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INTRODUÇÃO À METROLOGIA
1.1
Os apontamentos dos capítulos teóricos (1-4) foram gentilmente
1.2
Capítulo 1
Metrologia
1.1 INTRODUÇÃO
Metrologia, palavra de origem grega (metron, medida; logos, tratado), é a ciência dos pesos e
medidas ou, se se quiser, a ciência da instrumentação e das medidas com ela realizadas.
Actualmente, porém, esta designação está mais intimamente ligada ao domínio das medidas de alta
exactidão.
Embora a medida de algumas grandezas físicas elementares tenha sido iniciada há milhares de anos,
pode-se dizer que só no século XVI com os trabalhos do polaco Nicolau Copérnico (1473-1543) e
especialmente do dinamarquês Tycho Brahe (1546-1601), nasce a ciência e a medida como tal. Esta,
ao constituir meio privilegiado de contacto com a realidade, será sempre fundamental na evolução,
quer da ciência quer, naturalmente, da tecnologia. De facto, se é certo que a validação de qualquer
teoria ou lei física passa obrigatoriamente pela comparação entre os resultados por elas previstos e
aqueles que se obtêm por medidas envolvendo os fenómenos em questão, é igualmente verdade que
as novas teorias físicas conduzem, por norma, quer ao desenvolvimento de novos instrumentos de
medida, quer de novas tecnologias, ambos propiciadores de melhores condições experimentais. A
evolução da capacidade de "olhar" a realidade conduz naturalmente à detecção de fenómenos não
explicáveis satisfatoriamente no contexto teórico aceite num determinado momento; a concepção de
novas teorias torna-se por isso imperiosa, fechando-se assim um ciclo que constitui a essência da
evolução científica.
1.3
previsão baseada nas teorias de Copérnico e de Ptolomeu (150 A.C.) eram denunciadores da não
validade destas.
A medida de grandezas físicas elementares começou por ser uma arte. Actualmente, e embora
muitos aspectos impliquem ainda uma sensibilidade especial, a arte tem vindo a ser
progressivamente substituída pela técnica. Também os instrumentos de medida, inicialmente
delicados e por vezes pouco fiáveis, têm vindo a dar lugar a outros mais robustos e mais precisos. O
desenvolvimento da electrónica, primeiro do vazio e posteriormente do estado sólido, foi decisivo nas
mudanças verificadas. Os instrumentos suportados em componentes electrónicos permitiram, a partir
de 1930, a sua utilização na indústria, com evidentes repercussões não só nos processos de fabrico,
mas também em toda a filosofia de vida de muitos povos.
Ao falar-se em medida não se pode deixar de associar a noção de exactidão, isto é, a possibilidade
de conhecer com rigor o valor da grandeza desconhecida. Se a importância da execução de medidas
com exactidão no desenvolvimento teórico já foi anteriormente referida, será fundamental mencionar
outro aspecto não menos relevante dessa característica da medida: o desenvolvimento da
engenharia, isto é, da aplicação da ciência às necessidades humanas. Uma infinidade de produtos
que fazem parte do quotidiano de um ser humano estão suportados na possibilidade de execução de
uma produção controlada, que implica medidas rigorosas de diversos parâmetros e grandezas físicas.
Para além disso, a realização de acções envolvendo aspectos técnicos ou tecnológicos críticos está
geralmente dependente, directa ou indirectamente, de instrumentos e métodos de medida de elevada
exactidão. Um exemplo apenas, mas este bem eloquente: o módulo lunar utilizado na missão Apolo
11, que pela primeira vez permitiu a um ser humano o contacto físico com o solo daquele satélite da
Terra, dispunha nos seus tanques, na altura da alunagem, de combustível para apenas mais 10 s de
funcionamento dos seus motores. Só um controlo rigoroso, uma temporização apertada de toda a
missão e um conhecimento experimental das condições em que ela iria e estava a decorrer
permitiram minimizar a quantidade de carburante a transportar e, portanto, maximizar o peso da
restante carga útil a incluir no módulo.
Em Metrologia, como em várias outras áreas do saber, utiliza-se terminologia própria. O significado
1.4
das diferentes palavras tem vindo a ser normalizado, pelo que é de toda a conveniência conhecê-lo.
Apresentam-se a seguir alguns dos termos principais da linguagem metrológica, o seu significado e
correspondente designação anglo-saxónica de acordo com o Vocabulário Internacional de Metrologia.
Refira-se que, tendo em atenção a definição de aparelho de medida, muitos dos vocábulos são
usados com igual significado para caracterizar propriedades ou comportamentos de dispositivos
muito diferentes utilizados em Metrologia e que constituem, no seu conjunto, aquilo que usualmente
se designa por instrumentação.
Medida ou Medição – (Measurement): conjunto de operações tendo por objectivo determinar o valor
de uma grandeza. Medir é, pois, atribuir um número que quantifica uma propriedade ou característica
material: não se mede uma peça; mede-se sim o seu comprimento.
1.5
seguintes condições:
enquanto que se utiliza normalmente o termo precisão do instrumento de medida para referir a
aptidão do instrumento de medida para dar, em condições de utilização definidas, respostas muito
próximas, quando se aplica repetidamente o mesmo sinal de entrada. As condições de utilização
definidas são habitualmente as seguintes:
- repetição após um curto intervalo de tempo;
- utilização no mesmo local e nas mesmas condições ambientais;
- redução ao mínimo das alterações devidas ao observador.
xn − X
RP = 1 − (1.1)
xn
Os conceitos de exactidão e de precisão, embora totalmente distintos, são, talvez por via da escolha
dos vocábulos escolhidos para os traduzir, muitas vezes confundidos. O facto de existirem termos,
como classe de precisão, que embora contendo uma das palavras dizem respeito à outra (neste caso
a classe tem a ver não com a precisão mas sim com a exactidão), contribui naturalmente para essa
confusão. A ausência de ideias claras sobre o assunto, leva a identificar os dois termos, os quais se
reportam a dois tipos de conformidades: a exactidão tem a ver com a que se verifica entre o valor
medido e o valor verdadeiro convencionado da grandeza, enquanto a precisão tem a ver com a que
se verifica entre os diferentes valores de um conjunto de medidas. Note-se que embora exactidão
implique repetibilidade (precisão), o inverso não é verdade; um aparelho pode ser consistente,
apresentar indicações com um desvio padrão baixo, e não ser exacto devido a apresentar, por
exemplo uma deriva constante.
