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Política externa brasileira e a integração regional na Era Lula, por Paulo


Roberto D. Carvalho
Área: Notícias - 2009 em COMUNICAÇÃO
Postado em:14/05/2009

Resumo

A política externa representada pelo governo Luís Inácio Lula da Silva tem chamado a atenção de
observadores e estudiosos do mundo inteiro, em vista de vários aspectos inovadores em sua
formulação e execução. Através deste trabalho buscamos identificar quais as continuidades e
transformações da política externa brasileira dos governos mais recentes. Utilizaremos alguns
conceitos para compreender melhor o paradigma realista das relações internacionais.

Palavras-chave: Relações Internacionais; Política Externa; Lula.

Introdução

Tanto o estudo das relações internacionais quanto da política externa brasileira passa
necessariamente por construções teóricas feitas a partir da noção de paradigma. No plano mais
geral foram elaborados paradigmas de análise teórica das relações entre as nações buscando
estabelecer elementos e características constantes a estas interações.

Em um breve histórico do balanço mundial de poder no século XX desde o mundo multipolar que
caracterizou a primeira metade do século até o mundo unipolar, sob hegemonia dos Estados
Unidos, que marcou a sua última década, passando pelo mundo bipolar o cenário externo foi
modificado com o fim da Guerra Fria entre americanos e soviéticos que deu o tom das relações
internacionais e tendo por conseqüência o término do sistema de poder baseado na bipolaridade.
Estes acontecimentos são também considerados por estudiosos como elementos referenciais de
política internacional. A disputa ideológica entre comunismo e capitalismo agora abre suas portas
para as discussões e entraves econômicos, sem falar de temas como direitos humanos, meio
ambiente, narcotráfico e competitividade internacional que passam a ocupar lugar de destaque no
cenário internacional. Apesar de representarem uma importante mudança no eixo de discussão das
questões internacionais, o caráter anárquico, oligárquico, hierárquico e seus conflitos de interesses
nacional são mantidos como características estruturais do sistema internacional. Estaríamos
testemunhando o início do fim da hegemonia americana e a formação de um mundo multipolar
embora a hegemonia militar americana continue firme.

O Brasil do governo Lula, se inclui neste contexto de mudanças e continuidades. Há uma grande
concepção da internacionalização da economia brasileira e adesão às regras e normas
internacionais. Estes – praticamente - seis anos do governo Lula marca a política externa brasileira
na economia global.

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O realismo político e a análise das relações internacionais

Estudos mostram que o realismo político é o paradigma que mais se desenvolveu nos últimos
cinqüenta anos, aproximadamente depois do final da Segunda Guerra Mundial. No entanto, autor
clássico como Nicolau Maquiavel deu as primeiras bases do que foi e tem sido a perspectiva que
predomina as explicações da teoria das relações internacionais.

Um dos elementos identificador e fundamental do realismo é que seus executores consideraram os


homens, as relações sociais e os países com eles são e não como gostariam que fossem. O
Estado-Nação é colocado como centro da reflexão, agindo racionalmente e tem suas ações guiadas
pela busca do poder e pelo uso de forças bélicas.

O realismo político é conceituado através de alguns princípios básicos. Primeiro, a política é


governada por leis objetivas e a possibilidade de desenvolver uma teoria racional reflete de maneira
imperfeita estas leis. O segundo princípio é o conceito de interesse entendido como poder. Este
conceito faz a ligação entre a razão que tenta entender a política internacional e os fatos, coloca
uma ordem racional no problema da política. Desta forma, o terceiro princípio propõe que o conceito
de interesse seja analisado como categoria objetiva válida universalmente. Mas, o tipo de interesse
depende do contexto político e cultural de cada nação que compõe o sistema internacional. O quarto
princípio trata do significado moral da ação política. Valores morais universais não podem ser
aplicados aos atos dos Estados. É importante lembrar também que nações são entidades políticas
defendendo seus interesses. Desta forma, o quinto princípio considera que as aspirações morais de
uma nação não podem ser consideradas como preceitos que governam o universo. Já o sexto
princípio coloca a existência de uma autonomia da esfera política. As relações internacionais se
definem por uma busca constante do poder, essa busca pode ser para mantê-lo, aumentá-lo ou
demonstrá-lo.

Política Externa de Lula: mudança ou continuidade?

