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CULTURA DE SUB/DESENVOLVIMENTO
E DESENVOLVIMENTO LOCAL
2005
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SUMÁRIO
PREFÁCIO ...............................................................................................................................
ENCAMINHAMENTO ...........................................................................................................
1. NOÇÕES DE CULTURA E QUESTÕES SOBRE O PRESENTE NA EVOLUÇÃO
CULTURAL:
1.1. Esclarecimentos Preliminares ................................................................................
1.2. Noções Sobre Cultura do Ponto de Vista Sociológico ..........................................
1.3. Noções Sobre Cultura no Campo Antropológico ..................................................
1.4. Noções Sobre Cultura em Prisma Mais Histórico-Filosófico ..............................
1.5. Destaque Conclusivo dos Enfoques Nocionais Sobre Cultura .............................
2. CULTURA DE SUB/DESENVOLVIMENTO ...............................................................
3. NO CONTEXTO HISTÓRICO-CULTURAL SURGIDO, A QUÊ VEIO O
DESENVOLVIMENTO LOCAL? ....................................................................................
4. FALANDO DIDATICAMENTE PARA ALUNOS E COMUNIDADES SOBRE
QUÊ É DESENVOLVIMENTO LOCAL ENDÓGENO .................................................
4.1. Desenvolvimento Local NÃO É “Desenvolvimento NO Local (DnL)” ................
4.2. Desenvolvimento Local NÃO É (só) “Desenvolvimento PARA O Local” (DpL).
4.3. Desenvolvimento Local (DL) É [...] .........................................................................
4.4. Características do Desenvolvimento Local (DL) ...................................................
4.5. Delineamentos Metodológicos do Desenvolvimento Local ....................................
4.5.1. Visão Geral ou “Metodologia do Alpinista” ................................................
4.5.2. Dimensões Metodológicas Específicas .........................................................
4.6. Finalização por Contextualizações ............................................................................
5. SOLIDARIEDADE: MEDULA ESPINHAL MOTRIZ DO DL ..................................
6. EDUCAÇÃO: SISTEMA RESPIRATÓRIO-CIRCULATÓRIO DO DL ..................
CONCLUSÃO: LANCE MÍNIMO .........................................................................................
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PREFÁCIO
Esta obra, ainda que cuidadosamente concluída pelo autor como “lance
mínimo”, no sentido de que pela juventude de suas reflexões no país o tema
abordado merecesse novos aprofundamentos, não é um simples ensaio. Vicente
Fideles de Ávila demonstra, no livro em análise, a maturidade de um pensador já um
tanto versado sobre o assunto, se considerarmos o espaço de tempo dedicado a esse
tipo de reflexão no meio acadêmico do país e o que se já apresenta disponível para o
leitor brasileiro. Além disso, é preciso lembrar o número nada desprezível de outras
obras já lançadas pelo mesmo em torno da idéia de desenvolvimento local, ao longo
destes últimos anos. Melhor esclarecendo, ele já vem refletindo sistematicamente
sobre o assunto desenvolvimento desde os anos em que fazia seu doutorado na
Sorbonne.
Em realidade, os avanços das reflexões colocadas no livro em tela, sem perigo
de errar, distinguem Vicente Fideles de Ávila em nível nacional, por que não dizer
até internacional, pelo tipo de abordagem feita em relação ao desenvolvimento local.
O pensamento é peculiar, ao refletir esse conceito no contexto das especificidades de
países fora do circuito do chamado “primeiro mundo”. O desenvolvimento local é
focado, como o próprio autor afirma, levando-se em conta a relação do mundo
subdesenvolvido com suas próprias chances de se desenvolver, de forma efetiva e
emancipada. Há extrema clareza e racionalidade nessa específica proposição de
desenvolvimento local, que se volta para o rompimento das amarras, externas e
internas, que prendem os países ao subdesenvolvimento, emergindo como uma
nova filosofia de desenvolvimento, capaz de produzir efeitos de contraponto aos
atuais malefícios da globalização massificadora às ambiências locais..
O leitor terá chances de observar, pela própria obra, que Vicente Fideles de
Ávila, na busca de maior discernimento, não só constrói suas proposições
criteriosamente, demonstrando semelhanças e disparidades em relação às concepções
afins que emergem em outros contextos sócio-culturais e instâncias de organização,
como também as realimenta daquelas concepções construídas historicamente em
diversas áreas do conhecimento.
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ENCAMINHAMENTO
O mesmo autor considera a cultura sob dois aspectos, os de que, por um lado,
“A cultura material inclui tudo o que é feito, modelado ou transformado como parte
da vida social coletiva, da preparação do alimento à produção de aço e
computadores, passando pelo paisagismo que produz os jardins do campo inglês” e,
por outro, “A cultura não-material inclui SÍMBOLOS –de palavras à notação musical-,
bem como as idéias que modelam e informam a vida de seres humanos em relações
recíprocas e os sistemas sociais dos quais participam. As mais importantes dessas
idéias são as ATITUDES, CRENÇAS, VALORES e NORMAS”.