1.6
medições de uma mesma grandeza quando as medições individuais são efectuadas fazendo variar
condições tais como:
- método de medida;
- observador;
- instrumento de medida;
- local;
- condições de utilização;
- tempo.
Importa não confundir reprodutibilidade de uma medida com a sua repetibilidade; enquanto que para
a determinação da segunda as condições de medição se devem manter tanto quanto possível as
mesmas ao longo dos diferentes ensaios, para a primeira pelo menos uma dessas condições terá de
ser diferente de medida para medida (ou conjunto de medidas para conjunto de medidas). Tal como a
repetibilidade, a reprodutibilidade pode ser expressa quantitativamente em termos da dispersão dos
resultados, sendo no entanto sempre necessário especificar as condições alteradas.
Erro (da medida) – (Error): este termo refere-se ao erro absoluto da medição, o qual é definido como
sendo a diferença algébrica entre o resultado da medição e o valor (convencionalmente) verdadeiro
da grandeza medida. O termo aplica-se com igual significado:
- à indicação (valor da grandeza medida fornecido por um instrumento de medida);
- ao resultado bruto (resultado da medição antes da correcção dos erros sistemáticos presumidos);
- ao resultado corrigido (resultado da medição obtido depois das correcções introduzidas no
resultado bruto, tendo em conta os erros sistemáticos presumíveis).
1.7
comandos. Entende-se como amplitude da escala – (scale range) – o intervalo compreendido entre
as referências extremas de uma dada escala, sendo esta, por definição, o conjunto ordenado de
referências com toda a numeração associada.
O alcance, ou campo de medida, é expresso em unidades da grandeza a medir. No caso do limite
inferior ser 0, o alcance é designado apenas pelo seu limite superior (exemplo: um campo de medida
de 300 V supõe um alcance de 0 V a 300 V); caso contrário ter-se-á de especificar os seus limites,
inferior e superior (exemplo: -30ºC a 500ºC).
Amplitude de medida – (Scale range): módulo da diferença entre os dois limites do alcance de um
instrumento de medida. Assim, se o alcance for, por exemplo, -10 V a +10 V, a amplitude de medida
será de 20 V.
Folga (de um instrumento de medida) – (Dead band): intervalo de valores no interior do qual o sinal
1.8
de entrada pode ser modificado sem provocar variação da resposta do instrumento de medição. No
caso de pequenas variações do sinal de entrada provocarem variações indesejáveis da resposta do
aparelho, a folga intrínseca é, por vezes, deliberadamente aumentada.
Deriva (de um instrumento de medida) – (Drift): variação lenta com o tempo de uma característica
metrológica do instrumento de medição.
Fidelidade (do instrumento de medida) – (Freedom for bias error): aptidão do instrumento de medida
para dar indicações isentas de erros de fidelidade, isto é, de erros sistemáticos.
1.2.2.1 Erros
O conceito de valor real de uma grandeza física tem, como se viu, uma importância mínima, uma vez
que, mesmo que exista como valor único, a sua determinação é impossível, limitada, quanto mais não
fosse, por razões quânticas. Mesmo o valor convencionalmente verdadeiro, definido anteriormente, e
que passaremos a considerar ser o objectivo de uma medida, só pode ser conhecido com uma
imprecisão causada pelos diversos erros associados à medição. Existem genericamente três tipos de
erros: os grosseiros, os sistemáticos e os aleatórios.
Os erros grosseiros são geralmente humanos e devidos a causas como: leitura incorrecta das
indicações dos aparelhos de medida, aplicação incorrecta dos aparelhos de medida, erro no registo
dos valores medidos, erros nos cálculos efectuados sobre os valores experimentais. Podem, em si
próprios, ser sistemáticos ou aleatórios, consoante conduzam a resultados apresentando
características comuns ou não, embora estes últimos sejam extraordinariamente pouco frequentes. A
título de exemplo. considere-se a Figura 1.1 em que está representado um circuito montado com a
finalidade de medir o valor da resistência R, utilizando-se para o efeito um voltímetro V e um
amperímetro A.
1.9
150 V
V
5 mA
A
Supondo que o voltímetro tem uma resistência interna, R v , de 200 kΩ, para os valores indicados
- valor de R: R = Ra × R v (R v − Ra ) = 35,3 kΩ
O enorme valor do erro cometido deve-se à utilização de um voltímetro com uma resistência interna
demasiado baixa para o fim em vista. Deixa-se ao cuidado do leitor verificar que, para a mesma
montagem, se R fosse tal que as indicações dos dois aparelhos passassem a ser 20 V e 0.1 A, o erro
relativo diminuiria substancialmente, passando a ser de 0.1%.
Os erros grosseiros podem, e devem, ser evitados tomando precauções, nomeadamente na leitura e
registo dos valores medidos. É recomendável executar pelo menos três leituras diferentes, de
preferência, e na medida do possível, desligando e voltando a ligar o instrumento de medida. O facto
de a quase generalidade dos erros grosseiros que afectam o resultado das medições ser do tipo
sistemático torna infrutífero qualquer tratamento matemático dos resultados, com vista à obtenção de
valores das grandezas com menor imprecisão.
Os erros sistemáticos, que afectam uma medida realizada por um método apropriado, são geralmente
divididos em duas categorias: erros instrumentais e erros ambientais. Os primeiros são devidos a
limitações dos aparelhos de medida tais como: desajuste do zero da escala (erro no zero),
incorrecção na graduação da escala, insuficiente largura de banda, efeito de carga sobre o objecto de
medida ou inexactidão. Os vários erros variam de instrumento para instrumento. Assim, e por
exemplo para uma aparelho analógico, a variação da tensão mecânica que é responsável pelo
retorno da equipagem móvel ao zero ou a fricção a que são sujeitas as suas várias partes móveis
constituem causas suficientes para a ocorrência de um erro sistemático que, no limite, poderá ser
grosseiro. Os erros sistemáticos instrumentais podem ser evitados mediante as seguintes acções: (1)
– selecção dos instrumentos apropriados para a medição em causa; (2) – corrigindo os valores
experimentais após determinação do valor do erro; (3) – procedendo regularmente à verificação da
1.10
exactidão dos instrumentos e ao seu ajuste – (adjustment) – (operação destinada a levar um
instrumento de medição a um funcionamento e a uma fidelidade adequada à sua utilização).
