You are on page 1of 10

Profa.

Raquel Querino

TÓPICOS GERAIS DE NEUROFISIOLOGIA

INTRODUÇÃO

Todas as células, através de seu citoplasma, são capazes de


detectar alterações tanto do seu meio interno quanto do meio externo.
Esta capacidade de ser sensível as alterações ambientais (estímulos) é
denominada excitabilidade ou irritabilidade. Uma vez detectado, o
estímulo se propaga para outras partes da célula através de sua
capacidade de condutibilidade. A resposta ao estímulo pode ser através
de uma alteração nas dimensões celulares, o que se denomina de
contractilidade.
Em seres unicelulares como a ameba, todas as três propriedades
são desempenhadas pela mesma célula. Em seres pluricelulares, há
uma divisão de trabalho de maneira que as propriedades de
excitabilidade e condutibilidade são executadas por um grupo celular e
a contractilidade por outro, tendo-se, então, os primórdios dos sistemas
nervoso e muscular, respectivamente, encontrados nos animais mais
complexos.
O sistema nervoso é responsável pela recepção, processamento e
coordenação de todas as funções orgânicas. Em relação às atividades
motoras, sabe-se que apenas 1% de toda informação recebida pelo
cérebro é processado para gerar resposta motora, 99% são
descartadas. As informações selecionadas são canalizadas para as
regiões motoras do cérebro, sendo que uma parte das informações
provoca resposta imediata e grande parte das informações é
armazenada para controle futuro de atividades motoras.
Do ponto de vista anatômico, o sistema nervoso é dividido em
sistema nervoso central, formado pelo encéfalo e medula espinhal, e
sistema nervoso periférico constituído pelos nervos, gânglios e
terminações nervosas. Funcionalmente falando, o sistema nervoso pode
ser A neurofisiologia e sua compreensão requerem, por parte de seus
estudiosos, que os eventos microscópicos (celulares) sejam bem
definidos e projetados para a uma visão macroscópica, sistêmica.
Profa. Raquel Querino

A CÉLULA NERVOSA

Os neurônios são células altamente especializadas que se


destinam a receber informações, processá-las e gerar um estímulo
resposta. Desde as formas mais iniciais de vida multicelular, os
neurônios são as estruturas básicas para transmitir informações sobre o
meio ambiente para o animal e elaborar uma resposta que pode ser
expressa como presença ou ausência de reação.
A maioria dos neurônios possui quatro regiões: (1) soma ou corpo
celular, (2) dendritos, (3) axônios e (4) terminais axônicos, sendo os três
últimos denominados de prolongamentos celulares.
Na membrana celular dos neurônios, a distribuição dos íons e,
conseqüentemente, das cargas elétricas nos meios intra e
extracelulares dos neurônios que não estão sendo estimulados, gera
uma diferença de potencial denominado potencial de membrana ou
potencial de repouso, onde o interior da célula é mais negativo em
relação ao seu exterior. Quando um estímulo atinge um neurônio, há
um fluxo de íons através de sua membrana, que passa de um potencial
de repouso para potencial de ação, podendo levar a despolarização ou
hiperpolarização.
Morfologicamente, os neurônios podem ser classificados como
multipolares, bipolares e pseudounipolares, de acordo com a
disposição e número de seus prolongamentos celulares.
Funcionalmente, os neurônios são denominados como: (a) sensitivos
ou aferentes, se transportarem os impulsos nervosos da periferia em
direção ao centro de processamento, (b) interneurônios, quando
conectam áreas dentro do próprio sistema nervoso e (c) motores,
aqueles que conduzem o impulso nervooso em direção aos órgãos
efetuadores (músculos e glândulas).
Em suas extremidades periféricas, os neurônios aferentes contêm
os receptores sensoriais que são capazes de responder a vários tipos de
alterações físicas ou químicas do seu meio, gerando sinais elétricos nos
neurônios. Os receptores sensoriais que são sensíveis a alterações
físicas podem ser classificados, de acordo com a natureza do estímulo,
em: (a) mecanorreceptores, respondem a distensão mecânica do
receptor pelo tato, pressão, distensão ou vibração, (b)
quimiorreceptores, respondem a substâncias liberadas pelas células,
incluindo células danificadas (lesões, infecções), (c) termorreceptores,
respondem ao aquecimento ou esfriamento e (d) nociceptores,
sensíveis a estímulos que lesam tecidos ou ameaçam fazê-lo. Sua
estimulação acarreta sensação de dor.
Profa. Raquel Querino