A política exterior representa para o governo Lula, assim como para governos anteriores, papel de
destaque dentre as formulações das políticas governamentais. Um dos fatores que definiram o rumo
da política externa brasileira foi à escolha de Celso Amorim para desempenhar a função de ministro
das relações exteriores. Diplomata de carreira, Amorim sempre defendeu uma postura autônoma do
Brasil nos foros multilaterais. Tanto o Ministro Celso Amorim, como seu principal auxiliar,
embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, onde juntos têm conduzido uma das fases mais dinâmicas
da diplomacia brasileira em qualquer época histórica.

O Ministro Celso Amorim define a política externa do governo Lula como “ativa e altiva". Tem uma
postura mais assertiva, defesa da soberania nacional e da igualdade com maior ênfase retórica.
Celso Amorim acredita que a ação diplomática do governo Lula é concebida como instrumento de
apoio ao projeto de desenvolvimento social e econômico do país. "É nacional sem deixar de ser
internacionalista" (Amorim, 2005).

Sendo assim, o governo Lula representa uma combinação de continuidade e mudança. Muitas das
políticas de integração regional e aos mercados internacionais iniciadas no governo anterior estão
tendo continuidade no governo Lula, em termos de ação junto à esfera econômica não há mudança
substancial. A maior ruptura é, talvez, representada pelo estilo de ação política do governo Lula,
mais enfático e atuante no cenário internacional.

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Para o diplomata de carreira, Paulo Roberto de Almeida as mudanças mais significativas na postura
externa do Brasil e em algumas linhas de sua política externa ocorreram, obviamente, ao longo do
primeiro mandato do governo Lula (2003-2006), com novas ênfases e alianças preferenciais, uma
nítida mudança no discurso e na forma de se fazer diplomacia, talvez mais do que em sua
substância, com algumas correções de estilo e também de prioridades ao início do seu segundo
mandato e conclui: “Mesmo que a maior parte da sua agenda diplomática tenha apresentado mais
elementos de continuidade do que de ruptura com a política anterior, alguns elementos inovadores
devem ser destacados como identificadores das novas ênfases e prioridades” (Almeida, 2004).

A política externa do governo Lula é definida por José Flávio Sombra Saraiva como realista,
universalista e pragmática. "Lula fez, assim, uma correção de rumos que foi solicitada por aqueles
que ao o elegerem, também reivindicavam um modelo de inserção que fosse menos vulnerável para
o Brasil e mais autônomo e desenvolvimentista" (Saraiva, 2005). Além disso, um dos pontos
positivos da diplomacia do governo Lula é que não está mais tão centralizado na figura do
presidente da república como era durante os mandatos anteriores. A diplomacia presidencial foi
substituída por uma diplomacia de interesses a serem defendidos com uma busca ativa de
coordenação política.

A construção de um mundo multipolar parece ser de grande importância para a política externa do
governo Lula. Visto o esforço de aproximação dos países da África, da Índia e China. As relações
com os países do Mercosul e outros da América Latina também tem merecido atenção especial.
Esta busca de parceiros independentes do mundo desenvolvido é, na maioria das vezes, uma
continuidade de ações governo anterior, mas são impostas inovações conceituais e diferenças
práticas. A maioria das ações do governo Lula, a exemplo de governos anteriores, situa-se na
vertente das negociações comerciais internacionais e na busca de coordenação política com
parceiros independentes do mundo desenvolvido.

Segundo o diplomata Paulo Roberto de Almeida acredita que o discurso político-partidário em temas
de política internacional comanda a ação governamental, para ele, este é o eixo da política do
governo Lula que mais se aproxima das formulações originais do seu partido o PT: “Em outros
termos, é nas relações exteriores e na sua política internacional que o governo do presidente Lula
mais se parece com o discurso do PT” (Almeida, 2004). O diplomata também acredita que no plano
diplomático e econômico pode ser ressaltada uma postura essencialmente crítica quanto à
globalização e à abertura comercial. Para o governo Lula, as relações com o FMI e o Banco Mundial
serão mantidas apenas enquanto forem estritamente necessárias.

