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Novos textos e novos atores na formação profissional para surdos

Novos textos e novos atores na formação


profissional para surdos: rupturas ou
permanências?

Madalena Klein
Universidade Federal de Pelotas, Faculdade de Educação

A educação profissional para surdos é o tema do volve um conjunto de discursos (pedagógicos, eco-
presente artigo, sendo focalizada a partir de progra- nômicos, psicológicos) que se articulam através de
mas de formação profissional desenvolvidos em di- enunciados científicos e que justificam medidas ad-
ferentes tempos e espaços educacionais, tanto em es- ministrativas e educacionais a serem implementadas
colas como em movimentos sociais. Entendo que esses por diferentes instituições envolvidas no processo,
programas atendem a uma determinada racionalida- tendo como “ função principal responder a uma ur-
de que governa a conduta daqueles sujeitos para os gência” (Foucault, 1990a, p. 244). Neste artigo, argu-
quais as ações são diretamente pensadas – os apren- mento que a formação de trabalhadores responde às
dizes surdos – , como também constituem subjetivi- necessidades e exigências de um sistema econômico,
dades entre os diferentes atores que se envolvem na social, político e cultural que se preocupa com o risco
sua elaboração, realização, avaliação. Ocorre aí, por do desemprego e da exclusão social de indivíduos
meio de seus documentos propositivos e de seus rela- identificados em grupos específicos e, neste estudo,
tórios de acompanhamento e avaliação, entre outros, particularmente, dos surdos.
um “ processo de interpelação, de mobilização do eu” A preocupação com a capacitação para o merca-
através de meios pedagógicos que se dirigem direta- do de trabalho pode ser observada nos projetos educa-
mente “ ao sujeito que querem transformar”, tendo
como referência um trabalhador considerado ideal “ às
novas condições de produção” (Silva, 1999, p. 80). conjunto decididamente heterogêneo que engloba discursos, ins-
Os programas de formação foram por mim trata- tituições, organizações arquitetônicas, decisões regulamentares,
dos como um dispositivo1 de governamento que en- leis, medidas administrativas, enunciados científicos, proposições
filosóficas, morais, filantrópicas. Em suma, o dito e o não-dito são
1
Utilizo o termo dispositivo a partir do sentido dado por os elementos do dispositivo. O dispositivo é a rede que se pode
Foucault (1990a), quando tenta “ demarcar, em primeiro lugar, um estabelecer entre estes elementos” (p. 244).

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cionais para surdos, desde a fundação do antigo Insti- Procurei aproximar-me de ferramentas analíticas
tuto Nacional de Surdos-Mudos (INSM), em 1857, pri- que ajudassem a entender os mecanismos e as estra-
meira escola de surdos no Brasil. Oficinas laborais tégias envolvidas nas práticas que visam à constitui-
dentro das escolas, como também formulações mais ção de sujeitos surdos trabalhadores. Também me in-
gerais envolvendo programas governamentais, têm, teressei em analisar como vêm sendo produzidas
desde lá, caracterizado a diversidade de práticas vol- novas formas de relacionamento entre as expertises e
tadas à formação profissional que se articula nos espa- as instituições envolvidas na formação profissional.
ços surdos – as escolas de surdos e as diferentes ins- Procurei, assim, tecer uma “ rede de inteligibilidade”
tâncias dos movimentos sociais organizados como (Dreyfus & Rabinow, 1995) que me possibilitasse ana-
associações, clubes, ou seja, espaços nos quais foram/ lisar a formação profissional como um dispositivo de
são organizados programas voltados para a formação governamento que vem constituindo-se desde o final
profissional dos surdos. Exemplos de tais práticas são do século XIX no espaço da educação dos surdos.
os programas de formação profissional propostos, nos Essa racionalidade política vem engendrando um
últimos anos, através da articulação do Estado com conjunto de procedimentos, de saberes e de poderes
diferentes instâncias da sociedade civil, tais como gru- considerados desejáveis e úteis para a conformação
pos empresariais e as chamadas organizações não-go- de sujeitos que saibam dirigir suas condutas. O go-
vernamentais. Esses programas, como pretendo de- vernamento trata da “ condução das condutas dos ho-
monstrar, colocam em funcionamento um conjunto de mens” (Fonseca, 2000, p. 229). Diz respeito a uma
tecnologias que visam à normalização de sujeitos e intervenção organizada: envolve tentativas de tradu-
instituições a uma racionalidade política determinada. zir o pensamento para o campo da realidade, de
Para realizar a análise dos programas de forma- instrumentalizar e tornar factível a ação sobre aquilo
ção profissional, inspirei-me em algumas das ferra- que se sonha e se esquematiza. Através da leitura dos
mentas analíticas utilizadas por Michel Foucault e documentos que apresentam os diferentes programas
outros autores que, a partir de uma perspectiva pós- de formação profissional, dos relatórios de acompa-
estruturalista, vêm analisando o funcionamento da nhamento de cada projeto desenvolvido, bem como
racionalidade política na Modernidade. Utilizei nesta de textos produzidos pelos experts envolvidos nos
tarefa algumas das argumentações em relação ao que programas, foi possível perceber algumas regularida-
Foucault denominou governamentalidade, entendida des nas argumentações e proposições sobre os proce-
como racionalidade de governamento de si e dos ou- dimentos desejáveis para a conformação de trabalha-
tros. Outros autores, como Nikolas Rose (1996, 1997, dores, de instituições e de expertises adequados às
1998), Graham Burchell (1996), Bárbara Cruikshank necessidades contemporâneas. Discuto que essas ar-
(1999), Michel Senellart (1995) e Alfredo Veiga-Neto gumentações e proposições se constituem em tecno-
(2000, 2002), entre outros, também me ajudaram a logias de governamento na formação profissional dos
articular esse conceito com a constituição de subjeti- surdos: tecnologias de poder que vêm sendo inventa-
vidades na Modernidade. Teve utilidade, ainda, diri- das, implementadas, retiradas de circulação, reapare-
gir o olhar aos deslocamentos/articulações entre um cendo melhoradas e articuladas a outras novas tecno-
poder disciplinar – visando os corpos dos indivíduos – logias (Rabinow, 1999, p. 41). Realizar a análise
e um poder regulador, direcionado ao controle e à se- dessas tecnologias de governamento exige uma aten-
gurança das populações – o biopoder, fazendo surgir ção minuciosa nas redes de interdependência que
o que conhecemos como uma sociedade normaliza- constituem os programas de formação profissional,
dora, que objetiva tanto disciplinar os corpos dos su- conduzindo suas intervenções em lugares, pessoas e
jeitos quanto regular as condutas das populações: in- populações. Requer, como propõem Miller e Rose
dividualizar e totalizar. (1993, p. 82), uma “ microfísica do poder”.

