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TRAJETÓRIAS DE

DESENVOLVIMENTO
LOCAL E REGIONAL
Uma comparação entre a região Nordeste
do Brasil e a Baixa Califórnia, México

Jair do Amaral Filho e Jorge Carrillo


(coordenadores)

Rio de Janeiro, 2011


© Jair do Amaral Filho e Jorge Carrillo (coord.)/E-papers Serviços Editoriais Ltda.,
2011.
Todos os direitos reservados a Jair do Amaral Filho e Jorge Carrillo (coord.)/
E-papers Serviços Editoriais Ltda. É proibida a reprodução ou transmissão desta
obra, ou parte dela, por qualquer meio, sem a prévia autorização dos editores.
Impresso no Brasil.

ISBN 978-85-7650-289-0

Projeto gráfico, diagramação e capa


Livia Krykhtine

Revisão
Elisa Sankuevitch

Esta publicação encontra-se à venda no site da


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Sindicato Nacional dos Editores de Livro, RJ

T688
Trajetórias de desenvolvimento local e regional: uma comparação entre a região nor-
deste do Brasil e a Baixa Califórnia (México) / Jair do Amaral Filho e Jorge Carrillo
(coordenadores). - Rio de Janeiro: E-papers, 2011.
398p. : il.
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-7650-289-0
1. Planejamento regional - Brasil, Nordeste. 2. Brasil, Nordeste - Condições econômi-
cas. 3. Planejamento regional - Baixa California (México : Península). 4. Baixa Cali-
fornia (México : Península) - Condições econômicas. 5. Desenvolvimento econômico.
I. Amaral Filho, Jair do. II. Carrillo, Jorge. III. Título.

11-0527. CDD: 338.98


CDU: 338.1(8)
Sumário

5 Apresentação

15 Elementos da política de desenvolvimento empresarial: o


caso da Baixa Califórnia, México
Noé Arón Fuentes

37 Globalização, transformações estruturais, desenvolvimento


local e regional, um olhar sobre o Nordeste brasileiro
Jair do Amaral Filho

69 Produtos maduros de alta tecnologia em cadeias globais:


eletrônica e autopeças na fronteira norte do México
Jorge Carrillo

99 A inovação nas indústrias de software da Baixa Califórnia


Alfredo Hualde e Redi Gomis

123 Clusters e sistemas produtivos locais, competitividade e


articulação nas regiões: Baixa Califórnia, México
Sárah Eva Martínez Pellégrini

147 Empresas incentivadas e o perfil exportador do estado do


Ceará em um ambiente globalizado
Maria Cristina Pereira de Melo

171 Em direção a uma integração virtuosa: o caso da economia


baiana
Hamilton de Moura Ferreira Junior, Lúcio Flávio da Silva Freitas e
Fábio Batista Mota
199 Reestruturação da indústria de calçados na região Nordeste
nas décadas 1990/00
Carlos Américo Leite Moreira e Inez Silvia Batista Castro

223 Os arranjos produtivos locais como estratégia sustentável de


redução da pobreza
Eveline Barbosa Silva Carvalho

237 Capacitação tecnológica no Brasil: por que as políticas de


C,T&I são pouco eficazes?
David Rosenthal

265 Inovação, arranjos produtivos e sistemas de inovação


Helena M. M. Lastres e José Eduardo Cassiolato

287 Sudene: do desenvolvimento cepalino ao desenvolvimento


endógeno
Fernanda Ferrário de Carvalho

309 Trajetórias tecnológicas como objeto de política de


conhecimento para a Amazônia: uma metodologia de
delineamento
Francisco de Assis Costa

357 Federalismo fiscal: os efeitos dos fundos de participação


dos estados (FPE) e dos municípios (FPM) na distribuição da
renda inter-regional e interpessoal no Nordeste brasileiro
Marcelo Callado

377 Guiana Francesa: riqueza e fragilidade numa economia


periférica
Yves-A. Fauré

395 Autores
Apresentação

Como todas as transformações econômicas e institucionais, o processo de


globalização tem arregimentado um grande número de adeptos, ao mesmo
tempo que produz um exército de críticos. Esse quadro é perfeitamente jus-
tificado pelos resultados contraditórios gerados por tal processo, cuja sínte-
se está longe de ser visualizada. Enquanto possibilita a retirada de milhões
de pessoas da situação de pobreza na China e na Índia, por exemplo, e até
no Brasil, a globalização causa desconforto entre os países industrialmente
desenvolvidos em razão do deslocamento dos investimentos e da terceiri-
zação da produção manufatureira, resultando na subtração de empregos
nesses países.
Vista por esse ângulo, a globalização tem provocado impactos diferen-
ciados sobre as trajetórias de desenvolvimento local e regional, fazendo-
se sentir por meio de resultados que compõem um quadro ocupado por
regiões ganhadoras e regiões perdedoras, cujo divisor de águas tem sido o
conhecimento e a inovação e, a contragosto de certas correntes de pensa-
mento, projetos e processos de desenvolvimento colocados em prática por
vontades e decisões políticas.
Em vez de seguir clichês analíticos e generalizantes previamente con-
cebidos, é conveniente que sejam feitas observações empíricas e análises
pormenorizadas sobre os impactos da globalização sobre as regiões em seus
variados aspectos, tais como: econômico, social e cultural e, inclusive, de
capacidade criativa. Além disso, concomitante ao exercício de se apurar os
resultados macroeconômicos produzidos pela globalização sobre um país,
é necessário que se realizem pesquisas e reflexões sobre o que acontece,
dentro dele, em nível local e regional, face àquele processo de globalização.
Isso significa dizer que os resultados produzidos por esse fenômeno sobre
as várias regiões e territórios são diferenciados, sobretudo nos casos de paí-
ses de grande escala e que apresentam níveis acentuados de desigualdades
social e espacial. Esses são os casos de países como o México e o Brasil,
respectivamente, em suas regiões da Baixa Califórnia e do Nordeste.
Dentro do contexto descrito anteriormente, é oportuno que se faça uma
reflexão sobre como regiões periféricas, como a Baixa Califórnia do México
e o Nordeste brasileiro, além de algumas outras em posições semelhan-

Apresentação 5
tes, vêm se comportando diante do fenômeno da globalização, das grandes
transformações estruturais e dos acordos comerciais realizados por força
dessas circunstâncias. Nesse sentido, professores e pesquisadores do grupo
de pesquisa Região, Indústria e Competitividade (RIC) da Universidade Fe-
deral do Ceará (UFC) e do Colégio de la Frontera del Norte (Colef), Tijuana,
México, realizaram um seminário internacional para analisar e discutir as
trajetórias recentes do desenvolvimento local e regional de suas respectivas
regiões. Tal seminário ocorreu entre os dias 29 e 30 de outubro de 2008 na
Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade, Atuárias e Secreta-
riado (FEAACS), campus Benfica da UFC, cidade de Fortaleza, Ceará, Brasil,
com o apoio do Banco do Nordeste do Brasil (BNB), da UFC e do Instituto
de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
O livro ora publicado acolhe os resultados, em forma de artigos/capí-
tulos, de trabalhos levados a cabo por pesquisadores pertencentes aos dois
grupos de pesquisas referidos anteriormente e que foram apresentados no
referido seminário, cujo título foi “Trajetórias de Desenvolvimento Local e
Regional: uma comparação entre as regiões da Baixa Califórnia (México)
e o Nordeste brasileiro”. Entretanto, alguns artigos de autoria de pesquisa-
dores de outras instituições, abordando questões conceituais e teóricas ou
fazendo referências a outras regiões, também participaram deste projeto,
não só pela relevância dos trabalhos desses pesquisadores, mas também
pela importância e pertinência dos temas tratados em relação às trajetórias
das duas regiões aqui focalizadas.
O Capítulo 1, de Noé Aron Fuentes, trata da realidade da Baixa Califór-
nia, no México. O autor descreve, de forma minuciosa, a política de desen-
volvimento empresarial baseada em clusters implementada nessa região.
Trata-se de um enfoque de agrupamentos econômicos, tanto industriais
como de serviços, que foi adotada como política industrial nesse estado
devido à mudança no entorno econômico-empresarial e também nas fontes
de competitividade. O trabalho sintetiza a política em duas vertentes: voca-
ções produtivas e fomento e desenvolvimento de clusters. Essa metodologia
constitui uma referência fundamental para a definição de critérios, recur-
sos, organização e seleção de políticas públicas de promoção econômica e
industrial em nível local.
De acordo com o autor, os antigos instrumentos de política perderam
eficácia e atratividade frente à flexibilidade das instituições encarregadas
da sua gestão, à capacidade de conexão com o mundo empresarial, o de-
senvolvimento e fortalecimento de clusters locais espontâneos e os serviços
reais para as empresas. Daí a razão de o modelo de clusters adotado ter
se convertido em motor “público” de competitividade do estado, baseado
fundamentalmente nas capacidades empresariais e institucionais e na si-

6 Apresentação
nergia conseguida pelas firmas multinacionais com as pequenas e médias
empresas locais.
No Capítulo 2, que trata das transformações estruturais na região Nor-
deste do Brasil, Jair do Amaral Filho esboça um desenho de agenda de
pesquisa para essa região, colocando-a sob as influências das grandes trans-
formações mundiais, nas quais a globalização tem sido uma protagonista
privilegiada. Além desta, o autor relaciona ainda outros elementos que vêm
assumindo responsabilidades importantes dentro do processo de mudança
estrutural em escala mundial. A questão central, discutida no início do arti-
go, está relacionada com os impactos provocados por essas transformações
sobre as realidades regionais, assim como sobre o pensamento acadêmico
e as políticas públicas de desenvolvimento regional. No restante do artigo,
o autor procura recuperar alguns traços históricos e institucionais do de-
senvolvimento do Nordeste e constrói um panorama no qual se sobressaem
algumas pistas de pesquisa para que se possa explorar as transformações
estruturais da região.
No Capítulo 3, Jorge Carrillo analisa as empresas “maquiadoras” de ex-
portação na região fronteiriça do norte do México. Após descrever o modelo
de industrialização voltado “para fora” e baseado no investimento direto
estrangeiro, que busca a eficiência na exportação, se pergunta se o mo-
delo das “maquiadoras” está esgotado? Expõe, em primeiro lugar, o forte
crescimento e a competitividade alcançada pelas indústrias, desse modelo,
desde os anos 40, em particular com a implantação do Nafta. Em segun-
do lugar, analisa os diferentes tipos de empresas “maquiadoras” existentes,
concluindo que há um processo de evolução. Por último, mostra os limites
deste modelo de industrialização e as crises recentes do setor. No artigo, são
analisados os setores emblemáticos da “industrialização via maquiadoras”:
o cluster de autopeças de Juarez (fronteira com El Paso, Texas) e o cluster
da indústria de televisores em Tijuana, Baixa Califórnia (fronteira com San
Diego, Califórnia). Conclui que as empresas “maquiadoras” têm mantido
um razoável dinamismo acompanhado de profundas transformações, que
podem ser entendidas como um processo de evolução industrial (upgra-
ding), mas com fortes limitações derivadas fundamentalmente do seu cará-
ter extrovertido. Em outras palavras, muitas decisões cruciais são tomadas
fora do México, pelas matrizes das firmas multinacionais, que repercutem
em locais nos quais carecem de aglomerações territoriais (ou seja, no norte
do México).
No Capítulo 4, Alfredo Hualde e Redi Gomes abordam a indústria de
software na Baixa Califórnia e descrevem sua recente conformação, em
2004, estruturada sobre um tecido empresarial construído a partir das mi-
cro, pequenas e médias empresas locais vinculadas tanto à indústria ma-

Apresentação 7
quiadora de exportação como ao mercado regional. Trata-se de um cluster
induzido pela política pública de desenvolvimento. Os autores analisam os
processos de inovação e constatam que são de caráter incremental e que
se dão tanto em forma de produto quanto de serviço. Dentre suas observa-
ções, os autores indicam que a inovação depende tanto de fontes externas
(clientes, a exemplo das empresas “maquiadoras”) como de fontes internas
(departamentos e pessoas encarregadas da comercialização). Assinalam,
também, que as universidades e centros de pesquisa têm papel secundário
nesse processo. Por último, concluem que os empresários agrupados em
cluster de software não valorizam as inovações organizacionais e, em certo
sentido, sua preocupação pela certificação é baixa.
No Capítulo 5, Sárah Martínez analisa as bases do desenvolvimento da
Baixa Califórnia, no qual menciona que sua economia, apesar de ganhado-
ra, tem mantido um padrão de crescimento calcado em uma estratégia de
competitividade não diferente daquela baseada em fatores tradicionais (en-
torno geográfico com os Estados Unidos e o baixo preço da mão de obra).
Reconhece que o processo de integração econômica com este último país
tem reforçado o modelo de especialização produtiva na Baixa Califórnia,
mas que ainda é baixo o grau de articulação para poder consolidar um sis-
tema produtivo local voltado para as especificidades regionais.
Desta maneira, a autora considera que, apesar dos clusters existentes,
não se pode falar da existência de um sistema produtivo local com um nível
avançado de integração. Não obstante, vê com certo otimismo a política
orientada para os clusters, já mencionada no primeiro capítulo deste livro,
uma vez que pode ser um bom início para se conseguir mudanças do en-
foque tradicional e valorizar uma proposta de desenvolvimento territorial
marcada pela consolidação de um sistema produtivo local com característi-
cas próprias. Em particular, o artigo analisa as potencialidades dos clusters
vinícolas e dos serviços médicos, que apresentam maiores possibilidades
de êxito dado que sua competitividade está baseada na cooperação e na
qualidade.
No Capítulo 6 é abordada a questão do perfil exportador das empre-
sas incentivadas no Estado do Ceará, dentro de um ambiente globalizado,
sob a responsabilidade de Maria Cristina Pereira de Melo. A autora parte
do ponto de que o Ceará tinha uma economia pouco aberta ao comércio
exterior até a década de 1990. No ambiente globalizado, a reação esta-
dual à abertura comercial da economia brasileira começa a se fazer sentir
de maneira significativa a partir de 1999, evidenciada pelo movimento as-
cendente das exportações. O incremento das vendas externas do estado a
partir daí, segundo a autora, foi resultado, em grande medida, de políticas
públicas estaduais que, associadas às características da demanda mundial e

8 Apresentação
do comportamento de seus principais parceiros, chegaram a mudar o perfil
da pauta. O estudo analisa o comércio exterior do Ceará no que se refere
às características e às tendências das transações no período 1990-2007 a
fim de avaliar as alterações verificadas no comércio estadual a partir dos
incentivos concedidos pelo governo do estado e o papel das empresas bene-
ficiadas nesse processo.
No Capítulo 7, Hamilton Ferreira Jr., Lúcio Flávio Freitas e Fábio Mota
exploram aspectos da chamada integração vertical, segundo definição dos
próprios autores. O artigo tem por objetivo discutir a inserção econômica
do Estado da Bahia. Para tanto, apresenta, primeiramente, um panorama
breve dos padrões de comércio exterior e de especialização das economias
mundial e baiana. Em seguida, discute alternativas para a inserção da eco-
nomia da Bahia a partir de duas oportunidades disponíveis, a saber, o aden-
samento da cadeia produtiva através do Complexo Industrial Ford Nordeste
e a valorização dos setores intensivos em recursos. Finalmente, afirma-se a
relevância do papel do Estado como agente fundamental para o desenvol-
vimento das condições sistêmicas requeridas para que a referida economia
possa superar os desafios e caminhar rumo a uma inserção virtuosa.
O Capítulo 8 trata do aspecto da reestruturação da indústria de calçados
na região Nordeste nas duas últimas décadas. Nesse capítulo, Carlos Améri-
co Leite e Inez Silvia Castro objetivam analisar o processo de relocalização
da indústria calçadista nacional para a região Nordeste do Brasil. A ideia,
segundo os autores, é que a retomada dos fluxos de capitais e a abertura
comercial possibilitaram maior homogeneização tecnológica em nível mun-
dial, acentuando, assim, a concorrência via preço no segmento intensivo em
mão de obra. Dessa forma, são analisados os comportamentos dos preços
no comércio internacional da indústria calçadista nordestina e do custo da
mão de obra. Os autores constatam que há indícios de que esta seria uma
cadeia global dirigida pela comercialização e que o setor, no Nordeste, tem
buscado a manutenção dos preços internacionais mesmo após a apreciação
cambial de 2004 no Brasil.
No Capítulo 9, Eveline Barbosa aborda a questão dos arranjos produti-
vos locais como estratégia de redução da pobreza. O artigo procura mostrar
a importância dos arranjos produtivos locais como estratégia sustentável
de redução da pobreza e como caminho para a migração de programas
como o Bolsa Família para uma atividade de geração de renda e estímulo à
cidadania. O principal argumento, colocado pela autora, se baseia no fato
de os APLs criarem oportunidades de emprego e renda e propiciarem a ca-
pacitação. Os resultados da investigação para o Estado do Ceará apontam
para um impacto positivo dos APLs na redução da pobreza. Embora não se
possa atribuir o mérito exclusivo aos arranjos, as estimativas mostram que

Apresentação 9
a proporção de pobres se reduz quando existe um APL no município. Isto
abre margens para se afirmar que o fortalecimento dos arranjos produtivos
locais funcionaria como estratégia alternativa e eficiente de combate à po-
breza por permitir a sustentabilidade e o deslocamento gradual em direção
à inserção produtiva.
No Capítulo 10, de autoria de David Rosenthal, discute-se a questão
da capacitação tecnológica no Brasil, a partir da pergunta “por que, neste
país, as políticas de Ciência, Tecnologia e Inovação são pouco eficazes?”.
Constata-se que, na última década, as políticas voltadas para o desenvol-
vimento da capacidade de inovação vêm recebendo crescente atenção e
recursos no Brasil. Apesar disso, segundo o autor, inúmeros estudos vêm
mostrando que, no que diz respeito à inovação tecnológica, os resultados
dessas políticas têm ficado bem aquém do desejado. Em sua opinião, res-
ponsáveis pela formulação das políticas de C&T citam, com frequência, o
“paradoxo” da falta de resposta do setor produtivo em termos da absorção
de pesquisadores formados pelas universidades, registros de patentes por
empresas nacionais e elevada concentração das exportações em produtos
de baixo nível de complexidade tecnológica – e da quase inexistência de
marcas nacionais, nos setores mais dinâmicos da economia mundial. Por
isso, a maioria das políticas visa a induzir e incentivar o setor produtivo a
incorporar a introdução de inovações em suas estratégias de negócios via
redução dos custos dos inputs necessários a essa atividade e das incertezas
a ela inerentes.
Levanta-se no trabalho a hipótese de que, no Brasil, o setor produtivo
apresenta características estruturais que neutralizam os efeitos das políti-
cas, assim como os dos avanços no subsistema científico-tecnológico. O bai-
xo nível de resposta, as políticas exitosas em outros contextos, decorreria
de más-formações presentes nesse setor. Essas distorções, segundo o autor,
foram acentuadas pela política econômica implantada a partir da década de
1990, que extinguiu todos os mecanismos de estímulo às empresas nacio-
nais e, com eles, as sementes de setores de alta tecnologia criados nas duas
décadas anteriores. Por fim, sugere-se que, no Brasil, políticas de capacita-
ção “convencionais” são ineficazes e precisam ser “aprofundadas”. Para o
autor, além de estimular o setor científico-tecnológico e criar condições am-
bientais favoráveis à inovação, elas devem ser orientadas para a criação da
pré-condição essencial para que deem resultados: a criação/fortalecimento
de segmentos do aparelho produtivo nacional nos setores mais dinâmicos e
intensivos em tecnologia avançada.
No Capítulo 11, Helena Lastres e José Eduardo Cassiolato apresentam
uma reflexão sobre a relação entre inovação, arranjos produtivos e sistemas
de inovação. Em seu artigo, partem da constatação de que há um renova-

10 Apresentação
do e vigoroso reconhecimento da importância dos processos de inovação
e mudança tecnológica na evolução do capitalismo e na competitividade
do setor produtivo a partir das duas últimas décadas do século XX, graças
à realização de estudos teóricos e empíricos que levaram a um acúmulo
considerável de conhecimento, ao mesmo tempo que ocorreram mudanças
nos referenciais para modelos analíticos e plataformas de políticas voltadas
para a inovação. Para os autores, dentre os avanços constatados, talvez o
mais significativo esteja na mudança de foco das ações e das políticas – de
um foco individual para um foco coletivo – na obtenção de conhecimento e
na difusão das inovações.
Assim, os autores estabelecem como objetivo do trabalho retomar as dis-
cussões sobre o avanço no entendimento do conceito de inovação – assim
como de seus desdobramentos: arranjos e sistemas produtivos e inovativos
–, visando descortinar suas implicações para políticas. Para isso, examina-
se, primeiramente, a visão schumpeteriana sobre inovação e sua transfor-
mação gradual a partir do final dos anos 1960 e desaguando na formulação
do conceito de sistemas de inovação. Em seguida, o artigo discorre sobre as
implicações para políticas a partir dos principais avanços obtidos no enten-
dimento de inovação e de sistema de inovação, examinando suas vantagens
e desafios como novo instrumental analítico e normativo. Mais adiante, os
autores introduzem a experiência brasileira na utilização e no desenvolvi-
mento desse conceito de forma a torná-lo operacionalmente capaz de com-
preender e orientar processos de geração, uso e difusão de conhecimentos.
Na conclusão, são retomados os principais elementos da análise realizada e
discutidas suas consequências para a formulação de políticas no Brasil.
No Capítulo 12, Fernanda Ferrário apresenta um estudo sobre a trajetó-
ria da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene). Esse
artigo tem como propósito analisar as principais correntes teóricas que in-
fluenciaram essa instituição, ao longo de sua existência, na adoção da po-
lítica de desenvolvimento regional no Nordeste brasileiro. De acordo com
a autora, pretende-se compreender como, por que e em que momento a
Sudene abandona, do ponto de vista teórico, o paradigma cepalino e passa
a assumir outros matizes teóricos. Foram identificados quatro momentos
principais: (i) de sua criação até 1964 (quando ocorre o Golpe Militar e
Celso Furtado é forçado a deixar a Superintendência); (ii) até o final dos
anos 80, quando a Sudene, já bastante enfraquecida e influenciada pelos
Polos de Desenvolvimento de François Perroux, passa a adotar sua política
de incentivos, destinada a criar/fortalecer grandes polos de desenvolvimen-
to na região; (iii) do início ao final dos anos 90, quando o órgão, apesar
de ainda manter sua política de incentivos, abandona a ideia dos grandes
polos e passa a adotar o paradigma do desenvolvimento sustentável, in-

Apresentação 11
cluindo o meio ambiente como elemento importante do desenvolvimento; e
(iv) a partir do final da década de 90, quando a Sudene, influenciada pelas
diversas correntes teóricas de desenvolvimento local, passa a desenvolver/
incentivar diversas iniciativas locais, tendo como pressuposto o desenvolvi-
mento endógeno.
No Capítulo 13, Francisco de Assis Costa aborda as trajetórias tecnoló-
gicas colocando-as como objeto de política de conhecimento para a Região
Amazônica, pretendendo, com isso, estabelecer uma metodologia de deli-
neamento. Segundo o autor, a relação entre o conhecimento apropriado
no processo produtivo e as características atuais e possibilidades futuras
de desenvolvimento de base agrária na Amazônia tem merecido uma rica
reflexão entre policy makers e advisers em posições relevantes no campo
científico e tecnológico. Com isso, se reconhece, cada vez mais, que para
se fazer frente às grandes tensões por que passa a região, mediante a crise
ecológica por trás do aquecimento global, há a necessidade de subverter
a produção de ciência e tecnologia e a atitude do Estado, revertendo a
abordagem em relação à região: daquela atual, que a considera uma econo-
mia de fronteira baseada em produtividade espúria, para outra, que a trate
como uma fronteira do capital natural.
O artigo, segundo o autor, procura tornar claras as dificuldades de tal
reviravolta, tendo em vista uma série de razões: (i) entre uma sociedade
baseada em economia de fronteira e uma sociedade que seja fronteira de
capital natural há o abismo cognitivo criado pela razão industrialista e seus
padrões de relação com a natureza, na forma de um paradigma de moder-
nização industrial da agricultura, por si muito poderoso; (ii) entre institui-
ções de acúmulo de conhecimento tácito e as de conhecimento codificado
há a incongruência de suas respectivas matrizes, desde a profunda distinção
nas percepções de sujeito e objeto, até a visão de finalidade e sentido; (iii)
nos clusters e aglomerados locais residem assimetrias profundas, onde os
paradigmas e padrões de relação com a natureza e a natureza dos paradig-
mas organizacionais consolidam práxis e atitudes profundamente distinti-
vas – dos sujeitos da produção material entre si e entre esses e os sujeitos
da formação e controle do conhecimento.
Por fim, com resultados da aplicação de técnicas de análise fatorial e de
componentes principais aplicadas a uma base especial de dados do Censo
Agropecuário de 1995-96, regionalizados em nível de microrregião, o arti-
go delimita seis trajetórias tecnológicas na Amazônia. Nelas, as diferenças
são especificadas a partir da diversidade estrutural e dos tipos de agentes.
Isso posto, verificam-se a importância social, a coerência com os critérios
privados dominantes, as características tecnológicas expressas nas dispo-
nibilidades de capital físico e nas relações com os fundamentos naturais

12 Apresentação
disponíveis, além do grau de favorecimento em relação aos mecanismos da
política agrária. Uma vez expostas as trajetórias e suas posições paradigmá-
ticas, a capacidade respectiva de concorrência e dinâmica demonstrada nos
últimos 10 anos, o artigo discute opções estratégicas, indicando a necessi-
dade de esforços institucionais objetivos para tornar mais consistentes os
fundamentos das trajetórias que poderiam favorecer um desenvolvimento
com maior esperança de sustentabilidade (social e ambiental).
No Capítulo 14, Marcelo Callado apresenta resultados de estudo sobre
os impactos dos Fundos de Participação dos Estados (FPE) e dos Fundos de
Participação dos Municípios (FPM) na distribuição da renda inter-regional
e interpessoal no Nordeste brasileiro, dentro do contexto do federalismo
fiscal nacional. O autor argumenta que os fundos de participação não têm
contribuído para uma melhoria no diferencial de renda entre os estados
mais prósperos e os menos afortunados da federação brasileira. Embora
nos últimos anos os estados mais pobres tenham se deparado com taxas
de crescimento econômico ligeiramente superior aos estados mais ricos, os
fundos de participação não tiveram quase nenhuma influência nesse pro-
cesso. O trabalho procura mostrar que o problema da desigualdade regional
é menor que o da desigualdade de renda interpessoal familiar. Além disso,
o artigo defende que as dinâmicas do crescimento econômico e do nível de
escolaridade são mais importantes para explicar as diferenças de renda que
as transferências inter-regionais.
No Capítulo 15, Yves-A. Fauré oferece uma análise sobre as contradições
que envolvem riqueza e fragilidade numa economia periférica, mostrando
o caso da Guiana Francesa. Este caso, embora encontrando-se fora das duas
regiões aqui focadas, permite visualizar um caso típico de região periférica
vivendo das transferências financeiras da metrópole. A Guiana Francesa
está situada entre o Suriname e o Brasil e apresenta as características de
uma economia periférica. Trata-se de uma região muito afastada geogra-
ficamente das autoridades e administrações centrais e que durante muito
tempo foi diretamente administrada pelo aparelho do Estado francês. Ape-
nas recentemente foi organizada em coletividade pública descentralizada.
Se os seus dados sociais e infraestruturais são qualitativamente relevantes,
e se os seus indicadores econômicos atuais demonstram uma evolução sig-
nificativamente positiva, a dinâmica assim observada deve pouco às forças,
aos agentes e aos mecanismos internos e muito às transferências financeiras
e iniciativas, programas, atividades e investimentos vindos do exterior e,
principalmente, da metrópole. A Guiana tem, portanto, as características
de uma região periférica, ou seja, de uma entidade que não é plenamente
soberana dos seus recursos, das suas decisões e da sua evolução.

Apresentação 13
Os dados apresentados neste estudo e as análises realizadas pelo au-
tor sobre o funcionamento da economia da Guiana confirmam a situação
paradoxal desse território. Beneficia-se de um importante crescimento há
uma quinzena de anos, apresenta políticas voluntaristas, atinge níveis de
atividade, de rendimentos e de bem-estar social claramente superiores aos
países da região. No entanto, pode-se constatar que as alavancas desta evo-
lução positiva situam-se principalmente fora e que muitas características
estruturais da economia da Guiana e vários mecanismos essenciais que as-
seguram o financiamento têm por efeito contribuir para perpetuar a sua
dependência externa. Assim, a Região ainda está longe de poder realizar,
pela mobilização das suas próprias forças e das suas vantagens, o potencial
de desenvolvimento autônomo que a colocaria ao abrigo dos riscos e so-
bressaltos vindos da parte externa e, sobretudo, que a veria dominar o seu
próprio destino.
Por fim, em nome de todos os autores, os coordenadores deste livro
agradecem àquelas pessoas e organizações que, com seus apoios, tornaram
possível sua publicação. Dentre essas estão Roberto Smith, presidente do
Banco do Nordeste do Brasil (BNB); José Sidrião Alencar, diretor de Ges-
tão do Desenvolvimento do BNB; José Narciso Sobrinho, superintendente
do Etene do BNB, cujos apoios institucional e financeiro foram decisivos;
e Jesualdo Pereira Farias, reitor da Universidade Federal do Ceará (UFC);
Direção do Colef; Maria Naiula Monteiro Pessoa, diretora da FEAACS; e
Marcus Vinicius Veras Machado, presidente da Acep, pelos apoios institu-
cional e administrativo.

Jair do Amaral Filho


Jorge Carrillo
San Diego, Califórnia, inverno de 2011

14 Apresentação
Elementos da política de desenvolvimento
empresarial: o caso da Baixa Califórnia, México1,2

Noé Arón Fuentes3

1. Introdução
O governo do Estado da Baixa Califórnia, México, dentro do espectro do
sistema de políticas de fomento que impulsionam a competitividade da em-
presa e território, está realizando uma “Estratégia de Clusters” para forta-
lecer de maneira organizada e cooperativamente alguns dos setores mais
importantes, estratégicos ou emblemáticos desta entidade federativa.
Neste sentido, as ações públicas e privadas se centraram em torno de se-
tores e agentes relevantes – baseadas em critérios como o peso da indústria
na base econômica, a estrutura empresarial e o nível de desenvolvimento
organizacional –, com o objetivo de potencializar coordenadamente e jun-
tar suas respectivas competências tendo as empresas envolvidas nos clusters
prioridade para acessar os programas de apoio oficiais.
Um primeiro ponto a ser ressaltado é que a “eficiência da política de
clusters” depende de três regras básicas: 1) identificação dos clusters e diag-
nóstico de suas fortalezas e debilidades; 2) seleção das políticas de acordo
com o impacto esperado sobre o cluster; e 3) a geração de acordos de coo-
peração interempresarial para priorizar as ações sobre os pontos estratégi-
cos do mesmo. Desta maneira não somente se fomenta a competitividade,
por meio do enriquecimento do entorno, como também se contribui para a
diversificação do tecido produtivo e ao crescimento econômico estatal.
Um segundo ponto importante é um aspecto fundamental para obter a
“eficácia da política de clusters” que constitui o grau de comunicação exis-
tente entre os agentes implicados nas mesmas, no qual a interação relati-
vamente contínua, o mútuo conhecimento e a confiança constituem não

1. Documento baseado na Política de Fomento e Desenvolvimento de Clusters do Estado da


Baixa Califórnia, Secretaria [Ministério] de Desenvolvimento Econômico, Estado da Baixa Ca-
lifórnia.
2. Tradução de Maria do Carmo Cardoso da Costa e Maria del Carmen Thomas.
3. Diretor do Departamento de Estudos Econômicos de El Colegio de la Frontera Norte e SNI
Nível III.

Elementos da política de desenvolvimento empresarial 15


somente um capital social de indubitável valor, como também uma fonte
fundamental de sinergias.
O presente trabalho tem como propósito sintetizar a “Política de De-
senvolvimento Empresarial” na suas duas vertentes, o “Estudo de Vocações
Produtivas do Estado da Baixa Califórnia” e o “Estudo de Fomento e Desen-
volvimento de Clusters” na espera de que seja um guia útil, rápido e aces-
sível para os que tenham interesse de conhecer a política empresarial e in-
dustrial do Estado da Baixa Califórnia. Entidade Federativa que atualmente
ocupa o terceiro lugar em competitividade das 32 entidades federativas da
República Mexicana.

2. Marco teórico
A teoria do desenvolvimento endógeno estabelece que o desenvolvimen-
to econômico das regiões deve apoiar-se nos recursos existentes em seu
território com o fim de alcançar melhores níveis de vida para a população
local. Assim as estratégias de desenvolvimento econômico local têm como
prioridade o desenvolvimento de territórios com capacidade competitiva,
propondo como objetivos: o desenvolvimento e a reestruturação do sistema
produtivo, o aumento do emprego, e a melhoria do nível de vida da popu-
lação local (VÁZQUEZ BARQUERO, 1986).
Este novo paradigma tem como variável fundamental o território, en-
tendido como uma agrupação de relações sociais, culturais, produtivas,
econômicas e políticas. Nesse território ocorrem as reestruturações a fun-
do e se estabelecem encadeamentos produtivos importantes que por meio
de estratégias de desenvolvimento econômico local podem reforçar-se e
converter-se em fonte de vantagens competitiva, através da utilização dos
recursos potenciais do território (GAROFOLI, 1995:56; PADILLA, 1996:17).
Dos elementos do território mencionados o que nos interessa para propósi-
tos deste trabalho é o da possibilidade de gerar competitividade do sistema
produtivo local.
Em termos gerais, a competitividade de uma organização empresarial,
ou estendendo a perspectiva, de uma agrupação setorial de empresas lo-
calizadas em um território determinado, consiste na sua capacidade para
manter ou incrementar sua participação na oferta de seus mercados de refe-
rência e/ou abrir novos mercados, servindo-se do incremento da eficiência
(produtividade) e eficácia (qualidade e dinâmica do produto, capacidade
de acesso aos mercados e adaptabilidade e criatividade da organização) e
fazendo com que seja compatível com a elevação da entrada real, a melho-

16 Elementos da política de desenvolvimento empresarial


ria das condições de vida e trabalho dos atores que intervém no processo
produtivo.
Para que uma empresa ou setor seja competitivo em um território depen-
derá da disponibilidade de alguma vantagem competitiva em relação a seus
opositores comerciais. A vantagem competitiva poderia derivar-se de uma
ou um sem-fím de inter-relações produtivas que surgem no território e dos
processos de aprendizagem manifestados nele. Desta maneira, na medida
em que as relações territoriais estejam mais desenvolvidas, menos vulnerá-
vel a choques externos será uma região(ões) (DUSSEL, 1997:23). Tudo isto
implica fortalecer os vínculos do tecido produtivo no âmbito territorial.
Existem dois autores que tratam sobre o reforço dos vínculos do tecido
produtivo. O primeiro, Porter, menciona que uma estratégia de desenvol-
vimento buscaria fortalecer o que chama clustering ou “agrupamento”, isto
é, a agrupação entre empresas de um determinado setor com uma série
de empresas ou setores de apoio relacionados com sua atividade (ESPINA,
1995). Neste sentido, Porter assinala que a vantagem competitiva dificil-
mente acontece por setores isolados porque os países tendem a ter suces-
so em clusters ou agrupamentos de setores inter-relacionados (PORTER,
1991:113). Do mesmo modo, menciona que a composição e fontes de van-
tagens (desvantagens) de cada um destes clusters refletem o estado de de-
senvolvimento de uma economia determinada.
Portanto, a vantagem competitiva dos clusters dependeria da intera-
ção do que ele chama de “os determinantes da competitividade” (Porter,
1991:110-183):4
De acordo com as colocações de Porter:
° Ao aumentar a densidade de relações intersetoriais que se produz em
um cluster este seria mais competitivo.
° Quando um cluster demonstrar ter uma clara vantagem competitiva no
mercado, é recomendável concentrar nele os esforços da política indus-
trial e a cooperação entre empresas.

4. Os determinantes da competitividade são os seguintes: 1) condições dos fatores, que são os


aspectos relacionados com os fatores de produção (recursos humanos e naturais, capital, in-
fraestrutura) que um setor determinado tem para competir; 2) condições da demanda, que está
referida à composição da demanda intermediária, sua magnitude, pautas de crescimento e in-
ternacionalização, dos produtos ou serviços do setor; 3) setores conexos e de apoio, são aqueles
que podem compartilhar atividades da cadeia de valor entre uns e outros setores ou transferir
técnicas próprias de um setor a outro; 4) estratégia, estrutura e rivalidade da empresa, contexto
em que se criam, organizam e gerenciam as empresas pela natureza da rivalidade interna;
5) casualidade, aqueles acontecimentos que criam descontinuidades e propiciam mudanças
na posição competitiva (exemplo: as mudanças nos mercados financeiros); e 6) governo, seu
papel é atuar na criação de fatores, intervindo principalmente em política educativa, ciência
e tecnologia, política de inovação, infraestrutura, informação, desenvolvimento de mercados
de capital etc.