No que respeita aos erros ambientais as causas são, como o próprio nome indica, exteriores ao
sistema de medida – (measuring system) – (conjunto completo de instrumentos de medida e outros
dispositivos montados para executar uma tarefa de medida específica). De entre os principais
factores influenciadores de medições são de referir a temperatura, a humidade, a pressão
atmosférica e os campos magnéticos e eléctricos estranhos. Para evitar o efeito produzido pelos três
primeiros sobre as medidas procura-se realizar os ensaios em ambientes condicionados, isto é, em
ambientes em que os valores daquelas grandezas físicas se situam em intervalos bastante
apertados. No caso de medidas de grandezas eléctricas de elevada exactidão, por exemplo, a
temperatura ambiente definida internacionalmente é de 20ºC.
No que respeita à influência provocada por campos, nomeadamente estáticos, sobre o sistema de
medida, a sua diminuição passa pela blindagem do sistema de medida ou, pelo menos, das suas
partes mais susceptíveis a este tipo de ruído.
Os erros aleatórios são devidos a causas desconhecidas ou que, embora conhecidas, afectam a
medida de uma forma não previsível. Em geral, e em condições experimentais apropriadas, os erros
deste tipo são pequenos; têm, no entanto, primordial importância em medidas de elevada exactidão,
uma vez que contribuem para uma menor precisão dos resultados obtidos (maior dispersão dos
valores medidos). Exemplos de possíveis causas de erros aleatórios são abundantes:
arredondamentos efectuados nas leituras das indicações dos instrumentos de medida, variações
verificadas no funcionamento dos aparelhos de medida devidas a pequenas alterações ambientais ou
dos componentes eléctricos ou mecânicos que o constituem. No caso de sistemas de medida em que
estejam envolvidos sinais eléctricos, e devido à natureza intrínseca destes, verificar-se-ão sempre
erros ocasionados por quatro tipos de ruído: o térmico, o granular, o cintilante e o crepitante.
1.11
1.2.2.5 Ruído térmico
Este ruído, também conhecido por de resistência, de Johnson ou de Nyquist, tem a sua origem nas
trajectórias aleatórias descritas pelos electrões de qualquer condutor quando a temperatura é
diferente de 0 K. A corrente eléctrica assim gerada, tanto mais importante quanto mais elevada for a
temperatura, produz aos terminais do condutor de resistência eléctrica R uma tensão de ruído de
valor médio nulo e cujo valor eficaz, UT , é dado, para frequências inferiores a 100 GHz, por:
UT = 4K TR ∆ f (1.2)
O ruído térmico caracteriza-se assim por ter uma densidade espectral de energia constante, 4KT
(ruído branco). A título de exemplo, uma resistência de 1 MW, à temperatura de 300 K apresenta,
numa banda efectiva de 1 MHz, uma tensão de ruído térmico cujo valor eficaz é de 129 µV, sendo a
correspondente potência de ruído de 16 fW. A limitação do valor eficaz da tensão deste tipo de ruído,
particularmente necessária quando se lida com sinais de muito baixo nível, impõe a utilização de
resistências de valor tanto quanto possível baixo (exemplo: amplificadores de baixo nível) e, em
situações limite, a inclusão dos equipamentos em ambientes mantidos a temperaturas muito baixas
(exemplo: sistemas de medida de sinais cósmicos).
As flutuações do número de electrões que, em cada instante, constituem uma corrente eléctrica
contínua, estão na origem do ruído granular também conhecido por shot ou de Schottky. Manifesta-se
sob a forma de uma corrente eléctrica de valor médio nulo mas cujo valor eficaz, Is , é dado por:
Is = 2qe I ∆f (1.3)
aparecimento deste tipo de ruído branco em circuitos electrónicos, mesmo quando funcionam em
regime variável no tempo, deve-se essencialmente às correntes que são necessárias para colocar
esses dispositivos num determinado ponto de funcionamento (correntes de polarização). Assim, e a
título de exemplo, uma corrente de polarização de 1 mA de um dispositivo que tenha uma largura de
banda efectiva de 1 MHz origina um ruído granular de 18 nA.
1.12
1.2.2.7 Ruído cintilante
O ruído cintilante (flicker) julga-se ser essencialmente devido às variações de velocidade provocadas
nos portadores de carga pelas imperfeições dos materiais semicondutores. Como o granular, a sua
intensidade depende do valor das correntes de polarização, variando, até alguns kilohertz, na razão
inversa da frequência; daí a designação de ruído 1/f sob a qual é também conhecido (ruído cor-de-
rosa). Para frequências superiores a sua densidade espectral de energia é não só menor mas
também constante. O facto deste tipo de ruído ser altamente dependente do dispositivo torna em
geral extremamente difícil a previsão da sua intensidade.
O som de baixa frequência que por vezes se ouve nos altifalantes de um receptor de rádio,
semelhante ao produzido quando se confeccionam pipocas, constitui o chamado ruído crepitante
(burst ou popcorn). Embora não se conheçam as suas causas com rigor, são bem conhecidas as
suas características principais: dependência com 1/f2 (ruído também cor-de-rosa) e com o dispositivo,
o que o coloca, para efeitos de previsão da intensidade, em situação semelhante ao cintilante. As
oscilações devidas a realimentação de amplificadores via fontes de alimentação constituem ruído
deste tipo.
Os valores medidos das várias grandezas, afectados por erros, poderão necessitar ser processados
com vista à obtenção quer dos valores das grandezas medidas e sua inexactidão, quer do valor e
inexactidão de grandezas dependentes das que foram medidas. A primeira atitude a tomar em face
dos resultados obtidos, admitindo a ausência de motivos que façam duvidar da sua validade, é
analisar a necessidade de proceder a correcções ou ajustes dos valores medidos.