SINAPSE E TRANSMISSÃO SINÁPTICA

Sinapses são junções especializadas entre dois neurônios (pré- e


pós-sináptico) em que a atividade elétrica de um neurônio (neurônio
pré-sináptico) influencia a excitabilidade do outro (neurônio pós-
sináptico). Em termos morfológicos, as sinapses podem ocorrer no corpo
celular (axossomático), nos dendritos (axodendrítica) e no axônio do
neurônio pós-sináptico. A comunicação entre os neurônios motores e as
células efetuadoras é considerada pela maioria dos autores como
junções, onde se tem as junções neuromusculares (entre os neurônios e
as células musculares esqueléticas, lisas ou cardíacas) e
neuroglandulares (entre os neurônios e as glândulas exócrinas).

TIPOS DE SINAPSES

1- Quanto ao tipo de junção ou comunicação entre os neurônios


 QUÍMICAS: neurotransmissores liberados por um neurônio difundem-se
através de uma fenda extracelular para influenciar a atividade de
outro neurônio.

 ELÉTRICAS: correntes locais resultantes da atividade elétrica fluem entre


dois neurônios através de junções comunicantes que os unem
(passagem de íons entre os neurônios).

2- Quanto à atividade
 EXCITATÓRIAS: quando ativadas, geram potenciais de ação ou aumentam
a frequência de potenciais de ação existentes no neurônio pós-
sináptico.
 INIBITÓRIAS: quando ativadas, diminuem a probabilidade de potenciais
de ação ou a frequência de potenciais de ação existentes no
neurônio pós-sináptico.

Um impulso nervoso é um sinal elétrico produzido pelo influxo


de íons através da membrana citoplasmática de um neurônio. A maioria
dos impulsos nervosos é transmitida entre os neurônios mediante
substâncias químicas difusíveis – neurotransmissores, que são liberadas
pelo terminal pré-sináptico e transmitem o sinal para o terminal pós-
sináptico. A membrana pós-sináptica contém receptores que ao se
unirem com o neurotransmissor, mudam de conformação. A mudança
na configuração do receptor pode resultar em:
- Abertura de canais iônicos na membrana pós-sináptica
- Desencadeamento de alterações na atividade da célula pós-sináptica
Numa sinapse química, os eventos ocorrem na seqüência que se
segue e como mostra a figura 3.3:
Potencial de ação

Terminal pré-sináptico
Profa. Raquel Querino


Despolarização da membrana neuronal

Abertura de canais de Ca++ com influxo deste íon para o neurônio

Movimentação das vesículas sinápticas contendo os neurotransmissores

Fixação das vesículas à membrana pré-sináptica

Rompimento das vesículas

Liberação dos neurotransmissores

Ligação dos neurotransmissores com os receptores da membrana pós-
sináptica

Mudança conformacional do receptor

Abertura de canais iônicos associados ao receptor e ativação de mensageiros
intracelulares associados ao receptor.
Profa. Raquel Querino

A atividade nas sinapses pode aumentar ou diminuir a


probabilidade do neurônio pós-sináptico de disparar potenciais de ação.
Assim, na membrana pós-sináptica, as alterações no potencial de
membrana podem ser em relação ao neurônio pós-sináptico:
- Excitatórias (Potencial Pós-sináptico – PEPS)
- Inibitórias (Potencial Inibitório Pós-sináptico – PIPS)

No PEPS, a ligação do neurotransmissor com o receptor do


neurônio pós-sináptico gera uma despolarização neste neurônio devido
à entrada especialmente do Na+. Os potenciais excitatórios são comuns
em todo sistema nervoso central e periférico, como, por exemplo, na
junção neuromuscular.
No PIPS, ao contrário do que ocorre no PEPS, há uma
hiperpolarização local da membrana pós-sináptica devido a um fluxo
loca de Cl- (para dentro da célula) e/ou K+ (para fora) em resposta a
ligação do neurotransmissor a receptores da membrana.