Elementos da política de desenvolvimento empresarial 17


Por outro lado, Alberto Hirschman (1958) estabelece a necessidade de
reforçar os encadeamentos entre setores produtivos. Identifica dois tipos de
ligações (HIRSCHMAN, 1958:106-107; STUMPO, 1997:28-29):
° Encadeamentos para trás: levam a novos investimentos na capacidade
produtiva dos insumos. Significa a capacidade que tem um setor de ar-
rastar diretamente aos setores ligados a ele (compras).
° Encadeamentos para frente:: permitem aumentar as indústrias que uti-
lizam o produto em questão. A interpretação é que a atividade de um
setor possibilitar o funcionamento dos outros ligados a ele (vendas).
A ideia de Hirschman é que o crescimento econômico pode acelerar-
se mediante à canalização de investimentos em atividades que apresen-
tam fortes efeitos de encadeamentos para trás e para frente (HIRSCHMAN,
1958).
Deste modo, sabemos que Porter e Hirschman coincidem em que devem
canalizar-se esforços para aqueles clusters, ou em direção àqueles setores
mais encadeados, que têm sido identificados como competitivos e chaves
para o desenvolvimento econômico de uma região.
Finalmente, Porter assinala que é necessário fazer uma identificação de
clusters já estabelecidos e quais são os potenciais, assim como identificar
os encadeamentos intersetoriais para ter conhecimento do grau de inter-
relação existente entre os diversos sectores. Fuentes e Martínez-Péllegrini
(2002:14) estabelecem que a identificação de clusters e encadeamentos in-
tersetoriais pode fazer-se utilizando dois instrumentos complementares:
1. Quantitativamente. Identificando a proporção de concentrações e as re-
lações comprador-fornecedor através de modelos interindustriais.
2. Qualitativamente. Mediante entrevistas aos representantes das empre-
sas-chave nos clusters.
3. Estudo de Vocações Produtivas do Estado da Baixa Califórnia.
O Estado da Baixa Califórnia se encontra localizado na parte noroeste
da República Mexicana. Limita ao norte com o Estado da Califórnia, nos
Estados Unidos, ao sul com o Estado da Baixa Califórnia Sul, ao leste com o
Estado de Sonora e o Golfo da Califórnia e a Oeste com o Oceano Pacífico.
As coordenadas geográficas situam o estado ao norte 32o47’; ao sul
28o00’ de latitude norte; ao oeste 117o07’ de longitude oeste. Sua exten-
são territorial ocupa 3,7% do território mexicano e tem uma população de
2.487.397 habitantes.

18 Elementos da política de desenvolvimento empresarial


Mapa 1. República Mexicana e Estado da Baixa Califórnia

Em dezembro de 2002, começa a operar o que viria a ser a primeira par-


te de estratégia de desenvolvimento econômico do Estado: “Estudo de Vo-
cações Produtivas”.5 O enfoque do estudo tinha como ponto de referência a
competitividade estatal e emerge como uma estratégia de desenvolvimento
econômico local, cujo “diagnóstico”6 se fundamentou em uma análise quali-
tativa e descritiva para a identificação de setores-chave. Os principais obje-
tivos do projeto foram os seguintes (ÍNTEGRA INTERNACIONAL, 2002):
1. Revisão integral dos setores socioeconômicos do Estado da Baixa Cali-
fórnia de maior importância, assim como também a identificação dos
mais dinâmicos.
2. Diagnóstico e avaliação das vocações produtivas (razoáveis, a impulsio-
nar ou por incubar).
3. Definição de estratégias para aumentar a competitividade do Estado da
Baixa Califórnia.
Os critérios utilizados para definir quais são as atividades econômicas
potencialmente mais importantes foram.7

5. Em dezembro de 2002, se efetivou A política de desenvolvimento empresarial do Estado:


vocações produtivas, realizado pela Secretaria [Ministério] de Desenvolvimento Econômico.
Este documento de diagnóstico constitui a base para a Política de Clusters do Estado da Baixa
Califórnia.
6. O estudo tem como propósito analisar os diversos setores econômicos do estado de tal forma
que se diagnosticasse a vocação produtiva, a situação na economia estatal e se definissem as
estratégias pertinentes para obter o desenvolvimento econômico (ÍNTEGRA INTERNACIO-
NAL, 2002:1-5).
7. A informação estatística para realizar o diagnóstico foi obtida dos censos econômicos do Ins-
tituto Nacional de Estadística, Geografia e Informática (INEGI) para o ano de 1994 e 1998, e o
valor das exportações de Secretaria de Comércio e Fomento Industrial (SECOFI) para o mesmo
ano. A desagregação utilizada foi por conjunto de atividade e de acordo com a participação

Elementos da política de desenvolvimento empresarial 19


° Seleção de setores de maior peso econômico.
° Seleção de setores de alto crescimento.
As variáveis utilizadas para determinar as vocações produtivas estatais
foram:
° Pessoal ocupado.
° Valor agregado.
° PIB estatal.
No Quadro 1, podem observar-se os setores-chave do Estado da Baixa
Califórnia que foram identificados (ÍNTEGRA INTERNACIONAL, 2002:29).
A definição das vocações são as seguintes:
1. Vocações Razoáveis (VR) são aqueles setores ou conjuntos econômicos
que no período 1994-1999 têm uma alta participação no emprego e va-
lor agregado.
2. Vocações por Impulsionar (VI) são aqueles setores ou conjuntos que têm
uma baixa participação no valor agregado censual do estado, no entan-
to, cresceram de forma mais acelerada no estado comparado com a mé-
dia nacional; além do que foram fortemente mencionadas no processo
de consulta empresarial e têm um potencial de médio prazo no desen-
volvimento da entidade.
3. Vocações por Incubar (VE) são aqueles setores ou conjuntos que têm
uma evolução incipiente no valor agregado censual do estado, são, de
alguma forma, mencionados no processo de consulta empresarial e têm
um potencial de longo prazo de desenvolvimento da entidade.

Quadro 1. Vocações Produtivas do Estado da Baixa Califórnia


Setor
Conjunto
de ativi- Descrição Com gran- De alto Classifi-
dade de peso Cresci- cação da
económico mento vocação
1111 Agricultura X VI
1112 Gado X VI
1200 Pesca X VI
Extração e/ou benefício de minerais não
2320 X VI
ferrosos
3111 Indústria da carne X VE
3112 Elaboração de produtos lácteos X
3130 Indústria das bebidas X VE
Fiação, tecido e acabamento de fibras
3212 X
macias

de cada uma delas em cada um dos critérios assumidos é como se determinariam os setores
econômicos relevantes da entidade e aos que deveriam apoiar.

20 Elementos da política de desenvolvimento empresarial


Setor
Conjunto
de ativi- Descrição Com gran- De alto Classifi-
dade de peso Cresci- cação da
económico mento vocação
Fabricação com materiais têxteis. Inclui
3213 a fabricação de tapeçarias e tapetes de X
fibra macia
3560 Elaboração de produtos de plástico X X VR
3720 Indústrias básicas de metais não ferrosos X
3814 Fabricação de outros produtos metálicos X
Fabricação e/ou montagem de máqui-
3823 X X VR
nas de escritório
Fabricação e/ou montagem de maquina-
3831 X X VR
ria, equipe e acessórios elétricos
Fabricação e/ou montagem de apare-
3832 lhagem eletrônica, de rádio, televisão e X
uso médico
3841 Indústria automotiva X X VR
4100 Eletricidade X
Comércio de produtos alimentícios,
6140 X X VR
bebidas e tabaco por atacado
Comércio de produtos alimentícios,
6210 X X VR
bebidas e tabaco para o varejo
Comércio de produtos não alimentícios
6230 X X VR
para o varejo
7200 Comunicações e transporte X
Serviços médicos, odontológicos e vete-
9231 X
rinários prestados pelo setor público
9310 Restaurantes, bares e centros noturnos X VI
Hotéis e outros serviços de hospeda-
9320 X VI
gem temporária
Serviços em centros de recreação e
esportivos e outros Serviços de recrea-
9491
ção prestados pelo setor privado Exclui
centros noturnos
Prestação de serviços profissionais, técni-
9510 X
cos e especializados. Exclui agropecuários
Serviço de reparação e manutenção
9612 X X VR
automotiva
Fonte: Construção própria direta, MIP Estado da Baixa Califórnia, 1998.

No Quadro 1, se pode observar os setores-chave do Estado da Baixa Cali-


fórnia que foram identificados (ÍNTEGRA INTERNACIONAL, 2002:13-13).
Para cada um dos conjuntos de atividades que se consideraram como cha-
ves e sobre os que se fincaria a competitividade estatal, realizou-se uma análise
que foi chamada “estratégica”. Os conjuntos considerados foram: agricultura,
pesca, carne, alimentos, bebidas, construção, hotéis, plásticos, restaurantes,
bares e centros noturnos, indústria automotiva e de autopeças, indústria de
aparelhagem e acessórios elétricos e eletrônicos, comércio e turismo.

Elementos da política de desenvolvimento empresarial 21


Por outra parte, para a definição das estratégias de desenvolvimento
econômico para a entidade, considerou-se que as áreas de maior potencial
de desenvolvimento para o estado da Baixa Califórnia eram (ÍNTEGRA IN-
TERNACIONAL, 2002:35-40):8

Quadro 2. Áreas Potenciais de Desenvolvimento na Baixa Califórnia


ƒ Pesca ƒ Turismo
ƒ Indústria de plásticos ƒ Indústria das bebidas
ƒ Serviços de comercialização ƒ Serviços de transporte, armazenagem e
distribuição
ƒ Indústria automotiva ƒ Indústria eletrônica
ƒ Produtos Lácteos ƒ Produtos da carne
ƒ Indústria hoteleira e serviços de ƒ Indústria elétrica
hospedagem temporária
De acordo com o anterior, todas as estratégias que se definissem para a
entidade por causa deste diagnóstico, deveriam estar direcionadas ao apoio
deste conjunto de setores, que foram validados e analisados por especia-
listas da comunidade do estado (respondendo aos interesses dos grupos
empresariais). Uma vez determinados os setores-chave, foi realizada uma
série de sessões participativas com representantes da iniciativa privada e
governo do Estado da Baixa Califórnia, para concordar com as medidas que
vão ser implementadas, e que foram as seguintes:

Quadro 3. Estratégias de Desenvolvimento na Baixa Califórnia


ƒ Apoiar a posição competitiva dos setores- ƒ Atração de investimento estrangeiro
chave
ƒ Integração e desenvolvimento de clusters ƒ Geração de novas empresas
ƒ Promoção de exportações ƒ Desenvolvimento de infraestrutura eco-
nômica
Em geral, o diagnóstico do “Estudo de Vocações Produtivas do Estado
da Baixa Califórnia”, embora seja um bom estudo inicial, apresenta alguns
limites, pois não existe uma medição dos fluxos intersetoriais, dos que com-
pram e dos que vendem, portanto, não se tem o conhecimento das relações
comprador-fornecedor, e muito menos das interações dos setores produti-
vos existentes no território; não mede os efeitos que um setor-chave pudes-
se ter para o resto da estrutura produtiva; não existe uma identificação dos
encadeamentos produtivos intersetoriais; e não há conhecimento sobre a
existência de clusters na entidade.

8. Isto foi determinado por meio de grupos de trabalho constituídos por representantes de
cada um dos setores relevantes da entidade. Consultar Íntegra Internacional, 2002.

22 Elementos da política de desenvolvimento empresarial


Do mencionado anteriormente, surgem três perguntas: Quais são os
clusters existentes na entidade?; Qual é o grau de desenvolvimento dos clus-
ters?; Como podemos fortalecer os clusters?

3. Estudo de Identificação, Fomento e Desenvolvimento de Clusters


Porter (1991:33) tem assinalado que é necessário fazer uma identificação
de clusters atuais e potenciais, assim como achar os encadeamentos inter-
setoriais para ter conhecimento do grau de inter-relação existente entre os
diversos setores. A identificação de clusters e encadeamentos intersetoriais
pode fazer-se de maneira quantitativa.
Um instrumento que nos permite realizar a identificação de clusters e
encadeamentos intersetoriais de maneira quantitativa, é a matriz insumo-
produto (MIP). A MIP é um modelo econômico definido como sistema de
equações com base nas relações de produção entre setores econômicos
produtores e consumidores, que mostram a interdependência estrutural da
economia e permite operar o modelo para quantificar soluções alternativas
que ajudem a resolver problemas de política econômica, e de programa-
ção.9 De maneira geral a MIP está constituída de três tabelas básicas que
são mostradas na Figura 1.

Figura 1. Sistema básico de insumo produto

9. A estimativa da matriz de insumo produto para o estado está referida para o ano de 1998,
desagregada a 72 setores atendendo aos critérios do Sistema Nacional de Contas Nacionais. A
Matriz de Insumo-Produto da Baixa Califórnia é propriedade da Secretaria de Desenvolvimen-
to Econômico e está disponível para seu uso na Subdireção de Estatística e Análise Econômica.
E-mail: Amaldonado@baja.gob.mx.

Elementos da política de desenvolvimento empresarial 23


a) A de transações intersetoriais, mostra todas as transações entre os diver-
sos setores em uma economia para um período determinado, o mencio-
nado fluxo pode expressar-se como segue:

X1 = w1,1 + w1,2 + ...+ w1,n + f1


X2 = w2,1 + w2,2 + ...+ w2,n + f2

Xn = wn,1 + wn,2 + ...+ wn,n + fn

b) A de requerimentos diretos ou de coeficientes técnicos, mostra como cada


insumo é requerido para produzir uma unidade de produto, esta é obti-
da dos dados que se encontram na tabela de transações intersetoriais, os
coeficientes técnicos são calculados assim:
wi , j
ai , j = , então wi , j = a i , j X j
Xj
c) A de requerimentos totais ou de coeficientes de interdependência – conhe-
cido também como “matriz de multiplicadores” –, são determinados a
partir da matriz de coeficientes técnicos, e utilizados para conhecer o
impacto que a mudança em qualquer setor ou combinação de setores
podem ocasionar no conjunto da economia. O que se faz para obter esta
tabela é inverter a matriz de coeficientes técnicos.

X = (I-A)-1F

Estas três tabelas básicas da MIP permitem realizar a identificação de


clusters, blocos econômicos ou complexos industriais. Entende-se por cluster
“…ao conjunto de atividades realizadas em uma localização determinada e
pertencente a um grupo (subsistema) de atividades sujeitas a importantes
inter-relações de produção, comercialização ou outras…” (ISARD, 1971:33),
e este pode ser exemplificado como “…um grupo de atividades que poderia
compreender as etapas sucessivas na manufatura de um produto final ou
de uma classe de produtos finais; assim poderia conter desde a mineração
de carvão e o mineral de ferro até os produtos finais de aço, passando pela
produção de lingote de ferro e lingote de aço…” (ISARD, 1971:34).
O conceito mais aceitável para definir um “cluster econômico” é o que
tipifica o próprio como concentrações de empresas e instituições interco-
nectadas em um campo particular, nelas se dá uma vinculação particular
de empresas e outras entidades relevantes para a concorrência. Dentro do
cluster são considerados fornecedores de insumos (componentes, maqui-
naria, serviços) e infraestrutura especializada. Os mesmos também podem
ser estendidos verticalmente pela cadeia do produto, ou horizontalmente
a empresas de produtos complementares ou a indústrias relacionadas pe-

24 Elementos da política de desenvolvimento empresarial


las habilidades, pela tecnologia e pelos insumos comuns.10 Finalmente, nos
clusters também são incluídas instituições governamentais e de outro tipo
como universidades, fornecedores de treinamento vocacional, associações
de comércio, que oferecem treinamento especializado, educação, informa-
ção, pesquisa e apoio técnico (PORTER, 1998:33).
O algoritmo empregado para a identificação de “clusters econômicos” na
MIP é o denominado “method of the maxima” aplicado por Berwert (2002:3)
e consiste nas seguintes etapas:
1) Obter indicadores da intensidade do fluxo entre setores, considerados
como provedores/ofertantes e como consumidores/usuários.
2) Selecionar para cada par de setores o maior coeficiente de intensidade
do fluxo.
3) Constituir uma matriz binária, concentrando em uma área específica da
matriz.

Análise de cadeias para frente (relação com clientes)


ƒ ‘Etapa 1: (horizontal/leitura fila por fila)’
‘O setor consumidor/usuário j está fortemente vinculado ao setor provedor/
ofertante i se:’
(1) bij = 0 para i = j;
(2) max bj = 0, de j = 1 até j = n executar;
se bij > max bj ; então max bi = bkj;
m
(3) sumb = ∑ (b );
j =1
ij

(4) coef1bij = maxbi / sumbi ;


(5) se coef1bij > k1; então matriz binária [0,1]; valor da célula = 1 se (5);

10. Devido a esta dupla dimensão parece não existir um consenso em torno da definição e ao
enfoque de cluster. De fato pode-se distinguir três definições relacionadas ao cluster:
– O de indústrias espacialmente concentradas: cluster regional.
– O de setores ou grupos de setores: cluster setorial.
– O de cadeias de valor na produção: cluster de cadeias.
Ou ao enfoque de cluster baseado na “similitude” parte do suposto de que as atividades econô-
micas se agrupam em clusters devido à necessidade de ter condições similares (em relação ao
acesso a um mercado de trabalho qualificado, acesso a fornecedores especializados, a institui-
ções de pesquisa etc.). Enquanto o enfoque baseado na interdependência supõe que as ativida-
des econômicas se agrupam em clusters como resultado da sua necessidade recíproca uns dos
outros e de gerar inovações. Consultar Fuentes y Martínez-Pellegrini (op. cit.).

Elementos da política de desenvolvimento empresarial 25


ƒ ‘Etapa 2: (vertical/leitura coluna por coluna)’
‘O setor provedor/oferente j está fortemente vinculado ao setor consumi-
dor/usuário i se:’
(6) max ai = aij;
m
(7) suma = ∑ (a );
i =1
ij

(8) coef2aij = max ai / sumaj;


se coef2aij > k2; então matriz binária [0,1]; valor da célula = 1 se (8);

ƒ ‘Etapa 3: combinação’
‘Soma as matrizes binárias da etapa 1 e 2:’
‘células com valor de 2 representa o cluster econômico adiante [hacia de-
lante]
(9) se coef1bij > k1 e coef2aij > k2 ; logo {i, j};
(10) cluster1 = {…} = ∅ de i = 1 até i = n e de j = 1 até j = n executar;
se bij = {i, j} e se aqj = {q, j}; então cluster1 = {i, j, q};

Análise de cadeias para trás (relação com fornecedores)


ƒ ‘Etapa 1: (vertical/leitura coluna por coluna)’
‘O setor provedor (ofertante) i está fortemente vinculado ao setor consumi-
dor (usuário) j se:’
(1) bij = 0 para i = j;
(2) max bj = 0; de j = 1 até j = n executar;
se bij > max bj ; então max bi = bkj;
m
(3) sumb = ∑ (b );
j =1
ij

(4) coef1bij = max bi / sumbi ;


(5) se coef1bij > k1 ; logo matriz binária [0,1]; valor da célula = 1 se (5);

ƒ ‘Etapa 2: (horizontal/leitura fila por fila)’


‘O setor consumidor (usuário) i está fortemente vinculado ao setor prove-
dor (ofertante) i se:’
(6) max ai = aij;

26 Elementos da política de desenvolvimento empresarial


m
(7) suma = ∑ (a );
i =1
ij

(8) coef2aij = max ai / sumaj ;


se coef2aij > k2 ; então matriz binária [0,1]; valor da célula = 1 se (8);

ƒ ‘Etapa 3: combinação’
‘Soma as matrizes binárias da etapa 1 e 2.’
‘Células com valor de 2 representa o cluster econômico para trás:’
(9) se coef1bij > k1 e coef2aij > k2 ; então (i, j};
(10) cluster1 = {…} = ∅ de i = 1 até i = n y de j = 1 até j = n executar;
se bij = {i, j} e se aqj = {q, j}; então cluster1 = {i, j, q};

No estado se identificaram 10 clusters – tanto agropecuários e industriais


quanto de serviços –, oscilando tanto entre setores tradicionais quanto hortí-
colas, móveis, cerveja; emblemáticos como vitivinicultura, assim como sobre
setores modernos e estratégicos tais como serviços médicos, elétrico, eletrô-
nico e automotivo; e setores dinâmicos como o turístico. Estes nove grandes
clusters podem constituir um núcleo de sectores estratégicos que incidem so-
bre o desenvolvimento industrial do estado e a geração de emprego.

Figura 2. Clusters do Estado da Baixa Califórnia

MIP Estado da Baixa Califórnia, 1998


SDE, Baixa Califórnia, 2003

O complexo agroalimentício (por suas fortes inter-relações internas no


estado), o turístico (onde temos um núcleo de atividades não somente mui-
to dinâmicas como também com maiores vantagens comparativas para o

Elementos da política de desenvolvimento empresarial 27


desenvolvimento no estado), a vitivinicultura (por ser emblemática no es-
tado), serviços médicos e as indústrias eletrônica e automotiva (por seus
níveis de subcontratação internacional, incorporação de inovações a seus
produtos, forte conteúdo tecnológico dos processos produtivos, difusão
técnica através da descentralização de atividades para pequenas e médias
empresas ou empresas conexas, impactos sobre o ingresso e capacidade
exportadora) são aqueles que se consideram com um maior impacto local
e, portanto, capazes de contribuir mais para a definição e a consolidação da
estrutura produtiva estatal.
A distribuição dos clusters por município do estado se mostra no seguin-
te mapa.

Mapa 2. Clusters Econômicos Identificados da Baixa Califórnia

Uma vez identificados os clusters, assinalaram-se as principais fortale-


zas/oportunidades/debilidades/ameaças. Esta análise foi imprescindível
para a proposta de algumas linhas e apoios necessários de política indus-
trial a qual seja capaz de superar alguns dos problemas fundamentais da
economia baixa californiana e suscetível de situá-la em um caminho de
desenvolvimento econômico sustentável.
Os Quadros 4 e 5 permitem advertir que a economia da Baixa Califórnia
conta com ativos e oportunidades que precisa rentabilizar para desenvolver
e fortalecer os clusters identificados – tratando de fazer frente, ao mesmo
tempo, a suas principais debilidades e ameaças – para ganhar um futuro de
prosperidade e bem-estar para a entidade.

28 Elementos da política de desenvolvimento empresarial


Quadro 4. Pontos Fracos dos Clusters
Cluster Cluster Cluster
Clusters Cluster Cluster
Elétrico e Autopeças Vitiviní-
Variáveis Móveis Turismo
electrônico e plástico cola
Disponibilidade de mão de obra √ √ √
Custo da mão de obra √ √ √
Qualificação da mão de obra √ √ √
Grau de especialização das
diferentes fases do processo
produtivo
Acesso à informação sobre tec-
√ √
nologia, mercados e produtos
Cooperação com outras em-
√ √
presas
Apoio institucional (associações
de empresários, consórcios √ √ √
etc.)
Nível tecnológico √ √
Qualidade de produtos (design,
componentes etc.)
Estratégias de mercado (publici-
√ √ √
dade, rede de vendas etc.)
Acesso a créditos √ √ √
Outros √
Do cluster hortícola e cerveja não há informação.
Fonte: Identificação e Diagnóstico das Possibilidades de Sistemas Produtivos Locais na
Baixa Califórnia.
Fontes: Noé Arón e Martínez-Pellégrini Sárah. E. SIMAC. 2003.

Com efeito, o design de algumas linhas de política de clusters para Baixa


Califórnia deverá partir de dois conjuntos de fatores facilmente contrastan-
tes: um potenciador dos clusters, e outro, limitador ou inibidor dos mesmos.

Quadro 5. Pontos Fortes dos Clusters


Cluster Cluster, Cluster,
Clusters Cluster Cluster
Elétrico e Autopeças Vitiviní-
Variáveis Móveis Turismo
electrônico e plástico cola
Disponibilidade de mão de
obra
Custo da mão de obra
Qualificação da mão de obra
Grau de especialização das
diferentes fases do proces- √
so produtivo
Acesso à informação sobre
tecnologia, mercados e √
produtos
Cooperação com outras
√ √ √
empresas

Elementos da política de desenvolvimento empresarial 29


Cluster Cluster, Cluster,
Clusters Cluster Cluster
Elétrico e Autopeças Vitiviní-
Variáveis Móveis Turismo
electrônico e plástico cola
Apoio institucional (asso-
ciações de empresários, √
consórcios etc.)
Nível tecnológico √
Qualidade de produtos (de-
sign, componentes etc.)
Estratégias de mercado (publi-
cidade, rede de vendas etc.)
Acesso a créditos
Outros √
Do cluster hortícola e cerveja não se tem informação
Fonte: Identificação e Diagnóstico das Possibilidades de Sistemas Produtivos Locais na
Baixa Califórnia.
Fontes Noé Arón. e Martínez-Pellégrini Sárah.E. SIMAC. 2003.

Finalmente, a política se estruturou em torno deste grande objetivo: o


fortalecimento e desenvolvimento de maneira organizada e cooperativa
destes. Para tal, houve que definir os pontos estratégicos do cluster; quer
dizer, a estrutura dos setores que definem as relações entre as empresas e
a interação das empresas e o território que criam um viés competitivo por
razões de localização mediante as fontes de vantagens competitivas.
Para cada um dos cluster identificados no Estado da Baixa Califórnia foi
pesquisado o seguinte:

Quadro 6. Pontos Estratégicos do Cluster


ƒ Distribuição das empresas no Cluster ƒ Apoios Institucionais (governo federal,
(Grandes, médias e pequenas). estatal ou municipal).
ƒ Canais de cooperação (formal ou informal). ƒ Tipos de Apoios (assistência tecnológica,
ƒ Inovação tecnológica (com pesquisa e comercial, legal ou financeira).
desenvolvimento, sem I&D). ƒ Serviços (de transporte, armazenamento
ƒ Redes de Provedores (nacionais ou inter- e distribuição).
nacionais; de matérias primas, maquina- ƒ Estratégia Comercial (mercado nacional
ria, componentes). ou internacional).
ƒ Principais concorrentes (nacionais ou ƒ Importância e formação de recursos
internacionais; grandes, médias ou pe- humanos (básicos ou especializados).
quenas empresas). ƒ Vinculações com instituições educativas
(universidades, tecnológicos).

Depois de determinar os pontos estratégicos, estabeleceu-se um conjun-


to de ações sobre os mesmos, denominado “Plano Estratégico do Cluster”.
Para tal, foi importante a participação do sistema empresarial na elabo-
ração, instrumentação e gestão das estratégias dentro dos clusters, posto

30 Elementos da política de desenvolvimento empresarial


que constitui um elemento fundamental para sua eficácia.11 Cada vez mais
governos regionais fazem disto um princípio de organização de sua ação. A
implicação das empresas de maneira ativa na estratégia de clusters destaca
a importância de uma política industrial com raízes na comunidade.
O mecanismo de participação dos agentes econômicos para cobrir as ne-
cessidades das empresas dentro do cluster pode-se materializar por meio de
Acordos de cooperação Empresarial. Em particular, foram concebidos como
acordos explícitos de colaboração no tempo, que afetam a todas ou algumas
das atividades das empresas envolvidas, que compartilham os riscos deri-
vados de seu desempenho. As empresas devem conservar sua identidade
jurídica em um estado de independência, mas devem ser desenvolvidas as
aptidões, habilidades e conhecimentos de todas elas para conseguir o obje-
tivo comum.12
Os acordos de cooperação empresarial são um componente-chave da
política pública de fomento para a competitividade das pequenas e médias
empresas, na sua dupla dimensão intra e interespacial (especialmente in-
ternacional), como mecanismo de intercâmbio de informação, combinação
de competências e geração de economias de escala em funções onde estas
continuam sendo importantes para a competitividade empresarial (geração
em pesquisa e desenvolvimento, inovação tecnológica, fomento à qualidade
e ao design, informação sobre distribuição e compra de insumos, financia-
mento, estratégias de comercialização e exportação, intercâmbio de infor-
mação etc.).13
Neste sentido, os acordos de cooperação empresarial estão sendo o cen-
tro nos Planos Estratégicos do Cluster para o fomento e fortalecimento dos
clusters identificados no Estado da Baixa Califórnia.

11. Se a política de clusters constitui o marco institucional onde se sustenta a competitividade


e as vantagens competitivas sustentáveis, as atitudes e concepções dos empresários e coletivos
constituem os ativadores e orientadores da mesma. A atitude diante do novo, assim como a
capacidade de cooperar e coordenar novas atividades, constituem dimensões estratégicas da
forma em que as empresas configuram sua trajetória e enfrentam as pressões do mercado.
12. Os acordos de cooperação ficam restritos a recursos e atividades concretas, previamente
determinadas, e devido a que pode ser pactuadaoesas confo uma vigência temporal limitada,
os agentes econômicos adquirem novamente a faculdade de estabelecer acordos ao vencer o
prazo, cujas características, condições e termos podem diferir das anteriores.
13. De acordo com esta característica dos acordos de cooperação empresarial, este se asseme-
lha a uma rede horizontal mas se diferencia dela porque não tem restrições para a afiliação.
Nas redes horizontais a cooperação se procura entre empresas que atendem ao mesmo mer-
cado.

Elementos da política de desenvolvimento empresarial 31


Conclusões
O fomento à competitividade ou o desenvolvimento e manutenção das van-
tagens competitivas constituem atualmente o centro principal da estratégia
econômica empreendida pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico
do Governo da Baixa Califórnia. Além de ser um objetivo estratégico – de
cuja consecução depende o sucesso e desenvolvimento das empresas, assim
como o crescimento econômico, a criação de empregos no estado constitui
um referente fundamental dos critérios que conduzem à alocação de recur-
sos, à organização, e à seleção de políticas públicas de promoção econômica
e industrial da entidade.
A mudança no entorno econômico e empresarial do estado com a aber-
tura da economia nacional, o desaparecimento dos regimes tarifários espe-
ciais no estado e a eliminação do programa de maquila, como também a
aceleração da mudança tecnológica e o impulso que a revolução da infor-
mação imprimiu à dinâmica inovadora – estão mudando as fontes de van-
tagens competitivas. Como resultado disto tudo, está acontecendo uma mo-
dificação radical na orientação e conteúdo da política de desenvolvimento
econômico e industrial estatal, que afeta tanto aos objetivos quanto aos
instrumentos. Por um lado, o novo objeto de atenção pública está passando
da promoção econômica e industrial baseada só nas varáveis quantitativas
relacionadas com o preço dos fatores (mão de obra, solo e matérias-primas)
para o desenvolvimento econômico e industrial baseado nas variáveis qua-
litativas conectadas às capacidades empresariais, à organização do sistema
empresarial, ao marco institucional, ao acesso à informação nova, às ca-
pacidades de adaptação, de criação e difusão tecnológica do meio, assim
como da capacitação da mão de obra. Por outro lado, e como consequência
do anterior, o quadro instrumental está evoluindo do predomínio dos incen-
tivos ao investimento estrangeiro para a preocupação pela promoção das
capacidades empresariais de adaptação e desenvolvimento e ao enriqueci-
mento do meio territorial (sistema educativo adaptado às necessidades da
produção estatal, infraestrutura de comunicação, política tecnológica e um
marco legislativo eficiente etc.).
Como consequência do anterior, os antigos instrumentos da política es-
tatal de desenvolvimento econômico e industrial estão perdendo atrativo
e eficácia, passando a ser a flexibilidade das instituições encarregadas de
sua gestão, sua capacidade de conexão com o mundo empresarial, o desen-
volvimento e fortalecimento dos clusters locais, e os serviços reais para as
empresas (expressão do compromisso dos atores públicos e privados com o
desenvolvimento e promoção do estado mediante a implicação no sistema
produtivo através da geração de instituições de apoio e estímulo a ativi-

32 Elementos da política de desenvolvimento empresarial


dades estratégicas dentro dos clusters), os principais motores públicos da
competitividade do estado.
Assim o Estado da Baixa Califórnia, dentro do espectro do sistema de
políticas de fomento que afetam a competitividade da empresa e território,
está efetuando uma “Estratégia Empresarial” para fortalecer e desenvolver
de modo organizado e cooperativo alguns dos setores mais importantes,
estratégicos ou emblemáticos do estado.

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34 Elementos da política de desenvolvimento empresarial


Globalização, transformações estruturais,
desenvolvimento local e regional, um olhar
sobre o Nordeste brasileiro14

Jair do Amaral Filho

1. Introdução
Como todas as transformações econômica e institucional, o processo de
globalização tem arregimentado um grande número de adeptos ao mesmo
tempo em que tem produzido um exército de críticos. Esse quadro é perfei-
tamente justificado pelos resultados contraditórios que vêm sendo gerados
por tal processo, cuja síntese está longe de ser visualizada (STEGER, 2003;
MURRAY, 2006). Ao mesmo tempo em que a globalização vem possibili-
tando a retirada de milhões de pessoas da situação de pobreza na China
e Índia, por exemplo, ela vem causando um desconforto entre os países
industrialmente desenvolvidos em razão do deslocamento dos investimen-
tos e da terceirização da produção, resultando na subtração de empregos
nesses países.
No que pese o destaque dado pela imprensa internacional, e pelos pes-
quisadores, a essa relação, entre países emergentes e desenvolvidos, há
necessidade de se realizarem estudos e pesquisas direcionados aos movi-
mentos de deslocamento de investimentos e terceirização da produção no
interior de países que apresentam disparidades regionais acentuadas, como
o Brasil. Tendo em vista que a lógica de concorrência produzida pela globa-
lização se reflete em nível dos custos relativos, principalmente no segmento
da produção, as empresas tendem a utilizar estratégias que possibilitam a
redução de custos e, neste caso, regiões com oferta abundante e barata de

14. Texto apresentado no Seminário Internacional sobre “Trajetórias de Desenvolvimento Lo-


cal e Regional: uma comparação entre as regiões Nordeste brasileiro e a Baixa Califórnia
(México)”, realizado pelo RIC-Colef, 29-30 de outubro de 2008, Fortaleza, Ceará, Brasil. “Para
efeito de citação o autor sugere mencionar os Anais do Seminário Internacional sobre Seminário
Internacional sobre ‘Trajetórias de Desenvolvimento Local e Regional: uma comparação entre as
regiões Nordeste brasileiro e a Baixa Califórnia (México)’, Grupo de Pesquisa sobre Região, In-
dústria e Competitividade – RIC (UFC), Fortaleza, Ceará, outubro de 2008”. O autor agradece
ao bolsista Rafael Pinto pela coleta de dados e elaboração dos quadros e gráficos contidos
neste trabalho.