Almeida resume a atuação política da chancelaria de Lula da seguinte maneira: "No plano político, é
evidente o projeto de reforçar a capacidade de ‘intervenção’ do Brasil no mundo, a assunção
declarada do desejo de ocupar uma cadeira permanente num Conselho de Segurança reformado e
a oposição ao unilateralismo ou unipolaridade, com a defesa ativa do multilateralismo e de um maior
equilíbrio nas relações internacionais. No plano econômico, trata-se de buscar maior cooperação e
integração com países similares (outras potência médias) e vizinhos regionais" (Almeida, 2004).

O Governo Lula foi uma importante etapa para a experiência democrática no país. De certa forma, o
fato de um partido como o PT formalmente considerado de esquerda ascender ao poder nos insere
em uma nova etapa do jogo democrático nacional. A chegada de Lula, ‘socialista’ de fato, pode dar
fim a um pensamento político que excluía a chegada de novos grupos ao poder.

Revendo a Política Comercial do Governo Lula

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Para Kjeld Jakobsen, ex-secretrário de Relações Internacionais do município de São Paulo, autor do
livro: Comércio Internacional e Desenvolvimento: Do GATT a OMC – Discurso e Prática, diz que: “As
idéias de abertura econômica e livre-comércio foram bem aceitas pelos países que desenvolveram
seu parque industrial e buscavam novos mercados a partir do século XIX. No entanto, em relação a
estes mercados, os países exportadores aplicavam um liberalismo de via única. As colônias e os
países asiáticos e latino-americanos participavam da divisão internacional do trabalho apenas como
exportadores de produtos primários – minérios e produtos agrícolas – e como importadores de
manufaturados. (...) Um dos principais motivos que fomentou o crescimento do ideal da
independência no continente americano foi à busca da liberdade econômica, possível apenas com
liberdade política. Os Estados Unidos foi a primeira colônia do mundo a alcançá-la e passaram por
um desenvolvimento todo particular, até se tornarem a potência econômica e militar que é hoje. (...)
Os acordos bilaterais assinados, quase sempre com a Inglaterra, geralmente incluíam cláusulas de
redução de tarifas externas para as manufaturas inglesas como condição para a concessão de
empréstimos. Com isso, o país credor ganhava um mercado cativo e a produção local de
manufaturas não era estimulada. Assim, os recursos para pagar a dívida dos países
latino-americanos ficavam dependentes de suas exportações de commodities, extremamente
vulneráveis à quantidade que os países centrais compravam e aos valores que estavam dispostos a
pagar. Quando havia retrações econômicas na Europa nessa época, o que levava seus países a
diminuírem as importações, o efeito negativo era imediato na América Latina e nas colônias” (
JAKOBSEN, 2005).

Cabe ressaltar, em qualquer hipótese, que a diplomacia regional do segundo mandato do presidente
Lula vem sendo conduzida por meio de procedimentos mais cautelosos, e bem mais realistas, do
que tinha sido o caso no primeiro período. Com efeito, o entusiasmo com a causa da integração e as
iniciativas políticas adotadas de maneira relativamente impetuosa na fase inicial logo se chocaram
com realidades políticas distintas, em cada cenário sub-regional, e com fatores internos e externos
de instabilidade política ou de “desalinhamento” em relação ao Brasil. O projeto mais ambicioso do
Brasil, que era lograr a ampliação do Mercosul, como base tanto do exercício da liderança regional
como da “resistência continental” à Alca, não conseguiu superar as mesmas dificuldades que já
tinham paralisado o bloco desde a crise de 1999: diferenças de competitividade entre os membros e
estruturas industriais não integradas e pouco complementares continuam a impedir o pleno
funcionamento da união aduaneira a partir de uma tarifa externa comum uniformemente aplicada por
todos. O Mercosul foi ampliado à Venezuela, mas sua adesão foi uma decisão de ordem
essencialmente política, cabendo ainda serem de fato observados os prazos previstos no protocolo
de convergência para sua plena incorporação ao regime aduaneiro comum e a todo o acervo de
normas internas. Na verdade, o Mercosul não possui, a exemplo da antiga Comunidade Econômica
Européia, um acquis communautaire que sirva de base à construção progressiva de um mercado
comum: as diferenças não são apenas institucionais, mas também de ordem política.