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O corpus de análise a que se refere este artigo – para a educação dos surdos, denominada Pedagogia
a materialidade sobre a qual lancei o olhar – percor- Emendativa para os Surdos-Mudos. Essa proposta
reu diferentes lugares e capturou tempos variados. Não privilegiava o ensino da linguagem, enfatizando suas
tive a preocupação de analisar à exaustão, de dissecar modalidades oral e escrita, como também propunha a
cada documento em suas minúcias. Interessou-me, a habilitação profissional em oficinas organizadas den-
partir das repetidas leituras de cada texto, procurar tro do espaço escolar. Fazem parte, também, desse
aquilo que insistia em reaparecer nos procedimentos conjunto de documentos alguns artigos escritos por
e nas prescrições – o jogo das proposições e a contin- educadores de surdos nas décadas de 1940 e 1950, e
gência das ações previstas e executadas pelos progra- que mantinham argumentações semelhantes a seus
mas. Acompanhou-me, poderia dizer, a “ inquietação antecessores.
diante do que é o discurso em sua realidade material Dirigir a atenção aos documentos de outros tem-
de coisa pronunciada ou escrita; inquietação diante pos não me conduziu a contar a história da formação
dessa existência transitória destinada a se apagar sem profissional dos surdos ou fazer um estudo das insti-
dúvida, mas segundo uma duração que não nos per- tuições nas quais a educação para o trabalho se de-
tence” (Foucault, 1996, p. 8). senvolveu. Interessou-me, sim, indagar sobre uma
Um primeiro conjunto de documentos foi com- história das problematizações, dirigindo o olhar às
posto por uma variedade de textos propostos pelos descontinuidades, aos diferentes recortes temporais
Ministérios do Trabalho e da Educação, pela Secreta- (Goldman, 1998, p. 88) em que diferentes mecanis-
ria Estadual do Trabalho e Ação Social do Rio Gran- mos e estratégias foram constituindo formas de ser e
de do Sul e setores a ela subordinados. Esses parece- formas de se entender como surdos trabalhadores. O
res, instruções normativas, decretos e periódicos foram passado entra em jogo com o presente, “ jogo onde a
editados em sua maioria entre a década 1990 e os anos semelhança e a diferença se alternam e se opõem”
2000-2001. Ganha visibilidade, principalmente, o Pla- (idem, p. 93).
no Nacional de Qualificação do Trabalhador Fiz opções interessadas no material investigado
(PLANFOR) do Ministério do Trabalho e Emprego, e nas ferramentas analíticas empregadas, o que me
que no estado do Rio Grande do Sul foi denominado levou a tramar um jeito de contar sobre proposições e
QualificarRS, pelo qual uma entidade representativa ações ali envolvidas. Utilizei a estratégia de fazer com
dos movimentos surdos elaborou e executou cursos que os documentos “ conversassem entre si”, toman-
de qualificação nos anos de 1999 a 2001. Editais de do-os em sua materialidade e reordenando-os, não a
concurso de projetos, material de divulgação diverso partir de uma lógica cronológica, mas compondo uni-
e textos da expertise ligados à Comunidade Solidária/ dades analíticas que me ajudaram a capturar, compa-
Capacitação Solidária somam-se a esse conjunto de rar e analisar, nos diferentes tempos e espaços da edu-
documentos, como também os projetos e relatórios cação de surdos, as regularidades e as dispersões que
técnico-financeiros elaborados pelas equipes de es- vêm desenhando as estratégias na formação desses
colas de surdos, possibilitando-me a aproximação com sujeitos. Procuro, assim, descrever e analisar o con-
as proposições e as ações dos diferentes projetos de junto de proposições presentes nos diferentes docu-
capacitação profissional ali executados, que tinham mentos, articulados com uma rede de ações recomen-
como público-alvo jovens e adolescentes surdos. dadas e relatadas em cada um dos projetos e relatórios
Um segundo conjunto de documentos foi forma- que compõem o Programa de Formação Profissional
do por relatórios, artigos e pareceres escritos no final de Surdos.
do século XIX – época do início da educação dos sur- Pretendo, na seqüência deste artigo, demonstrar
dos em nosso país – até as primeiras décadas do sécu- como a formação profissional dos surdos engendra
lo XX, quando se instituiu uma proposta curricular um conjunto de tecnologias de poder – envolvendo

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táticas de sujeição dos corpos – com tecnologias do No Institut National de Jeunes Sourds – primeira
eu – que permitem ao indivíduo realizar operações escola pública para surdos fundada em 1760 pelo aba-
sobre seu corpo e sua alma, obtendo uma transforma- de L’Epèe, em Paris – , o regulamento escolar previa
ção de si mesmo (Foucault, 1990b). Toda essa ma- atividades a partir das 5 horas da manhã, sendo que
quinaria, investida de relações de saber-poder-verda- cada ação estava prevista com seu tempo determina-
de que se exercem sobre os diferentes indivíduos do: após 30 minutos para a toalete, deveriam realizar
envolvidos na formação dos surdos, almeja a produ- estudos juntamente com outros colegas, recitando suas
ção de sujeitos que conduzem a si mesmos. lições em língua de sinais. À s 7 horas, 30 minutos
para o desjejum. Em seguida, os alunos dividiam-se
Captura e ordenamento para suas aulas, alguns para as oficinas, outros para
dos corpos, tempos e espaços os “ ensinamentos intelectuais”. Das 10 horas e 30
minutos até 11 horas, um período de recreação, para
Instituições como escolas, asilos, fábricas, entre às 11 horas retomarem as lições. Esse ordenamento
outras, constituem-se em instâncias de controle nas do tempo de aprender desenrolava-se até as 9 horas
quais uma das funções seria extrair, do tempo e dos da noite, quando todos se recolhiam para o descanso
corpos, força de trabalho. A sociedade industrial foi noturno, reiniciando a rotina no dia seguinte (Institut
possível justamente por isso: o tempo dos indivíduos National de Jeunes Sourds de Paris, 1994). No INSM,
passa a ser mercadoria oferecida para ser comprada em nosso país, o seu diretor, Eduard Huet, descrevia
em troca de salário e ser transformada em tempo de em seu relatório para o imperador D. Pedro II uma
trabalho. O corpo, a partir daí, ganha nova significa- rotina diária que abrangia oito horas para aulas e qua-
ção, uma vez que não é mais objeto de suplício, mas tro horas para trabalhos manuais, além de “ necessitar
aquilo que “ deve ser formado, reformado, corrigido, um exercício moderado que os mantenha saudável”
o que deve adquirir aptidões, receber um certo núme- (Huet, 1855).
ro de qualidades, qualificar-se como corpo capaz de O processo de industrialização e a organização
trabalhar” (Foucault, 1999, p. 119). As funções da- da escola moderna compartilhavam de saberes que
quelas instituições seriam fazer, do tempo de vida dos vinham dando sustentação a uma nova ordem social.
homens, tempo de trabalho; fazer dos seus corpos for- A organização de ambas, escola e fábrica, foi sendo
ça de trabalho. Ou seja, nas instituições como escolas, perpassada por um poder disciplinar, em que o orde-
fábricas e asilos, encontramos um grande mecanismo namento do tempo e o controle dos corpos eram justi-
de transformação: ali estão envolvidos procedimen- ficados por um conjunto de saberes econômicos que
tos que pretendem fazer do tempo e do corpo dos in- evidenciavam uma relação entre utilidade e docilida-
divíduos, e de suas vidas, algo produtivo. Podemos de. Segundo Varela (1995, p. 92), foi necessário co-
perceber, entre os séculos XVIII e XIX, que se multi- locar em ação tecnologias disciplinares, ou seja, “ a
plicam as instituições nas quais o tempo das pessoas imposição de ‘disciplinas’, destinadas a conformar
era controlado em sua totalidade e, para que isso se sujeitos dóceis e úteis ao mesmo tempo”, sendo que
efetivasse, eram necessárias técnicas de extração essas disciplinarização, classificação, hierarquização
máxima do tempo (idem). Nas primeiras escolas de e normalização foram decisivas não somente para a
surdos encontramos variadas referências às rotinas Revolução Industrial, mas também para a efetivação
previstas para cada dia de ensino, tendo a preocupa- dos sistemas de democracia nos países ocidentais.
ção com um disciplinamento dos tempos e espaços e Da escola, segundo os documentos analisados,
com a captura dos corpos dos alunos e das alunas, esperava-se que formasse bons cristãos, bons cida-
com vistas à manutenção de uma vida saudável e a dãos, bons trabalhadores. Assim, formação para o tra-
um melhor aproveitamento de cada um deles. balho refere-se a um poder disciplinar que “ foi aper-