Globalização, transformações estruturais, desenvolvimento local e regional 35


mão de obra acabam se beneficiando desse movimento. Esse processo tem
influenciado a recomposição estrutural, dos setores e atividades econômi-
cas, do Nordeste brasileiro assim como de outras regiões periféricas.
A compreensão do fenômeno da globalização, no Brasil, infelizmente
tem sido dificultada pela predominância da tese que atribui à chamada
“guerra fiscal”, entre os estados, a responsabilidade pelo deslocamento de
investimentos, associados a alguns setores, dos estados do Sul e Sudeste
para a região Nordeste. Na verdade, economias do Nordeste têm de alguma
forma, se beneficiado do deslocamento de investimentos e da terceiriza-
ção em função da lógica de concorrência que procura reduzir custos de
produção. Nesse sentido, é possível trabalhar a hipótese segundo a qual a
região Nordeste do Brasil vem se beneficiando do processo de globalização
na medida em que recebeu certo volume de investimentos privados vindos
de outras partes do País. Ao lado da indústria de transformação, os setores
da agricultura (irrigada) e do turismo vêm, igualmente, apresentando ca-
racterísticas de globalização já que têm conseguido atrair investimentos e
consumidores internacionais.
Mesmo que esse fenômeno não esteja produzindo um processo clássico
de industrialização, cuja característica se reflete na criação de redes locais
de fornecedores de conhecimento, máquinas, equipamentos e insumos, ele
possibilitou a manifestação de, pelo menos, três características que creden-
ciam afirmar que a economia da região Nordeste brasileira tem participado
do processo de globalização, são eles (i) a criação de linhas de montagem
de bens de consumo final e intermediário, tais como calçados, vestuário,
máquinas de costura, ventiladores, automotivos etc. voltados para o mer-
cado nacional e internacional; (ii) a participação de empresas e segmentos
nas cadeias internacionais de fornecimento, através, principalmente, da in-
dústria têxtil; (iii) a produção pelo método da terceirização, verificado na
indústria de confecções.
Apesar dessas conquistas, no ambiente de globalização, é necessário
afirmar que suas vantagens comparativas estão baseadas em pilares, re-
lativamente vulneráveis, na medida em que o preço reduzido da mão de
obra, além dos incentivos fiscais, tende a se elevar no longo prazo com as
pressões no mercado de trabalho, ao mesmo tempo em que os incentivos
fiscais podem também ser oferecidos por governos de outras regiões ou
contestados por organismos internacionais. Ou seja, no médio e longo pra-
zos, essas vantagens estão sujeitas ao movimento pendular da equalização
espacial dos custos dos fatores, fato este que já começa a se manifestar, uma
vez que a procura da parte de investidores de outras região, pelo Nordeste,
vem demonstrando uma desaceleração. Ademais, no caso dos investimen-
tos obtidos pelo deslocamento de fora para dentro e limitados à linha de
montagem, a vulnerabilidade pode estar associada ao fato de que os seus
centros de inovação e decisão se encontram fora da região.
Dentro desse ambiente de globalização, e de transformações estruturais,
dois aspectos chamam a atenção, quais sejam: primeiro, apesar das mudan-
ças estruturais experimentadas pela economia nordestina, se beneficiando
inclusive dos efeitos da integração das economias nacionais, a participação
da região Nordeste no conjunto do Produto Interno Bruto Nacional, se-
gundo o IBGE, não se alterou entre 1985 e 2005, pelo contrário, caiu para
13,1%. Enquanto isso, as regiões Norte, Sul e Centro-Oeste expandiram
suas participações, em detrimento de um declínio da região Sudeste; segun-
do, dentro desse mesmo ambiente, que se desenrola desde o início de 1990
até meados da década de 2000, assiste-se ao colapso da Política “Explícita”
de Desenvolvimento Regional favorável à região Nordeste, deixando como
marca a extinção da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste
(Sudene), hoje restaurada. O vácuo deixado pelo colapso da Política Fede-
ral de Desenvolvimento Regional, no Nordeste, foi ocupado por políticas
de desenvolvimento econômico colocadas em prática por governos esta-
duais nordestinos que, apoiados pelo ambiente de descentralização aberto
pela Constituição de 1988, passaram a usar incentivos fiscais, com base no
Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), e na mão
de obra barata, para acolher capitais do Sul e Sudeste que passaram a se
deslocar espacialmente em busca de soluções que pudessem reduzir seus
custos de produção.
O ponto intrigante, ao comparar esses dois aspectos, é que, apesar das
transformações estruturais experimentadas pela economia nordestina, tan-
to pelo declínio de algumas atividades quanto pela emergência de outras
novas, a participação relativa da região no PIB nacional permaneceu prati-
camente inalterada desde meados de 1980, como se esse resultado tivesse
sido caprichosamente planejado pelo Estado. Entretanto, na fase considera-
da, inexiste planejamento regional por parte do governo federal ao mesmo
tempo em que não há coordenação sobre as políticas estaduais de desenvol-
vimento econômico, dentre as quais a renúncia fiscal se destaca como um
dos principais instrumentos.
Tanto na literatura “antiga”, propagada por autores como Myrdal,
Aydalod e Hirschman, quanto na literatura “contemporânea” (por exem-
plo, KRUGMAN, 1991) há um consenso de que o desenvolvimento espa-
cial ocorre de maneira desigual, ou seja, marcado por dinâmicas espaciais
desequilibradas nas quais regiões centrais, dotadas de fatores centrípetos,
tendem a polarizar as forças distribuídas em todo o sistema, fazendo com
que regiões periféricas, habitadas por fatores centrífugos, se enfraqueçam
diante da polarização das regiões centrais. Entretanto, ao contrário do pas-

Globalização, transformações estruturais, desenvolvimento local e regional 37


sado, em tempos recentes não se pode dizer que há um consenso em torno
da questão relacionada à intervenção pública planejada visando corrigir os
desequilíbrios entre as regiões centrais e periféricas. Tal consenso fica ain-
da mais difícil diante dos efeitos da globalização, que têm mostrado uma
grande capacidade de produzir regiões ganhadoras e regiões perdedoras
(BENKO; LIPIETZ, 1992, 2000), dentro e fora das regiões centrais e, às
vezes, com aparentes benefícios para as regiões periféricas em termos de
deslocamento de investimentos em função da terceirização da produção.
Esta situação se reflete muito claramente na dificuldade de se restaurar um
modelo de planejamento regional específico para o Nordeste, na qual as
incertezas que pairam em torno do papel que deverá ter a Sudene na região
são apenas dificuldades coadjuvantes.
O presente artigo está dividido em seis tópicos, além desta introdu-
ção: (ii) a grande transformação; (iii) impactos sobre o padrão dinâmico;
(iv) impactos sobre o pensamento regional; (v) novos rumos das políticas
públicas: (vi) um olhar sobre o Nordeste e (vii) conclusão.

2. A “grande transformação”
A exemplo, de outras áreas das ciências sociais em geral, o conhecimento
em torno da economia regional e seu desenvolvimento, experimentou gran-
des deslocamentos de paradigmas. Até meados da década de 1980, a ciên-
cia econômica regional era orientada pelos princípios estabelecidos pela
escola alemã, que considerava a distância e o custo de transporte, em rela-
ção aos mercados consumidores e fornecedores, como elementos centrais
na determinação da alocação espacial dos fatores e da trajetória regional
(para uma visão geral ver DINIZ; CROCCO, 2006). Além disso, considerava
também os espaços geográficos homogêneos, não apresentando vantagens
e desvantagens em termos absolutos ou relativos. Até final dos anos 1970,
esses princípios orientaram as políticas de desenvolvimento regional, com
influência, inclusive, sobre as teorias de Polos de Crescimento (PERROUX,
1973), que não tinham um vínculo íntimo com a escola alemã. Esses eram
os princípios canônicos que predominavam até então.
Os responsáveis por esse deslocamento de paradigma estão concen-
trados em cinco elementos interligados: (i) a crise de planejamento e de
intervenção centralizadoras; (ii) reestruturação dos mercados; (iii) mega-
metropolização, seguida pela emergência de megaproblemas urbanos; (iv)
globalização e abertura econômica; e (v) Tecnologia da Informação e Tele-
comunicações (TI&T). Esses elementos fizeram com que o fator distância
ou custo de transporte, se tornasse um fator adicional, e não único, para

38 Globalização, transformações estruturais, desenvolvimento local e regional


explicar e apoiar o desenvolvimento regional, ou para explicar a descons-
trução dos espaços constituídos. Diante desse novo quadro Paul Krugman
e, principalmente, geógrafos como Ron Martin (1995) colocam que além
do custo do transporte, fatores como a história e o protagonismo local e
regional são importantes para o desenvolvimento regional. Nessa mesma
linha, outras correntes das escolas evolucionistas e institucionalista passa-
ram a reforçar o surgimento de novos conceitos e teorias sobre a economia
regional, ganhando destaque fatores endógenos no desenvolvimento local
e regional (AMARAL FILHO, 2001).

2.1. Crise de planejamento e de intervenção regionais centralizadoras


O processo de descentralização político-administrativa, verificado desde o
início dos anos 1980, implicou em descentralização dos papéis dos atores
ditos regionais, assim como das decisões e dos investimentos. Esse fenô-
meno aconteceu em escala mundial: na Europa e na América Latina, em
especial. Nesse processo, os atores, antes adstritos ao Estado central, passa-
ram a compartilhar suas decisões com atores mais próximos dos territórios:
estados, municípios e até organizações não governamentais.
Por seu lado, os grandes investimentos em projetos estruturantes e equi-
pamentos passaram a ser compartilhados com investimentos pontuais e lo-
calizados. Sem dúvida, esse processo gerou uma maior valorização do terri-
tório e do poder local, em detrimento do poder central, e, por consequência,
ocasionou um movimento de valorização dos pequenos produtores locais.
Com o objetivo de promover o desenvolvimento local, os atores locais têm
procurado, a exemplo da Terceira Itália e outras regiões “vencedoras”, criar
um ambiente propício para que as pequenas empresas locais se engajem
num processo de organização de clusters ou distritos industriais.

2.2. Reestruturação dos mercados


Hoje se diz que o mercado é ditado pela lei da oferta, o que é uma meia
verdade. Antes de isso acontecer, foi necessário ocorrer uma profunda me-
tamorfose da demanda efetiva, verificada em vários aspectos, como na
segmentação, na atrofia causada pela redução relativa da renda, e, princi-
palmente, na instabilidade. A instabilidade da demanda efetiva, em escala
mundial nos anos 1980 e 1990, é a própria síntese dessa metamorfose. Essa
mudança produziu reações e adaptações do lado da oferta, cujas matrizes
foram a descentralização e a desconcentração da produção. A oferta passou
a ser orientada pela redução de custos fixos e pela flexibilidade nas decisões,

Globalização, transformações estruturais, desenvolvimento local e regional 39


nas ações e nas formas de produzir. Como consequência, essas transforma-
ções favoreceram as pequenas e médias empresas, não necessariamente já
instaladas, dado que a descentralização de pequenas unidades produtivas,
como se fossem extensões das grandes empresas e corporações.

2.3. Megametropolização, seguida pela emergência de


megaproblemas urbanos
São largamente conhecidas as vantagens oferecidas pelas metrópoles, em
relação às economias de escala, economias de aglomeração e às economias
externas, geradas pela concentração de fatores, tangíveis e intangíveis, e de
mercados. Entretanto, o processo de megametropolização, mais ou menos
controlado nos países desenvolvidos e descontrolado nos países em desen-
volvimento, seguido de megaproblemas urbanos, tem provocado, em vários
segmentos econômicos, uma redução do interesse pela localização metro-
politana. Do lado das administrações municipais das grandes metrópoles,
os problemas não têm sido menores. A necessidade de ampliação da oferta
de serviços e equipamentos públicos, em escala gigantesca, tem causado
crises financeiras para essas administrações. Esses fenômenos têm estimu-
lado o deslocamento espacial dos investimentos, geralmente para regiões
afastadas da “espinha dorsal” dos territórios metropolitanos e desenvolvi-
dos, favorecendo e reforçando iniciativas de desenvolvimento local e de
suporte ao empreendedorismo em localidades mais afastadas.

2.4. Globalização e abertura econômica


A globalização e a abertura econômica, verificadas com muita intensidade
nos anos 1990, têm imposto às empresas e regiões um desafio sem prece-
dentes no campo da competitividade. Como forma de adaptação, muitas
empresas têm procurado desfazer e não criar raízes territoriais, visando a
busca constante de competitividade por meio da procura de subsídios, mão
de obra e facilidades de mercado. Assiste-se, com isso, a um forte processo
de deslocamento dos investimentos, especialmente intensivos em mão de
obra, e a um forte processo de concorrência entre os territórios pela captura
desses investimentos (ver BERGER, 2005).
As faces mais conhecidas desse processo são o declínio de regiões tra-
dicionalmente industriais (em têxtil; siderúrgica; exploração de minérios;
indústria naval etc.) como na França e na Inglaterra, e a ascensão de ou-

40 Globalização, transformações estruturais, desenvolvimento local e regional


tras regiões, até então pouco ou nada expressivas, ao estatuto de regiões
industriais significativas. A Irlanda é hoje uma grande receptora de inves-
timentos estrangeiros, o que vem sustentando altas taxas de crescimento
econômico.
Contudo, o processo de deslocamento de investimentos e de plantas in-
dustriais, à procura de fatores competitivos, revela apenas um só aspec-
to, o lado funcional das empresas. Outro aspecto é revelado pelo processo
de deslocamento da referência Estado-nação para a referência território,
processo esse facilitado pela diluição relativa das fronteiras nacionais. A
valorização da referência território, e de seus respectivos atores, aparece
como resposta ou contrapartida ao processo de globalização e abertura dos
mercados nacionais, visto que as medidas desreguladoras são tomadas no
plano macro, mas suas repercussões (boas ou más) manifestam-se no plano
micro, ou territorial.

2.5. Tecnologia da Informação e Telecomunicações – TI&T


A década de 1990 assistiu ao uso intensivo da tecnologia da informação e
da telecomunicação por indivíduos, empresas e governos nas suas rotinas
de atividades. Isso implicou a formação de redes de transmissão de dados,
imagens e informações, de tal forma que se tornou possível relativizar a im-
portância da chamada distância espacial, fazendo, assim, emergir um novo
conceito, o da proximidade organizacional, proporcionada pela inserção do
indivíduo, da empresa ou da região nas redes de comunicação.
O impacto disso foi a autonomização de certos tipos de atividades, ou
de certas tarefas empresariais, em relação ao espaço geográfico que abriga
a matriz do grupo ou da empresa em questão. Isto também tem facilitado
a descentralização funcional das atividades empresariais, bem como a des-
centralização espacial da execução de certas atividades, significando que
determinados profissionais não necessitam estar fisicamente presentes nas
matrizes das empresas ou do demandante pelo serviço. Isso significa que
os mecanismos de TI&T asseguram uma parte importante da governan-
ça do processo de descentralização e desconcentração produtivas referido
anteriormente, por meio das redes de comunicação. Mas significa também
que o imenso setor que emergiu da TI&T transformou-se numa fronteira de
negócios para pequenas e médias empresas de base tecnológica. Por fim,
as tecnologias de informação passaram a significar para esses segmentos
instrumentos importantes na redução dos custos relativos ao marketing, e
também na aproximação com os clientes, por meio de sites e portais.

Globalização, transformações estruturais, desenvolvimento local e regional 41


3. Impactos desses fenômenos sobre o padrão dinâmico
Tendo em vista que um padrão de organização é produzido pela interação
simultânea de inúmeras variáveis, como as descritas anteriormente, é ra-
zoável dizer que o principal impacto desses fenômenos estruturais foi ter
quebrado o padrão (antes existente) da dinâmica territorial. Entende-se
essa dinâmica como fruto dos fluxos de pessoas, mercadorias e capitais,
no caso o mercado, combinados com a intervenção dos poderes públicos,
e tendo como base os territórios (estes, impregnados de história, cultura e
instituições).
Mesmo que esse padrão tenha sido quebrado, isto não significa que um
outro tenha tomado o seu lugar. Os fatos têm mostrado que não está ain-
da definido um novo padrão dominante, capaz de configurar uma nova
dinâmica regional ou territorial. Pode-se dizer que há um processo, bem
avançado, na direção dessa definição. Entretanto, e de acordo com os mes-
mos fatos, tudo leva a crer que a estabilidade desse novo padrão estará
sob suspeita, ou seja, em risco permanente de instabilidade. Essa tensão
permanente parece apresentar-se como parte constituinte do “padrão” da
nova dinâmica regional, que, sendo assim, contaminará a estabilidade do
pensamento teórico bem como das intervenções públicas (e privadas) vol-
tadas para o desenvolvimento local e regional.
É difícil a tarefa de classificar ou sintetizar essas transformações estrutu-
rais em algumas poucas frases ou em algum esquema básico de explicação.
Uma tentativa dessa natureza, e de grande envergadura, foi realizada pela
chamada Escola da Regulação francesa, chamando-as de um processo de
passagem entre um sistema de produção de massa, do tipo fordista, para
um sistema de produção flexível, pós-fordista. Do ponto de vista das em-
presas, regiões e territórios, qual é o significado dessa passagem? Parece
significar que, presumivelmente, o capitalismo passaria a premiar agora as
micro, pequenas e médias empresas, principalmente flexíveis e inovadoras
e, também, as regiões e territórios, principalmente os flexíveis e inovadores,
e aqueles conectados nas redes de comunicação, formando assim a Nova
Economia Regional.
Em síntese, passariam a ganhar dentro desse processo as regiões e ter-
ritórios que estiverem, de certa maneira, afastados da espinha dorsal das
regiões desenvolvidas, mas também, e principalmente, descompromissados
com o “velho” padrão de acumulação e desenvolvimento regional. Abrem-
se assim novas janelas de oportunidades para as regiões não identificadas
historicamente com a industrialização tradicional. Essa ideia-força passou
a fazer parte das estratégias, iniciativas, projetos e planejamentos locais e
regionais, mesmo que se saiba que as grandes empresas se tornaram flexí-

42 Globalização, transformações estruturais, desenvolvimento local e regional


veis e que as regiões ricas e as megametrópoles continuam a atrair grandes
contingentes de pessoas e grandes volumes de capitais, apesar de seus pro-
blemas gerais de deseconomias de aglomeração. Os principais ícones dessa
chamada Nova Economia Regional são: Vale do Silício na Califórnia; Rota
128 em Massachusetts; Terceira Itália (Distritos Industriais); Tecnopolos na
Europa e no Japão etc. (ver SAXENIAN, 1996; POLENSKE, 2007).
No arrebento desses fenômenos, essas regiões emergiram como áreas
ganhadoras e hoje estão servindo de fontes de inspiração para pesquisado-
res e formuladores de políticas públicas, dentro de um esforço de renova-
ção do planejamento local e regional. Entretanto, cabe observar que, além
das suas características específicas, essas experiências nasceram há 30, 50
anos, o que significa dizer que, apesar de pioneiras e protagonistas da Nova
Economia Regional, elas se beneficiaram das estruturas, do padrão e da
prosperidade do antigo regime, chamado Fordista, isto é: dos recursos e in-
vestimentos fáceis; do crescimento econômico robusto; da forte intervenção
do Estado etc. Embora fazendo parte desse velho regime essas experiências
traziam em seu interior novas formas de produção e de organização social,
o que lhes permitiram, portanto, se descolarem do regime fordista e fundar
uma nova geografia econômica, baseada em novos paradigmas. Isto signifi-
ca dizer que, a origem, as especificidades e os contextos dentro dos quais se
desenvolveram essas experiências não são passíveis de replicação.
Afinal de contas, o que realmente caracteriza essa Nova Economia Re-
gional e sua dinâmica? Quais são seus elementos?
Em nível das instituições:
ƒ A formação e o acúmulo de um capital social localizado é um elemento
básico e chave. Aquelas experiências mostraram que o desenvolvimento
da confiança e da cooperação, concretizadas em arranjos institucionais
capazes de coordenar decisões e processos locais, fez a diferença em
seu favor. Organizações sociais flexíveis e horizontais foram importantes
no desenvolvimento dos distritos industriais da Terceira Itália, além de
contribuir para o desenvolvimento da região Nordeste desse País (PUT-
NAN, 1996).
Em nível da organização social e produtiva, vários elementos (re)emer-
giram:
ƒ Aglomeração de micro, pequenas e médias empresas; ou simplesmente
aglomeração setorial e espacial de firmas.
ƒ Especialização produtiva.
ƒ Produção voltada para fora, impulsionada pela competitividade.
ƒ Fortes economias externas, de aglomeração e de escala.

Globalização, transformações estruturais, desenvolvimento local e regional 43


ƒ Forte divisão social do trabalho.
ƒ Combinação entre cooperação e concorrência entre empresas e organi-
zações.
ƒ Forte aglomeração de produtores, fornecedores e instituições se intera-
gindo.
ƒ Mercado de trabalho estruturado e forte presença de instituições forma-
doras e reformadoras de mão de obra.
ƒ Microcrédito.
ƒ Inovações contínuas, mesmo que incrementais.
Em nível da organização político-administrativa:
ƒ Parceria entre os setores público e privado.
ƒ Participação múltipla de atores no processo de discussão, decisão, plane-
jamento e intervenção no território. Tendo como ator central o poder pú-
blico local, capitalizando recursos, articulando e mediando intervenções.
Nessa Nova Economia Regional, a dinâmica passa a ter uma forte in-
fluência da parte dos elementos internos ao território, daí porque ganhar
um caráter ou uma denominação de endógeno, sem que com isso dispense
o papel do Estado central no arranjo institucional local ou o papel dos in-
vestimentos externos à região ou ao território. Além disso, promove-se o
casamento da organização territorial com da industrial, mesmo que com
isso não esteja garantida a criação definitiva de raízes territoriais pelas em-
presas.

4. Impactos sobre o Pensamento Regional


Diante do quadro anterior, não é difícil concluir que, no âmbito do Pensa-
mento Regional, a corrente que sofreu maior impacto negativo, vindo das
transformações estruturais, foi sem dúvida aquela associada à Teoria da Lo-
calização, calcada na tese dos baixos custos de transportes proporcionados
pela distância (ao mercado, seja em relação à oferta ou à demanda). Não
que esse argumento tenha perdido sua importância, mas na Nova Econo-
mia Regional, ele passa a ser um argumento entre outros mais, já arrola-
dos anteriormente. Isso quer dizer que, o território que conseguir mobilizar
aqueles elementos listados anteriormente, poderá se candidatar a entrar
numa trajetória de desenvolvimento, ou pelo menos passar a ser um terri-
tório atrativo do ponto de vista econômico. A Teoria da Localização, núcleo
central da Ciência Regional, foi portanto a corrente mais abalada pela nova
dinâmica regional.

44 Globalização, transformações estruturais, desenvolvimento local e regional


Por outro lado, a nova dinâmica regional passou a favorecer elementos,
noções e conceitos que até então não estavam sendo muito valorizados pela
Ciência Regional. Referem-se ao conceito de divisão de trabalho smithia-
no, às externalidades marshallianas, às inovações schumpterianas, às ações
coletivas postas pelos institucionalistas, ao processo de aprendizagem evo-
lucionista e à organização e constituição de redes. Todos esses elementos
têm convergido na direção da promoção dos “rendimentos crescentes” dos
fatores locais e regionais. Além disso, destaca-se a revalorização do territó-
rio como locus de realização dos rendimentos crescentes, ou da identidade
local, contraponto-se às ameaças globais (ver a revisão da literatura por
PIKE; RODRIGUEZ-POSE; TOMANEY, 2006).
Não é sem razão que, nos dias de hoje, há uma explosão de papers e
livros sendo escritos e discutidos, cumprindo o árduo exercício de se tentar
construir novas referências para o pensamento e planejamento regionais.
Há, pelo menos, três contribuições que chamam a atenção dentro desse
grande esforço:
ƒ Contribuição de Paul KRUGMAN (op. cit.): responsável por uma impor-
tante renovação da geografia econômica e sua inserção no mainstrean
economics. Este autor aproveitou a tese dos custos dos transportes, mas
a complementou com noções marshallianas (externalidades) e keynesia-
nas (estrutura de mercado): rendimentos crescentes e demanda local.
ƒ Contribuição dos institucionalistas, neo-schumpterianos e evolucionistas:
chamados localistas (distrito industrial; cluster marshalliano; arranjo e
sistema produtivo local) são aqueles que valorizam todos os elementos
extrapreço ou extramercado que, para eles, jogam o importante papel
na coordenação das decisões e na alocação dos fatores. Nessa mesma
via encontram-se, desde muito, os geógrafos humanos que, historica-
mente, já destacam a supremacia do processo de construção dos fatores
e do território, no lugar da dotação de fatores (a exemplo de Martin e
Sunley).
ƒ Contribuição de Michael PORTER (1998): egresso do business economics e
principal influente no debate sobre os clusters, mesmo sem ter dado esse
nome até 1998, ele parte do approach da competitividade e prioriza a
“lógica do diamante”, ou seja, a amarração dos elementos: i) estratégia,
estrutura e rivalidade da empresa; ii) condições dos fatores; iii) setores
conexos e de apoio; iv) condições da demanda. Das três contribuições,
esta é aquela que tem menos compromisso com a questão territorial ou
regional, no sentido de uma fração espacial de um País.

Globalização, transformações estruturais, desenvolvimento local e regional 45


5. Novos rumos para as intervenções públicas
O contexto dos anos 1990/2000 quase nada se assemelha ao contexto que
acolhia e fundamentava a criação da Sudene, por Celso Furtado (ver AMA-
RAL FILHO, 2007). Parece não haver dúvidas de que as políticas de desen-
volvimento regional perderam suas características clássicas, em função da
criação de um novo contexto econômico e institucional, recheado de desafios
que exigem dos poderes públicos, muita criatividade e posições inovativas
(ver STORPER, 1999). Com as transformações estruturais e a emergência das
novas teorias regionais a questão territorial passa a ocupar um lugar central
no destino das regiões. Ou seja, enquanto a teoria convencional abstraía o
território em seus modelos, na medida em que considerava as realidades e
paisagens territoriais como espaços homogêneos, as novas teorias regionais
o coloca como âncora do processo de desenvolvimento. Neste caso, não só a
geografia física tem importância, mas as estruturas e infraestruturas, a popu-
lação, as relações sociais e as instituições, essas entendidas como tradições,
cultura e regras de conduta, passam a ter um papel preponderante.
Trata-se, portanto, de uma dimensão entendida como território vivido,
ativo, protagonista, no lugar do território passivo, tomador de decisões vin-
das de fora para dentro. Esta dimensão desponta como um contraponto ao
centralismo econômico e político-administrativo, bem como ao processo de
globalização. Por essa razão ganhou espaço dentro dos novos conceitos, te-
orias e teses sobre a Questão Regional, a abordagem endógena, no lugar da
abordagem exógena, o que trouxe para o centro da discussão o território,
e todos os seus componentes estruturantes. Dentro dessa nova perspectiva,
não é mais possível falar sobre economia regional sem falar em geografia
humana e econômica, entendida aqui numa dimensão holística.
De acordo com as mudanças estruturais verificadas, e o consequente
deslocamento dos paradigmas teóricos, verificam-se igualmente uma alte-
ração significativa das estratégias e políticas de desenvolvimento local e
regional. As descentralizações político-administrativas juntamente com a
descentralização produtiva, conferiram ao território e ao local uma auto-
nomia relativa mais elevada que no passado. No lugar de, apenas, receber
políticas, programas e projetos de desenvolvimento já prontos do governo
central, o desenvolvimento local ou regional passa a receber, cada vez mais,
influências dos protagonistas locais.
No passado, era normal o Estado central produzir ideias, elaborar pla-
nos e políticas, difundir e implantar programas de desenvolvimento local e
regional. Tudo era realizado de cima para baixo, exogenamente.15 Exemplo

15. Relativamente ao papel do governo central no desenvolvimento regional é interessante


visitar a discussão realizada por Araújo (1999) e Baer e Miles (1999).

46 Globalização, transformações estruturais, desenvolvimento local e regional


desse voluntarismo, para o Nordeste, foi a transferência dos poderes de de-
cisão da Sudene para a tecnocracia de Brasília, na época do regime militar,
já em 1964. Mas o fracasso desse voluntarismo mostrou que as políticas
públicas devem levar em conta o fator da proximidade, entre o ofertante de
política pública, no caso o poder público, e o demandante pela política, isto
é o consumidor, ou o contribuinte, ou se quiser o eleitor. Somente a proximi-
dade pode permitir a manifestação da sensibilidade relativa à identificação
dos problemas e soluções, pois esses são diferentes de um local para outro,
ou de uma região para outra. A proximidade pode também permitir uma
melhor avaliação da política pública, pelo beneficiário, já que a ele é permi-
tido interação e oportunidade de cobrança sobre o poder público local.
O desenvolvimento local envolve uma estratégia cujo objetivo é procu-
rar, por meios endógenos, uma integração vantajosa ou uma inserção no
desenvolvimento econômico regional, estadual, nacional e, se possível, in-
ternacional. Trata-se de uma estratégia proativa cujo interesse é combater a
cultura passiva normalmente encontrada nas localidades, que se contentam
em receber os benefícios emitidos pelas políticas públicas dos governos es-
tadual e federal. Muitas vezes, esses benefícios ficam restritos à pura trans-
ferência de renda, por meio do Fundo de Participação Municipal ou através
de benefícios sociais nos quais se encontra a Bolsa Família.
O comodismo local baseia-se na visão segundo a qual o problema da
desigualdade regional é um programa de renda. Sendo assim, a política de
transferência financeira, ou de renda, se apresenta como sendo uma políti-
ca pública adequada. O seu contrário, o desenvolvimento local, baseia-se na
visão de que o problema da desigualdade regional não é somente um pro-
blema de renda, mas de (incapacidade) de geração de renda. Neste caso, o
que deve ser trabalhado é a capacidade de geração de renda. Para esta via
há duas alternativas, não exclusivas: (i) estratégia de mobilidade social e
(ii) estratégia de atividades produtivas.
A estratégia voltada para a promoção da mobilidade social da população
local aplica-se, geralmente, nas localidades para as quais não há potencia-
lidades econômicas. Neste caso, investe-se na formação do capital humano
através da educação convencional de qualidade, conjugada com iniciativas
de formação profissional. O objetivo dessa estratégia é oferecer à população
local, sem alternativas locais de emprego, mobilidade para alcançar mer-
cados de trabalhos em outras regiões. A estratégia calcada em atividades
produtivas, por seu lado, adapta-se às localidades para as quais existem po-
tencialidades econômicas reais e reveladas. Neste caso, procura-se estrutu-
rar ou fortalecer a função de produção agregada para a localidade ou para
a região de maneira que ela passa a mobilizar os recursos e fatores locais.

Globalização, transformações estruturais, desenvolvimento local e regional 47


6. Um olhar sobre o Nordeste

6.1. Um pouco de história


Não é demais afirmar que, na década de 1950, período em que Furtado
mais se dedicou à questão das desigualdades regionais no Brasil, pudesse
haver várias questões regionais, devido aos problemas do esvaziamento do
interior do País, mas também à falta de integração das economias regionais
e do mercado nacional. Ambos os problemas estavam associados à questão
da unidade nacional. A ideia de “arquipélago” de regiões isoladas, coman-
dadas de fora para dentro, evocada por Francisco de Oliveira, é bastante
apropriada para essa situação.16 Entretanto, é possível afirmar que nesse
período havia, pelo menos, duas questões regionais claramente postas: a
primeira situava-se no interior do País, mais exatamente no Centro-Oeste,
região vasta, mas praticamente despovoada. O País tinha sua população
concentrada na costa e, por isso, sugeria um problema de insegurança na-
cional; a segunda questão regional se encontrava na região Nordeste e,
neste caso, o problema estava no fato de ser uma área relativamente muito
populosa, mas pobre. Aqui, o elemento complicador era a presença e o
domínio dos interesses políticos e sociais das velhas oligarquias ligadas aos
latifúndios, cenário que contrastava com aquele predominante no Centro-
Sul, onde se constatavam os interesses das classes médias e empresariais
que conduziam um processo acelerado de industrialização e urbanização.
Essa primeira questão foi, imediatamente, incorporada pela Agenda do
governo Juscelino Kubitschek, como parte do seu projeto político. Nesse
sentido, o governo não mediu esforços, nem recursos, para fazer cumprir a
construção da nova capital Brasília. A determinação de JK, em fazer cum-
prir esse projeto, foi tão intensa que lhe fez romper relações com o Fundo
Monetário Internacional (FMI), sentindo que o mesmo se opunha ao pro-
jeto por ele trazer fortes impactos na expansão dos gastos públicos e, por
consequência, sobre a inflação. Na época da sua construção, Brasília foi en-
tendida como sendo parte de uma agenda pessoal e vaidosa do presidente,
com o intuito de deixar uma grande marca do seu governo. Sem dúvida,
essa marca ficará registrada para sempre, mas muito mais pelo papel que
esse projeto exerceu no processo de ocupação, povoamento e aproveita-
mento econômico do Centro-Oeste.
A segunda questão regional foi incorporada tardiamente na agenda do
governo JK, em 1958-1959, por influência das pressões sociais e popula-
res manifestadas na região, nas quais se viam movimentos de camponeses
apoiados por setores progressistas da igreja. Se essas pressões fizeram o go-

16. Para uma análise histórica do Nordeste recomenda-se ver Guimarães Neto (1989).

48 Globalização, transformações estruturais, desenvolvimento local e regional


verno federal tomar decisões importantes para a região Nordeste, a forma
e o conteúdo das intervenções tiveram influência direta das argumentações
técnicas e consistentes oferecidas por Celso Furtado, na época Economista
do Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste (GTDN) e Di-
retor Regional do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE).
Nesse aspecto, parece não haver dúvidas de que Furtado e a Sudene promo-
veram uma mudança radical no padrão conceitual das intervenções públi-
cas federais na região Nordeste, significando um divisor de águas.
Nesse ponto, foi decisivo o encontro de Celso Furtado com o presiden-
te da República Juscelino Kubitschek no Palácio Rio Negro em Petrópolis
(1959) ocasião em que foram discutidos os problemas nordestinos, num
ambiente de brainstorn, sob os estímulos dos impactos desastrosos da gran-
de seca de 1958 e dos referidos movimentos populares.17 Nesse encontro,
Celso Furtado levantou críticas aos tipos de intervenções federais na região
Nordeste, colocando que tais políticas estavam contribuindo para consoli-
dar estruturas arcaicas no lugar de removê-las, inviabilizando o desenvol-
vimento da região, e aumentando as desigualdades entre o Nordeste e o
Centro-Sul.
Dois erros básicos eram cometidos pelo governo federal, segundo Furta-
do, um era a concessão de subsídio ao açúcar, que estimulava o atraso tec-
nológico e a concentração de renda nas mãos dos usineiros e, outro, a estra-
tégia de combate contra as secas que se sustentava nas obras de construção
de açudes realizadas pelo Departamento Nacional de Obras Contra as Secas
(DNOCS), a fim de reter as águas das chuvas. O ponto crítico dessa estraté-
gia estava na apropriação dos recursos hídricos pelos grandes latifundiários
do sertão com o fim de proteger seu criatório bovino. Somados a esses dois
erros, causadores de um processo de concentração de renda e poder no
interior do Nordeste, o autor acrescentava o forte apoio empreendido pelo
governo federal, em forma de subsídio e investimento em infraestrutura, a
favor da industrialização e dos industriais do Centro-Sul, problema esse que
agravava as disparidades regionais no País.
Quase 50 anos depois, observam-se dois aspectos novos sobre a questão
regional no Brasil. O primeiro aspecto, é que, apesar dos recortes históricos
e culturais localizados, não há mais propriamente uma questão regional,
no sentido clássico do termo, ausência, aliás, reconhecida oficialmente pelo
próprio Ministério da Integração Nacional, que considera mais importante
as Desigualdades de Renda entre as pessoas, inclusive dentro de um mesmo
estado e região (MINISTÉRIO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL, 2003). Ele

17. Em 1958 a produção de alimentos, no Estado do Ceará, caiu 70%, impacto que caía dire-
tamente sobre a pequena produção familiar, o “morador” (FURTADO, 1997a).

Globalização, transformações estruturais, desenvolvimento local e regional 49


resultou, sem dúvida, da aplicação de uma complexa política de integração
nacional executada pelo governo federal nessas últimas décadas. O segun-
do aspecto, é que as duas frentes de intervenção federal, no Nordeste e
Centro-Oeste, produziram resultados diferentes e surpreendentes.
A região Nordeste, apesar das mudanças estruturais e da diversificação
da sua base econômica ela ainda não conseguiu modificar essencialmente
o quadro de miséria social ao mesmo tempo em que sua inserção dentro
da divisão regional do trabalho. Reflexo disso é a estagnação na sua parti-
cipação relativa no PIB nacional, isto é, 14,1% em 1985 e 13,9% em 2003
(IBGE). Furtado, já na sua volta do exílio ao Brasil, atribuiu esse paradoxo
ao processo de modernização conservadora, processo esse capturado e li-
derado pelas elites regionais em parceria com a tecnocracia do regime mi-
litar.18 Por seu lado, a região Centro-Oeste, mesmo sem uma base industrial
importante, se transformou numa região dinâmica, produtora de grandes
excedentes agropecuários exportáveis, contribuindo pesadamente para a
geração de saldos comerciais no balanço de pagamentos, além de possibili-
tar uma participação crescente da região no PIB nacional, que saiu de 4,8%
em 1985 para chegar em 2003 com 7,5% (IBGE).
Nesse sentido, não seria exagero chamar a região Centro-Oeste, hoje, de
“Terceiro Brasil”, a exemplo do que se passou com a “Terceira Itália” que,
mesmo sem contar com o apoio de um programa grandioso de desenvol-
vimento, a exemplo do Mezzogiorno,19 desenvolveu-se impulsionada pelo
empreendedorismo dos micro e pequenos empresários, pelo capital social
e pelo apoio dos governos locais. Isso mostra que, apesar dos grandes es-
forços empreendidos pelo governo federal na região Nordeste, as estrutu-
ras, particularmente agrícolas e agrárias, e as instituições a elas associadas,
exerceram um papel de freio sobre as mudanças desejadas pelo Planeja-
mento da Sudene de Celso Furtado.

6.2. As teses de Furtado para as desigualdades regionais, entre o


Nordeste e o Centro-Sul
Mesmo sendo originário do sertão da Paraíba (Pombal), e ter vivido boa
parte da sua vida nesse estado, onde pôde presenciar as repercussões das
políticas públicas erráticas e o sofrimento da população nordestina, sua vi-
são sobre as desigualdades entre as regiões Nordeste e Centro-Sul não era
de um regionalista ressentido, em relação à região mais desenvolvida.

