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1. Introdução
A profunda ligação de sua filosofia com a sua arte poética vai ocasionar
uma linguagem totalmente articulada com o seu conteúdo filosófico. É a partir de
manifestações artísticas e conteúdos filosóficos que Nietzsche vai iniciar sua
reflexão em “O nascimento da tragédia”.
“O nascimento da tragédia” está associado tanto à filosofia de Schopenhauer
através do seu conceito de vontade, mas principalmente à musica de Wagner - a
quem ele dedica o prefácio do livro - em seu aspecto de uma possível
redescoberta neste autor da musica trágica.
Estas associações, no entanto, não significam que exista simplesmente uma
assimilação desta ou daquela tese do filósofo ou do compositor citados; pois sua
principal questão, como já relatamos, diz respeito da arte como a forma para o
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aparecimento da realidade, com a sua firme convicção de que a arte e
principalmente a música é a atividade propriamente metafísica da vida.
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Nietzsche observa neste primeiro momento de “O nascimento da tragédia”
que a musica de Wagner tem a mesma postura corajosa da tragédia grega
perante o drama da existência, pois ela busca romper com as ilusões
consoladoras alimentadas pela religião.Desta forma, a dupla de autores, Wagner e
Schopenhauer fazem parte do “sublime” caminho precursor de uma abordagem
estética do movimento do aparecimento da realidade, presente nesta reflexão de
Nietzsche.
É a partir de considerações filosóficas acerca da tragédia na Grécia Antiga, e
desta dupla de autores que Nietzsche vai propor que a manifestação da arte
trágica traz consigo toda uma abordagem da construção da realidade que se dá
através dos impulsos apolíneos e dionisíacos.
Estes dois impulsos vão ser fundamentais na construção da tragédia grega.
O impulso apolíneo vai desempenhar um papel dentro de uma dimensão dos
sonhos e das artes plásticas, enquanto o impulso dionisíaco, assimilado a partir
dos rituais dos povos bárbaros, dentro de uma dimensão de embriaguez, vai
propriciar a perda das barreiras da individuação, com a consequente ameaça da
aniquilação do indivíduo. Este espírito dionisíaco estaria reaparecendo na musica
composta por Wagner, que é assim descrita por Nietzsche em “Richard Wagner
em Bayereuth”:
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no qual os sofrimentos fazem com que o prazer se mostre estaria sendo
reencontrada na musica de Wagner:
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em contrapartida o consolo metafísico de uma possibilidade de existência futura
cheia de alegria e felicidade.
Desta forma, Nietzsche afirma que a doutrina do Cristianismo é incapaz de
levar a humanidade para um novo período e para uma nova maneira de pensar
porque está fossilizada num dogmatismo que foi incorporado e tem sua origem em
Platão. Esta submersa nesta dualidade metafísica que separa o corpo da alma, a
matéria do espírito, o sensível do inteligível, o mundo atual de sofrimento de um
mundo futuro de alegria. Portanto, para que se possa usufruir uma existência
“dionisíaca” é necessário que se modifique este panorama dado pela tradição e
pelo cristianismo com a implosão deste dualismo. É necessário que se assuma
como novo pano de fundo, não a promessa da vida futura, mas sim, o
reconhecimento do terror e o absurdo da existência. Que se reconheça a vida no
que ela tem de mais alegre e exuberante, mas também de mais terrível e
doloroso.Assim, Nietzsche entrelaça a filosofia com a arte, pois é preciso aceitar a
vida no que ela tem de melhor e mais belo, porém também é preciso aceitar o
horrível e doloroso, fazendo que a atividade filosófica sobre a existência do
homem deve ser a arte, pois:
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“-um “deus”, se assim se deseja, mas decerto só um deus-artista
completamente inconsiderado e amoral, que no construir como no destruir,
no bom como no ruim, quer aperceber-se de seu idêntico prazer e
autocrítica, que criando mundos, se desembaraça da necessidade da
abundancia e superabundância, do sofrimento das contraposições neles
apinhadas”. (NNT, 18).
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resposta aos sintomas de uma sociedade “romântica” que se encontra num estado
de prostração em todos os setores da vida social, mas, sobretudo na área da arte,
envolvida nas teias do que hoje chamamos de “industria cultural” que perpetua um
ideal de homem adaptado aos padrões de moral de uma sociedade de massa,
num processo de internalização e espiritualização da crueldade.
Esta “alma” que faz parte da dualidade platônica entre corpo e alma, como
veremos adiante, está inserida dentro de uma racionalidade dada pela
linguagem.Esta dualidade tem que ser implodida com o afastamento da promessa
de uma vida futura, da idéia de que a vida “aqui e agora” é indigna de ser
desejada.Para Nietzsche, a vida tem um forte caráter de “amoralidade”, e esta
moral cristã está sempre impregnada de uma falsa moralidade, de uma negação
da própria vida, de uma necessidade de dissolução da vida, sempre aparecendo
como sendo o começo de um determinado fim.