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feiçoado como uma nova técnica de gestão dos ho- 1877 apud Soares, 1999, p. 53). Aos programas de
mens” (Foucault, 1990a, p. 105). Através das práti- formação profissional, então, cabia “ disciplinar para
cas diárias, nos espaços escolares, jovens foram pre- a assiduidade, pontualidade e obediência” (Brasil,
parados para uma vida e um trabalho disciplinados. 1998, p. 7). Esses “ bons hábitos” de um trabalhador
O ordenamento do tempo evitaria a ociosidade, sen- eram objetivados por meio de um controle minucioso
do o trabalho entendido como de caráter civilizató- realizado pelos mestres responsáveis, a partir do re-
rio, forjando-se, assim, um novo sujeito. gistro dos trabalhos executados individualmente pe-
O corpo desse sujeito torna-se objeto da ciência los alunos, sendo-lhes atribuídas notas de aproveita-
que o explora e domina, transformando-o em corpo mento. Todas as atividades eram orientadas, coorde-
produtivo, ajustado para o trabalho. Esse crescente nadas e fiscalizadas pelos professores, que deveriam,
domínio sobre o corpo é apresentado por Foucault ainda, “ observar as aptidões dos alunos, distribuir os
(1991) em Vigiar e punir, através do que ele chama trabalhos de acordo com a capacidade de cada um e
de o nascimento de “ uma arte do corpo humano”, que zelar pela segurança dos mesmos”. Caso algum alu-
age em dois sentidos: aumenta as habilidades dos in- no não cumprisse as determinações estabelecidas, es-
divíduos em termos econômicos e de utilidade, ao taria sujeito “ as penas disciplinares que couberem [cou-
mesmo tempo em que aumenta sua sujeição, em ter- bessem] na sua alçada [do mestre] encaminhando ao
mos políticos de obediência. Chefe da S.E. [Seção de Ensino] os casos que exigi-
Tecnologias de ordenamento de corpos, tempos rem [exigissem] a aplicação de pena maior” (Regimento
e espaços na escola, por meio dos horários determi- do INSM, Revista do INSM, 1949).
nados para a realização das tarefas, das distribuições Mas essa observação contínua e o registro2 indi-
espaciais dos alunos nas salas de aulas, das ativida- vidualizado do aluno objetivavam também “ aquilatar
des físicas, contribuíram com essa nova ordem eco- a vocação de cada educando nos diversos trabalhos a
nômica que emergia. Nos documentos analisados, que foram [fossem] distribuídos para efeito de sele-
encontramos expressado esse desejo de “ restituir à ção que nos servirá de orientação futura” (Revista do
pátria cidadãos úteis que recebera ignorantes e até INSM, 1949, p. 2). Procurando aperfeiçoar essa vigi-
pervertidos” (Vieira, 1995/1996, p. 38). Esses resul- lância e seus “ bons resultados”, coloca-se em funcio-
tados eram esperados após um empreendimento de namento um “ sistema de rodízio para melhor estudo
práticas disciplinadoras dentro das diferentes ofici- das aptidões dos alunos”, permitindo “ demorada e
nas implementadas nas escolas. Os mestres dessas perfeita observação das qualidades vocacionais dos
oficinas eram responsáveis por explicar as “ instru- alunos” (Ribeiro, 1942, p. 24). Assim, toda uma or-
ções necessárias quanto à matéria-prima, sua escolha ganização dos tempos e espaços da formação profis-
e aplicação adequada”, uma vez que era necessário sional é posta em prática, e nela os alunos adquirem
aos alunos adquirir “ a habilidade específica, indis- “ conhecimentos gerais do ofício a abraçar e os da-
pensável ao manejo das ferramentas” (Revista do quele ramo que se queria especializar” (idem, p. 25).
INSM, 1949, p. 2). Essas oficinas, e as escolas nas quais elas se or-
Docilidade e fidelidade são apresentadas como ganizaram, aproximam-se muito daquilo que Foucault
características desejadas na educação para o traba-
lho, tanto nos documentos do início do século como
nos documentos atuais, com argumentações de que 2
O registro tem-se constituído em uma eficiente técnica de
“ nas fábricas de fiar, tecer e outras congêneres, os governamento das condutas dos indivíduos. Interessante assinalar
surdos-mudos são muito apreciáveis, não tanto por- que, entre as variadas alternativas de verbetes que podem ser usa-
que aprendem facilmente, mas porque são fidelíssimos dos como sinônimos ou variantes do verbo “ registrar”, o Dicioná-
executores das instruções e ordens do patrão” (Leite, rio Aurélio (Ferreira, 1988) indica “ reger, governar, regular”.