Há duas expressões que merecem destaque em relação à conceituação geral
acima, com efeitos extensivos também às duas subconceituações (cultura material e
cultura não-material). São as de que “Cultura é o conjunto acumulado [...]” e
também “[...] é conceito fundamental na definição da perspectiva sociológica”:
• A primeira expressão chama à atenção porque passa a idéia de que a percepção da
cultura de cada “[...] sociedade inteira ou uma família [...]” se reduz a espécie de
recortes de uma ou outra, em determinadas épocas, para se identificar e qualificar
“[...] o conjunto acumulado [...]”, portanto em dimensão de passado, por ela
amalgamado e configurado até as épocas em que os recortes são ou sejam feitos.
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O autor alemão Werner Jaeger (cf. JAEGER, s/d) escreveu volumoso e clássico compêndio, de 1343
páginas, intitulado justamente Paidéia: a formação do homem grego, traduzido e impresso em
Portugal, mas também distribuído em São Paulo pela Editora Herder,.
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Boyer (1940 : p. 14) entende que o termo grego fílos, que se acopla à palavra swfía para formar o
vocábulo filosofia, deriva da raiz do verbo filéin no sentido de amar. Por outra, e já na condição de
derivados, esses dois termos eram assim constantemente empregados: fílos significando tanto o
substantivo concreto quanto o adjetivo qualificativo amigo e filia designando o substantivo abstrato
amizade.
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capacidade de escolher seus fins em geral (e portanto ser livre). Por isso, só a
Cultura pode ser o fim último que a natureza tem condições de apresentar ao ser
humano”. Esta concepção permeou também a obra de Hegel (1770-1831, inclusive
discípulo de Kant), passando do Iluminismo para o enciclopedismo materialista de
D’Alembert (1717-1783) e Diderot (1713-1784), que o conceberam com base no
materialismo de Locke, Hume e Condillac, ao enciclopedismo naturalista de
Rousseau (1712-1778) 4 e à expansão do liberalismo, cujo principal legado, ainda no
final do século XVIII, foi a própria Revolução Francesa.
Com acréscimos de enriquecimento e atualização, a primeira acepção –a da
Paidéia clássica grega pela qual se entendia cultura como “[...] formação do homem,
sua melhoria e seu refinamento [...]”- foi retomada por Abbagnano (1998 : p. 228)
em correção à dicotomização influenciada pelo Enciclopedismo de que as disciplinas
de formação humana se dividem em dois blocos, as de formação geral (expressando
a formação cultural genericamente falando) e as de formação técnica específica,
sobretudo de cunho naturalista, não consideradas de formação cultural.
E os acréscimos enriquecedores do autor, em relação à primeira acepção, são
os de que:
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Leonel Franca (s.j.) (1967 : p. 171) inclui Jéan Jacques Rousseau, assim como Voltaire (1694-1778),
Helvetius (1715-1771), D’Holbach (1723-1789) –apenas para apontar os mais expressivos-, no rol
dos “Enciclopedistas” que influenciaram, evidentemente de modo só negativo na visão jesuítica de
Franca, “[...] no último quartel do século XIII [...]”.
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2. CULTURA DE SUB/DESENVOLVIMENTO
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Truman não foi o primeiro a usar a palavra. Wilfred Benson, antigo membro do
Secretariado da Organização Mundial de Trabalho, foi que provavelmente a
inventou quando, em 1942, ao escrever suas bases econômicas para a paz,
referiu-se às “áreas subdesenvolvidas”. Na época, porém, a expressão não
encontrou eco, nem com o público nem com os “experts”. Dois anos mais tarde,
Rosenstein-Rodan ainda falava de “áreas economicamente atrasadas”. Arthur
Lewis, também em 1944, referiu-se à distância que existia entre países pobres e
países ricos. Durante toda essa década, a expressão apareceu ocasionalmente em
livros técnicos, ou em documentos das Nações Unidas. Só se tornou realmente
importante, no entanto, quando Truman a introduziu como um símbolo de sua
própria política externa. Nesse contexto, ela adquiriu uma virulência
colonizadora insuspeita.
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A frase francesa original é: “Tiers monde, ensemble des pays peu développés économiquement, qui
n’appartiennent ni au groupe des Etats industriels d’économie libérale ni au groupe des Etats de type
socialiste”.