Assim, num movimento em prol da vida, a tragédia grega aparece como
uma contra-doutrina e uma contra-valoração deste tipo de vida, que Nietzsche
chama de “romântica”. E neste movimento puramente artístico, temos o que
podemos chamar de uma “vontade de vida”, uma vida que deve ser vivida neste
mundo, numa vida que reconhece a dor da existência, que não necessita do
consolo metafísico de outros mundos.Uma vida que não necessita seguir às
regras morais que foram criadas pelos homens mais que atingiram o caráter de
leis divinas e às quais somos impingidos de acatar e de temer.Uma “vontade de
vida” que se afirma e se reconhece na dissolução da sua individualidade e na
perda da sua forma ao encontrar a unidade:
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“A afirmação da vida, também nos seus mais estranhos, mais árduos
problemas, a vontade de viver fruindo o sacrifício dos mais altos tipos
produzidos pela sua inexauribilidade, isso tudo era para mim dionisíaco, era
a ponte de passagem para chegar a psicologia do poeta trágico. Contudo,
não para libertar-se dos temores e da piedade, não para purificar-se de uma
paixão perigosa como um gesto violento (...) mas sim, por ser ele mesmo,
acima do temor e da piedade, a eterna alegria do porvir, aquela alegria que
encerra em si também a alegria da destruição”.(NEH, 78).
Uma vida a ser vivida aqui e agora, e que se afirma em seus árduos
problemas, na afirmação de uma vida na dor do viver que estava claramente
contraposta pelos gregos ao observarem a plenitude da existência dos deuses
gregos sob o radioso clarão do sol. Ai está o nascimento da dor nestes homens
homéricos, que ao se verem impossibilitados de uma existência igual à dos
Deuses, ao invés de ficarem se lamuriando e voltarem-se para a promessa de
uma vida futura pegam os dizeres de Sileno:
2. A tragédia dionisíaca
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montanhas cobertas de neve para executar correrias e danças frenéticas
(oreibasia) ao som de flautas e tamborins. Estas mulheres chamadas de
“bacantes” apanhavam um animal e o dilaceravam (sparagmos), e comiam-no cru,
(omophagia) alcançando assim um estado de êxtase.
Existem ainda referencias à grupos de mulheres embriagadas ou simulando
que se encontravam "possuídas", endemoninhadas, lançando sobre si cinzas e
pó, estas seguidoras de Dionísio refugiavam-se em locais ermos para, em contato
com o ar livre e a natureza selvagem, exorcizar a "possessão". Estes grupos
femininos que perambulavam pelas montanhas e bosques num estado de
permanente frenesi, alimentando-se de ervas, bagas silvestres e leite de cabra
selvagem, porém segundo o senso comum era Dionísio que as alimentava. A
mulher atingida por esta possessão visualizava estranhas figuras, ouvia o som de
flautas e caia num profundo paroxismo, sendo atacada por um furor irresistível de
dançar.
Nietzsche apresenta a dança como sendo a própria vida, pois assim como a
vida, a dança é sempre movimento, sempre mutável.Esta característica da vida
aparece com incrível clareza na seguinte passagem:
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manifestações de uma “vontade de viver” que foram aprisionadas pela moral, pelo
preconceito e pela racionalidade da Modernidade.
Esta modalidade de teatro teve no início uma forte rejeição dos governantes
e dos sacerdotes na aceitação do novo culto, porém com o decorrer dos tempos
Dionísio tornou-se cada vez mais "respeitável". As festas dionisíacas
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transformaram-se num ritual cada vez mais organizado e disciplinado, recebendo
uma cuidadosa atenção das autoridades civis e religiosas.
Assim, Apolo, o deus símbolo da beleza e da inteligência, estendeu
finalmente seus braços para Dionísio dando origem à tragédia grega dentro de
uma dualidade consciente-inconsciente, racionalidade-horror; claridade -
escuridão. Outro elemento que resultou no texto trágico foi a evolução dos
ditirambos - as canções dedicadas a Dionísio - que passaram a ser regularmente
interpretado pelo côro, celebrando o começo da Primavera e a florescência das
videiras, sendo alegres ou tristes conforme a disposição das bacantes.
Os atores, sempre homens, apresentavam-se com Personas, com máscaras,
não revelando sua verdadeira identidade (hypocrites). A idade, o sexo, a
importância social e o estado espiritual de cada personagem vinham, por assim
dizer, "escrita" na máscara. Ela tinha que ter uma expressão (tristeza, alegria,
pavor, etc..) claramente identificada pelo público, sem pairar nenhuma dúvida sob
qual tipo de emoção o personagem se encontrava dominado naquele momento do
ato.
