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CULTURA TOLTECA E CIVILIZAÇÃO CONTEMPORÂNEA

O Sonho do Planeta
Valdenir Benedetti

“...a gente quer ter voz ativa,


no nosso destino mandar,
mas heis que chega a roda viva
e carrega o destino pra lá...”
(Chico Buarque – Roda Viva)

Nascido em uma família de raízes indígenas, no interior do México, Don Miguel Ruiz
cresceu em contato íntimo com a tradição tolteca, mantida viva por sua mãe curandeira e
por seu avô, que era um nagual (xamã). Don Miguel Ruiz foi educado para ser também um
nagual, mas o contato com a vida moderna acabou levando-o a estudar medicina e a
tornar-se cirurgião e professor de cirurgia. Uma profunda crise pessoal reaproximou-o de
suas origens e fez com que se dedicasse intensamente durante vários anos ao estudo da
tradicional sabedoria tolteca.

O trabalho de Don Miguel concentra-se na questão da emergência do “Sexto Sol” do


calendário maia, profetizado pelos ancestrais como um período de excepcionais mudanças
planetárias e pessoais. Na tradição tolteca, um nagual é alguém com a função de orientar
outras pessoas no sentido da obtenção da liberdade pessoal. Com base na filosofia
ancestral, Don Miguel faz uma crítica feroz aos condicionamentos da vida moderna, que
conformam todos os indivíduos a uma ideologia alienante e anestésica, que anula o livre
arbítrio e a lucidez da consciência. Sob muitos aspectos, a visão de Don Miguel lembra as
idéias de pensadores como Herbert Marcuse e Ivan Illitch, que tanto influenciaram a
juventude dos anos sessenta. É exatamente esta crítica ao que Don Miguel chama de
“Sonho do Planeta” que serve de pretexto para as reflexões astrológicas de Valdenir
Benedetti.
(Constelar)

Introdução
Este texto “aconteceu” em um dia qualquer, encantei-me com o texto de Don Miguel Ruiz
em um livro que achei na estante do fundo de uma livraria aqui de Salvador (Os Quatro
Compromissos, Ed. Best Seller), e sua leitura foi ficando mais clara na medida em que eu
digitava trechos do livro e interpretava-os criticamente acordo com a linguagem
astrológica, como eu procuro pratica-la.

Alguns dias depois, escrevi a segunda parte do Sonho do Planeta, já com uma visão mais
astrológica dos caminhos para se libertar ou se confrontar com este grande sonho em nossas
vidas. Agora, aí está o texto completo para ser usufruído e compartilhado por mais pessoas.
Imposição cultural e domesticação
O que você está vendo e ouvindo neste momento não passa de
um sonho. Você está sonhando neste momento. Está sonhando
com o cérebro acordado.
(...) A diferença é que, quando o cérebro está acordado, existe
uma moldura material que nos faz perceber as coisas de forma
linear.

Esta é uma forma de ver a realidade como uma projeção da mente. Se pensarmos no
horóscopo e olharmos esta idéia sob o prisma da Astrologia, podemos entender que os
símbolos, como nós os interpretamos, são leituras deste sonho coletivo, e que seu
verdadeiro significado permanece oculto na “moldura” de nosso sonho da realidade.

Talvez seja momento de, se pretendermos acordar de fato, começarmos a perceber que pode
haver outra leitura, outra interpretação para os símbolos astrológicos. Neste caso, se
chegarmos a uma percepção dos significados dos sonhos pessoais além das imposições
deste Sonho do Planeta, estaremos a caminho da libertação, estaremos indo em direção ao
Acordar, usando a Astrologia!

O sonho do planeta, ou sonho da sociedade (...) Inclui todas as


regras da sociedade, suas crenças, suas leis, suas religiões,
suas diferentes culturas e formas de ser, seus governantes,
escolas, eventos sociais e feriados.

É impressionante como a visão que temos da Astrologia e suas funções está comprometida
e submetida a este Sonho do Planeta. Não conseguimos simplesmente nos livrar ou nos
distanciarmos deste sonho, destas regras existenciais e morais que existiam antes de
nascermos. Isto vale para cada palavra dita sobre um horóscopo, e isto vale também para as
regras de interpretação, para os significados que atribuímos aos planetas.
Toda interpretação feita por quem está submerso no Sonho será feita de acordo com as
regras e critérios desse sonho.

O sonho exterior possui tantas regras que, quando um novo ser


humano nasce, captamos a atenção da criança e apresentamos
as regras à mente dela. O sonho exterior usa Papai e Mamãe, as
escolas e a religião para nos ensinar a sonhar.

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Astrológicamente cada um dos símbolos planetários tem uma correlação com nossa
capacidade de criar significados internos para o que eles representam, e estes significados
passam a ser distorcidos pelos que nos ensinaram as regras deste Sonho.

Neste caso, Vênus, por exemplo, vai simbolizar basicamente o que papai e mamãe
(representando nossos formadores em geral) nos apresentaram, um modelo de desejo, um
modelo de amor que não é necessariamente a representação de todas as possibilidades
simbolizadas por Venus, e que corresponderiam apenas ao que é filtrado e permitido
experimentar dentro do plano do Sonho. O mesmo ocorre com o Sol, com a Lua e com os
demais planetas e símbolos.

O que nós entendemos por desejo (Vênus), comunicação (Mercúrio), expansão (Júpiter),
estrutura (Saturno) e assim por diante, é apenas nosso reflexo, nossa reação inconsciente
àquilo que nos foi imposto a partir de um sonho coletivo.

Aí está um caminho possível para nossa libertação: descobrirmos dentro de nós,


trabalhando com um processo muito crítico e criativo, as outras possibilidades de expressão
destes símbolos, mesmo que elas contrariem os parâmetros do Sonho do Planeta. Mas
afinal, quem se atreve?

A atenção é a capacidade que possuímos de discriminar e nos


focalizar apenas no que desejamos perceber. (...) Os adultos ao
redor de nós capturaram nossa atenção e colocaram
informações em nossas mentes mediante a repetição. Essa é a
forma pela qual aprendemos tudo que sabemos.

Esta capacidade de discriminar está correlacionada astrológicamente com Vênus, que rege a
ponderação e a escolha, e é este o primeiro planeta que precisa ser trabalhado para que a
gente possa começar a escolher outras coisas onde focalizar a atenção.

Quando mudamos o foco de atenção, mudamos a dimensão dos acontecimentos, pois “as
coisas acontecem no plano onde nos focalizamos” e, portanto, podemos focalizar além do
modelo imposto pela cultura, para que esta realidade sonhada saia de foco e consigamos
perceber uma realidade além das regras impostas por este sonhar coletivo.

Mas há um pequeno problema: para usarmos Vênus em nossas vidas de outra forma,
aprendendo a escolher o que queremos, e não o que nos é imposto, também teremos que
mexer em outros atributos de Vênus, especialmente o Desejo e tudo que está relacionado a
ele, particularmente nossos padrões afetivos. A resistência para aceitar uma transformação
em nossa pseudo-realidade afetiva tende a ser muito grande.

Lua e Mercúrio
Para “captar-nos” a atenção, os “formadores” utilizam nossa Lua natal, pois a necessidade
de sobrevivência e continuidade, qualidades essenciais e biológicas, são atributos
simbolizados pela Lua, e nós somos, em um primeiro momento da vida, na infância,
manipulados pela necessidade de sobreviver. Se não prestarmos atenção, não poderemos
sobreviver. Então, assim capturam nossa atenção, exatamente como faz um cachorrinho

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quando ouve o barulho de sua tigela de comida sendo arrastada no chão. Usa-se a
necessidade básica de sobrevivência para chamar a atenção do cão. Com as crianças é a
mesma coisa, apenas a forma é diferente. A Lua nos dá a medida deste mecanismo de
prender a atenção delas, de estabelecer um vínculo de controle.

Utilizando nossa atenção, aprendemos uma realidade inteira, um


sonho inteiro. Aprendemos como nos comportar em sociedade, em
que acreditar e em que não acreditar, o que é bom e o que é mau, o
que é bonito e o que é feio, o que é certo e o que é errado.

Esta fase de condicionamento e assimilação dos modelos de comportamento da sociedade


corresponde a uma fase lunar da vida, aproximadamente até os 7 anos de idade. A forma de
nossa atenção e o preço que cobramos por ela, nossas chantagens pessoais e aquelas às
quais somos submetidos, têm as características do signo e casa que contêm a Lua.

Mercúrio, por sua vez, cumpre sempre a função – entre outras – de intermediário entre a
Lua e os planetas que vêm na seqüência. Mercúrio assimila o discurso e as regras que
passaram primeiro pela nossa Lua natal, funcionando como o canal de expressão das
condições existenciais de quem vive submerso no Sonho do Planeta. Esse planeta
incorporará neste momento da vida a capacidade de racionalizar, justificar e tornar a
realidade descritível. É o passe de entrada no plano da mente.

Quanto ao que é bom e mau, bonito e feio, certo e errado, já é um atributo eletivo de Vênus,
o planeta da escolha e da eleição, e é assim que nossos critérios estéticos e afetivos são
contaminados pelo Sonho do Planeta.

Aprendemos também a capturar as atenções de outros seres


humanos e desenvolvemos certa necessidade de atenção que pode
se tornar extremamente competitiva. As crianças competem para ter
a atenção dos pais, dos professores, dos amigos. “Olhe para mim!
Veja o que estou fazendo! Ei, estou aqui.” A necessidade de atenção
se torna muito forte e continua pela vida adulta.

Os planetas vão funcionar, a partir desta idéia, em duas direções, tanto para captar a atenção
dos outros quanto para dar atenção a tudo que está fora de nós. Vamos usar o mesmo
instrumento que foi usado para nos condicionar para tentar condicionar os outros, a mesma
fórmula, o mesmo discurso, e mais uma vez a essência de nossa Lua e demais planetas foi
“capturada” e distorcida, e cada vez mais vamo-nos comprometendo com este Sonho do
Planeta e suas regras e padrões.

A competitividade pela atenção começa a funcionar como um distorcedor de Marte, que


representa nosso corpo físico e nossa postura. Por isso, expressamos os atributos de Marte
muitas vezes como um instrumento de agressividade, competição, tonus inadequado,
sexualidade pervertida ou frustrada e tudo mais, porque o Sonho do Planeta muitas vezes
não tem a vibração sintonizada com nossa Natureza Essencial, que é em princípio
harmoniosa, como tudo mais na natureza à qual pertencemos.

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O sonho exterior captura nossa atenção e nos ensina em que
acreditar, começando com a linguagem que utilizamos. A
linguagem é o código para entendimento e a comunicação entre
os seres humanos. (...) Uma vez que se compreenda o código,
nossa atenção é capturada e a energia é transferida de uma
pessoa para outra.

Bem demonstrado neste parágrafo o condicionamento de nosso Mercúrio. Na verdade, toda


a casa III está envolvida na questão: seu regente, os planetas que estão lá, o signo da casa
III etc.

Podemos considerar que, por ser a IX casa, se contada a partir da VII 1, a casa III
corresponde ao “conhecimento do outro” e, por ser a VI da X, corresponde ao método, aos
procedimentos e rituais que o mundo externo utiliza para se manifestar. Curiosamente, este
procedimento através do qual o mundo cristaliza-se em nossa vida é o discurso, a palavra, o
mundo das idéias, os padrões de descrição e elaboração mental da realidade. Isto torna o
“mundo exterior em nós” uma idéia, uma descrição.

Essas conotações da casa III mostram bem o mecanismo da imposição e de como acabamos
utilizando nossa inteligência, discurso e capacidade de expressão como um mecanismo
condicionado para alimentar constantemente através das explicações o Sonho do Planeta,
que na verdade é ou se torna um grande discurso, um imenso blá-blá-blá, uma realidade
exclusivamente mental.

Por meio desses símbolos, Lua e Mercúrio principalmente, os acordos mentais são
estabelecidos, ou melhor, são impostos à mente da criança, e só resta a nós entender o
mundo através desses códigos que nos foram impingidos.

Não foi sua escolha falar português. Você não escolheu sua
religião e valores morais – eles já existiam antes de você nascer.
Nunca tivemos a oportunidade de escolher em que acreditar ou
não acreditar(...) Não escolhemos ao menos nosso próprio
nome.

É interessante observar que os valores que se estabelecem em nosso ser Lunar, nossa
criança interna, e que se expressam e são absorvidos por intermédio de Mercúrio, contêm
uma série de referências e argumentos para se “auto-alimentarem” constantemente.

Podemos identificar esse fenômeno exatamente agora, quando nos perguntamos: “quem
disse que este D. Miguel está certo? De onde ele tirou esta idéia maluca de Sonho do
Planeta? Então não existe realidade? Etc, etc...”

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Aqui, e em vários outros trechos, Valdenir trabalha com o conceito de casas derivadas. O raciocínio é
simples: cada casa, contada a partir do Ascendente (casa I), corresponde a uma área específica de
experiências. A casa VI, por exemplo, indica métodos, rotinas de trabalho, hábitos pessoais etc. A casa VII
representa o outro, o parceiro, o cônjuge – ou o adversário. A casa XII, que é a sexta a partir da sétima, pode
representar então os hábitos e rotinas do outro (do marido ou da esposa, por exemplo). Outro exemplo bem
esquemático: a casa III representa padrões de linguagem e de articulação de pensamento, enquanto a casa X
simboliza, entre outras coisas, o chefe, a autoridade. A casa XII, que é a terceira a partir da décima, pode ser
lida, então, como a forma de falar ou de pensar do chefe. (Nota do Editor)

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Os contra-argumentos mercurianos, dentro do modelo do Sonho do Planeta, são quase
sempre negar qualquer evidência deste próprio sonho. Somos condicionados a dizer, por
exemplo, diante de qualquer experiência que possa nos fazer romper os acordos com o
sonho e despertar, que é “coisa de maluco”, que não é “científico”; e nesta contra-
argumentação, percebemos o quanto a função mercuriana costuma ser uma expressão, um
recurso e uma extensão da atividade Lunar, pois são os condicionamentos mais profundos e
inconscientes que oferecem os principais argumentos que utilizamos para justificar a
manutenção de qualquer coisa, até mesmo da idéia de que o sofrimento é parte da
existência e deve ser aceito passivamente. Pode também ocorrer um tipo de acomodação
dentro da condição de tão freqüentemente, por não sabermos quem somos, chegarmos a
parecer ser algum tipo de ração, um alimento mantenedor do Sonho do Planeta, aquele que
foi sonhado há muito tempo antes de nós, e que continua nos possuindo e se alimentando da
energia vital que escapa de nós a partir de nossa inconsciência.

Sem querer parecer cruel, muitas vezes podemos estar agindo como gado, submetendo-se
sem questionar ou sem ao menos saber o que está acontecendo a regras às quais não temos
o menos acesso e, quando temos, raramente nos atrevemos a questiona-las, pois fomos
ensinados a pensar que temos algo a perder se reagirmos, seja nosso conforto, estabilidade e
segurança, seja nossa ilusão de paz.

Quando crianças, não tivemos oportunidade de escolher nossas


crenças, mas ‘concordamos’ com a informação que nos foi
passada (...) O sonho exterior pode captar nossa atenção, mas
se não concordarmos, não armazenamos essa informação.

Somente acreditamos e fazemos este acordo porque a sobrevivência física depende disto!
Só nos é dada a ração, o leite, o pão, o afeto, o reconhecimento, se aceitarmos o acordo, e é
assim que se subjuga a criança dentro de nós, é assim que se condiciona a função lunar para
que ela seja uma expressão de um sonho que não é o nosso. O dispositor da Lua (o planeta
que rege o signo onde a Lua se encontra, sua casa e signo) representa as condições e o
mecanismo de imposição de um modelo formativo da personalidade. São os termos do
acordo, as cláusulas do contrato que, se não aceitarmos naquele momento, sugerem os
primeiros castigos, as primeiras perdas, a primeira dor. Só resta então à criança a alternativa
de concordar.
(ver artigo complementar sobre o dispositor da lua e criança interior no final do livro)

Crianças acreditam em tudo o que os adultos dizem.


Concordamos com eles, e nossa fé é tão forte que o sistema de
fé controla todo o nosso sonho de vida.

As crianças acreditam, ou seja, dão um crédito, porque elas não tem ainda conhecimento da
mentira. O adulto, dá um crédito quando não tem convicção de nada, e a convicção é um
estado de quem tem conhecimento. Apenas quando temos “conhecimento” real de algo,
podemos agir com convicção, em vez de agir com fé.

Por isso, a maioria das religiões institucionalizadas – aliás, a maioria das instituições, sejam
econômicas, políticas, familiares, sociais ou religiosas – tem interesse em que as pessoas

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acreditem em seus dogmas e verdades, pois só através da fé a gente pode aceitar certas
mentiras que, por exemplo, os políticos e economistas contam para manter seu Sonho de
Poder. A mesma fórmula de exigir a fé sem questionamento é utilizada na educação das
crianças por pais que acreditam neste sonho, que têm fé nele. É a reprodução da idéia da fé
de pai para filho através de infinitas gerações, e essa fé exclui qualquer hipótese de embasar
as atitudes na sabedoria e no conhecimento, pois quem tem sabedoria, tem também
convicção, e dificilmente seria conivente com o sonho dos outros, com a ilusão.

Para libertar-se desses acordos que incluem e exigem a crença passiva é necessário rebelar-
se, e para rebelar-se contra tudo isso é necessário estabelecer uma relação consciente com o
Conhecimento das Leis Naturais, que irão nos fortalecer e permitir que a força do universo
flua através de nossas vidas, é necessário também sair da ilusão do Sonho do Planeta, do
Maya, e necessário, principalmente, agir com Convicção.

Para isto a Astrologia pode ser muito boa, um poderoso instrumento de libertação, mas
infelizmente nós (astrólogos) também fomos convencidos na infância de que o bom e o
certo é o Sonho do Planeta, e nossos conseqüentes Sonhos Pessoais.

Por isso a mais popular e aceita escola de Astrologia, normalmente chamada de


“acadêmica” ou “tradicional”, contém quase sempre uma reprodução dos conceitos
estabilizadores propostos pelas regras do grande sonho e pode ser apenas mais um
instrumento para alimentar a ilusão e manter-nos atrelados a ela, talvez até felizes dentro
dela. Raramente esse tipo de Astrologia – com característica mecanicista – propõe ou
permite que o indivíduo questione sua condição de vida e se indisponha contra ela, pelo
contrário, a idéia é justificar os acontecimentos e as condições da existência como parte
integrante de uma totalidade chamada “destino”, e contra o qual não há nada a fazer, a não
ser aceitar e se sujeitar.

Todo o discurso astrológico, particularmente nesse caso, é sustentado pelas nossas crenças,
pela idéia de que o que vemos e sentimos é a única dimensão possível da realidade, é a
realidade verdadeira. Aprendemos a acreditar que o mundo é o que nos descreveram a partir
do instante em que nascemos e durante a primeira infância, e fica muito difícil conceber
outra possibilidade. Intuímos que existem outras dimensões, que existe uma outra
“realidade” possível, além de Saturno, além da estrutura visível e palpável, mas insistimos
em reduzir esta “realidade” a denominadores comuns atrelados à manutenção do Sonho do
Planeta, e acabamos por usar a Astrologia como um recurso adicional para reforçar este
Sonho, em nós e nos outros.

Temos um conceito completo sobre o que é uma “mulher” e o


que é um “homem” e isso faz pare do nosso sistema de
crenças.

Os conceitos que nós humanos desenvolvemos do que é uma “mulher” ou um “homem”,


por exemplo, são representados genericamente pelo Sol e pela Lua em nosso horóscopo.
Daí que tudo que dizemos sobre o Sol e a Lua em termos de descrição de Pai, Mãe,
masculino e feminino, está condicionado ao que o Sonho do Planeta nos ensinou, está
vinculado aos conceitos de uma realidade que talvez não seja tão real. Daí que de pouco ou
nada servem – ou servem apenas à manutenção do Sonho.

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Mas percebam como é complicado nos atrevermos a questionar as definições que damos a
Sol e Lua no horóscopo. Estamos tão submersos em um padrão de ilusão da realidade
absolutamente lógico e coerente que nos foi imposto – até mesmo porque os referenciais
de lógica e coerência também nos foram ensinados – que se torna inconcebível e
tremendamente arriscado nos atrevermos a afirmar que talvez o Sol e a Lua possam ter
outros significados além daquele aceitável dentro do plano do Sonho. Quem se arrisca?

O outro e a separatividade

O Sonho do Planeta se sustenta de forma quase automática através da projeção de nossas


expectativas, que estão por sua vez comprometidas com nosso julgamento de praticamente
tudo.

O simbolismo do horóscopo que explica as projeções corresponde graficamente à relação


dinâmica entre uma casa terrestre e sua casa oposta. A casa oposta a qualquer questão
representa, nesse caso, o espaço mítico onde se projeta e onde se manifesta a sombra de
uma determinada experiência representada por cada uma casas, e esse componente
projetivo ou sombrio acaba sendo prevalente na realização do horóscopo da pessoa, dentro
das condições oferecidas pela realidade aparente.

Um bom exemplo da imposição de crenças pelo sonho é a intensidade com que nos
projetamos, focalizamos nossas expectativas de relacionamento na casa VII, a casa que
representa o “outro” no horóscopo. Na verdade, poderia ser o “outro que está em nós”,
mas no Sonho do Planeta, que precisa da separatividade para subsistir, é um “outro” que é
identificado como algo que está sempre fora de nós, e com o qual temos que nos preocupar,
e para o qual temos que sempre dar conta de nossos atos e tudo mais, isto desde a infância,
desde a necessidade primária (cobrada e condicionada) de prestar contas de cada mínimo
movimento ou sorriso ou lágrima a nossos pais e formadores. Isto apenas continua re-
criando a crença de que a casa VII representa algo ou alguém que está fora de nós, está
separado de nós, e precisa ser seduzido, conquistado e mantido para que nos sintamos um
pouco inteiros. Na verdade, se rompermos com essa crença e esse acordo, se pudermos ser
por um segundo verdadeiramente inteiros e plenos, nos rebelaremos e acordaremos deste
eterno Sonhar.

Ah, e se nos rebelássemos e acordássemos não precisaríamos do outro como nos é imposto
pelo Sonho do Planeta, pois o outro está, em princípio, dentro de nós mesmos, e só
podemos perceber e reconhecer nele até onde podemos perceber e reconhecer o que está
dentro de nós. Se estamos vivendo e experimentando o que está dentro de nós apenas na
dimensão de um sonho, o outro torna-se uma ilusão que, com a primeira brisa da
consciência, o primeiro vislumbre de nossa verdade interior, se desfaz...