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analisou como sendo instituições “ de seqüestro”, cujas formação dos sujeitos nelas envolvidas: vão sendo
funções iam para além dos supostos objetivos de pro- articulados novos conhecimentos, vão produzindo-se
teção e segurança (Foucault, 1999, p. 118). A extra- novas táticas no sentido da constituição dos que são
ção da totalidade do tempo e o controle dos corpos – chamados “ novos trabalhadores”. Mas tudo isso numa
duas funções das instituições de seqüestro – podem rede que ainda mantém “ antigas” práticas e objetivos
ser percebidos nas prescrições do regimento do INSM, de formação profissional. O governamento do corpo
como também nos fragmentos de textos analisados, do futuro trabalhador – a captura do seu corpo e do
nos quais os professores e responsáveis pelos grupos seu tempo – continua empreendendo práticas como o
de alunos surdos descrevem suas atividades. “ registro de freqüência e pontualidade às aulas de
Por muitas décadas almejou-se um trabalhador educação profissional”, a fim de preparar o aprendiz
adaptado a um tipo de produção basicamente manual, para seu futuro emprego, no qual “ ele tem de obede-
no qual seguir ordens e se manter dentro das regras cer a regras e horários” (Integração, 2000, p. 11). E
estabelecidas eram condições consideradas suficien- isso é justificado, pois, como argumentam os respon-
tes para atender às necessidades de produção. Auto- sáveis pela educação profissional, “ alguns ainda se
res como Harvey (1998) ajudam-nos a entender as atrasam para o trabalho, faltam e até mesmo usam a
transformações ocorridas nas relações de produção própria deficiência como desculpa para conseguir al-
no século XX. Segundo ele, o fordismo estruturou-se gum privilégio” (idem, p. 4). Assim, recomendam que
e expandiu-se numa conjuntura particular de regula- essas e outras práticas que envolvem a realização de
mentação político-econômica mundial e numa confi- tarefas, ou mesmo formas de se “ comportar”, devem
guração geopolítica específica, num sistema de alian- ser “ repetidos para que as posturas sejam incorpora-
ças militares e de relações de poderes bem específicos. das” (Escola de Surdos A, 1999).
Assim, o período pós-guerra deveria ser visto não Porém, não basta, apenas, que o aprendiz surdo
apenas como mero sistema de produção, mas como esteja treinado para a obediência às regras e à repeti-
um modo de vida total. O fordismo-keynesiano pode ção de tarefas. Os programas de formação ampliam a
ser entendido como um conjunto de práticas de con- orientação para o trabalho no sentido de conjugar “ de-
trole do trabalho, tecnologias e hábitos de consumo e senvolvimento de hábitos e atitudes para o trabalho,
configurações de poder político-econômicas que ti- assim como o desenvolvimento de uma cidadania
veram seu colapso em 1973, num período de crise consciente” (Escola de Surdos A, 1996a). Ainda,
mundial. A partir daí, Harvey apresenta-nos o que ele objetivam “ o desenvolvimento de posturas para o tra-
denomina regime de acumulação flexível, caracteri- balho, a criatividade de soluções e a flexibilidade”
zado pela flexibilização dos processos de trabalho e (Escola de Surdos A, 1996b). Aliás, flexibilidade vem
de mercados, uma intensa mobilidade geográfica e constituindo-se em um requisito almejado nas novas
rápidas mudanças nas práticas de consumo. Isso tudo configurações do mercado de trabalho. Essa questão
veio a configurar-se em condições de possibilidade será discutida de forma mais detalhada mais à frente,
de uma redefinição no desenho dos programas de for- quando da análise da tecnologia da empregabilidade
mação profissional que, então, devem atender a essas e do empreendedorismo.
novas relações. Relacionamento interpessoal, aparência pessoal,
Sei que acabo de realizar simplificações em re- espírito de colaboração, iniciativa ao trabalho são ca-
lação às análises bastante complexas e interessantes racterísticas a serem estimuladas no decorrer dos pro-
sobre as transformações ocorridas no século XX e jetos de formação profissional, e para isso são usadas
referidas por Harvey, que interferem diretamente nos dinâmicas de grupo para incentivo à integração, para
diferentes aspectos da vida dos indivíduos e, particu- estabelecer “ combinações em relação às atitudes, res-
larmente, nas configurações das práticas destinadas à peito e horários”. Os resultados das ações planejadas

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e desenvolvidas na capacitação profissional são con- décadas de escolarização dos surdos. Entre essas
siderados satisfatórios, pois o “ grupo tem se mostra- mudanças, podemos perceber, através das prescrições
do muito responsável, estuda e experimenta cada téc- e descrições dos diferentes cursos, novas formas de
nica com afinco, praticamente não ocorrem faltas ou as instituições e da expertise envolverem-se no pro-
atrasos (Escola de Surdos A, 1997b). cesso de formação profissional. Para ajudar na com-
O desenvolvimento de hábitos e atitudes para o preensão desses deslocamentos, que não são, toda-
trabalho consiste em instrumento da tecnologia da via, específicos à educação dos surdos, considero
captura e ordenamento dos corpos, tempos e espaços, imprescindível aproximarmo-nos do debate em torno
otimizando a constituição de sujeitos trabalhadores da racionalidade política engendrada pelo liberalis-
em que “ interesse, responsabilidade, participação, mo e pelas formas de governamento implicadas no
colaboração, iniciativa relacionados ao trabalho” (Es- chamado liberalismo avançado ou neoliberalismo.
cola de Surdos A, 1996a) são considerados aspectos Vou conduzir essa discussão valendo-me, su-
imprescindíveis na formação profissional. Os alunos cintamente, da análise realizada por Rose (1997), no
são chamados a desenvolver “ adequadas relações so- intuito de entender a correlação entre essas racionali-
ciais”, bem como a ter posicionamentos “ construti- dades políticas. O autor procura descrever, primeira-
vos e inovadores”, através de um conjunto de habili- mente, o liberalismo a partir de quatro pontos. O pri-
dades que serão estimuladas pelo estudo de conteúdos meiro deles seria a constituição de uma “ nova relação
de “ saúde e segurança no trabalho, relações humanas entre governo e conhecimento”: toda a ação que o
no trabalho, legislação do trabalho e dos PPDs”3 (Mo- governo empreender deve estar ligada a fatos estatis-
vimentos Surdos, 2000) – todo um empreendimento ticamente calculados, a teorias formuladas, a diagra-
de ações voltadas para a conformação de um indiví- mas, a técnicas e especialistas que estão autorizados
duo adequado às novas demandas da formação pro- a falar “ em nome da sociedade” (p. 27).
fissional, mas também envolvidas na constituição de O segundo ponto apresentado pelo autor afirma
sujeitos que saibam cuidar de si. Mesmo que a tecno- que a racionalidade liberal se caracteriza por “ uma
logia de governamento aqui analisada diga respeito nova definição de sujeitos de governo como sujeitos
às “ técnicas de poder” que incidem nos corpos dos ativos que participam de seu próprio governo”. Para
indivíduos surdos aprendizes, ela está inteiramente isso, é colocada em funcionamento uma variedade de
relacionada com as “ técnicas de si”. dispositivos que têm por finalidade criar indivíduos
que se autogovernam, se autocontrolam e cuidam de
Novas/velhas estratégias: a constituição de si (idem, ibidem).
sujeitos e de instituições empreendedoras Outra característica do liberalismo se refere à
autoridade dos experts em relação aos mais variados
Os programas de formação profissional desen- campos da vida dos indivíduos, visando à adminis-
volvidos mais recentemente pelas escolas e movimen- tração de riscos, de perturbações e conflitos reconfi-
tos surdos vêm apresentando características diferen- gurados como “ problemas sociais”. Para resolver esses
ciadas daquelas propostas desenvolvidas nas primeiras problemas, os experts, através de seus programas,
mobilizam recursos políticos que garantem ao Esta-
do governar “ espacial e constitucionalmente – à dis-
3
Planos dos cursos (Movimentos Surdos, 2000) “ Introdu- tância” (idem, p. 29).
ção ao Processamento de Dados” e “ Operador de Microcomputa- A quarta característica da racionalidade liberal é
dores”. Objetivos como “ estimular atitudes, interferências no a reflexividade, ou seja, “ um questionamento contí-
mundo e posicionamentos construtivos e inovadores” são encon- nuo da ação do governo”. O liberalismo coloca para
trados também em Escola de Surdos B (1997 e 1998a). si um permanente “ questionamento sobre os erros das