Para Aristóteles, a tragédia seria uma representação imitadora de uma ação
séria, concreta, de certa grandeza, representada, e não narrada, por atores em
linguagem elegante, empregando um estilo diferente para cada uma das partes, e
que, por meio da compaixão e do horror provocaria o desencadeamento liberador
de tais afetos.Assim a tragédia é vista como um meio de se obter a catarse, isto é
a purgação das emoções dos espectadores.
Esta catarse aparecia pelo fato da platéia ao assistir as terríveis dilacerações
do herói trágico, sensibilizava-se com o horror que a vida dele se tornara, sentindo
uma profunda compaixão pelo infausto que o destino reservara ao herói.O público
passava assim por uma espécie de exorcismo coletivo.
A associação da tragédia à purgação, aparece em Nietzsche como a
explicação de como a encenação dramática propiciou aos gregos a expelirem
suas próprias dores e sofrimentos com relação à existência ao assistirem o
desenlace do drama trágico.
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“O encantamento é o pressuposto de toda arte dramática. Nesse
encantamento o entusiasta dionisíaco se vê a si mesmo como um sátiro e
como sátiro por sua vez contempla ao deus, isto é, em sua metamorfose ele
vê fora de si uma nova visão que é a ultimação apolínea de sua condição.
Com essa nova visão o drama está completo”.(NNT, 60).
Esta tragédia tem um fundo profundamente mítico como pode ser verificado
em Xenofonte na parte final da "Anábasis". Neste drama ele aborda a importância
do ritual interpretativo da análise das vísceras de um animal sacrificado para
decidir o destino da tropa que ele comandava, alertando os seus leitores para os
perigos que incorrem aqueles que não observam os augúrios.
Porém, apesar dessas pulsões do irracional foi inegável o impacto do
pensamento racionalista sobre a sociedade grega em geral, fazendo com que o
domínio dos mitos fossem superados pelo domínio da razão a partir da influência
de Sócrates, o maior dialeta ateniense, e seu jovem discípulo Platão.
Como veremos adiante, esta desagregação que ocorreu com a tragédia
grega, que Nietzsche considera a melhor expressão da vitalidade da existência,
deveu-se ao espírito excessivamente inquisidor, ou seja, a racionalidade de
Sócrates. O filósofo ao querer saber a origem dos comportamentos morais, ao
exigir, para todas as sensações, uma explicação lógica, inibiu a espontanêidade
necessária à representação dramática. O socratismo teria sufocado a livre
manifestação dos instintos básicos, numa clara tendência anti - dionísiaca, que
Nietzsche chama de socratismo estético cuja lei seria algo como:
“Tudo deve ser inteligível para ser belo”, como sentença paralela à
sentença socrática; “só o sabedor é virtuoso”.(NNT, 81).
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que dedicou notáveis observações em seus estudos sobre a tragédia, viu a
crescente polarização entre o protagonista e o côro uma afirmação hipostasiada
da relação social: o conflito entre o herói aristocrático e a comunidade plebéia.
Esse enfrentamento, na antiga tragédia, favorecia e destacava
dramaticamente o herói na medida em que ele era a exclusiva vítima de um
destino ingrato e cruel, atraindo para si as atenções do auditório, com o côro num
papel relevante interferindo na ação. A partir da dialética socrática o cõro acaba
por desaparecer, se reduzindo a nada, limitando-se a simples evoluções
coreográficas para marcar os intervalos correspondentes aos entreatos nas peças.
É importante, observar, no entanto, que a tragédia que tinha dado espaço a
uma nova modalidade de teatro, a saber, a comédia, já se encontra totalmente
desaparecida quando do advento do Cristianismo, mas mesmo assim, os autores
cristãos definem a tragédia como um gênero pertencente exclusivamente ao
mundo pagão.
Podesse então, utilizar o cristianismo, com sua doutrina de uma alma
pecadora que atinge sua redenção por uma graça de Deus, como o contraponto à
tragédia, pois nela, não há salvação nem perdão para o herói trágico. Assim, a
tragédia, só foi possível na cultura pré-cristã que desconhecia os princípios do
arrependimento e da absolvição, ou o gesto inesperado e miraculoso da graça
divina, que é combatida com extrema firmeza por Nietzsche.
3. A tragédia grega
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“O poder natural dionisíaco é aquele que impele para a unidade, para
aquilo que está além da personalidade, do cotidiano, da sociedade, da
realidade; que vai através do abismo da transitoriedade, num apaixonado e
doloroso transbordamento na escuridão, no estado mais completo e
arrebatado, numa afirmação do êxtase do caráter total da vida e como ela
permanece a mesma através de todas mudanças, e nesta grande divisão
panteísta entre alegria e tristeza, santifica e chama de bom, mesmo as mais
terrível e questionáveis qualidades da vida, nesta eterna força da criação,
nesta frutificação, nesta recorrência, neste sentimento da unidade
necessária para a criação e destruição”.