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[...] durante los años 80, el crecimiento de las experiencias de Desarrollo Local
está reforzado por el proceso de descentralización político-administrativa, las
políticas de creación de empleo, las políticas europeas y el creciente
protagonismo de las sociedades locales en la gestión del desarrollo [...] como
una estrategia adecuada a las demandas sociales de mayor bienestar social y de
creación de empleo [...]. [Tendo sido entendido pelo Consejo Económico y
Social-CES da União Européia, em 1995, segundo o mesmo autor-,
como] el proceso reactivador de la economía y dinamizador de la sociedad
local, mediante el aprovechamiento eficiente de los recursos endógenos
existentes en una determinada zona, capaz de estimular y diversificar su
crecimiento económico, crear empleo y mejorar la calidad de vida de la
comunidad local, siendo el resultado de un compromiso por el que se entiende el
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Los geógrafos españoles se han despabilado en los últimos años y se han acercado
a las realidades iberoamericanas. Las valoraciones y balances de esta situación –
cambiante felizmente- presentan un avance notable desde comienzos de los años
noventa bajo formas de convenios institucionalizados entre universidades, el
aumento de la docencia geográfica sobre América Latina en la Licenciatura y los
Programas de Doctorado de Tercer Ciclo.
estudo, se encerra por conclusão deliberadamente intitulada: “Se Utopia, Uma Boa
Utopia”, naturalmente entendendo-se utopia (u = não + topós = localizado) não
como sonho ou miragem, mas no sentido etimológico de algo ousado ainda não
topificado, porém topificável se de fato implementado como convém.
VISTO EM 1.5) INCLUSIVA DE SUCESSIVAS GERAÇÕES ( cfr. também tópico 6), EM RAZÃO DE
QUE MUDANÇAS CULTURAIS NÃO SE OPERAM APENAS POR PROGRAMAS, PROJETOS,
CAMPANHAS E OUTRAS INICIATIVAS TEMPORÁRIAS OU ATÉ PERMANENTES MAS SEM
PENETRAÇÃO NAS MANEIRAS DE PENSAR E AGIR DAS PESSOAS, INDIVIDUADAS E EM
COMUNIDADE.
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primeiro, ele de fato apenas se situa no local, ou seja, está aqui hoje podendo
amanhã deslocar-se para a Índia, China ou qualquer outro país (deixando seus
benéficos e/ou funestos rastros para a localidade), como já ocorre muito com
empresas dos países desenvolvidos que migram de um país a outro pelo baixo
custo de matérias-primas e abundância de mão-de-obra barata;
Local (DpL)
a) “Alpinismo” da comunidade
- uns acham que podem e devem estabelecer os caminhos que os outros têm de
trilhar, mas caminhos que sempre conduzem a interesses ou ambições justamente
daqueles que os estabelecem, a exemplo do visto na relação do mundo
desenvolvido com o subdesenvolvido;
- no entanto, há também aqueles que ficam à espera de que alguém lhes “carregue
nas costas” para cruzarem as fronteiras do subdesenvolvimento, principalmente
das misérias e penúrias dele decorrentes, aí incluídas a “Cultura da Pobreza”
pessoal e comunitária e as desigualdades sociais, econômicas e culturais.
Aliás, as populações são permanentemente induzidas a essas duas
perspectivas, em casa, nas escolas, no trabalho, nas universidades e,
principalmente, por campanhas eleitorais e comerciais de todos os tipos,
amplitudes, níveis e naturezas. E os Agentes de Desenvolvimento Local não fogem
a essa regra, a de se verem tentados a esperar que alguém lhes receitue as regras de
como agir para que as reproduzam lá nas comunidades-localidades, que, por sua
vez, se postam à espera de soluções -de fora- prontas para seus males e desejos.
Historicamente, tanto o tradicional quanto o atual contexto cultural de “formação”
dos agenciadores socioeconômicos têm assim se caracterizado.
Para romper tal círculo-vicioso (dessa cultura de agenciamento), a citação de
Kujawski sugere:
- segundo, que, em função desses rumos, auxiliem (sem “carregar nas costas” ou
guindar) as comunidades-localidades a encontrarem e trilharem os seus rumos de
desenvolvimento, de acordo com as peculiaridades, potencialidades e condições
de cada uma, visto que –rememorando o já dito várias vezes atrás- em relação a
estas características todas as comunidades-localidades se diferenciam entre elas;
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E que, ainda, sequer se insinue uma pergunta como esta: a afirmação de que
“[...] não há caminho. O caminho se faz ao caminhar” significa que o “caminhante”
–qualquer “caminhante” ou, no caso, o Agente de Desenvolvimento Local- não
precisa se preparar para “caminhar”?