E então, dentro dessa realidade imaginária, a casa VII passa a ser uma imensa fonte de
problemas, talvez a mais significativa deste planeta, pois, nas condições impostas pelo

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Sonho do Planeta, o “outro” é sempre a referência da minha realidade, ou melhor, da minha
ilusão de que existo.

Se o outro é uma ilusão e uma projeção, e se ele é a referencia de minha própria existência,
o que sou eu então?

Quem de nós quer transgredir esta regra? Quem de nós ousaria dizer que não precisamos do
outro para não sofrermos de uma imensa solidão? Quem de nós se atreve a atribuir um
significado diferenciado à casa VII, que não seja uma mera projeção de nossa profunda
carência? Quem de nós encara a possibilidade de que, por sermos naturalmente inteiros e
plenos não precisamos de ninguém para nos completar?

Quem pode aceitar a idéia de que na verdade nascemos sós e continuamos sós, e só de nós
mesmos, de cada um, depende nossa realização e nossa vida?

Não são incomodas essas idéias? Eu me sinto incomodado pensando isto. É assustadora a
idéia de que posso não precisar da pessoa que amo, a perspectiva de que posso apenas
compartilhar com ela minha plenitude natural, experiência que infelizmente não me é
permitida neste plano da existência por não ser conveniente às regras de manutenção e
controle do Sonho do Planeta.

Vamos portanto, por pura comodidade e para não ter que enfrentar a dolorosa verdade,
continuar descrevendo e analisando a casa VII (descrição que pode ser adaptada a todas as
outras casas) como algo que temos que conquistar FORA de nós mesmos, como algo que
pode ser identificado como uma experiência a ser vivida fora da gente, e não como algo que
já existe em nós, bastando ser acessada pela consciência.

Para ensinar um cachorro precisamos punir e dar recompensas


a ele. Treinamos nossos filhos, aos quais amamos tanto, da
mesma forma que treinamos qualquer animal doméstico: com
um sistema de castigos e recompensas.

Para a Astrologia que praticamos dentro desta dimensão ilusória, a utilização de conceitos
como o de ser bom ou mau é essencial. Daí que temos também “bons e maus aspectos”,
piores ou melhores configurações. Tanto na vida quanto na análise da vida, através do
horóscopo ou do que for, usamos basicamente os mesmos padrões conceituais. Esta busca
de referenciais nos padrões externos e nos modelos sociais, utilizada intensamente na
metodologia característica da Astrologia, tem a função de nos manter divididos e confusos,
submersos na ilusão, atrelados ao Sonho do Planeta.

Na natureza, se observarmos criticamente, as coisas são o que são, e os atributos de


bondade ou maldade que observamos nas relações entre os animais e as plantas é um
problema de nossa mente, de nossa expectativa, de como aprendemos que as coisas
deveriam ser, do nosso conceito do que é certo ou errado. Daí que nos chocamos quando
um animal simplesmente devora outro, quando uma aranha se alimenta do macho após o
acasalamento, quando um tipo de orquídea suga a seiva da árvore que a hospeda até
extingui-la, quando um corpo morre após cumprir sua função natural, que certamente é
imensa, muito maior que nossos desejos, medos, leis e tudo mais que a psique descreve e
espera da vida.

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Enquanto isso, projetamos neste contexto biológico da existência, que não tem definições
de “bem e mal”, nossos conceitos pessoais, adquiridos exatamente no processo de
domesticação da psique.

É conseqüente que, na decodificação dos símbolos astrológicos, utilizemos estas referências


condicionadas. É decorrente destes conceitos sustentados pela separatividade que, na
tradução humana dos significados das configurações astrológicas, atribuamos aos símbolos
conteúdos sustentados pelos conceitos de bem e mal, e, com este procedimento e através da
linguagem, vamos sustentando e sedimentando cada vez mais o sentimento de que somos
seres separados uns dos outros e da natureza, seres divididos entre o bem e o mal, os bons e
os maus.

Nas oportunidades em que fomos contra as regras, nos


puniram; quando agimos de acordo com elas, ganhamos uma
recompensa.

Este é o procedimento que o Sonho do Planeta adota para nos forçar a construir critérios de
Valor sobre os quais iremos alicerçar nossa realidade. A casa II do horóscopo corresponde
ao universo dos valores pessoais, e, nessa dimensão do Sonho, os valores são elaborados e
mantidos por um mecanismo de punição e recompensa. Isto nos deixa constantemente
inseguros e ameaçados, além de incapazes de perceber que já temos dentro de nós todos os
valores de que precisamos. Não estamos nos referindo a objetos e recursos materiais, como
alimentos e roupas. Estamos falando de valores.

Mas é próprio do sistema mantenedor do Sonho no qual está submerso o planeta, que
projetemos e busquemos a referência de nossos valores fora de nós, pois nos sentimos
separados do outro e, por isso, o outro tem de reconhecer e endossar meu Valor, pois sem
isto eu não tenho como ter consciência de mim mesmo ou desses valores.

A conseqüência é que ficamos constantemente inseguros, somos programados para estar em


um estado permanente de fragilidade, vivemos na dependência do julgamento e do critério
dos outros para que aceitemos em nós algum valor. Tal fragilidade é necessária à
manutenção do Sonho do Planeta, pois uma pessoa que tenha conhecimento de seu valor
pessoal e, consequentemente, tenha convicção de si e aja com base nesta convicção, pode
libertar-se do Sonho, e isto não convém...

Isso é explicado astrológicamente pela condição que a casa dos valores do outro, a VIII
casa, passa a possuir por ser a VII casa quando contada a partir da casa II a dos valores
pessoais, ou seja, os valores pessoais são projetados e referendados na casa que lhe faz
oposição, como se esses valores fossem separados do indivíduo, da mesma forma que foi
explicado a respeito da casa VII quando se reconhece o “outro” como uma entidade externa
e separada da pessoa.

Com medo de ser punidos e medo de não ganhar a recompensa,


começamos a fingir ser o que não somos apenas para agradar

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aos outros, (...). Fingimos ser o que não somos porque temos
medo de ser rejeitados.

Nesse processo de buscar as referencias de nossos valores nos valores do outro, e em


função da necessidade aprendida de termos que ser “bons” para sermos aceitos, seguimos
muitas vezes por um caminho bem perigoso: o de procurar e encontrar o “mal” no outro,
identificar nos valores que visualizamos “nele” maldades e defeitos, pois assim podemos
nos julgar portadores do “bem”, reconhecer nossos valores pessoais como melhores. Isso
explica o comportamento de algumas pessoas que passam o tempo todo procurando
defeitos nas outras pessoas e parecem só ver isso. Elas precisam de fazer isso para ver se
descobrem alguma bondade dentro de si mesmas, algum valor positivo em comparação aos
valores negativos que constatam nas outras pessoas, e assim, talvez não sejam rejeitadas,
talvez até sejam recompensadas, quem sabe?

O processo de elaboração dos valores pessoais (casa II) através do mecanismo de


recompensa e punição, é mais que uma relação meramente material. Tende a ser física, mas
não necessariamente financeira. Afeto, compreensão e reconhecimento são também valores
que adquirimos muitas vezes como recompensa por nosso “bom comportamento”.
Lembremos que os critérios da casa II passam a ser definidos pelo que a casa VIII nos
apresenta, ou seja, nossos valores são delimitados pelos valores que re-conhecemos no
outro e pelo que podemos obter dele, e com isto, negamos a nós mesmos a capacidade e a
oportunidade de conquistar valores a partir de nosso íntimo, de nossa essência.

Podemos considerar também o fato da casa II ser a V a partir da X , a quinta casa a partir do
Meio do Céu. Neste caso ela, a casa II, representaria a “cristalização”, a materialização, a
formatação dos princípios que regem nossa presença no mundo social, a confirmação do
nosso status, e a resultante da expectativa que os outros tem de nós. Representa a
conseqüência de nossa imagem pública, além de mostrar a possível recompensa obtida por
nossa atuação e responsabilidade social.

A casa X se “fixa”, condensa-se, toma forma, materializa-se através da casa II. E como
estamos falando de uma condição que vem de fora, que vem do mundo, nossos valores
podem vir a ser a expressão e a sedimentação de todo um modelo, de uma série de códigos
e regras estabelecidas para que sejamos coniventes com o Sonho do Planeta.

É por isso que a cobrança em termos de valores, a manipulação das inseguranças, o reforço
constante dos apegos é um instrumento tão poderoso na manutenção desse paradigma social
que vivemos nos dias atuais.

Valores pessoais e a questão do apego


Poderíamos chamar estes códigos sociais e culturais de “Critério de Realidade”, que se
compõe, sustenta-se e cristaliza-se através de nossos Valores Pessoais, a casa II.

A casa dos valores pessoais, representada no horóscopo como “questão II” (casa, signo,
planetas, regente, etc.), passa a ser, a partir do mecanismo aprendido de recompensa e
punição – e a conseqüente insegurança que este mecanismo produz – outra base da
sustentação do Sonho do Planeta em nós.

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É o terreno fértil onde é gestado nosso Sonho Pessoal, na verdade, a ilusão implantada do
que somos e podemos ser nesse contexto – onde a necessidade de “ter” parece ser muito
mais importante do que a necessidade de “ser” – infelizmente fertilizado pela idéia da
separatividade.

Junto a esta imposição de valores, está um mecanismo que em princípio é delicado, mas
vai-se tornando cada vez mais presente em nossas vidas, cada vez mais atuante, e
poderíamos dizer que é a palavra-chave, a senha, a base da manutenção de todo o Sonho: o
apego.

Nossos critérios de valor passam, em função dos condicionamentos, a ser mantidos com a
insistência e determinação de quem precisa deles para sobreviver. Possuir algo, seja uma
idéia, um conceito, um bem qualquer, é sempre uma questão de vida e morte no plano da
grande ilusão coletiva. Com o tempo, vamo-nos tornando escravos deste apego, de tal
forma que a experiência de possuir passa a ser mais importante que o próprio objeto
possuído.

O conseqüente medo de perder o “objeto” possuído nos mantém escravizados a um sistema


de valores que nos obriga a assumir uma série de condutas e comportamentos coerentes
com o Sonho coletivo.

A identificação com o “objeto” possuído e o apego decorrente, dá-nos a ilusão de


segurança, o sentimento de que temos alguma inteireza, de que estamos materializados, de
que temos consistência, de que somos “reais”, de que temos alguma perenidade, pois os
objetos maiores de nosso apego tendem a durar mais que nossas frágeis vidas.

Há também a ilusão de poder e controle que a posse nos oferece, e isto confere à mente
condicionada a idéia de que somos autores de nosso destino, pois podemos possuir mais ou
menos coisas, podemos dispor das “coisas” como não podemos dispor de nossa própria
vida, e isto é bastante confortável.

Cada vez que analisamos a casa II de um horóscopo em termos do que a pessoa pode ter ou
não ter, em termos de sua possibilidade financeira, de seu potencial de materializar e obter
mais ou menos segurança, estamos endossando o Sonho do Planeta e a escravidão do
indivíduo a ele, estamos reforçando os mecanismos de apego ou de insegurança da pessoa,
exatamente por vivermos e estarmos sendo coerentes com o mesmo sonho, exatamente por
nossa Astrologia ser criada e estabelecida dentro da grande ilusão.

Neste momento, deixamos de ser agentes de transformação, de libertação, auxiliares do


despertar do próximo, por estarmos também comprometidos com o grande Sonho do que é
certo e errado, por estarmos também sonhando. E para o grande Sonho do Planeta, o certo é
possuir o maior número de coisas possível, a maior quantidade de pessoas, objetos, dinheiro
que nossa vida puder conter, pois isto nos dará segurança e nos fará pessoas aceitáveis e
normais dentro das regras da grande ilusão. Mesmo que, para conseguir as coisas e
aumentar nosso patrimônio, alguém tenha que sair perdendo.

O Sonho do Planeta reconhece como normal que alguém sempre perca para alguém ganhar.
Isto mantém e alimenta a separatividade, a idéia de que somos separados uns dos outros.

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Isso não é uma apologia contra possuir bens ou viver com conforto, apenas o
reconhecimento de que a submissão à idéia da posse nos rouba a humanidade, exacerba um
individualismo mesquinho e egoísta e nos compromete com a ilusão de que não somos
partes de uma mesma totalidade, de que estamos desvinculados uns dos outros. Isso apenas
fortalece a condição de sermos partes de um sonho coletivo e nos tira a autonomia de
podermos escolher como viver nosso próprio destino.

(...) Os adultos dizem “Não faça isto, não faça aquilo”. Nós nos
rebelamos e dizemos “Não!”. Rebelamo-nos porque estamos
defendendo nossa liberdade. Queremos ser nós mesmos, mas
somos pouco, e os adultos são grandes e fortes.

O que este “Não” provoca em nós é a grande desconexão, a ruptura com o Universo, uma
separação dolorosa com o grande organismo cósmico e a conseqüente e permanente
sensação de solidão, solidão cósmica!

Esta separação a que somos induzidos para que, isolados e fracos, nada possamos fazer,
transforma-nos em uma célula sem organismo, um órgão sem corpo, e parece que a
consciência da separação – esta sim, permitida pelo Sonho do Planeta – deixa-nos perdidos
e perplexos, sempre em busca de um outro para compor nossa totalidade perdida.

A grande função da Astrologia poderia ser o re-conectar com o universo, com o “em
cima”, com o “corpo de Deus”, pois é uma linguagem que se baseia justamente na
harmonia e nas correlações universais. Mas para que isto acontecesse, seria necessário que
a Astrologia se desvinculasse do Sonho do Planeta e parasse de alimentá-lo, parasse de
concordar e endossar a separatividade humana, não funcionasse mais como uma explicação
reducionista para nossa pequenez e isolamento.

A função de re-conectar da Astrologia, análoga ao que entendemos na maioria das


religiões como o religare, re-estabelecer o contato com o Divino que há em nós, poderia
ser muito simples e natural, se a Astrologia que conhecemos não estivesse tão
comprometida com o Sonho do Planeta.

A simples compreensão dos ritmos e ciclos naturais, sem o comprometimento de valores


morais e culturais, já nos poderia colocar em sintonia com esta totalidade, já poderia ser
suficiente para permitir um resgate do “homem natural”, o Homem Desperto, sintonizado
com sua essência e com a plena capacidade de utilizar o poder de seu espírito para recriar a
realidade, como fazem os gatos, os cães e as crianças, antes de serem domesticados.

Bem que poderíamos utilizar a linguagem da Astrologia, que é uma simples observação da
linguagem da Natureza – antes de ser reduzida a mínimos denominadores comuns pela
necessidade de justificar o Sonho em que vivemos – como uma das grandes ferramentas
para nos reconectarmos ao todo, para experimentarmos o “religare” com o sagrado.

Mas para isto temos que ousar abrir mão de uma série de conceitos e regras baseados na
idéia de bom e ruim, bem e mal.

Para que isso aconteça, temos que parar de julgar.

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Para que isso aconteça, talvez tenhamos que parar de obedecer aquilo que não é do próprio
ser.

A domesticação é tão forte que num ponto determinado de


nossa vida não precisamos mais que ninguém nos domestique.
(...) Agora podemos domesticar a nós mesmos de acordo com a
mesma crença no sistema que nos forneceram, usando as
mesmas técnicas de punição e recompensa.

Curiosamente, praticamente todas as ferramentas que temos ao alcance, inclusive a


Astrologia, mas também o Tarot, a Yoga, a Psicologia e muitas outras técnicas e linguagens
voltadas para obter consciência e experimentar a transformação, estão comprometidos com
o Sonho do Planeta, com o grande Maya, pois foram criadas dentro e a partir Dele.
Consequentemente, acabamos entrando em um círculo vicioso no qual toda transformação
ocorre de forma a não ser uma transformação verdadeira, e sim uma atualização, uma
readaptação ao Sonho.

Cada gesto do ser em direção à transformação tende a ser um gesto ilusório, um argumento
retórico para nos fazer sentir confortáveis dentro deste Sonho, para atenuar nossa rebeldia e
fazer com que não nos sintamos pequenos e apegados, para fazer com que vivamos dentro
de outra ilusão: a de que estamos reagindo e fazendo alguma coisa, de que não somos
totalmente covardes e acomodados.

Mas, abandonar a idéia de que precisamos do outro para sermos completos – que é um dos
fundamentos do Sonho do Planeta – isto não conseguimos conceber.

Abandonar a idéia de que somos seres únicos, exclusivos, especiais, individualidades


poderosas, totens de vaidade social – em vez de partículas de uma totalidade – também é
muito difícil, e preferimos não viver o desconforto de experimentar isto, pois a
responsabilidade com o “outro” se torna um fato, e a necessidade de ser “inteiro” para
poder compartilhar esta inteireza com o “outro”, em vez de simplesmente ficar esperando
aprovação, é muito, muito trabalhosa. O medo de ficar só – mesmo estando sós dentro
dessa individualidade forjada (outro artificio do Sonho para nos manter atrelados) – é muito
forte para suportarmos o conflito de sermos plenos e ao mesmo tempo partes fundamentais
da natureza, do universo, células do corpo de Deus.

Júpiter e a mutabilidade gasosa


O sistema de crenças é como o Livro da Lei que regula nossa
mente. Baseamos todos os nossos julgamentos segundo o
Livro da Lei, mesmo que esses julgamentos e opiniões venham
contra nossa própria natureza.

O planeta Júpiter e a questão que o envolve – casa IX, Sagitário – representam a elaboração
das Leis de um modo geral. Representam nossa aceitação às Leis, nossa identificação com

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as Leis, sejam as do Livro da Lei que regula o nosso Sonho coletivo, sejam as Leis da
Natureza.

A casa IX do horóscopo, por ser a terceira casa de Fogo, o Fogo Mutável, representa uma
passagem, um momento de compreensão na dinâmica dos signos. Enfim, esta casa é o
aspecto mais sublime de nossa identidade, simbolizada pelo Fogo, é o momento em que
transcendemos nosso modelo normal e conhecido de ser e experimentamos uma passagem
dimensional para outro plano da existência, conquistamos uma nova Identidade. Por isso, a
casa IX simboliza o futuro da nossa identidade, aquilo que queremos ser além de nós
mesmos, aquilo que gostaríamos de “ser quando crescermos”.

O modo Mutável é, fazendo uma analogia com os estados da matéria, equivalente ao


gasoso, enquanto o Fixo corresponde ao estado sólido e o cardinal ao líquido. Este
“gasoso” do mutável, seja de Sagitário, Peixes, Virgem ou Gêmeos, pode significar um
meio adequado para a propagação do som, ou das idéias, mas pode representar uma neblina,
uma névoa que distorce as imagens e impede que a gente veja a real realidade.

Ir além de mim mesmo, como indica o Fogo Mutável de Sagitário e é a função da nona
casa, implica ter acesso às Leis Naturais que permitem isto. Implica estabelecer uma
relação mais profunda com a Totalidade, e por isso o mecanismo de compreensão das Leis
que regulamentam todos os movimentos da Natureza.

A redução deste processo evolutivo natural aos mínimos denominadores comuns


estabelecidos pelo Sonho do Planeta faz com que identifiquemos apenas as Leis contidas no
Livro da Lei que regulamenta o sonho, e com isto percamos nossa possibilidade de nos
vincularmos às Leis Maiores, à Lei da Natureza, a Lei que está contida em nossa essência e
em nossa condição de Ser Natural.

Neste caso, em função do compromisso com o Sonho do Planeta, e com nosso Sonho
Pessoal, – que foi elaborado a partir de nosso filtro pessoal (identificável pelo horóscopo),
mas cujos parâmetros foram fornecidos pelo Sonho coletivo – a perspectiva de sermos mais
do que somos, de evoluirmos para outro plano da existência, para projetarmos e criarmos a
expectativa de uma nova e cada vez mais requintada identidade, torna-se limitada, ou
melhor, atrelada a este Sonho. E, como podemos observar, a proposta do Sonho do Planeta,
de um modo geral, é de acumular, ter cada vez mais, possuir, estabilizar, conservar. Tudo
bem, não é uma má proposta, afinal, estamos encarnados e somos por enquanto seres
físicos, profundamente vinculados e dependentes de uma realidade material. Mas o
problema é que é só isto, paramos nisto, nos bastamos com isto.

O peso do compromisso com a realidade material se transforma em um lastro, em um limite


difícil de ser superado. Nosso desejo de ser “mais”, de evoluir, de nos tornarmos mais
plenos, está sempre circunscrito pela necessidade de estabilidade e conforto, o que cria um
conflito entre a possibilidade de transformação e a necessidade de conservação. E o sonho
nos impõe a conservação. Esta é a idéia de “normalidade” que nos é imposta, a idéia de
“mundo perfeito” e de felicidade que aprendemos desde a infância.

Fica difícil saber para onde ir, além destes referenciais materiais e comportamentais. Fica
difícil imaginar que poderíamos ser algo mais do que somos, sem abrir mão do conforto
material e da segurança.

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Tanto a questão II quanto a questão IX (quando as outras casas todas do horóscopo)
tornam-se um peso, algo que nos puxa para a estagnação, em vez de serem referências para
a transformação e evolução.

É tão forte o peso do Sonho do Planeta que, escrevendo estas linhas, fico imaginando que
não sei o que mais poderiam significar estas casas, que experiências elas poderiam
representar além da possibilidade da pessoa ser alguém “mais importante e com mais
dinheiro e estabilidade”, e também imagino – dentro de minha própria resistência em
acordar do sonho – que conquistar isto (segurança, estabilidade etc.) é o caminho e a base
para a evolução. Fui convencido e meus olhos não conseguem atravessar a névoa e ver algo
além. Sinto que existe, mas ainda não reconheço em mim mesmo a capacidade de Ver
além.

Como diz o Osho, “...um tomate não pode analisar outro tomate, ele precisa ser mais que
um tomate para isto...”, e, em termos de olhar a dimensão da nossa existência dentro do
estado do Sonho, somos ainda tomates tentando se entender. Por isso a mesmice e a
repetição dos conceitos astrológicos; por isso nossa resistência em aceitar que a Astrologia
poderia ser diferente do que é. É a mesma resistência em aceitar que nós poderíamos ser
diferentes do que somos.

Existe algo em nossa mente que julga a tudo e a todos,


incluindo o tempo, o cão, o gato... tudo. O Juiz interno usa o que
está escrito no Livro da Lei para julgar o que fazemos e o que
não fazemos, o que pensamos e o que deixamos de pensar.

