You are on page 1of 5

O desenho não é uma ilustração e não serve para medir a inteligência.

Ele significa
muito mais do que isso; é uma projecção do eu corporal, como tal, pode permitir uma
visualização dos conflitos psíquicos e relacionais. O desenho implica um movimento
transferencial; é um compromisso entre a realidade interna e a realidade externa da
pessoa, entre os processos primários e secundários.

Uma folha de papel, é, à partida, um espelho, havendo sempre a possibilidade de aí nos


projectarmos. Pessoas há, que têm dificuldade em projectar o corpo no desenho, os seus
fantasmas e os seus desejos (em regra, os adolescentes e os adultos).

O corpo é eminentemente um esquema que nos fornece coordenadas para o


pensamentos e para os afectos, permitindo-nos aceder às representações mentais. A
representação mental é pois, função do corpo próprio e toda a representação mental é
eminentemente espacial.

Se entre o corpo e o afecto existe uma relação primordial, o desenho é um compromisso


entre os nossos fantasmas e as nossas defesas. Assim sendo, é possível aceder à
compreensão da realidade interna da pessoa, aos seus desejos e censuras.

As crianças até aos dez anos desenham fundamentalmente figuras humanas, imagens
corporais habitadas por fantasmas e desejos. O desenho representa a projecção do Eu
Corporal, casas, carros, são formas do corpo metamorfosear-se. É claro que a análise
dos desenhos infantis é sempre subjectiva, tal como é único o perfil do psicólogo; no
entanto, existem sempre características fundamentais nos desenhos que em norma são
interpretadas do mesmo modo; por exemplo, uma árvore sem raízes poderá indicar
insegurança, mas se for desenhada com frutos pode dar-nos algumas indicações sobre o
investimento da criança relativamente a um ou aos dois progenitores; uma casa dividida
pela cor pode representar um indício de alguma problemática entre os pais, etc.

As crianças pequenas começam por fazer rabiscos, garatujas. Quando há conflitualidade


a criança risca com grande intensidade ou então desenha sem qualquer pressão, o que
pode indicar uma provável inibição e uma falta de expansão do Eu.

Um aspecto a considerar também, é o modo de progressão do desenho; em regra ele faz-


se no sentido da verticalidade. A criança adquire a noção do eixo (alto-baixo) e é
quando a criança domina o seu espaço interno que começa a horizontalidade.

Paulatinamente a criança adquire um maior controlo motor e convergência visual e


começará a desenhar círculos (um dentro e outro fora) representando a diferença entre o
Eu e o não Eu. À medida em que acede à possibilidade do espaço de visão da mãe, sem
que haja angústia de separação, “autonomiza-se”, criando agora círculos com pernas e
posteriormente com braços, o que implica já maior maturação. Mais tarde desenhará de
perfil e criará uma identidade própria e vai reconhecer-se ao espelho (quando tal não
acontece é porque existem problemáticas graves ao nível da identidade). Na psicose, por
exemplo, pode haver dificuldade em desenhar um círculo fechado.

Ter uma identidade, é ter um nome, é ter um rosto e é ter um sexo. O processo de
identificação implica uma relação triangular; quando a criança ultrapassa melhor ou pior
o Complexo de Édipo, tal, pode ser constatado no desenho através da sua profundidade,
por exemplo, a inclusão de determinados elementos – o Sol, as nuvens, os campos, etc.
Quando há um espaço bidimensional e o dentro e o fora coexistem, uma casa, por
exemplo, em que o interior é perfeitamente visível, tal, já nos dá uma perspectiva de
alguma triangulação.

No chamado desenho de inclusão recíproca isto é, quando a criança desenha um


personagem dentro de outro personagem (como nas bonecas russas), o que está dentro
representa o mesmo que está fora; aqui, a criança ainda não vive no signo do materno,
expressa alguma autonomização, mas também, uma grande necessidade da progenitora.

No desenho tridimensional é possível aceder ao processo de triangulação e ao


investimento que a criança coloca nos progenitores. Em regra o Sol simboliza o paterno,
uma casa simbolizará o materno.