Entende-se por correcção de um valor a alteração que nele se provoca com a finalidade de
compensar:
- erros sistemáticos conhecidos;
- desvios devidos a variações não desprezáveis de variáveis não controladas (exemplo: efeito da
variação da temperatura no valor da força electromotriz de uma pilha padrão);
- execuções não ideais das operações de medida. Suponhamos que se pretende medir o valor de
uma grandeza às temperaturaT1, T2,… Tn . Por limitação do sistema que provoca a sua variação,
as medidas foram obtidas a temperaturas próximas mas diferentes das pretendidas, T1' , T2' ,...Tn' .
Se se conhecer a lei de variação da grandeza medida com a temperatura é possível, e deverá ser
feita, a correcção dos valores experimentais obtidos, de modo a obterem-se os valores da
grandeza em questão às temperaturas pretendidas.
1.13
1.2.2.11 Ajuste de valores
O ajuste de valores tem por objectivo compatibilizar resultados de acordo com restrições que lhes
estão impostas. Essa compatibilização pode geralmente ser conseguida por diferentes formas, isto é,
o ajuste pode ser realizado de diferentes maneiras. Exemplo típico de ajuste de valores é o que se
executa sobre um conjunto de pares de valores de duas grandezas, x e y, dependentes linearmente
uma da outra. A utilização de um método de regressão por mínimos quadráticos será, nesse caso, a
forma mais usual de obter valores ajustados.
Nos processos de medida usuais, os erros aleatórios seguem uma lei de distribuição do tipo normal
ou de Gauss. Como se sabe, o valor médio, X , de uma população de n acontecimentos xi que
n
verificam uma distribuição desse tipo, X = ∑ xi n , constitui o valor mais provável dessa distribuição,
i=1
o que significa, no presente contexto, que se se realizarem n medidas sobre uma mesma grandeza
mantida constante, o valor médio do conjunto de valores obtidos constitui o valor mais provável dessa
grandeza. Por outro lado, o desvio padrão, σ, do conjunto finito de n medidas, definido como
1.14
n
∑ ( xi − X )
2
i=1
σ= (1.4)
n −1
expressa quantitativamente a dispersão dos valores obtidos em torno do valor médio, constituindo,
assim, uma medida da precisão global do processo de medida utilizado. Na Figura 1.2 representam-
-se curvas da distribuição de Gauss para três valores do desvio padrão.
Gauss (x)
1
(1)
(2)
(3)
-4 -3 -2 -1 0 1 2 3 4 x
Figura 1.2: Distribuição de Gauss para: (1) s = 0.5; (2) s = 1; (3) s =1.5.
Como facilmente se constata, quanto maior é o valor de σ (maior dispersão de valores), menor é a
probabilidade do valor médio ser o valor da grandeza medida. Por outro lado, e ainda quanto maior é
a dispersão de valores, maior é o intervalo a que corresponde uma determinada probabilidade de se
encontrar o valor verdadeiro da grandeza. De acordo com a distribuição de Gauss, e tendo em
atenção que a probabilidade de se ter o valor verdadeiro no intervalo ⎡⎣ X − ∆xi , X + ∆xi ⎤⎦ é dada por:
∆xi ( ∆xi )2
(
p x ∈ ⎡⎣ X − ∆xi , X + ∆xi ⎤⎦ = ) σ π
2
∫ e 2σ2 dx (1.5)
0
Deste modo, num processo de medida em que só se considerem erros do tipo aleatório e que seja
caracterizado por um valor médio X e um desvio padrão σ, o intervalo de valores que é necessário
especificar de modo a que o valor verdadeiro da grandeza a medir esteja, com uma probabilidade de
1.15
1.2.2.12 Algarismos significativos
A apresentação numérica do resultado de uma medição depende, para além de outros factores, da
resolução do dispositivo indicador do aparelho de medida utilizado. Assim, é essencialmente diferente
expressar-se o valor de uma grandeza como sendo 31 ou 31.00 unidades dessa grandeza; enquanto
que no primeiro caso o dispositivo indicador permite apenas afirmar que o valor medido deverá estar
mais próximo de 31 do que de 30 ou de 32, no segundo a afirmação é de que esse valor estará mais
perto de 31.00 do que de 31.01 ou de 30.99. Existe, portanto, uma ligação entre o número de
algarismos significativos com que se apresenta um valor medido e a resolução do aparelho de
medida utilizado, o que torna ilícito expressar, não só esse valor como outros que dele resultem por
manipulações matemáticas, com maior número de algarismos significativos do que os resultantes
dessa resolução.
relação ao valor de R é que deverá estar contido no intervalo [32.9035, 33.0045[ Ω , pelo que se
deverá apresentar o resultado como ( 32.954 ± 0.051) Ω ou então, e garantindo apenas dois
dígitos significativos, 33 Ω.
- Queda de tensão numa resistência, U, obtida a partir dos valores da resistência R=1.55 kΩ e da
corrente que a percorre, I=3.2 mA. O intervalo de valores entre os quais estará o valor de U será
[1.545 × 3.15, 1.555 × 3.25[ V ou seja [ 4.86675, 5.05374[ V . Estamos perante uma situação em
que apenas se pode apresentar o resultado com um dígito, isto é, 5 V, com o significado
anteriormente referido: o valor da tensão U estará mais perto de 5 V do que de 4 ou 6 V.
rigor não se pode expressar o resultado como sendo 113 V, uma vez que o limite superior do
intervalo está mais próximo de 114 V. Embora o valor de U seja superior a 100 V, o facto de só se
poderem garantir dois algarismos conduz à seguinte forma de apresentação: U = 1.1× 102 V .