Este “algo” que existe dentro de nós e que julga é, na verdade, o significado reduzido,
distorcido e adaptado pelo Sonho do Planeta para a expressão autorizada de cada símbolo
planetário em nosso horóscopo pessoal. Cada expectativa representada por um planeta
conduz a um julgamento, pois construímos a realidade a partir desta expectativa, e quando
não conseguimos elaborar uma realidade adequada e satisfatória à nossa expectativa,
tentamos estabelecer outros critérios para mudar esta realidade, e o mecanismo disso é o
julgamento.

Como o julgamento é baseado no Livro da Lei, o significado possível de cada planeta é


potencializado pelos códigos e regras contidos neste livro. É isto que passamos a achar
certo, é este o significado – o do Livro da Lei – que atribuímos aos planetas no mapa
astrológico.

Praticamente todo “julgamento” que fazemos é uma projeção do significado dos símbolos,
na forma como eles se manifestam dentro de nós, vinculados aos condicionamentos e
dependentes deles. Isto serve tanto para a descrição astrológica das configurações, dos
signos e símbolos no horóscopo, quanto para a percepção que cada um de nós tem de si
mesmo.

O Julgamento na verdade é uma projeção de expectativas, e a manifestação do símbolo


astrológico em nossa vida comum é manifestada e potencializada pela expressão de
expectativas, representadas por esses mesmos símbolos. Isto cria e sustenta o mecanismo
chamado “projeção”.

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Daí que Vênus, por exemplo, passa a corresponder simplesmente aos critérios universais de
relacionamento, mas este desejo e estes critérios de relação estão de acordo com o Livro da
Lei, são aceitáveis dentro do grande Sonho do Planeta, não representam nenhuma
liberdade, nenhuma transgressão. Apenas adaptação aos padrões comuns e aceitáveis pela
Ilusão Coletiva de certo e errado.

Evidentemente que Vênus utilizado de acordo com a Lei do grande Sonho Coletivo, não
representa necessariamente infelicidade ou desequilíbrio. É necessário sabermos caminhar
também neste sonho, pois é nele que nascemos. Mas, olhando em volta de nós, olhando em
nossas próprias vidas, percebemos com clareza a quantidade de experiências que deixamos
de viver, a intensidade do sofrimento amoroso que as pessoas encontram, a dificuldade que
existe para se fazer uma escolha saudável e viver uma relação harmoniosa e plena. Por que
será?

Bem, imaginamos que, para o Sonho do Planeta, para que Ele se mantenha, não seria
conveniente que as pessoas experimentassem a plenitude do relacionamento consciente,
isento de culpa e de competição e conflitos inúteis, pois assim todos descobririam que
estamos juntos, que podemos trocar, compartilhar e confiar uns nos outros, e isto seria
extremamente perigoso e revolucionário para a manutenção do Sonho, pois eliminaria
nossa maior fragilidade.

Isto foi apenas um exemplo de como a necessidade de julgar tudo segundo os critérios do
Livro da Lei, o manual de regras do Sonho do Planeta, distorce e nos faz viver distantes de
nós mesmos, alheios à nossa plenitude e aos seres divinos que somos.

Pensemos em outro exemplo: Saturno. Este aí, uma das molas mestras da manutenção das
leis que nos atrelam ao grande Sonho. O julgamento que Saturno faz da realidade é sempre
baseado no medo, na fragilidade de nossa estrutura, exatamente porque no Livro da Lei
consta que nascemos frágeis (educadores, parentes etc., insistem obsessivamente em
mostrar nossa fraqueza, e que, se não formos obedientes à Lei, seremos punidos), consta
que o Medo é uma das referências para definirmos e julgarmos a realidade.

Será que Saturno em outra dimensão de compreensão é apenas medo? É apenas necessidade
de segurança? É apenas rigidez? Ou estes critérios, que funcionam como lentes para que
vejamos o mundo apenas de acordo com eles, apenas se prestam para que nos mantenhamos
atrelados ao Sonho do Planeta e suas decorrências?

O jogo da vítima
Existe outra parte de nós que recebe os julgamentos, e essa
parte chama-se: a Vítima. A Vítima carrega a culpa, a
responsabilidade e a vergonha. É a parte de nós que diz: “Sim,
você não é bom o suficiente”.

O movimento da vida, seja no Sonho ou fora dele, é sempre um fluir e refluir, “a vida vem
em ondas como o mar”, como diz a canção. Tudo é energia, tudo flui através de ondas, e
isto é um fenômeno comprovado fisicamente.

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Neste vai e vem, o julgamento e sua contrapartida também estão submetidos ao fenômeno
ondulatório. O julgamento é o mundo se apresentando para a gente e sendo filtrado por
nossos canais distorcidos e modulados pelo Sonho, o que costuma provocar uma resposta à
altura desse julgamento, que é a conduta de vítima.

Ser vítima é uma reação e uma conseqüência a expectativas inadequadas, ou melhor,


adequadas apenas ao Sonho, e não ao nosso instinto e nossa natureza essencial.

O jogo da vítima é absolutamente institucionalizado e aceito dentro do plano do Sonho. É


incômodo, é verdade, mas nossa maneira de construir uma realidade sustentada por
julgamentos implica na reação inevitável de sermos vitimados por estes mesmos
julgamentos que fazemos todo o tempo.

Os planetas no horóscopo cumprem a dupla função de julgar e de ser vítima, o que é


praticamente a mesma coisa que ser julgado como conseqüência dos nossos julgamentos.

Júpiter, por exemplo, julga moralmente, e depois se torna vítima moral do julgamento que
faz, como forma de justificar-se e suportá-lo. Saturno julga o peso, a medida e a
conveniência das coisas todas, e torna-se vítima do medo de sair da medida, perder os
limites, perder a estrutura. Marte julga a energia investida, por si mesmo e pelos outros,
julga a sexualidade e o vigor das coisas – em vez de simplesmente vivê-las como lhe
compete – quase sempre com base em regras que nem sempre correspondem ao tônus e à
natureza da pessoa; depois se torna vítima de seu desejo, vítima de seu gesto, que isto faz
parte do script de manutenção do Sonho. Mercúrio vive do julgamento que cada palavra de
seu discurso, cada movimento de sua compreensão produz; e é vítima da incompreensão
que isto provoca, é vítima de eternos mal entendidos, ou pior, vítima da interpretação
inadequada do que é real e do que é imposto a nós pelo Sonho. Vênus, o senhor do desejo,
julga acompanhando os critérios impostos pelo Livro da Lei, em vez de simplesmente
desejar com o coração; torna-se uma vítima contumaz de suas escolhas inadequadas e de
seus desejos sem coração.

Toda expressão destes planetas costuma ser acompanhada de culpa e sentimento de


inadequação, por não estarmos acompanhando o desejo de nosso íntimo, por estarmos
submetendo a expressão destes símbolos planetários a um modelo que muitas vezes não
corresponde à nossa real necessidade. Esta culpa, para ser aliviada, precisa de que
assumamos a postura de vítima, para não sermos responsabilizados pelo destino, ou sei lá
por quem, por não termos respeitado nossa verdadeira natureza, por termos adotados
critérios e regras que precisavam de julgamento, em vez de serem espontâneos e naturais,
principalmente para amar.

Quem ama sem julgamento? Quem não conhece a condição de ser vítima do amor? Vítima
das escolhas amorosas que foram produto de julgarmos entre o certo e o errado, entre o
bom e o ruim, com base em critérios que são culturais, em vez de obedecermos nosso
coração.

O que quer que vá contra o Livro da Lei irá fazer você


experimentar uma sensação estranha no plexo solar, que é

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chamada medo. Quebrar as regras do Livro da Lei abre seus
ferimentos emocionais, e sua reação cria veneno emocional.

Quebrar as regras é muito difícil. Sempre temos a sensação de que temos algo muito
precioso a perder, fomos convencidos disto desde a infância. Mas nunca sabemos o que é
este algo que podemos perder. O que será?

Bem, entre outras coisas, perdemos a sensação de “pertencer”, esquecemos que


pertencemos naturalmente ao mesmo plano, à mesma espécie, ao mesmo planeta, ao mesmo
organismo cósmico, e vivemos a ameaça de, por qualquer transgressão ao Livro da Lei,
sermos excluídos da tribo, e este medo constante nos assombra.

Sermos excluídos da espécie ou deixarmos de fazer parte do gênero humano é uma


impossibilidade natural, mas isto não nos avisaram. Acabamos convencidos pelo contexto
dos sonhadores que “pertencer” é poder prestar contas continuamente do que somos, de
quem somos, do que estamos fazendo, do que fizemos. Somos na verdade uma biografia
ambulante, uma descrição de nós mesmos e do que esperam de nós, e é comum
esquecermos quem somos na verdade e nos confundirmos com a descrição de nós mesmos
– a que fazemos e a que os outros fazem.

Talvez nos primórdios da humanidade, ou em pessoas que sobrevivem em condições muito


precárias e selvagens, a presença da tribo realmente representasse proteção, mas,
curiosamente, entre estas pessoas a ausência de medo e a auto-suficiência é notavelmente
maior que entre os homens civilizados.

A idéia de que “não nos bastamos” se impõe quase que absolutamente como um código de
leitura do horóscopo. A interpretação passa a ser feita em função da pressão, das cobranças
do contexto onde a pessoa vive. Praticamente toda interpretação dos símbolos astrológicos
costuma ser uma descrição das expectativas que a sociedade tem do indivíduo, e se ele está
correspondendo ou não a elas, se está feliz por sentir-se aceito na tribo, por ter algum grau
de importância na tribo, ter status, ser o que esperam dele. Bem, talvez isto seja o certo, não
é? Quem sabe?

Os vínculos pessoais e sociais em geral, que poderiam corresponder a uma troca amorosa,
a uma complementação energética e afetiva, acabam funcionando como desafios e
questionamentos desnecessários; funcionam como exercedores de pressão, como se cada
pessoa fosse uma “quadratura” que nos mantém eternamente vigilantes e atentos às
ameaças do julgamento do “outro”, e sempre preparados para assumir o papel de vítima,
completando a trama das relações de dependência.

Quando ousamos sermos nós mesmos, seguir nosso instinto ou coração, a reação que surge
não é apenas a angústia existencial: realmente abrem-se as feridas de nossa desconexão
com a essência, e temos que nos intoxicar de ilusões, ou de comportamentos típicos de
vítima, para suportarmos a dor desta ruptura com a gente mesmo. Como Vítimas, fica mais
fácil, a coisa se justifica, redime-se de certa forma.

A Astrologia do conformismo

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É por isso que precisamos de um bocado de coragem para
desafiar nossas próprias crenças. Ainda que saibamos não
haver escolhido nenhuma dessas crenças, também é verdade
que terminamos por concordar com todas elas.

A Astrologia, esta Astrologia que tem sido praticada durante tanto tempo, comprometida
com o Sonho do Planeta, assusta-nos ainda. Percebemos eventualmente um tipo de aroma,
uma certa luz que pode nos conduzir para além das Leis que regulam e nos mantém neste
estado adormecido, mas muitas vezes nos falta a coragem para desafiá-las.

Está funcionando, está – teoricamente – dando “consciência” a nós, mas a consciência que
uma Astrologia comprometida com o grande Sonho nos dá é limitada e delimitada pelas
Leis reguladoras deste Sonho. É uma Astrologia engajada e comprometida. A consciência
que ela nos dá é a repetição das normas e regras mantenedoras, adormecedoras. Satisfaz a
vaidade intelectual, mantém-nos aparentemente ligados ao universo e com acesso às leis da
Natureza. Mas nossa visão, empanada pela neblina do sonho, não nos permite ver além das
descrições convencionais, de que Saturno é o medo, Marte, o sexo e a Lua, a mãe, e assim
por diante. Intuímos que existe algo além desta descrição, mas quem de nós ousa ir além?
Quem de nós ousaria romper com a regra, fugir do padrão, recusar-se a aceitar a mera
descrição comportamental como modelo de consciência, quando não é consciência coisa
nenhuma. Descrição não é consciência.

E quando prevemos o futuro, ou “analisamos tendências”, como dizem os mais modernos,


ou “avaliamos o potencial” dos acontecimentos, como dizem outros ainda, o que estamos
fazendo? Reforçando o sonho do que é certo e errado, projetando a pessoa no futuro do
próprio sonho de que o que nos apresentaram como mundo é o mundo mesmo. Talvez até
seja, mas é difícil sabermos, não é?

Mas podemos todos questionar se este mundo ao qual estamos atrelados, esta “realidade”
na qual estamos submersos e com a qual estamos comprometidos, permite nosso
crescimento além dos limites dela, permite uma verdadeira integração com com a natureza,
permite a constatação da plenitude que intuímos existir em nós.

E quando a Astrologia incorpora uma linguagem mais esotérica, quando os recursos


interpretativos e a base filosófica da análise se sustentam sobre dogmas e conceitos
religiosos, alguns vindo do Oriente e meio forçosamente adaptados à linguagem da
Astrologia ocidental, enfim, quando isto acontece, o reforço da ilusão é maior ainda, mais
enganoso ainda, pois nos afunda em afirmações que provavelmente não poderemos jamais
constatar e experimentar conscientemente, compromete-nos com a idéia de que não temos
responsabilidade total sobre nossos atos, e sim algum “outro” que fomos em outra
existência, como se os egos reencarnassem e trouxessem junto todo seu vínculo ao livro da
Lei, todo seu compromisso com a pequenez moralista do ser humano, com as experiências
já vividas, com os débitos a serem pagos e outras mediocridades que nos desvinculam da
possibilidade de sermos espíritos livres e iluminados, e nos atrelam com a alienação
submissa de quem vive adormecido neste plano do grande Sonho coletivo.

Assim como o governo possui o Livro de Leis que regula o


sonho da sociedade, o nosso sistema de crenças possui o Livro
da Lei, que regulamenta nosso sonho pessoal. Todas essas leis

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existem em nossa mente, acreditamos nelas, e o Juiz dentro de
nós baseia tudo nessas regras.

O horóscopo pode ser visto como uma reprodução, uma expressão gráfica do Livro da Lei,
e funcionar como um poderoso instrumento mantenedor na regulamentação do sonho
pessoal, depende apenas de como for utilizado, e acreditamos que, até o presente momento,
o horóscopo e a Astrologia são usados quase que exclusivamente para a manutenção da Lei
e do Sonho, raramente para a libertação e transformação.

Como já observamos anteriormente, a linguagem da Astrologia está circunscrita aos limites


e aos códigos de nossa mente, que por sua vez está atrelada ao estatuto moral da sociedade,
seus princípios e regras. Não há muito como fugir disto. A Astrologia, assim como todas as
leis que constam no Livro da Lei da realidade, está contida também em nossa cabeça.

Podemos usar interpretação para julgar e manter, alimentar o status quo, reforçar os
padrões morais e manter a pessoa atrelada a seu nível de exigência. Poderíamos ousar
afirmar que toda interpretação que seja coerente com a realidade, como a percebemos
dentro dos limites de quem está adormecido, é um julgamento!

Certos padrões que se repetem na análise, procedimentos comuns, como por exemplo
afirmações do tipo “você é assim!”, “você tem um grande potencial para a cura”, “tua
capacidade de relacionamento está bloqueada pelo aspecto de Saturno com Vênus”, “o
Urano dominante no teu mapa te torna uma pessoa excêntrica e com grande necessidade de
ser livre”, “A posição de Pluto confere uma grande necessidade de poder – ou potencial
para exercer poder”, são reforços ao estado de inconsciência ao qual somos todos
submetidos pelo Livro da Lei, pois todas estas afirmações, citadas como exemplo, só fazem
sentido em uma realidade na qual estamos separados dos outros, não estamos de fato
vinculados à humanidade, nos achamos especiais e únicos, e estas características são muito
eficientes para afastar a gente de si mesmo, para manter a gente dopado e embriagado pelo
sonho cultural que vivemos.

Fazer uma pessoa sentir-se feliz e confortável dentro dos problemas dela, mostrar saídas
para que ela se conforme e mude sem mudar nada na verdade, não creio que seja mal.
Aliás, é o pouco que podemos fazer com a Astrologia tradicional. Mas esta estratégia e este
uso da Astrologia é um meio de manter a pessoa adormecida, acreditando que aquela vida,
aqueles problemas ou pequenas soluções, são tudo que lhe resta.

Talvez seja mesmo, não é? Quem sabe? Aliás, minhas defesas e meus medos estão aqui me
cutucando desesperadamente para que eu não acredite que haja algo além daquilo que o
mundo me convenceu que existe, não haja nada além da Astrologia que eu conheço, a não
ser algumas novas técnicas e algumas variações sobre o mesmo tema. Será que resisto?
Será que me entrego à pressão do sonho que está me assobiando que sou ridículo em querer
pensar além do que me é permitido? Ai! Que faço eu?

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A multiplicação do castigo
O ser humano é o único animal na Terra que paga milhares de
vezes pelo mesmo erro. (...) Temos uma memória poderosa.
Cometemos um erro, julgamos a nós mesmos, descobrimos que
somos culpados e castigamos a nós mesmos.

Está aí uma interpretação clássica da Lua: a memória. Esta conjectura, sobre nos punirmos
muitas vezes pelo mesmo erro, mostra uma diferença bastante objetiva entre os seres
submersos na grande ilusão e os animais, por exemplo.

Os erros que cometemos, excluindo aqueles que são de fato prejudiciais à própria vida, são
erros sob o ponto de vista de quem? O que são os erros na verdade, quem ou o que os
define?

Um animal que, após horas espreitando sua caça, erra o salto e deixa escapar o alimento,
cometeu um erro. Mas será que ele pára e se lamenta disto? Será que ele acha que isto é
motivo de punição? Ou mesmo um cão doméstico, que morde uma criança que lhe puxou o
rabo, errou de fato? Merece ser castigado? E a criança, errou?

O que são nossos erros? Estamos sujeitos a investir nossa energia em um projeto
inadequado, ou podemos escolher para nos relacionarmos uma pessoa que depois nos trará
problemas, eventualmente investimos nossas economias em algo que posteriormente se
mostra um fiasco financeiro, enfim, são os erros que cometemos por nos encontrarmos na
condição de aprendizes permanentes do viver, e estarmos sujeitos a isso. Serão esses os
nossos erros ou estamos apenas condicionados a acreditar que são erros?

Mas dentro de uma ótica de que a vida é aprendizado, esses “erros” seriam motivos para
sermos punidos? É motivo para sofrermos e nos martirizarmos muitas e muitas vezes,
lamentando nosso fracasso, envergonhando-nos das escolhas erradas, e algumas vezes até
mesmo somatizando estes sentimentos e frustrações até adoecer? Não estávamos, afinal,
apenas experimentando e aprendendo?

Quem foi que determinou que temos que sofrer por não sermos perfeitos e estarmos neste
constante aprendizado? Ah!! Este simbólico Livro da Lei, que impõe um modelo ilusório
de superioridade e perfeição a todos nós.

E a vida se torna insuportável por esta cobrança de perfeição e superioridade, que foi
forjada desde a primeira infância, na fase lunar da formação de nosso caráter, e
estrebuchamos o tempo todo para sermos o que não somos. Não podemos ser perfeitos, e
nos falta o tempo para refletir e questionar se é bom viver assim, nos punindo, com medo
constante da falha, do erro, do fracasso e do julgamento que os outros que vão fazer de nós,

22
exatamente como nossos pais e formadores faziam, e que nós mesmos continuamos
fazendo o tempo todo.

Quando interpretamos Saturno em um horóscopo, e identificamos o possível medo do


fracasso, da perda de estrutura, e percebemos as restrições potenciais, estamos usando quais
critérios? E quais os parâmetros para definirmos o que restringe a pessoa? Ou no que ela
mesma se restringe a partir da casa, signo e aspectos envolvendo este planeta? Será que não
é hora de analisarmos criticamente estes conceitos de fracasso, restrição etc.? Em vez de
ficar usando Saturno para simplesmente justificá-los e explicá-los, talvez possamos excluir
estas “coisas” de nossas vidas, pois elas foram impostas e não são realmente necessárias a
uma qualidade de vida e felicidade que poderíamos ter. São descrições de condições que
não precisavam de fato existir, pois não existem nos outros seres da natureza, ou pelo
menos não se manifestam da mesma forma perversa e limitadora como é percebido pela
mente do homem.

E a Lua, dentro deste contexto, representa a função da memória e passa a conter – por suas
correlação com o momento da formação da personalidade, a infância – o script que
insistimos em repetir.

Quantas vezes fazemos nosso cônjuge, nossos filhos e nossos


pais pagar pelo mesmo erro? A cada vez que lembramos um
erro, culpamos a eles novamente e enviamos todo o veneno
emocional produzido pela injustiça, depois fazemos com que
eles paguem outra vez pelo mesmo erro. Isso é justiça?

As casas astrológicas, representando campos de expressão da consciência, ou melhor ainda,


campos de projeção psíquica, são o território ou cenário onde se desenrolam estes dramas
existenciais. Todas as casas têm seus personagens, as pessoas nas quais projetamos as
respectivas expectativas de sua representação. Tem a casa da família e das pessoas do
passado, dos empregados e do ambiente de trabalho, das pessoas que nos dão valor,
daquelas a quem atribuímos valor, daquelas que nos confrontam e nos completam, das
pessoas que nos traem, etc.

Todo este movimento das pessoas representadas pelas casas são projeções. Nada disto
existe na verdade. Os dramas e alegrias são uma descrição que fazemos, a partir de nossas
expectativas individuais, pois outra pessoa, vendo o mesmo fato acontecer, poderia ter uma
interpretação completamente diferente da nossa, a interpretação dela.

A Lua e sua configuração é o que determina e fundamenta esta diferença e as


particularizações na percepção das projeções das expectativas entre eu e outra pessoa. E
esta diferença não está exatamente limitada pela configuração astrológica da Lua, apesar de
esta configuração simbolizar o potencial para que administremos de forma pior ou melhor
as qualidades lunares. A percepção do mundo através das antena lunar está determinada
muito mais pela imposição e assimilação durante a infância de modelos que contrariam
nossa natureza essencial, modelos impingidos principalmente através do convívio familiar,
e que podem gerar o sofrimento daquele que assume o papel da vítima, que podem produzir
a identificação e submissão ao julgamento constante do mundo e de si mesmo.

23
A questão Saturno
No sonho do planeta, é normal que os seres humanos sofram,
vivam com medo e criem dramas emocionais. (...). Se
observarmos a sociedade humana, encontramos um lugar muito
difícil de viver porque é regido pelo medo.

Saturno, Meio do Céu, Capricórnio, símbolos do nosso compromisso com a “realidade”


social. Saturno tão temido, tão mal compreendido...

O último planeta visível, o limite entre tudo que acreditamos, ou fomos convencidos a
acreditar, e o que está além, o invisível, o transcendente, que tantos de nós buscam
avidamente, como se ir além do visível fosse a salvação.

