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Momentum

Apagão de visão

Marcos Gouvêa de Souza (mgsouza@gsmd.com.br), diretor-geral da GS&MD –


Gouvêa de Souza

O país não está preparado para o nível de atividade econômica que vive
neste momento. E tudo leva a crer que o quadro vai piorar ainda mais.
No trânsito, nos aeroportos, na falta de mão-de-obra especializada, nas
estradas, nos portos, enfim, em tudo que diga respeito à infraestrutura. E o
que se acompanha no dia a dia é um processo moroso, complexo e quase
inconsequente no encaminhamento de soluções estruturais para correção de
rumos. Um apagão absoluto de visão na compreensão da dimensão da
transformação que o país vive.
E tudo seria por si só dramático, não fosse a perspectiva de um profundo
agravamento nos próximos anos, por conta da Copa do Mundo em 2014 e
das Olimpíadas em 2016. Beira a inconsequência a forma como esses
temas têm sido tratados. E já há quem lembre que outros países declinaram
de sediar a Copa do Mundo por conta de problemas internos.
O convívio com filas, desconforto, ausência de serviços, custos mais
elevados, preços acima do mínimo bom senso e um constante sentimento
de frustração se incorporaram ao nosso dia a dia e já começam a amortecer
o espírito mais crítico, dentro de uma perversa lógica de que o crescimento
gera dores.
No quadro atual, os espíritos mais críticos começam a ser abatidos pelo
sentimento de que é assim mesmo e dessa forma deverá continuar. E aí,
mais do que apagão de visão, temos um apagão do senso de cidadania.
O país se transformou numa das mais expressivas economias do mundo,
em condições de subir ainda mais na escala dos países mais maduros, mas
sua infraestrutura não está preparada para tal e existe um profundo descaso
com as consequências atuais e futuras desse quadro, sendo as medidas que
poderiam minimizar tudo isso adotadas de forma homeopática e custosa,
impedindo que vivenciemos em sua plenitude essa transformação
estrutural.
E o custo dessa ausência de determinação na necessidade de uma
transformação profunda se incorpora aos custos dos produtos, dos serviços,
da mão-de-obra, do transporte e da logística, sendo repassado como um
custo inevitável que distancia o país de um cenário mais competitivo,
onerando o que quer que se produza por aqui.
O drama vai das condições dos aeroportos ao trânsito caótico das maiores
cidades, que já não têm dia ou hora para travar; das condições desumanas
da saúde pública à educação oferecida aos que não podem pagar pelo
ensino privado; do estado crítico da maioria das estradas não privatizadas
aos custos dos portos; dos constantes apagões de energia ao preço dos
produtos e serviços; da falta de quartos em hotéis à saturação das estradas.
E ainda faltam três anos para a Copa do Mundo!
Um tempo que em cidades como na China, no Qatar, em Cingapura, na
Austrália, no Japão ou na Índia permitiram uma transformação radical e
estrutural, mas que, em nossa realidade, dificilmente será possível, por
conta da máquina e dos processos burocráticos que atravancam essa
mudança. E definitivamente não é uma questão de dinheiro: seria muito
mais uma questão de visão, determinação, projetos, planejamento e
processos.
O exemplo do que aconteceu nos Jogos Pan Americanos no Rio de Janeiro
paira como uma advertência no ar. O orçamento inicial estourou de forma
inconsequente por conta da falta de planejamento e o que se fez, em boa
parte, está se desmanchando ou é inaproveitável. E a Copa do Mundo e as
Olimpíadas podem exponenciar esse efeito. Como tudo na vida, muitos
perdem e alguns poucos ganham com essa perversa realidade.
Mas não houvesse esses dois megaeventos o quadro já seria por demais
dramático, expondo a população às consequências desse caos que se
instaura no país. E surpreende a passividade com que se tratam os
problemas que decorrem dessa situação, como se não houvesse prazos por
cumprir e um quadro diário de crescente deterioração.
O que de pior poderia acontecer parece se desenhar: uma acomodação da
população e das lideranças e a não manifestação de repúdio e
inconformismo, exigindo da forma como for possível uma mudança de
atitude e o resgate de um mínimo de bom senso no trato do que é público,
não aceitando que, pagando o que se paga de impostos neste país,
estejamos expostos ao que temos vivenciado.
Que falte visão, mas não pode faltar indignação.

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