18. Ver Bacelar (1996).


19. Essa região contou com a Casa del Mezzogiorno que fazia o papel da Sudene.

50 Globalização, transformações estruturais, desenvolvimento local e regional


As fontes das desigualdades, para Furtado, tinham origens tanto endó-
genas quanto exógenas. Do lado das fontes endógenas, a história e as es-
truturas econômicas e sociais do Nordeste tiveram sua importância e, em
relação às fontes exógenas, identificava na política macroeconômica de de-
senvolvimento do governo federal a principal responsável. Nesses termos,
os argumentos de Celso Furtado se contrapunham radicalmente àqueles ar-
gumentos predominantes até então, que viam na seca o problema da região
e na engenharia hidráulica a saída para tal problema. Esse ponto de vista
estava claramente colocado no GTDN.
A tese central defendida por Furtado baseava-se no argumento de que
a questão regional era gerada pelo fato do Nordeste ser uma região pobre
e superpovoada, marcada por um grande excedente de mão de obra que
realizava uma produção insuficiente de alimentos, além de não resistir às
secas severas. A base desses problemas estava fincada no baixo nível de
qualidade dos recursos físicos disponíveis para as atividades agropecuárias,
complementada pelas chuvas irregulares e má distribuídas.
Vinte e cinco anos depois (FURTADO, 1984), realizando um balanço das
teses contidas no diagnóstico do GTDN, o autor reafirma essa preocupação
dizendo que “...a raiz da fragilidade da economia nordestina estava em seu
setor agrário”.20 Por essa razão Furtado não poupou críticas aos políticos
nordestinos responsáveis pelo engavetamento do Projeto de Lei da Irriga-
ção formulada por ele, pois dentro desta lei continha um projeto de reforma
agrária. As teses coadjuvantes se dividiam em dois grupos, ambos se autor-
reforçando e gerando um processo de círculo vicioso dentro da economia
da região:
ƒ Formação histórica, estruturas arcaicas e política federal para a região
Nordeste.
ƒ Política de desenvolvimento nacional, em particular a política voltada
para a industrialização na região Centro-Sul.
Na opinião de Celso Furtado, a formação histórica e econômica da região
Nordeste permitiu a constituição e o funcionamento de sistemas produtivos
(cana-de-açúcar, pecuária-algodão-cultura de subsistência) com alto poder
de concentração de renda que impediu a formação de um mercado inter-
no que justificasse o desenvolvimento industrial e o aparecimento de uma
burguesia esclarecida. Esta conformação gerou estruturas econômicas e so-
ciais, e instituições correlatas, arcaicas e conservadoras, propícias e alimen-
tadoras da estagnação econômica. A política federal aplicada na região, até

20. Para Furtado o conceito de agrário abrangia não só a produção, mas o grau (elevado) de
concentração na distribuição da propriedade rural, a comercialização na qual se encontrava
o papel dos atravessadores e o financiamento da produção ao qual estava associado o capital
mercantil-usurário.

Globalização, transformações estruturais, desenvolvimento local e regional 51


então, reforçava essas estruturas e alimentava o círculo vicioso, pois eram
estruturas controladas pelos latifundiários das zonas úmidas e semiáridas.
Por seu lado, a política de desenvolvimento nacional, conduzida pelas
políticas cambial, alfandegária e de subsídios aos industriais do Centro-
Sul acabava reforçando as vantagens comparativas e competitivas dessa
última região. Na medida em que Furtado entendia que a industrialização
era o motor dinâmico do crescimento/desenvolvimento, estava decretada
aí a ampliação das desigualdades regionais. Para ele, se nada fosse feito,
esse processo poderia ser irreversível, porque no seu entendimento era um
processo circular e acumulativo.

6.3. As propostas para o desenvolvimento do Nordeste, o GTDN


As propostas de Furtado para o desenvolvimento do Nordeste foram apre-
sentadas no GTDN, que deu origem à Superintendência para o Desenvol-
vimento do Nordeste (Sudene).21 Tais propostas começaram a ganhar vida
a partir dos Planos Diretores de Desenvolvimento, executados por aquela
superintendência.22 Suas estratégias visavam quebrar o círculo vicioso da
pobreza na região, dando lugar ao círculo virtuoso do crescimento e do de-
senvolvimento, por meio de um conjunto de ações que visavam reorganizar
o setor agrícola ao mesmo tempo em que um vasto programa de incentivos
e investimentos em infraestrutura nas áreas de energia, transporte etc. As
propostas consistiam basicamente, no seguinte:
ƒ Aumentar a produção de alimentos a partir de três frentes: primeira,
ampliar as áreas de produção de alimentos nas zonas úmidas, por meio
da reforma agrária; segunda, aproveitar as margens do São Francisco
com a produção agrícola irrigada; e, terceira, abrir uma fronteira agríco-
la na parte Oriental do Maranhão.23

21. A Sudene foi precedida pelo Conselho do Desenvolvimento do Nordeste (Codeno) (criado
em março de 1959), e foi criada pela Lei n. 3.692, de 15 de dezembro de 1959, do Congresso
Nacional, e promulgada pelo presidente Juscelino Kubitschek. Tinha como funções: a) estu-
dar e propor diretrizes para o desenvolvimento do Nordeste; b) supervisionar, coordenar e
controlar a elaboração e execução de projetos a cargo de órgãos federais na região e que se
relacionem especificamente com o seu desenvolvimento; c) executar, diretamente ou mediante
convênio, acordo ou contrato, os projetos relativos ao desenvolvimento do Nordeste que lhe
foram atribuídos nos termos da legislação em vigor, e coordenar programas de assistência
técnica, nacional ou estrangeira, ao Nordeste.
22. Houve, no total, quatro Planos Diretores de Desenvolvimento.
23. Oportuno lembrar que três das quatro diretrizes básicas da política de desenvolvimento do
Nordeste sugerida por Furtado em 1959 diziam respeito à reconstrução do conjunto do setor
agrícola (FURTADO, 1984).

52 Globalização, transformações estruturais, desenvolvimento local e regional


ƒ Promover a reestruturação da indústria tradicional da região, espe-
cialmente a indústria têxtil, além de promover um novo processo de
industrialização, criando novos segmentos por meio do instrumento
dos incentivos fiscais. Nesse aspecto, Furtado coloca muito claramen-
te a necessidade de se criar um instrumento fiscal que fosse capaz de
gerar um diferencial que pudesse atrair as empresas se instalarem no
Nordeste. Para ele, era a única maneira de enfrentar a concorrência
do parque industrial consolidado do Centro-Sul (FURTADO, 1997b,
Tomo II).
Não é uma tarefa fácil avaliar as propostas formuladas e implementadas
sob a influência do GTDN, pelo fato de que essas propostas sofreram um
intenso bombardeio político que partiu das elites da região e dos políti-
cos tradicionais do Nordeste instalados no Congresso Nacional. Além disso,
como bem coloca Bacelar (1996), muitas propostas reformistas de Furtado,
a começar da própria Sudene, foram engavetadas ou foram deturpadas no
processo de implementação. Tendo isso em conta, procurar-se-á fazer, a
seguir, uma rápida avaliação das referidas propostas, na qual serão consi-
derados três grupos de observação. O primeiro grupo reunirá as propostas
acertadas, o segundo grupo as propostas erradas ou frustradas e, o terceiro
grupo reunirá algumas tendências tomadas pela economia nordestina e que
não foram percebidas na época.
No grupo dos acertos, caberia destacar, em primeiro lugar, a proposta de
criação da Sudene. Muito provavelmente, a principal contribuição trazida
pela Sudene, da fase pré-militar, tenha sido o fato de ela constituir uma
peça-chave na coordenação das decisões políticas e econômicas no processo
de desenvolvimento do Nordeste. Sob esse ponto de vista, tem-se a im-
pressão de que essa noção, da coordenação das decisões, continua ainda
muito viva a ponto de justificar o renascimento da referida instituição;24 em
segundo lugar, estaria a reestruturação e modernização da indústria têxtil.
Essa conseguiu sobreviver, sobretudo no Ceará, graças aos programas de
modernização tecnológica implementados pela Sudene; em terceiro lugar,
cabe destacar a proposta do aproveitamento das margens do São Francisco
para a agricultura irrigada, que transformou a região de Juazeiro e Petro-
lina numa grande produtora e exportadora de frutas. Por último, poderia
citar a diversificação da base industrial, graças à infraestrutura introduzida
e ampliada pela Sudene, além dos incentivos fiscais destinados às empresas
que se deslocaram para a região.

24. A questão da coordenação das decisões econômicas ocupava um lugar central no campo
das preocupações teóricas de Furtado. Isto está muito claro em Teoria e Política do Desenvolvi-
mento Econômico (1968).

Globalização, transformações estruturais, desenvolvimento local e regional 53


No grupo dos erros ou frustrações, talvez o mais evidente deles es-
teja localizado no campo da crença excessiva no planejamento, comum
na época, cujo corolário foi acreditar que o Estado poderia transfor-
mar a sociedade e o mercado ou muitas vezes substituí-lo. Esse não foi
um problema de Celso Furtado, mas um problema da época, do modelo
nacional-desenvolvimentista, portador de um forte voluntarismo trans-
formador. O aspecto crítico do planejamento não se encontrava, evi-
dentemente, no seu conteúdo técnico, quando funcionava como técnica
de previsão ou estudos sobre o comportamento dos fenômenos institu-
cionais e naturais, mas se localizava principalmente no seu conteúdo
ideológico. Como técnica, a cultura do planejamento introduzida por
Furtado foi de grande importância em duas áreas, primeira, a de com-
bate aos efeitos da seca e, segunda, a de absorção dos recursos federais
destinados à região por intermédio da Sudene. Na primeira área a ino-
vação verificada foi a de eliminar a improvisação nas ações de combate à
seca, substituída por informações estratégicas e ações antecipativas. Na
segunda área, os Planos Diretores de Desenvolvimento da Sudene intro-
duziram uma racionalidade estruturadora nos investimentos realizados
pelo governo federal na região.
Na esteira das frustrações estão as previsões relativas às transformações:
1) na região semiárida, onde se esperava a eliminação da cultura de sub-
sistência; 2) nas zonas úmidas, que deveriam ser transformadas, também,
em produtoras e ofertantes de alimentos; 3) na parte oriental do Maranhão,
que seria, em tese, transformada numa nova fronteira agrícola, nos moldes
da colonização, produzindo alimentos e absorvendo mão de obra liberada
pelo semiárido. No primeiro caso, o resultado real foi o colapso do comple-
xo gado-algodão-cultura de subsistência, com a permanência desta última.
No segundo caso, a agroindústria canavieira se transformou, em parte, em
produtora de álcool, além de entrar em processo de endividamento e su-
cateamento. No terceiro caso, o modelo de colonização entrou em colapso
operacional.
Num terceiro grupo, ou seja, no grupo que poderia reunir as tendências
não percebidas na época, estão: 1) a emergência e crescimento do setor do
Turismo; 2) a abertura de novas fronteiras agrícolas, comandadas por emi-
grantes gaúchos, produzindo soja nos estados da Bahia, Piauí e Maranhão;
3) o colapso dos sistemas produtivos locais (babaçu; algodão; carnaúba; ca-
cau) devido à abertura comercial; e 4) um novo impulso na industrialização
promovido pelas políticas estaduais de incentivos fiscais.

54 Globalização, transformações estruturais, desenvolvimento local e regional


6.4. Transformações estruturais

a) As grandes regiões no Brasil


Conforme o Quadro I e os Gráficos I e II observam-se algumas características
interessantes no comportamento das grandes regiões em relação ao Brasil,
ou mais precisamente, no comportamento das participações dos PIBs regio-
nais sobre o PIB nacional, no longo período que compreende 1985-2005.
Em primeiro lugar, a região Norte apresenta, em 1985, uma participação
no PIB nacional de 3,8% e passa para 5,0% em 2005. Para esse mesmo in-
tervalo de tempo, o Nordeste passa de 14,1% para 13,1%. O Centro-Oeste
de 4,8% para 8,8%. A região Sul passa de 17,1% para 16,6%, e a região
Sudeste de 60,2% para 56,5%.

Quadro I – Participação dos PIBs das grandes regiões no PIB nacional


(1985-2005)
Regiões
Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste
Ano
1985 3,80 14,10 60,20 17,10 4,80
1986 4,40 14,10 58,50 17,60 5,40
1987 4,40 13,10 60,20 17,30 5,00
1988 4,40 12,80 60,30 17,50 5,00
1989 4,90 12,30 59,40 18,60 4,80
1990 4,90 12,90 58,80 18,20 5,20
1991 4,70 13,40 58,70 17,10 6,10
1992 4,30 12,90 58,80 18,30 5,70
1993 5,20 12,80 57,70 18,50 5,80
1994 5,10 12,90 57,20 18,70 6,10
1995 4,60 12,80 58,70 17,90 6,00
1996 4,60 13,20 58,10 18,00 6,10
1997 4,40 13,10 58,60 17,60 6,30
1998 4,50 13,10 58,20 17,40 6,80
1999 4,50 13,10 58,20 17,80 6,40
2000 4,60 13,10 57,70 17,60 7,00
2001 4,80 13,10 57,10 17,80 7,20
2002 4,70 13,00 56,70 16,90 8,70
2003 4,80 12,80 55,80 17,60 9,00
2004 4,90 12,70 55,80 17,40 9,20
2005 5,00 13,10 56,50 16,60 8,80
Fonte: IBGE.

Globalização, transformações estruturais, desenvolvimento local e regional 55


Gráfico I – Participação dos PIBs das grandes regiões no PIB nacional (1985-2005)

Fonte: IBGE.

Gráfico II – PIBs per capita das grandes regiões (1985-2005)

Fonte: IBGE.

Vê-se muito claramente que, no período considerado, há regiões ganha-


doras e regiões perdedoras, e outras que estagnaram na “disputa” por maio-
res participações no PIB nacional. Dentre as regiões ganhadoras, as regiões
Norte e Centro-Oeste se destacam. Dentre as perdedoras o Sudeste apresen-
ta indícios claros de perda de espaço na participação do produto nacional. E
entre as regiões estagnadas encontram-se as regiões Nordeste e Sul. Diante
desses dados, não é difícil concluir que dentre as grandes intervenções exe-
cutadas pelo governo federal em nível regional (isto é, Centro-Oeste por
meio da construção de Brasília, Norte através da montagem da Suframa e
Nordeste, por intermédio da Sudene e seus Planos Diretores) foram as regi-
ões Norte e Centro-Oeste as que reagiram melhor aos estímulos de políticas
de desenvolvimento. Enquanto na região Nordeste o sistema de incentivos
fiscais entrou em colapso, deixando um saldo positivo pequeno, na região
Norte o sistema de incentivos se sustentou, acoplado a um modelo indus-
trial exitoso. Já o Centro-Oeste se beneficiou das externalidades produzidas
pela construção de Brasília, que engendrou renda e aumentou o preço da
terra na região. O restante do processo foi realizado pelos empreendedores
privados que ali se instalaram.

56 Globalização, transformações estruturais, desenvolvimento local e regional


b) Os setores nos estados do Nordeste
Olhando para os PIBs estaduais, observam-se mudanças estruturais signi-
ficativas, em seus traços gerais, no período entre 1990-2005. Com exceção
de Alagoas, todos os estados do Nordeste sofreram um declínio relativo na
participação da Indústria25 nos PIBs estaduais. Apesar desse declínio, como
se verá por meio de outros dados, não se pode dizer que a indústria enco-
lheu nesses estados, pelo contrário, além de expandir a indústria sofreu
algumas mudanças estruturais. No conjunto, os estados que mais sofreram
com esse declínio foram os estados do Ceará, Pernambuco, Rio Grande do
Norte e Sergipe que viram suas indústrias perderem cerca de 10 pontos
percentuais de participação relativa em seus PIBs. Em todos os estados da
região o setor serviços26 avançou significativamente na sua participação re-
lativa, convergindo para uma participação em torno de 70%.

Gráfico III – Participação dos grandes setores no PIB do Nordeste


(1990-2005)

Fonte: Ipea.

Gráfico III.1 – Participação dos grandes setores no PIB de Alagoas


(1990-2005)

Fonte: Ipea.

25. A indústria abrange: atividade extrativa mineral, construção civil, indústria de transforma-
ção e serviços industriais de utilidade pública.
26. Os serviços são constituídos pela atividade de comércio e demais serviços.

Globalização, transformações estruturais, desenvolvimento local e regional 57


Gráfico III.2 – Participação dos grandes setores no PIB da Bahia (1990-2005)

Fonte: Ipea.

Gráfico III.3 – Participação dos grandes setores no PIB do Ceará (1990-2005)

Fonte: Ipea.

Gráfico III.4 – Participação dos grandes setores no PIB do Maranhão


(1990-2005)

Fonte: Ipea.

58 Globalização, transformações estruturais, desenvolvimento local e regional


Gráfico III.5 – Participação dos grandes setores no PIB da Paraíba
(1990-2005)

Fonte: Ipea.

Gráfico III.6 – Participação dos grandes setores no PIB de Pernambuco


(1990-2005)

Fonte: Ipea.

Gráfico III.7 – Participação dos grandes setores no PIB do Piauí (1990-2005)

Fonte: Ipea.

Globalização, transformações estruturais, desenvolvimento local e regional 59


Gráfico III.8 – Participação dos grandes setores no PIB do Rio Grande do Norte
(1990-2005)

Fonte: Ipea.

Gráfico III.9 – Participação dos grandes setores no PIB de Sergipe


(1990-2005)

Fonte: Ipea.

Nesse mesmo período, a participação relativa do setor agropecuário ex-


perimentou uma queda dramática em todos os estados, com exceção do
Maranhão e Piauí, que conservaram participações de 17,78% e 11,40% res-
pectivamente. Enquanto isso, no restante dos estados o setor agropecuário
recuou para uma faixa entre 5% e 8% do PIB. O aspecto “dramático” desse
declínio está no fato de que, ao mesmo tempo em que esses estados, princi-
palmente aqueles com predominância semiárida, perderam posição relativa
do setor agropecuário, a população rural dos mesmos permanece relativa-
mente elevada, embora com características diferentes do passado. E o que
torna a situação mais difícil nesses estados é que, durante os anos 1990,
sistemas produtivos importantes, como o do algodão, desapareceram ou
foram reduzidos sem que outros sistemas produtivos fossem implantados
ou emergissem no lugar, deixando assim um vácuo econômico importante.
Os estados que conseguiram apresentar algumas novidades alternativas no
setor agropecuário foram a Bahia, com a agricultura irrigada, soja e algo-

60 Globalização, transformações estruturais, desenvolvimento local e regional


dão, Pernambuco, com a agricultura irrigada, Maranhão, com a pecuária e
a soja e o Piauí, com a soja.

c) O comportamento da indústria de transformação


Como foi dito anteriormente, a indústria de transformação perdeu peso
relativo nos PIBs estaduais em praticamente todos os estados da região.
Entretanto, constata-se, pelo Quadro II, que há uma expansão no volume
de empregos formais registrados na indústria de transformação, no período
1990-2005. Apesar disso, notam-se trajetórias diferenciadas de expansão
entre as economias estaduais, que podem ser divididas em três grupos, lem-
brando que a expansão do emprego formal industrial em toda a região Nor-
deste foi de 26,32%. No primeiro grupo está isolado o Estado do Ceará com
uma expansão de 91,08%, considerado de alta expansão. No segundo gru-
po vêm os estados da Bahia com 49,73%, Piauí com 52,38% e Rio Grande
do Norte com 41,47%, caracterizando um comportamento de média expan-
são. E num terceiro grupo, considerado de baixa expansão, vêm os estados
do Maranhão, com 21,57% e Sergipe com 26,32% de expansão. Por fim,
num quarto grupo, de expansão negativa, vem o Estado de Pernambuco
que apresentou no período 1990-2005 uma variação negativa do emprego
industrial formal de -23,61%. Diante de tais dados seria prematuro emitir
alguma conclusão em termos de “industrialização” ou “desindustrialização”
dos parques industriais desses estados, pois para isso há necessidade de fa-
zer uma análise segmentada da indústria para perceber as mudanças quali-
tativas das suas estruturas. Isto quer dizer que, os estados que tiveram taxas
médias ou baixas de expansão no volume de emprego industrial formal,
podem ter expandido investimentos nos segmentos com baixa intensidade
em mão de obra. E aqueles que tiveram altas taxas de expansão podem ter
experimentado expansão das indústrias com alta intensidade em mão de
obra. Entretanto, no caso específico de Pernambuco poderia ser considera-
da a hipótese de “desindustrialização”.

Quadro II – Empregos formais na indústria de transformação do Nordeste


(1990 e 2005)
Emprego Nº Absolutos
Estados do Nordeste Variação (%)
1990 2005
Nordeste 603.595 777.141 28,75
Alagoas 59.162 95.978 62,23
Bahia 103.457 154.908 49,73
Ceará 94.862 181.265 91,08
Maranhão 20.050 24.375 21,57

Globalização, transformações estruturais, desenvolvimento local e regional 61


Emprego Nº Absolutos
Estados do Nordeste Variação (%)
1990 2005
Paraíba 40.330 55.229 36,94
Pernambuco 209.911 160.353 -23,61
Piauí 13.911 21.198 52,38
Rio Grande do Norte 37.155 52.562 41,47
Sergipe 24.757 31.273 26,32
Fonte: RAIS.

Conforme mostra o Quadro III, o volume de emprego industrial formal na


região Nordeste caiu de 27,06%, em 1990 para 20,55%, em 2005, em relação
ao volume total de emprego formal na região. Esta perda foi absorvida pelo
setor serviços. Como pode ser visto pelo mesmo quadro, entre 1990 e 2005 a
maioria dos estados da região teve redução no volume do emprego industrial
formal, com exceção do Ceará, que conservou esse volume em torno de 28%
do total do estado, e Alagoas que aumentou de 38,07% para 39,97%. Dos
setores industriais no Nordeste, em 1990, os três principais setores geradores
de emprego eram Alimentícia (11,86%), Têxtil (4,93%) e Química (2,45%).
Em 2005, os dois primeiros lugares continuam sendo ocupados pelos setores
Alimentícia (7,93%) e Têxtil (3,51%), mas a novidade é que a terceira posi-
ção passou a ser ocupada pelo setor Calçadista (2,16%), seguido pelo Quími-
co (1,61%) e Minerais não metálicos (1,37%). O aspecto preocupante é que,
tirando o setor calçadista, nenhuma outra alteração estrutural fundamental
na indústria de transformação foi verificada em matéria de geração de em-
prego formal na região Nordeste. Constatação essa que deve ser relativizada
quando se analisa os casos particulares das economias estaduais.

Quadro III – Percentual de emprego da indústria de transformação no Nordeste


(1990 e 2005)
% Emprego na Região
Região
1990 2005
Nordeste 27,06 20,55
% Emprego no Estado
Estados do Nordeste
1990 2005
Alagoas 38,07 39,97
Bahia 17,14 14,17
Ceará 28,95 28,51
Maranhão 16,81 10,76
Paraíba 30,58 24,37
Pernambuco 36,31 20,85
Piauí 17,48 14,22
Rio Grande do Norte 28,74 19,01
Sergipe 23,36 18,96
Fonte: RAIS.

62 Globalização, transformações estruturais, desenvolvimento local e regional


Conclusão
O presente artigo não teve a pretensão, nem o tempo necessário, de apre-
sentar e fechar qualquer discussão, pelo contrário, ele é produto de um
exercício preliminar que promete ocupar um longo tempo de pesquisa. O
objetivo desta é o de identificar, desvendar e analisar as transformações
estruturais ocorridas na região do Nordeste brasileiro, à luz do processo de
globalização, mudanças no pensamento regional e deslocamentos da natu-
reza, conteúdo e instrumentos das políticas públicas voltadas para o desen-
volvimento regional ou correção das disparidades regionais. Neste artigo,
portanto, procurou-se estabelecer os traços do processo de globalização,
marcado por grandes transformações estruturais, e seus reflexos sobre as
escolas de pensamento e as políticas públicas. Além disso, também avançou
alguns elementos do processo histórico da economia nordestina e algumas
das mudanças estruturais no período recente.
Talvez merecesse aqui realizar um pequeno exercício de recuperação de
algumas ideias centrais trabalhadas ao longo do texto. A primeira ideia, é
que os fatores determinantes da grande transformação nas dinâmicas re-
gionais e locais não se restringem, apenas, na forma, ou nas relações das
variáveis. Eles abrangem aspectos estruturais, o que significa dizer que há
uma mudança não só nas estruturas, mas também no padrão de comporta-
mento das variáveis. A segunda ideia, derivada da primeira, é que o novo
padrão da dinâmica regional está, ainda, longe do seu ponto de definição. A
terceira ideia, é que a emergência dos novos eventos regionais desenharam
uma Nova Economia Regional, mais distante da tradicional Ciência Regio-
nal e mais próxima da tradição marshalliana, do jovem Marshall, bem como
da tradição evolucionista criada por J. Schumpeter, e dos institucionalis-
tas próximos aos geógrafos humanos. A quarta ideia, é que apesar dessa
aproximação a nova literatura da economia regional encontra-se, ainda,
decantando os novos conceitos e as novas estratégias de desenvolvimento
regional. Apesar disto, as políticas públicas voltadas para o desenvolvimen-
to local e regional, já vêm obedecendo e influenciando a formação de um
novo paradigma, este com um diálogo mais estreito com o território e seus
atores.
Na última parte do artigo procurou-se avançar algumas reflexões sobre
a economia nordestina. Nessa parte, chama-se a atenção para o fracasso
da intervenção federal na região, por meio da Sudene, entre os anos 1950
e 1970. Tal intervenção, baseada num modelo exógeno de desenvolvimen-
to e implantado de cima para baixo, apoiada numa crença exagerada no
planejamento centralizado, produziu poucos resultados em termos de cor-
reção das disparidades regionais entre a região Nordeste e outras regiões
brasileiras mais desenvolvidas. Por último, nessa seção, são apresentados

Globalização, transformações estruturais, desenvolvimento local e regional 63


alguns dados referentes aos setores e ao emprego com o objetivo de cha-
mar a atenção para as transformações estruturais da economia nordestina.
Tais dados nos passam alguns sinais de que a economia da região não tirou
partido da globalização, na medida em que as mudanças estruturais da
economia regional não foram significativas nem virtuosas, especialmente
na área industrial.

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Globalização, transformações estruturais, desenvolvimento local e regional 65


Produtos maduros de alta tecnologia em cadeias
globais: eletrônica e autopeças na fronteira norte
do México27

Jorge Carrillo

1. A maquila28 do norte do México: um modelo de


industrialização bem-sucedido?
A maquila de exportação29 apesar de mais de 40 anos no México e de seu
grande crescimento, a partir de Nafta, perdeu sua competitividade, particu-
larmente diante de países como a China. Além disso, os limites deste modelo
de industrialização para exportação não permitem que evolucione o sistema
internamente. Os exemplos mais notórios como a capital do televisor em
Tijuana, a capital dos cabos de chicote de fios em Juárez ou a capital do
jeans em Torreón, mostram como a maquila perdeu significativamente a
participação de mercado nos Estados Unidos (GEREFFI, 2005). Desse modo,
os promotores da economia do conhecimento e dos sistemas regionais de
inovação, consideram a maquila, inclusive a estabelecida na fronteira norte,
como “uma etapa que deve superar-se”. Isto nos leva a perguntar se o mo-
delo de maquila é realmente um modelo de industrialização, e se o modelo
está esgotado.

27. Tradução de Maria do Carmo Cardoso da Costa e Maria del Carmen Thomas.
28. NT: Manteve-se a palavra “maquila” e seus derivados no original.
29. O programa de maquila surgiu no México, em 1965, como uma combinação de dois ins-
trumentos governamentais: as tarifas tributárias 806.30 e 807.00 (posteriormente sistema
harmonizado HTS 9802) nos Estados Unidos, as quais permitem exportar e importar com-
ponentes livres de impostos, exceto o do valor agregado realizado fora do país, quando os
mesmos tenham uma origem norte-americana e tenham sido enviados ao estrangeiro para sua
composição e regresso a este país. E o Programa de Industrialização Fronteiriça, no México,
que permitia tanto a importação de insumos e componentes, quanto a exportação dos mesmos
livres de impostos, exceto o de valor agregado neste país. A partir de 13 de novembro de 2006,
a indústria maquiladora e o Programa de Importação Temporal para a Exportação (PITEX)
foram integrados em um programa Indústria Manufatura, Maquiladora e de Serviço de Expor-
tação (IMMEX) (para maior informação, consulte GAMBRILL, 2008).

Produtos maduros de alta tecnologia em cadeias globais 67


A maquila fronteiriça: modelo em que as empresas evoluem?
A maquila é parte de um modelo de industrialização dinâmico. No decorrer
de mais de 40 anos no México, foram observadas mudanças significativas,
muitas das quais podem ser consideradas como positivas.
Primeiro, a maquiladora localizada na fronteira norte foi considerada
como um modelo de industrialização desde o início dos anos 1990, por
três razões centrais: i) sua atividade de montagem para a exportação; ii)
baseada em trabalho intensivo, com 80% de mão de obra como trabalha-
dores de produção; e iii) baixos salários, com uma média de US$1.96 por
hora para os trabalhadores. A importância da maquila se encontra em: a)
no alto volume de exportações para os Estados Unidos (representa mais de
50% das exportações manufatureiras e é a principal geradora de divisas
com mais de US$25 bilhões anuais); b) no alto volume de importações de
matérias-primas e componentes; e c) no alto volume de emprego, com mais
de um milhão de trabalhadores, principalmente de baixa qualificação, que
representa 50% do emprego na manufatura exportadora. Esta importância,
no entanto, é aumentada, consideravelmente, em nível regional, particular-
mente em Tijuana e Juárez onde representa grande parte da atividade ma-
nufatureira. O modelo está dirigido por firmas multinacionais americanas,
asiáticas e europeias.
Segundo, a maquila foi considerada como um modelo de industriali-
zação bem-sucedido. Stallings e Pérez (2000), Padilla et al. (2007) e Katz
(2008) consideram que o aparelho produtivo da América Latina conta so-
mente com dois modelos bem-sucedidos em termos de crescimento econô-
mico: a maquila (particularmente a mexicana) e a indústria dos recursos
naturais do Cone Sul. Por sua parte, o governo mexicano considerava a ma-
quila, pelo menos até antes da crise de 2001-2003, como o melhor exem-
plo de crescimento industrial. Enquanto a indústria de manufatura (não
maquiladora) crescia a taxas muito baixas e até negativas, a maquiladora
se expandia a taxas de crescimento de dois dígitos durante os anos 1980 e,
particularmente, depois da entrada do Nafta em 1994.
Terceiro, a maquila como modelo industrial obteve bom desempenho.
Os estudos regionais e setoriais que se fizeram, em particular nos polos
maquiladores de Tijuana e Juárez, verificaram a evolução do setor e, neste
sentido, permitiram:
a) Comparar a maquila com a indústria orientada para o mercado interno
e com outras formas de acumulação, em termos de crescimento econô-
mico, melhores práticas, meio ambiente e segurança no trabalho, entre
outros (CONTRERAS et al., 2006; SCHATÁN e CARRILLO, 2004), em
que os resultados apresentam melhor desempenho.

68 Produtos maduros de alta tecnologia em cadeias globais


b) Compreender suas capacidades tecnológicas, organizacionais e laborais
na maquila eletrônica e de autopeças em Tijuana e Juárez (CARRILLO,
1993; DUTRENIT et al., 2006; CARRILLO e BARAJAS, 2007; PADILLA et
al., 2007).
c) Compreender sua capacidade de atrair empresas provedoras em Ciudad
Juárez (DUTRENIT et al. 2006; LARA, ARELLANO e GARCÍA, 2005), e
com instituições de apoio ao desenvolvimento industrial em Tijuana e
Ciudad Juárez (HUALDE e LARA, 2003; VILLAVICENCIO et al., 2006).
d) E derivar lições de política industrial e territorial em México como a de
clusters industriais (CARRILLO e HUALDE, 2000; DE LOS SANTOS, 2006).
Juárez, por exemplo, foi a primeira localidade no México que promoveu a
política de agrupamentos industriais, e Tijuana tem sido um dos melhores
exemplos de seguimento de clusters.
Quarto, considerar a maquila como modelo industrial permitiu também
dar conta de sua gradual escalada. Diversos estudos demonstram a existên-
cia de um segmento de empresas de ponta, com avanço industrial, e para-
lelamente a presença de segmentos que evoluem mais tarde (MERTENS
e PALOMARES, 1988; Wilson, 1992). Isto levou a um debate analítico: a
estrutura industrial no caso da maquila é bimodal, com poucas empresas
modernas e muitas tradicionais (DE LA GARZA, 2005), ou há configurações
específicas. Essa discussão desenvolveu o conceito de gerações (CARRILLO
e HUALDE, 1997) o qual explica o “processo evolutivo” das maquilas. A
tipologia é a seguinte:
a) Primeira geração, baseada na intensificação do trabalho manual e na
montagem simples (“montado no México”).
b) Segunda geração, baseada na racionalização do trabalho, a manufatura
e a adoção de novas tecnologias (“fabricado no México”).
c) Terceira geração, baseada na intensificação do conhecimento, e nas ati-
vidades de pesquisa, desenvolvimento e design (“criado no México”).
d) Quarta geração, baseada na coordenação centralizada de atividades para
o conjunto de plantas localizadas no país, pertencentes à mesma firma
(“coordenado no México”) (CARRILLO e LARA, 2003).
Diversos estudos de caso, em localidades fronteiriças, deram conta desse
processo de modernização industrial: os televisores em Tijuana e Juárez
(CARRILLO e HUALDE, 2000; URIOSTEGUI, 2002); a indústria de roupa em
Juárez e Torreón (BAIR e GEREFFI, 2001); as autopeças em Juárez (LARA,
ARELLANO e GARCÍA, 2005); os serviços médicos em Tijuana (MARTINEZ,
2005), ou as aeropeças na Baixa Califórnia (HUALDE e CARRILLO, 2007a;
ProduCen, 2006).

Produtos maduros de alta tecnologia em cadeias globais 69


E quinto, a maquila não é um programa único que defira da manufa-
tura de exportação não maquila. Existe grande similitude entre a maqui-
la e aquela adscrita a outros programas. Essa semelhança fez com que,
desde 2007, se integrassem os programas maquila e Pitex no denomina-
do IMMEX.30 Estudos realçados pela Cepal e pela Universidade Nacional
Autônoma de México propunham analisar em forma conjunta os distintos
programas de manufatura orientados para a exportação, tanto no México
quanto em outros países latino-americanos, assim como nas distintas zonas
francas, com o objetivo de contar com um conceito mais abrangente que
permita formular políticas públicas mais efetivas e de caráter mais hori-
zontal, levando em conta os grandes desafios que têm estas atividades na
região (PADILLA et al., 2007; DUSSEL, 2002).
Como vimos, a maquila fronteiriça evolui, mas o faz de maneira ho-
mogênea? A resposta é claramente negativa. Os resultados de pesquisa ao
longo de 25 anos, baseados em sondagens e em estudos de caso, permitem
concluir que embora haja exemplos de plantas maquiladoras com claras
trajetórias evolutivas na fronteira norte, também há múltiplos exemplos de
plantas em que continua a montagem simples, o trabalho não qualificado
e a redução de custos como estratégia principal das firmas. No entanto,
o resultado principal e mais generalizado é que a maquiladora é diversa
no seu interior. Em outras palavras, que existe heterogeneidade estrutural
na maquila fronteiriça. Isto é, que estatisticamente existe uma importante
diversidade se se analisar a maquila por setor, região, antiguidade, tecno-
logia, origem de capital etc. Duas sondagens realizadas por El Colef, uma
no início dos anos 1990 (CARRILLO, 1993) e outra no início dos anos 2000
(Carrillo e Gomis, 2004), permitiram determinar a heterogeneidade da ma-
quila e sua permanente diversidade. A sondagem mais recente, aplicada em
2001 nos setores eletrônicos e de autopeças em Tijuana, Mexicali e Juárez,
encontrou seis tipos de empresas que coexistem no mesmo espaço e tempo,
com base na mistura de tecnologia, inovação, autonomia nas decisões e
funções durante a cadeia (integração vertical). Desde empresas altamente
inovadoras com atividades de pesquisa e desenvolvimento, até empresas
de primeira geração convivem dentro de cada setor produtivo. Talvez o
que mais sobressaia é que outros estudos baseados em sondagens e censos
nacionais, usando outras metodologias, encontrem também uma estrutura
hexagonal em empresas de manufatura não maquiladoras (DOMÍNGUEZ e
BROWN, 2004), assim como em empresas provedoras de serviços de ma-
quinaria à maquila em Ciudad Juárez (DUTRÉNIT e VERA-CRUZ, 2004).