A realidade “além de Saturno” é descrita por nós dentro dos limites descritos pelo Livro da
Lei, é configurada através dos padrões a que estamos condicionados e que alimentam nosso
estado de adormecidos. A realidade transpessoal, portanto, também está limitada aos
critérios e padrões estabelecidos pelo Sonho do Planeta.

É como aqueles filmes que mostram um céu onde todas as vaidades, medos e desejos deste
plano funcionam igualzinho, apenas as aparências são mais luminosas e clean, talvez em
um cenário de núvens e harpas, mas projetadas como uma reprodução do Sonho do Planeta.
Um grande shopping center angelical.

Será isto mesmo? Será que, conservando os mesmos desejos, os mesmos dogmas, as
mesmas crenças e a mesma descrição do mundo, conseguiremos nos libertar deste estado de
sofrimento e crueldade contra a vida?

Será que continuando a achar que este mundo é certo, que esta percepção que temos de nós
mesmos e de nossos limites é certa, que nossa pequenez e mesquinhez é certa, que alguns
são espiritualmente melhores do que outros, que alguém sempre tem que perder para
alguém ganhar – um dos mais poderosos princípios da Lei que mantém o mundo em
conflito – enfim, alguém ainda acredita na mudança, na melhoria dentro deste paradigma
que o Sonho do Planeta nos impõe há tantos séculos?

A “questão” da casa X, e todos os símbolos envolvidos nela, solicitam o eterno testemunho


e aprovação do outro, da sociedade, para confirmar nossa existência, nossa realidade,
mesmo que aparente e sonhada. A questão da casa VII também tem esta função, “sei que
existo porque tu existes”. O testemunho do “outro” funciona muito mais como uma
submissão ao julgamento do que como simples referência.

É o “outro”, seja um indivíduo seja a sociedade, que determina e exige que o Eu se


mantenha adormecido e comprometido com esta Lei apequenadora. Cada vez que
precisamos do “testemunho” de alguém para nossa existência, cada vez que dependemos

24
disso para confirmar o que sentimos e vivemos, cada vez que precisamos nos sentir
aprovados e aceitos, estamos na verdade procurando o endosso e a confirmação de que
estamos cumprindo a Lei, esta mesma Lei que provoca a separação entre os Homens, que
desperta a competição, a crueldade social, a arrogância e egoísmo de muitos.

Cada vez que queremos mostrar ao mundo nosso sucesso, nossa conquista, desejamos na
verdade ser avalizados e reconhecidos como sintonizados com a Lei. A vaidade é uma
ferramenta através da qual somos usados e escravizados a este sistema, é um soporífero que
nos afasta de nós mesmos todo o tempo.

Cada vez que estamos amando, e queremos gritar ao mundo nosso amor, nosso encanto, é
possível que estejamos na verdade inseguros, não acreditando que o amor possa realmente
estar acontecendo, e queremos a aprovação do mundo, precisamos do testemunho,
buscamos nos outros a confirmação de que o amor possa existir em nosso coração. Neste
momento submetemos o amor ao paradigma da vaidade e das regras que determinam que
eu não posso ser senhor de minha vida e meu destino sem a aprovação da sociedade, dos
outros.

E continuo adormecido, e o amor que sinto se funde e dilui-se no meu sonho, no sonho de
todos nós, que, se pensarmos bem e diante de tantas regras e restrições, não parece estar
sendo um sonho de plenitude, liberdade e felicidade...

Se compararmos o sonho da sociedade humana com a


descrição do inferno fornecida por quase todas as religiões do
mundo, descobrimos que são a mesma coisa. As religiões dizem
que o inferno é um local de punição, de medo, dor e sofrimento,
(...).

É interessante a analogia que a Astrologia faz entre o Inferno e o signo, casa e regente de
Escorpião, o signo da transformação. Num raciocínio básico, parece que a idéia de Inferno
tem grande correspondência com o processo de transformação propriamente dito, e
praticamente todos os sentimentos negativos relacionados a este “viver no inferno”, como
o ciúme, o ódio, a inveja, são manifestações do medo da transformação, costumam aparecer
quando é momento de se transformar e sair um pouco do velho Sonho.

Se pensarmos no Livro da Lei, e nos regulamentos que fazem da nossa existência um tipo
de inferno, onde em geral, o lado mais feio e pequeno do Homem prevalece, veremos que a
transformação pessoal é contra todos os princípios que regem a manutenção do Sonho do
Planeta. Mudança é tudo que não convém, a grande ameaça ao sonho, o risco de nos
despertar. Aceitar e viver a transformação nos liberta do sonho (ou pesadelo para alguns),
coloca-nos de frente com a verdade, conduz-nos a um confronto com a realidade e liberta-
nos das mentiras que nos contamos para aceitarmos viver atolados na estagnação da não-
mudança.

Talvez por isso exista tanto preconceito contra o oitavo signo, a oitava casa e Plutão, seu
regente, indicadores notáveis de mudança e renovação. São apresentados muitas vezes
como canais do pecado, do sofrimento, da obsessão, da sexualidade inadequada, e
principalmente, da Morte, como se a Morte fosse algo a ser evitado e temido com todas as
nossas forças.

25
Claro que biologicamente estamos comprometidos com a vida, mas também estamos
envolvidos com a inexorabilidade da morte. Mas quando a Lei mantenedora do sonho nega
a idéia da morte, apresenta-a sempre como perda, dor, sofrimento, e apenas isto, na verdade
a idéia é nos remeter para a casa II, a casa dos valores pessoais, para uma visão distorcida
da casa II, transformando este campo de projeção em uma relação absoluta com a forma,
com a posse, com a matéria e nossa relação com estas coisas como a única forma de evitar a
tão temida morte. Na verdade, o que se pretende evitar com esta negação cultural da morte
é que percebamos que morrer é transformar-se, e cada pequena transformação é uma
pequena morte.

Associar a morte e o inferno a Escorpião e sua questão é uma forma de nos manter
afastados do “bicho-papão”; um esquema muito bem elaborado pela cultura do Sonho para
que neguemos e vejamos sempre a transformação como o mal, como a dor, como a perda.
Assim, nos apegamos cada vez mais à realidade material, como se ter bens e propriedades
mantivesse a plenitude da vida, desse algum poder de superar a inevitável morte e tirasse-
nos do caminho do fim da realidade material, do fim do corpo físico, do fim do ego e da
vaidade.

Sinto muito por todos nós, mas acreditar nisto só traz sofrimento e solidão, porque tudo
acaba e tudo se transforma.

Ah! Ainda temos a esperança de continuar depois da morte, com o mesmo Ego. Outra
ilusão para nos manter sonhando e impedir-nos de agir e de nos transformarmos enquanto
estamos vivos e encarnados.

Creio que algo em nós se dilui no universo, nossa energia vital se funde com a totalidade da
Natureza, volta para os lábios de quem soprou a vida em nós, e nosso espírito, talvez vague
ou vá mesmo para algum lugar de aprendizado, mas nada disso podemos saber ou controlar.

O ego, nossos apegos e medos, nossas vaidades, pequenos poderes e bens materiais aos
quais nos vinculamos, nosso corpo, estes acabam mesmo! Apesar de preferirmos acreditar
em algo “além” para satisfazer nosso apego ao sonho do planeta, para o qual a função do
“apego” e da “conservação” das formas é uma das mais importantes referências.

Sinto muito, sinto por todos nós, pois sair da ilusão significa provar o sabor ácido da des-
ilusão. É o preço.

Toda a humanidade busca a verdade, a justiça e a beleza.


Continuamos procurando sem parar, quando tudo já está em
nosso interior. Sempre que voltamos nossas cabeças, o que
vemos é a verdade.

Bem, acreditamos no que queremos acreditar, e também no que fomos convencidos a


acreditar. E imaginamos que, acreditar com base em referencias que nos foram
condicionadas é um caminho que só serve a alguns senhores, ter fé em coisas e princípios
externos a nós mesmos apenas satisfaz aqueles que algo querem obter de nós.

26
Basta ver a história de absolutamente todas as religiões institucionalizadas, por melhor que
sejam as intenções de seus divulgadores e sua boa fé, todas estão certas, todas são
portadoras da verdade divina. Basta ver algum tipo de Astrologia tentando convencer as
pessoas que está certa, que através dela se sabe alguma verdade e descobre-se algum
caminho, desde que se acredite nela, é claro. Tudo no mesmo balaio. Tudo instrumento para
manter a pessoa “crente”. E é preciso estar dormindo para ser um “crente” e dar crédito ao
que nos contam astrólogos, psicólogos, padres, pastores e pais. Se estivermos acordados,
em vez de acreditar passivamente, vamos experimentar, testar e ver o que podemos fazer
com tudo isto... ou não?

Duvidar é um poderoso instrumento de aprender, de crescer e de libertar-se. E quanto a


procurarmos justiça, beleza e verdade fora de nós, a Astrologia nos ensina que sempre
buscamos preencher os espaços vazios. Os elementos que temos em menor quantidade no
horóscopo são aqueles em que mais nos concentramos e os que mais tentamos viver. Será o
reconhecimento da dificuldade que temos em constatar a verdade, a beleza, a justiça dentro
de nós a motivação para que nos coloquemos a busca-las fora de nós?

Acontece que tanto o que temos “a mais” em termos de presença, quanto o que nos falta
energéticamente, de acordo com os símbolos astrológicos, está realmente dentro de nós,
que ninguém nasce imperfeito diante da perfeição e impecabilidade da Natureza e tudo que
precisamos já está contido em nosso ser.

Não enxergamos a verdade porque somo cegos. O que nos cega


são as crenças falsas que temos em nossas mentes. Temos a
necessidade de estar certos e de tornar os outros errados.

Bem, creio que temos que ter algum cuidado para que a Astrologia que praticamos não seja
também uma crença falsa em nossa mente. Será que é? Como podemos saber? Quem de
nós, apaixonados pela Astrologia, eternos estudantes desta linguagem, está realmente certo
de que a Astrologia que conhece e pratica está certa?

Nosso bom senso, nossa lógica, nossos critérios mais razoáveis nos dizem que a Astrologia
que praticamos – e estou estendendo esta idéia às várias linhas e estilos de prática
astrológica – é correta e honesta. Mas e se nosso bom senso, nossa lógica, todos os limites
culturais de nossas fórmulas de entender o mundo não estiverem certos?

Bem, creio que jamais saberemos quem está certo. Mas a quem importa realmente estar
certo ou não? A quem devemos satisfação de nossa verdade ser a verdade correta?

Se um conhecimento é fonte de sofrimento e controle, ou fonte de mais ilusão e


acomodação, creio que ele não é um bom conhecimento. Creio ser esta uma boa fórmula
para adotarmos como critério de avaliação de nosso trabalho com a linguagem astrológica.

Simplesmente sermos nós mesmos é o maior medo dos seres


humanos. Aprendemos a viver nossa vida tentando satisfazer as
exigências de outras pessoas. Aprendemos a viver pelos pontos

27
de vista de outras pessoas, por causa do medo de não sermos
aceitos e de não sermos bons o suficiente para outras pessoas.

Creio que este aspecto – o medo de não sermos aceitos ou de não sermos bons o suficiente
para outras pessoas – sugere um problema fundamental na leitura do horóscopo.

O significado dos planetas e configurações pode ser bastante distorcido em função desta
expectativa da pessoa, que a motiva a reagir de forma distorcida, contrariando sua natureza,
pelo medo de desagradar e não ser reconhecido e aceito por aqueles a quem ama.

Claro que, por mais que tentemos trair nossa natureza essencial, mostrada pelo mapa
astrológico, não vamos conseguir fugir muito do que os símbolos sugerem como nossos
potenciais básicos, e neste caso, estamos sujeitos a ter que expressar estes potenciais de
forma bastante inadequada e corrompida para tentar nos adaptar a um contexto exterior, a
uma cobrança que nem sempre vem das pessoas, muitas vezes vem de nossa crença
condicionada do que é certo e errado, crença esta imposta pelo sonho da humanidade, o
Sonho do Planeta.

Por isso, muitas vezes expressamos certas qualidades de nosso horóscopo de forma tão
inconveniente e incompreensível, e outras vezes, traímos nosso próprio destino e ficamos
perplexos quando uma configuração planetária que poderia representar qualidades positivas
e interessantes expressa-se através de nossas atitudes e dos acontecimentos decorrentes
como fonte de conflitos e problemas.

O medo de não ser aceito é representado (tradicionalmente) através da questão da casa IV e


seus representantes essenciais e acidentais; sedimenta-se na casa II, onde vivemos a eterna
batalha para estabelecer e definir nosso real valor; expressa-se também pela questão VIII,
que é onde as referências da casa IV se “cristalizam” (a VIII é a V a partir da IV); são
“recebidos” do mundo externo através da casa X, o grande complemento da casa IV, a
informação estruturadora que vem do mundo exterior e é assimilada pela nossa família e
vivida através de nossa história pessoal.

Vale uma boa analise destas questões, sem preconceito, sem se apegar ao velho e
anacrônico modelo meramente descritivo. Talvez a idéia de se perguntar o QUE foi
imposto e condicionado a mim através destas experiências (casas, questões), e o que tenho
que fazer para me libertar disto, como posso me rebelar contra tudo isto, pode ser algo
funcional e interessante para nos auxiliar a despertar.

Mas só de pensar nisto fico arrepiado e me inclino a desistir imediatamente. Afinal, quem
quer enfrentar o mundo, o Livro da Lei, e no fim, ficar só? Esta é a grande ameaça que
acaba nos obrigando a ceder ao Sonho do Planeta.

28
O SONHO DO PLANETA – PARTE 2

Reflexões sobre o estado de sonhadores


“Não posso manter acordos dos quais não participei. Eu não estava quando se
firmou o acordo de que sou um imbecil. Assim, eu não o aceito”
Don Juan, citado por Carlos Castañeda

É tudo uma imensa utopia. Esta teoria do Sonho do Planeta é tão provável quanto qualquer
outra teoria. Podemos preferir acreditar na necessidade da forma e da imagem e no poder da
posse, e isto ser tão real quanto a tese do Sonho do Planeta. Jamais saberemos. Mas uma
coisa podemos perceber, independentemente de aceitar ou não, acreditar ou não: o processo
de domesticação e condicionamento de nossa mente, a imposição de uma cultura, de um
modelo de realidade qualquer.

Se isto é bom ou mau, se é certo ou errado, se aceitamos ou não, não é o que estamos nos
propondo a discutir aqui, mas simplesmente estamos avaliando a possibilidade de existir
uma programação externa, e que esta programação – fornecida principalmente pela família
e pelos educadores como interface entre o indivíduo e a sociedade – é o que determina a
maneira como usamos nossos recursos e possibilidades, e não é necessário termos dúvidas
deste fato. É palpável, é físico, é observável em cada um de nós e em cada um ao nosso
redor. Poderíamos imaginar o que seria nossa vida sem esta programação imposta. Como
seríamos? Não sei se melhores ou piores, mas... quem sabe?

Os animais selvagens e alguns raros seres humanos não são sujeitos a este tipo de
programação cultural, moral, econômica. Será que é isto que distingue os homens
civilizados dos selvagens? Um script imposto, um programa do qual não conseguimos
fugir?

Todas as técnicas que conhecemos e que são aceitas no ocidente para que o Homem resgate
seu equilíbrio e conquiste algum bem estar, como a yoga ocidentalizada ou as psicoterapias
em geral, estão comprometidas e são definitivamente vinculadas à manutenção deste
“script” social, ou das Leis do Sonho. De certa forma a pessoa se integra e sente felicidade
na medida em que não é agredida pela cultura e pelo ambiente, na medida em que consegue
conviver e sobreviver aos fatores externos, na maioria das vezes ignorando ou negando
muitos de seus talentos e capacidades naturais, inclusive, mantendo tudo que é instintivo e
básico sob o mais rígido controle. Quanto maior o controle de si mesmo, maior a chance de
ser aceito e “amado” por seu grupo social.

A aceitação do indivíduo pelo grupo parece ser o “ponto de fuga”, o foco principal deste
painel que compõe o processo de manutenção do Sonho do Planeta. Ser aceito, ou ser
amado – de acordo com a interpretação de alguns – é experiência que nos motiva a ser

29
como somos, a obedecer as leis e até mesmo a transgredir nossos desejos mais íntimos e
nossos instintos.

O Horóscopo é uma destas técnicas que busca integrar o homem a um determinado


contexto, ou melhor, busca reintegrar o ser à sua condição natural. Mas como os astrólogos
estão vinculados e comprometidos com o paradigma do sonho, da manutenção de valores,
da transformação apenas dentro do que é permitido pela Lei do Sonho, a Astrologia perde,
dentro dessas condições, a sua função de resgate do homem natural. O problema não é a
Astrologia em si, pois suas bases filosóficas são perfeitas para estabelecer a conexão com as
condições naturais do ser. O problema está com os astrólogos, nós, que infelizmente
estamos, em geral, comprometidos demais com a manutenção do sistema de valores aos
quais também fomos condicionados e dentro do qual nascemos e fomos domesticados. Isso
tudo nos leva a fazer um possível uso distorcido e inadequado da Astrologia, como se ela
fosse um simples sistema analítico, um tipo de psicanálise meio mística, meio muzzarela,
uma linguagem descritiva que insiste em determinar o Ser, mantê-lo dentro do seu próprio
nível de exigência e de seu critério de realidade, confortável e talvez até feliz, mas mudar
mesmo, ah! Isso jamais!

E como estamos todos de alguma maneira comprometidos com o Sonho do Planeta e com a
manutenção deste sonho, um dos condicionamentos fundamentais para que consigamos
sobreviver à ausência de nós mesmos, à perda de contato com nossa essência, é jamais
pararmos para examinar aquilo que achamos que somos, não parar nem um instante de se
descrever e se esforçar para manter uma certa imagem idealizada de si mesmo, jamais
fazer autocrítica, pois o distanciamento crítico pode-nos fazer perceber que talvez
estejamos vivendo um imenso equívoco. E o tal do Sonho do Planeta e suas leis não
permitem que se faça isto, pois a ilusão de vida que vivemos é muito frágil diante da força
verdadeira da Vida, e não sobreviveria a um segundo sequer se fosse confrontada com
coragem.

Podemos formar uma imagem curiosa sobre o estado do viver dentro do Sonho. Se
considerarmos a Água, elemento que representa o sentimento nos planos mais profundos e
reais, e também as emoções, quando se refere esta energia à expressão do Ego; e se
considerarmos o Ar o elemento através do qual se forma a realidade “pensada”, idealizada,
onde se formam as ilusões – que podem ser simples descrições de como percebemos a
realidade – , e se entendermos que vivemos normalmente a fusão deste mundo das idéias e
deste mundo das emoções, o que cria um Ar molhado, ou uma Água aérea, algo muito
semelhante a uma neblina, uma névoa que é talvez o elemento mais ativo e participante na
formação de nosso cotidiano, de nossas ilusões.

Teríamos formado aqui um quinto elemento, a Neblina, que é a fusão do sentimento com o
pensamento, da água com o ar, e que carece principalmente do elemento Terra, o elemento
das sensações e da forma. Se assim for, onde está neste úmido universo a realidade física?
Bem.... de certa forma, talvez seja toda ela, a realidade física, uma criação da mente e dos
sentimentos, ou dos desejos... figuras criadas da neblina, com a mesma substancialização
dela, efêmera como ela, pois qualquer golpe de ar – o que dentro desta simbologia
representaria um pensar vigoroso e realista – ou uma onda mais forte na água das emoções,
poderia espalhar a neblina, deixaria a Luz invadir e talvez apagar todos os fantasmas, todas
as expectativas, praticamente toda a realidade criada com esta substância da qual se formam
os sonhos.

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O homem natural e as sementes da cabaça
O horóscopo mostra, em princípio, duas possibilidades:

A primeira é um ser natural, o Homem Natural, uma entidade plena, absoluta e


integralmente comprometida com o organismo planetário que ele habita, como uma célula,
como uma bactéria integrada a seu hospedeiro. Acreditamos que o horóscopo originalmente
pode ser visto como uma apresentação deste Homem, desta entidade natural.

Este “Homem Natural” na verdade pode ser também compreendido como uma entidade
imaterial, uma manifestação energética, uma “emanação da Águia”, como diria Don Juan
Matus. Ele é composto originalmente de energia caótica da natureza, que se condensa e se
manifesta, ou seja, quando esta energia pura se organiza, toma forma e se manifesta, o
homem acontece, passa a existir através das idéias, do sentimento e do intento.

O Sentimento e o Intento são expressões naturais da energia cósmica, correspondem à


manifestação da vida em si mesma e à matéria prima com a qual se constrói a realidade, da
qual se compõe a “real realidade”, que é a realidade do encanto, e não da ilusão.

O acesso a essa possível realidade primeira, ao lugar do “encanto”, acontece ao se chegar


ao “estado de graça”, um estado que corresponde a ter consciência a partir do contato com
a energia fundamental dos sentimentos e do intento, um estado que corresponde a estar
sintonizado com o fluxo de energia do universo.

O sentimento, no caso, não deve ser confundido com emoção, que é uma expressão do ego
e da psique. Sentimento existe em todos os seres, independentemente do uso ou não da
razão. É uma forma pura de expressão da energia essencial, seja por exemplo a alegria, seja
o medo. A emoção é um sentimento. Sente-se emoção.

O intento é a força natural que move os átomos, que movimenta e direciona a energia vital,
conduzindo-a para um estado de aglutinação, dando a ela forma e consistência. O intento
conduz a energia do sentimento para o mundo da forma e das sensações, o mundo do
“Tonal”, como era denominado pelos xamãs toltecas.

Poderíamos dizer que o Horóscopo mostra, em uma primeira análise, o plano e a estrutura
energética do homem, onde o sentimento e a energia vital em estado puro se direcionam
para este ou aquele módulo, e mostra também em uma segunda etapa a aglutinação desta
energia caótica, onde ela se transforma em realidade, em gesto, em objeto, em caráter, em
personalidade ou qualquer outro tipo de formatação que a energia aglutinada possa assumir.

Tudo que existe – a pedra, o perfume, o som, a cor, o gesto – é materialização da energia
vital e caótica da qual se compõe o universo, em infinitos níveis de freqüência e amplitude.
A física moderna prova e comprova isto.

Quando unimos – através do intento – a energia essencial, vital e caótica, que nomeamos
aqui, por analogia, como “sentimento”, com a energia aglutinada e formatada a que
chamamos matéria ou realidade física, construímos e permeamos o mundo, atravessamos os

31
espaços vazios entre as formas e os gestos e expressamos e experimentamos o que
conhecemos como Vida.