“O poder natural “apolíneo” significa o ímpeto para a perfeita auto-
suficiência, para o típico individuo, para tudo que simplifica, distingue, torna
mais forte, clarifica, tira a ambigüidade, enfim uma liberdade guiada por uma
lei”.
“Para o total desenvolvimento da arte é necessário juntar o
antagonismo entre estes dois poderes artísticos naturais assim como para o
pleno desenvolvimento do homem deve ser feito através dos sexos”.(NWP,
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desapareça com a conseqüência ameaçadora de o individuo se perder dentro da
natureza, numa total desintegração que o faz voltar às origens, para o nada, para
o vazio, para a falta de fundo, para o transbordamento na escuridão.
A importância descrita no “amarramento” destes dois poderes antagônicos
está que sem a dimensão apolínea, haveria o risco do elemento dionisíaco
dissolver todo o modo de vida grego, pois se Dionísio predomina com o seu efeito
avassalador, a vida perde toda a sua forma, se perde a si mesma.
Esta passagem da formas apolíneas para as formas dionisíacas e vice
versa é o que consideramos o movimento da realidade, ou ainda, é este o culto a
Dionísio que após a dissolução do ser traz de volta às formas apolíneas.
As artes plásticas, produzida pelo homem artístico, têm o modo de ser
apolíneo. O artista, assim como Apolo, está sempre produzindo forma, está de
uma certa maneira pegado às formas, mas sem, no entanto, em momento algum
parar para se perguntar se ela equivale a alguma coisa, ou seja, não está na
busca da substância, da essência que se encontraria por detrás da aparência. Ele
vive imerso nesta aparência, no seu movimento de aparecimento, sem se
preocupar se existe algo além.Podemos dizer que de uma certa perspectiva, ele é
até ingênuo, o elemento apolíneo pode ser representado como a musica da lira,
que possui uma forma bem definida e que têm as suas notas musicais facilmente
distinguíveis.
O culto a Dionísio traz toda a dissolução, a destruição da multiplicidade e da
forma, o elemento dionisíaco é para Nietszche, uma das características do homem
filosófico que sabe que a essência não é uma coisa atrás das aparências, e que
por traz da aparência está o “nada”, ou seja, só existe a forma e não tem nada por
traz da máscara da aparência.A vida é vista numa perspectiva de dança, de
movimento, sem metas e nem formas, tal qual a musica dionisíaca que no seu
aspecto apresenta - se sem uma forma definida, como no exemplo do som
continuo da flauta.O elemento dionisíaco acaba com o véu de Maia, o véu da
ilusão, do sonho proporcionado por Apolo, fazendo com o homem possa saborear,
mesmo que por um simples momento, a unidade que está presente na natureza.
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“(...) algo jamais experimentado empenha-se em exteriorizar-se, a
destruição do véu de Maia, o ser uno enquanto gênio da espécie, sim, da
natureza”.(NNT, 35).
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Apolo não só é o deus das artes plásticas, mas também o deus onírico, pois
existe uma forte e imensa relação entre a arte e a bela aparência do mundo do
sonho, pois não apóiam-se nas formas que nos oferece a realidade.A produção
desta “bela aparência”, a partir desta não materialidade é a forma de aparecimento
da realidade, fazendo com que todo ser humano seja um artista consumado.
Apolo é, portanto, o criador da “bela aparência”, que além de ser uma
precondição para toda produção da arte plástica é o que dá forma ao mundo
efetivo, tornando o mundo mais simples e mais claro.
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outro.Portanto a essência não pode nunca ser vista como uma propriedade, um
atributo real e sim como um ultrapassamento de uma determinada configuração
na sua objetividade para se realizar num modo de ser possível, numa determinada
perspectiva.
Esta perspectiva determina o modo de ser da realidade que está associada
ao mundo do sonho e de um modo totalmente averso ao senso comum, onde o
sonho é uma produção imaginária e a realidade é assumida como algo totalmente
objetivo, algo vigente em si e por si.Esta perspectiva está também ligada ao fato
de que a imagem é sempre a imagem de alguma coisa em seu aparecimento, que
só será comunicada através da linguagem.
Esta linguagem está presente nas diversas formas de descrição do
fenômeno em sua aparição que depende de uma perspectiva, Gilvan Fogel nos
fornece o exemplo das diversas perspectivas pelos quais pode ser comunicado o
fenômeno de aparecimento de uma laranja, na perspectiva de um agricultor que
está preocupado com o aspecto econômico do seu plantio, esta laranja com
certeza não é a mesma que a perspectiva de um consumidor interessado em seu
sabor e aspecto, ou o de uma criança brincando com a laranja como se fosse uma
bola. Ou seja, qualquer das descrições não consegue se confundir simplesmente
com o próprio fenômeno “laranja”, ou ainda:
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Desta forma, podemos dizer que a realidade não esta sempre dada a priori
e já decidida em seu teor ontológico próprio, mas sim nesta transposição
metafórica que tem claramente um caráter ilusório.