NEUROTRANSMISSORES E NEUROMODULADORES

Embora, tradicionalmente, sejam denominados de


neurotransmissores as substâncias químicas que transmitem
informações entre neurônios, atualmente estas são classificados em
dois grupos: neurotransmissores e neuromoduladores (Tabela 1). Os
neurotransmissores são aquelas substâncias que ao serem liberadas na
fenda sináptica geram excitação ou inibição na membrana pós-
sináptica, que começa e termina em frações de segundo. Os
neuromoduladores ao se ligarem aos receptores da membrana pós-
sináptica ativam os mesmos resultando em:
- Abertura de canais iônicos
- Ativação de proteínas G acarretando eventos celulares que, por sua
vez, ativam canais de membrana ou substâncias intracelulares
denominadas segundos mensageiros, cujos efeitos celulares podem
levar segundos para serem evidenciados e durarem de minutos a dias.

Vale salientar que uma mesma substância pode atuar com


neurotransmissor em um local e como neuromodulador em outro.

Tabela 1 – Neurotransmissores e meuromoduladores mais comuns

NATUREZA QUÍMICA TRANSMISSOR/ MODULADOR


Colinérgico Acetilcolina
Aminoácido Ácido gama-aminobutírico (GABA)
Glutamato
Profa. Raquel Querino

Glicina
Aspartato
Aminas Dopamina
Histamina
Norepinefrina (Noradrenalina)
Epinefrina (Adrenalina)
Serotonina
Peptídeos Endorfinas
Dinorfinas
Encefalinas
Substâncias P
Outros Óxido Nitroso
Fonte: Lundy-Ekman (2004)

LOCALIZAÇÃO E FUNÇÕES DOS NEUROTRANSMOISSORES E/OU


NEUROMODULADORES

ACETILCOLINA: utilizada em todas as junções neuromusculares


somáticas e, também, no sistema nervoso autônomo agindo como
neuromodulador regulando a freqüência cardíaca, entre outras funções.

GLUTAMATO E ASPARTATO: tem efeitos excitatórios extremamente


potentes sobre os neurônios de quase todas as regiões do encéfalo. O
glutamato é vital para o desencadeamento de alterações neuronais que
ocorrem durante o desenvolvimento e aprendizado.

GLICINA E GABA: são transmissores inibitórios. A glicina inibe


membranas pós-sinápticas, principalmente no tronco encefálico e
medula espinhal. O GABA é o principal NT inibitório do sistema nervoso
central (SNC), especialmente em interneurônios da medula espinhal.
Baixos níveis de NT inibitórios podem ocasionar hiperatividade neuronal,
resultando em convulsões.

DOPAMINA: tem efeitos sobre atividade motora, cognição e motivação.


As vias neuronais que usam a dopamina estão implicadas na
fisiopatologia de algumas doenças em humanos (esquizofrenia –
distúrbio do pensamento e doença de Parkinson – transtorno dos
movimentos) e na dependência a certas drogas. A cocaína interfere em
uma proteína que remove a dopamina do seu local de união; as
anfetaminas aumentam a liberação de dopamina e bloqueiam a sua
recaptação, em ambos os casos, há aumento da motivação.
Profa. Raquel Querino

NOREPINEFRINA: utilizada pelos neurônios do sistema nervoso


autônomo, tálamo e hipotálamo. Esta substância tem um papel
importante na vigilância do ambiente, aumentando a atenção às
informações sensoriais, sendo também essencial nas reações de fuga e
luta.

SEROTONINA (5-hidroxitriptamina) – encontrada, principalmente, nos


neurônios do tronco encefálico. Está presente em grandes quantidades
no trato gastrintestinal e nas plaquetas. Em seres humanos, baixos
níveis de serotonina têm sido associados com a depressão e
comportamento suicida.