30. Veja nota 1.

70 Produtos maduros de alta tecnologia em cadeias globais


O contexto territorial e seus atores estratégicos nos brindam com outra
chave para analisar a diversidade na qual se vê imersa a maquila. Vejamos
o caso da indústria dos cabos de chicote de fios para automóveis e dos apa-
relhos de televisão.

2. A indústria dos chicotes de fios automotivos


A produção dos chicotes de fios é fundamental para os veículos, tecnolo-
gicamente é crítica e segue um processo evolutivo semelhante às demais
autopeças: é cada vez mais complexo e está integrado aos sistemas modu-
lares. Os chicotes de fios automotivos configuram uma indústria e estão
liderados por poucas empresas provedoras globais que seguem uma dupla
estratégia: a transferência para lugares com mão de obra abundante e mais
barata, ou a concentração regional para poder atender aos clientes de ma-
neira mais rápida e eficiente. Em outras palavras, as permanentes pressões
das montadoras de autos para reduzir custos levam estas multinacionais
a transladarem-se para zonas emergentes tipo green field (dentro de cada
país e entre países). Porém, ao mesmo tempo, as economias de escala e a
necessidade da sincronização na produção modular, pressionam as empre-
sas para aproximarem-se de seus clientes, dando como resultado a confor-
mação de clusters industriais e um processo de globalização de atividades
de R&D (Pearce e Singh, 1992). No México, e particularmente no norte do
país, a indústria dos chicotes de fios obteve singular importância desde o
início dos anos 1980. As estratégias das firmas variam. Vejamos o caso de
Ciudad Juárez, considerado como a capital mundial do chicote de fios.

2.1. A importância do chicote de fios como produto


Os chicotes de fios automotivos31 representam um componente menor, em
termos de valor, dentro da indústria do automóvel, já que representam pou-
co menos de 1% do valor agregado de um carro. No entanto, a importância
de seu papel é qualitativa. Os veículos são controlados atualmente, e cada
vez mais, com a assistência de complexos sistemas elétrico-eletrônicos e
cada função é operada ou monitorada eletronicamente por meio de um

31. Entende-se por chicotes de fios o conjunto de cabos de fios para transportar energia elé-
trica e eletrônica dentro dos veículos de passageiros. De acordo com a USITC os chicotes de
fios são junções de múltiplos condutores elétricos isolados que são acoplados a terminais,
conectores, sockets e outros produtos de cabo (wiring devices). São usados para conectar vários
componentes elétricos (por exemplo: luzes, instrumentos e motores) a uma fonte de energia
(geralmente baterias e geradores), e/ou cuidar de altas voltagens em partes seletas de ignição
(como arrancadores, geradores, distribuidores e velas de ignição) em veículos como carros,
aviões e embarcações.

Produtos maduros de alta tecnologia em cadeias globais 71


complexo sistema de distribuição, integração de cabos, conectores e cen-
tros eletrônicos. Por isso, os chicotes de fios são apontados frequentemente
como o sistema nervoso dos veículos (YAZAKI, 2007; DELPHI, 2008; SUMI-
TOMO, 2008; LEAR, 2008). Além disso, a emergente produção de veículos
híbridos implica necessidades diferentes de chicotes de fios, conectores, etc.
aparte da rápida mudança tecnológica e da introdução de tecnologias de
informação. Tudo isso significa que a indústria dos chicotes de fios está em
permanente processo de inovação tecnológica diante da necessidade de re-
duzir espaço e custo, e aumentar sua conexão.
O design e a produção global dos conjuntos de chicotes de fios 32 se
dirigem aos veículos de motor, e estão sendo administrados de perto para
assegurar um ininterrupto fluxo de conjunto dentro do processo de manu-
fatura do veículo. Eles são a última parte do automóvel a ser especificada
definitivamente. Os chicotes de fios mais notórios estão nos motores e nos
painéis de instrumentos; mas também se encontram nos painéis das portas,
assentos e nos diversos sistemas de iluminação (USITC, 1997:3-19). A mon-
tagem típica dos conjuntos de chicotes de fios envolve numerosas linhas de
produtos para serem acomodados em uma grande variedade de modelos
de veículos e conjunto de acessórios. Soma-se a isso, o processo final da
montagem incorpora um intrincado e complexo conjunto de operações que
não são econômicas nem praticamente possíveis de automatizar.33 Como
consequência, 80% do conjunto de chicotes de fios que são consumidos
na produção de veículos nos Estados Unidos são montados em países com
baixos custos de mão de obra (USTIC, 2007).
A vantagem do diferencial salarial mexicano somado à proximidade ge-
ográfica com os Estados Unidos (3.200 km de fronteira compartilhada) e
as relações de negócio com as “Três Grandes Americanas de Carros” (desde
1926 mantêm presença no México, e desde 1979 estabeleceram maquila-
doras de autopeças), fizeram do México a localização estrangeira líder para
a montagem dos cabos de chicotes de fios (CARRILLO e HINOJOSA, 2001).
Em 2007 o consumo estimado de chicotes de fios na União Americana foi ao
redor de US$6.500 milhões (USTIC, 2007), sendo meteórico o crescimento
das exportações mexicanas durante os últimos 15 anos: da ordem de mais
de 450% ao passar de US$996 milhões em 1992 a US$6.326 milhões em

32. Em inglês: ignition wiring harnesses sets.


33. Estas operações são tipicamente realizadas em maquiladoras através de provedores com
matriz nos Estados Unidos ou Japão e incluem uma ou mais das seguintes atividades: estam-
par diversos conectores de terminais elétricos com os códigos finais de cor ou sinais de cabo;
construir ou emparelhar os condutores terminados através do uso de “árvores” de cabos ou
outro aparelho de formação de arnés; envolver ou cubrir o arnés montado; e desempenhar
operações finais limitadas tais como provas e etiquetado.

72 Produtos maduros de alta tecnologia em cadeias globais


2007 (USTIC, diversos anos)34 constituindo-se no terceiro principal produto
exportado sob o programa maquiladoras depois de TV, rádios, partes e com-
ponentes e de Computadores (Quadro 1).35

Quadro 1 – Principais produtos maquiladores de exportação


1992-2007 (milhões de dólares)
Produtos maquiladores 1992 1995 2000 2002 2007
1 Cabos elétricos de chicotes de fio 996 1.757 5.097 5.369 6.326
2 Autopartes 1.600 1.676 8.752 9.770 16.322
Subtotal automotriz 2.596 3.433 13.849 15.139 22.648
3 Roupa 581 1.637 8.702 7.719 4.687
4 Computadores n.d. n.d. 6.866 7.905 6.584
5 TV e Rádios, partes e componentes 547 814 4.889 3.833 7.347
6 Resto 4.968 6.950 80.211 79.351 123.805
Total de produtos de toda a IME 8.692 12.834 114.517 113.947 165.071
Fonte: Elaboração dos autores com base em USITC. U.S. Imports from Mexico
(HTS 9802.00.80), 1992 e 1995; USITC. U.S. Imports from Mexico
(utilizou-se a classificação da NAIC) 2000-2007

Do exposto anteriormente, se podem estabelecer três características


centrais deste produto: (i) sua alta dependência diante de qualquer mu-
dança nas partes eletrônicas devido a que, através dos chicotes de fios, se
transmite tal informação; (ii) ser altamente intensivo na mão de obra; e
(iii) estar sujeito a uma forte pressão para reduzir custos (price squezing).
Isto explica porque, os corporativos que são provedores de primeira linha
de plantas armadoras optaram por localizar-se estrategicamente perto das
plantas armadoras, não só nos Estados Unidos, mas também na Europa,
Ásia e América do Sul, de acordo com os novos mercados emergentes do
carro em nível global. Como resultado da crescente demanda por parte
dos fabricantes de automóveis da entrega oportuna de designs complexos
de chicotes de fios de alta qualidade, somente as maiores companhias com
tecnologia competitiva conseguiram sobreviver e desenvolver-se pelo qual
há uma concentração setorial em poucos corporativos. Yazaki, Delphi, Su-
mitomo, Lear, Alcoa-Fujikura e Valeo são considerados como os maiores
produtores mundiais de chicotes de fios.

34. Enquanto o Canadá alcançou em 2007 apenas US$4.18 milhões.


35. Em 2007 as exportações do setor automotriz (veículos e autopartes) superaram as petro-
leiras (US$46,246.75 milhões contra US$30,139 milhões respectivamente).

Produtos maduros de alta tecnologia em cadeias globais 73


2.2. Um modelo bem-sucedido? A indústria de chicotes de fios em
Juárez
Durante os últimos 30 anos a fisionomia de Ciudad Juárez, fronteira com
El Paso, Texas, mudou substancialmente devido ao enorme crescimento da
indústria maquiladora. Sem dúvida, hoje em dia representa um fator indis-
pensável para o funcionamento de sua economia; mais ainda, é o motor do
dinamismo na zona.
Convém ressaltar seis elementos. Primeiro, há mais plantas de chicotes de
fios do que as declaradas oficialmente. Muitas companhias possuem várias plan-
tas na cidade, mas só algumas estão registradas nos diretórios oficiais. Segundo,
os estabelecimentos são de grande tamanho. As empresas de chicotes de fios
têm 24% do total de empregos gerados pela maquiladora na cidade, repartidos
em 39 plantas, quer dizer, uma média de 1.415 empregados por estabeleci-
mento. Terceiro, existe uma alta concentração em poucas empresas de primeira
linha. Dos 39 estabelecimentos que constituem o conjunto dos chicotes de fios
cinco empresas possuem 32 plantas e empregam 43.626 trabalhadores; só cinco
corporativos concentram 79,4% do emprego dessa especialidade na cidade. O
número e as porcentagens de participação individual por corporativo se mostra
no Quadro 2. Quarto, os clientes não são só uma, mas a diversas montadoras
americanas, asiáticas e europeias, tanto de carros, quanto de veículos leves e
pesados. Quinto, desde 1994 se abastece do design completo do chicote de fios
(pesquisa, desenvolvimento, corte e montagem) às montadoras automotivas
norte-americanas. E sexto, devido à competição pela sobrevivência e a contra-
ção do mercado estadunidense os corporativos começam a ampliar sua carteira
de clientes em direção a outros mercados emergentes como o asiático e europeu
(El Diario/Suplemento Manufactura, 27 de maio 2008).

Quadro 2 – Firmas produtoras de chicotes de fio em Ciudad Juarez.


Número de plantas e emprego
Plantas Emprego
Corporação
1987 1997 2007-2008 1987 1997 2007-2008
Delphi 10 13 8 15.058 19.081 11.231
Yazaki 2 11 12 2.253 18.402 21.365
Lear (United Technology
2 9 5 2.240 16.076 4.316
Automotive) (a)
Chrysler (b) 2 n.d. n.d 2.727 8.332 n.d.
Electric Wire Products (c) 2 n.d. n.d 1.285 6.888 n.d.
Alcoa Fujicora (d) n.d. 5 1 n.d. 5.736 1.200
Sumitomo n.d. 6 8 n.d. 3.200 5.511
Maquilados Fronteiriços n.d. 1 n.d n.d. n.d. n.d.
Subtotal 25 57 n.d. 34.678 79.947 55.187
Total 37 89 42 n.d. n.d. n.d.
Notas:

74 Produtos maduros de alta tecnologia em cadeias globais


(a). Lear Company comprou a United Technology Automotive em março de 1999.
(b). Informação só para três plantas.
(c). Informação só para uma planta.
(d). Informação só para três plantas.
Fonte: Elaboração dos autores com base no Ministério de Comércio e Fomento Industrial,
Diretórios da Indústria Maquiladora e trabalho de campo en maio de 1999 e fevereiro de
2008.

Resumindo, o mega cluster de Juárez está formado por “jogadores glo-


bais”. Estes grandes corporativos se encontram competindo dentro dos mer-
cados em nível mundial e produzem tanto chicotes de fios quanto outros
sistemas e componentes para a maioria das empresas terminais.36
Vejamos o caso de duas companhias de maior importância em Ciudad
Juárez, as quais concentram várias dezenas de mil trabalhadores e são dois
dos cinco “jogadores globais” mais importantes na indústria dos chicotes de
fios em nível mundial: Yazaki e Delphi.

2.2.1. Yazaki Corporation37


Yazaki é uma companhia japonesa que produziu seu primeiro chicote de
fios automotivo em 1929 no Japão; na atualidade o corporativo se encontra
dividido em 170 companhias, das quais só 73 filiais estão no Japão. Empre-
ga por volta de 200 mil trabalhadores em 463 empresas em 39 países ao
redor do mundo e conta com um capital de 3.191 milhões de ienes.38 Yazaki
Electrical Wire Co. e Yazaki Parts Co.: a primeira fabrica o cabo elétrico, a
partir de alumínio e cobre, e a segunda, os chicotes de fios automotivos e
sistemas modulares. No México, Yazaki conta com 19 plantas e nove sub-
sidiárias com um investimento acumulado de U$215,4 milhões e 43 mil
empregos (BANCOMEXT, 2006).
Em Juárez se encontram três empresas vinculadas a Yazaki: a primera
é AAMSA, estabelecida em 1982, que manufatura diferentes tipos de chi-
cotes de fios automotivos, possui oito plantas no Estado de Chihuahua. Só
em Juárez ocupa 5.162 trabalhadores, e depende diretamente de Yazaki
NorthAmerica Inc. A segunda é PEDSA, que fabrica chicotes elétricos de
diferentes tipos, conta com seis plantas em Juárez e ocupa 10.802 trabalha-

36. A mudança de denominação de cabos de chicotes de fios de ignição a sistema de distribui-


ção elétrico (electrical distribution system) implica não só o reconhecimento de que o chicote
de fios automotivo desempenha um papel vital para coordenar e controlar a operação de todo
o sistema de distribuição elétrica no veículo, mas a tendência a substituir a produção de com-
ponentes pela de módulos ou sistemas.
37. Consultar Yazaki (1999).
38. http://www.yazaki-group.com/environment/pdf/2007e/yazaki_001.pdf

Produtos maduros de alta tecnologia em cadeias globais 75


dores. Chrysler vendeu PEDSA a Yazaki em 1993, atualmente depende de
EWD, a qual tem seus escritórios centrais em Troy, Michigan e é mais uma
das empresas do corporativo Yazaki; suas funções principais são desenvol-
ver, fabricar e vender chicotes automotivos na América do Norte. A terceira
empresa é a Autoelectrónica, de Juárez estabelecida em 1985 e desde 1994
pertence a EWD-Yazaki North America e conta com duas plantas e 5.401
empregados.
Nenhuma dessas empresas tem sindicato em suas plantas mexicanas.
A montagem dos chicotes de fios se realiza fundamentalmente de maneira
manual na área de montagem final e o maior nível tecnológico está nas
áreas de corte, decapagem e prensado, e igualmente como nos painéis de
prova, que, no início eram eletromecânicos e agora são de eletrônica digi-
tal; do mesmo modo, anteriormente as equipes testavam submontagens
completas dos chicotes de fios e agora se testa cada parte do chicote de fios
antes de montá-lo. Em questão do controle de qualidade as certificações
internacionais como: ISO/TS-16949, ISSO-9000, QS-9000, ISSO-14000, e
ISO-14001 são indispensáveis, além das práticas produtivas como: a téc-
nica 5S, certificação de trabalhadores em operações críticas, enfoque de
provedores e clientes internos, etc., as quais são requeridas pelas plantas
montadoras.39
Diferentemente dos anos 1990, hoje achamos que cada planta pode
trabalhar com vários clientes (chamados negócios) ao mesmo tempo,
mas produzem chicotes de fios de um determinado sistema (interiores,
portas, painéis etc.), para diferentes tipos de veículos. Seus clientes
principais são Honda, Toyota, Nissan, Ford e Chrysler. Essa divisão de
trabalho por tipo de sistema de módulos por planta responde às especi-
ficações de cada um dos sistemas modulares que leva cada modelo de
carro, e à grande quantidade de produção que deve realizar-se para tais
modelos. Os painéis onde se montam os chicotes de fios dificilmente
podem ser flexíveis para poder atender a diversos modelos de carros, já
que implicam diferente tamanho de cabo, distintos conectores e diversas
funções, entre outros. Recordemos que as plantas de chicotes de fios são
de grande tamanho (em muitas ocasiões, chegam a mil trabalhadores
cada uma).

39. Esta informação foi obtida a partir de entrevistas com operadores de produção e funcio-
nários de plantas maquiladoras de chicotes de fios, e faz parte do trabalho de investigação de
campo da tese doutoral de Martha Miker (MIKER PALAFOX, 2007).

76 Produtos maduros de alta tecnologia em cadeias globais


2.2.2. Delphi Automotive Systems40
Delphi operava em 156 estabelecimentos em 34 países, com vendas de
US$22.3 bilhões em 2007.41 Possui escritórios regionais em Paris, Tóquio
e São Paulo; os escritórios centrais se encontram em Warren, Ohio. Delphi
se encontra composta por sete divisões sob o conceito de sistemas: Chassis,
Delco Electronics, Energy & Engine, Harrison Thermal, Interior, Packard
Electric e Saginaw Steering. Destas áreas, a que nos interessa destacar se
denomina Delphi Packard Electric Systems (Delphi-Packard), que se encar-
rega da análise da arquitetura dos sistemas elétricos e eletrônicos de todo
o veículo; a distribuição e integração eletrônica, e a otimização do design
de sistemas completos. Entre os produtos que fabrica se incluem: centros
e sistemas elétricos/eletrônicos; produtos eletrônicos; sistemas leves de fi-
bra ótica; sistemas de ignição por cabo; sensores e cabines modulares. No
México, Delphi fabrica sistemas de gestão de motores a diesel, manejo de
combustível e emissões do motor através de sua divisão Delphi PowerTrain
Systems; e sistemas e controles de segurança, entretenimento e comuni-
cação na Division Delphi Electronics, também produz sistemas de conexão
para os centros eletrônicos (chicotes) para os carros através de sua divisão
Delphi Packard Arquitetura Elétrica e Eletrônica; produtos térmicos para os
automóveis e para novos mercados na Divisão de Thermal Systems. Delphi
declarou falência em 2005 diante da queda de seu principal cliente, Gene-
ral Motors. Desde esse ano até esta data, vendeu no México duas de suas
divisões, a de direções, e a de interiores, e concretizou a venda de uma
terceira, a de Steering Systems que foi adquirida por Steering Solutions,
propriedade de Platinum Equito LCC.42
Atualmente, o corporativo Delphi tem aproximadamente 169.500 em-
pregados em nível mundial, sendo o México o principal receptor do empre-
go com 68 mil pessoas ocupadas em 50 plantas e um Centro Técnico. Só
a Ciudad Juárez conta com 15 plantas. No México, a Delphi-Packard conta
com cinco empresas RBE, ACE, ECSA, AA e Cableados y Promotoras de Par-
tes Eléctricas Automotrices (investimento conjunto com a Condumex).
Em Ciudad Juárez se encontram as oito plantas de RBE que ocupam um
total de 11.231 trabalhadores; esta empresa fabrica chicotes de fios auto-
motivos de diferentes tipos para diversos clientes entre os quais se encon-
tram, Ford, Harley, GM, Harrison, BOS Wagner, Panasonic, Ford, Subaru,

40. Consultar em Delphi (1999).


41. Ver http://es.delphi.com/enes/about/main/
42. A venda desta divisão impactará 726 trabalhadores localizados em Ciudad Juárez, 139
que trabalham no MTC e o resto que trabalha na planta Río Bravo Eléctricos XXII. Além disso,
1.024 trabalhadores que trabalham em duas plantas em Querétaro, uma em Sabinas Hidalgo e
outra em Nuevo León México (El Diario, 21 de janeiro de 2008, Suplemento Manufactura).

Produtos maduros de alta tecnologia em cadeias globais 77


Lear Corporation, Packard Interiores e Toyota. Além disso, conta com um
Centro Técnico que se encarrega de atividades de pesquisa, design e desen-
volvimento, e oferece apoio às outras seis divisões do corporativo. De 1998
a 2007 o centro inscreveu 188 patentes no Registro de Patentes, além disso
possui 801 registros de invenções (primeiro passo de uma patente), 65 pu-
blicações defensivas e 11 segredos industriais. Conta, também, com aproxi-
madamente 1.600 engenheiros dos quais quase 90% são mexicanos.43
A primeira planta de Packard no México foi a Conductores, que iniciou
suas operações em 1978 e hoje é conhecida como RBE 1. Río Bravo, em suas
diferentes plantas há duas décadas, veio implementando e aperfeiçoando
o sistema de controle de qualidade global de Packard. É uma iniciativa que
pretende homogeneizar os processos em todas as empresas do corporativo
em qualquer parte do mundo, conseguindo que “estas falem a mesma lin-
guagem que seus clientes”, isto é, que todas mantenham um mesmo modelo
organizacional baseado na qualidade total. Este sistema se dirige não só à
atividade central da empresa, quer dizer a manufatura, mas também àque-
las áreas em que tradicionalmente não se efetuava o controle de qualidade
tal como finanças, administração e pessoal; além disso, permite assegurar
o padrão de qualidade especificado por seus clientes sob o sistema global
de controle de qualidade que inclui modelos como o ISO-9000, o QS-9000,
ISO/TS-16949, técnicas 5S.
Essas empresas não têm sindicato, a tecnologia empregada na elabora-
ção de chicotes de fios continua sendo manual e organizada em painéis mó-
veis, só se encontram mecanizadas as linhas nas fases finais da montagem.
No entanto, se integraram à operação das empresas o processo de corte dos
cabos, que se realizava anteriormente em El Paso, e o teste nas estações
de trabalho. Talvez o mais inovador seja o desenvolvimento dos processos
multiplex.44 Embora não contem com sindicato, o pagamento a operadores
semanalmente varia entre US$28 (para operadores em treinamento) e US$
98 para operadores flexíveis.45
Como conclusão a esta seção, podemos dizer que a indústria dos chico-
tes de fios automotivos é de vital importância para o setor automotriz. Seu
impacto na economia regional é muito elevado, já que as empresas tendem
a aglomerar-se neste setor, gerando uma grande quantidade de empregos
diretos e indiretos. Ainda que os salários de entrada nas plantas de chicotes
de fios sejam muito baixos, estes tendem a elevar-se consideravelmente à

43. Xóchilt Díaz, gerente de assuntos Corporativos de Delphi no México, segunda-feira, 14 de


abril de 2008, El Diario, de Ciudad Juárez, Suplemento Manufatura.
44. Multiplex pode ser definido como um número pequeno de cabos que transmitem uma
grande quantidade de dados, como uma linha telefônica.
45. Miker Palafox (2007), ver nota 9.

78 Produtos maduros de alta tecnologia em cadeias globais


medida que aumentam as habilidades no tempo. Também, se apresentam
problemas “clássicos” nos mercados de trabalho de aglomerações indus-
triais fronteiriças, tais como a rotatividade voluntária no trabalho e as au-
sências.
O elevado conteúdo tecnológico nos chicotes de fios fez com que fosse
mais complexo seu design e manufatura. A diversidade nos modelos de
veículos também provoca que as plantas de cabos de chicote de fios requei-
ram contar com uma alta flexibilidade para mudar e ajustar-se à cambian-
te demanda no mercado. A flexibilidade laboral (numérica e funcional) é
talvez uma de suas características centrais que permitem fazer os ajustes
necessários.
Neste processo, competem provedores globais automotivos integrados
verticalmente como Delphi, assim como multinacionais mais especializadas
em sistemas e componentes, como Sumitomo ou Lear. As estratégias de fir-
ma variam tendo como consequência um impacto regional diverso. Enquan-
to algumas firmas redistribuem desde a montagem de chicotes de fios até as
atividades de engenharia avançada com o fim de sincronizar manufatura e
Pesquisa e Desenvolvimento (I+D), outras promovem a redistribuição das
atividades mais intensivas em trabalho de baixa qualificação. A hipótese de
mover os processos de menor valor agregado, como os chicotes de fios, de
países mais caros para os mais baratos não resulta totalmente certa. Na me-
dida em que se desenvolveu a produção modular e os sistemas justos a tem-
po na indústria automotiva, componentes cruciais como os chicotes de fios
requerem se localizar mais próximos dos clientes. Ninguém poderá objetar
que o setor automotriz representa uma das indústrias mais globalizadas de
nossa era, no entanto, a evidência assinala que existe um processo de in-
tegração regional na América do Norte. Por enquanto, a hipótese “todas as
empresas de baixo valor e altamente intensivas em mão de obra” vão à Chi-
na não se demonstra neste caso. O México continua altamente competitivo
neste setor. No entanto, a ascensão das firmas asiáticas em relação a seu
posicionamento no mercado e o retrocesso das americanas, talvez marque
uma diferença importante no futuro mediato.

3. A indústria dos aparelhos de televisão


A indústria do televisor se encontra em uma importante mutação tecnológi-
ca. A televisão analógica em cor, que se desenvolveu durante a segunda me-
tade do século passado, entrou em fase de envelhecimento. Os televisores
de projeção com tela grande estão na metade de sua fase de maturidade.
Contrariamente, os televisores digitais estão iniciando sua fase de cresci-

Produtos maduros de alta tecnologia em cadeias globais 79


mento (Gráfico 1). Isto obedece ao avanço da tecnologia, que permitiu que,
embora mantenha volumoso e pesado cinescópio (CRT – tubos de raios
catódicos), oferece ao consumidor diversos modelos, aparelhos com telas
planas, múltiplas funções, multimídia, muitos tamanhos diferentes de tela,
e variada tecnologia. Isso, somado ao menor custo diante dos televisores
digitais de tela plana, permitiu que aparelhos de TV produzidos com cines-
cópio ainda tenham um futuro promissor, nos mercados de alto valor de
consumo como a Europa, e particularmente nos Estados Unidos. Sem dú-
vida, isto está mudando constantemente, em particular com a entrada dos
“canais digitais” na televisão por contrato. A televisão digital – de plasma,
Liquid Cristal Display (LCD) e outras tecnologias –, conhecida como Flat
Panel Display (FPD), se encontra em fase de crescimento. Também existe o
desenvolvimento de novas tecnologias e materiais que darão lugar a novos
aparelhos de televisão, como indica o Esquema 1.

Gráfico 1 – TV: Ciclo de vida do produto

Fonte: Producen, 2002

3.1. A geografia da produção


Embora uma televisão como produto se assemelhe mais aos computadores
em termos de cadeia do valor e da arquitetura de produto, seu compor-
tamento no mercado se parece mais ao da indústria automotiva (Kenney,
2004; Fujimoto, 2004). Segundo Kenney (2004:82-83), a indústria dos te-
levisores foi a primeira grande “indústria fordista” a se converter em vítima
da concorrência global; tendo de encarar a competição brutal do preço des-
de 1980, a constante sobrecapacidade.
A produção da TV teve um caráter doméstico por curto tempo, parti-
cularmente com os aparelhos em preto-e-branco. Esta situação começou a

80 Produtos maduros de alta tecnologia em cadeias globais


mudar na metade dos anos 1960, quando a fase de montagem intensiva em
mão de obra foi transferida dos países desenvolvidos para os subdesenvol-
vidos, como foi o caso da transferência de plantas dos Estados Unidos para
o Norte do México a partir de 1968, o do Japão para os países do Sudeste
asiático, como Malásia e Tailândia. Este fenômeno foi conceituado como a
internacionalização da produção e implicou uma nova divisão internacio-
nal do trabalho (FROBEL et al., 1980). Embora existisse uma divisão entre
países, sendo que alguns tinham como função prover outros países que con-
sumiam, o mercado era regional. Ou seja, a produção no México se dirigia
ao mercado estadunidense; e a dos países do Sudeste asiático para o Japão.
Nos países europeus, produziam-se e consumiam-se os televisores.
Embora o processo de globalização esteja mudando a divisão tradicional
de mercados regionais, e exista uma tendência similar à que se dá na pro-
dução de computadores, por excelência globalizada, o processo não avança
tão rápido como a tecnologia. Os produtores regionais estão pressionando
para manter o comércio intrarregional, através de regras de origem, medi-
das anti-dumping, estabelecendo transplantes etc. Porém, isto contrasta com
as estratégias agressivas das firmas para aumentar mercados, os avanços na
tecnologia e na logística, a redução generalizada de custos, e a maior efici-
ência em serviços como o transporte. Tudo isso possibilitará que a mudança
de “mercados regionais” a “mercados globais”, e de “produtores domésticos
e regionais” a “centros de manufatura mundial” seja mais rápida.
Antes mesmo da primeira onda de internacionalização da produção, a
integração vertical dentro dos países produtores era considerável. Com a
realocação de plantas e o processo de globalização, o fenômeno das aglo-
merações industriais já não estava acompanhado pela integração regional.
O abastecimento de componentes locais, em países em desenvolvimento, é
baixa em geral, embora haja exceções importantes. Por exemplo, em 1995 a
indústria de televisores tinha no México um conteúdo local de somente 4%;
enquanto na Malásia e Tailândia alcançava 62% e 40%, respectivamente
(MORTIMORE et al. 2000:65-71). Ainda que esta cifra para o México tenha
mudado de modo substancial com a chegada das empresas produtoras de
CRT e de componentes-chave, os percentuais ainda são menores do que nos
países asiáticos.
Com a transição da produção de aparelhos de televisão analógicos a
digitais, espera-se que o conteúdo local mude novamente. Porém, ao que
parece, a mudança será positiva para as instalações manufatureiras expor-
tadoras, já que o valor do painel, neste caso, é menor (70% contra 80%)
que o do televisor analógico (veja o Capítulo 3) e atualmente toda a pro-
dução de flat panel display se realiza no Japão e Coreia do Sul. Ainda que
as filiais e os governos nos países subdesenvolvidos estejam ávidos para

Produtos maduros de alta tecnologia em cadeias globais 81


receber estes novos investimentos, não existe nenhum plano de realoca-
ção de tais plantas,46 com exceção de uma empresa japonesa que, segundo
consta, estabeleceu nos últimos dois anos uma planta produtora de FPD
na China. Para ter-se uma ideia, o investimento requerido para estabelecer
uma planta de CRTs chega a US$150 milhões, aproximadamente, enquanto
uma de FPD é de mais de US$500 milhões.47 Não obstante as informações
anteriores, empresas coreanas de televisores em Tamaulipas e japonesas na
Baixa Califórnia anunciaram que realizarão investimentos importantes para
realizar uma parte adicional da montagem de FPD.

a) Oportunidades dos países em vias de desenvolvimento


Os países subdesenvolvidos desempenharam um papel central na expor-
tação de receptores de TV em cores. Sua participação aumentou de pouco
mais de 16% das exportações totais em 1980, avaliadas em US$5.5 bilhões,
a quase 35% de exportações do total de 1990, avaliadas em US$14.5 bi-
lhões (MORTIMORE, et al., 2000). Os três principais países produtores de
TV, México, Malásia e Tailândia, desempenharam um papel importante na
reestruturação desta indústria. México participava, em 1995, com 18,5%
das importações de aparelhos de televisão na OCDE, Malásia com 7,2% e
Tailândia com 4,8%. China não era um jogador global devido grande parte
de sua produção estar destinada ao mercado doméstico.

Quadro 3 – Principais países produtores de receptores de televisão em cor


(sitc 761) segundo principais mercados. Participação no mercado
de importação, 1994-5 e porcentagem de câmbio 1980-1995
Posição América do Norte* Europa ocidental* Japão*
60,0%, 14,6%, 30,0%,
1 México, Reino Unido, Malásia,
9,230% 194% >10,000%
12,2%, 13,0%, 20,7%,
2 Malásia, Alemanha, Coreia do Sul,
>10,000% -60% -22%
7,6%, 9,7%, 19,0%,
3 Japão, França, Tailândia,
-71% 1,147% >10,000%
6,4%, 7,9%, 9,3%,
4 Tailândia, Espanha, Singapura,
>10,000% 1,652% 162%

46. Entrevistas com empresas televisoras em Japão, China e Tijuana. Jorge Carrillo, trabalho
de campo durante 2004.
47. Ibidem. O investimento de US$500 milhões equivale a construir uma moderna planta pro-
dutora de automóveis – como foi o caso da Ford na cidade de Hermosillo.

82 Produtos maduros de alta tecnologia em cadeias globais


Posição América do Norte* Europa ocidental* Japão*
4,5%, 7,6%, 7,2%,
5 Estados Unidos, Áustria, Taiwán,
-55% 53% -86%
3,0%, 7,5 %, 6,7%,
6 China, Bélgica / Luxemburgo, China,
>10,000% -24% >10,000%
2,2%, 5,9%, 2,4%,
7 Coreia do Sul, Itália, México,
-90% >10,000% >10,000%
1,5%, 3,5%, 1,9%,
8 Canadá, Japão, Filipinas,
-71% -70% 5,411%
1,0%, 2,6%, 1,9%,
9 Singapura, Coreia do Sul, Estados Unidos,
-69% 28% -75%
0,5%, 2,4%, 0,5%,
10 Taiwan, Finlândia, Bélgica/Luxemburgo,
-98% -41% -38%
10 principais 98,9% 74,7% 99,5%
Resto 1,1% 25,3% 0,5%
Total 100% 100% 100%
Notas:
1) - = perda de participação no Mercado durante 1980-1995.
2) A primeira porcentagem é a participação no mercado de importação. Assim, por
exemplo, a primeira linha da primeira coluna significa que México participou com 60% das
importações dos Estados Unidos. E a segunda porcentagem, a porcentagem de câmbio
significa a diferença entre o volume de comércio das importações em 1980 e 1995.
Fonte: CAN PLUS computer program of ECLAC, Tomado de Morrimore, et al., 2000.

Em relação ao México, o crescimento da indústria da televisão conven-


cional foi um resultado direto das mudanças nesta indústria nos Estados
Unidos; primeiro com a implementação de transplantes asiáticos48 naquele
país e com a redistribuição das plantas para a fronteira norte do México.
Três fatores críticos para o sucesso japonês na América do Norte foram: a
taxa de câmbio favorável do iene ante o dólar, o baixo custo da mão de obra
japonesa nos anos 1960 e 1970 e o sistema de produção japonês. Devido
a montagem de televisões requerer abundante mão de obra, o fator custo
desde seus inícios foi fator importante na realocação dos investimentos.
No fim da década de 1970, o papel do México havia evoluído de ser um
fornecedor de partes para converter-se em um exportador de televisores em
cores. Companhias como RCA, Sylvania, e Zenith estabeleceram suas plan-
tas mexicanas desde o fim dos anos 1960 na fronteira de Ciudad Juárez.
Esta decisão foi determinada parcialmente pelas restrições de importação

48. Assim se denominam as fábricas, neste caso asiáticas, estabelecidas fora de seu país de
origem.

Produtos maduros de alta tecnologia em cadeias globais 83


que requeriam os produtores dos Estados Unidos para reunir o produto
final nesse país e evitar tarifas altas (KENNEY, 2004:97).
Na metade dos anos 1980, a maioria dos produtores americanos nos Es-
tados Unidos foram pressionados a abandonar o setor por parte das trans-
nacionais europeias e, principalmente, asiáticas. A firma francesa Thomson
comprou as plantas da General Electric e RCA. A Thomson posteriormente
foi adquirida por uma firma da China. A Philips, da Holanda, adquiriu as
marcas de Sylvania e Magnavox. A Matsuchita do Japão comprou a Quasar.
E, posteriormente, a empresa coreana LG Electronics comprou as operações
da Zenith. Este processo de concentração produziu uma indústria de tele-
visores dividida principalmente entre transnacionais europeias com plantas
de produção nos Estados Unidos (que controlavam pelo menos 34% do
mercado estadunidense em 1990), e um rápido crescimento dos transplan-
tes principalmente japoneses, os quais investiram na criação de um cluster
de aparelhos de televisão na cidade de Tijuana, cuja proximidade ao porto
de Long Beach, Califórnia, facilita as importações procedentes de Ásia.
O complexo de televisor do Norte do México empregava no ano 2000
mais de 90 mil trabalhadores e produzia cerca de 30 milhões de aparelhos
ao ano (CONTRERAS e CARRILLO, 2002). De acordo com projeções do
Banco Mexicano de Comércio Exterior (Bancomext), em 2003, o consumo
de televisores novos nos Estados Unidos se havia estabilizado em uns 29
milhões ao ano, enquanto a região da América do Norte no seu conjunto
estaria consumindo um total de 33 milhões de aparelhos. Naquele momen-
to, a produção de televisores no México havia superado a demanda da re-
gião norte-americana e estaria abastecendo outros mercados como América
Central e América do Sul. De fato, empresas como Sony e Sansumg haviam
começado faz vários anos a exportação para essas regiões. Porém este prog-
nóstico não levou em conta outros fatores: (a) a entrada de um agressivo
país produtor como China que desde os anos 1980 era um produtor impor-
tante de TV; (b) a mudança substancial no mercado dos Estados Unidos e
Canadá de CRT/TV a TV digital;49 (c) a preferência por televisores de gran-
de tamanho; e (d) o ciclo de vida do produto em cor analógico. Portanto, as
projeções não foram alcançadas.
Não obstante o anterior, as expectativas de crescimento da indústria do
televisor na região ainda são promissoras. A maioria das plantas de manufa-
tura substituiu grande parte da produção de televisores convencionais pela

49. Em entrevista com diretores japoneses em um dos corporativos eletrônicos em Tóquio,


mencionou-se que os últimos shows de exibição em Las Vegas por parte de importantes firmas
que comercializam eletrônicos, não se apresentou nenhum aparelho de TV analógico, todos
eram plasma e LCD. A cadeia COSTCO na União Americana exibe para sua venda, pela primei-
ra vez e desde 2004, TV digitais de tamanho pequeno feitos na China.