A dimensão onírica do elemento apolíneo está na própria determinação dos
acontecimentos artísticos em sua produção de configurações possíveis da
realidade, pelo fato de, assim como as metáforas, apresentar uma apreensão de
caráter sensível desta produção.Pois a arte se constrói a partir de uma perspectiva
da atividade criadora, no movimento de trazer algo do não-ser absoluto até a
vigência de seu ser.Não é uma mera transformação de um ente simplesmente
dado e sim a produção poética, fazer uma poesia, produzir alguma coisa, colocar
algo no aparecimento, transpassa toda e qualquer dimensão da realidade em
geral, numa certa dinâmica de construção de formas.
O artista não trabalha com a realidade exterior subsistente em si mesma,
mas em uma pura dinâmica de construção, em um movimento poético junto à
produção da bela aparência do mundo dos sonhos, ao que chamamos de arte da
configuração, sendo que a bela aparência que está presente no mundo dos
sonhos não tem procedência a algo externo a este mesmo movimento.
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Esta bela aparência presente nas formas apolíneas diz respeito à
configuração de uma realidade que não nasce de uma total disposição para o
processo de construção de formas ou para o seu desvelamento, ou como nos
ensina Heráclito ao dizer que a natureza tem a incrível capacidade de esconder-
se, ou em outras palavras, que a natureza dispõe-se afetuosamente para o
velamento.
Desta forma, é através do mundo onírico que a arte interpreta a vida,
com base nos sonhos, exercita-se para a vida, para a realidade da existência.
“Nem a vista é o sol, nem o é o olho, onde a vista se forma. Muito bem!
E o poder que o olho possui não lhe vem do sol, como uma emanação deste.
Não é também verdade que o sol, que não é a vista, mas seu principio, é
percebido por ela?” (Platão, Republica, Livro VI).
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desveladora do sol.Desta forma, assim como o sol não constitui a visão, ele
apenas suporta ontologicamente o seu pleno desenvolvimento, o elemento
apolíneo da tragédia grega suporta ontologicamente o aparecimento das formas
na realidade.
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sentado em seu bote, confiando na frágil embarcação; da mesma maneira,
em meio a um mundo de tormentos, o homem comum permanece sentado,
apoiado e confiante no princípio de individuação”. (NNT, 30).
Enfim, podemos dizer que Apolo, como deus dos sonhos, das artes e da
individuação, é o responsável por todas as forças de configuração, delimitando o
ente como tal, num processo que não se dá a partir do próprio ente, mas sim a
partir de um processo criativo de produção que se desenvolve através das
potencialidades poéticas e se explicita na evidencia e distinção que o ente
encontra na bela aparência.
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A este terror juntamente com a ruptura do principio de individuação, segue-
se um estado de alegria e euforia, que revela o elemento dionisíaco em sua
perfeita analogia com a embriaguez, em que o principio da individuação perde sua
eficácia e as barreiras entre as dimensões humana e natural são rompidas.Os
indivíduos humanos se misturam em meio à natureza, num estado de completa
indiferenciação.
Este pavor monstruoso esta na perda de si mesmo e na supressão radical
de toda logicidade racional trazida pelo processo de configuração apolíneo que
propiciou uma certa nitidez ontológica, aonde neste processo de individuação, o
ente se reconhece como idêntico a si mesmo e diferente dos outros entes.O
elemento dionisíaco ao dissolver todas as configurações acarreta no indivíduo
este pavor monstruoso da perda de si mesmo e da supressão de sua
racionalidade.
Portanto, Dionísio está muito mais direcionado a destruir de tempos em
tempos a individuação, mas não num sentido de uma nadificação, porque este
desespero e pavor vão se transformar em embriaguez, sendo importante notar
que enquanto no sonho, o êxtase atua sobre todas possibilidades, com domínio
das obras ali geradas.No estado dionisíaco, ao contrário do apolíneo, o poder de
transfiguração acontece a partir da integração máxima entre homem e natureza,
num processo em que se perde toda a capacidade de configuração do real, à
medida que o principio da individuação foi dissolvido.
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do cotidiano, da sociedade, nesta vontade de vida, nesta eterna força necessária
para a criação e destruição.
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6- O espírito da musica como princípio da vontade
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“(...)como condição preparatória do ato de poetar, não uma série de
imagens, com ordenada causalidade dos pensamentos, mas antes um
estado de ânimo musical.”(NNT,44)
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estabelecimento de uma certa disposição de toda a sensibilidade, de uma
certa afecção de todo ânimo”.(MC, 42).