De fato, o governo brasileiro entende que a defesa da liberalização constitui o principal denominador
comum dos interesses dos países em desenvolvimento nas negociações de serviços e que é, a
partir desse tema, que se pode criar uma “plataforma ofensiva” de negociação para esses países,
que certamente será objeto de muitas demandas dos países desenvolvidos em outros modos de
prestação de serviços. Deve ser lembrado, a propósito, que alguns países em desenvolvimento,
como a Índia – parceiro essencial do Brasil no G-20 – estão entre os principais demandantes de
liberalização na OMC.

A importância, na estratégia de negociações do Governo Lula, de considerações de política externa


típicas do paradigma “globalista” não se evidencia apenas na revisão do modelo de negociações

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com os países do Norte, adotado nos anos 90, em que as negociações preferenciais
desempenhavam papel relevante, senão central. Ela também se manifesta na “volta” à estratégia
brasileira do componente de cooperação Sul-Sul.

De maneira geral, o Governo Lula tem sinalizado, nas negociações comerciais, uma continuidade
com os eixos centrais da política econômica externa do Brasil herdada dos governos pós-abertura
comercial no início dos anos 90. Nesse aspecto, destaca-se a tradicional prioridade conferida às
negociações multilaterais, e uma aposta inequívoca no sentido estratégico do Mercosul e da
integração regional na América do Sul, a despeito do aumento da fragilidade do bloco. Ao mesmo
tempo, percebe-se uma sensível mudança na hierarquia das agendas de negociação hemisférica e
inter-blocos. Ao contrário do Governo FHC, há uma manifestação de preferência explícita pela
integração Mercosul-UE. É preciso impulsionar politicamente o acordo Mercosul-UE e que as
dificuldades já são conhecidas de todos: as áreas de agricultura, serviços e serviços financeiros.
Estas dificuldades de caráter técnico e econômico podem ser superadas com vontade política. Seu
objetivo econômico nas negociações com a EU, reside, sobretudo, no acesso ao mercado europeu,
em especial ao setor agrícola. As várias estimativas explicitam a possibilidade de ganhos derivados
do acesso ao mercado agrícola europeu.

Conclusões

A política de concertação diplomática, realista, é hoje um campo possível, graças ao alargamento


diplomático para com todos os países africanos, uma política posta em prática nos últimos quatro
anos, que veio a substituir a chamada política seletiva: as mudanças de rumo lavadas a efeito pelo
Itamaraty são positivas, mas ainda dependem do reforço da presença, diplomática brasileira, o que
leva à necessidade de quadros.

O diplomata Paulo Roberto de Almeida do seu ponto de vista do conteúdo, a diplomacia do governo
Lula apresenta uma postura mais assertiva, mais enfática em torno da chamada defesa da
soberania nacional e dos interesses nacionais, assim como de busca de alianças privilegiadas no
Sul, com ênfase especial nos processos de integração da América do Sul e do Mercosul, com
reforço conseqüente deste último no plano político. Tudo isso não deve surpreender os
observadores mais argutos, pois que essas propostas figuram nos documentos do PT há
praticamente vinte anos, por vezes nos mesmos termos e estilo (até na terminologia) que os
atualmente proclamados, coincidindo, portanto, com a política externa praticada pelo governo Lula.

Desta forma, acredita-se que o Brasil atua hoje, muito mais próximo do paradigma do Estado
logístico do que os mandatos que precederam. É evidente que nem todas as características do
Estado logístico estão plenamente implementadas, há ainda resquícios do Estado normal, levado a
cabo no governo FHC. Por isso, entende-se que a política exterior do governo Lula, até agora, pode
ser definida como um misto de continuidade e mudança da era FHC.

Referências Bibliográficas

ALMEIDA, P. R. Uma política externa engajada: a diplomacia do governo Lula. Revista Brasileira de
Política Internacional. Brasília, ano 47, no. 1, 2004.

AMORIM, C. L. N. Pelos Resultados. Entrevista concedida à Revista Carta Capital. 21 de fevereiro


de 2005.

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JAKOBSEN, KJELD. Comércio Internacional e Desenvolvimento: Do GATT a OMC – Discurso e
Prática. São Paulo, Editora Fundação Perseu Abramo. 2005.

SARAIVA, J. F. S. Dois anos da política externa de Lula. Artigo publicado no site:


www.relnet.com.br.

Paulo Roberto Daltro de Carvalho, aluno do Curso de Relações Internacionais do PT, gestor de TI
e membro da Executiva Municipal do PT de Simão Dias/Sergipe.
paulo_sergipe@yahoo.com.br

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