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teorias e dos programas que impedem a eficiência do de governo”. Todo um conjunto de novas denomina-
governo, um diagnóstico recorrente do fracasso, uni- ções é encontrado nas formulações dos programas
do a uma exigência, também recorrente, de governar sociais, nos quais os sujeitos das ações passam a ser
melhor” (idem, ibidem). conhecidos e almejados como sujeitos clientes, con-
Segundo argumenta Rose (1997), o neoliberalis- sumidores, indivíduos que se convertem em experts
mo ou liberalismo avançado não vem a ser um aperfei- de si mesmos. Cada um está estimulado a incorporar
çoamento do liberalismo ou um jeito mais acurado de em suas obrigações uma relação calculada e prudente
governar. Trata-se, sim, de inventar novas estratégias sobre seu destino. Poderíamos, aqui, lembrar a em-
de governo que podem ser esboçadas por meio de três pregabilidade e o empreendedorismo, tecnologia de
características, conforme apresentadas pelo autor. governamento que é colocada em funcionamento pelo
A primeira característica refere-se a uma nova dispositivo da formação profissional, da qual apre-
relação entre os experts e a política: um conjunto de sento, a seguir, algumas considerações.
novas técnicas de cálculos e contabilidade, de avalia-
ção, de monitoramento, que são implementadas para Empregabilidade e empreendedorismo
exercer um controle crítico sobre a autoridade dos
experts. Esse conjunto de tecnologias produz “ uma Empregabilidade e empreendedorismo são pala-
nova trama de visibilidade em relação às condutas vras que vêm somando-se ao vocabulário cotidiano
das organizações e daqueles que as compõem”, bem não só de empresários e trabalhadores, mas também
como estabelece as condições para o efetivo governo do conjunto de educadores envolvidos direta ou indi-
“ à distância” (Rose, 1997, p. 35). retamente com a formação profissional dos surdos.
Outra característica da racionalidade neoliberal Surgem em um contexto de constantes mudanças eco-
apontada por Rose (1997) é “ uma nova pluralização nômicas, sociais e culturais, induzindo a sociedade e
das tecnologias sociais”, nas quais são observados os indivíduos à constituição de novos padrões de re-
movimentos de “ autonominação” dos programas so- ferência, nos quais são impostas “ maior capacidade
ciais, numa tendência à “ des-governamentalização do de mobilidade, adaptação e resposta às novas exigên-
Estado e uma des-estatização do governo” (p. 35). cias do mercado de trabalho” (Del Pino, 2000, p. 40).
Vão conformando-se, assim, cenários que têm por Os valores coletivos predominantes nas organi-
protagonistas empresas, organizações, comunidades, zações operárias e nos movimentos sociais das déca-
profissionais e indivíduos autônomos. Podemos lem- das de 1950 e 1960 vão dando lugar “ a um individua-
brar aqui as campanhas que vêm disseminando-se em lismo competitivo como valor central numa cultura
nosso país e que incentivam a responsabilidade so- empreendimentista que penetrou em muitos aspectos
cial das empresas e o voluntariado de indivíduos na da vida” (Harvey, 1998, p. 161), desde as ações liga-
implementação de programas sociais. Mas esse pro- das diretamente à economia e à administração, como
cesso todo é acompanhado pela invenção e utilização também nos espaços acadêmicos, literários e artísti-
de um aparato de mecanismos que instrumentalizam cos. A relativa estabilidade alcançada por algumas
uma autonomia regulada, através de contratos, indi- sociedades de economia avançada nas décadas pós-
cadores de desempenho, avaliação de resultados, guerra, através da organização de sindicatos, de polí-
monitoramento das ações, como bem podemos ob- ticas de assistência e das grandes empresas (Sennett,
servar nas descrições dos programas de formação pro- 2001), vem sendo contestada numa sociedade que se
fissional desenvolvidos pelo governo federal em par- apresenta cada vez mais submetida/conformada ao
ceria com a sociedade civil. imediato.
A terceira característica apontada por Rose (1997, A flexibilidade vem mudando o significado do
p. 37) refere-se a uma “ nova especificação do sujeito trabalho e as formas de organizar o tempo e o espaço

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Novos textos e novos atores na formação profissional para surdos

de trabalho. Os sujeitos do chamado “ novo capitalis- “ condição de ser empregável”. Os cursos de capaci-
mo” são interpelados a “ desprender-se do próprio tação já não têm o objetivo do emprego ao final da
passado” e aceitar a fragmentação: somos convenci- qualificação, mas da empregabilidade do sujeito, in-
dos de que vivemos numa sociedade que se organiza vestindo em práticas que almejem competências fle-
por episódios e fragmentos (Sennett, 2001, p. 73). O xíveis. Usando uma expressão proposta por Veiga-
desapego ao passado articula-se a um fenômeno de Neto (2001), o indivíduo passa a ser visto como Homo
“ presentificação do futuro”(Veiga-Neto, 2000, p. 211) manipulabilis, ou seja, como “ alguém que pode e deve
no qual acabamos, permanentemente, vivendo a sen- ser levado a se comportar dessa ou daquela maneira
sação de estar perdendo algo, de precisar correr atrás no mundo da economia – o que, na lógica neoliberal,
das inovações, das novas descobertas tecnológicas e equivale dizer simplesmente: no mundo” (p. 197).
dos mais recentes arranjos nas relações de trabalho. Atendendo a essa demanda por um trabalhador
Os diferentes programas de formação profissio- flexível e competitivo, a tecnologia da empregabili-
nal para surdos, analisados em minha pesquisa, apre- dade e empreendedorismo dirige-se a cada um e a to-
sentam uma preocupação referente às questões que dos, objetivando a condução das condutas de si, no
envolvem as novas tecnologias e que vêm exigindo sentido de transformação da subjetividade. A racio-
dos trabalhadores um conjunto de atributos pessoais nalidade de governamento investida na formação pro-
que respondam aos novos paradigmas de produção fissional não se limita aos discursos que explicam o
flexível e integrada. Escolaridade, ampliação de co- que seria a empregabilidade, mas “ se dirige à pessoa,
nhecimentos, habilidades cognitivas e de gestão pas- dizendo: ‘você é um ser empregável’, ‘você deve ser
sam a ser alguns dos requisitos na redefinição do perfil empregável’. Como todo processo de interpelação, ele
de um “ novo” trabalhador competitivo e empregável, será eficaz se a própria pessoa se tornar capaz de di-
entendendo-se empregabilidade com base em três zer: ‘sim, eu sou um ser empregável’” (Silva, 1999,
componentes: “ competência profissional, disposição p. 80-81).
para aprender e capacidade para empreender” (Bra- O “ novo” perfil de trabalhador exige do disposi-
sil, 2001, p. 1). tivo de formação profissional um “ novo perfil de qua-
Na era da globalização, a racionalidade política lificação”, que procure atender às necessidades de
que coloca em funcionamento a formação profissio- “ qualidade, produtividade, competitividade e flexibi-
nal propõe que certa dose de desemprego se constitui lidade”, consideradas “ palavras-chave na economia”
em bom estímulo ao mercado, à produtividade e à (Brasil, 1998, p. 6). “ Saber fazer” não é mais sufi-
competitividade. As práticas da “ reengenharia”, su- ciente para um trabalhador que almeja o sucesso. É
gerindo eficiência a partir da lógica do “ fazer mais necessário também “ conhecer e, acima de tudo, saber
com menos”, aumentaram o contingente de trabalha- aprender”. O “ novo” trabalhador, formado pela “ nova”
dores desempregados (Sennett, 2001, p. 56), produ- educação profissional, deve ser preparado para a ini-
zindo a necessidade de permanente estado de flexibi- ciativa, o imprevisto, a decisão e a responsabilidade
lização para atender às demandas do mercado. O (idem, p. 7). “ O sujeito ideal” almejado nessa racio-
desemprego é reproblematizado, passando a ser en- nalidade de governamento “ é aquele capaz de parti-
tendido como uma questão individual de falta de ha- cipar competindo livremente e que é suficientemente
bilidade que deve ser superada com uma prontidão competente para competir melhor fazendo suas pró-
para a aprendizagem permanente e capacitação con- prias escolhas e aquisições” (Veiga-Neto, 2000,
tínua (Rose, 1996). A empregabilidade constitui-se, p. 199-200).
assim, numa tecnologia que conduz os indivíduos a Indivíduos exercendo livremente suas habilida-
procurarem participar desse processo, passando a al- des, desatrelados da rigidez burocrática, aprendendo
mejar não mais o emprego, imediatamente, mas a a lidar com as incertezas sem que elas representem a

Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 33 set./dez. 2006 443


Madalena Klein

iminência de um desastre: eis a configuração de um ção por áreas de formação que possibilitam a entrada
cenário no qual “ a instabilidade pretende ser normal” no mercado de trabalho não só pela via da emprega-
(Sennett, 2001, p. 33) e os jogos de poder-saber-ver- bilidade formal, mas também pela via informal”, na
dade instituem “ novas estruturas de poder e controle, qual as alternativas de atividades podem estar ligadas
em vez de criarem as condições que nos libertam” à “ produção doméstica ou prestação de serviço autô-
(idem, p. 54). Indivíduos livres, porque envolvidos nomo, para empresas familiares, pequenas empresas
num vocabulário que fornece ferramentas versáteis e cooperativas de trabalho” (Escola de Surdos A,
para seu pensamento de sujeito flexível e empreen- 1997a).
dedor. O trabalhador é construído “ como indivíduo Para implementar “ ações que se traduzam em
que busca, ativamente, moldar e administrar sua pró- experiências criativas de geração de trabalho e ren-
pria vida com o propósito de maximizar suas recom- da” (Movimentos Surdos, 2000), os programas de
pensas em termos de sucesso e realização” (Miller & formação profissional para surdos ativam estratégias
Rose, 1993, p. 100). no intuito de desenvolver “ habilidades de gestão”,
A retórica de que “ é preciso também empreen- entendidas como competências “ para identificar/so-
der” está presente no dispositivo da formação profis- lucionar problemas através do questionamento, aná-
sional e, para isso, torna-se “ fundamental localizar- lise e comparação” (Escola de Surdos B, 1998a), a
se e empreender-se a si próprio, na economia e na “ rápida tomada de decisão e possibilidade de avalia-
sociedade em permanente transformação”. É isso que ção de cada decisão” (Escola de Surdos A, 1997a).
é esperado de um cidadão produtivo: “ capacidade de “ Autogerenciamento e administração” são apon-
apreender e gerir uma realidade que tem como regra tados como estratégias para “ a melhoria das condi-
a transitoriedade permanente” (Brasil, 2001, p. 1). ções atuais de vida”. Para isso, os alunos devem “ desen-
As configurações nas relações de trabalho, li- volver habilidades básicas de matemática relacionadas
gadas à crescente falta de empregos formais, vêm pro- com a execução de projetos” ligados diretamente às
duzindo a necessidade de criação de outros espaços atividades específicas na área de qualificação, “ atra-
de produção. A formação profissional, principalmen- vés da prática de cálculos de medida, quantidades de
te quando se refere às camadas “ vulneráveis” da so- materiais, áreas”, como também “ as estimativas de
ciedade, procura enfatizar “ competências e conheci- custos, tempo e materiais para montagem de orçamen-
mentos relativos a atividades de gestão, autogestão”, to” (Escola de Surdos A, 1999), como possibilidade
direcionando os aprendizes a buscarem alternativas de cada aluno, individualmente ou em grupo, capaci-
“ no trabalho autônomo do processo produtivo” (Bra- tar-se para exercer o “ gerenciamento de tarefas” (Es-
sil, 2001, p. 1). cola de Surdos A, 1997b).
Grande parte das opções de cursos, bem como as Os cursos de formação analisados enfatizam a
possibilidades sugeridas de empreendedorismo para importância de os aprendizes envolverem-se também
os surdos, nos programas de formação, atendem a nas etapas de comercialização dos produtos. Assim,
setores denominados “ alternativos”, ou de serviços,4 conteúdos ligados a “ estratégias de comercialização;
sendo estimuladas opções de organização associativa, marketing; publicidade e propaganda” (Escola de
como as cooperativas, ou as oficinas do tipo familiar. Surdos B, 1998a) são colocados nos currículos, al-
Justifica-se isso pelo “ crescente interesse da popula- mejando surdos trabalhadores qualificados para as
diferentes etapas no sistema de produção, distribui-
ção e consumo. Nos relatórios, os resultados são apre-
4
Os cursos analisados eram de artesanato, reciclagem de sentados e festejados: “ a feira de Natal [...] se reali-
papel, arte e decoração (pinturas e revestimentos), como também zou no saguão da escola, bem à vista de todos, e a
ligados às áreas da alimentação, informática e hotelaria. comercialização, organização do espaço, contabilida-