O que significa que uma ação é sempre apresentada a partir de uma pré-
disposição, seja ela de tristeza, alegria, etc; que marca tanto o caráter originário
da ação, mas também a identidade própria a cada transposição metafórica.Esta
pré-disposição é responsável pelo espaço ontológico para o surgimento da ação,
ou seja, as disposições desempenham um papel decisivo na concretização do
nosso ser, o movimento de concreção da vontade.
Então, para cada instante em que a realidade se apresenta, ela descobre a
si mesmo enquanto vontade.A vontade é metafísica, e se encontra para além do
processo de individuação, sendo que o plano metafísico esta numa absoluta não
fenomenalidade.
No entanto, isto não significa uma total separação entre os dois mundos,
como numa mera dicotomia entre ser e aparência, ou mundo das idéias e das
coisas, e sim numa articulação entre os dois a partir da “amarração” do poder
apolíneo da individuação com a vontade trazida pela musica dionisíaca que
resultam no modo do aparecimento da realidade.
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conceitos, assim como os conceitos estão para as coisas individuais.Esta
universalidade está ligada a uma clara determinação da disposição, que mostra a
forma como se relaciona esta vontade com os sentimentos que marcam as
múltiplas distorções da interioridade humana, sendo construída no interior de cada
alma, descrevendo as múltiplas possibilidades de configuração da realidade a
partir de uma pré-determinação da vontade.
Desta forma a partir de uma configuração de totalidade temos uma
conformação da percepção a partir de uma disposição do animo.A vontade se
concentra na vigência das afecções que sintetizam a cada vez o modo de ser
destes acontecimentos.
Assim, diferentemente das artes plásticas que tem uma ligação originaria
com o fenômeno, e, portanto, não podem explicitar o que acontece alem destas
configurações, a musica pode desempenhar este papel, uma vez que não se
mostra como um fenômeno, e sim como imagem de essência metafísica dos
fenômenos, ou seja, como a imagem da vontade.
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de animo, que descreve a vida da vontade, ela se expressa segundo
universalidade da pura forma, segundo o “em si”.A materialidade se dissipa,
permanecendo a determinação ontológica da vontade.O espírito da musica é o
espírito do real.
A musica pode então ser considerada como a representação de um
princípio (coisa em si), um conceito universal de vontade que aponta para o
movimento de realização da natureza na expansão das suas diversas
configurações e retração na dissolução destas formas.A musica descreve a
textura ontológica mais fundamental, ela dá concretude a vida da vontade e traz a
tona o que está em si mesma, tendo um papel determinante na apreensão do que
a vontade propriamente é.
Somente nela é possível compreender a euforia junto à aniquilação do
individuo, porque somente ela traz a expressão da vontade em sua onipotência
como que por detrás do principio da individuação, a vida eterna para além de todo
fenômeno e apesar de toda aniquilação.Ela coloca em contato com o principio
metafísico de constituição do real, com a vontade como o mobilizador do
acontecimento originário da natureza.
Assim, o que propicia a mudança de um pavor inicial pela dissolução das
barreiras e limites habituais da existência da individuação, para uma euforia e
embriaguez junto à aniquilação é a essência musical do elemento dionisíaco que
possibilita o acesso à própria natureza metafísica da vontade, à eternidade do
principio vital para alem da necessidade incontornável da constante supressão das
individuações.
Portanto, o elemento dionisíaco provoca uma transformação radical interior
da realidade como um todo, quebrando as barreiras, gerando num primeiro
momento o terror pela queda do principio da individuação, mas ao despedaçar o
véu da ilusão, abre espaço para o despontar do fundamento da vontade, e nesta
aniquilação despontar a reconciliação com a realidade como um todo.
A musica dionisíaca também nos mostra o prazer da existência, não a partir
do mundo fenomênico, do simples desvelamento da bela aparência, que é
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executado pelo elemento apolíneo, mas sim através da experiência da dissolução,
do fato que tudo precisa estar preparado para o ocaso doloroso.
Pois, a musica dionisíaca faz com que nosso olhar se dê conta da dor
constitutiva das existências finitas, ao mesmo tempo em que, nos coloca diante da
própria essência originaria.
.Desta forma a arte dionisíaca dispõe-nos em consonância com a dinâmica
de realização da realidade.Este momento negativo da perda de si mesmo
encontra uma ligação com o principio da determinação da existência, ou seja, nos
misturamos ao seu elemento mais constitutivo e nos embriagamos com a
eternidade de sua vigência alem de toda individuação.