1.16
medida, quer aos procedimentos de medida. A determinação do erro da grandeza medida torna-se
neste caso particularmente simples, impondo-se para tal saber como se devem compor os diferentes
erros conhecidos. A análise desta situação baseia-se no desenvolvimento de uma função de n
variáveis em série de Taylor.
n n n
∂F ∂ 2F ∂nF
∑ ∑ ∑
1 1
∆x = ∆vi + ∆vi2 + L ∆vin (1.8)
∂vi 2 ∂vi2 n! ∂vni
i=1 i=1 i=1
Desprezando termos de ordem superior (erros dos erros), e dividindo ambos os membros por x
obtém-se:
n n
∆x ∂F ∆vi ∂F vi ∆vi
x
≅ ∑ ∂vi F
= ∑ ∂vi F vi
(1.9)
i=1 i=1
n
∆x ∂F ∆vi ∆vi
x
= ∑ ∂vi F vi
(1.10)
i=1
∆x ∆vi
Tendo em atenção que e representam os erros relativos das grandezas x e vi , ε x e ε vi ,
x vi
n
∂F ∆vi
εx = ∑ ∂vi F
ε vi (1.11)
i=1
Tem-se sucessivamente:
v1 v2 v3
εx = ε v1 + εv2 + ε v3 (1.12)
v1 + v 2 + v 3 v1 + v 2 + v 3 v1 + v 2 + v 3
∆x = ∆v1 + ∆v 2 + ∆v 3
1.17
v3
2– x = v1 vn2 m
v4
1 1
ε x = ε v1 + nε v 2 + εv3 + εv 4 (1.13)
m m
3– x = v1 − v 2
Os casos 1 e 3 permitem concluir que, no caso do valor da grandeza x resultar da soma ou diferença
de outras grandezas (que naturalmente serão da mesma espécie), se deve somar os erros absolutos
destas para obter o daquela; quando na obtenção do valor de x intervêm produtos e quocientes de
valores de outras grandezas deve-se adicionar os respectivos erros relativos para se obter o erro
relativo de x.
Como resulta do tratamento matemático que conduziu a (2.10), o valor dos erros assim calculados
corresponde à situação mais desfavorável, isto é, àquela em que todas as grandezas envolvidas
contribuem com o seu erro máximo. Sendo a probabilidade de ocorrência desta situação
extremamente baixa, natural será recorrer a processos de cálculo que conduzam a um valor mais
provável desse erro. Um dos métodos actualmente mais praticados consiste na composição
quadrática dos erros, absolutos ou relativos, consoante os casos. Assim, e por exemplo para o caso 1
anteriormente apresentado ter-se-ia:
∆x = ∆v12 + ∆v 22 + ∆v 32 (1.15)
Ao longo dos tempos diferentes sistemas de unidades foram sendo utilizados. Na generalidade, todos
continham em comum unidades de comprimento, de massa e de tempo que passaram por isso a
chamar-se de unidades base ou unidades fundamentais primárias. Para além destas
1.18
introduziram-se unidades fundamentais auxiliares de modo a cobrir necessidades nos domínios do
Electromagnetismo, da Termodinâmica e da Óptica. As restantes grandezas podiam ser expressas
em termos das fundamentais recorrendo às chamadas equações de dimensões, designando-se por
isso as respectivas unidades de derivadas. O sistema em uso no domínio da Engenharia desde 1954
é o Sistema Internacional, o qual constitui uma extensão do sistema MKSA proposto por Giorgi e
adoptado em 1935 por muitos países. Até 1983 (a partir dessa data, com a nova definição da unidade
de comprimento, esta grandeza deixou de ser primária) esse sistema era constituído pelas seguintes
unidades base:
- unidades fundamentais primárias:
comprimento – metro, m
massa – kilograma, kg
tempo – segundo, s
- unidades fundamentais auxiliares:
intensidade de corrente eléctrica – ampère, A
temperatura termodinâmica – grau Kelvin, K
intensidade luminosa – candela, cd
quantidade de matéria – mole
As unidades de grandezas eléctricas deste sistema derivam do sistema CGS (centímetro, grama,
segundo) prático, resultante da junção dos sistemas CGS electrostático (CGSe; unidades base: m,
kg, s e ε0=1) e CGS electromagnético (CGSm; unidades base: m, kg, s e µ0=1). No entanto, e até
1948, as unidades internacionais actualmente adoptadas foram, por motivos práticos, substituídas por
outras que constituíam, por isso mesmo, o chamado sistema prático. As relações entre as unidades
dos dois sistemas eram próximas da unidade tendo-se:
1 Ω SI = 1.00049 Ω prático
1 A SI = 0.99985 A prático
1 V SI = 1.00034 V prático
1 C SI = 0.99985 C prático
1 F SI = 0.99951 F prático
1 H SI = 1.00049 H prático
1 W SI = 1.00019 W prático
1 J SI = 1.00019 J prático
1
Note-se a este respeito que as equações de dimensões permitem relacionar qualquer unidade não fundamental primária
com as três unidades primárias; por outro lado estas encontram-se relacionadas entre si através de constantes numéricas
como a velocidade da luz, c, e a constante de Planck, h, (E=hf=mc2, λf=c).
1.19
essencialmente distintas por meio de unidades diferentes do que utilizar apenas uma unidade (que
passaria a ser dispensável) para esse fim. Por outro lado, a existência de várias unidades permite a
utilização de uma gama mais razoável de números reais para representação dos valores das
diferentes grandezas.
Como se sabe, as unidades não têm plural. Assim, e por exemplo, a afirmação de que "o
comprimento de uma tábua é x m", constitui uma forma simplificada de dizer "o comprimento da tábua
vale x na unidade m. Uma unidade de uma grandeza constitui, pois, um espaço vectorial
unidimensional.
As unidades designadas por nomes de pessoas, quando não escritas por extenso em que é utilizada
letra minúscula, são representadas por uma ou mais letras, sendo a primeira sempre maiúscula.
metro – A unidade de comprimento, metro (m) é, por definição (1983), a distância percorrida pela luz
no vazio durante um intervalo de tempo de 1/299 792 458 s.
Com esta definição, que supõe definida como constante universal, e portanto não mensurável, a
velocidade da luz, o comprimento deixa de ser uma grandeza fundamental.
segundo – A unidade de tempo, segundo (s), tem duas definições, consoante as grandezas
determinadas em questão. Assim, nomeadamente para mecânica celeste e navegação, utiliza-se o
segundo das efemérides, sEF adoptada como unidade invariante de tempo. Por definição, (1956), o
sEF é a fracção 1/31 556 925.9747 do ano tropical de 1900 iniciado em 0 de Janeiro às 12 horas
(tempo das efemérides). Entende-se por ano tropical o intervalo de tempo necessário para o Sol
aumentar a sua longitude média de 360º, medida segundo a enclítica a partir do equinócio de Verão.