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Novos textos e novos atores na formação profissional para surdos

de e divisão das vendas foi toda administrada pelos das regras ali estabelecidas. “ É, em parte, através da
alunos” (Escola de Surdos B, 1998b). adoção de vocabulários, teorias e explicações em co-
Procurando entender como a formação profis- mum que podem ser estabelecidas associações livres
sional se articula a partir da racionalidade neoliberal, e flexíveis entre os agentes por todo tempo e espaço,
isolo e analiso, ainda, os mecanismos ali colocados ao passo que cada um permanece mais ou menos cons-
em funcionamento, e que se destinam, especificamen- titucionalmente distinto e formalmente independen-
te, à constituição de instituições parceiras e co-res- te” (Miller & Rose, 1993, p. 84).
ponsáveis nas ações da educação para o trabalho. A formação profissional, como dispositivo de
governamento que atende a uma emergência no sen-
Articulação institucional e tido de combate ao risco da pobreza e exclusão so-
fortalecimento da sociedade civil cial, utiliza-se da parceria como uma das estratégias
mais recomendadas: “ o Conselho da Comunidade
A racionalidade política da formação profissio- Solidária foi criado em 1995 com base na constata-
nal coloca em funcionamento um arranjo articulado ção de que a sociedade civil contemporânea se apre-
de instituições da sociedade civil, que são interpela- senta como parceira indispensável de qualquer go-
das a serem co-responsáveis na elaboração e gestão verno no enfrentamento da pobreza e exclusão social”
dos programas de educação profissional. No campo (Comunidade Solidária, 2001). É desejável o envol-
da educação de surdos, encontramos escolas e enti- vimento de toda a sociedade. Todos e cada um são
dades representativas dos surdos engajando-se nesse responsáveis por ações de solidariedade que venham
sentido. Essa tecnologia de governamento atende aos a atender à problemática social do país.
propósitos de um Estado que, através do estímulo à É imprescindível que haja o convencimento das
autonomia de indivíduos e grupos, vem afrouxando instituições de que “ se houver articulação de todos os
suas prerrogativas de “ controlador e provedor da so- órgãos envolvidos com a profissionalização de pes-
ciedade” (Veiga-Neto, 2000, p. 201). Mas essa auto- soas com deficiência” será possível a criação de con-
nomia não significa poder fazer tudo, de acordo com dições para que “ essas pessoas conquistem seu espa-
escolhas próprias. É necessário que haja uma articu- ço no mercado de trabalho” (Integração, 2000, p. 7).
lação entre os indivíduos, os grupos, as instituições e Pretende-se a qualificação das entidades envolvidas
o Estado, no intuito de “ mobilizar e articular um pro- nos programas, interpelando cada uma delas a um
jeto comum” que atenda à “ mobilização, integração e deslocamento do “ assistencialismo, resumido em pa-
fortalecimento de uma rede nacional de educação pro- ternalismo e condescendência da esmola e compai-
fissional (Brasil, 1998, p. 9 e 11). xão” para a implementação de “ posturas dinâmicas,
Essa rede não apenas envolve a formação de nas quais os direitos sociais passam a ser reconheci-
alianças que visam ao financiamento das ações pre- dos como inerentes ao conceito de cidadania”. É isso
vistas pelos projetos, mas engendra, também, um con- que se espera de uma “ sociedade que se pretende ci-
junto de recursos que possam ser usados no sentido vilizada” (idem, p. 11).
de persuadir, coagir e convencer os atores ali envol- A base dos programas de educação profissional
vidos sobre os problemas e os objetivos comuns que está na articulação interinstitucional, nas diferentes
os ligam. Logo, essa parceria possibilita, aos indiví- esferas do governo e da sociedade civil. A co-respon-
duos, às organizações e entidades, um alinhamento sabilidade é elemento estimulado repetidamente. Todo
livre, móvel e indeterminado em relação ao tempo, o planejamento dos programas passa pela idéia de uma
ao espaço e aos limites formais que os caracterizam. articulação entre os diferentes atores do processo, es-
Nesse sentido, a linguagem assume um importante timulando a sociedade civil a envolver-se desde a cap-
papel na configuração dessas redes e na habilitação tação dos recursos, na elaboração dos projetos, até

Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 33 set./dez. 2006 445


Madalena Klein

sua execução. “ O novo modelo de ação social pro- A tecnologia da articulação institucional, além de
posto tem por base a articulação solidária da socieda- ter como objetivo a execução eficiente dos programas
de brasileira na mobilização de recursos humanos, de formação profissional, é considerada estratégia de
técnicos e financeiros para o combate à pobreza e à fortalecimento da sociedade civil: “ o PCS (Programa
exclusão social” (Á vila, 2001, p. 2-3). Para que isso Comunidade Solidária) atua em duas frentes interliga-
se efetive, são criados “ instrumentos de administra- das: a capacitação profissional de jovens e o fortaleci-
ção” que “ permitem agilidade, eficiência e transpa- mento da sociedade civil” (Comunidade Solidária,
rência, para efetivo controle dos doadores, dos bene- 2001). Para isso, são realizados inúmeros procedimen-
ficiários e da sociedade em geral” (AAPCS – tos de monitoramento e avaliação voltados tanto aos
Associação de Apoio ao Programa Comunidade Soli- aspectos pedagógicos dos cursos propriamente ditos,
dária, [s.d.]a). quanto à forma de conceber sua administração e ges-
As parcerias visam não somente às instituições, tão. “ O monitoramento e avaliação de projetos têm por
pois é necessário o envolvimento de diferentes inte- finalidade garantir a adequada implementação dos cur-
lectuais que articulam seus saberes, que entram em sos, possibilitando às organizações a utilização de es-
entendimento sobre toda uma linguagem que vai de- tratégias e instrumentos de trabalho especialmente
finir as necessidades a serem atendidas, as pedago- desenvolvidos” (idem). Essa normatização técnica é
gias a serem escolhidas, os objetivos a serem atingi- desejada, e todos os envolvidos no processo devem
dos, definindo “ de modo transparente recursos de almejá-la, com fins de eficiência e eficácia dos resulta-
todos os tipos, intelectuais e financeiros, provenien- dos. Termos como parceria, articulação, intercâmbio,
tes do Estado, da iniciativa privada e do setor privado diálogo entre governo e sociedade civil repetem-se nos
sem fins lucrativos (o Terceiro Setor). Á reas que hoje documentos, sendo considerados não simplesmente
passaram a atuar conjuntamente a favor do desenvol- alternativa para as políticas sociais, “ mas pré-requisito
vimento do país” (Comunidade Solidária, 2001). para sua execução com eficiência e equidade” (Cardo-
A racionalidade de governamento da formação so, Franco & Oliveira, 2001, p. 4).
profissional para portadores de deficiência, especifi- Há um convite para o novo, o contemporâneo, o
camente, propõe que o “ avanço qualitativo e quantita- global, positividades relacionadas ao “ crescente pro-
tivo” desses programas depende da valorização e tagonismo dos cidadãos e de suas organizações” e que
utilização dos “ saberes das entidades e de seus espe- vêm qualificar “ uma sociedade mais reflexiva, ener-
cialistas” a fim de “ orientar/definir estratégias mais gizada, inteligente”. Na racionalidade da chamada
adequadas à sua implementação” (Miranda, 2000, p. 3). “ nova” educação profissional, posicionamentos con-
A seleção das instituições deve resultar de processos trários a essas propostas devem ser evitados, pois são
“ extremamente criteriosos e criativos” que dêem con- associados ao passado. É desejável que todos sejam
dições de promoção de “ projetos de média e longa du- seduzidos pelas vantagens de se trabalhar de forma
ração” que possam proporcionar “ resultados mais conjunta, superando, assim, “ resistências e precon-
eficientes” (Integração, 2000, p. 14). Envolvida nesta ceitos, desconfiança mútua e concepções ultrapassa-
racionalidade, uma escola de surdos argumenta em seu das” (idem, p. 5).
projeto que “ a experiência, interesse e qualificação dos Governar envolve o ordenamento das atividades
educadores envolvidos na educação dos surdos”, por e dos processos, como também o estímulo ao engaja-
exemplo, são estimulados, fazendo com que a convi- mento pessoal dos indivíduos responsáveis pela exe-
vência “ com pessoas surdas” aumente a “ responsabili- cução e administração dos projetos. “ O governamento
dade na execução desta atividade” (Escola de Surdos funciona através dos sujeitos” (Miller & Rose, 1993,
B, 1997). Tecnologia que incentiva formas de melhor p. 92) que são aliados-“ chave” na eficácia da imple-
ser e de melhor fazer na educação profissional. mentação de objetivos políticos, econômicos e sociais