Sob o pano de fundo do devir da vontade, todo sofrimento se mostra
necessário e em meio a total dissipação de nossas identidades habituais, a
vontade se abre para nós a partir de seu ímpeto em direção a existência.Apesar
do pavor da aniquilação, a reconciliação com o principio acaba por provocar um
intenso deslumbramento e viabiliza a participação na dinâmica originaria da
criação.
7. O elemento socrático
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toda a catarse, no sentido de suprimir os limites, da comunhão com o sagrado
existente na tragédia original se perdeu dentro de uma lógica racional.
“Sem o mito, porém toda cultura perde sua força natural sadia e
criadora: só um horizonte cercado de mitos encerra em unidade todo um
momento cultural.”(NNT, 135)
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O socratismo despreza o instinto e, com ele a arte. Nega a sabedoria onde
ela está mais próxima.Assim, em Sócrates se materializou a característica da
claridade apolínea, sem nada de estranho, e dentro de uma nova racionalidade
em que a realidade vai aparecendo como um raio de luz puro, transparente, uma
racionalidade tida como precursora e anunciadora a ciência.
Assim, a partir deste ponto de vista evidenciado em Sócrates, tido por muitos
como o pai da lógica, a arte vai se dissociar da ciencia, representante do caráter
de máxima nitidez, com a sua conseqüente aniquilação.Perde-se o drama musical
que havia concentrado em si os raios de toda a arte antiga dando espaço a uma
dialética que se introduziu furtivamente no drama musical e produziu em seu belo
corpo um efeito devastador.
Desta forma, o ocaso da tragédia grega teve seu ponto de partida no diálogo,
pois como é sabido, o diálogo não estava originariamente na tragédia; o diálogo só
se desenvolveu a partir do momento em que teve dois atores, o que ocorreu
relativamente mais tarde.Antes havia algo análogo, o discurso alternado entre o
herói e o corifeo: mas aqui, dada a subordinação de um ao outro, a disputa
dialética resultava impossível.
Esta dialética otimista fez com que partes da tragédia onde a compaixão
dominava fosse substituída por uma luminosa alegria, pois não era lícito que o
herói do drama sucumbisse. Esta postura fez com que se criassem discursos
maiores para os atores principais, com a embriaguez dionisíaca dando espaço
para o aparecimento de personagens falando com sagacidade, claridade e
transparência, num drama que deixou de ser trágico para virar lógico.Este
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otimismo da cultura socrática que imaginava não ter barreiras vai produzir no
futuro a doença romântica (racionalismo científico):
Neste novo drama domina um dualismo de estilo, tendo por um lado, o poder
da música, e por outro, o da dialética, que vai se destacando até que é decisiva na
estrutura do drama intero, ou seja, até a aniquilação total de um dos rivais, a
música.
Assim, a tragédia nascida da profunda fonte da compaixão e pessimista por
essência, sendo a existência nela algo muito horrível é substituída pela comédia
dentro de uma estética socrática onde:
Fica claro que se a virtude é o saber, então o herói virtuoso tem que ser um
sujeito dialético. Assim, a tragédia pereceu a causa de uma dialética e de uma
ética otimista, ou seja, o socratismo infiltrado na tragédia impediu que a música se
fundisse com o diálogo.Desta forma, a música, cada vez mais restringida, dentro
de fronteiras cada vez mais estreitas, não se sentia em sua casa, e se
desenvolveu de maneira mais livre e audaz fora de lá, como arte absoluta. É
ridículo pedir à musa da musica trágica, tão misteriosa e tão séria, que cante nas
pausas intermediarias entre os diálogos e assim ela sai totalmente do âmbito do
teatro.
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estrutura dramática, a musica coral, e por fim, e com máxima decisão, a
linguagem”.(Nietzsche in RNG, 68).
8. A doença romântica
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consciência não pode mais ser pensada como atributo essencial da substancia
“eu”.
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filosofia e psicologia tradicionais com suas raízes no Platonismo e seu dualismo
que separa o eu e o corpo.
Assim, é necessário eliminar esta metafísica que nega e desvaloriza o
sensível e o corpo, através da musica e da dança.A alma tem que ser entendida
como a pluralidade do sujeito, como uma estrutura social de impulsos e afetos, os
vários modos do ser, eliminando-se o conceito da unidade do sujeito dada por
uma consciência “gramatical”. A partir daí esta claro que o “cogito, ergo sum”
como unidade essencial de todo ser existente é nada mais que uma interpretação
fundada na estrutura da sentença gramatical, ou seja, tudo se passa como se a
unidade verbal correspondesse a uma unidade ontológica real.
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9. A musica de Wagner e o romantismo
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esta “eterna tensão” é que está na gênese da dor da vida, pois nela se encontra a
luta estética entre os dois poderes antagônicos, numa tensão entre a configuração
e a sua dissolução, com o risco de dissolução todo o modo de vida, pois se o
elemento dionisíaco predominar com o seu efeito avassalador a vida se perde a si
mesma.
