Professional Documents
Culture Documents
“Os poderes constituídos da República Federativa do Brasil não podem dispor sobre o Poder
que sobre eles dispõe: a Soberania do Povo.”
(Ministro Carlos Britto, quando professor no Curso de Direito da UFS)
Em uma série de artigos que publiquei em 2009 – intitulada “STF versus NAÇÃO
BRASILEIRA: a quem pertence o Poder Constituinte?” – demonstramos que a Constituição
Federal não deixa dúvidas a respeito de “a quem pertence o Poder Constituinte”. Pertence à
Nação Brasileira, à sua realidade fáctica e presencial, o povo. Como corolário dessa assertiva,
ao STF, cabe, estritamente, ser o guardião dos princípios e preceitos fundamentais que ela, a
Nação, definiu no texto constitucional originário, sem ir além, aquém ou fora dos parâmetros
valorativos estabelecidos. Assim, o STF, ao decidir sobre questões que envolvem o complexo
ideário moral e sociocultural da denominada consciência nacional, os seus mores maiorum
civitatis (o bem, o belo e a verdade da sociedade, em termos conceituais e comportamentais),
não pode fazê-lo com implicações de ordem legiferante e mutacional ou de construção e
desconstrução “legislativa”, sob pena de estar incorrendo no gravíssimo e ilegítimo
fenômeno da “judicialização do Poder Constituinte Originário”. Isto é, em uma linguagem
mais simples: sob pena de estar usurpando o poder que só o Povo tem, seja diretamente, seja
através dos seus representantes eleitos. Em síntese: Ministro do STF não é, e não pode ser,
Legislador do Congresso Nacional.
A esta altura, o leitor pode estar se indagando: “mas, então, como eles
conseguem agir e fazer assim?”. Explico. A técnica que eles usaram (e usam) para ler um
texto, como o do art. 226 da CF e o art. 1723 do CC, e extrair dele um significado que não está
escrito, é a chamada Técnica da Interpretação Conforme a Constituição, nascida na Suprema
Corte Americana (“principle: in the harmony with Constitution”) e difundida em todo o mundo
pela Suprema Corte Alemã (“Verfassungskonforme Auslegung”). Tal técnica, resumidamente,
consiste em se determinar, via hermenêutica, que interpretações se podem, ou não, fazer de
um determinado texto. No caso do julgamento, estabeleceu-se que não se pode extrair da
dicção do art. 1723 do CC – que diz “É reconhecida como entidade familiar a união estável
entre o homem e a mulher (...)” – a interpretação de que a união estável entre homossexuais
não se constitui em entidade familiar. Ora, isso é uma “interpretação conforme” absurda,
autoritária e psicótica (uma verdadeira “forçação de barra”), porque o texto não diz isso (diz o
contrário!) e, fazendo o clássico raciocínio hermenêutico tridimensional (baseado nos
elementos da ratio, ocasio e mens legis), não foi isso que o Povo, em Assembléia Nacional
Constituinte, em 1988, quis dizer. Este é um típico exemplo do chamado Silêncio Eloqüente
(“beregtes schweigen”) do Legislador Constituinte Originário que, sobre a união gay, nada
admitiu ou disse. Neste sentido, o grande constitucionalista português Canotilho diz: “não se
aceita a interpretação conforme a Constituição quando, pelo processo de hermenêutica, se
obtiver uma regra nova e distinta daquela objetivada pelo legislador, seja em seu sentido
literal ou objetivo”. O STF fez exatamente o contrário.