Para medidas físicas o segundo é definido, (1967), como sendo a duração de 9 192 631 770 ciclos da
radiação correspondente à transição hiperfina entre os dois níveis F=4, mF=0 e F=3, mF=0 do estado
base 2S1/2 do átomo de césio 133 não perturbada por campos externos.
O segundo dito "atómico" constitui uma unidade de tempo muito mais interessante, uma vez que
permite medidas de intervalos de tempo com elevada precisão de uma forma simples e rápida. O
mesmo não acontece quando se utiliza o segundo das efemérides, uma vez que a escala de tempo
que dele resulta só pode ser conhecida com rigor passados vários anos, uma vez que envolve longas
observações das posições do Sol e da Lua.
1.20
corrente constante que, mantida em dois condutores paralelos de comprimento infinito e secção
circular desprezável colocados à distância de 1 m no vácuo, produz uma força entre os condutores de
2×10−7 n/m de comprimento. A unidade assim definida é também conhecida por ampere internacional
ou absoluto. Até 1948, porém, uma outra unidade era utilizada, o ampère prático, definido como
correspondendo à intensidade de corrente que deposita prata a um ritmo de 1.118 mg por segundo a
partir de uma solução padrão de nitrato de prata. Embora não coincidentes, as duas unidades têm
valores próximos e cuja relação já foi anteriormente apresentada.
grau Kelvin – A unidade de temperatura termodinâmica, grau Kelvin (K), é 1/273.16 da temperatura
termodinâmica do ponto triplo da água, isto é, a temperatura de equilíbrio em que coexistem o gelo,
água líquida e vapor.
candela – A unidade de intensidade luminosa, candela (cd), é a intensidade luminosa, numa dada
direcção, de uma fonte de radiação monocromática de frequência 540×1012 Hz que radie nessa
direcção 1/683 W por steradiano.
volt – A unidade de diferença de potencial ou tensão eléctrica, volt (V), é a diferença de potencial
eléctrico entre dois pontos de um condutor percorrido por uma corrente constante de 1 A quando a
potência posta em jogo é de 1 W.
ohm – A unidade de resistência eléctrica, ohm (Ω), é a resistência eléctrica de um condutor que, não
sendo sede de qualquer força electromotriz, sujeito a uma diferença de potencial de 1 V é percorrido
por uma corrente de 1 A.
henry – A unidade de coeficiente de indução, henry (H), é o valor desse coeficiente num circuito
fechado em que uma corrente eléctrica variando ao ritmo constante de 1 A/s produz uma força
electromotriz de 1 V. O coeficiente de indução é, como se sabe, a relação entre a força electromotriz
induzida e a derivada temporal da corrente que origina aquela.
1.21
- Padrão secundário – (Secundary standard): padrão cujo valor é fixado por comparação com um
padrão primário.
- Padrão de trabalho – (Working standard): padrão que, habitualmente calibrado por comparação
com um padrão de referência, é utilizado correntemente para calibrar ou verificar os instrumentos de
medida.
Conforme facilmente se constata a partir das noções agora definidas, os diferentes padrões estão
hierarquizados de acordo com as qualidades metrológicas segundo uma escala decrescente dos
primários para os de trabalho, agrupando-se em uma das três categorias apresentadas. No que
respeita aos padrões internacionais, e na generalidade, não faz sentido falar-se da sua exactidão,
uma vez que eles constituem a base de todas as comparações; exceptuam-se os casos em que é
possível reportar os seus valores directamente aos das unidades a que respeitam realizando as
chamadas medidas de acordo com a definição dessas unidades. Pode então pôr-se a questão de
saber qual o critério ou critérios que levam à escolha de um padrão para padrão internacional. Se
excluirmos critérios de escolha marginalmente importantes, como por exemplo os da facilidade de
realização ou praticabilidade de utilização, é óbvio que a escolha terá a ver com dois aspectos: a
precisão desse padrão e a conformidade entre as medições com ele obtidas e os valores previstos
pelas teorias pertinentes na analise de fenómenos em que intervém a grandeza em causa. Assim,
quanto menor for o desvio padrão experimental de um conjunto de intercomparações entre padrões
iguais, melhor será esse padrão do ponto de vista de constituir base para a fixação dos valores de
outros instrumentos de medida. Por outro lado, e por exemplo, um relógio será tanto melhor quanto
mais aproximados forem os valores de tempo com ele obtidos e os que resultam da aplicação das
teorias que relacionam fenómenos variáveis no tempo com esta grandeza.
Escalão I
1.22
1. Padrões internacionais.
2. Padrões primários (padrões nacionais).
3. Padrões secundários (padrões de referência do NIST).
4. Padrões de trabalho (utilizados pelo NIST para serviços de calibração).
Escalão II
1. Padrões de referência; padrões secundários mantidos por laboratórios particulares e industriais.
2. Padrões de trabalho; padrões usados para calibrar e verificar aparelhos de laboratório de uso
geral.
Escalão III
Instrumentos de uso geral para produção, manutenção e ensaios externos.
Uma vez conhecidas as unidades das principais grandezas físicas, no que diz respeito à
electrotecnia, importa saber quais são os padrões respectivos e suas características metrológicas.
1.23
Em relação a estas, e por ser prática comum a nível internacional, utilizaremos o valor que permite
determinar o intervalo de inexactidão de um padrão para caracterizar numericamente a sua
exactidão. Assim um padrão com "uma exactidão de x partes em 10y", de "x partes por milhão" ou de
"x%" será um dispositivo cujo valor máximo do intervalo de inexactidão é o especificado.
Como padrões de trabalho utilizam-se calibres, micrómetros e outros dispositivos que apresentam
uma exactidão típica da ordem de 1 mm.