Assim, a contraposição, pela qual a arte grega lançou a primeira ligação, se
transformou através da “vontade helênica” e da dinâmica da constituição da
realidade, num eterno emparelhamento com a constituição da “vontade de vida”
dentro da tragédia grega.
A “vontade de vida” presente numa consideração trágica de mundo aparece
num período de “convalescença”, quando reanalisa a musica de Wagner em
contraposição à musica dionisíaca, se Wagner realmente levou as ultimas
conseqüências a música trágica ou simplesmente deu uma nova roupagem a uma
música eminentemente “romântica”.
É de suma importância analisarmos o termo “convalescença” que aparece
várias vezes na obra de Nietzsche, este termo não tem apenas a relação com um
caos antes do crescimento, mas também com a própria dor da vida e com a
coragem dionisíaca para levar em marcha uma nova filosofia até as ultimas
conseqüências:
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significa “regressar ao lar”; o que sugere a nostalgia que é a dor provocada pela
falta do lar (Heimschmeerz), e também o sofrimento em razão da distância e da
ausência do lar ou da pátria (Heimweh).Assim, para ele, o “convalescente” é
aquele que junta suas forças para o retorno ao lar, isto é, para voltar a sua
determinação.
O “convalescente” está no caminho de si mesmo, de tal modo que pode
dizer de si quem ele é. No discurso analisado por Heidegger, o convalescente diz:
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doença, no sofrimento, nos sofredores.Segundo, o próprio Nietszche, estes
sofrimentos podem ser identificados em duas categorias:
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que com o descomunal desenvolvimento da consciência e do conhecimento,
atrofiou outros órgãos vitais.
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A filosofia romântica está ligada como vimos à consecução de metas,
portanto, tem alguma coisa de idealismo, lida com a escolha das mascaras para
configurar a realidade, busca a técnica presente num outro tipo, que vai surgir
posteriormente na tragédia grega e vai ser a razão de sua ruína; o tipo socrático.
Esta filosofia lida com uma realidade onde o movimento da realidade vai
aparecer sempre reduzido a formas universais que sejam passiveis de um
“domínio”, (que como repetidamente observamos é de impossível consecução,
uma vez que a vida é “movimento” e não coisa), e de serem tratadas através de
uma perspectiva técnica.Nesta substancialidade “romântica”, o homem como
unidade simples da consciência perde seu caráter de dado natural e de unidade
autárquica da razão ou volição, não podendo mais ser considerado senhor em sua
própria casa.
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Nesta passagem aparece claramente o problema da decadência do
homem europeu que a partir da Modernidade, com a queda do cristianismo, busca
seus valores através de uma filosofia romântica, procurando se desvencilhar do
sofrimento, da crueldade, da dor e do horror da existência que caracterizam a
história universal.Este tipo de horror, que como vimos, foi banido pelo homem
dionisíaco, permanece no centro desta historia, com uma própria vida regrada pela
moral cristã, numa existência humana particular movida por metas, que
claramente precisam ser derrubadas:
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poderia, a partir da musica de Wagner, descobrir-se e reencontrar-se a si mesmo,
mas acabou por verificar que era somente uma musica romântica, e não uma
musica dionisíaca, deixando a pergunta:
“Como deveria ser composta uma musica que não tivesse uma
origem romântica, como a musica alemã - porém dionisíaca?” (NNT, 21).
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“(...)-qualquer meta constitui, ao menos, algum significado. O que
todas essas noções tem em comum é que alguma coisa deve ser cumprida
através do processo – e agora se compreende que o devir não visa nada e
não cumpre nada”.(NWP, 12).
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Nietzsche tem a esperança do ressurgimento através do elemento
dionisíaco perdido na Natureza do espírito trágico, levantai os corações aparece
como uma manifestação pela vida, enquanto, como já vimos as pernas e
principalmente os pés, e por onde começa o transe dionisíaco, numa perspectiva
de dança que assim como a vida é movimento.A dança aparece como a própria
vida no que tem de mutável, a vida não é nem virtuosa, nem casta, nem etérea, é
movimento.Esta esperança de ressurgimento é claramente reforçada na imagem
de coroa do ridente, não só em sua simbologia de retorno do mesmo, mas
também pelo fato de trazer de volta o riso significando a volta da poesia, da
pintura, e principalmente da musica desqualificados do território filosófico pela
“estética socrática” que pregava a seriedade em contraponto à ilusão trágica.
Desta forma, como finaliza Mendonça em “Nietzsche e o riso: por uma gaia
ciência”:
Com sua gaia ciência, Nietzsche nos convida a criar um outro modelo de
pensamento que nos faça rir - rir da vida, de nós mesmos e, é claro, dos doutores
da finalidade da existência”. (Mendonça in LPN, 21).
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