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Ao abrir a porta, me deparei com uma casa vazia.

Já havia esquecido que outrora alguém ali


habitara. Todo aquele espaço, de tão poucas coisas; de certa forma me ria, um deboche, para mim, que
encontrara a ausência do que ali vivera.

Caminhei por entre o que sobrou dos móveis, tentei lembrar de algo dessa minha vida passada, mas
todos os esforços eram vãos, como tambéem eram os vazios vãos dessa casa de lembranças pela vida
abanadonada.

Eu sabia que algo ali já tinha vivido, mas parecia que tudo havia sido de algum modo removido,
apagado de minha memória, como aquelas telas em branco, lençóis jogados por cima de tudo para
esconder um passado também branco. Branco. Era essa a impressão que tinha frente àquele quadro sem
cores. Algo acontecera, ali eu havia provavelmente vivido algo, quiçás amores. Mas tudo tinha sido
terminado e apagado de repente. Por debaixo dos panos que não consegui levantar, havia com certeza essa
vida. Escondidos de meus olhares haveriam porta-retratos com fotografias de um casal que teria sido feliz;
dentro das gavetas trancadas, meus versos antigos, uma pesia menos sofrida, onde o tema não fosse a
tristeza e o desespero, mas a biografia de alguém feliz.

Sentei num canto à espera de algo ou alguém. Foi então que, primeiras cores que vi, ela entrou por
aquela mesma porta que havia deixado aberta e minha vida revi. Trazendo consigo luz, as coisas se
tornaram mais claras e transparentes. Pude perceber, através aquele tecido, a cama que há tempos deixara
de servir, sobre a qual eu teria vivido com ela momentos únicos e marcantes. Através daquela membrana
fina, pude ver e sentir os lençóis ainda desforrados, traços que tentavam me lembrar algo que agora
desconhecia.

Ela avançou e foi abrindo as portas pelas quais não passara ainda e, como querendo me mostrar
tudo, abriu alguns dos armários que ainda restavam. Não resistindo ao convite, busquei na bagunça dali,
até encontrar algum indício. Não achei cartas nem poemas, apenas álbuns de fotos nos quais via minha
imagem recorrente, quase sempre acompanhada de uma mulher. Parecia ser essa mesma mulher que
estava ali do meu lado, mas algo em seu rosto era diferente, não podia descrevê-lo. Era como se nunca
tivesse visto algo parecido para poder ter as palavras certas. O cabelo de então era o mesmo, mas a cor não
era constante, enquanto castanho nas fotos, agora pareciam mudar de cor e não saber qual assumir em
definitivo, variando do azul ao vermelho, passando por tons de verde e amarelo. Algo que também
observei, é que as roupas eram também diferentes: antes sempre coloridas e alegres, agora negras neutras,
pesadas até. Ela vestia o luto de nossa antiga vida, de nossos antigos planos mas ao mesmo tempo parecia
me ignorar. Até agora não havia um sinal de que sequer me notara.

E ali fiquei por muito tempo e por muito tempo busquei respostas. Aos poucos fui juntando os
elementos que encontrava e escrevendo minha história, a nossa história, naquela casa quase vazia e que
esvaziava a cada novo dia. As lembranças iam se perdendo com o passar do tempo e a reconstituição
ficando mais difícil.

Finalmente decidi não lembrar e passei a querer apenas inventar, com as cores que ela me dera e os
modelos que eu imaginava ter. Fiz tela dos lençóis espalhados. Desenhei, pintei e voltei até a escrever.
Mas logo me dei conta que era como se eu tivesse repetindo algo que já tivera sido feito antes. As linhas
tomavam forma com o simples contato do lápis e palavras apareciam sem que eu pudesse terminar o
movimento. Antes que eu pudesse pensar em escrevê-los, nomes surgiam sob meu lápis e sob meu
sentimento de saudade (de quê?), palavras de “amor perfeito” e “não te esqueças de mim”.

12 de junho de 2009

Lembranças sobre tela

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