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Beleza do Brasil profundo - Walter Sebastião - EM Cultura

Mostra de arte popular em Belo Horizonte destaca a qualidade da produção que, mesmo com
preconceito por parte do mercado, vem conquistando público cada vez mais entusiasmado

Obra de Tarcísio Andrade, em técnica mista, resgata a importância do circo no


imaginário brasileiro

São obras inspiradas em motivos que incendeiam a imaginação popular: casamento,


circo, mitos, figuras do cotidiano ou seres fantásticos que parecem brotar
magicamente da madeira. Criadas por artistas de várias regiões do Brasil, de nomes
pitorescos como Véio, Mestra Raimunda, Severino da Marinheira, João da Alagoas,
Zezinha, entre outros. Todos pouco conhecidos do público, mas ilustres
representantes de arte que, cada vez que surge em cena, vence preconceitos e
encanta pela expressividade. É assim a 1ª Mostra de Arte Popular Brasileira, que
está sendo realizada no Ponteio Lar Shooping. São cerca de 25 obras, pinturas e
esculturas em cerâmica e madeira. “Estamos apresentando o Brasil ao Brasil”,
afirma Germana Moro, curadora da mostra.

Germana é a criadora da primeira galeria de Belo Horizonte dedicada à arte


popular, a M. Boitatá (também especializada em mobiliário dos séculos 18 e 19),
que está completando um ano de existência. Colecionadora, criou o espaço a partir
da vontade “de catequizar e apresentar melhor” a arte popular brasileira. O nome
indígena, em tupi-guarani, significa cobra ou alguma coisa de fogo. Mito que nas
palavras de José de Anchieta (1534-1597), o primeiro a registrar a lenda, remete a
grande serpente que, “se movendo aqui e ali, como facho cintilante”, mata os
índios. “É arte que as pessoas conhecem pouco”, conta, lembrando-se de que só
este ano a SP Arte, feira dedicada à arte contemporânea, aceitou estande com obras
dos artistas populares.

O motivo da resistência à produção dos artistas populares é preconceito. Mas se


deve também à incompreensão e confusão: “As pessoas não sabiam distinguir
artesanato, que é bom, de arte popular”, garante. Artesanato, explica, é feito em
série, em grande escala, “como as namoradeiras de Bichinho”, observa, lembrando
dos trabalhos realizados no distrito de Prados. “Arte é peça única, é criação, o
artista está sempre se modificando”, como é o caso das esculturas do sergipano
Véio. Pondera que, de fato, a linha que separa uma coisa da outra é tênue e que, em
todo o Brasil, existe produção de qualidade nos dois setores. “Mas os artistas criam
peças que levam a expressão a níveis mais altos e profundos”, completa.

INCONSCIENTE COLETIVO

“Na exposição, as pessoas vão poder ver arte que trabalha as nossas origens como
ser humano, que vem do inconsciente coletivo e dialoga com as culturas regionais
brasileiras. São peças de grande riqueza, pela pureza com que os artistas tratam o
seu dia a dia”, conta Germana Moro. A mostra é organizada de forma a evidenciar
a diversidade de estéticas. “Há desde peças de grande exuberância plástica até
outras mais austeras. E que têm muita variedade no uso das técnicas artísticas”,
explica. As pinturas, por exemplo, são realizadas com diversas tintas, de produção
caseira, a partir de pigmentos naturais, até tinta de parede, passando pelo uso de
tinta acrílica industrializada.

Para a galerista, o Brasil demorou a reconhecer a arte que está em museus de várias
partes do mundo. Reticência que traduz preconceitos, observa Germana, é o
costume de adquirir os trabalhos “para colocar em casa de campo, de praia, nunca
na residência oficial ou na bela cobertura na cidade. É bobagem”, afirma. Para ela,
trata-se de hábito que remete a arquitetos e decoradores com pouco habilidade em
conciliar arte popular e contemporânea ou arte popular e mobiliário
contemporâneo. “Mas a situação vem mudando”, avisa.

Germana Moro, falando da produção contemporânea, explica que o


desenvolvimento tecnológico é inimigo da arte popular, produto de autores
autodidatas e práticas ligadas à habilidade da mão. “Mas mesmo assim, têm surgido
alguns artistas que vão criando seu caminho e dando prosseguimento à tradição”,
conta. Boas promessas, na opinião dela, são os mineiros Zizinha, Willi de
Carvalho, Jadir João Egídio ou o pernambucano Tarcísio Andrade. Um clássico que
anda cada vez mais clássico? “Artur Pereira”, responde. “Tem obra forte, genuína,
que está cada dia mais valorizada”, completa.

1ª Mostra de Arte Popular Brasileira


Pinturas e esculturas de diversos artistas. Ponteio Lar Shopping (portaria principal),
Santa Lúcia, (31) 3503-2500. De segunda-feira a sábado, das 10h às 22h; domingo
das 14h às 20h.

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