Quando a criança não apresenta no desenho a tridimensionalidade, reduz as diferenças


ao idêntico, tende a desenhar em simetria, e então, todas as árvores serão iguais, bem
como as casas e as flores. Em regra estas crianças costumam fazer alergias.

As crianças com dificuldades em desenhar, que não gostam de brincar, que são muito
agressivas, evoluíram num quadro de falso self, têm dificuldade em projectar-se através
do corpo. Esta dificuldade em desenhar implica que a vida interna do sujeito é pobre e
pouco subjectiva. É muito frequente os adolescentes traçarem figuras corporais tipo
palito, simulando ou dissimulando, o que pode indicar dificuldades de expressão
subjectiva.

Finalmente, na psicose, existe um excesso de vida fantasmática (implica o delírio) em


que a imagem do corpo é fragmentada e os personagens, normalmente dissociados na
folha, podem surgir suspensos no espaço aéreo (linha psicótica). Há confusão entre o
dentro e o fora e, como não existe noção de limite, também não há possibilidade de
estabilidade entre o dentro e o fora e um rosto próprio que indique permanência.

Fernando Barnabé

6.6 DECIFRANDO A CRIANÇA POR MEIO DOS DESENHOS INFANTIS


Nicole Bédard, pedagoga canadense, explica em sua obra “Como interpretar
osDesenhos das Crianças”, que os rabiscos, as formas e as figuras que as
criançascolocam habitualmente no papel, são verdadeiras fontes de informações
valiosas, natarefa de educá-las e, na formação de sua personalidade. Segundo ela, por
meiodos desenhos é possível conhecer o temperamento, o perfil psicológico e o
estadoemocional das crianças, visto que, refletem a forma como elas enxergam
seuambiente familiar e o mundo à sua volta. Além de constantemente revelar
asdificuldades pelas quais elas estão passando em casa, na escola ou nas relaçõessociais.
Bédard, porém, explica que decifrar corretamente os desenhos infantis – edescobrir
o que está por trás dessas janelasdo consciente e do inconsciente – nemsempre é fácil,
pois, exige sensibilidade e alguma prática, embora não seja nenhumbicho-de-sete-
cabeças. E, segundo ela, há significado, inclusive, na escolha do tipode lápis e papel que
a criança utiliza.

“Não devemos esquecer que o que nos interessa é o simbolismo e as

mensagens que o desenho transmite, e não sua perfeição estética”, adverte Bédard.
Segundo ela, se a criança escolhe uma folha de papel pequena, indicacapacidade de
concentração e certa tendência à introversão. Se nessa mesma folhaela aplicar traços
menos definidos, superficiais ou feitos com pouca pressão do lápis,estará exteriorizando
uma falta de confiança em si própria.

Ainda quanto às escolhas iniciais para o desenho, ela esclarece que é

importante observar por onde a criança o começa e, explica que

Se for pelo lado esquerdo da folha, significa que seus pensamentos estão

girando ao redor do passado; se for pelo lado direito, quer dizer que ela

deposita fé e esperanças no futuro; o início no centro indica que ela estáaberta a tudo à

sua volta e no momento não vive ansiedades nem tensões demaior monta. Ainda

segundo Bédard, as cores37 também fornecem pistas sobre o que vai pela

cabeça dos pequenos desenhistas.