84 Produtos maduros de alta tecnologia em cadeias globais


de televisores digitais, como se verá na seção seguinte. Entrevistas do autor
nos corporativos das empresas eletrônicas no Japão demonstram que na
maioria destas firmas existe o projeto para desenvolver a montagem de TV
digital no México, por meio de seus transplantes, e sua possível manufatura
em um futuro próximo, ainda que não haja planos específicos.50
Em relação ao caso da China, tudo indica que este país está tratando
de seguir veementemente o processo do catching up dos países do Sudeste
asiático (Coreia do Sul, Hong Kong e Taiwan principalmente):51 promoção
e atração dinâmica de investimento estrangeiro direto, agressivo investi-
mento conjunto com capital estatal e privado, desenvolvimento de marcas
próprias como as empresas gigantes Midea e TCL, e investimento no es-
trangeiro (por exemplo, maquilas de origem Chinesa no México) etc. Além
disso, os chineses desenvolveram intensamente as cópias tanto de produ-
tos artesanais e de baixa tecnologia quanto intensivos em tecnologia – por
exemplo, artesanato mexicano, cerâmica italiana, motocicletas italianas,
carros japoneses etc. –, o que obviamente gerou múltiplas controvérsias
sobre propriedade intelectual.
A China conseguiu atrair um considerável volume de investimento es-
trangeiro direto 3,2 vezes mais que o México no ano 2000 e 4,3 vezes em
2002. No período 1992-2002, a China captou US$370 bilhões de investi-
mento estrangeiro, convertendo-se no lugar preferido para o investimento.
Diferentes indústrias com distintos níveis tecnológicos na China já estão
competindo diretamente com as exportações mexicanas no mercado esta-
dunidense. O México perdeu mercado diante da China. Enquanto em 1995
representava 66% das importações dos Estados Unidos de aparelhos de te-
levisores, para 2002 a porcentagem baixou para 47%. Contrariamente a
China aumentou sua participação de 3% a 8% no mesmo período. Em 2005,
China havia superado o México nas exportações para o mercado estaduni-
dense (Gráfico 2).
Uma amostra da forte concorrência entre as distintas firmas se refletiu
na guerra comercial iniciada pelo governo dos Estados Unidos contra as
empresas chinesas acusadas de dumping. Segundo tal demanda, as empre-
sas deste país vendiam seus produtos até 120% mais baixo que seu preço de
produção em outros países devido aos subsídios outorgados pelo governo
chinês. No entanto, a resolução da demanda se traduziu em 2003 na proibi-

50. Entrevistas realizadas no Japão por Jorge Carrillo e Akihiro Koido entre 23 de fevereiro e
20 de março de 2004.
51. Hobday (1995) para Taiwan e Gereffi para Hong Kong (1994) descrevem como um con-
junto de firmas aprendeu e se moveu no decorrer de três estágios: (i) manufatura de equipe
original; (ii) produção de designs próprios; e (iii) criação de marcas próprias. Inclusive con-
seguiram converter-se no ponto (hub) central de comércio e transferência de investimento
estrangeiro direto.

Produtos maduros de alta tecnologia em cadeias globais 85


ção de a China exportar televisores maiores de 20 polegadas. Tal resolução
implicou, na prática, um respiro para as firmas que disputam o mercado
estadunidense. Mais ainda, recentemente a principal empresa chinesa de
televisores, TCL, anunciou que dadas as práticas anti-dumping investirá na
fronteira Norte do México com a finalidade de produzir para o mercado
norte-americano.

Gráfico 2 – Importações dos EUA: TV e outros equipamentos de vídeo

Fonte: USCensus

Diversas pessoas entrevistadas nas OEMs da Baixa Califórnia manifes-


taram que não há pressão pela concorrência chinesa no interior de suas
corporações, e manifestaram ter uma vantagem comparativa para o apro-
veitamento do mercado norte-americano por sua localização geográfica, já
que mencionaram não ser conveniente trazer TVs da China de mais de 20”
pelos custos do transporte. Por outra parte, o traslado das TVs de Plasma e
LCD é muito delicado, sendo por isso mais conveniente que o processo pro-
dutivo se realize perto do mercado de consumo final. Neste sentido, não há
risco para o México de que se dê um êxodo massivo de plantas ou linhas de
produção para a China. Pelo contrário, tudo parece indicar que virão plan-
tas chinesas e taiwanesas para estabelecer-se na região. Algumas empresas
como Hitachi estão prevendo isto, pois aumentaram seu nível de salários.
No Gráfico não se pode apreciar a diminuição na participação de mercado
das CRT/TVs, as PTVs, a estabilização das de Plasma e o crescimento das
LCD no mercado norte-americano.

86 Produtos maduros de alta tecnologia em cadeias globais


Gráfico 3
Inícios 2003 Mediados 2004

DLP-DILA

DLP-DILA
Planta

Plasma

Plasma
CRT

LCD

CRT

LCD
RPJ

RPJ
Adi Systems Mexico, SA de CV * *
Diamond Electronics, SA de CV
Delta Electronics Mexico, SA de CV * *
Benq *
JVC Industrial de Mexico, SA de CV
Samsung Mexicana, SA de CV (Display)
Sanyo Manufacturing, SA de CV
Sony de Tijuana Este SA de CV *
Sony de Mexicali, SA de CV
LG Electronics Mexicali, SA de CV *
Mitsubishi Pims, SA de CV
Panasonic (Matsushita Television and Network
Systems de BC)
Sharp Electronica Mexico, SA de CV
Hitachi Consumer Products de Mexico, SA de CV
Daewoo Electronics
Nota: *. Solo monitor PC
Fonte: ProduCen, 2003. Elaboração dentro do Programa de Televisão Digital, 2003.
Atualização em 2004 por meio de entrevistas a empresas do setor.

3.2. O caso da Baixa Califórnia52


Sem dúvida, a indústria da televisão na Baixa Califórnia foi tomada como
exemplo para a análise da indústria maquiladora no México, no entanto,
as dimensões da análise desta indústria vão mais além dos aspectos de for-
necimento e emprego, primordialmente por ser a televisão um produto de
“primeira linha” (front line) para o posicionamento de marcas na indústria
eletrônica de consumo.
Esta indústria nasce na entidade no fim dos anos 1970 com a monta-
gem do produto final e a produção de certas submontagens e componentes,
como o tubo de raios catódicos (CRT), cartões de circuito impresso (PCB),
buzinas, jugos e sintonizadores, entre outros. Estas iniciativas florescem no
Estado devido a decisão de corporações asiáticas de transferir parte de suas
operações dos Estados Unidos para o México.

52. Esta Seção 3,2 faz parte do capítulo “Indústria do Televisor na Baixa Califórnia e sua Tran-
sição Tecnológica” de Saúl de los Santos e Jesús Gilberto Elias, que compõe o livro de Hualde
e Carrillo (2007b). Está reproduzido com a permissão dos autores.

Produtos maduros de alta tecnologia em cadeias globais 87


As empresas que se estabeleceram inicialmente na Baixa Califórnia fo-
ram Hitachi, Sanyo e Panasonic53 buscando como objetivo não só focar-se
na estratégia de redução de custos, mas também de encontrar novos mo-
delos de negócio com melhores vantagens competitivas, sendo uma das
características encontrar acesso ao recurso humano capacitado a preços
mais competitivos e também mais próximo ao principal mercado mundial
de televisores: os Estados Unidos.
A segunda onda de empresas chegou ao norte do México nos anos 1990
com novas plantas japonesas, taiwanesas e coreanas que foram redistribu-
ídas a partir dos Estados Unidos, em busca das mesmas estratégias antes
mencionadas e que em conjunto atraíram um grupo considerável de em-
presas provedoras, primordialmente de origem asiática, conseguindo assim
uma massa crítica e a conformação de um cluster.
De acordo com o estudo realizado por ProduCen, a região conta com 15
empresas grandes classificadas como OEMs (original equipment manufactu-
rers) que contribuíam com mais de 22 mil empregos diretos, uma produção
superior a 19 milhões de unidades anuais de televisões e seis milhões de
unidades de monitores para computador. Tijuana é a cidade com maior
concentração de plantas e emprego (9% e 68%, respectivamente); Mexicali
conta com quatro plantas e 25% do emprego; Rosarito e San Luis Río Co-
lorado (Sonora) com uma planta e uma geração de empregos de 6% e 1%
respectivamente54 (ProduCen, 2004).
O agrupamento conta com cerca de 180 empresas provedoras, que ge-
ram uns 20 mil empregos diretos adicionais. Além disso, se articularam
ao agrupamento instituições de apoio, tais como câmaras e associações de
indústria, instituições educativas, e um amplo número de provedores de
bens e serviços indiretos como são as agências alfandegárias, provedores
de serviços logísticos, capacitação, transporte de valores e de pessoal, entre
outros (ProduCen, 2000).
Vejamos o caso da televisão de CRT, em que a maioria das empresas
locais provê insumos genéricos como buzinas, chicotes de fios, controle
remoto, impressão de instruções, gabinetes de plástico, materiais de em-
pacotamento e alguns estratégicos como o CRT, jugos, cartões de circuito
impresso e sintonizadores (ProduCen, 2003).

53. Informação conseguida dentro do Programa de Desenvolvimento da Indústria de Display


Device que foi concluído no ano 2003 pelo Centro de Inteligência Estratégica ProduCen. Esta
información foi obtida por meio de entrevistas diretas às empresas.
54. ProduCen, 2003. Com base em diretórios industriais e entrevistas telefônicas com as em-
presas.

88 Produtos maduros de alta tecnologia em cadeias globais


No caso de novas tecnologias, a existência de provedoria local é também
limitada, o que constitui um desafio para a consolidação do agrupamento
para o futuro.
As operações regionais do cluster fundamentalmente se dirigem à mon-
tagem de produto final e à fabricação de alguns componentes; no entan-
to, no contexto amplo da indústria é importante ressaltar a existência de
operações não associadas à manufatura, muitas das quais apresentam um
componente de maior valor agregado associado em grande medida aos ní-
veis de sofisticação em atividades de pesquisa e desenvolvimento, design,
serviço e logística, entre outras (ProduCen, 2003).
A estratégia de desenvolvimento do cluster regional formado implicou o
fomento de atividades complementares que previamente não tinham parti-
cipação local. Com o objetivo de ter níveis de competitividade mais eleva-
dos para a indústria e uma maior contribuição econômica local (ProduCen,
2003).

3.2.2. Planejamento e estratégia


A janela de oportunidade para o cluster ainda continua sendo muito interes-
sante; de maneira direta, a incursão no segmento de televisores médios a
grandes oferece vantagens para a região, sem comprometer a atenção para
fatores críticos associados ao conhecimento da tecnologia, domínio dos no-
vos processos de fabricação e montagem, assim como a integração regional
de uma cadeia de abastecimento considerável.
Para o caso de tecnologias que não são de retroprojeção, como o caso de
LCD e plasma, o “painel” ou a tela, chega a representar até 70% do custo
de fabricação, de modo que esta única operação dá vida à indústria. A atra-
ção de fabricantes de painéis na região requer que isto seja justificado com
base no volume da demanda do agrupamento [polo], aspecto que se dará à
medida que o mercado faça a transição a essa plataforma; no entanto, algu-
mas estratégias alternativas como a fabricação regional de outros produtos
com tela, como podiam ser certos equipamentos eletromédicos, painéis de
controle e máquinas industriais, com tela, vieram complementar o conjunto
e tirando proveito dos conhecimentos e das habilidades que o pessoal da
equipe desenvolveu.
A concorrência entre as tecnologias de demonstração ainda não se defi-
niu, de modo que a melhor estratégia neste momento implica não destinar
a uma única plataforma todos os esforços, enquanto se mantém um moni-
toramento do comportamento destas tecnologias no mercado, procurando
ver quais resultariam dominantes.

Produtos maduros de alta tecnologia em cadeias globais 89


Os processos de prospectiva tecnológica que se iniciaram na região com
a participação de instituições educativas como o Citedi, a UABC e o Cice-
se, em combinação com ProduCen, permitirão alimentar com informação-
chave, a este respeito, os atores estratégicos da indústria e órgãos de apoio,
para que estes por sua vez realizem as adequações aos seus processos para
manter o cluster na vanguarda. Exemplos disso são o Diplomado em Tele-
visão Digital que foi coordenado pelo Citedi-IPN, em 2004, para atender os
requisitos de engenheiros que trabalham nas empresas do agrupamento, as-
sim como a incorporação de matérias optativas no tema de televisão digital
para alunos de engenharia eletrônica por parte da UABC.
Em termos de crescimento do agrupamento, pode-se destacar a tendên-
cia de consolidação regional de fabricantes de televisores com a chegada
potencial de uma terceira onda de empresas asiáticas e a transferência de
linhas de novas tecnologias para as plantas existentes. O desenvolvimen-
to de equipes de especialistas em tecnologia nas principais empresas do
agrupamento fala concretamente de uma tendência para melhorar a com-
posição da estrutura de utilização do cluster por meio do desenvolvimento
de processos de maior valor agregado e a divulgação do conhecimento de
novas tecnologias entre o pessoal das empresas.
Invariavelmente, a indústria de televisores projeta tendências favoráveis
de crescimento no mercado (Gráfico 4), das quais a região Noroeste do
México poderá tirar vantagem graças à massa crítica e conhecimento que se
tem dos processos associados, no entanto, é importante não perder de vista
que a tecnologia seguirá evoluindo e o desafio de manter-se atualizado
torna-se dominante.

Gráfico 4 – Cenários da Baixa Califórnia na Indústria da Televisão Digital

Inovação em produtos e processos

Recurso humano

Número de plantas

Normatividade

Mercado

Produtividade e qualidade
Alto Meio Meio Baixo Muito / Nulo Muito Baixo Meio Meio Alto
alto baixo baixo alto

Cenário desfavorável Cenário favorável

Fonte: ProduCen, 2005. Análise de informação obtida do Programa de Prospectiva da


Indústria da Televisão no primeiro semestre de 2005

90 Produtos maduros de alta tecnologia em cadeias globais


Com base na análise situacional e a formulação de distintos cenários,
considera-se que a Baixa Califórnia deve posicionar-se na manufatura de
produtos de maior valor agregado (principalmente de 32 ou mais pole-
gadas) e nas diferentes tecnologias emergentes; o que lhe permite obter
vantagens econômicas em termos de logística para o abastecimento do mer-
cado americano.
Concluindo esta seção sobre televisores, podemos dizer que a transição
em que se encontra a indústria do televisor em nível mundial está impli-
cando importantes reestruturações nos países produtores e consumidores.
Como vimos, a geografia da produção também se vê afetada pelo processo
de globalização e pela emergência de novos mercados de consumo. Os tra-
dicionais países produtores de televisores competem não só por manter sua
participação nos seus mercados de exportação, mas nos próprios mercados
domésticos. As cotas de participação por firma diminuem, como no caso da
China.
As firmas líderes em eletrônicos de consumo se sentem também ame-
açadas por novos concorrentes, o que está levando a novos acordos entre
grandes conglomerados que respeitam cada vez menos o país de origem
para fazer negócios entre empresas. A maior parte delas são grandes cor-
porativos com uma carteira de negócios diversificada em que os televisores
não costumam ser a parte mais rentável. Como explicava a propósito das
reestruturações do grupo francês Thomson. O grupo – mencionava uma
revista – terá que convencer a Bolsa de que não é um simples fabricante de
eletrônica de consumo, senão um grupo tecnológico de alto valor agregado
centrado nas imagens.55
Neste contexto, países como o México conseguiram manter sua impor-
tante participação. Este país ainda conserva o predomínio como principal
produtor mundial de televisores, porém sua participação diminui conside-
ravelmente diante das exportações principalmente chinesas para os Estados
Unidos. Além disso, novas empresas asiáticas começam a aparecer na re-
gião fronteiriça do norte do México.

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96 Produtos maduros de alta tecnologia em cadeias globais


A inovação nas indústrias de software
da Baixa Califórnia56, 57

Alfredo Hualde
Redi Gomis

Introdução: A importância da inovação nas economias


contemporâneas
Existe um acordo generalizado sobre o papel da inovação nas economias
contemporâneas para conseguir crescimento, aumentos de produtividade
e competitividade, tanto das empresas quanto dos próprios países (DOSI,
2001:30, FAGERBER, MOWERY e NELSON, 2005). Esta contribuição ao
desempenho econômico realizado pela inovação já se reconhecia, inclusive,
desde a economia clássica.58 Uma segunda ideia a ser ressaltada, talvez
mais polêmica ou com um grau menor de generalidade que a anterior, é que
para conseguir um ambiente favorável à inovação, é importante a ancora-
gem territorial das empresas. Assim, de acordo com Cooper (1991), há três
aspectos importantes que devem ser considerados a respeito da inovação:
a) que a mudança tecnológica está localizada; b) que a inovação no nível
da firma é o resultado de um processo acumulativo; e c) que os fatores que
determinam a apropriação das novas tecnologias incidem de maneira dife-
renciada.
Contudo, além destes acordos estendidos, observam-se matizes impor-
tantes na literatura não só a respeito do próprio conceito de inovação, mas
também das distintas classes de inovação ou dos fatores que propiciam e/
ou dificultam os processos inovadores. Além disso, é importante constatar
que há empresas e regiões que sobrevivem sem inovar, e que as formas em

56. O presente trabalho faz parte da pesquisa denominada “PMEs: Redes de Conhecimento,
atividade inovadora e desenvolvimento local: 45550, financiado por Conacyt. Algumas das
ideias foram debatidas em seminários internos. De modo especial agradecemos a nosso colega
José Luis Sanpedro as contribuições à parte teórica.
57. Tradução de Maria do Carmo Cardoso da Costa e Maria del Carmen Thomas.
58. Cooper (1991:3) cita Ricardo: “He... who made the discovery of the machine, or who first
usefully applied, it would enjoy an additional advantage, by making great profits for a time...”
(Ricardo, 1830; ed. 1971, Chapter XXXI, p. 378-379).

A inovação nas indústrias de software da Baixa Califórnia 97


que se dá a inovação são diferentes segundo setores econômicos e, inclusi-
ve, dentro de um mesmo setor também se advertem diferenças (STORPER,
1997, BLONDEL, 2002:135).
Neste artigo, apresentamos os resultados da pesquisa para a indústria
de software da Baixa Califórnia, um complexo empresarial composto, prin-
cipalmente, por micro, pequenas e médias empresas.
De acordo com o que apresenta uma pesquisa realizada com 30 des-
sas empresas, parece existir uma alta taxa de inovações incrementais. Os
clientes são a fonte mais importante de inovação, enquanto outros ato-
res e instituições, como as universidades ou os centros de pesquisas, têm
papel secundário. Os dados do mercado, principalmente local e regional,
indicam que tais inovações se dão em produtos ou serviços; no entanto,
as empresas encontram dificuldades para avançar em suas capacidades
organizativas. A experiência baixa californiana, apesar do tamanho relati-
vamente reduzido do setor, é importante porque as PMEs de software vêm
tentando cooperar desde, aproximadamente, o ano de 2001. E desde 2004
vêm operando com certa coordenação em um cluster formalizado. Neste
artigo trata-se de avaliar até que ponto o cluster pode ou não ser considera-
do como um conglomerado inovador e se a organização coletiva contribui
para o desenvolvimento dessas inovações. O cluster é enfocado a partir de
uma perspectiva empírica, examinando um agrupamento de empresários e
instituições que propõem o desenvolvimento do setor atuando de maneira
conjunta.
De acordo com os objetivos propostos, sugerimos, em primeiro lugar,
alguns temas básicos sobre o conceito em si de inovação, as formas em
que esta se produz, assim como os atores que intervêm no processo ino-
vador, tanto nas empresas quanto no seu entorno; em segundo lugar, en-
focamos o tema da inovação a partir de diferentes ângulos: as inovações
organizativas se documentam descrevendo e analisando tanto o tipo de
organização que apresentam quanto o nível de certificação em que se
encontram. As inovações de produto e serviço se detectam descrevendo
o tipo de especialidade produtiva, assim como a percepção das empresas
sobre a inovação que realizam, as fontes de inovação e as tecnologias
que utilizam. A metodologia utilizada não permite aprofundar os aspectos
organizativos internos das empresas para examinar, por exemplo, o tipo
de rotinas que ocorre e a possível ruptura das mesmas, porém possibilita
analisar os resultados significativos sobre o tema da inovação nas empre-
sas de software da região. Finalmente, desenvolvemos à luz dos resultados
obtidos, uma serie de reflexões expondo alguns temas importantes para a
pesquisa futura.

98 A inovação nas indústrias de software da Baixa Califórnia


1. Inovação na empresa e no território
Em um primeiro aspecto a ser levado em consideração, Alter e Poix
(2007:7-8) apontam que a inovação é um processo coletivo que se dá em
um contexto de incerteza, o qual permeia todo o processo inovador em seus
diversos matizes.
A inovação tem um significado econômico que a diferencia da invenção.
Podem-se ter novas ideias que, entretanto, nunca se comercializam como
um produto ou um serviço. Citando Schumpeter, a inovação é uma fun-
ção econômica assumida por empreendedores que aceitam um risco para
conseguir do mesmo uma vantagem competitiva (Blondel, 2002:134). Para
chegar à fase de comercialização ou à valorização do produto, é necessário
dispor de uma série de recursos humanos e organizativos: a criatividade,
a capacidade de resolução de problemas e a gestão do conhecimento são
requisitos prévios para que o produto seja inovador no sentido econômico
(FORAY, 2002). Para Villavicencio (2006:223), a inovação nas empresas é
uma questão complexa porque “trata-se essencialmente de aprender a orga-
nizar a difusão e a criação de conhecimentos na organização, assim como a
aquisição de conhecimentos provenientes do entorno institucional”.
Por outro lado, a inovação supõe uma alteração das rotinas das empre-
sas que representam a forma “normal” do funcionamento das mesmas, tal
como destacou Schumpeter e, desde os anos 1970, os economistas da es-
cola evolucionista. A empresa encontra sua eficiência a partir de uma série
de procedimentos, arquiteturas organizativas, canais de comunicação esta-
belecidos que lhe dão, além disso, certeza sobre sua identidade como tal. A
ideia central é que as rotinas encarnam a maneira na qual se resolveram os
problemas de uma empresa no passado, pelo que constitui um repertório
de respostas eficazes (NELSON e WINTER, 1982; cit. por VILLAVICENCIO,
2006:226; TANGUY, 2000). De acordo com Tanguy (2000:99), a rotina é
uma construção coletiva de indivíduos que são interdependentes e que no
curso de suas experiências elaboram regras simples e duráveis (transmiti-
das aos novos que chegam) que guiam a ação de cada um.
As rotinas são a cristalização dessas formas de atuação recorrentes, e a
inovação, o processo que viria a alterar tais rotinas.59 Pela razão anterior,
a inovação ocasiona na empresa ajustes e adaptações; em suma, uma re-
organização que altera as rotinas preestabelecidas. Se a inovação é muito

59. Villavicencio critica a noção de rotinas pelas seguintes razões: a) não permite conhecer
o processo de transformação da organização; b) segundo Hatchuel não distingue entre in-
formação e conhecimento e, portanto, não prevê as dificuldades da aquisição e transferência
do mesmo; e c) a concepção de Nelson e Winter não contempla a possibilidade de utilizar
concorrências em situações não previstas. A rotina pode constituir um dispositivo eficaz de
resposta a um problema, porém não assegura que os indivíduos ponham em jogo todas as suas
capacidades para resolvê-lo (Villavicencio, 2006:22).

A inovação nas indústrias de software da Baixa Califórnia 99


radical ou a empresa muito rígida, o processo de inovação pode vir acom-
panhado de conflitos, na medida em que os inovadores podem modificar as
relações de poder nas organizações.
As empresas não são estruturas rígidas, mas sim organizações nas quais
interagem atores com visões e projetos diferenciados que tratam de nego-
ciar ou impor seus próprios pontos de vista. Por isso, diferentemente da
proposta evolucionista, alguns autores insistem na ideia do conflito como
um fator a ser levado em conta nos processos de inovação. Nessa medida,
é possível matizar também a ideia da acumulação do conhecimento, já que
certos conhecimentos anteriores são questionados na medida em que não
resultam úteis no caminho da inovação (TANGUY, 2002:114).
Um segundo aspecto a ser examinado na questão das inovações tem a
ver com seu grau de quebra com o anterior. É importante, então, por suas
consequências econômicas, tecnológicas e organizativas, calibrar a profun-
didade da inovação.
Tradicionalmente, os autores que estudaram o tema concebiam a ino-
vação como uma mudança estrutural que procedia das atividades deriva-
das do trabalho realizado no Departamento de Pesquisa e Desenvolvimento
(VILLAVICENCIO, 2006:223). Em contrapartida, atualmente se argumenta
que podem ser consideradas inovações outro tipo de transformações no
processo ou no produto que não se deriva de maneira direta da atividade
de I+D. Landabaso et al. (2003), ao descrever políticas de inovações para
as PMEs nos Sistemas Regionais de Inovação europeus, apontam que a ino-
vação nas PMEs pode dar-se em I+D, na fabricação, na comercialização e
em outras atividades.
Pelo seu grau de ruptura com o passado, as inovações se dividem em
radicais e incrementais. As primeiras introduzem uma novidade que supõe
uma ruptura com os produtos ou processos anteriores. Nesse sentido, as
inovações radicais na indústria de software se localizaram nas novas lingua-
gens e em algumas ferramentas de programação, porém, sobretudo, nos
algoritmos e lógicas de programação. Poucos casos, se encontram em so-
luções de aplicação ou programas de software. A diferença entre inovações
radicais e incrementais permite incluir nesta última categoria a maior parte
das inovações de países em desenvolvimento. Uma inovação incremental
pode ser a fabricação de um produto determinado, pela primeira vez, em
um mercado específico, embora tal produto já tenha sido introduzido em
mercados de outros países.60 Se bem que esta classificação tenha a virtude
de precisar novidades surgidas da prática cotidiana das empresas, corre-se,

60. Hobday ( 2000:344) assinala: “Many innovations occur from behind the technology fron-
tier defined by leaders in the advanced countries” e acrescenta: “Many firms have grown and
succeeded as a result of innovations new to the company, although not new to the world”.

100 A inovação nas indústrias de software da Baixa Califórnia


no entanto, o risco de trivializar o sentido da inovação, ao atribuir o caráter
de inovadora a qualquer mudança ou mutação nos processos de produção
(BLONDEL, 2002:133).
Um terceiro aspecto a ser levado em conta tem a ver com as fontes de
inovação. Uma parte importante da inovação se localiza, certamente, na
empresa. Entretanto, a organização em rede das empresas e dos sistemas
produtivos propicia a importância crescente de outros atores, principalmen-
te instituições de âmbito distinto. O contato com os clientes ou usuários
(VON HIPPEL, 1988) é outra fonte importante de inovação, e entre as ins-
tituições destacam as que pertencem ao sistema de inovação científico e
tecnológico.
No seio da empresa também há diferenças a respeito do papel que ocu-
pa cada um dos estratos que atuam nelas. Há autores, como foi dito, que
localizam as inovações exclusivamente nos departamentos de I+D. No en-
tanto, para outros a inovação é um tema que afeta a toda a organização e
surge da interação entre seus distintos membros (NONAKA e TAKEUCHI,
1995). Estes autores destacam a grande importância do aprendizado e da
gestão do conhecimento nas empresas como um assunto que compete tanto
aos engenheiros quanto aos supervisores e trabalhadores de base. Foray
(2004:67-68) menciona três modelos críticos de inovação na criação do
conhecimento.
O primeiro tem a ver com a natureza crescentemente científica dos mé-
todos de pesquisas. Cada vez mais setores da “cultura epistêmica” da ciên-
cia para a produção de conhecimento está crescendo em importância. O
segundo, marca uma tendência crescente do envolvimento dos “usuários”.
O terceiro, a complexidade crescente e a modularização da arquitetura in-
dustrial faz mais crítica à produção de “conhecimento integrativo” como
modelos, normas, arquiteturas comuns e plataformas.
É necessário entender que as relações com o entorno são diferentes se-
gundo os setores. Por exemplo, a indústria farmacêutica é um setor mais
dependente de modo direto da ciência básica, enquanto as indústrias tradi-
cionais, como calçado e outras, dependem fundamentalmente de inovações
no âmbito da ciência aplicada. Entretanto, outras atividades produtivas
dependem para a inovação de desenvolvimentos puramente tecnológicos,
cuja relação com o sistema científico-tecnológico é distante ou inexistente
(MALERBA, 2005; FORAY, 2004:51; BLONDEL, 2002:133).
Além da compreensão da inovação na empresa e nas formas de apren-
dizagem que se dão nela, o território é considerado um ator por si mesmo
no que se refere à inovação. Dado que a empresa não desempenha, nem
funciona de maneira isolada, considera-se que as empresas com maiores

A inovação nas indústrias de software da Baixa Califórnia 101


possibilidades de inovar são as que se encontram em redes e/ou sistemas
que lhes proporcionam ferramentas de aprendizagem que não encontram
nos limites de sua própria organização. A ideia de competitividade sistêmi-
ca ou eficiência coletiva alude a este conjunto de atores que cooperam de
forma mais ou menos coordenada em um entorno territorial.

2. O território como ator inovador


Os diferentes estudos sobre os sistemas produtivos e a inovação destacaram
o papel do entorno em que se desenvolvem as empresas. Um entorno favo-
rável à inovação consiste em um conjunto de atores, empresas, instituições,
que atuam de forma coordenada em um marco coerente de ação (STOR-
PER, 1997; EDQUIST, 1998).
O território não é comparável a uma região político-administrativa ain-
da que possa coincidir com ela. No entanto, em uma economia global cada
vez mais interconectada, o território é o entorno de mobilização de recursos
(humanos, tecnológicos, financeiros) que interage em distintas dimensões
espaciais.
A ênfase no local e no regional provém de uma tendência para a des-
centralização observável há várias décadas nas economias europeias. Al-
guns autores designaram tais entornos como sistemas de inovação. Desde
a contribuição pioneira de Lundvall que caracterizou os Sistemas Nacionais
de Inovação, muitos estudiosos puseram ênfase nos entornos locais ou re-
gionais. Entre eles, a corrente que propõe como conceito “Os Sistemas Re-
gionais de Inovação”.
Nos Sistemas Regionais de Inovação existem alguns mais abertos ao ex-
terior, enquanto outros estão baseados nos recursos locais, e uns terceiros
naqueles em que se percebe uma combinação de ambos elementos. Deste
ponto de vista, Cooke et al. distinguem entre:

Sistemas “localistas” são aqueles baseados em pequenas em-


presas que podem fazer parte de redes de locais fortes.

Sistemas “globalizados” são aqueles dominados por firmas


multinacionais que estão fortemente ligados aos mercados
globalizados.

Sistemas “interativos” são os que contêm um equilíbrio de


ambos.

102 A inovação nas indústrias de software da Baixa Califórnia


Outro eixo de enfoque para analisar o RIS é o da governança (governan-
ce), em que distinguem, de igual modo, aqueles constituídos desde a base
(Grassroots), os constituídos em redes e os dirigistas.
Em relação ao que foi dito é necessário considerar o papel diferenciado
dos atores públicos e privados. Se nos sistemas são importantes o governo
e outros atores públicos, Cooke (2004:4-5) os denomina Sistemas Regio-
nais de Inovação Institucionais, e dá como exemplo Gales. Aos sistemas em
que os atores privados são dominantes, ele os considera Sistemas Regionais
de Inovação de Empreendedores, que corresponderia à variedade anglo-
saxã do capitalismo. Os estudos europeus ou estadunidenses (SAXENIAN,
1999-2000; ARORA e GAMBARDELLA, 2005) foram complementados com
estudos em países latino-americanos. No caso destes últimos, se destaca em
geral uma maior debilidade das instituções e uma falta de colaboração en-
tre as empresas (BERCOVICH e SWANKE, 2003; CASSIOLATO e LASTRES,
2003; YOGUEL, 2001).
A relevância dos entornos regionais deve, no entanto, matizar-se. Não
resulta uma panaceia, nem exclui o papel dos Estados-nação, nem têm as
mesmas implicações em todas as atividades econômicas. Concretamente,
no caso do software é importante saber se os entornos locais têm relevância
para o desenvolvimento das empresas. Intuitivamente, poder-se-ia pensar
que esta indústria, intimamente ligada às TICs, poderia desenvolver-se em
função de redes globais de tipo virtual. As experiências internacionais mos-
tram resultados complexos. Ainda que, efetivamente, a indústria tenha sua
sede em cidades específicas, no entanto, os efeitos das derramas não pa-
recem ter uma importância muito clara. Ou melhor, o que destacam estes
estudos é a importância de uma mão de obra qualificada nessas cidades,
mas também as redes globais ou internacionais que utilizam uma parte
dessa mão de obra para buscar nichos de mercado, negociar investimentos
e fazer acordos com os processos de outsourcing. Isto é assim no caso da
Índia e, em certo sentido, na Irlanda (ARORA e GAMBARDELLA, 2005).
Para estes autores, uma vantagem competitiva de grande importância nos
países estudados é a aquisição de concorrências organizativas por parte das
empresas.
Heidenreich (2004:366), em um livro coordenado com Cooke, expõe
um conjunto de dilemas interessantes surgidos do trabalho empírico reali-
zado em 12 sistemas regionais de inovação ao redor do mundo:
ƒ O investimento em educação e capacitação, pesquisa e desenvolvimen-
to, transferência de tecnologia e marketing não “produz” automatica-
mente inovações. As regiões não são regiões empreendedoras quando

A inovação nas indústrias de software da Baixa Califórnia 103


lhes falta um número suficiente de PMES e empresários criadores em
novos campos tecnológicos.
ƒ Há tensão entre a ideia de sistema (estabilidade) e o processo de ino-
vação (ligado à incerteza). Por um lado, as inovações são arriscadas,
com custos geralmente altos, e resultados incertos. Por outro lado, os
investimentos prévios, as concorrências, os hábitos e as qualificações
permanecem desvalorizadas pela inovação.
ƒ O paradoxo espacial: enquanto a distância está perdendo importância,
o sucesso econômico dos distritos de negócios metropolitanos aponta o
papel-chave da proximidade espacial e a comunicação pessoal. O dilema
da regionalização e a globalização determina a relação de grupos domi-
nantes globalmente orientados e pequenas companhias orientadas para
mercados regionais e nacionais.
Apesar do benefício de trabalhar em redes, a contribuição das redes
de cooperação para a inovação regional pode perigar devido a efeitos do
fechamento (lock-in) de redes estabelecidas ou, por outro lado, estratégias
de negócios individualistas. As redes interorganizacionais, conforme visto,
sempre têm de ser estabilizadas por ordens de tipo regional (regional orders)
ou sistemas como os mundos de produção baseados em convenções coletivas
que reduzem a incerteza. Por outro lado, ao fornecer “bens coletivos locais
para a concorrência” podem ajudar a superar problemas de ação coletiva;
isto é, estabelecendo regras de interpretação e conduta, e proporcionando
recursos coletivos, as “ordens regionais” contribuem essencialmente para o
potencial inovador das firmas regionais.