Os padrões de tempo são os relógios. Os padrões primários são relógios de césio que permitem
actualmente precisões de 2 partes em 1013 em equipamento de laboratório e 7 partes em 1012 em
equipamento comercial. Nos padrões de trabalho utiliza-se normalmente o quartzo; no entanto, e
dado o custo actual dos relógios de rubídio e mesmo de césio, tende-se a utilizar cada vez mais
relógios deste tipo em aplicações industriais exigindo média exactidão.
Os padrões de tempo são os de mais fácil verificação, uma vez que a difusão de diferentes padrões
primários é feita contínua ou regularmente por estações de rádio espalhadas pelos diferentes
continentes e cujas transmissões cobrem todo o planeta.
1.24
1.2.3.2.4 Padrão de intensidade de corrente
Os valores intermédios são calculados a partir de fórmulas baseadas nas propriedades do fio de
resistência de platina.
A partir de 1 de Janeiro de 1990, o padrão internacional de tensão contínua é constituído por uma
junção de Josephson. O funcionamento do dispositivo é baseado num fenómeno observável em
supercondutores fracamente ligados, como por exemplo duas películas supercondutoras de nióbio
separadas por uma camada isolante de 1 nm. Assim, quando a junção é iluminada por radiação de
frequência f da ordem dos GHz (microondas), a característica V(I) do dispositivo apresenta degraus
de corrente para valores de tensão VJ que verifiquem:
VJ = nf K J (1.16)
1.25
vantagem da utilização deste tipo de padrão para tensão contínua resulta do facto de a tensão dita de
Josephson ser apenas dependente da frequência da radiação iluminante, grandeza física que é
mensurável com o mais elevado rigor. O valor da constante KJ definido para 1990 (KJ-90) é de
483 597.9 GHz/V. A reprodutibilidade dos diferentes dispositivos idênticos desenvolvidos nos
diferentes laboratórios nacionais é da ordem de 1 parte em 1016. A utilização destes padrões em
operações de calibração é particularmente simples, o que constitui outra das suas vantagens.
No que respeita aos padrões primários, secundários e de trabalho, dois tipos de dispositivos são
utilizados: díodos de zener e pilhas padrão. Os equipamentos que recorrem aos primeiros usam
díodos especiais colocados em estufas mantidas a temperatura constante. A inclusão de divisores de
tensão calibrados e de precisão na saída dos equipamentos permite ter acesso a diferentes valores
de tensão, o que se torna particularmente interessante para efeitos de calibração. Os padrões
primários são porém, e ainda hoje em dia, pilhas padrão do tipo Weston saturado. Trata-se de um
elemento electroquímico em que o eléctrodo positivo é de mercúrio, o negativo de uma amálgama de
cádmio e o electrólito uma solução de sulfato de cádmio saturada a qualquer temperatura por virtude
de cristais de sulfato de cádmio que cobrem os eléctrodos. Estes padrões, que apresentam uma
deriva típica anual de 1 µV, exactidão da ordem de 1 ppm, resistência interna entre os 500 e os 800 Ω
e uma vida de útil de 10 a 20 anos, fornecem uma tensão em vazio que é função da temperatura,
V(t), dada por:
Para além das pilhas de Weston saturadas são também utilizadas, essencialmente como padrões de
trabalho, pilhas não saturadas. Estas, que apresentam uma força electromotriz em vazio entre 1.0180
e 1.0200 V, embora menos reprodutíveis e estáveis do que as do tipo saturado, apresentam a
vantagem de serem muito menos dependentes da temperatura, com variações relativas inferiores a
0.01% no intervalo 10 a 40 ºC, o que as torna mais robustas e, portanto, adequadas, quer como
padrões de trabalho, quer como de transferência. Porém, e uma vez que à robustez aliam exactidões
semelhantes às das pilhas saturadas, os padrões utilizando díodos de zener são, por excelência, os
usados como de transferência.
As pilhas Weston constituem um exemplo típico de um padrão que usualmente é do tipo colectivo,
isto é, em que se utiliza um conjunto de elementos para, a partir do valor médio das respectivas
tensões em vazio, se definir o valor da unidade volt. Assim, e por exemplo o NIST, usava até há bem
pouco tempo uma colecção de 40 elementos de Weston saturados, mantidos a temperatura
constante, como padrão primário e 10 elementos do mesmo tipo como padrão de trabalho, sendo as
comparações dos elementos primários realizadas entre si e as dos de trabalho com os primários.
Os valores das forças electromotrizes das pilhas de Weston são, naturalmente, extremamente
dependentes da corrente por elas debitada. Assim, e para que, por um lado se possa tomar para
tensão aos terminais de cada elemento o valor da força electromotriz em vazio e, por outro lado, os
elementos mantenham as suas características ao longo do tempo, a corrente pedida não deve
1.26
exceder os 100 mA; a utilização destes padrões envolve, por isso, cuidados especiais.
O padrão internacional de resistência eléctrica baseia-se, desde Janeiro de 1990, no efeito de Hall
quantificado. Este, posto em evidência por Klaus von Klitzing em 1980, semelhante ao que se verifica
para materiais semicondutores e, com menor amplitude para os materiais condutores, consiste no
aparecimento de uma tensão eléctrica quando se sujeita um gás bidimensional de electrões
arrefecido a cerca de 1 K a um campo magnético da ordem dos 10 T. O gás de electrões consegue-
se, nos dispositivos reais, com uma estrutura de GaAs/AlxGa1-xAs em forma de barra. A variação da
tensão de Hall com o campo magnético tem, para cada valor da corrente que longitudinalmente
atravessa a estrutura, um andamento como o representado na Figura 1.3.
A resistência de Hall,
UH
RH = (1.18)
II
terá um andamento do mesmo tipo, apresentando, por isso, zonas planas em que se tem:
RK
RH = (1.19)
n
sendo RK uma constante, dita de von Klitzing, e n um inteiro. Teoricamente RK = h é, desde que
2πe2
os dispositivos satisfaçam determinados critérios, uma constante universal. O seu valor foi definido
em 1990 como sendo RK −90 = 25812.807 Ω . A reprodutibilidade no estabelecimento da unidade Ω
Figura 1.3: Variação da tensão de Hall, UH, em função da intensidade do campo magnético aplicado,
B, numa estrutura de GaAs/AlxGa1-xAs mantida a 1.39 K para uma corrente longitudinal, Il=25.52 mA
obtida por Marvin Cage et al. (NIST).