Uma segunda coisa que o horóscopo pode mostrar é onde este Homem Natural é mais
frágil, onde ele pode ser manipulado e receber programas e condicionamentos que
distorçam sua natureza, quais seus pontos fracos, por onde uma realidade externa pode ser
implantada em sua psique. Mas o horóscopo não mostra que isto vai acontecer, apenas nos
sugere por onde pode acontecer, ou que simplesmente pode acontecer.

Somos apegados e estamos comprometidos com o sonho do planeta, e este é talvez o


paradigma mais fundamental da existência do Homem contemporâneo. Don Juan Matus
dizia que o homem é um macaco agarrado a sementes dentro de uma cabaça. Ele sabe que
para ser livre basta abrir a mão e largar as sementes, mas não faz isto, não consegue fazer.
As sementes são o Sonho do Planeta, são nossas expectativas sociais que nos aprisionam,
são a imagem que construímos para sermos aceitos e coerentes com esse acordo histórico e
do qual não fizemos parte.

A visão que podemos ter do horóscopo tende a ser a visão de seres agarrados às sementes
dentro da cabaça: recusamos largar as sementes, recusamos abrir mão de um modo
específico de ver a realidade e de nossa mania ou até compulsão de alimentar e manter a
auto-imagem que nos foi proporcionada por nossos pais e pela sociedade. Esta é a segunda
visão do horóscopo, aquela que mostra nossas fragilidades e nosso comprometimento com
o que esperam da gente.

Neste caso, o mapa astrológico passa a ser um excelente referencial de expectativas. Cada
configuração, cada aspecto vai representar um tipo de expectativa, algum espaço a ser
preenchido, algum tempo a ser vivido, mas sempre dentro de um padrão que não é
necessariamente o nosso. O horóscopo se torna um mapa da expectativa que o mundo tem
de nós, e nossas expectativas passam a ser reações ao que o mundo externo espera de nós,
num tipo de movimento circular, e assim ele é visto e interpretado dentro do padrão
imposto pelo Sonho do Planeta.

De alguma forma, existe algo como uma “expectativa coletiva”, que cria a realidade como
nós a concebemos, o Sonho do Planeta, o mitote dos xamãs, o Maya dos indús, e esta
expectativa é maior e mais poderosa que a capacidade pessoal de idealizar e criar nosso
próprio sonho, nossa própria realidade, e de alguma maneira nos constrange ou nos
corrompe ou nos seduz e nos obriga a nos submetermos a ela, a submetermos nossas
qualidades pessoais e nossos talentos a ela.

Estamos perguntando neste momento: “... mas o que vamos olhar no horóscopo então?
Este cara é maluco! A vida é o que é, e temos que usar a Astrologia para tentar melhorá-la,
o que já é uma grande coisa....”

Isto está certo, é assim mesmo que fazemos, estamos agarrados demais às sementes dentro
da cabaça para imaginarmos que poderia ser diferente. Mas existem pequenas coisas que
podemos fazer. Tentativas frágeis, delicadas, suaves diante da imponência do sonho que
nos consome e absorve tanto, diante da nossa necessidade de preservar nossa imagem
construída, nossa crença em um mundo e em um tipo de mundo que aprendemos a amar.

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A primeira coisa a fazer é entender o mapa dentro do conceito de Energia Pura, energia
vital, energia do Caos, e a partir disto, fazer uma fusão entre este conceito e os conceitos de
forma, de materialização desta energia, pois que tudo é energia, e podemos olhar a partir de
um lado físico formatado por nossa mente ou dentro uma perspectiva energética e sem
forma. Ou melhor ainda, podemos olhar de ambas as maneiras.

Casa VII e potencial de relacionamento

E na distancia infinda que há num beijo


Entre a boca beijada e a que beijou
Nem tu nunca serás como eu te vejo
Nem nunca me verás conforme eu sou

(ENIGMA/Miltinho e Magro)

Precisamos considerar que o Ser está submetido a um contexto maior que ele: o ambiente
planetário e as condições sociais ao nosso redor são muito poderosos, e qualquer análise
que fizermos de um indivíduo, através do horóscopo ou outro instrumento, tem de levar em
consideração a pressão do ambiente. A análise pode ser feita não a partir dos potenciais do
indivíduo, simplesmente, mas da correlação entre suas qualidades naturais e a possibilidade
destas qualidades se manifestarem em um contexto que pode ser hostil a algumas
características e bastante favorável para outras.

Por exemplo, se analisarmos o potencial de relacionamento de alguém, através da


observação da sua Questão VII, os planetas que estão presentes nesta casa, seu planeta
regente e a casa onde se encontra, a posição de casa e signo de Vênus que cumpre a função
de indicador universal da questão VII, a configuração da Lua que funcionará como
referência dos nossos filtros e defesas inconscientes. Se considerarmos também as casas ou
“campos de projeção psíquica” envolvidos com esta área, como a casa XI e a casa III,
respectivamente, onde se cristalizam os relacionamentos, e onde eles se tornam ideais ou
idealizados, enfim, todas as configurações astrológicas que se referem à questão do
relacionamento no mapa de um indivíduo, teremos ainda que considerar que toda avaliação
dos potenciais de associação desta pessoa tem que levar em conta o mundo físico no qual
ela vive, a realidade social, o que o Sonho do Planeta espera e programa para ela em termos
de relacionamento. Não é possível analisar estes potenciais sem levar em conta toda a
pressão e todos os condicionamentos aos quais esta pessoa é submetida desde a infância.

A questão amorosa, ou melhor, tudo que envolve os relacionamentos e associações da


pessoa, representados pelo sétimo acorde e suas configurações, como exemplifiquei acima,
depende dos critérios coletivos de amor e relacionamento, depende das leis e regras
estabelecidas pelo Sonho do Planeta e reconhecidas pela sociedade como o que é certo ou
não é certo.

Mas, dentro de nós, muitas vezes aparece um ser selvagem, aparece a necessidade de viver
o amor e a relação em outra dimensão, talvez mais instintiva, talvez mais biológica, menos
formal, e aí vem a cobrança, a culpa, o sentimento de estarmos transgredindo as regras. Que

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regras são estas? Algumas são determinadas pelo bom senso e necessidade de preservar
padrões de segurança, outras pelo respeito aos limites e contingências biológicas do ser
humano, mas estas, se nosso instinto de sobrevivência não estiver detonado, não podemos
transgredir, pois não há força que nos afaste da vida em si mesma, a não ser a loucura e o
excesso de pressão. Essa transgressão biológica e agressão à própria vida não está no
horóscopo, não está em nenhuma programação conhecida da natureza.

Outras regras, aquelas estabelecidas pela necessidade de preservação do Sonho, aquelas


que tem conotação meramente moral e apenas servem para conservar a forma e o padrão
sociocultural aceito pelas leis do Sonho do Planeta, muitas vezes distorcem ou bloqueiam a
livre expressão dos potenciais do horóscopo. A partir disso, dizermos que Vênus ou o
planeta que está presente na casa VII representa um potencial de relacionamentos x ou y
pode ser um grande equívoco, tanto de quem está interpretando, quanto de quem está
ouvindo.

Se nós pensarmos no relacionamento – ainda dentro deste exemplo – em um plano natural e


instintivo, estaremos abordando questões que talvez nunca possam ser devidamente
expressadas em função dos bloqueios e impedimentos determinados pelas Leis morais do
grande Sonho. E se nós – intérpretes – por estarmos também submersos e comprometidos
com o Sonho, fizermos uma leitura dentro de nossa percepção e decodificação “autorizada”
dos símbolos, sempre dentro da Lei que nos foi imposta e por nós assimilada, certamente
nossa interpretação vai “bater”, ficaremos orgulhosos de sermos “bons astrólogos” e vamos
endossar os padrões sociais de relacionamento permitidos e estabelecidos pelo Sonho. E
nada vai mudar, e nada vai acontecer simplesmente.

Bem, talvez esse procedimento seja o mais correto e eu esteja especulando sobre uma
utopia, uma impossibilidade, não é? Mas vou continuar nesta especulação, pois algo dentro
de mim está insatisfeito e pede que eu continue esta escavação dentro dos critérios que
nortearam minha própria vida. Pressinto como que um certo brilho, uma chave, uma
passagem que não consigo ainda atingir, mas que está lá me esperando, e se eu insistir e
continuar, em algum momento a porta se abre, e aí posso escolher entrar ou ficar,
mergulhar ou ficar. A escolha ainda é minha.

Acredito que os arqueólogos e outros exploradores de mistérios, diante de uma caverna,


diante de seu sentimento de busca e questionamento, sentiam que havia portas, recantos,
mistérios para serem descoberto atrás de cada sombra, dentro de cada obscuro espaço a ser
penetrado. É o que sinto neste momento. Mas também tenho a sensação de que, se
continuar, tudo que eu sempre soube, ou achei que sabia, perderá o sentido, e que talvez, se
descobrir novas verdades, novas versões para a verdade, se conseguir por uma fração de
segundo ficar independente do sonho, saltar do aquário onde estou submerso, ficarei só.

E este é nosso maior medo. Agarramo-nos às informações assimiladas, às regras que nos
deixam seguros e coerentes, aos comportamentos, aos estilos, às técnicas que permitem
uma aceitação de nosso trabalho, de nossa vida pelas pessoas, e sabemos que, se nos
atrevermos a questionar e contestar tudo isto que praticamos, o preço pode ser o
isolamento, o deboche, a ironia dos que permanecem. Por isso é mais fácil e cômodo não
questionar, não colocar em dúvida nosso conhecimento, nosso trabalho. Por isso é tão
incômodo questionar a Astrologia e a prática da Astrologia que tem sido tão “eficiente”
durante estes séculos, ou décadas. Eficiente para manter o mundo como ele é, apenas isto.

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Não estamos tolamente pretendendo mudar o mundo, ou simplesmente quebrar as regras,
mas temos a lucidez de perceber que alguma coisa não encaixa nisso tudo, alguma coisa
que, apesar de toda informação maravilhosa que a Astrologia e a análise do horóscopo
proporcionam, continua igual, sempre a mesma, como um som contínuo, tão perene que já
não o ouvimos mais. Tantos anos de trabalho e, na verdade, nada mudou, pelo menos nada
que não mudaria naturalmente, dentro dos limites permitidos a nós, seres domesticados. A
corrente do cachorro vai até um certo ponto, e ele se acostuma tanto a isto que raramente
sente que está acorrentado, e acaba entendendo a corrente como uma parte do seu próprio
corpo.

Quem se olhar um pouco, com algum distanciamento crítico, certamente sentirá. E o que
estou dizendo não é uma insatisfação pessoal apenas, não é uma mera visão egóica do
mundo sustentada por meus próprios problemas, que estes eu procuro confrontar e
administrar. É uma percepção maior, como uma voz, como um ruído incômodo, como o
sentimento de que estamos sendo sonhados por um imenso sonhador, e que nos
esquecemos há muito tempo de quem realmente somos e podemos ser, e tudo que fazemos
é com a finalidade de endossar e reforçar este esquecimento, inclusive a Astrologia.

Nossa tendência normal é negar, ironizar, sermos sarcásticos com tudo aquilo que nos
incomoda. Temos este tipo de procedimento como atitude pessoal muitas vezes, mas temos
também como atitude coletiva quando algo, uma nova informação, um novo
questionamento, vem mexer com os padrões de ilusão aos quais estamos acostumados e
condicionados. A gente pára de ler, a gente pára de pensar, a gente diz que é uma bobagem
qualquer coisa que atinja o ponto de ruptura, que passe perto da tênue membrana que divide
o plano do sonho do plano da realidade. Negamos e ironizamos tudo que nos possa
conduzir ao ponto de ruptura porque precisamos de defesas contra o desconhecido, e
precisamos de estratégias para dar significado à nossa existência, para nos sentirmos
alguma coisa, alguém dentro de uma realidade sonhada, e nem sempre sonhada por nós
mesmos, e estas estratégias, como a ironia e o deboche, por exemplo, invalidam e
ridicularizam toda alternativa que não seja aquela à qual estamos passivamente
condicionados.

Existem práticas, procedimentos, atitudes mágicas e rituais que permitem que a gente vá
despertando e recordando nosso estado natural, lembrando que somos anjos que se
esqueceram de sua condição divina e se comprometeram e se corromperam com o plano da
forma. Vamos ousar falar disso, e ousar tentar chegar a algum lugar, que na verdade é lugar
nenhum... Estas indagações talvez não levem a nada, talvez levem à tudo, não importa.
Fazendo se faz, caminhando se faz o caminho, e isto importa.

O SONHO DO PLANETA – PARTE 3


O guerreiro, o amante, o herói e o mimado

Carregando a cruz

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A cruz, os quatro grandes ângulos do horóscopo, determina os vértices da estrutura, os
pontos de partida do modelo, da estrutura existencial simbolizada pelo mapa. Por isso a
cruz é tão importante em tantas cosmogonias, tão importante como símbolo em tantas
magias, em tantas alquimias. Representa mais que a estrutura pessoal, rerpesenta todas as
estruturas, do micro ao macrocosmos, e através dela, desta misteriosa chave “tetra”,
podemos abrir muitas portas e termos acesso a muitas dimensões.

Quatro estilos, quatro formas, quatro caminhos distintos de manutenção e incorporação da


realidade podem ser identificadas através do símbolo da cruz, seja dentro do Sonho do
Planeta e suas leis, seja como modelo e procedimento para que despertemos desse sonho.

O primeiro tem analogia com o Ascendente: é o CAMINHO DO GUERREIRO, que é o


caminho do Ser que sabe permear a realidade. É a marca da impecabilidade no agir, que
permite que a pessoa se desenvolva e realize seu projeto.

Mas, no plano do Sonho, o Guerreiro é domesticado e treinado para ser um Herói, apenas
um Herói, e viver passa a ser um ato de heroísmo, enquanto, para o Guerreiro, a vida é uma
luta para ser lutada, um caminho para ser percorrido, uma aventura para ser vivida.

O Herói é um cretino. Todo seu movimento costuma ser sustentado pelo medo, pela
covardia, pelo sentimento de que, se não fizer o que lhe mandam fazer, ou o que lhe
disseram que seria o “certo”, será abandonado à sua própria sorte e ficará só, como todos
os heróis acabam ficando. A fenomenologia motivadora da performance do Herói inclui
sempre o Medo, a Vaidade e a Moral, respectivamente as anti-virtudes dos signos do
elemento Fogo: Áries, Leão e Sagitário.

O Guerreiro assimila e atua em função das virtudes, as qualidades positivas destes signos,
respectivamente, a capacidade de Agir, a capacidade de Centralizar e a capacidade de
Idealizar.

Mas o que o Sonho do Planeta e sua interface, nossos pais e educadores, nos cobram, é a
importância e a necessidade de sermos heróis, que corresponde a uma condição muito
mais cômoda e pertinente à manutenção de um sistema neurótico de valores. Todas as
cobranças sociais tem como componente fundamental o medo de fracassar, de não ser o
melhor, ou sentimentos dolorosos e frustrantes quando nossa vaidade é ferida. Muitas vezes
por vaidade mantemos situações e relações impertinentes e infelizes, só para não “parecer”
que fracassamos aos olhos dos outros. Finalmente, a cobrança moral é uma das mais
limitadoras e castradoras que vivemos, e não estou me referindo à moral biológica e natural
que todos o seres têm que viver, mas sim à moral tacanha e limitadora que sempre implica
no julgamento que as outras pessoas, também escravas desta moral limitadora, podem fazer
de nós.

O Guerreiro, que é uma entidade desperta e independente do Sonho do Planeta, não tem
medo de fazer o que tem de fazer, apenas tem os cuidados naturais de autopreservação, os
medos biológicos; não se rende à vaidade, porque não olha para trás para saber se agiu
certo ou errado, exatamente porque age com o coração, e não de acordo com as instruções
e regras que sua mente assimilou durante a fase de domesticação da psique. Por não se
entregar à vaidade, a anti-virtude de Leão, o Guerreiro não tem de ficar provando que está
certo, que fez a escolha certa, e por isso, pode tranqüilamente desistir de suas escolhas

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inadequadas, pode aprender com elas e simplesmente cair fora sem preocupação com o
julgamento dos demais, ou com a aflição de ter fracassado ou feito sucesso. Por ser assim, o
Guerreiro permite que flua através dele a grande virtude de Leão, que é a capacidade de
centralizar e liderar. Mas poucos humanos conseguem reconhecer que seu medo, vaidade e
moral, e isso os faz seguirem líderes que endossem justamente estas características
escravizantes, e jamais as qualidades que promovam liberdade.

Estes três signos de fogo são projeções e emanações do Ascendente, compõe o triangulo da
identidade e funcionam como referência básica do ponto de partida da existência, onde tudo
começa, onde se define o Projeto de Vida de uma pessoa.

Neste ponto inicial e principal – no sentido de principiar – concentra-se nossa possibilidade


de escolhermos ser Guerreiros ou Heróis, e isto definirá toda a nossa caminhada através da
existência.

É interessante fazermos uma recapitulação, uma avaliação histórica de nosso


comportamento e tentarmos perceber o quanto somos Heróis em nosso cotidiano, o quanto
a vida é dura com a gente, o quanto vivemos encurralados e sob ameaça constante do
fracasso e da dor. Se prestarmos atenção em nossa própria história, perceberemos quantas
vezes escolhemos os caminhos mais difíceis, seja nos relacionamentos, na profissão ou em
qualquer atividade da vida, e depois experimentamos uma imensa dificuldade em sair deles,
pois a vaidade não permite que sejamos vistos como “desistentes” ou fracassados. Por
suportarmos todas as pressões, por nos sentirmos responsáveis todo tempo por tudo e todos
que nos cercam, mesmo que este “tudo que nos cerca” seja muito parcamente prazeroso,
muito pouco satisfatório e quase nunca nos fazendo felizes de verdade, por tudo isto,
podemos nos considerar verdadeiros heróis.

Mesmo as pessoas que escolhem caminhos de acomodação, como um casamento de


conveniência, ou um emprego público daqueles aparentemente perpétuos, são certamente
heróis, pois têm que suportar um ambiente medíocre, tem que suportar insatisfação sexual e
afetiva muitas vezes, tem que aceitar o fato de não serem livres, de serem escravos
estilizados da vontade e dos recursos de outras pessoas. São verdadeiros heróis por
tolerarem ser pequenos por décadas, e às vezes não saberem, não terem a menor idéia de
quem são na verdade. São heróis por terem tantas vezes que mentir para si mesmos de que
são felizes e são aceitos pelos demais. Aceitos pelo que não são, é verdade, mas “ser aceito”
é uma necessidade e uma condição fundamental do herói e uma das principais imposições
do Sonho do Planeta.

Outra grande qualidade do Guerreiro, além da utilização dos melhores recursos da trilogia
do Fogo – ação, centralização, idealização – é sua capacidade de “estar presente”, estar
aqui e agora, o que significa não se comprometer com o passado, não ser vítima de sua
própria história, não se sentir obrigado a manter a tradição que lhe foi imposta. Isto vale
desde o compromisso com o nome de família ou com a característica racial com que
nasceu, até a necessidade de obediência passiva aos ancestrais, ou dependência financeira,
moral ou psicológica deles. E não significa que o Guerreiro não ame ou respeite seus
ancestrais. Pelo contrário. Seu amor é mais verdadeiro e autêntico do que o daqueles que
apenas se conformam e fazem porque foram “treinados” a acreditar que aquilo é o certo,
não importando se estão felizes ou não com sua postura.

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O estar presente é uma senha, uma fórmula poderosa para ingressarmos no caminho do
Guerreiro e obtermos força e consciência para nos desvincularmos um pouco mais do
Sonho do Planeta. Estar presente implica utilizar as quadraturas entre o Ascendente e as
casa IV e X – representando o passado e o futuro – como a corda de um arco, como uma
tensão positiva que nos impulsiona e nos atira em direção à liberdade. Significa
desvincular-se do peso e do compromisso passivo com o próprio passado (casa IV) e da
escravidão do Status (casa X), que é um tipo de compromisso com o futuro idealizado e
esperado de nós pelas leis do Sonho. Esta relação com o passado e o futuro pode ser uma
mola propulsora positiva para Agirmos, Centralizarmos e Idealizarmos, ou pode ser uma
resistência negativa para vivermos com Medo, escravizados à Vaidade e a Moral que se
originam no triangulo da identidade, o triangulo de fogo, e são também representadas por
estas áreas da vida e do horóscopo.

Para estar presente, além do questionamento que devemos fazer em relação ao nosso
vínculo com o passado e com o futuro impostos, existe uma atitude essencial que deve estar
sempre em pauta, uma atitude que deve ser o centro e a essência de nossa conduta
cotidiana, e que deve permear todos os nossos gestos e atitudes e palavras: a verdade.

Para assumirmos a condição de independência do Guerreiro e nos libertarmos da escravidão


e do compromisso desgastantes de sermos heróis, precisamos ser verdadeiros em tudo que
fazemos, temos que dizer a verdade em cada palavra, mesmo que doa, mesmo que isto nos
traga transtornos e nos faça ser “mal vistos”, pois a preocupação de ser ou não “mal visto” é
um problema de quem está comprometido com o passado e com o futuro, é um problema de
quem não está aqui, não está presente. É um problema do Herói.

A impecabilidade do Guerreiro, portanto, implica ser absolutamente verdadeiro em tudo


que faz ou diz. Apenas isto. É simples. Basta fazer.

Dizer a verdade é uma atitude que nos conduz diretamente ao outro vértice da cruz, ao
ponto oposto ao que simboliza o Guerreiro, aquele que chamamos de casa dos
Relacionamentos, ou campo de projeção psíquica onde nos projetamos no “outro”.

Viver o outro, ou a si mesmo

Uma parte de mim


é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Ferreira Gular – Traduzir-se

O braço da cruz que representa o “outro”, ou o “Tu”, é o lugar oposto ao ponto que
simboliza o Guerreiro, é seu complemento, é o campo onde projetamos nossas expectativas
mais essenciais, onde se configura a ilusão da existência, a ilusão do que pretendemos ser
junto à outras pessoas. É onde encontramos o “outro”, e é como buscamos o “outro”, onde
tecemos e criamos um ambiente onde expressar nossa identidade.

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Chamamos a este espaço, à experiência descrita por ele e ao modelo arquetípico que aí se
forma, de “Amante”, que simboliza aquele que ama, aquele que se relaciona, aquele que
estabelece contatos energéticos e mentais com o ambiente. É o movimento de nos
confrontarmos com nosso reflexo no mundo, de nos vermos através dos olhos das outras
pessoas, de praticarmos aquilo que se chama relacionamento. Enfim, é a atitude que cria o
ambiente e a realidade como nós podemos percebê-la.