3. A inovação na indústria do software: entre a produção


artesanal e a produção estandarizada
No fim dos anos 1990, 72% dos trabalhadores de software nos Estados Uni-
dos estavam empregados fora do setor especializado (EISCHEN, 2000). No
México, se calcula que dos quase 323 mil trabalhadores em atividades de
software apenas a sexta parte – cerca de 54 mil empregados –, trabalhava
em empresas especializadas (MOCHI e HUALE, 2006:61). Esta presença
generalizada do software no tecido produtivo leva a considerar que é uma
tecnologia genérica. Alguns autores mencionam que se trata de um bem
intermediário e outros o caracterizam até como uma commoditie. Athreye
(2005:7-8) menciona que a função do software na economia digital é simi-
lar a do setor de bens de capital em uma economia baseada em tecnologias
mecanizadas. O software de embalagens é uma pequena parte da indústria
de software em uma indústria na qual dois terços do esforço em desenvol-

104 A inovação nas indústrias de software da Baixa Califórnia


vimento de software se emprega mais para manter e fortalecer o código de
software existente, do que produzir um novo software. Esta peculiaridade da
indústria leva Eischen (2000:5) a assinalar que o software é um processo,
um produto e uma indústria. Para este autor o software, tal como o DNA,
o cérebro humano, o disco rígido [hardware] e os libros, é simplesmente o
meio mais recente para o armazenamento do conhecimento. Acrescenta, no
entanto, que comparado a esses outros meios de conhecimento, seu traço
distintivo é a persistência, a velocidade para atualizar-se, a flexibilidade de-
liberada e a aplicabilidade para a ação. E muito mais importante ainda é a
habilidade do software para emular cada um destes meios de conhecimento
(idem).
Bitzer (1997), por seu lado, distingue dois tipos de processos de de-
senvolvimento de software, tomando como critério diferencial o plano que
persegue a empresa que o realiza. Assim, se o software resultante de tal
processo de desenvolvimento se vende a um só cliente ou a vários conjun-
tamente, os desenvolvimentos de software se farão respectivamente, sob
medida ou estandardizados. O custo para os clientes é menor neste último
caso do que no primeiro, pois o mesmo é compartilhado por todos os que
adquirem o produto final. No entanto, quanto maior é o grau de estan-
dardização do produto – “uma função do número de usuários que possam
resolver seus próprios problemas com o mesmo software” (BITZER, 1997:8)
–, mais cresce simultaneamente a necessidade das adaptações individuais
para satisfazer necessidades específicas que as soluções padronizadas não
podem considerar a priori.
Ainda que as soluções padronizadas venham com o tempo ganhando
terreno na indústria, ainda mantêm sua importância os desenvolvimentos
“a la medida” ou “a la carta” (CUSUMANO, 1998). Entretanto, mesmo as
empresas que adquirem no mercado produtos de software como um ERP
(Enterprise Resource Planning) como o SAP,61 requerem que sejam adaptados
às suas necessidades particulares. É precisamente no terreno dos desenvol-
vimentos sob medida, assim como os serviços relacionados à indústria do
software (treinamento, suporte técnico, manutenção e atualização etc.), em
que floresceu a terceirização [el offshore outsourcing].
Portanto, o tipo de atividade condiciona a organização. A fabricação de
produtos em série permite, em princípio, maior divisão nas empresas e nos
processos de subcontratação, tanto que o software sob medida se baseia
em uma interação frequente com o cliente e em uma adaptação sucessiva
às necessidades do mesmo. O segmento de software em pacote apresenta

61. Este é um complexo e custoso sistema produzido por uma empresa homônima de selo
alemão, capaz de integrar a informação produzida pelos diferentes departamentos de uma
empresa.

A inovação nas indústrias de software da Baixa Califórnia 105


maiores exigências de investimento e maiores barreiras à entrada de novas
empresas.
No entanto, com independência da especialidade das empresas e do
grau de complexidade do produto, reiterou-se que uma das principais difi-
culdades da indústria do software foi industrializar, estandarizar e raciona-
lizar os processos devido à característica de criatividade (individualidade)
que engloba o software, pelo menos em suas fases de design e análise de
requerimentos. Essa característica traduz que a organização nas empresas
de software tende a reforçar o trabalho em equipe, pelo que se disse que é
modelo de tipo pós-fordista (não taylorista).
Esta escassez de “princípios de engenharia” na produção do software
ocasionou problemas de entrega a tempo, mal uso de recursos, pouca pre-
visibilidade e, em geral, carências de produtividade na indústria. Um dos
problemas, neste sentido, no desenvolvimento de software sob medida, é
que cada vez que se inicia um processo, se parte do zero, porque não se
pode usar os códigos empregados em um produto ou processo para outro
distinto, na medida em que os requerimentos dos clientes são em princípio
distintos. Esta ideia, no entanto, foi criticada e matizada por alguns autores.
Há várias ferramentas que tendem a racionalizar de maneira mais significa-
tiva os processos de software de modo que seu desenvolvimento seja mais
previsível tanto em tempo quanto em custo. Duas delas são importantes:
Em primeiro lugar, as certificações CMM criadas pelo Software Enginee-
ring Institute, têm como proposta o objetivo de documentar os processos e,
deste modo, avaliar as capacidades das empresas mediante uma classifica-
ção em cinco níveis. Há outras certificações para software nas ISO: Mochi,
(2006) e Spice (Software Process Improvement and Capability Determina-
tion) (CASTILLO, 2007:42). Em segundo lugar, é necessário considerar as
tendências recentes ao trabalhar por módulos, o que permite uma especia-
lização dos diferentes grupos de trabalho e uma produção estandardizada e
em massa (MOCHI e HUALDE, 2006).
As certificações CMM receberam diferentes tipos de críticas, por seus
inconvenientes práticos: grande investimento de tempo e dinheiro, e incer-
teza com respeito a seus resultados. Chama atenção que países como Irlan-
da só tiveram há alguns anos uma empresa certificada no nível 4 (MOCHI,
2006:217).
O tema de caráter artesanal e da escassa produtividade parece ser con-
traditório com a ideia de que o software é um commoditie, um bem inter-
mediário para a economia em geral. Se fosse assim, um commoditie perde
o caráter original, artesanal, único e irrepetível, para converter-se em um
produto estandardizado e até certo ponto banalizado. A explicação mais

106 A inovação nas indústrias de software da Baixa Califórnia


razoável que para esta diferença de pontos de vista é que o software deve
ser considerado como um setor bastante heterogêneo, não só porque há
produtos e serviços, mas também porque os graus de complexidade dos
mesmos variam substancialmente.
As características assinaladas anteriormente do processo de software
têm várias implicações para o tema da inovação:
Por um lado, como apontam vários autores, as inovações organizativas
são muito importantes. Por isso, é interessante examinar as possíveis fontes
de inovação organizativa, as ferramentas que se utilizam para isso e a forma
em que o entorno pode contribuir para o resultado. Em princípio, podemos
considerar fonte de inovação a experimentação com formas associativas
(cluster, integradoras), os projetos de Prosoft destinados a isso, a presença
de grandes empresas que podem transferir métodos de organização, formas
de subcontratação (exemplo, SAIC na Baixa Califórnia), e os processos de
certificação.
O outro aspecto é o tema das inovações de produto e/ou serviço. Em
ambos os casos é muito importante a relação com o mercado e, de maneira
significativa, a relação com os clientes. Os clientes são a fonte de inovação,
especialmente em software sob medida. Por outro lado, convém levar em
conta que a inovação se encontra tanto na fase de produção, quanto na de
atualização, suporte, instalação e manutenção.

4. A indústria do software no México


No México, o mercado de software é reduzido quando comparado com os
principais países industrializados ou com Brasil. No entanto, o mercado
mexicano é o segundo em importância na América Latina. O mercado de
TIC no México chegou, em 2005, a US$8.254 milhões, dos quais o software
em pacote alcançou os US$817 milhões e os serviços somaram US$2.311
milhões, quase três vezes mais que aquele (MOCHI e HUALDE, 2006).62 As
empresas têm um tamanho bem inferior ao da média internacional, que é
de 250 funcionários, e detectam-se grandes desigualdades entre elas. Junto
a um punhado de grandes empresas, a maioria delas estrangeiras e algumas
nacionais, várias centenas de PMEs desenvolvem principalmente serviços
sob medida. Além disso, o software desenvolvido pelas empresas especiali-
zadas tem um valor muito menor do que o elaborado pelas universidades,
instituições públicas e grandes empresas não especializadas em software

62. No ano de 2007 o mercado de software, segundo o Anuário de Prosoft, ultrapassou ligei-
ramente os US$1.000 bilhões, porém não se especifica se se refere unicamente ao software
em pacote.

A inovação nas indústrias de software da Baixa Califórnia 107


(MOCHI e HUALE, 2006; ORDÓÑEZ, 2006). Finalmente, o software pro-
prietário é mais importante que o software livre, embora existam exemplos
interessantes desta última modalidade. Para desenvolver a indústria, o Mi-
nistério de Economia elaborou em 2002, o Prosoft, com sete estratégias,
que vão desde o diagnóstico até o apoio de projetos de desenvolvimento
das empresas63. O Prosoft, com suas limitações, permitiu aos empresários
desenvolver projetos para remediar as deficiências organizacionais e tecno-
lógicas, assim como melhorar os processos de produção das empresas.
O Prosot foi aumentando o montante de investimentos entre os anos de
2004 e 2006, começando com aproximadamente US$25 milhões, o que tri-
plicou em 2005 para US$75 milhões e dobrou novamente no ano seguinte
até alcançar uns US$140 milhões.64

Tabela 1. Investimento total em nível nacional, 2004-2006 (pesos).


Prosoft Estados IP Academia Total
2004 139700000 43689659 60417130 5716130 249522919
2005 192493118 110010083 432877722 18372097 753753020
2006 416797147 232279662 727696671 32721063 1408494543
Total 747990265 385979404 1220991523 56809290 2411770482
Prosoft Estados IP (empresas) Academia Total
2004 56.0 17.5 24.2 2.3 100
2005 25.5 14.6 57.4 2.4 100
2006 29.5 16.5 51.7 2.3 100
Fonte: Ministério de Economia. Anuário do Prosoft (5 de julho de 2007)

A peculiaridade da composição do gasto é que na medida em que foi


amadurecendo o programa, a iniciativa privada (empresas) assumiu mais
da metade do investimento realizado.
O Prosoft tem um significado importante porque conseguiu pôr em con-
tato as empresas, iniciar projetos e criar redes. Em certo sentido, significa
que o governo mexicano passou de uma atitude passiva de laissez faire a
desenhar uma política de acompanhamento, ou “maridagem” (husbandry),
com as empresas (PARTHASARATHY, 2004). Além disso, para efeito deste
trabalho, é necessário destacar que o Programa teve um projeto regional-

63. As estratégias em questão são as seguintes: 1) Promover as exportações e a atração de in-


vestimentos; 2) Educação e formação de pessoal competente no desenvolvimento de software,
em quantidade e qualidade convenientes; 3) Contar com um marco normativo e promotor
da indústria; 4) Desenvolver o mercado interno; 5) Fortalecer a indústria local; 6) Alcançar
níveis internacionais em capacidade de processos; 7) Promover a construção de infraestrutura
física e de telecomunicações (Ministério de Economia, 2002). Tal quantidade de estratégias
dificulta avaliar as prioridades reais, sobretudo no que se refere à dualidade mercado interno
versus mercado externo.
64. O cálculo em dólares se obtém de maneira aproximada dividindo a quantidade em pesos
por dez.

108 A inovação nas indústrias de software da Baixa Califórnia


territorial baseado na existência de aglomerações de empresas que o pró-
prio Programa denominou cluster. O Ministério de Economia fala de 23
clusters nos 32 estados da República mexicana.
Na distribuição de recursos, a Baixa Califórnia ocupou os primeiros luga-
res junto ao Distrito Federal, Jalisco e Nuevo León, ainda que sua participação
em relação a outros estados foi perdendo relativa importância (ver anexo).

5. A inovação na indústria de software da Baixa Califórnia


As empresas de software da Baixa Califórnia, concentradas fundamental-
mente em Tijuana e Mexicali, surgem em sua maioria nos anos 1990, e seu
crescimento continuou de forma regular durante a segunda metade dessa
década e na atualidade.65
Em relação aos empresários, o aspecto mais relevante a ressaltar, de
acordo com os objetivos deste trabalho, tem a ver com a formação profis-
sional deste coletivo fundamentalmente masculino entre 40 e 50 anos. O
elevado nível de instrução formal, a afinidade temática dos estudos reali-
zados e a aproximidade institucional das casas de estudo, foram elementos
que favoreceram os contatos entre eles e o estabelecimento de redes sociais
que também contribuiu para o processo da criação do cluster e ao posterior
estabelecimento de diversas empresas integradoras (HUALDE e GOMIS,
2007).
Quanto às empresas, o traço mais importante do setor é que está for-
mado principalmente por empresas muito pequenas. Oitenta por cento das
empresas têm menos de 15 empregados e, das restantes (20%), nenhuma
chega aos 100 empregados. Trata-se, em geral, de um conjunto composto
por microempresas, com todos os inconvenientes que isto supõe em termos
de recursos e de organização, elementos importantes nos processos propen-
sos à inovação. Em efeito, as PMEs habitualmente têm dificuldades para
ter acesso à informação necessária para desenvolver inovações, devido a
problemas de custos, insuficiência de pessoal dedicado a isso, deficiências
organizativas e limitações derivadas de seu tamanho. E é por isso que as
mesmas consideram agentes débeis pela escassez de recursos humanos e
financeiros, as ineficiências associadas à escala reduzida e o baixo poder
de mercado. Porém, da mesma maneira, tem de se levar em conta que “a
experiência demonstra que as PMEs que se agrupam em clusters podem ter
sucesso e competir com as grandes empresas” (BERTINI, 2000:107).

65. Os dados que expomos a seguir provêm de uma pesquisa terminada em janeiro de 2006
a 30 empresas que desenvolvem os softwares na região. Também se utiliza informação obtida
mediante entrevistas realizadas com empresários do setor.

A inovação nas indústrias de software da Baixa Califórnia 109


As limitações financeiras destas empresas de software são similares as
de outras PMEs. Embora seja certo que em software não se requer um forte
investimento para iniciar operações, nenhuma delas surge a partir de cré-
ditos bancários ou capital de risco, senão fundamentalmente a partir de
poupanças pessoais e, em menor medida, de empréstimos familiares. Nisto
não se diferenciam de outros setores mais tradicionais; a distância entre
instituições financeiras e empresas parece ser uma característica generaliza-
da. Apenas um quinto das empresas têm vendas anuais acima dos US$500
mil. A metade vende em uma categoria comprendida entre os US$100 mil
e US$500 mil, e quase a terça parte está abaixo deste nível. Por último,
tampouco recorrem a programas especializados de apoio governamentais
– como Fundo PME, Avance, Nafinsa, Fundos Mixtos etc. –, o que lhes da-
ria acesso a recursos extraordinários. O motivo é que 90% das empresas
desconhece tais programas com exceção do Prosoft ao qual se outorga uma
avaliação positiva.
No que diz repeito à sua organização interna, pode-se dizer que, em
linhas gerais, têm uma estrutura interna flexível. A pesquisa revela que
nestas empresas se privilegia, em termos de importância, o trabalho em
equipe, em que se intensificam os processos de comunicação e interação
das equipes de desenvolvoimento de software. Sessenta por cento das em-
presas entrevistadas responde que esse é o tipo de organização predomi-
nante em sua empresa, diante de 30% que organiza as tarefas de maneira
individualizada.
No entanto, ao trabalho de equipe se soma uma diferenciação formal
pouco clara dos postos de trabalho. Os que desenvolvem costumam efetu-
ar diferentes funções, desde a análise de requerimentos, até a instalação
dos programas na base do cliente, passando pelo design, a codificação, o
suporte técnico etc. Esta estrutura flexível é, principalmente, palpável nas
pequenas empresas. Tal polivalência de funções se deve, principalmente,
às dificuldades por parte dos empresários para responder de forma organi-
zada à atividade produtiva, sobretudo, quando aumenta a demanda. Esta
problemática é percebida pelos próprios empresários, em quem se observa
uma preocupação pelos aspectos organizativos de sua empresa, e, conse-
quentemente, uma tendência a procurar formas mais eficientes para or-
ganizar o trabalho. Nas entrevistas, os donos mencionam, por exemplo, a
necessidade de destinar pessoal de maneira ativa para a função de buscar
clientes e ampliar mercados. Para tal, o dono tem o propósito de dedicar-se
a essa atividade, abandonando a favor deste propósito qualquer trabalho
técnico. No entanto, indicam que lhes resulta dificultoso dar este passo seja
por incapacidade dos outros empregados, por falhas organizativas, seja por
cumprir os prazos de determinados pedidos.

110 A inovação nas indústrias de software da Baixa Califórnia


A certificação dos processos de desenvolvimento, apesar de que não co-
brir a totalidade da atividade desenvolvida nestas empresas, provavelmen-
te contribuiu para aliviar suas insuficiências de organização. De qualquer
forma, teria de levar em conta o fato de que, embora a certificação seja um
indicador de consolidação estrutural, estes sistemas têm vantagens dife-
renciadas segundo o tipo de empresas, sendo mais úteis para as grandes
(CUSUMANO, 2004). Na mostra se observa que poucas empresas (17%)
contam com algum tipo de certificação, duas delas em CMMI Nível II. Entre-
tanto, apenas a terça parte se encontra atualmente em processo de adquirir
alguma certificação, fundamentalmente na norma mexicana Moprosoft.66
A maioria (68%) das que não contavam com certificação alguma, também
não iniciaram ainda o processo para consegui-lo.
Nas entrevistas, os empresários explicam que a certificação contribui
para elevar a confiança do cliente no serviço e, portanto, as credenciais da
empresa. Esta opinião é, sobretudo, sublinhada por aqueles cuja ativida-
de está fundamentalmente orientada aos serviços, e de maneira especial,
aqueles que aspiram a que seus serviços sejam subcontratados nos Estados
Unidos. Do mesmo modo, a certificação ganhará em importância se a nor-
ma mexicana Moprosoft se converter finalmente em um requisito exigido
pelas dependências governamentais para seus provedores de software, tal
como está sugerido. Não ocorre o mesmo, no entanto, com as empresas que
ofrecem principalmente produtos, pois, segundo os empresários, a qualida-
de do produto é a principal carta de confiança diante dos seus clientes.
De qualquer modo, a questão da certificação, observada nos processos
inovadores, pode ser um elemento importante, na medida em que contribui
para melhorar a organização dos procedimentos de trabalho dentro das
empresas de software, e a melhor concentração de pessoal na melhora dos
processos produtivos e de negócio.
Nesse sentido, a organização coletiva no cluster serviu para capacitar as
empresas em processos de negócios orientados para a certificação. A maior
parte destes cursos foram financiados no ano 2005 pelo Prosoft.

5.1. Atividade econômica das empresas: produtos versus serviços


Um elemento relevante para a discussão acerca da inovação nas empresas
de software se relaciona diretamente com a atividade econômica que reali-

66. O Modelo de Processos para a Indústria de Software (MOPROSOFT) tem por objetivo
proporcionar à indústria mexicana, e às áreas internas dedicadas ao desenvolvimento e manu-
tenção de software um conjunto integrado das melhores práticas baseadas nos modelos e pa-
drões reconhecidos internacionalmente, tais como ISO 9000:2000, CMM-SW, ISO/IEC 15504,
PMBOK, SWEBOK entre outros.

A inovação nas indústrias de software da Baixa Califórnia 111


zam. Neste sentido, as empresas do setor se orientam ligeiramente para os
serviços de software, na medida em que representam a atividade medular
para 53% delas. Entretanto, a característica mais destacada é a combinação
de ambos os tipos de atividades, produtos e serviços na mesma unidade de
negócios.
Os produtos de software mais importantes são:
ƒ Software de gestão, uma categoria que inclui soluções para o controle
de folhas de pagamento e recursos humanos, controle de inventários,
pontos de vendas etc. Tudo isso representa 29% do total e constitui so-
luções para a atividade de importação e exportação, fundamentalmente
orientadas ao mercado das empresas maquiladoras.
ƒ Os programas de Comércio exterior/Alfândegas/Impostos, que repre-
sentam 24% do total, e constituem soluções para a atividade de impor-
tação e exportação, são fundamentalmente orientados ao mercado das
empresas maquiladoras.
ƒ As aplicações verticais, com 16% do total, e incluem soluções bancárias
e outras destinadas aos funcionários do governo.
Em relação aos serviços, os tipos mais importantes são os seguintes:
ƒ Serviços em produtos não próprios, com 30% do total, inclui não só a ven-
da dos mesmos, mas também sua adaptação, integração e manutenção.
ƒ Consultoria, com 28% do total.
ƒ Desenvolvimento sob medida, com 23% do total.
Como se pode inferir, não há uma especialização clara. Se houvesse al-
guma, seria para o mercado da indústria maquiladora, por isso uma carac-
terística importante a ser destacada é que tanto seus produtos quanto seus
serviços estão destinados essencialmente aos consumidores corporativos,
não indivíduos, destacando-se entre eles outras empresas. Como clientes
importantes se destacam as maquiladoras, o comércio – como farmácias e
postos de gasolina –, o turismo – como hotéis e restaurantes –, e as agências
do governo. De qualquer modo, nos parece relevante mencionar que as em-
presas da região têm uma presença importante na Índia, por exemplo, em
escrever códigos para soluções desenhadas por outros. De fato, na opinião
de alguns empresários entrevistados, a região vai em direção a uma espe-
cialização que tende à consultoria.

5.2. Características do mercado


Diante da falta de dados que permitissem estabelecer comparações retros-
pectivas, foi perguntado às empresas acerca da demanda de seus produtos

112 A inovação nas indústrias de software da Baixa Califórnia


no momento da enquete. Os resultados são bem similares para os três pro-
dutos principais. Pouco mais da metade das empresas considerava que a
demanda começava a crescer em cada um dos três produtos principais. Cer-
ca de 20% das empresas considerava com poucas oscilações que seus três
principais produtos tinham uma demanda estável ou estancada, e, pratica-
mente, nenhuma estimava que a demanda de seus produtos se encontrava
em retrocesso. Ou seja, quatro de cada cinco empresas se encontravam em
uma trilha de crescimento.
O âmbito geográfico do mercado também é um indicador indireto da
atividade inovadora das empresas. Clientes com níveis altos de exigência,
competidores globais, poderiam estimular inovações para poder manter a
competitividade. No caso das empresas estudadas, os resultados do estudo
apontam que as empresas do cluster de software operam, em um mercado
basicamente nacional, em que o peso do local e o fronteiriço ainda é forte.
Para os três principais clientes, o mesmo lugar é a localização mais impor-
tante, seguida por outra localidade fronteiriça e por outra localidade não
fronteiriça. No entanto, a localização física tem uma conotação diferente
quando se considera que a vinculação com as empresas maquiladoras colo-
ca as empresas de software como um elo de uma cadeia global.
A localização de clientes no estrangeiro é pouco importante, ainda que
não depreciável, já que um terço das empresas pesquisadas exporta. Apesar
de ser um cluster fronteiriço com os Estados Unidos, e que sua intenção ini-
cial seria penetrar o mercado de outsourcing no sul da Califórnia, os países
centro e sul-americanos constituem, em conjunto, um destino de exporta-
ção similar em importância ao norte-americano. De todos os modos, é sig-
nificativo que o peso das exportações sobre o total das vendas é de somente
8% na média.
As entrevistas realizadas com os empresários ratificam o interesse de
alguns deles em estender suas redes no mercado nacional e abrir mercados
nos países latino-americanos, ainda que o objetivo inicial de exportar para
os Estados Unidos não tenha sido abandonado, por parte de uma das quatro
integradoras existentes que deixou de operar no ano de 2007. As empresas
exportadoras mostram, entretanto, que para uma empresa mexicana é mais
fácil exportar para outros países da América Latina. Em alguns aspectos é
necessário levar em conta o idioma, porém, segundo estas interpretações,
a imagem do México como um país mais avançado e com certa afinidade
cultural, facilita as transações comerciais. Na relação com Estados Unidos,
as exigências para as empresas mexicanas dificultam a eles converterem-se
em clientes dos vizinhos do norte. Os requisitos organizativos – as vezes tra-
duzidos em certificações –, as dúvidas acerca do cumprimento dos prazos

A inovação nas indústrias de software da Baixa Califórnia 113


de entrega com a qualidade requerida, formam um quadro no qual se dá a
confiança suficiente para concretizar projetos.

5.3. As tecnologias
A respeito das tecnologias utilizadas, a enquete incluiu perguntas acerca de
sua estabilidade/novidade. Mais da metade das empresas consideram que
sua tecnologia pode ser qualificada como “estável e difundida”. Apesar do
predomínio de tecnologias “estáveis e difundidas” é interessante destacar
que três de cada quatro empresários responderam afirmativamente à per-
gunta: se haviam introduzido os produtos novos ou serviços. Um terço des-
sas empresas introduziu tanto produtos quanto serviços, 45% unicamente
produtos e cerca de 23% unicamente serviços. Isso confirma que muitas das
empresas combinam produtos com prestação de serviços de software.
Em relação à valoração sobre os diferentes tipos de inovações nas em-
presas de software, em conjunto, estes concedem uma importância maior
às inovações em “produto/serviço” do que as “organizações”; essas, por
sua vez, avaliadas com uma pontuação mais alta do que as inovações em
“processos”.
Quanto as inovações “organizacionais”, as mais importantes foram as
modificações nas práticas de “mercadotecnia” e “comercialização”, sobre as
“práticas de gestão” ou das modificações na “estrutura organizacional”.
A respeito da origem das inovações, os empresários consideram que “as
solicitações dos clientes” é o fator principal para o início de novos proje-
tos, seguido da “iniciativa própria”. As “relações com outras empresas” são
avaliadas como pouco importantes, o que é novamente um indicador da
relativa baixa influência que a interação entre as empresas tem como fonte
de inovação.
Também lhes foi perguntado acerca do lugar de seus produtos/serviços
diante daqueles com os quais competia no mercado. Em conjunto, a meta-
de das empresas, aproximadamente, considera que são pioneiras no que
se refere a seus três produtos principais: 55% se consideram pioneiras em
seu primeiro ou terceiro produto ou serviço, em torno de 45% no segundo
produto. Cerca de um terço das empresas se considera seguidoras de pro-
dutores nacionais nos dois primeiros produtos (29% e 36%) e uma propor-
ção inferior, cerca de 16%, se considera seguidoras de empresas nacionais
em seu terceiro produto ou serviço. Finalmente, 15% no primeiro produto,
20% no que se refere ao segundo e 27% no terceiro se consideram seguido-
ras de empresas internacionais.

114 A inovação nas indústrias de software da Baixa Califórnia


Destes produtos, os mais bem-sucedidos são até o momento os que vão
dirigidos para a indústria maquiladora. O grupo Tress vende a mais de 10
anos um software de gestão de recursos humanos que foi evoluindo con-
forme as necessidades dos clientes. Outra empresa de Tijuana, Vanguardia
Technologies, vende um software que permite às maquiladoras administrar
seus processos de import/export. Uma terceira empresa, localizada em Me-
xicali, tem, entre outros produtos, um software para administrar parques
industriais.
Além do âmbito maquilador, podemos destacar uma empresa que ex-
porta para a América Central serviços de segurança para governos locais ou
municipais sobre a base da experiência adquirida, fornecendo esses siste-
mas ao governo da Baixa Califórnia.
Por último, resulta muito interessante a associação de três empresas que
trabalham para o setor médico. Uma delas desenvolve um software que plas-
ma o expediente médico dos pacientes; a segunda, um laboratório médico
assessora no que se refere às necessidades do setor e a conjunção do software
com o aparelho de radiologia. Finalmente, uma terceira empresa de teleco-
municações contribui com a tecnologia necessária para pôr em conexão os
distintos subsistemas implicados no serviço. Esta integradora tem relação com
o Cicese de Ensenada, para que esta instituição tome parte ativa realizando
pesquisa aplicada que permita melhorar a inovação realizada até o momento.
Nessa integradora, percebe-se, portanto, uma inovação de produto, porém
uma das chaves da inovação reside no avanço para uma organização distinta,
com empresas de diferentes giros que complementam suas capacidades.

Conclusões
A indústria da Baixa Califórnia mostra traços que permitem extrair algu-
mas conclusões a respeito da inovação. Em um contexto de crescimento
moderado da demanda (2006), as empresas operam em um mercado fun-
damentalmente local ou regional, embora um terço das empresas consigam
exportar. Apesar de o software no México estar composto majoritariamente
por empresas que prestam serviços, na Baixa Califórnia há um setor não
desprezível de empresas de produtos.
As inovações que os empresários percebem são sem dúvida de tipo incre-
mental. Centram-se fundamentalmente em inovações de produto ou servi-
ço, porém os empresários não valorizam muito as inovações organizativas e
menos ainda as de processo, o que se relaciona diretamente com a escassez
de empresas certificadas. Esta valoração relativamente pouco importante
contrasta com o assinalado no nível internacional especialmente para pa-

A inovação nas indústrias de software da Baixa Califórnia 115


íses como a Índia (ARORA et al., 2005). Contrasta também com a ideia
expressa em entrevistas, pelas microempresas, no sentido de que necesitam
uma consolidação organizativa que lhes permita ser eficientes e melhorar a
comercialização de seus produtos ou serviços.
O alcance das inovações das empresas da região se relaciona, em boa
medida, com que seus produtos sejam “idiossincráticos”. A empresa local
mais inovadora tem como cliente a indústria maquiladora local, e a ino-
vação provém do acesso a um mercado que em seu momento foi virgem
e que é difícil de alcançar por empresas estrangeiras, porque requer um
conhecimento e atualização constante da legislação laboral e da legis-
lação de comércio exterior mexicanas, que é o país em que aquelas se
encontram operando. Isso explica a alta proporção de empresas que se
consideram pioneiras na introdução de determinados produtos ou servi-
ços, apesar de muitas delas empregarem, segundo a enquete, tecnologias
estáveis e difundidas.
As fontes internas de inovação mais importantes são os departamentos
ou pessoas encarregadas da comercialização, e como fontes externas, os
clientes. Entre as fontes externas não se percebe uma influência das gran-
des empresas assentadas na região. Por um lado, Zentrum é uma empresa
corporativa de Telnor (Telmex) que até o momento não se apoia nas PMEs
regionais e, em consequência, não as subcontrata. Tampouco na atividade
de Softtek, a maior empresa mexicana de serviços de software, se adverte
a relação com as PMEs. Isto priva a região de uma fonte de aprendizagem
potencial e de inovação em aspectos organizativos.
Quanto ao tema da inovação, as instituições educativas ou científicas
da região também não são relevantes para o conjunto das empresas. Isso
não se contradiz com a participação de algumas destas instituições como o
Cicese em projetos relacionados com software médico.
Os resultados expostos mostram que a indústria do software na Baixa
Califórnia se concentra em linhas gerais em inovações incrementais que
lhe permite se desenvolver em um mercado local e regional, embora seja
interessante observar a evolução das empresas que atualmente exportam. A
característica mais relevante para nosso estudo, é que as inovações obtidas
se produzen pela atividade individual das empresas. A agrupação em um
cluster não se traduziu, por enquanto, em inovações de tipo coletivo, seja
por alianças entre empresas seja por trabalhos conjuntos com instituições.
Nesse sentido, a indústria se assemelha a outros países nos quais não se
detectaram economias de aglomeração significativas, porém os usuários
constituem uma fonte de demanda que induz ao crescimento da indústria e
à conquista de inovações incrementais (Arora et al., 2005:202).

116 A inovação nas indústrias de software da Baixa Califórnia


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A inovação nas indústrias de software da Baixa Califórnia 119


Clusters e sistemas produtivos locais,
competitividade e articulação nas regiões:
Baixa Califórnia, México67, 68

Sárah Eva Martínez Pellégrini

1. Introdução
O objetivo deste trabalho é apresentar e analisar algumas características
das políticas de desenvolvimento econômico do estado fronteiriço da Baixa
Califórnia, México, baseadas na integração de clusters. Estes efeitos refe-
rem-se especificamente ao grau de consolidação de um sistema produtivo
regional com certo nível de organização interna particular e um modelo de
desenvolvimento regional concreto, fundamentados no empresariado lo-
cal e capaz de recuperá-lo e melhorá-lo. Dando-se estas características, se
poderia propor que a clusterização do estado contribua para a articulação
territorial na região.
A Baixa Califórnia é um “estado ganhador” da integração comercial do
México com os Estados Unidos,69 situação que deriva em grande parte de
uma prévia relação de fato com este país através das maquiladoras (monta-
doras) localizadas no estado. Estas empresas explicam grande parte do em-
prego industrial e as exportações da região. O impulso produtivo descrito
gerou uma dinâmica de crescimento econômico induzido e alimentado por
fatores exógenos, sem que se tenham detonado dinâmicas locais espontâ-
neas que permitam falar de um processo de articulação endógena ou local.
A recente política de fomento do desenvolvimento de clusters do governo
do estado poderia modificar esta situação nos próximos anos, mediante o
estabelecimento de estratégias territoriais dos mesmos clusters.

67. Este texto retoma parte dos resultados do trabalho de pesquisa doutoral da autora intitula-
do “Sistemas productivos locales e integración económica: el caso de Baja California México”.
Agradeço os enriquecedores comentários de Antonio Vázquez Barquero, orientador da tese, e
dos Doutores Enrique Cabrero e Noé Arón Fuentes.
68. Tradução de Maria do Carmo Cardoso da Costa e Maria del Carmen Thomas.
69. O estado ocupa a metade norte da Península de Califórnia, no extremo Noroeste do país.
Sua localização contígua aos Estados Unidos e em particular a uma das economias mais di-
nâmicas do mundo, a californiana, tem sido sua principal vantagem em relação ao resto do
país.

Clusters e sistemas produtivos locais, competitividade e articulação nas regiões 121


No texto, se discute se os setores em que está especializada a região,
aqueles que explicam seu “dinamismo econômico”, apresentam uma estru-
tura integrada setorial e territorialmente que se possa considerar como um
sistema produtivo local articulado e com certo grau de endogeneidade. Isto
é, se a partir de sua situação privilegiada geograficamente e o fomento dos
clusters no estado, Baixa Califórnia apresenta um caminho de mobilização
de seus recursos com tendência à consolidação de um sistema produtivo
regional com maior equilíbrio de componentes exógenos e endógenos.
A evidência sugere que o sistema produtivo da Baixa Califórnia carece
de uma organização com capacidade de resposta às mudanças do mercado
e às circunstâncias econômicas, com capitalização da capacidade de empre-
endimento local e orientada a geração de vantagens competitivas especí-
ficas que permitam determinar seu próprio caminho de desenvolvimento.
Nesse sentido, não se pode falar ainda da existência de um processo de
reestruturação e reorganização a nível regional conforme as propostas das
teorias do desenvolvimento endógeno ou da existência de uma estratégia
territorial.
Discutir essa hipótese equivale a referendar que a taxa de crescimen-
to é informação insuficiente para determinar que uma economia regional
(ou nacional) tenha características estruturais “sadias” que garantam a sua
competitividade e, portanto, a sua capacidade de crescer no tempo. A apro-
ximação através da análise de fatores associados ao desenvolvimento, como
são a organização da base econômica e sua articulação com outros atores
regionais, são indicadores mais adequados para conhecer a situação de uma
economia diante do entorno e do futuro. Esta conclusão também relativiza
a utilidade dos estudos de convergência como instrumentos únicos de ava-
liação da situação e lucros em matéria de desenvolvimento econômico.
O texto começa com uma apresentação do marco teórico e os conceitos
utilizados para a análise do caso. Prossegue com a apresentação do caso da
Baixa Califórnia e a aproximação a dois clusters de serviços de alto valor
agregado como aproximação ao processo de articulação territorial. Por últi-
mo, se apresentam algumas reflexões finais.

2. As teorias e conceitos marco da discussão


O eixo da análise que se propõe é a organização espacial do sistema econô-
mico e a partir daí, a integração do sistema produtivo local e seu impacto
na consolidação de processos de desenvolvimento territorial. Partimos de
que a economia regional pode conceber-se como um sistema de desenvol-
vimento cuja estrutura produtiva fica definida pela diversidade dos seus

122 Clusters e sistemas produtivos locais, competitividade e articulação nas regiões


componentes e seu grau de integração (PERRIN, 1974); a estrutura produ-
tiva regional é um conjunto específico de atividades produtivas localizadas
em um espaço regional, cuja dinâmica impõe suas próprias limitações à
organização espaço-econômica do sistema geral e que tem certos impactos
diretos na organização social.
Não se pode avançar na definição das dinâmicas e características do
território unicamente a partir dos elementos endógenos mencionados na
colocação anterior, mas é também necessário recuperar de forma explícita
as principais linhas de interação desse sistema regional com “o exterior”,
posto que, em alguns casos, estas podem ter também maior incidência na
organização interna que os fatores endógenos. Nesse sentido, é importan-
te recuperar as contribuições sobre os impactos territoriais da integração
econômica por meio de seus efeitos dinâmicos, sobretudo para a análise
das regiões fronteiriças. De fato, as evidências de interação e influência
mútua entre regiões nacionais e supranacionais conduzem diretamente à
discussão do paradoxo territorial mencionado por Precedo (2004), na que
se recuperam espaços de ação locais e regionais, precisamente, como for-
mas mais efetivas de resposta aos efeitos do funcionamento do “grande
sistema” mundial.
A forma de incidência dos fatores exógenos depende das características
próprias da região e, em particular, de seu potencial endógeno. Esse poten-
cial inclui como fatores de fortaleza ou debilidade local uma multidão de
elementos que abrangem desde os tangíveis até os intangíveis dos recursos
e a organização do sistema local. Colletis e Pecqueur (1993) os agrupam em
cinco pontos que poderíamos considerar endógenos (1 – o suporte territo-
rial como provedor de recursos; 2 – o modelo de especialização produtivo
local; 3 – a localização e articulação das indústrias; 4 – as características
laborais e empreendedoras da população; 5 – a existência de centros e or-
ganizações capazes de assumir a liderança) e um, de interação com outros
sistemas (6 – a integração a outros mercados).70 Estes seis pontos resumem,
em geral, as linhas fundamentais de aproximação ao diagnóstico das carac-
terísticas próprias de um sistema regional e entre os de caráter endógeno,
o modelo de especialização produtiva local, a localização e articulação das
indústrias e as características laborais e empreendedoras da população são
os traços que definem a iniciativa empresarial regional, elemento central
de discussão.