1.27
No que respeita aos padrões primários, secundários e de trabalho, são constituídos por resistências
construídas em manganina (Ni 4%, Cu 84%, Mn 12%) ou outras ligas, como o evanohm (Ni 74.5%, Cr
20%, Al e Cu), que apresentem resistividade eléctrica elevada e baixo coeficiente de variação com a
temperatura. Os padrões primários são colectivos, conseguindo-se com poucos elementos (4-5) de
1 Ω uma representação da unidade com uma precisão de algumas partes em 107 durante vários
anos.
Tal como todos os padrões das diferentes grandezas físicas, as resistências padrão são
acompanhadas de certificados de calibração que devem permitir a sua rastreabilidade. Uma vez que
a dependência do valor da resistência com a temperatura é significativa, importa dispor de informação
que permita conhecer o seu valor nas condições verificadas quando da sua utilização. Assim, duas
formas são usualmente usadas para transmitir essa informação: ou uma curva de variação da
resistência com a temperatura, como a que se apresenta na Figura 1.4, ou a indicação dos valores de
dois coeficientes, a e b intervenientes na seguinte função de dependência da resistência com a
temperatura:
Figura 1.4: Dependência do valor da resistência padrão Tinsley 220356 com a temperatura.
1.28
1.2.3.2.9 Padrão de capacidade
Os condensadores padrão secundários e de trabalho são em geral planos, com armaduras múltiplas,
e em relação aos quais o conhecimento da área e da distância entre armaduras permite determinar o
valor da respectiva capacidade. A exactidão de um bom padrão de trabalho deste tipo pode atingir
algumas partes por milhão, sendo a deriva anual do seu valor de algumas dezenas de partes por
milhão. O dieléctrico é, para capacidades baixas, ar seco ou azoto, utilizando-se, para capacidades
mais elevada, dieléctricos sólidos. A mica-prata, por exemplo, constitui um bom dieléctrico, uma vez
que apresenta elevada estabilidade, baixos valores do coeficiente de variação da constante
dieléctrica com a temperatura e do ângulo de perdas bem como inexistência de envelhecimento.
Um valor típico da exactidão do coeficiente de auto-indução de uma bobine padrão de trabalho a uma
dada frequência é de 0.1%. No que respeita ao coeficiente de indução mútua entre enrolamentos, os
padrões de trabalho, com valores entre os 0 e os 200 mH, apresentam exactidões da ordem dos
2.5%.
1.29
1.2.4 Métodos de medida
1.30
- método de medida por zero – (null method of measurement): método de medida no qual o valor da
grandeza a medir é determinado por equilíbrio ajustando uma ou várias grandezas, de valores
conhecidos, associados à grandeza a medir por uma relação conhecida no ponto de equilíbrio.
A Figura 1.5 representa o esquema de ligações de um sistema suportado num calibrador 5700 A,
num divisor de tensão 720 A, num voltímetro de zero 845 A e num padrão de tensão contínua 732 A
da marca FLUKE que permite gerar e medir tensões contínuas de valor até 1100 V. Os cabos de
ligação utilizados deverão ser tais que a força electromotriz de origem térmica devida às ligações seja
mínima. Descreve-se no seguimento os procedimentos de medida para a calibração de um voltímetro
com alcance de 10 V.
HI
L0 845A
GUARD
0 1.1
HI HI
S 1.0 HI
5700A 0 0 L0 L0
L0 S 732A
GND GND GND
GND 720A GUARD
- Procedimentos
Considere-se a Figura 1.5 em que se selecciona no padrão 732 A uma tensão de referência de 10 V.
Programa-se o calibrador para uma tensão de 11 V e selecciona-se no divisor de tensão 1.0000000.
Começando com o voltímetro de zero na escala de menor sensibilidade, ajusta-se a tensão de saída
do calibrador de modo a conseguir o melhor nulo possível, aumentando para o efeito a sensibilidade
do detector. Uma vez feita a "padronização" do calibrador, substitui-se a referência de tensão e o
detector de zero pelo voltímetro a calibrar. Para diferentes valores, menores do que a unidade, do
divisor de tensão, d, regista-se a indicação do voltímetro Vv. O erro do instrumento Ev, em valor
absoluto, será então:
1.31
Ev = Vv − 10 × d (1.21)
De modo a evitar a influência dos potenciais de contacto devem-se realizar dois ensaios com a
tensão do calibrador invertida, tendo o cuidado de inverter também as ligações do voltímetro. O valor
Vv será então a semi-soma dos valores indicados pelo voltímetro. Para o mesmo efeito, e no ensaio
de "padronização" do calibrador, a verificação do zero deve ser feita invertendo os terminais do
detector.
Uma vez que o circuito não é homogéneo, a ausência de forças electromotrizes com origem no efeito
de Seeback impõe que não se verifiquem gradientes de temperatura nas junções de materiais
diferentes. Para isso impõe-se a utilização de cabos de ligação apropriados e efectuar as ligações
sem aquecer os terminais com os dedos.
No que respeita aos instrumentos utilizados, para além de deverem ser ligados com a antecedência
necessária a garantir a estabilização do seu funcionamento, deverão ter os terminais de guarda e de
terra ligados.
A calibração recorrendo aos equipamento e procedimentos descritos permite resultados com uma
incerteza que, para valores acima de 10 mV é, condicionada pela do padrão de tensão: 3 ppm; para
valores abaixo daquele limite, é o detector a limitar essa incerteza que será da ordem de 30 mV,
melhor zero observável com o detector.
1.32
BIBLIOGRAFIA
1.33
[1.11] Quantum Hall Effect Shows Surprising Even-Denominator Plateau
Berlin Schwarzschild
Physics Today, pp. 17-20
January 1988
[1.13] The New BIPM 1-V Reference Standard Based on an Array of Josephson Junctions
D. Reymann; T. J. Witt
IEEE Trans. on Inst. and Meas., Vol. IM-pp. 1030-1036
December 1989
1.34
1.35