Neste caso, este campo de projeção psíquica será correspondente ao território onde o Sonho
do Planeta toma forma e cria seu cenário, materializa-se, a partir de nossas expectativas de
Guerreiro ou de Herói, conforme for nosso grau de evolução e nossa experiência de vida.

É por isso que a questão do Relacionamento é tão importante na nossa cultura, talvez a que
demande maior energia e desprendimento em nossas vidas, pois é através desta experiência
que a realidade se forma, e o Sonho do Planeta passa a ser fundamental em nossas vidas. É
por isso também que, dentro de um modelo que não é o de nossa essência, não é o que
verdadeiramente o Guerreiro liberto do Sonho procura, existem tantos problemas,
frustrações e angústias relativas ao relacionamento. É através da imposição de um padrão
de relacionamento pertinente ao grande Sonho que vivemos em um estado de carência e
solidão, porque, para as Leis do Sonho, “Eu” sempre preciso de alguém para me completar,
“Eu” nunca estou completo em mim mesmo, “Eu” jamais me basto, nunca sou pleno. O
“outro”, dentro deste modelo de pensamento, é a confirmação e praticamente a razão da
minha existência, e aí começam todos os problemas.

Quem procura por necessidade, encontra seu semelhante, aquele que também necessita, e
daí são dois necessitados se encontrando, o que multiplica as carências e debilidades
energéticas de cada um. Quem não procura, por estar completo e pleno, encontra – sem
procurar – aquele que também está completo e pleno, e a relação acontece em um plano de
completamento e plenitude. Mas isto não é o que normalmente nos é ensinado pelos nossos
formadores e mestres. É ensinado que temos que procurar no “outro” nosso complemento e
totalidade, e que sozinhos pouco valemos e sofreremos de solidão. É um acordo e um
condicionamento muito forte este, e nos condena a viver o medo constante e angustiante da
solidão, e nos obriga a viver em busca do outro para apaziguar este medo aprendido.

É tão incômoda esta informação que me sinto constrangido de escrever isto. Penso,
enquanto escrevo, que a necessidade de encontrar alguém é absolutamente natural e
instintiva, a necessidade de me sentir completo compartilhando meus sentimentos com
alguém deveria ser correta, e não uma fonte de sofrimento. Penso também que sempre pode
existir alguém que nos complete e nos faça feliz. Lembro meus amores e os momentos de
felicidade que já vivi nesta existência através de relacionamentos intensos e enriquecedores,
e algo em mim quer afastar esta idéia exótica de que já sou completo, sempre fui completo,
e que na verdade não preciso de ninguém para me completar.

É impressionante o condicionamento, e como ele nos possui e modula nosso pensamento,


criando constrangimento e culpa quando nos atrevemos a questioná-lo. Neste momento
sinto a necessidade de fazer uma revisão íntima e tentar perceber se é mesmo uma verdade
que sou completo, e que não preciso de ninguém, e que quem andar ao meu lado também
pode ser uma pessoa completa que também não precisa de ninguém. Se for mesmo assim, o

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que nós temos para trocar na experiência amorosa, no relacionamento? Será nossa
plenitude?

Aprofundando uma revisão dos relacionamentos mais marcantes e importantes que tive em
minha vida, e também na vida de pessoas próximas, percebo que realmente houve uma
troca verdadeira em todos eles, houve crescimento, descoberta. Nada do que se arrepender.
Mas percebo também que os relacionamentos, dentro do molde em que foram adaptados,
sustentados pelo preenchimento das carências e ausências, jamais trouxeram a consciência
de nossa totalidade. Sempre nos “noves fora” restou a sensação de ausência, abandono,
fracasso e solidão, mesmo considerando o lado bom da experiência amorosa.

Em um relacionamento dentro desse padrão, raramente saímos mais completos do que


entramos. Saímos mais experientes, mais sábios, mais duros e espertos talvez, mas nunca
com o sentimento de estarmos mais inteiros, realmente plenos. Por que é assim? Sempre o
medo do abandono e da solidão, nos conduzindo a acreditar que não nos bastamos, que sem
o “outro” não somos nada, ou quase nada.

Concordo que é difícil, diante das experiências permitidas, diante da percepção permitida
dentro das Leis do Sonho do Planeta, sentir que se pode ser uma pessoa inteira e completa.
Praticamente todas as circunstâncias e referências que podemos ter ao nosso redor, depõe
contra a idéia de que somos auto-suficientes. Isto é um dos fatores mais importantes para
nos manter atrelados à ilusão, pois uma pessoa que tenha consciência de sua plenitude e
totalidade é uma ameaça ao estado geral das coisas como nos foram apresentadas, pode
mesmo ser visto como um agente subversivo e perigoso.

E toda sociedade, e todos aqueles que estão em busca de um amor e de um completamento


fora de si, inclusive alguns que, por sua carência crônica, acreditam até em tolices como
“alma gêmea”, vão condenar, criticar e tentar isolar aquele que luta para ser um Guerreiro
auto-suficiente, aquele que acredita que pode compartilhar sua totalidade e viver
amorosamente – não porque necessite, mas porque é da “lei” da natureza, e simplesmente
porque assim o quer. A grande maioria das pessoas sente a auto-suficiência do Guerreiro
como uma agressão à crença nesse princípio ilusório do Sonho, aquele que afirma que não
somos completos e precisamos do “outro”.

Bem, quem está em busca desse estado de consciência, quem se propõe a ser um Guerreiro,
realmente não vai se incomodar de ser criticado e isolado e visto como um “alienígena” ou
maluco pelas pessoas ao seu redor. Mas certamente vai ter que pagar um alto preço pelo
isolamento que a submissão e a solidariedade das pessoas às Leis do Sonho vão
desencadear. E, na maioria das vezes, a pressão é tanta e tão insuportável que se torna
melhor voltar atrás, tornar-se “normal”, tornar-se “aceitável” para que parem de julgá-lo e
condená-lo utilizando a convenção do que é certo e errado. E ser auto-suficiente como Ser
Humano é inconveniente para a manutenção do Sonho.

Quando analisamos a sétima questão do horóscopo sob este prisma, dentro do


enquadramento destas leis, que alternativa temos? O que podemos perceber e decodificar
dos símbolos planetários, senão os acordos permitidos de completamento através do
“outro”, as possibilidades e obstáculos de que o relacionamento aconteça, que tipo de perfil
ela precisa para se “completar”, e assim por diante? Ficamos satisfeitos por termos feito
uma análise precisa e adequada da questão dos relacionamentos do indivíduo, e ele sai

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satisfeito por agora ter alguma resposta, alguma perspectiva ou esperança de melhorar sua
vida afetiva.

Não é o padrão interpretamos a casa VII em termos do que a pessoa pode ou deve buscar
dentro de si mesma para se tornar inteira. O mais comum é traduzimos astrológicamente
esta questão como a casa das “associações” ou dos “inimigos declarados”, e isto é certo,
mas é certo apenas dentro da ilusão na qual vivemos submersos, da ilusão de que a
realidade depende do “outro” e não de nós mesmos. Interpretarmos a sétima questão como
uma experiência interior e um caminho para o encontro consigo mesmo é bastante difícil e
pode desencadear defesas incríveis, tanto no interprete quanto no interpretado, já que nossa
psique foi treinada ou domesticada para nos impedir de ver além do que nos é permitido.

O Amante é a figura arquetípica que representa a sétima questão, o complemento do


Guerreiro. Como já dissemos, o Guerreiro é uma condição de independência e serenidade,
de certeza e precisão, de impecabilidade e, principalmente, representa a possibilidade de
sermos verdadeiros, de utilizarmos a Verdade como arma, como instrumento, mesmo que
doa, mesmo que arranhe. Isto nos liberta do Sonho, pois as condições do viver no estado de
ilusão implicam mentir, para si mesmo e para os outros, e, se conseguirmos ser verdadeiros
conosco e em nosso contato com as demais pessoas, estaremos nos libertando da condição
de falsidade e nos despojando das máscaras com que nos vestiram para sermos aceitos
neste mundo.

É interessante que, ao assumir como conduta básica na vida a Verdade, o Guerreiro


encontra condições para conectar dentro de si mesmo a figura do Amante, ou seja,
conquista a habilidade de se relacionar de uma forma madura e independente, pois a
dependência passiva e a necessidade compulsiva do outro tem como condição de que não
sejamos Verdadeiros em relação à nossa natureza, e muito menos que sejamos verdadeiros
com o “outro”, pois apenas o estamos usando para suprir nossas carências e obedecer ao
modelo que insiste em soprar nos nossos ouvidos a idéia de que “temos que ter alguém”
por não nos bastarmos.

Quando o Guerreiro conquista e incorpora dentro de si o princípio energético denominado


“amante”, ele começa a se encaminhar para o estado de totalidade, ele se basta, ele está
praticamente completo por si mesmo, e neste caso, o “outro”, a pessoa fora dele, funciona
como um espelho de suas qualidades e de sua liberdade. Portanto, um complemento
saudável que direciona nossa vida ao crescimento e à independência pessoal.

No tempo em que o Guerreiro, antes de conquistar esta condição de plenitude e integração


em si mesmo e de se ver livre da ilusão é ainda um herói, ele se depara no contato com os
outros com aquilo que o Amante é antes de conquistar este estado superior: uma criança
mimada, um ser que existe para ter seus desejos e carências satisfeitos pelos outros, uma
pessoa que precisa ser paparicada e cortejada todo tempo para acreditar em si mesma. O
Herói e o Mimado se complementam, tanto quanto o Guerreiro e o Amante.

O Herói e o Mimado são a expressão mais autêntica de um relacionamento dentro das Leis
do Sonho do Planeta. Basta olharmos ao redor e em nossas próprias vidas e fazermos uma
avaliação crítica das condições gerais dos relacionamentos que vivemos e conhecemos. Um
dos parceiros costuma ser o Herói, sempre lutando para manter o padrão, sempre sofrendo e
reclamando que tem que fazer tudo. O Herói dispensa seus sonhos pessoais, abre mão de

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sua liberdade e comete o sacrifício da própria alma em nome do relacionamento: um
imenso gesto de heroísmo, um grande sacrifício sempre. Aliás, não é difícil percebermos
nos relacionamentos “normóticos” esse tipo de condição de sacrifício de ambas as partes,
inclusive temperado e endossado com frases do tipo “é necessário abrir mão e fazer
concessões de ambas as partes para que o relacionamento funcione”. Esta frase por
exemplo, é muitas vezes aceita por todos nós como uma coisa absolutamente normal.
Desde quando fazer sacrifícios para poder amar é normal? Desde quando, ou quem disse
que o Amor exige sacrifícios? Por que o sacrifício?

Estar nesta situação “sacrificada” para poder se relacionar é uma condição para que nos
mantenhamos pequenos e atrelados à grande ilusão. O sofrimento é uma ilusão que nos une
enquanto somos pequenos e não temos consciência de nossa plenitude. Podemos observar
também uma imensa quantidade de casais, independentemente da opção sexual, que se
empenham em sabotar um ao outro, em manter o outro em uma condição de dependência e
fragilidade, agindo até de uma forma inconsciente para manter a relação dentro deste
padrão de sacrifício e, às vezes, de miséria material ou emocional. Tudo isto porque estão
comprometidos com uma das muitas Leis constatáveis do Sonho do Planeta, aquela que diz
que “a relação tem de ser eterna”, tem que durar para sempre. Se não durar, é porque você
fracassou, não deu conta, não teve competência para “segurar” o outro ao seu lado, não teve
“controle” da situação (a necessidade de controlar as coisas, inclusive o sentimento, é outra
das grandes ilusões que aprendemos ser necessárias à sobrevivência dentro do grande
Sonho).

O Guerreiro e o Amante sabem que Eterno pode significar “É Terno”, ou seja, com
ternura, o que cria outra dinâmica para qualquer relacionar-se, sugere uma condição de
troca e de afetividade, e não de eternidade, que é uma tolice nesse caso. Aliás, a perenidade
da relação nos remete a outra questão muito importante relativa aos modelos ilusórios: a de
que a Morte não existe, ou não é para nós, ou é para algum momento muito distante perdido
no tempo. Aqueles que chegam próximo de experimentar a liberdade sabem, e sabem muito
bem, que a Morte é a única certeza, o único poder verdadeiro, e está ao nosso lado, como
uma aliada que nos possibilita viver intensa e plenamente. Ela, a consciência e o
reconhecimento da Morte, nos ensina a “ficar presentes”, assumir e usufruir do momento,
do agora, já!

O horóscopo pode ser um referencial muito útil para entendermos os mecanismos que nos
conduzem à identificação com o modelo do Mimado e nos distanciam do amadurecimento
e do crescimento que nos transformará em Amantes.

Quando observamos a sétima questão e todos os seus indicadores, os planetas presentes


nesta casa, o regente do signo que ali está, o símbolo Vênus, e todas as configurações
envolvidas, podemos interpretá-las, como já disse antes, dentro de um modelo que insiste
na carência e na necessidade do “outro” como base para que “Eu Seja”. Mas podemos olhar
sob outro prisma, entendendo cada indicador e cada configuração como um caminho para si
mesmo, para o Self. Cada indicador, um instrumento de expressão de minha capacidade e
totalidade, e não uma referência do que eu busco ou preciso no outro. O que eu busco e
preciso já está em mim mesmo, pois só “aqui” posso encontrar o que busco.

Mas para conseguirmos olhar o mapa assim, temos primeiro que acreditar que somos livres
da imposição de um padrão sócio-cultural de relacionamento, que é marcado pela

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dependência e pela carência. Será que estamos preparados para abrir mão de séculos de
condicionamento? Será que estamos preparados para assumir nosso instinto, deixar que
nossos animais de poder tomem conta de nosso destino? Deixar que esse conceito de
humanidade que há tantos anos fomos obrigados a adotar seja simplesmente jogado no
lixo?

Os três signos ligados à sétima questão, Libra, Aquário e Gêmeos, simbolizam três direções
básicas do comportamento cujas chaves são respectivamente o dom de harmonizar , a
capacidade de descentralizar e o talento para informar, representando os recursos e
caminhos básicos para que ocorra o relacionamento humano. Quando estas condições não
são atendidas – por não ter a pessoa amadurecido psicologicamente e ainda viver um
comportamento inadequado e mimado – o que afloram são as anti-virtudes, as qualidades
negativas destes signos, ou seja, a harmonia de Libra se transforma em necessidade de
justificativa, e justificar um erro ou uma falta é tornar este erro justo; a natureza
descentralizadora de Aquário, condição básica para a liberdade, que por sua vez é
necessária para que ocorra um relacionamento saudável, transforma-se em necessidade de
poder, em função da própria fragilidade daquele que não se sente, segundo os
condicionamentos do Sonho, o centro de um universo pessoal; e finalmente, o potencial de
informar e comunicar, próprio do signo de Gêmeos, quando distorcido pela carência e
sentimento de inferioridade daquele que não aprendeu a contar consigo mesmo, transforma-
se na popular e vulgar fofoca, que é a mais distorcida e perversa das formas de
comunicação pessoal, típica dos que não conseguem estabelecer um vínculo harmonioso
com os outros por não serem capazes de se relacionar consigo mesmos. Esse é o triangulo
do relacionamento.

Para sermos “um” conosco e com o “outro”, é importante que sigamos duas regras muito
simples e essenciais: Dizer sempre a verdade e não julgar.

Com a simples aplicação desses procedimentos, nós nos libertamos da imposição do Sonho
sobre nossas vidas, saímos da grande ilusão. Esta é a Lei, o procedimento básico do
Guerreiro em seu caminhar de encontro ao “outro” e ao si próprio.

Sempre que julgamos, estamos certamente projetando aquilo do outro que está em nós, mas
como quem julga é o ego, nós nos comprometemos cada vez mais com o plano do Sonho,
cuja grande interface com a realidade é o próprio ego. Além do mais, os parâmetros e
códigos de julgamento sempre são oferecidos pela estrutura do Sonho, jamais partem de
nosso próprio Espírito. Não são conteúdos de nossa essência, simplesmente porque o
Espírito sabe que somos todos expressões da mesma realidade divina, partículas de Deus, e
não há o que julgar, a não ser que pretendamos nos igualar e sermos coniventes com uma
estrutura subjetiva que nos afaste de nossa realidade espiritual, e aí então, seremos seres
incompletos sempre em busca de algo fora de si para nos tornarmos inteiros.
Artificialmente inteiros.

Para sermos nós mesmos, Guerreiros que se bastam, para nos integrarmos ao “outro” numa
relação plena e que podemos viver pelo prazer, e não por obrigação, para sermos
verdadeiros e aceitarmos a verdade como uma condição para viver amorosamente a vida, o
mergulho no passado e a libertação dele é uma condição das mais fundamentais, pois o
lastro e as correntes que prendem nossos sentimentos estão sob as pedras da história
pessoal, muitas que precisam ser dissolvidas, outras confrontadas, e outras resgatadas. Isto

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nos remete à discussão do eixo casa IV – casa X, que será o tema da última parte deste
trabalho.

O SONHO DO PLANETA – PARTE IV

O mago e o Rei

Vivendo o passado

A casa IV o que ela representa – família, passado, lar – é um instrumento poderoso na


manutenção do Sonho, talvez o mais poderoso, pois simboliza as bases que mantêm o ser
atrelado aos padrões que reconhecemos como referências e pontos de sustentação de nossa
realidade.

No caminho do Guerreiro em direção ao ambiente, ao “outro”, na busca do Guerreiro por


concretizar seu projeto de vida e realizar sua caminhada, é inevitável a passagem pelo
próprio passado, pela própria história. A história – pessoal e coletiva – estará sempre
presente em cada um de nossos gestos e intenções, e pode significar uma força, um tipo de
matéria-prima para nosso crescimento, mas pode também representar um lastro, um peso,
uma substância meio pegajosa que nos mantém presos e atrelados à nossa educação e
condicionamentos.

É na casa IV que se processa a primeira fase da formação do caráter do indivíduo. Os


condicionamentos, o treinamento, os elementos impostos à nossa personalidade são
representados pelos indicadores desta questão, especialmente a Lua, seu indicador
universal.

Tradicionalmente a Lua simboliza o inconsciente, em contraposição ao Sol, a fonte da luz,


que representa a consciência. A maioria das informações que surgem através da família e
da história pessoal formam a base do que é denominado inconsciente. Nós possuímos essas
informações, reagimos em função delas, mas, com o tempo e em função do hábito,
perdemos o acesso, deixamos de ter domínio sobre todos esses dados por terem sido

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absorvidos pelo inconsciente e muitas vezes se perderem em recantos da memória aos quais
não temos acesso normalmente.

Nada disto é necessariamente um problema, tudo o que estamos falando é absolutamente


natural. Os problemas começam a surgir a partir do momento em que nos apegamos, talvez
sem perceber, a estas informações, algumas delas nem um pouco relacionadas com nossa
verdadeira natureza, muitas delas marteladas no cérebro de uma criança. A maioria dessas
instruções são afirmações sobre o certo e o errado em termos de um código cuja única
finalidade é a manutenção de uma certa realidade forjada.

A imposição desta “realidade” precisa de um terreno fértil para fecundar, e este território é
nossa própria memória, utilizada quase como que um depósito de acordos e regras, a
maioria vindo de fora de nós, e nem sempre tivemos a oportunidade de questiona-las ou
vive-las criticamente.

Em algum momento de nossas vidas, provavelmente na primeira infância, nosso coração


talvez nos tenha sido usurpado sem que soubéssemos, nossos sentimentos mais autênticos
foram distorcidos e modulados pelos formadores de nossa personalidade, e isto foi
necessário para nos tornar pessoas “educadas” em sintonia com o Sonho do Planeta, o
sonho de realidade no qual a maioria de nós tem que acreditar, e que contém as bases que
geram a expectativa de existência à qual fomos condicionados.

O arquétipo que pode representar este vértice da cruz é o Mago, o Senhor dos Sentimentos,
e de alguma forma, isto não parece ter necessariamente uma ligação direta com o passado
em si, mas tem a ver com o inconsciente, com os conteúdos mais profundos da psique e do
Ser em si mesmo.

Para sermos Magos, senhores e canais do sentimento universal, é necessário que tenhamos
coração, é fundamental que tenhamos e atuemos sempre pelo coração, e isto não é fácil para
quem teve seu coração invadido e possuído ainda criança.

A forma que a sociedade, através daqueles que serviram de instrumento para a formação do
nosso caráter, roubou-nos o coração e a capacidade de agir através dos caminhos dele foi
por meio da imposição de uma realidade baseada principalmente em emoções e sensações,
ou seja: é permitido e exigido viver apenas através das emoções e usufruir das sensações
pertinentes a elas. Tais funções psíquicas andam de mãos dadas, e nesta condição, os
sentimentos são transformados em meras expressões emocionais, perdem sua natureza de
“voz do Espírito” e passam a representar manifestações do ego.

Nossa percepção em relação ao passado e à história pessoal é, normalmente, a de que temos


um compromisso com o mundo, uma tarefa – alguns a chamam de “destino” – , e acho
mesmo que isso é uma das verdades que restaram do Mundo Real. Nascemos com talentos
e conteúdos para cumprir uma função no grande plano de Deus, no conjunto global de
forças e energias que compõem a natureza. Mas essa percepção pode ser distorcida pelo
sonho do Planeta, pela realidade que foi criada por intermédio das expectativas de todos
que vieram antes de nós, e o destino – nosso projeto de existência neste plano da realidade
– passa a ser aquilo que o ego consegue descrever, aquilo que nos torna “aceitáveis” junto a
determinado grupo. Nesse campo de projeção psíquica simbolizado pela a casa IV, o que
conta nesse mundo ilusório é a capacidade de suprir a si e aos outros emocionalmente, de

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tapar os buracos, colar as rachaduras do vazio emocional e da angústia em que vivem os
que “deveríamos” amar.

E assim, nessa ilusão de que estamos curando feridas emocionais, tornamo-nos seres
aparentemente fortes e racionais, livramo-nos dos sentimentos mais profundos e
verdadeiros, não conseguimos assumir nossa fragilidade, nossa vulnerabilidade, pois temos
que ser duros ao lidar com emoções constantemente distorcidas e em desequilíbrio, que é o
que a criança costuma encontrar e até achar natural quando começa a entender o mundo que
a recebeu.

