proximidade que este processo tem
com sua validação. Pelo MEDs, poderão ser feitas análises inter-sujeitos e intra-sujeitos para
verificar inconsistências e contradições nos depoimentos de cada sujeito e nos do grupo.

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Belloni, M. L. (2007) Infâncias, Mídias e Educação: revisitando o conceito de socialização. In:
PERSPECTIVA, Florianópolis. Vol.25, n.1, 57-82, jan./jun.

Bailenson, J. N. (2006) Transformed Social Interaction in Collaborative Virtual Environments


Retirado de: http://vhil.satanford.edu/pubs/2006/bailenson_social_interaction em 21.04.2010.

Bartle, R. (1996) Hearts, clubs, diamonds, spades: players who suit MUD’s. Retirado de:
http://www.gamerdna.com/bartle.php em 23.04.2010.

7 Ver Nicolaci-da-Costa, 2007.


Colen, E. M. & Queiroz e Melo, M. F. A. (2009a) Nas trilhas dos Avatares: o lúdico nas
tecnologias digitais como um multiplicador de possibilidades do sujeito contemporâneo. In:
Anais do SCGames - I Simpósio Santa Catarina Games, 2009, Florianópolis.

Colen, E. M. & Queiroz e Melo, M. F. A. (2009b) Os avatares como elementos lúdicos de


resistência criativa na construção dos sujeitos contemporâneos.’ In: XIII Colóquio
Internacional de Psicossociologia e Sociologia Clínica 2009, Belo Horizonte. Anais.

Colen, E. M. & Queiroz e Melo, M. F. A. (2010) Relatório semestral de pesquisa PIBIC CNPq.

Gee, J. P. (2007) What video games have to teach us about learning and literacy. New York:
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Nicolaci-da-Costa, A. M. (1998) Na Malha da Rede: Os Impactos Íntimos da Internet. Rio de


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Nicolaci-da-Costa, A. M. (2005) Primeiros contornos de uma nova "configuração psíquica".


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www.fancifulmind.com.MMAS_490_Research_paper.pdf em 27.04.2010.
Turkle, S. (1997) Life on the Screen: identity in the age of the Internet. New York: Toutchstone.

Yee, N. (2003) Life as a Guild Leader. The Daedalus Project. Retirado de


www.nickyee.com/daedalus/ em 05.05.2010.

Yee, N. (2006) An Etnografy of MMORPGs Wedings. The Daedalus Project. Retirado de


www.nickyee.com/daedalus/ em 05.05.2010.

7. CRONOGRAMA
Primeira etapa: Seleção, leitura e sistematização da bibliografia utilizada.
De fevereiro de 2011 a janeiro de 2012.
Segunda etapa: Inserção em grupos e observação do processo grupal.
De março de 2011 a agosto de 2011.
Terceira etapa: Elaboração do roteiro para entrevistas e realização das mesmas.
De maio de 2011 a agosto de 2011.
Quarta etapa: Sistematização e análise de entrevistas.
De julho de 2011 a janeiro de 2012.
Quinta etapa: Elaboração e divulgação dos resultados parciais.
Em julho de 2011.
Sexta etapa: Parte final do projeto.
Em janeiro de 2012.

PLANO DE TRABALHO DETALHADO.


Primeira etapa: Seleção, leitura e sistematização da bibliografia utilizada.
1. Seleção do referencial teórico sobre ciberculturas, avatares, lúdico, jogos eletrônicos, Teoria
Ator-Rede, socialização, processo grupal, vínculo. 2. Seleção do referencial teórico sobre textos
que tematizam as influências das tecnologias na subjetividade, mais especificamente a Internet.
3. Seleção do referencial teórico sobre métodos de entrevista via Internet. 4. Leitura e
fichamento dos textos para apreensão dos conteúdos estudados. 5. Apresentações de textos pré-
selecionados durante as supervisões.
Segunda etapa: Inserção em grupos e observação do processo grupal.
1. Criação de um avatar (ou avatares) no jogo (ou jogos) selecionado para ser utilizado na
observação e nas entrevistas no ambiente virtual do jogo. 2. Inserção em um grupo. 3.
Observação da dinâmica do grupo. 4. Sistematização e análise das informações obtidas.
Terceira etapa: Elaboração do roteiro para entrevistas e realização das mesmas.
1. Elaboração de um roteiro para ser utilizado nas entrevistas. 2. Realização de entrevistas com
os sujeitos convidados visando à coleta de dados que explicitem elementos para a reflexão das
questões pesquisadas.
Quarta etapa: Sistematização e análise de entrevistas.
1. Leitura das entrevistas e análise das mesmas com base no MEDS para a análise dos dados
pesquisados.
Quinta etapa: Elaboração e divulgação dos resultados parciais.
1. Elaboração do relatório parcial a ser enviado aos órgãos avaliadores. 2. Organização e
apresentação dos resultados parciais aos orientadores e estagiários do LAPIP – Laboratório de
Pesquisa e Intervenção Psicossocial.
Sexta etapa: Parte final do projeto.
1. Devolutiva aos entrevistados a respeito do trabalho realizado; 2. Elaboração e apresentação do
relatório final; 3. Divulgação dos resultados da pesquisa em eventos científicos regionais,
nacionais e internacionais. 4. Produção de artigos com resultados da pesquisa.

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