Em verdade, quem iniciar uma caminhada sem se preparar -previamente e
sempre ao longo do trajeto- para saber o rumo para onde ir e se informar sobre
diferentes alternativas de caminhadas com probalidade e improbabilidade de
sucesso, assim como já realizadas, e bem ou mal sucedidas, já estará perdido antes
mesmo de a haver começado. Ademais, uma coisa é se preparar para aplicar
reprodutivamente o que houver aprendido ou experimentado e outra é se preparar
para saber se orientar, se dosar e se tornar criativamente cooperativo no curso da
caminhada em que “[...] o caminho se faz ao caminhar”.
Até aqui, a primeira pista fornecida por Kujawski teve relação mais direta
com o perfil dos Agentes de Desenvolvimento Local, correspondente à primeira
parte da questão de introdução desta alínea b. Agora, é hora de se passar ao
delineamento da pista referente à performance metodológica dos Agentes de
Desenvolvimento Local, na condição de autênticos pedagogos de formação e
encaminhamento comunitário.
Pelo que se conhece historicamente, a primeira práxis metodológica desse
tipo de pedagogo consistiu na maiêutica criada por Sócrates (470 - 399 a. C), mas
documentada e difundida por seu discípulo Platão (428 – 348 ou 347 a. C), assim
como através de uma obra de Aristóphanes e outra de Xénophon, em razão de o
mestre nada ter deixado escrito para a posteridade.
Sabe-se que a profissão do pai de Sócrates (Sôphronískos) era escultura,
portanto ninguém da estirpe nobre, e parteira a da mãe, fato este que, ao que tudo
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No Tópico 13 do livro No município sempre a educação básica do Brasil (cf. ÁVILA, 1999,
p.111-114), referindo-me à gestão integral de educação no âmbito de município, comentei sobre a
forte conveniência da organização de comitê municipal, nos seguintes termos: ”Sugere-se a
organização de representativo e expressivo comitê municipal que participe ativamente de todo o
processo de gestão integral da educação e, quiçá, até de outros serviços sociais básicos [...]”, de certo
modo já atuando no universo do que hoje chamamos Desenvolvimento Local e até detalhando as
funções desse comitê. Entretanto, e dadas as características de amplitude, pluralidade e complexidade
de realidades diferenciadas das diversas comunidades-localidades que compõem um município, por
menor que se configure, a lógica aconselha, em verdade, a organização e funcionamento de comitês
de fato comunitários-locais, ou seja, por bairro ou outros espaços mais delimitados de aglutinação
física e cotidiana da população. E que tais comitês não se restrinjam apenas a assessoramentos, pois
lhes é vital que se engajem em todo o processo de desenvolvimento de cada comunidade-localidade,
ou seja, da fase diagnóstica às da programação, execução e realimentação da dinâmica de
desenvolvimento da respectiva localidade. É, pois, lógico e sadio trabalhar no sentido de que cada um
desses comitês se constitua núcleo-reator de desenvolvimento de toda a comunidade a que se referir,
exatamente lá onde a mesma se localize, mas -ao mesmo tempo- em permanente interação com o
comitê ou conselho municipal de desenvolvimento.
Em outro livrete intitulado Municipalização qualitativa para o desenvolvimento (cf. ÁVILA, 1993,
p. 40-42), refiro-me a esse comitê municipal, ou conselho, na verdade entendendo-o como Comitê ou
Conselho Municipal de Desenvolvimento Integrado (CMDI), não restrito apenas a funções normativo-
diretivas mas, principalmente, responsável pela coordenação, supervisão, animação e equilibração de
todo o processo de desenvolvimento no município, evidentemente a partir das iniciativas e realizações
passíveis de organização e operacionalização no âmbito de cada comunidade-de-bairro, por exemplo,
e –como dito acima- em contínua interação com os supra-referidos comitês-reatores dessas
comunidades-localidades.
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- coesão gregária, a que se efetiva com base em impulsos instintivos (ou algo bem
próximo de sentimentos, interesses e finalidades primários-comuns) de autopreservação
e/ou conservação de todo o grupo ou de parte dele, [...];
- e coesão solidária, resultante de volitivos, afetivos e efetivos laços de mobilização e
cooperação, como se referiu acima, para cuja formação [...] boa dose de idealismo
altruísta se soma a sentimentos, interesses e finalidades comuns, conferindo à união do
grupo significância e relevância social que transcendem as imputadas aos esforços e
dispêndios individuais implicados.
Mas são dois fenômenos que se reforçam mutuamente também por duas
frentes, a da educação comunitária abrangente e a da educação escolar, de modo
mais específico, ambas inseridas no contexto do Desenvolvimento Local e
entendidas como se segue.
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Por outra, Demo (1979 : p. 12) acha que há casos em que se torna difícil
distinguir educação comunitária de educação permanente, se concebida como “[...]
processo de superação gradativa das limitações do homem pela exploração contínua
de suas virtualidades intrínsecas; como processo de atualização permanente das
potencialidades do homem e processo de maximização da humanidade do homem”.
REFERÊNCIAS