Pais que vivem um teatro de relacionamento “em nome dos filhos” ou, pior ainda, em nome
da aparência, do “que vão pensar de nós”; irmãos que negam o sangue e a cumplicidade
quando surge um problema financeiro ou um conflito de herança; enfim, depois que “vê” a
luz, a criança – a mesma que vai nos habitar até o fim de nossos dias – descobre que tem o
dever e a tarefa de conviver e se identificar com conflitos emocionais permanentes, que
provavelmente ela não identifica como sendo conflitos, e sim a vida como ela é. Se não for
na família, é na escola ou no trabalho, e ela aprende que, se ouvir a voz do coração e seguir
o caminho do espírito não será compreendida e entrará em conflito com uma realidade
totalmente administrada pelo ego vaidoso. Os sentimentos pertencem à esfera do Espírito, e
desses o ego não trata e não pode controla-los. Em geral, quando intensos e verdadeiros, os
sentimentos são descartados e, junto com eles, as propriedades do coração são também
esquecidas.

O artificio cultural para que nos tornemos escravos das emoções, dos desejos e dos
condicionamentos, em vez de senhores dessas qualidades, a pratica que foi proposta desde
a nossa infância é de que tenhamos controle da situação. O controle nesse caso é essencial
como ferramenta de manutenção do mundo como ele é e do Sonho como ele nos foi
imposto. Somos educados para desenvolver o máximo possível da capacidade de controlar
a aparente realidade, e esta capacidade implica no uso constante da razão, no domínio total
do objeto do controle e sua submissão a nossos desejos e regras, que na verdade são as
regras do Sonho do Planeta.

Quando imobilizamos e submetemos o objeto de nossos desejos e emoções ao nosso


controle, e ele deixa de ser ele mesmo, perde sua identidade, perde sua luz, perde seu poder
e aliena-se de seus sentimentos. Precisamos não ter coração para podermos controlar algo
ou alguém. O controlador é uma pessoa que perdeu o contato com o próprio coração e por
isso vive com medo e se alimenta do medo, e em muitos casos só consegue expressar o
medo como sentimento. Todo controlador é um herói que torna sua própria vida difícil e se
sente separado de tudo e de todos. É um solitário por excelência.

Claro que o controlador afirma estar fazendo o bem, afirma estar preocupado com os
outros, afirma que age de coração, mas o coração não controla: não é possível haver
controle no Amor verdadeiro, apenas sentimento transbordando, apenas doação.

Quando controlamos, precisamos nos ver como entidades separadas do objeto de controle,
seja outra pessoa, seja um sentimento ou um impulso de nosso coração, e a necessidade de
controle passa a ser um bisturi, uma lâmina cortante que nos separa de nós mesmos e dos
outros, e a forma mais comum que a mente usa para promover esta separação é a descrição
e o julgamento do que queremos controlar.

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Quando julgamos e descrevemos alguma coisa, precisamos estar separados desta coisa,
precisamos “entendê-la”, e por isso é tão comum surgir nos momentos de crise uma forte
necessidade de entendimento. Quantas vezes, durante uma consulta ou na conversa com
algum amigo que vive qualquer experiência mais difícil, ouvimos a frase “eu só queria
entender”. Convém lembrar que “entender” é diferente de “compreender”, que significa
uma união profunda com o objeto que se está compreendendo. Para haver compreensão, a
presença do coração e dos sentimentos é indispensável. Para haver somente entendimento, a
separação entre quem entende e o objeto entendido é essencial, e esse procedimento
representa um estímulo à separatividade.

É interessante observarmos como a necessidade de ser controlador nasce no seio da família,


através da percepção que a pessoa faz de seus próprios pais e educadores em geral. Não
quer dizer necessariamente que os pais tenham sido controladores, mas é assim que ela
talvez os veja, é assim que ela percebe o mundo, é assim que ela acaba se percebendo,
sempre sendo solicitada pelas pessoas, sendo continuamente cobrada para dizer onde
esteve, para onde vai, o que está fazendo, porque fez isso ou aquilo, o que está sentindo, o
que está pensando... Esse movimento de cobrança pode vir a ser utilizado para suprir o
afeto que o mundo nega a ela, pode ser a tradução do interesse que é possível receber das
pessoas que se ama, e o resultado, curiosamente, não é uma personalidade que supre as
demais de afeto, mas sim alguém que quer controlar, pois foi assim que pôde aprender, e
para isto precisa procurar no outro a fragilidade, a fraqueza, o vazio, a debilidade. Assim a
pessoa se sente forte e capaz, assim ela acha que pode e merece ser amada por suprir as
eventuais carências e debilidades que, se ela não encontra no outro, ela produz ou tenta
provocar através do controle e autoritarismo, ou as vezes, pela chantagem emocional.

Vejam como o controlador é conivente, é um cúmplice, um legítimo representante do


Sonho do Planeta, pois a separatividade e o poder de controlar são referências de status e
prestígio neste sistema de valores ilusórios.

O controlador nasce na casa IV. Nasce na família, é formado ainda quando criança, surge
quando suas fragilidades são continuamente acentuadas pela família ao ponto de fazê-lo
reagir desta forma para não sentir-se massacrado e humilhado o resto da vida. O
controlador nasce quando é arrancado o coração da criança por causa da ilusão de que neste
mundo é proibido mostrar fragilidade, é necessário ser duro, é preciso ser forte, é
imprescindível não ser um perdedor, é fundamental ter medo do fracasso o tempo todo, a
vida inteira.

Aprendemos um dos fundamentos do viver nesta fase da vida, na primeira infância, no


período em que convivemos mais intensamente com os familiares: aprendemos a “Olhar o
Mundo”.

É o olhar que constrói o mundo que ilusoriamente vivemos. William Blake disse que uma
árvore é uma coisa aos olhos de um tolo, e outra aos olhos de um sábio. É o olhar que
determina a qualidade do mundo e, consequentemente, nossa reação a ele.

Se vemos o mundo como algo hostil e opressivo que está sempre desmoronando sobre
nossas cabeças, algo do qual temos que nos defender o tempo todo e que nos obriga a
mentir para não sermos oprimidos e castigados, então é nisto que o mundo vai se

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transformar, apenas e exatamente nesta coisa terrível. Mas quem está construindo esta
“coisa” é nosso olhar, pois, se pudéssemos mudar o modo de ver e perceber o mundo,
talvez ele fosse diferente, talvez ele se transformasse e ficasse melhor.

A casa III corresponde ao sistema pessoal de descrição e conseqüente criação mental da


realidade. É onde somos mais coniventes ao expressar o Sonho do Planeta. A casa IV, que
representa o passado e a família é a II casa a partir da III, ou seja, é onde esta descrição se
transforma em fato, onde ela se materializa e toma forma, e o caminho para a formatação. O
agente mais importante no processo de materialização de nossa descrição da realidade é o
olhar. O modo de ver a realidade, representado pela terceira casa do horóscopo é o que
origina o formato e consistência a esta realidade, representados pela quarta casa. A estrutura
e o conteúdo da realidade, seja ela ilusória ou não, está na verdade dentro de nós, faz parte
de nossa origem, faz parte de nossa história. É muito mais uma experiência que um fato. A
realidade passa a ser na verdade na nossa visão pessoal da realidade.

Se mudarmos o modo de ver, Mudamos nossa relação com o passado? Mudaremos a


realidade?

O grande truque para nos tornarmos Magos, senhores do Sentimento em vez de escravos da
emoção, é prestarmos atenção ao que vem do coração, procurarmos ver e nos identificar
com o mundo através do coração. Mas, para que isto aconteça, é necessária uma revisão
completa do passado, uma recapitulação e um confronto com cada experiência já vivida,
com cada pessoa que conhecemos em nossa história pessoal, de tal forma que possamos nos
libertar do peso deste passado, dos condicionamentos, juramentos e promessas que
inconsciente ou conscientemente fizemos em algum momento de nossas vidas.

Rever e confrontar o passado também permitirá descartarmos velhas mágoas, perdoarmos


antigos desafetos, alguns já perdidos no fundo da memória, mas que não deixam de ser
pontos cegos na composição de nossa personalidade.

Mas isto dói, dói muito, pois quem é que quer realmente se livrar de hábitos e crenças que
têm segurado nossa barra e dado a confiança de que o que estamos vivendo é o certo, de
que nossas escolhas são as mais adequadas?

Don Juan, através de seu discípulo, Carlos Castañeda, diz que a realidade é formada pelo
hábito e pela memória. Isto pode significar que, se entendermos, através da aplicação da
memória, os caminhos de nossa história pessoal e de como esta história compôs e
estruturou nossos hábitos, entenderemos o mundo em que vivemos, entenderemos nossa
representação dentro do Sonho do Planeta. E, se mudarmos os hábitos, mudaremos também
nossa realidade estruturada sobre eles, sairemos do Sonho, seremos finalmente senhores de
nosso sentimento, em vez de escravos de desejos criados e emoções condicionadas.

Os desejos e emoções, bem como o sentimento e a capacidade de escolher com o coração,


são faculdades ligadas ao elemento Água e seus três signos, Câncer, Escorpião e Peixes. O
uso adequado dos dons representados por estes signos, respectivamente: a capacidade de
gerar, de transformar e de transcender, é o que nos possibilitará sair dos hábitos
formadores de realidade e abrirá as portas para uma nova dimensão, dentro da qual
podemos ser nós mesmos, livre das amarras e imposições das Leis do Sonho.

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Acontece que, dentro do padrão no qual vivemos, se tentarmos ser pessoas vistas e aceitas
como “normais”, acabaremos por usar justamente as grandes deficiências destes três signos,
suas “anti-virtudes”, os significados que nos conduzem para a estagnação e estratificação de
comportamento e valores: o amuo, a culpa e a razão.

O “amuo” é o caminho que o símbolo de Câncer tem para nos conduzir à manutenção de
velhos hábitos, é o recurso do Sonho para nos impedir de gerar, de criar novas
possibilidades e uma nova realidade. A culpa é o mecanismo estratificador de Escorpião, é
aquilo que impede a transformação, a morte do velho e o nascimento do novo, e finalmente
a razão é o caminho escolhido por aquele que não quer viver a transcendência possível ao
símbolo de Peixes. É o eterno buscar da razão das coisas, seja do sentimento, seja das
percepções que o Coração tem da vida e do mundo. Esta busca de razões sempre vai
encontrar respaldo nas ilusões que nos são impostas.

Para nos libertarmos da rigidez do Sonho do Planeta, para vivermos uma realidade
sintonizada com nossa essência e menos distorcida pela imposição de critérios e valores que
nem sempre coadunam com nosso destino, enfim, para nos libertarmos do amuo infantil,
das culpas inúteis e da necessidade de ter e encontrar razão para tudo, existe um caminho
simples e extraordinário, é o caminho da Verdade e do Coração, por onde podemos
expressar nossos Sentimentos e dar um novo significado à vida, sem medo. Através do
coração podemos viver de fato o triângulo do sentimento que consiste em gerar,
transformar e transcender.

De olho no futuro

Dentro do modelo de pensamento que estamos apresentando neste texto, o Arquétipo que
tem correlação com a questão X – o Meio do Céu do horóscopo, o vértice da cruz que
representa o Futuro, em contraposição à casa IV, o passado – é denominado Rei, o Senhor
da Realidade, a fonte daquilo que é real.

Acontece que a única coisa que nos é permitido reconhecer como realidade se resume
apenas ao que o próprio Sonho do Planeta permite, ou seja, está restrito às informações que
foram decodificadas pelos educadores e implantadas em nossa psique durante a formação
da personalidade. O mundo é o que acreditamos que ele seja, e acreditamos que ele seja o
que nos ensinaram que ele é.

Durante a vida elaborando – através das experiências, dos confrontos e dos desafios que
enfrentamos – um critério muito pessoal de realidade, nossa própria forma de ver e pensar
o mundo. Mas mesmo esse critério pessoal é construído através dos filtros e padrões
estabelecidos e implantados em nós durante a primeira infância, como se fossem scripts

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que precisássemos seguir. Pouco podemos fugir disto, pequena é a distância que podemos
ter do sonho coletivo, da grande ilusão, basta ver os argumentos que estão aflorando em
nossa mente nesse exato instante contrapondo-se a essa idéia, perguntas do tipo “quem foi
que disse isso?”, ou afirmações do tipo “isso é tudo besteira metafísica”.

A experiência ligada à casa X é talvez a mais pertinente ao conceito de Sonho do Planeta, é


a mais vinculada à grande ilusão coletiva, pois nesta área de experiência projetamos todas
as expectativas do que queremos e podemos ser no mundo, como entidades atuantes e
participantes. É a área onde estão indicados com clareza os papéis que temos e que
podemos desempenhar com nossos recursos interiores. Por isso, é nesta casa que
encontramos os elementos através dos quais mais nos identificamos com a coletividade,
com o grupo, com a sociedade como um todo. Por isso é a casa do “status”, que é uma das
maiores preocupações e obrigações que nos são impostas, e que determina muito de nossa
conduta.

A expressão “o que vão pensar de mim?” (ou de você) é uma das mais poderosas formas de
manutenção e redução de nosso comportamento a denominadores comuns determinados
pelas expectativas da coletividade. A realidade pessoal passa a ser identificada pelo que as
pessoas podem pensar de nós ou ver em nós. Nossas ações são delimitadas pela expectativa
dos outros, e nossa capacidade transformar a realidade é modulada pelo desejo e
possibilidade de sermos aceitos ou não pela coletividade mais próxima.

O princípio arquetípico denominado Rei deveria corresponder a um indivíduo – ou a uma


parte de todos nós – capaz de criar novas realidades, transformar seu desejo e suas
intenções em coisas reais. Mas, antes de chegar nesse estágio, o Rei, na fase da formação
de sua personalidade, pode ser reconhecido como uma criança solicitada, uma criança que
nasceu para preencher os vazios da existência da seus educadores, especialmente da mãe e
das personagens femininas. Ela, a criança, ou o indivíduo na fase da formação de sua
personalidade, sente que precisa preencher as lacunas sociais e emocionais deixados pela
“mãe”, precisa redimir e compensar suas frustrações e fracassos e, por intermédio da
modulação de seu sentir gerada por essa condição, identifica qualquer gesto, qualquer
estímulo, qualquer palavra como uma cobrança de performance, de impecabilidade, de
maturidade, como se tivesse que ser adulto antes do tempo, como se não lhe fosse dado o
direito de falhar jamais. Por isso a criança solicitada continua, durante a vida adulta, a
existir dentro de nós e se esforçar todo tempo para mostrar que é capaz de preencher os
vazios e atender as expectativas de realização de outras pessoas, pois parece mais uma vez
que não nos é permitido, pelas leis do Sonho, amadurecermos de verdade e sermos Reis,
senhores da própria realidade.

Os signos que representam esta questão, a de nossa imagem social e da grande cobrança de
postura e sucesso que pesa sobre nós, são os signos de Terra: Capricórnio, responsável
pelos processos de estruturaçã da realidade, Touro, significador da formatação do mundo,
e Virgem, que simboliza os processos ritualísticos de purificação, tanto do indivíduo
quanto da sociedade. Esses três signos e suas casas correspondentes formam o que é
chamado de triângulo da materialidade, ou triângulo das sensações..

Quando, antes de amadurecermos e talvez nos libertarmos dessa imposição de modelos


externos, somos ainda “crianças solicitadas”, percebemos o mundo como um grande
cobrador de comportamento e de postura dentro de seus parâmetros. Em vez de usarmos os

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símbolos astrológicos como caminhos para a nossa estruturação, formatação e purificação
nesse mundo, somos alvos das projeções negativas desses signos, somos vítimas de um
estado constante de tensão e insatisfação. Em vez de sermos estruturadores, somos
escravos da necessidade de vermos tudo como obrigação de viver e fazer pelos outros; em
vez de formatadores da realidade, somos motivados e mobilizados o tempo todo pelo
apego e, em vez de depurarmos e purificarmos o mundo, nossa ação é toda distorcida pelo
perfeccionismo patológico, tão valorizado em nossa cultura.

Este vértice da cruz, o ponto mais elevado dela, funcionalmente análogo à casa X, é talvez
o mais difícil de ser trabalhado no processo de despertarmos e nos libertarmos do Sonho do
Planeta, pois aí nessa área de experiencia, está o filtro de toda realidade social, de toda a
condição de sobrevivência e de dar significado maior à nossa existência. A cobrança é
muito grande, as exigências imensas, o esforço para atender a demanda de posturas e
comportamentos é extraordinário, profundamente desgastante e, na maioria das vezes,
afasta-nos cada vez mais de nossa essência. Quanto mais eu sou “aceito” e torno-me
importante no mundo em que vivo, tanto mais estou comprometido com as exigências de
uma realidade que existe principalmente fora de mim, e cada vez estou mais distante de
meu próprio centro, do núcleo da minha consciência.

Acreditamos que o ego, dentro de uma conceituação aceitável pelo Sonho do Planeta e
pelas pessoas com ele coniventes, é uma referência pessoal que se aproxima e identifica-se
bastante com a décima questão e seus significadores, particularmente Saturno. Libertar-se
da escravidão do ego é ultrapassar os limites representados por Saturno, e isto não significa
negar o ego e sua validade como interface entre o self e a realidade. Acontece simplesmente
que é nossa consciência que vai determinar a cor e o formato da realidade, e não contrário.

As duas questões que envolvem a décima questão e se complementam analogamente com


ela, a II e a VI, são as principais experiências na qual se investe energia pessoal para se
manter atrelado e coerente ao Sonho do Planeta: os valores e os hábitos, a segurança e o
cotidiano. Se pensarmos nisso, encontraremos nestas casas – ou campos de projeção –
portas por onde sair do Sonho e conquistar um pouco mais a consciência de si mesmo.

A casa II é talvez, como V contada a partira da X, a cristalização do meu Status, a


experiência mais fundamental na manutenção e cristalização do estado de ilusão em que
vivemos, pois nos foi ensinado desde a mais tenra infância, e é afirmado o tempo todo pela
mídia e pelas pessoas, que possuir e acumular são as principais condições para ser alguém
neste mundo, dar significado à existência social e conquistar um espaço. Vejam como a
idéia do que cobram da gente em termos de imagem cristaliza-se através da posse e dos
bens que possuímos. Mas como o Espírito não se satisfaz com esta ilusão – apesar da
necessidade física, biológica de sobrevivência e manutenção da vida – algo em nós está
sempre insatisfeitos com o que possuimos.

A insatisfação é uma qualidade feminina, yin, e contrapõe-se ao desejo, também uma


qualidade feminina. A insatisfação é o desejo mal elaborado, não preenchido, inadequado, e
como o desejo só pode se referir a algo que está fora de nós, pois não é possível desejar o
que já temos, acabamos por acreditar que o que pode acalmar esse estado de insatisfação é
algo exterior a nós mesmos. Com isto, afastamo-nos cada vez mais do núcleo da
personalidade e do próprio espírito, que é algo que já temos (ou que nos tem) e que nos

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informa, se tivermos acesso a Ele através da consciência, de que na verdade não há nada a
desejar e, portanto, não há por que viver insatisfeito.

Parece que, sob a ótica do Sonho, aplicada a um corpo, o desejo deve ser preenchido no
plano físico, e a insatisfação é sempre relativa a algo material. Por isso o eterno querer
mais, o acumular desnecessário e angustiante, a obsessão em preservar bens como se neles
residisse a única possibilidade de plenitude e felicidade e, finalmente, a conseqüente
escravidão a este significado que nos é permitido assimilar da casa II e ao signo de Touro. ,

Acredito que alguém que atingiu um certo grau de consciência e liberdade saberá que a
segurança de um homem, sua fortuna, seus bens, suas posses serão medidas muito mais
pela capacidade de dar do que de acumular. Esta é uma mudança de paradigma. No plano
do Sonho, a plenitude é medida em quantidade de bens que possuímos e conseguimos
acumular; no plano da consciência, a plenitude e inteireza é medida pela nossa capacidade
de dar.

Basta começar a “dar” para se libertar deste modelo das Leis do Sonho, basta parar de
atribuir importância exagerada às coisas, aos objetos, livrar-se deles. Basta não se
identificar com o aquilo possui fora de si. Isto não significa uma opção pela miséria, mas
apenas deixar de ser escravo dos bens que se tem, deixar de ser “possuído pelo que possui”,
apenas isto.

Quanto à sexta questão, pode significar uma escravidão ao método, uma exagerada
importância dos hábitos e manias e, com isto, um afastamento da consciência oferecida
pelos pequenos rituais, que nos aproximam do sagrado. Cada pequeno gesto que temos de
repetir, como escovar os dentes ou tomar café da manhã, pode ser uma pequena liturgia, um
procedimento sagrado que nos aproxima de nós mesmos e do aspecto divino que em nós
habita. Mas, de acordo com o Sonho do Planeta, tudo se transforma em hábito justamente
para que não tenhamos esta percepção da importância do cotidiano como um instrumento
de libertação e consciência, ou então, para que não tenhamos a consciência de que já somos
livres e podemos fazer o que quisermos dentro dos limites determinados pelo Espírito e
pela própria condição humana.

Prestar atenção no que se faz, todo tempo, é uma poderosa chave para entendermos nosso
papel no mundo. A casa VI é a IX casa contada a partir da X. Portanto, é a casa da
compreensão e do entendimento, corresponde às experiências que vão compor a equação
que explica nossa realidade, nosso status e compromisso com a coletividade.

Epílogo
Don Miguel diz que existem três domínios que levam as pessoas a se tornar Toltecas
(homens de conhecimento). O primeiro é o Domínio da Consciência, e significa tornar-se
consciente de quem somos, com todas as possibilidades. O segundo é o Domínio da
Transformação, e significa aprender como mudar, como ficar livre da domesticação a que
fomos submetidos. Significa aprender a dizer Não. O terceiro é o Domínio do Intento, e
intento, sob o ponto de vista dos xamãs, “...é aquela parte da vida que torna a transformação
de energia possível. Intento é a própria vida; é amor incondicional. O Domínio do Intento,
portanto, é o Domínio do Amor”.

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Percorrer o caminho entre Eu e o Outro, entre as casas I e VII, é aprender a lidar com o
Espaço, conhecer as Leis que regem o Espaço, tornar-se senhor do movimento, do fluir e
refluir da energia. Podemos percorrer este caminho dentro das regras do Sonho do Planeta,
e aí seremos escravos destas regras. Caminharemos em direção ao “outro” por acharmos
que precisamos dele, e isto nos coloca numa eterna posição de dependência passiva, de
necessidade, e nunca de inteireza. O ato de “necessitar” do “outro” passa a ser mais
importante que o próprio completamento que poderíamos conquistar.

Percorrer o caminho entre o Passado e o Futuro, entre as casas IV e X, é aprender a lidar


com o Tempo, é caminhar com desenvoltura na Roda do Tempo e, com isto, libertar-se de
toda imposição que vem de nosso passado e de todas as regras que nos são impostas pela
cultura exterior a nós mesmos.