Ela explica que a preferência pelo vermelho revela uma natureza enérgica e
umespírito esportivo e, por outro lado, pode sinalizar algum tipo de agressividade. Já
oamarelo representa o conhecimento, a curiosidade e a alegria de viver - a criançaque
usa essa cor com freqüência é generosa, extrovertida, otimista e ambiciosa. Opreto,
avisa a autora, costuma ser uma cor mal interpretada pelos pais, associada amaus
pensamentos ou tristeza, mas, explica que não necessariamente é assim. Opreto
representa o que vai pelo inconsciente e mostra que a criança tem confiançaem si
mesma e no dia de amanhã, além de ser adaptável às circunstâncias. Quandoo preto vem
acompanhado do azul, no entanto, talvez revele um sentimento dedepressão e derrota.
Segundo o psicólogo Fabiano Murgia38, nos desenhos infantis, o sol, porexemplo,
está quase sempre relacionado à figura paterna: ele está lá em cima,transmite calor, é o
provedor.
O mesmo sol a que o psicólogo Murgia se refere, tem, porém, para NicoleBédard,
significados um pouco mais complexos. Segundo ela, o sol realmenterepresenta a
energia masculina, mas, ela sustenta que, quando desenhado àesquerda do papel, pode
representar a influência de uma mãe de índole muitoindependente, e quanto mais fortes
forem os raios, mais a mãe será controladora edo tipo que impõe sua vontade em todas
as situações.
Bédard prossegue dizendo, que o sol desenhado à direita do papel revela
apercepção que a criança tem a respeito do pai. Se for muito intenso, radiante,
podeindicar um pai com tendências à violência verbal ou física. E, quando desenhado
nocentro do papel, representa um auto-retrato da criança e, nesse caso, explica
Nicole,estamos diante de uma criança que acredita ter certa responsabilidade por sua
mãee por seu pai – talvez se trate de uma família desarticulada, mas ela possui o
carátere o potencial necessários para fazer frente à situação.
Bédard esclarece ainda, que as figuras humanas, tão freqüentes nos
desenhosinfantis, são excelentes pistas para se desvendar o que vai por dentro das
cabeçasdas crianças. Pois, na maioria das vezes, ao desenhá-las, as crianças
estãoretratando a si próprias ou as pessoas com quem elas convivem
cotidianamente,principalmente os pais e parentes. E, chama a atenção para a
necessidade de seatentar nessas figuras humanas, para o rosto, a posição dos braços e os
pés.
“À luz da pedagogia, o auto-retrato infantil pode ser analisado por outrosângulos.
Quando a criança desenha a si própria, está mostrando exatamente comoela está, como
se sente”39, aponta a educadora infantil Luciane Isabel de Freitas.“Quando ela se retrata
num cantinho da folha de papel, não está tendo oreconhecimento corporal dela própria,
ainda não percebeu seu corpo no espaço, etambém por isso pode esquecer de desenhar
os olhos ou os braços – isso é normalaté os 7 anos”, completa.

Quanto à maçaneta da porta, Bédard esclarece que quando a criança adesenha à

esquerda, significa que seus pensamentos estão ligados ao passado – edessa forma ela
busca confiança para enfrentar o futuro. Essa criança não apreciatransformações bruscas

e precisa de tempo para assimilar novas idéias. A maçanetadesenhada à direita é sinal de

que a criança tem desejos constantes de mudanças,aprecia os imprevistos positivos, as

aventuras, e arrisca-se a antecipar o futuro. E, amaçaneta desenhada no centro indica

uma criança em busca de independência e

autonomia, mas, também indica teimosia e tendência de impor as próprias vontades.


Nicole Bédard chama a atenção para o fato de que não se deve avaliar
apersonalidade, os pontos altos e baixos e as necessidades de uma criança combase em
apenas dois ou três desenhos. Ela diz que o ideal é utilizar vários desenhosfeitos num
determinado espaço de tempo.
“A cada nova informação que recebe, a criança reestrutura a sua forma de ver
omundo e, por isso, na análise do desenho, é preciso levar em consideração omomento
que ela vive”, pondera a educadora Thereza Bordoni, diretora da ABCPesquisa e
Desenvolvimento em Educação, de Belo Horizonte, e que tem nosdesenhos infantis uma
de suas especialidades pedagógicas42. E, conclui dizendo que:
A criança costuma colocar perto de si, no papel, as pessoas com quem elamantém os
laços mais fortes, mas se a mãe dela, naquele dia, a proibiu decomer um chocolate,
poder ser retratada de forma menos afetuosa, o que éeventual e não corresponde à
realidade de seus sentimentos. O conselho que fica aos pais é que jamais interfiram nos
desenhos dascrianças, alegando que não existem árvores com peixes nos galhos ou
casassuspensas no céu. Até por que, a criança provavelmente irá responder que
suaárvore é diferente das outras porque vem de Marte e que a casa pertence a umsuper-
herói capaz de voar. Isso, ao contrário de revelar uma criança distante darealidade,
apenas mostra sua originalidade e, demonstra que estádesenvolvendo acapacidade de
afirmar as próprias opiniões e de desbravar seus caminhos. O quecertamente é o que se
espera dela.

You might also like