HISTAMINA: concentra-se no hipotálamo, área reguladora da função


hormonal.

ENDORFINAS, ENCEFALINAS E DINORFINAS: conhecidos como


opióides endógenos, pois utilizam os mesmos receptores aos quais se
ligam ao ópio, estes peptídeos inibem neurônios do SNC que estão
envolvidos na percepção da dor. São encontrados, também, no trato
gastrintestinal.

SUBSTÂNCIA P: é um polipeptídeo encontrado em grandes


quantidades no intestino, onde pode ser mediador químico para um
reflexo mioentérico. No SNC, é encontrado em muitos locais, incluindo
algumas fibras sensoriais, e no corno dorsal da medula espinhal. É
considerado responsável pela transmissão de estímulos dolorosos da
periferia para medula ou um nível mais acima.

ÓXIDO NITROSO: conhecido por seu papel regulador no sistema


vascular foi demonstrado ser ativo também no encéfalo.

SÍNTESE, LIBERAÇÃO E CATABOLISMO DE ALGUNS


NEUROTRANSMISSORES / NEUROMODULADORES

ACETILCOLINA: sintetizada próximo ao terminal pré-sináptico pela


reação da colina com a acetil-coenzima A. Esta reação é catalizada pela
enzima colina-acetiltransferase. Antes da repolarização do neurônio pré-
sináptico, a acetilcolina deve ser removida da sinapse através de sua
hidrólise em colina e acetato, uma reação catalizada pela enzima acetil
colinesterase (Fig. 1 e 2).
Profa. Raquel Querino

Figura 1 – Síntese da acetilcolina

CATECOLAMINAS: As principais catecolaminas encontradas no


organismo são a norepinefrina (noradrenalina), epinefrina (adrenalina) e
dopamina. Estas substâncias são formadas pela hidroxilação e
descarboxilação dos aminoácidos fenilalanina e tirosina.
A fenilalanina hidroxilase é encontrada primariamente no fígado. A
tirosina é transportada para o citoplasma dos neurônios secretores de
catecolaminas onde é convertida em dopa e, em seguida, em dopamina
pela tirosina hidroxilase e dopa descarboxilase, respectivamente. A
dopamina entra nas vesículas granulares onde é convertida em
norepinefrina pela dopamina beta-hidroxilase. Alguns neurônios e a
medula adrenal possuem a enzima citoplasmática feniletanolamina-N-
metiltransferase que catalisa a conversão da norepinefrina em
epinefrina.
A adrenalina (epinefrina) e noradrenalina (norepinefrina) são
metabolizadas em produtos biologicamente inativos por reações de
oxidação e metilação. A oxidação é catalisada pela enzima mitocondrial
Mono-amina-oxidase (MAO) e metilação pela enzima Catecol-O-
metiltransferase (COMT) que age na norepinefrina após ser secretada
(Fig. 2 e 3).

Figura 2 - Inativação da acetilcolina, uma visão


comparativa com a noradrenalina
Profa. Raquel Querino

Figura 3 – Via biossintética das catecolaminas

SEROTONINA: é sintetizada nos neurônios serotoninérgicos a partir do


aminoácido triptofano. Após a sua liberação na fenda sináptca, muitas
das moléculas são recapturadas e inativadas pela enzima MAO no
metabólito 5-ácido-hidroxindoacético (5-HIAA) que é eliminado pela
urina. Na glândula pineal, a serotonina é convertida em melatonina (Fig.
4 e 5).
Profa. Raquel Querino

Figura 5 – Vias de inativação da


serotonina

Figura 4 – Etapas da síntese da


serotonina

LITERATURA CONSULTADA

CUNNINGHAM, J.G.; KLEIN, B.G. Tratado de Fisiologia Veterinária. 4a. Ed.


Rio de Janeiro; Elsevier.2008.

LUNDY-EKMAN, L. Neurociência: fundamentos para reabilitação. Rio de


Janeiro: Elsevier. 2004

WIDMAIER, E. P. Fisiologia Humana: os mecanismos das funções. Rio de


Janeiro; Guanabara Koogan. 2006.

You might also like