446 Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 33 set./dez. 2006


Novos textos e novos atores na formação profissional para surdos

do programa. As estratégias de cálculos e avaliação dos trabalhadores empreendedores e instituições


colocadas em funcionamento passam a operar como engajadas e participantes. Pude perceber, pelos docu-
mecanismos de “ auto-orientação” e “ controle dos in- mentos analisados, o funcionamento das diferentes
divíduos”, sem que esses percam sua autonomia. tecnologias, observando as articulações, as justaposi-
Os programas analisados neste artigo comparti- ções e, muitas vezes, as contradições em relação às
lham de uma organização voltada ao acompanhamento táticas ali investidas. Uma maquinaria que inventa,
das diferentes fases de planejamento, execução e ava- multiplica, mas também exclui os mecanismos mes-
liação dos cursos. Reuniões, seminários, elaboração mos que a colocam em funcionamento. Assim, em
de relatórios técnicos e financeiros procuram dirigir muitos momentos da análise, os discursos repetiam-
as condutas tanto dos educadores quanto dos admi- se, os procedimentos intensificavam-se, constituindo
nistradores ali envolvidos. Instrumentos como o múltiplas possibilidades de cruzamentos e engendran-
cronograma de desembolso e o relatório técnico são do variados jogos de saber-poder.
ferramentas utilizadas para o registro de informações Pretendi trilhar os caminhos da pesquisa investida
sobre a previsão de execução do projeto, como as de uma atitude crítica. Ousei inspirar-me numa críti-
ações e os resultados alcançados, respectivamente. Os ca nos moldes foucaultianos que, como argumenta
organismos parceiros-financiadores fazem questão de Senellart (1995, p. 6), pretende “ analisar os mecanis-
ressaltar que “ os relatórios são, para a AAPCS, um mos que produzem o saber com seus efeitos de po-
instrumento de acompanhamento técnico e financei- der” em suas condições de imanência. Ao dirigir o
ro do projeto, e não um mecanismo de fiscalização” olhar aos programas de formação profissional, não
(AAPCS, [s.d.]b). fui antecipando um comportamento de rejeição, de
Tanto as instituições aí envolvidas como os seus posicionar-me dentro ou fora das relações de poder
profissionais são interpelados, num processo de autono- ali analisadas. É necessário situar-se nas fronteiras,
mização, a se tornarem experts de si mesmos, experts para experimentar “ as formas da ultrapassagem pos-
da formação profissional. Vemos em funcionamento a sível” (idem, ibidem). E aos que dizem que nesta pers-
operacionalidade de “ dispositivos de tradução das ‘au- pectiva nos colocamos numa posição determinista e
toridades’ para os ‘indivíduos’, moldando condutas descompromissada em relação às “ transformações da
não através da coerção, mas através do poder da verda- realidade”, respondo juntamente com Foucault, con-
de, a potência da racionalidade e as promessas seduto- forme nos diz Senellart (idem, p. 7), que estou “ do
ras da eficiência” (Miller & Rose, 1993, p. 93). lado de uma certa desconfiança, reticência, resistên-
cia ao governo, mas também de um desejo de gover-
Algumas considerações nar de outro modo”.
para improváveis conclusões
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tituindo-se, na formação profissional dos surdos, di- AAPCS – Associação de Apoio ao Programa Comunidade Solidá-
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Resumos/Abstracts/Resumens

perspectiva foucaultiana como tecnolo- responsible way: machinery invested


gias de governamento, foram construí- with power-knowledge-truth
das a partir da captura das ênfases, das relationships that aim at producing
repetições, das articulações entre pres- subjects who are capable of organising
crições e procedimentos desses progra- themselves.
mas. São elas: captura e ordenamento Key words: education for the deaf;
dos corpos, tempos e espaços; empre- professional training; technologies of
gabilidade/empreendedorismo e a arti- governance
culação institucional e o fortalecimento Nuevos textos y nuevos actores en la
da sociedade civil. Descrevo como formación profesional para sordos:
vêm constituindo-se diferentes estraté- ¿rupturas o permanencias?
gias que se dirigem aos indivíduos sur- En este artículo analizo programas de
dos e às instituições e seus profissio- formación profesional para sordos. Di-
nais, no sentido de conduzirem suas rijo la mirada a los discursos presentes
ações de forma articulada e co-respon- en documentos relacionados a la polí-
sável: uma maquinaria investida de re- tica de formación profesional, bien
lações de saber-poder-verdade que al- como en proyectos e informes elabora-
meja a produção de sujeitos que dos por escuelas y entidades de sordos.
conduzem a si mesmos. Las unidades analíticas, entendidas a
Palavras-chave: educação de surdos; partir de la perspectiva foucaultiana
formação profissional; tecnologias de como tecnologías gobernables, fueron
governamento construidas a partir de la captura del
New texts and actors in professional énfasis, de las repeticiones, de las
training for the deaf: ruptures or articulaciones entre prescripciones y
permanence? procedimientos de esos programas.
In this article, I analyse programmes of Son ellas: captura y ordenamiento de
professional training for the deaf. I los cuerpos, tiempos y espacios;
direct attention to discourses present in empleos/emprendimientos y la
documents proposing a policy of articulación institucional y
professional training, as well as in fortalecimiento de la sociedad civil.
projects and reports produced by Describo como vienen constituyéndose
schools and institutions for the deaf. diferentes estrategias que son dirigidas
The analytical units, such as a los individuos sordos y a las
technologies of governance, instituciones y sus profesionales, en el
understood from the Foucaultian sentido de orientar sus acciones de for-
perspective, were constructed on the ma articulada y correspondiente: una
basis of emphases, repetitions, and maquinaria embestida de relaciones de
Madalena Klein articulations between prescriptions saber-poder-verdad que anhela a la
Novos textos e novos atores na and procedures of these programmes. producción de sujetos que se
formação profissional para surdos: They are: capture and ordering of conduzcan a sí mismos.
rupturas ou permanências? bodies, times and spaces, Palabras claves: educación de sordos;
Neste artigo, analiso programas de for- employability/entrepreneurship, and formación profesional; tecnologías
mação profissional para surdos. Dirijo institutional articulation and gobernables
o olhar aos discursos presentes em do- reinforcement of civil society. I
cumentos propositivos da política de describe how different strategies that
formação profissional, bem como em are directed towards deaf individuals,
projetos e relatórios elaborados por es- institutions and their professionals
colas e entidades de surdos. As unida- have been constituted so as to conduct
des analíticas, entendidas com base na their actions in an articulated and co-

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