Quando o Guerreiro segue este caminho com o Coração, e não com as razões da
necessidade do ser domesticado e submisso ao sonho, ele se transforma, transmuta-se, vira
o que a minha amiga e conselheira Antonia chamou de “Pacificador”, que é o estado
superior do Guerreiro, sua grande conquista.

O Pacificador é alguém que está livre do constante estado de angústia que o Sonho do
Planeta nos impõe para roubar-nos a energia vital, enfraquecer nossa vontade e submeter-
nos.

O Pacificador é um agente da paz. Alguém que conhece a força divina que existe no
coração de todos os homens. É um guerreiro, mas sua tarefa é ser um multiplicador da
consciência e da paz que ela traz.

Seguir o caminho do Coração implica primeiro estar livre da imposição das Leis que não
têm coração, ser imune a elas e ao medo de transgredi-las: seguir apenas as leis do Espírito,
que são na verdade as Leis da natureza, as leis da vida. Para isto, temos que ser capazes de
nos livrarmos de todas as amarras que o passado nos impôs...

Enfim, seguir o caminho do Coração é fazer o que se tem de fazer e jamais olhar para trás.

Valdenir Benedetti
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TEXTO COMPLEMENTAR

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A CRIANÇA INTERIOR, SUA FORMAÇÃO

As percepções descritas abaixo, partem de uma reflexão objetiva sobre as reações


humanas, e quais suas possíveis referencias internas, mapeadas pelo horóscopo, e
analisadas dentro de uma ótica definida pela condição humana experimentada até este
momento da vida, de minha própria vida e da vida de muitas outras pessoas que foram
pesquisadas.
A manutenção dos padrões da realidade é simbolizada por SATURNO e URANO,
ou seja, o último dos planetas visíveis representa os limites do homem, até onde ele pode
chegar, até onde ele pode enxergar, e parece que só podemos chegar, pelo menos nos
ensinaram, até onde podemos enxergar. O planeta que vem logo a seguir, URANO, é o
primeiro planeta do mundo invisível, e representa a liberdade, justamente por ser o
primeiro passo após a superação da estrutura, dos limites simbolizados por SATURNO.
A estrutura social possui vários instrumentos para alimentar-se e manter-se, todos
bastante coerentes com os significados de SATURNO. Em alguns casos, por exemplo, o
medo de perder o que temos, o medo da mudança, o medo de ser livre, as promessas de
que se fizermos o certo, seremos de alguma forma recompensados, ao menos pela
aceitação de nossa personalidade pelo grupo. O castigo é a rejeição, o isolamento, as
acusações de representarmos alguma ameaça. Em geral, os referenciais repressivos e
limitantes da cultura são interpretações distorcidas do significado estruturador de Saturno.
Transforma-se aquilo que deve ser superado e ultrapassado, os limites naturais, em
muros intransponíveis, em barreiras perversas, em argumento aterrorizador para que se
mantenha padrões muitas vezes contrários à natureza das pessoas.
Superar os limites de SATURNO e ingressar no universo dos significados de
URANO não é tão simples. É a passagem do plano pessoal para o transpessoal. O preço
é muitas vezes assustador. Se vale a pena ou não conquistar essa liberdade e esse
estado de consciência, depende de nossa disposição de nos confrontarmos com a
estrutura como ela se apresenta para nós, ou de nos tornarmos independentes dela,
rompendo com o significado parcial de SATURNO. que nos é imposto. É conveniente
lembrarmos que, superar os limites de SATURNO., atingir o que poderíamos chamar de
plano de URANO, pode significara um forte isolamento social, uma rejeição por parte das
pessoas integradas ao sistema vigente de valores. Este é um dos preços que podemos ter
medo de pagar.
A pressão para mantermos os padrões culturais é imensa. Basta olharmos para o
lado contrário, basta fazermos um gesto diferente, manifestarmos qualquer intenção de
transgredir os padrões para que nosso amigos, as pessoas que amamos, sintam-se
ameaçadas, comecem a interpretar nossa atitude como um desequilíbrio ou um mal estar
passageiro. Basta mostrarmos que existem outras alternativas, que poderíamos agir de
forma diferente, que poderíamos seguir nossos instintos, inclusive sem agredir ninguém
para que o julgamento social comece a criar situações constrangedoras em nossa vida.
Mesmo pessoas interessantes, aparentemente liberadas, modernas, reagem até
agressivamente quando nos recusamos a obedecer certas regras que não parecem
concordantes com o que todos acham ser o “certo”.
Observamos nessa pesquisa que o movimento que nos condiciona, que cria o
temor da mudança, começou quando nossa criança interior foi acuada, amarrada,
reprimida até ficar encolhida e assustada dentro de nosso ser.
Apenas a criança aceita o novo. Ela gosta de brincar, aceita situações totalmente
inéditas para ela, e convenhamos que situações inéditas para uma criança são quase
todas as situações. Os adultos, em geral, não estão dispostos a mudar nada em suas
vidas. Adulto é sério, responsável, muitas vezes ranheta e chato. Não aceita brincar com
a vida, não aceita a dança espontânea do vento que nos conduz. Adulto acha que já

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cresceu e não tem mais nada para crescer. Eles querem conservar o que já tem e
acumular sempre mais, insistem em manter os padrões de segurança aos quais estão
acostumados. A criança aceita o novo, a criança aceita crescer, e para impedir que as
pessoas adultas continuem a cresçer e se libertem, é preciso acuar a criança, é
necessário fazer com que as pessoas rejeitem e temam a criança que existe dentro de
nós. Basta ver como tantas vezes ficamos ofendidos quando somos "xingados" de
criança, infantil, etc. Talvez mais do que com qualquer outra ofensa.
Quem representa a criança no horóscopo é a LUA. O signo, a casa e os aspectos
envolvendo este planeta representam as condições nas quais percebemos e
eventualmente reconhecemos essa criança.
É importante observar que SATURNO rege Capricórnio, um signo oposto ao
regido pela LUA, Câncer, e isto representa uma oposição fundamental nos significados
destes dois símbolos. Representa também a complementaridade própria das aposições.
Oposição não é conflito, é complementaridade, é uma condição de busca constante.
Quando uma oposição é resolvida, transforma-se em conjunção e então, vive-se um
estado de plenitude, como por exemplo, quando resolvemos a oposição fundamental
entre as casas I e VII e conquistamos nossa totalidade.
O “dispositor” (regente do signo onde um planeta se encontra) indica os padrões
de imposição e controle sobre esse planeta, no caso de nosso estudo, a LUA. Esses
padrões são facilmente interpretados pela compreensão dos significados da casa onde
ele, o dispositor, se encontra. O regente de um planeta dirige as indicações deste planeta,
independente de formarem aspecto. Como o diretor de uma peça de teatro, que determina
os limites e as variações da performance de um ator, mesmo que não esteja presente em
todas as apresentações deste ator.
Vamos dar alguns exemplos da ação do dispositor sobre a LUA, analisada apenas
sob o ponto de vista da criança interior, pois sabemos dos inúmeros significados possíveis
para este astro. O regente ou dispositor do signo lunar será visto aqui como um
orientador, um educador, uma entidade que determina os limites e as regras que a criança
deve obedecer. Imaginemos o que é que nos impede de tomarmos certas atitudes, o que
nos impede de "chutarmos o pau da barraca" como muitas vezes nosso instinto solicita,
qual o argumento, a desculpa que usamos para justificar o 'não agir', quais os elementos
de nossa formação que justificam a acomodação e o medo de crescer, qual a força em
nós que diz que é sempre melhor ficar como está e finalmente, a quem ou ao que
pensamos estar agradando ou obedecendo quando nos acomodamos e desistimos de
mudar o mundo.
De um modo geral, todos os mecanismos de contenção da criança interior a
apresentam como alguém que atrapalha, alguém muito pouco confiável. Na verdade, é
importante para a estrutura social (SATURNO) reprimir a ameaça representada pela
criança que nos habita (LUA), pois se ela se libertar de suas amarras e questionar a
necessidade de conter sempre os instintos, obedecer sempre as regras, agradar sempre a
seus "superiores", ela (a criança) passa a representar um problema social. Aliás, qualquer
um que questione, que não aceite passivamente as regras impostas (mesmo que
absurdas), é visto como um problema, um rebelde a ser contido, uma ameaça ao estado
normal das coisas.
A sociedade elegeu seus representantes, os pais e educadores em geral. A eles
compete a tarefa de mantenedores de SATURNO, e sua tarefa é mostrar que só é bem
sucedido neste mundo quem obedece as regras passivamente, sem questiona-las.
Podemos observar que é comum pais infelizes exigirem de seus filhos que sigam o
padrão visivelmente insatisfatório de suas existências. Em nome de que? Em nome de
quem?
Podemos sugerir também o surgimento de alguns complexos específicos relativos
à determinação que o dispositor da LUA representa. Estes complexos são sínteses da

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idéia desta relação de dependência relativamente passiva que a LUA tem em relação a
seu regente.

Regente do signo que contem a LUA na casa I:


O "mestre", muitas vezes apresentado sob a forma da mãe ou do pai, diz para a criança
que, se ela não se contiver, não for bem comportada, seu projeto de vida não se realizará,
ela não será ninguém, sua vida não terá significado. Pode se impor a criança uma
necessidade de competir sempre, com a obrigação de vencer todas as vezes, isto inibe
qualquer competitividade, pois se não podemos perder, não nos arriscamos a competir.
Em alguns casos surge a competitividade obsessiva, vencer sempre passa a ser uma
forma de apaziguar o medo de perder.. Quem tem medo de perder, luta o tempo todo
para manter seu lugar, acredita que somente chegar em primeiro lugar, chegar na frente
dos outros, significa vencer, não considera que podem existir também outras formas de
vencer. Observe que os competitivos radicais são quase sempre conservadores, não
aceitam critica ou mudança em suas vidas, são coniventes com os significados mais
rígidos de SATURNO.
Complexo de falta de perspectiva, ou do eterno primeiro lugar.

Regente da LUA na casa II:


O padrão cultural determinado pelo planeta dispositor sugere que a criança não terá valor
se não se submeter às regras, não terá segurança e nunca vai construir nada de
consistente em sua vida. O castigo será a pobreza. O medo de ficar pobre eventualmente
produz comportamentos mesquinhos.
Os educadores desta criança, representados pela casa e signo do planeta dispositor da
LUA, ensinam que, só quem tem pode, e a gente precisa conservar o que tem para
continuar tendo. Dar algo espontaneamente? Só se vier algo em troca.
Em algumas pessoas a questão envolve auto-estima, a estimativa que se faz de si
mesmo, ocorrendo um forte sentimento de pobreza, de não ter valor, de não
merecimento. Pode haver um comportamento de pobreza psicológica, pobreza
emocional, pobreza comportamental, tudo isso como castigo para quem não atender a
expectativa que a sociedade faz.
O regente do signo lunar define, de modo geral, os padrões de comportamento para que
a criança interior de uma pessoa se mantenha sob controle, pois assim o adulto não se
assusta, e nem precisa ficar mudando as coisas em sua vida, como se fosse uma criança
qualquer. No caso dele se encontrar da casa II, os modelos padronizadores sempre
envolvem alguma relação com bens ou com o sentimento de segurança.
Complexo de pobreza

Regente da LUA na casa III:


Ouvir dizer, especialmente durante a infância, que é um "burro", que nunca vai saber
nada, que não conseguirá se explicar, que o que diz e faz não tem sentido, que a
ignorância será seu destino, faz com que qualquer pessoa se torne tímida, viva
assustada, com medo de expressar suas idéias ou sentimentos, especialmente aquelas
que contrariem a expectativa que os outros tem sobre ela. A criança, atada pela medo de
não conseguir se explicar, cria um universo racional, totalmente baseado em palavras e
conceitos lógicos, onde o sentimento e a criatividade é limitado pela capacidade de
descrever, e as descrições possíveis da realidade são circulares e repetitivas, pois se
sustentam em padrões repetitivos.
Pode ocorrer, devido a cobrança constante de explicações que é vivida especialmente na
infância, a necessidade de mentir, inclusive para si mesmo, como alternativa para
sobreviver à pressão mental à qual pode ser submetida essa pessoa.
Complexo de esperteza. (o espertinho é um reacionário que quer levar vantagem sobre
um estado de coisas pré-definido, sempre previsível e imutável)

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Regente da LUA na casa IV:
Toda estrutura familiar conspira para manter esta criança bem comportada. O apego ao
lar é imposto como condição para que seja reconhecido qualquer tipo de amor.
Argumentos como, quem não tem família não presta, ou os parentes são as únicas
pessoas com quem você pode contar ou confiar nesta vida, mantém a criança atrelada
aos dogmas, valores e preconceitos instituídos por aquela família. O passado funciona
como um instrumento de coação. O modelo familiar, determinador da história pessoal,
passa a funcionar como um programa rígido e imutável que não pode ser transgredido. O
passado é sempre melhor que o futuro, e o velho é inegavelmente melhor que o novo, os
parentes são melhores que qualquer outra pessoa e a segurança e proteção daqueles
com quem temos laços de sangue é nossa única esperança de salvação e conforto.
Complexo de família

Regente da LUA na casa V:


O argumento do dispositor, simbolizando as pessoas e circunstâncias da casa sugere que
se a criança não for bem comportada, ela não vai sentir prazer. Em muitos casos, as
experiências prazerosas, sejam de ordem sexual, alimentar ou cultural, por exemplo, são
apresentadas à criança impregnadas da idéia de pecado, são o passaporte para a
punição nos mundos infernais. Outras vezes a afirmação criativa da identidade, sempre
ligada aos mecanismos prazerosos, tem um preço: a obediência, a submissão aos
modelos paternos. A imposição do regente lunar na casa V também pode se manifestar
através da idéia de que criança é ruim, criança não presta, criança enche e precisa ser
controlada e educada. Isso pode nos remeter a uma infância muito infeliz ou a uma
relação muito complexa com as crianças em geral. Inclusive, neste caso, os conceitos de
educação implicam em obediência sem questionamento, dependência e submissão,
conceitos que podem ocorrer em outras configurações envolvendo a formação repressiva
da criança interior. É conveniente ressaltar que a casa V carrega também o significado de
ser a II da IV, ou seja, a forma, a materialização dos conteúdos familiares.
Complexo de adulto (nega as qualidades das crianças, só ser adulto é bom)

Regente da LUA na casa VI:


É sugerida a idéia de que as crianças são inúteis e incompetentes. Só merece o amor dos
educadores, dos pais e adultos em geral, a pessoa eficiente e com uma conduta
impecável, e certamente as crianças não podem ser assim. Portanto, se a criança quiser
ser bem sucedida na vida, precisa trabalhar, obedecer, ser produtiva, responsável e
principalmente, limpa. É claro que a criança não tem esta preocupação, e portanto torna-
se importante para ela manter em segredo a natureza infantil, - que é normalmente
oposta a estas exigências - resguardar-se das ameaças de fracasso, fingir-se adulto, esta
é sua defesa. Inclusive, não obedecer as regras da VI casa pode ser a causa de
somatizações freqüentes.
Pode ocorrer também, dentre os mecanismos repressores da criança interior, a sugestão
de que se a pessoa não for obediente às regras, ela vai adoecer, o que pode ser um
mecanismo gerador de hipocondrias.
Complexo de eficiência, ou de ordem. Complexo de saúde perfeita.

Regente da LUA na casa VII:


A criança recebe a mensagem de que, se não for bem comportada, se não se submeter a
todas as regras culturais e morais sugeridas por seus educadores, o castigo será a
solidão, a rejeição, o relacionamento infeliz. Torna-se muito complicado para esta criança
aceitar a espontaneidade, a alegria de um relacionamento criativo. As associações,
especialmente as afetivas, são situações ameaçadoras para quem liberar seu lado
criança. A perspectiva de ficar só é terrível, e apenas as pessoas responsáveis e sérias,

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conforme lhe foi passado, merecem viver um relacionamento "adequado". É fácil perceber
este modelo educacional nas pessoas que, assim que se casam ou assumem um
compromisso afetivo, tornam-se "sérias", taciturnas, perdem a alegria e a leveza (próprias
do nosso lado criança) como se isto fosse demonstração de leviandade ou
irresponsabilidade.
Complexo do 'bom marido' (ou esposa).

Regente da LUA na casa VIII:


A criança entende que sempre pode existir alguém melhor do que ela, alguém que pode
mais porque possui mais, porque conquistou mais, porque é mais forte ou viril. Ela tem
que se manter em seu lugar para não ser ameaçada pela superioridade ilusória das
outras pessoas. A casa VIII é a II da VII, ou seja, representa também os valores do outro,
a possibilidade do "outro" ser mais ou ter mais do que ela, e isto impõe uma aparente
condição de inferioridade, outro instrumento para se implantar um profundo medo da
transformação, uma mordaça na criança.
Esta imposição dos valores externos como referencias pode gerar um comportamento
invejoso, e a inveja é um veneno amargo que faz a pessoa estacionar no que é e tem, e
nunca se esforçar para ser melhor, para conquistar mais.
O regente lunar na oitava casa também pode gerar uma focalização na morte, no medo
da morte. Afirmações do tipo "se transgredir, se mudar alguma coisa em seu
comportamento, você vai morrer!", povoam as referencias da criança interior e impedem
qualquer movimento para ser feliz e livre. O medo da morte também pode ser sentido
através da sexualidade, especialmente no temor de não experimentar o orgasmo, "a
pequena morte". Todas estar referencias podem funcionar como imobilizadores da
criança.
Complexo de inferioridade.

Regente da LUA na casa IX :


Existe um modelo moral que se impõe sobre a criança interior. Regras, dogmas,
provavelmente religiosos. Parece que a imagem castradora de um Deus sevéro,
conveniente para o sistema, apresentada pelos pais e educadores, cobra e exige da
criança uma conduta moral bastante rígida, só que não é uma moral natural, é na verdade
uma serie de regras estabelecidas para que a criança se sinta limitada e contida.
Tudo que é espontâneo e simples, alegre e puro, parece ser pecado. Tudo que
represente liberdade parece ser algum tipo de desobediência. A criança, atada desta
forma, impede que o ser humano que a abriga obedeça seus instintos, transgrida a ordem
estabelecida por um sistema que nem sempre o faz feliz. Ele sente que ser feliz, estar
contente está vinculado à idéia de pecado, é praticamente um crime. A idéia de "certo e
errado" está sempre entre seus desejos e reais necessidades e a realidade limitadora e
moralista que lhe foi imposta.
O medo de crescer e de sonhar também pode se manifestar com este dispositor lunar, o
medo de ser alguém diferente do que se espera dele é decorrente disso. Ser um bom
cidadão parece ser a sua única e derradeira alternativa, mesmo que o preço disso seja o
sacrifício de sua felicidade e desenvolvimento pessoal. Existe um desenvolvimento, é
claro, mas não é afinado com a própria natureza, esta na verdade muito mais de acordo
com o modelo cultural externo, que muitas vezes não tem nada com a pessoa, gerando
conflitos internos e uma insatisfação constante consigo mesmo.
Complexo de Juiz do bem e do mal.

REGENTE DA LUA NA CASA X:


Uma ameaça constante parece se impor sobre a criança: A idéia de que vão pensar mal
dela, que todos estão observando o que ela faz, que sempre tem alguém de "olho" no

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comportamento dela, tudo isso impede que esta criança aja espontaneamente. Ela
apenas reage aos estímulos externos, se submete aos padrões que lhe foram ensinados,
faz tudo para ser uma pessoa aceitável e responsável, e impede a pessoa adulta de ser
ela mesma. Normalmente este dispositor impõe um modelo externo de comportamento e
torna este cidadão um exemplo de "boa pessoa", mesmo que seja um rebelde, ele
sempre esta reagindo ao padrão social, nem sempre de uma forma consciente. A
sociedade na qual vive é sempre mais importante que ele mesmo! O "status" é muitas
vezes mais importante que a felicidade e a liberdade.
Quem não obedecer as regras não irá progredir, não ocupara um lugar no mundo, não
terá importancia, etc.
Complexo de autoimportancia.

REGENTE DA LUA NA CASA XI:


Seus amigos estão de olho em você, eles te observam e te cobram tudo. A sensação que
a pessoa tem, a partir da referencia que vem da criança interna é que o grupo social está
sempre policiando sua conduta, e se "ela" não se submeter às exigências do grupo, será
abandonada, ficará só, nunca terá amigos, não terá com quem contar se precisar.
A casa XI também representa a cristalização dos contatos associativos (V da VII), e
simboliza o momento no qual o relacionamento se afirma, se fixa, e neste caso, o
dispositor da Lua, como modelo de contenção da criança interior, sugere a
impossibilidade de que algum relacionamento se cristalize e se mantenha. Isto significa
um medo de ousar em função da necessidade de ter relacionamentos estáveis. A idéia é
que os relacionamentos acontecem, mas nunca são realmente consistentes se a criança
interna não se mantiver bem comportadinha, a pessoa pode ser abandonada a qualquer
momento e sofrer a dor de ficar só, a dor do abandono e da rejeição.
Complexo de falta de amigos.

REGENTE DA LUA NA CASA XII - Esta é uma posição complexa, pois pode ocorrer
uma grande dificuldade em reconhecer e aceitar que existe uma criança que pode estar
sofrendo, reprimida e limitada dentro de si mesmo, e que existem mecanismos formativos
que levaram esta criança a se submeter a este tipo de amarras.
A informação que a Lua recebe, a partir de seu dispositor na casa XII, evidentemente
envolve questões muito subjetivas, próprias desta casa, daí a dificuldade de
reconhecimento deste tipo de informação. Ela é mais sutil, talvez mais insidiosa, e a
palavra "culpa" tem um peso muito grande na formação do caráter lunar contido da
pessoa. Castigos divinos são invocados pelos formadores da personalidade. A ameaça
do isolamento cruel, o rompimento com a vida social, através da doença ou de outro fator
isolante qualquer, também aparece com algum peso. A necessidade de sacrificar-se
sempre pelo outro, como uma premissa básica para não ser punido pelo divino, é outro
elemento importante a ser considerado. E o sacrifício principal envolve quase sempre a
obediência a regras e dogmas mal explicados, a submissão às necessidades do outro,
como se fossem as próprias, para não ser renegado e isolado da realidade, enfim, é uma
situação que exige delicadeza para ser abordada, pois dificilmente é reconhecida como
um mecanismo opressor, pela sua subjetividade esta obrigação é vista como um fato
natural da existência. Como se fosse a única alternativa possível.
Complexo de desentendido.

Valdenir Benedetti
Maio/2002

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