70. Estes elementos são a base do questionário que foi aplicado nas empresas da Baixa Califór-
nia para efetuar o estudo de caso.

Clusters e sistemas produtivos locais, competitividade e articulação nas regiões 123


Deve considerar-se que assim como estas características podem conter
um potencial, também podem ser limitadoras para o desenvolvimento de
um território e, nesse sentido, haverá que complementar o anterior conside-
rando a viabilidade de mudança ou reestruturação produtiva71 factível para
cada caso concreto. Esta vai depender de: 1) a estrutura econômica e orga-
nização da produção existentes; 2) a evolução do sistema tecnológico; 3) o
mercado laboral e as relações industriais; 4) os atores e estruturas sociais;
5) as características do mercado e as formas de competência; 6) a fluidez de
circulação da informação; e 7) as instituições reguladoras existentes.
Se o desenvolvimento territorial é “o processo de transformação produ-
tiva e organizativa em cujo marco o conjunto de atores sociais presentes
em um determinado território mancomunadamente aproveitam potencia-
lidades endógenas” (GÖSKE, 2001) e o território terá sua origem a partir
dos fluxos de intercâmbio horizontais, de mercado e de outro tipo entre
os sujeitos de um espaço, e virá determinado precisamente pelo potencial
endógeno definido anteriormente.
A definição prévia de território tem como antecedente os distritos indus-
triais cuja técnica produtiva depende de variáveis do entorno e não exclu-
sivamente do preço dos fatores produtivos. Garofoli (1992) destaca como
elementos básicos desses sistemas a existência de uma cultura do trabalho
entre os diversos estabelecimentos integrantes do sistema, uma forte es-
pecialização produtiva, a intervenção no sistema de uma pluralidade de
agentes locais, o estabelecimento de um sistema eficiente de transmissão da
informação na medida local, o alto grau de qualificação da mão de obra, e a
proliferação de relações pessoais entre os agentes econômicos.
Sistema produtivo local (o herdeiro direto do distrito industrial), cluster
e desenvolvimento territorial são os enfoques complementários utilizados
para compreender a articulação produtiva, no âmbito da economia indus-
trial, mas com diferentes consequências quando se utilizam como estraté-
gias de desenvolvimento regional. Essa articulação produtiva é a que consi-
deramos o articulador territorial diferentemente da proposta de geógrafos
e urbanistas que o fazem a partir dos sistemas de cidades ou assentamentos
humanos e os eixos e sistemas de comunicação. A articulação de redes de
empresas seria a forma embrionária de articulação, um segundo nível seria
o fomento da competitividade de clusters e um terceiro, a competitividade
do sistema produtivo local-territorial no que ficam subsumidos os dois ní-
veis anteriores. Estes três passos marcam um nível crescente de articulação
territorial porque no primeiro caso se geram sinergias com benefícios estri-

71. O termo reestruturação produtiva está referido à reestruturação industrial que D. Massey
(1983:74) define como “um dos mecanismos através dos quais se reforma a estrutura social e se
mudam as relações sociais, e se rompem ou se reconstroem as bases da ação política”.

124 Clusters e sistemas produtivos locais, competitividade e articulação nas regiões


tamente para os membros da rede, no caso dos clusters existem externalida-
des consideráveis que se difundem para toda a cadeia produtiva ou cluster
sem barreiras de apropriação, no caso dos sistemas produtivos locais, se
trabalha sobre fatores competitivos genéricos que tem “um conteúdo de
bem público maior” (DINI, FERRARO e GASALY, 2007) e impactam a todas
as atividades econômicas do território ou localidade.
Precisamente uma das principais contribuições dos enfoques de desen-
volvimento local é buscar propostas integrais e territoriais de desenvolvi-
mento cujos objetivos virão definidos pelas especificidades de cada região.
A outra grande contribuição é considerar como fator estratégico do processo
a participação dos atores locais desde a concepção do projeto de desenvol-
vimento até sua gestão, o que é em si mesmo uma garantia de contribuição
à articulação e construção territorial.
Além do marco teórico do ponto de partida, a avaliação das iniciativas
concretas de desenvolvimento territorial (regional) se deve fazer em função
dos objetivos que explicitamente propõem e do contexto ao que são aplica-
dos. No caso da América Latina, por exemplo, entre os principais objetivos
das iniciativas de desenvolvimento econômico local aparecem às seguintes
(ALBUQUERQUE, 2001; AGHON et al., 292-293):
ƒ Diversificação produtiva baseada nos recursos endógenos (locais).
ƒ Articulação público-privada para promover a inovação produtiva e em-
presarial.
ƒ Cooperação entre municípios para obter melhores resultados em desen-
volvimento.
ƒ Estímulo de sementeiros de empregos locais e novas fontes de ingresso.
ƒ Apoio financeiro às micro e PMEs.
ƒ Promoção da competitividade sistêmica territorial.
ƒ Iniciativas relacionadas com a sustentabilidade.
Apesar de sua generalidade podemos identificar claramente que esses
objetivos abrangem os diferentes aspectos considerados centrais para endo-
geneizar e territorializar o desenvolvimento. Merecem particular atenção
os pontos de diversificação de produtiva, promoção da competitividade sis-
têmica territorial e iniciativas para a sustentabilidade, como contrapeso à
parte dos riscos atribuídos às iniciativas orientadas à integração produtiva
e ao fomento de agrupamentos industriais.72

72. Pacheco-Vega (2007) enfatiza como tais o canibalismo empresarial, a excessiva especiali-
zação e a saturação de mercados que podem derivar-se da existência de sistemas produtivos
dependentes de um cluster monoespecializado.

Clusters e sistemas produtivos locais, competitividade e articulação nas regiões 125


3. A região da Baixa Califórnia e sua estratégia de
desenvolvimento

3.1. Políticas nacionais de desenvolvimento econômico e seu impacto


regional no México
Nem a política de substituição de importações, nem a de abertura ao ex-
terior aplicadas no México desde os anos 1950 até essa data tem contri-
buído para um equilíbrio territorial. Estes resultados foram previsíveis a
partir das premissas e orientação de ambas para a consecução de maiores
níveis de crescimento dos que supostamente derivariam de forma natural
a redistribuição e o desenvolvimento, sem nenhum outro tipo de medida
equilibradora. Mas, principalmente, dado que de forma natural, as políti-
cas desenhadas de forma muito vertical reforçaram os padrões existentes
provocando uma situação como a descrita pela teoria da causação acumu-
lativa. No país, o desenvolvimento e o crescimento se concentraram nas
grandes cidades e suas áreas de influência direta, posteriormente, e como
resultado da aparição das deseconomias de aglomeração e do avanço nas
comunicações e transportes se incorporaram algumas áreas vizinhas às an-
teriores à dinâmica de crescimento.
As características do México, por sua extensão e heterogeneidade de
partida dificultam em grande medida pelo menos a homogeneização de
condições mínimas. Alguns dos fatores que explicam são as característi-
cas demográficas, climatológicas, culturais e de desenvolvimento prévias.
As diferenças entre as regiões do México superam em alguns aspectos às
divergências entre os países da União Europeia (ao menos até a última
ampliação).
A conclusão que se tira das características da única política que se po-
deria considerar territorial, a urbana, é que não tinha matizes de política
de desenvolvimento e sim de fornecimento de serviços à população e nesse
contexto em algum momento chegou a propor uma revisão das dimensões
urbanas e dos problemas de grande crescimento de poucos núcleos de po-
pulação, sem propor uma estratégia real de desenvolvimento ou reforma
do padrão de assentamento de população e a dinâmica produtiva impe-
rantes. Derivado do anterior, não se pode falar até datas muito recentes
(por volta de 2000) de uma visão de desenvolvimento regional, e sim de
crescimento econômico nacional, por um lado, e de solução de problemas
urbanos, por outro. Essa situação reflete claramente no mapa de atores
relevantes no desenvolvimento no México o que têm sido tradicionalmente
o governo central e os municípios grandes; os governadores ou governos
estatais aparecem em cena quando surgem as petições de redistribuição das

126 Clusters e sistemas produtivos locais, competitividade e articulação nas regiões


participações federais na segunda metade dos anos oitenta. Esta situação é
particularmente preocupante em um contexto em que ainda não se deu a
transição das estruturas centrais para um papel de árbitro e nivelador das
diferenças de desenvolvimento entre regiões, no lugar de interventor direto
nas iniciativas de desenvolvimento.
O país apresenta uma situação geral de estagnação da convergência, que a
partir do nosso ponto de vista e segundo os dados,73 é mais de polarização da
situação de desequilíbrio entre as “locomotivas” e os “últimos vagões” no que
se refere ao desenvolvimento. O que agrava essa situação no caso de países de
desenvolvimento tardio como o México? Que neles os indicadores de condi-
ções de vida por grupos estão deslocados em direção aos extremos inferiores
e, portanto, nesses casos, os perdedores ou casos críticos se situam abaixo das
linhas aceitáveis de nível de vida, com ameaças de não sobreviver.
Retomando as disparidades regionais por entidades federativas, os Gráficos
1 e 2 apresentam os resultados de uma análise de β condicionada para os es-
tados mexicanos para o período 1980-1998 (MARTÍNEZ PELLÉGRINI, 2006),
que se subdivide em duas etapas correspondentes às políticas de fechamento
do país e de abertura internacional respectivamente. Para o primeiro período,
que abrange a maior parte do modelo de industrialização por substituição de
importações e uma pequena parte do período de crise econômica, existe uma
clara convergência β absoluta já que os estados com menor ingresso per capita
em 1975 (Tlaxcala, Oaxaca, Zacatecas, San Luis Potosí, Nayarit, e Durango)
foram os que apresentaram maiores taxas de crescimento (Gráfico 1).
O Gráfico 2 evidencia, com dados do PIB para os estados mexicanos no
período 1985-1998, uma clara divergência β absoluta. As entidades federa-
tivas com menor renda per capita em 1985 (Tlaxcala, Oaxaca, Zacatecas,
Nayarit, e Durango) crescem mais devagar que a média nacional, enquanto
as regiões com maior renda per capita em 1980 (Baja California, Tamaulipas,
Nuevo León, e DF) apresentam taxas superiores.
Os dados anteriores permitem constatar a existência de duas etapas cla-
ramente diferenciadas a respeito da convergência nos níveis de renda per
capita no período 1980-1998; uma primeira, 1980-1985, com aproximação
da maioria dos estados mais atrasados à média nacional e posteriormente
outra, 1985-1998, de progressiva divergência depois da abertura comercial
iniciada em 1985. Com esses resultados, pode-se concluir que a política de In-
dustrialização Orientada para o Exterior, antecedente do TLCAN, teve efeitos
negativos em relação à convergência regional entre os estados mexicanos.

73. Sárah Martínez Pellégrini (2006), Sistemas productivos locales e integración económica: el caso de
Baja California, México, tese doutoral. Capítulo 4, Universidad Autónoma de Madrid, España.

Clusters e sistemas produtivos locais, competitividade e articulação nas regiões 127


Gráfico 1

Fonte: Martínez Pellégrini, Sárah Eva, 2006.

Gráfico 2

Fonte: Martínez Pellégrini, Sárah Eva, 2006.

128 Clusters e sistemas produtivos locais, competitividade e articulação nas regiões


Outro grande problema é que as disparidades entre regiões e entre gru-
pos sociais para países em desenvolvimento, caracterizados por seus me-
nores níveis de estruturação social, são muito maior que nos países mais
desenvolvidos.74

3.2. Os clusters como base do SPL na Baixa Califórnia


Focando agora a dinâmica econômica do Estado da Baixa Califórnia, a con-
clusão geral a que se chega é que esta região “ganhadora” depois do pro-
cesso de abertura é uma zona de crescimento industrial com subvenções
exteriores75 como demonstram seu potencial de desenvolvimento, o tipo
de reestruturação requerida pelos problemas locais, o modelo de desenvol-
vimento em que se baseia a economia local e a experiência adquirida no
manejo dos instrumentos de desenvolvimento.

Quadro 1 – Participação no Produto Interno Bruto nacional por municípios


Municípios
Anos Tijuana Mexicali Ensenada Tecate Baixa Califórnia
% % % % %
1994 19.568.862 1,50 12.563.666 0,96 1.720.893 0,13 1.218.294 0,09 38.071.715 2,91
1995 27.478.856 1,64 17.642.067 1,05 6.629.140 0,39 1.710.746 0,10 53.460.809 3,18
1996 38.097.563 1,66 23.221.372 1,01 8.708.014 0,38 2.539.837 0,11 72.566.786 3,16
1997 50.153.250 1,58 30.569.600 0,96 11.463.600 0,36 3.343.550 0,11 97.637.698 3,39
1998 61.620.825 1,60 37.559.360 0,98 14.084.760 0,37 4.108.055 0,11 119.420.226 3,39
1999 75.557.175 1,64 46.050.240 1,00 17.268.840 0,38 5.036.745 0,11 148.810.050 3,53
2000 ND ND ND ND 180.879.629 3,63
2001 ND ND ND ND 183.592.039 3,48
2002 ND ND ND ND 189.341.710 3,30
2003 ND ND ND ND 210.633.123 3,37
2004 ND ND ND ND 244.088.677 3,50
2005 ND ND ND ND 264.439.299 3,54
2006 ND ND ND ND 294.838.022 3,60

Fonte: INEGI.

Embora a participação estatal no PIB nacional tivesse pequenos aumen-


tos na última década (Quadro 1), se retomamos os índices de volume físico
da produção manufatureira o estado tem tido um crescimento da atividade
muito superior à média nacional. Este dado é um indicador de que a Baixa
Califórnia apresenta um retrocesso no valor de sua produção e, portanto,

74. Não se insiste mais neste ponto porque é tema recorrente nas discussões sobre desen-
volvimento. É suficiente revisar os índices de desenvolvimento humano e os índices de Gini
que costumam acompanhá-los para confirmar este ponto. O ponto está proposto de maneira
extensa em Martínez Pellégrini, 2006, Capítulo 4.
75. Estamos aplicando a classificação regional proposta em Vázquez, 1992.

Clusters e sistemas produtivos locais, competitividade e articulação nas regiões 129


está nos enlaces mais baixos da cadeia de produção. Este resultado contra-
diz a visão de que a maquiladora esteja contribuindo para a reestruturação
do sistema industrial local, para uma maior competitividade tecnológica e
melhora do capital humano regional.
O potencial de desenvolvimento econômico da região está, portanto, for-
temente ancorado no recente desenvolvimento industrial fomentado a partir
da instalação de maquiladoras no estado durante os anos 1960 como resul-
tado do regime de zona livre. Neste sentido, a vocação estatal é claramente
industrial em termos dos ativos ou fatores produtivos que estão explorando
de fato. Os setores manufatureiros com maior peso desde o começo dos
anos 1990 são “produtos metálicos, maquinaria e equipe” com participa-
ções crescentes entre 40% e 51% da produção manufatureira, “alimentos,
bebidas e tabaco” que foi desde 21% a 14,5% da participação, “mineração
de não metálicos excetuando derivados do petróleo” e “madeira e seus pro-
dutos” que passaram a representar por volta de 7% da produção estatal a
5% e, por último, “químicos, derivados do petróleo, borracha e plásticos”
que passaram de 4,8% a 5,57% e “têxteis, vestido e couro” que partiram
de 3,33% e chegaram a 4,63%. A evolução setorial do estado, no período
1993-1999, permite estabelecer uma clara diferenciação entre as atividades
predominantemente organizadas como maquiladoras e conexas que cresce-
ram no período, e aquelas dirigidas ao abastecimento local ou nacional que
decresceram.
Os serviços complementam a atividade manufatureira como recurso ou
fator por explorar e, embora ainda se centrem no comércio, foram evolucio-
nando para serviços turísticos associados a alguns serviços profissionais de
alto valor agregado como os serviços médicos.
Em geral os últimos anos deram indícios de certa reestruturação da base
produtiva regional com a consolidação dos setores em que há maquilado-
ras, a contração dos setores tradicionais locais e o surgimento, embora em
pequena escala, de novos setores competitivos e dirigidos a mercados muito
concretos. A maquiladora apresentou durante todo o período 1986-2000 ta-
xas de crescimento do emprego e do número de plantas superiores à média
nacional e manteve sua geração de divisas a taxas de crescimento superio-
res a 6% anual. Portanto, manteve bons resultados nas duas contribuições
básicas à economia: emprego e divisas, no entanto encontramos evidências
de que essas maquiladoras têm outro tipo de derramas estruturais ou orga-
nizativas no sistema local.
Esse processo poderia significar uma polarização do sistema econômico
regional entre setores de vantagem comparativa associados à maquiladora
que absorvem a maior parte dos empregos e mantém baixos níveis de valor

130 Clusters e sistemas produtivos locais, competitividade e articulação nas regiões


agregado, e setores minoritários em emprego de alto valor agregado que
permitem o desenvolvimento de áreas competitivas no estado.
A diferenciação de tipos de produção se repete na distribuição espacial
de atividade já que o Estado da Baixa Califórnia apresenta claras concentra-
ções em dois municípios mais povoados e dinâmicos: Tijuana que contribui
com aproximadamente 50% do PIB estatal (centro econômico do estado) e
Mexicali (capital do estado) que contribui com 30%. Os outros três muni-
cípios (Ensenada, Rosarito e Tecate) são de menores dimensões populacio-
nais e menor taxa de crescimento (Quadro 2).
Os problemas econômicos fundamentais da região, derivados do mo-
delo de desenvolvimento em que se baseia a economia local, requerem a
consolidação do sistema regional para obter certo nível de controle endó-
geno de seu desenvolvimento e uma maior competitividade territorial. Faz
poucos anos, a única política de desenvolvimento regional existente era a
promoção de investimento estrangeiro sem discriminação de setores ou ati-
vidades, isto é, sem uma visão de construção de um sistema produtivo com
certa orientação para desenvolvimento a longo prazo. O modelo de desen-
volvimento estava totalmente dirigido para a atração de grandes empresas
estrangeiras pela disponibilidade de mão de obra barata e a proximidade
ao mercado estadunidense, além de alguma outra concessão (fundamental-
mente fiscal) negociada para cada caso concreto. Tudo isto explica o cres-
cimento sustentável dos setores com a presença maquiladora e a contração
ou estagnação dos demais setores produtivos. A origem do capital investido
na zona é na maioria estadunidense, seguido do japonês e do coreano.

Quadro 2 – Indústria maquiladora de exportação por município, BC


Número de
Pessoal ocupado % Valor agregado %
Anos estabelecimentos %
Mexicali Tecate Tijuana Mexicali Tecate Tijuana Mexicali Tecate Tijuana
1995 16,60 11,11 65,43 19,04 6,29 70,55 19,04 5,59 72,33
1996 16,12 10,71 66,62 20,60 5,24 70,09 20,70 4,63 71,82
1997 16,37 10,62 66,26 21,43 4,50 69,31 22,72 3,94 69,81
1998 16,80 11,00 65,52 22,03 4,70 68,29 22,20 3,64 70,50
1999 16,28 11,12 65,21 21,97 4,90 67,67 22,15 3,76 69,97
2000 15,93 11,33 64,70 22,62 4,37 67,59 23,40 3,30 69,57
2001 15,38 11,36 64,94 21,94 4,21 68,11 24,96 3,50 67,55
2002 14,85 12,09 63,94 22,89 4,11 66,71 26,29 3,49 65,89
2003 14,75 12,27 63,96 23,68 4,15 65,84 30,66 3,52 61,57
2004 14,51 12,36 64,74 22,88 4,17 67,22 29,45 3,59 63,08
2005 14,95 12,74 63,57 22,59 4,18 67,52 28,63 3,82 63,46
2006 14,79 12,80 63,69 21,79 4,32 68,51 26,36 4,11 65,81
Fonte: Estatísticas econômicas INEGI, Indústria Maquiladora de Exportação, vários anos.

Clusters e sistemas produtivos locais, competitividade e articulação nas regiões 131


Tijuana concentra a maior parte das maquiladoras, aproximadamente 60%
do total estatal, e está aumentando a proporção de maquiladoras, embora os
demais municípios mantenham em geral suas taxas de participação em Ense-
nada, município em que havia outro tipo de indústria em crise. Isto é, o modelo
de utilizar a maquiladora como geradora de emprego e indústria continua sen-
do predominante, o que é, em muitos casos, uma medida a curto prazo para
atenuar situações de estagnação econômica como a de Ensenada.
O manejo local-regional dos instrumentos de desenvolvimento tem sido
bastante reduzido, salvo no caso das ações orientadas à captação de inves-
timento estrangeiro mencionadas.
Desde então, se detecta a escassa articulação do sistema local já que
a política de desenvolvimento territorial pode considerar-se muito limita-
da. A atração de investimento estava mediada pelas iniciativas nacionais
de apoio à indústria maquiladora em geral e alguns setores considerados
importantes, também em nível nacional, sem que se incorporassem as vo-
cações ou potenciais regionais especificamente. Este primeiro aspecto de
desarticulação implica nos níveis: 1) da desconexão das autoridades locais
quanto ao projeto econômico e de desenvolvimento da região; e 2) da de-
sarticulação da base produtiva que é criada na região incapaz de integrar
aos atores entre eles, particularmente os exógenos e endógenos.
Outro dos determinantes da organização produtiva regional são os tra-
ços próprios de seu sistema produtivo. Partindo de uma aproximação às
economias internas e externas, a partir do trabalho de campo realizado,76
achamos que o sistema gera escassas economias externas e que na maioria
dos casos as plantas estão isoladas, mas que no caso das grandes empre-
sas estrangeiras, estas têm economias internas elevadas e tendem a uma
forte integração vertical de funções. Podemos afirmar que existem duas
dinâmicas dominantes, uma de PMEs locais desarticuladas e orientadas ao
mercado regional com algumas exceções de empresas que exportam ou for-
necem para as empresas maiores, e a outra que é a das grandes empresas
estrangeiras que funcionam praticamente como enclaves (inserções) e cujos
insumos locais são o emprego, e 3% dos outros recursos que são na maioria
consumíveis para a operação da planta. Esses últimos não são precisamente
os que poderiam detonar processos de complementaridade ou de integra-
ção de cadeias produtivas.

76. Os dados apresentados são resultado da aplicação de entrevistas e pesquisas a 150 empre-
sas da Baixa Califórnia selecionadas como amostra estratificada para identificar sua organiza-
ção e inter-relações. A metodologia pode ser consultada em Martínez Pellegrini, 2006.

132 Clusters e sistemas produtivos locais, competitividade e articulação nas regiões


Esquema 1 – Organização e territorialização das empresas
Redes de empresas
Sistemas locais integrados
Sistemas locais integrados
Não integração nas fileiras de produção de nas cadeias de valor locais Integração
territorial das outras cadeias territorial das
empresas Empresas externas integra- empresas
Enclaves
das na cadeia local de valor
Modelo hierárquico de organização
Fonte: Vázquez, 2002.

Retomando a proposta de análise de SPL (VÁZQUEZ, 2002) a partir de


dois eixos que são o nível de integração territorial das empresas e a organi-
zação reticular ou em redes (Esquema 1), as empresas do estado tendem a
situar-se no modelo de enclaves ou de empresas externas integradas debil-
mente na cadeia de valor local. Neste sentido, o esforço de “clusterização”
se apresenta como uma alternativa para, por um lado, integrar os produto-
res externos ao sistema local e, portanto, enraizá-los ou territorializá-los, e,
por outro, para gerar um modelo mais próximo à organização reticular dos
atores produtivos, seja estes locais ou de fora, em lugar do atual esquema
hierárquico. Estaríamos diante de uma situação de apoio a clusters naturais
em formação e de geração de outros induzidos ou forçados, segundo a termi-
nologia de Pacheco-Vega (2007).
Em relação ao emprego, em geral, existem níveis de rotação laboral signi-
ficativos de entre 20% e 30% dos empregados anualmente. Ainda que todos
os setores apresentem situações similares aos plásticos e autopeças são aque-
les para os quais essa situação resulta problemática, o que é explicável pelo
fato de que nestes setores os trabalhadores são formados na própria empresa
em atividades especializadas.77
Os principais problemas detectados no mercado laboral continuam rela-
cionados a aspectos como a rotação, o absentismo laboral e a falta de tra-
balhadores qualificados. Ainda não foi consolidada a qualidade do recurso
humano como uma das externalidades próprias dos clusters e sistemas pro-
dutivos locais. O único caso em que parece existir essa reserva de trabalho
é para o setor elétrico-eletrônico. Esses resultados podem relacionar-se com
a dinâmica populacional do estado, em geral, e de Tijuana em particular; o
crescimento demográfico resulta da chegada de migrantes em busca de em-
prego na fronteira ou nos Estados Unidos.
Retomando as relações entre empresas e o grau de aglomeração espacial,
a indústria da Baixa Califórnia é dispersa e mais hierárquica que cooperativa.

77. Os aspectos analisados da organização dos agrupamentos foram documentados a partir


de fontes secundárias e da aplicação de questionários e entrevistas em 150 empresas da Baixa
Califórnia dos setores autopeças, têxtil, de plásticos e eletroeletrônico.

Clusters e sistemas produtivos locais, competitividade e articulação nas regiões 133


As redes são débeis e incipientes e o que se pode encontrar é uma aglome-
ração de empresas concentradas no território sem grande inter-relação entre
elas. Existem poucas relações de interdependência e, portanto, não podemos
falar de que existam redes de atores múltiplos que interatuem e reajam às
ações dos demais membros da rede. Os grupos mais articulados são explica-
dos por relações hierárquicas entre empresas por controle de recursos.
Apesar de que os setores que foram selecionados sejam aqueles em que
haja certo nível de especialização regional que tem coeficientes de localiza-
ção superiores a 1 (Quadro 3) e com inter-relações com outras atividades
(vinculados segundo a matriz input output) não se confirma a existência de
inter-relações produtivas de subcontratação ou cooperação, nem a existên-
cia de cooperação informal significativa. Não há complementaridade entre
as indústrias, embora o setor têxtil e o automotivo apresentem certos meca-
nismos de colaboração interempresarial.

Quadro 3 – Setores de atividades com coeficientes de localização maiores de 1


na Baixa Califórnia
Coeficiente de Número de es- Volume de
Setores de atividade
localização tabelecimentos emprego
Total para a indústria manufatureira 4.813 248.458
21 Cerveja 1,25 * 407
13 Indústria de vestido e têxteis 1,09 119 3.411
37 Resinas sintéticas e fibras artificiais 0,87 18 562
48 Móveis e acessórios metálicos 1,23 87 3.218
Carrocerias e indústria de auto-
57 1,79 91 12.569
peças
Outros prod. de minerais não
45 1,57 366 5.829
metálicos
46 Indústrias básicas do ferro e aço 1,01 67 1.509
40 Outros produtos metálicos 1,27 145 13.389
64 Transporte 1,74 9 4.208
54 Equipes e acessórios eletrônicos 1,93 147 57.289
43 Vidro e seus produtos 1,22 45 1.818
42 Artigos de plástico 1,02 130 17.142
50 Maquinaria e aparelhos eletrônicos 1,28 102 18.690
Fonte: Tomado de Martínez, 2006. Elaborado com informação de Censos Econômicos,
1998.
*Informação não disponível por questões de segredo estatístico.

A maioria dos insumos de produção é importada, tanto matérias-primas


quanto componentes e maquinaria. No caso dos serviços, a balança é um
pouco mais favorável aos fornecedores regionais, mas unicamente em ser-
viços de gestão empresarial e capacitação e não naqueles diretamente vin-

134 Clusters e sistemas produtivos locais, competitividade e articulação nas regiões


culados à produção o que é uma debilidade para conseguir a integração das
cadeias de produção locais.
A identificação dos setores de atividades evidencia uma economia pouco
diversificada, como confirma o resto dos dados sobre o funcionamento da
economia local. Além disso, caracteriza-se por uma forte vinculação aos
mercados externos como o esperado e poderíamos falar de duas áreas da
economia isoladas, a orientada ao mercado externo (maquiladora) e a que
cobre o mercado interno, com diferenças importantes na sua organização
e funcionamento. Esse é um dos efeitos polarizadores que teve o processo
de abertura econômica na Baixa Califórnia, onde se reforçaram os padrões
tradicionais em lugar de originar-se uma reestruturação com outros fatores
de competitividade.
Retomando as alternativas utilizadas na literatura sobre cluster, a respeito
das suas características trabalhamos com as acepções geográficas do cluster
e uma visão horizontal do mesmo. Estas estruturas respondem a critérios
de similitude e, do nosso ponto de vista, são agrupamentos em que as redes
entre atores ainda não estão necessariamente muito desenvolvidas. Essa é de
fato a grande tarefa pendente no caso da Baixa Califórnia, em que as relações
de complementaridade entre atores são incipientes e o que existe são ações
comuns em função de objetivos ou necessidades pontuais compartilhados.
A consolidação destes clusters incipientes, por meio da consolidação das
redes de atores, apresenta potencial evolução para clusters laterais (setores
entre os que existem possíveis sinergias) para alguns dos grupos e verticais
(articulados em torno de cadeias de produção) para outros. Esta situação é
consistente com a juventude do estado que explica que em muitos aspectos
é ainda um sistema territorial jovem em que a infraestrutura física e a or-
ganizacional são débeis.
Os fatores de competitividade que identificam os empresários (Quadro
4) são o custo e a disponibilidade de mão de obra e a qualidade dos pro-
dutos fabricados, o que indica que não se incorporaram ainda as visões de
vantagens competitivas baseadas em intangíveis,78 e sim fatores tradicio-
nais de competitividade. Esta interpretação é reforçada pela resposta obtida
sobre as fortalezas que os empresários identificam ter.
A identificação de debilidades abre mais o panorama para possíveis bus-
cas de articulação já que entre elas se mencionam a falta de associações e
colaboração entre empresários, as estratégias de mercado inadequadas, o

78. Estes intangíveis referem-se fundamentalmente ao capital humano e à capacidade de or-


ganização do sistema nos seus diferentes níveis institucionais, incluindo os mecanismos de
cooperação formal e informal entre atores. Em geral, poderíamos dizer que são todos os fa-
tores, não circunscritos às mudanças tecnológicas, susceptíveis de incorporar inovações no
funcionamento do sistema regional.

Clusters e sistemas produtivos locais, competitividade e articulação nas regiões 135


crédito e a falta de informação sobre tecnologia, mercados e produtos, to-
dos eles possíveis campos de colaboração.

Quadro 4 – Fatores de competitividade empresarial mencionados


Fator Autopeças Elétrico Plásticos Têxtil
Preço 50% 51,6% 80% 50%
Tempo de entrega 50% 48,4% 53,3% 33,3%
Qualidade dos componentes - 58,1% 46,7% 58,3%
Tecnologia - - 26,7% -
Fonte: Identificação e diagnóstico das possibilidades de SPL na Baixa Califórnia,
financiadora SIMAC, Martínez Pellegrini, 2006.

As respostas sobre os fatores de competitividade empresarial têm mais


uma vez a mesma orientação, e a conclusão que obtemos é que não foi
modificada a visão do empresariado local sobre a organização da produção
baseada na disponibilidade do fator trabalho com os problemas que isto
implica, porque incide inclusive em uma intensificação do padrão de imi-
gração interna com os subsequentes problemas que isto gera.
Partindo dos modelos dominantes de cluster em outras experiências (Qua-
dro 5), a orientação que parece factível para conseguir a consolidação dos
agrupamentos na Baixa Califórnia é um híbrido do modelo de redes de PMEs
que poderia tratar de integrar a algumas médias e grandes empresas para
incentivar a inovação e do modelo de desenvolvimento regional que estimule
uma especialização, a partir de redes de empresas ou agrupamentos existen-
tes ou em formação. Essa hibridização permitiria coordenar as propostas de
ação e fazê-las congruentes entre si enlaçando os objetivos de competitivida-
de e de fomento das PMEs com a incidência sobre o desempenho econômico
e o desenvolvimento da região, ambos modelos se referem aos níveis micro e
médio, embora possa considerar-se que são priorizados de forma diferente.

Quadro 5 – Os modelos internacionais dominantes de cluster


Proposta para Atividade
Nível Países típicos
a melhora típica
Modelo Vantagem, nacional Canadá, Holan-
Identificação de
nacional de em certos setores da Dinamarca,
Mega/Médio clusters e criação de
aproveita- ou cadeias de Finlândia,
condições de apoio.
mento valor. Suécia.
Aumento nas inte-
rações com os por- Austrália, Nova
Modelos de Competitividade- tadores externos de Zelândia, No-
Micro/Médio
redes PMEs PMEs. conhecimento para ruega, Estados
inovar e aprender Unidos.
dos outros.

136 Clusters e sistemas produtivos locais, competitividade e articulação nas regiões


Proposta para Atividade
Nível Países típicos
a melhora típica
Atividade sobre
Modelo de Estímulo de espe- Canadá, Escó-
o desempenho
desenvol- cialização por meio cia (RU), Es-
Médio/Micro econômico e o
vimento de investimento e tados Unidos,
desenvolvimento
regional de redes. Gales (RU).
regional.
Criação de uma
Modelos de massa crítica em tec-
Colaboração e re- Áustria, Ale-
enlace sobre nologias emergentes
Micro/Médio des entre a indús- manha, Países
pesquisa atraindo centros de
tria e a pesquisa. Baixos.
industrial pesquisa, investi-
mentos e empresas.
Fonte: Boekholt y Thuriaux, 1999.

4. A política de fomento e desenvolvimento de clusters do


Estado da Baixa Califórnia
O papel do governo local é central na consolidação da estratégia de asso-
ciação ou construção das redes, em grande parte porque os atores perce-
bem uma situação de insegurança jurídica que inibe os projetos de médio
e longo prazos que é onde estaria o maior potencial de colaboração entre
empresas e das empresas com outras instâncias de apoio. A partir de 2002,
o governo de Estado, através da Secretaria de Desenvolvimento Econômico
(SEDECO), inicia os trabalhos para articular uma política de desenvolvi-
mento estatal que envolva ativamente os empresários; até esse momento, a
relação com as instâncias governamentais se havia circunscrito à distribui-
ção de incentivos, principalmente financeiros, dos governos estaduais e fe-
derais. Não existia uma relação horizontal ou articulação institucionalizada
entre os atores do Estado para impulsionar o projeto de desenvolvimento
regional.
A nova política de fomento de cluster pretendeu obter a articulação ho-
rizontal incorporando os empresários ao design, à implementação e à ava-
liação da política de desenvolvimento empresarial, apesar dos obstáculos
existentes, e mudar o esquema vertical de relações do governo e de ato-
res econômicos. A atividade das instâncias governamentais propôs como
fortalecer e desenvolver de maneira organizada e cooperativa alguns dos
setores mais importantes, estratégicos ou emblemáticos do estado.79 Um

79. As atividades importantes são aquelas que apresentavam emprego e PIB acima da média
estatal, as estratégicas, aquelas cujo crescimento tinha sido superior à média estatal e as em-
blemáticas, aquelas que se consideravam próprias do Estado, como, por exemplo, a vitivinicul-
tura. O cluster vitivinícola foi considerado um dos emblemáticos da Baixa Califórnia, produz
80% do vinho do país e com padrão de qualidade que lhe permitiu obter numerosos prêmios
internacionais e posicionar-se no mercado internacional apesar de sua reduzida produção. Ver
Plan estratégico del cluster vitivinícola (2003) publicação da Secretaría [Ministério] de Desen-

Clusters e sistemas produtivos locais, competitividade e articulação nas regiões 137


dos aspectos importantes da proposta desta estratégia foi incorporar ao pla-
nejamento, além dos setores em que se especializa o Estado, outros setores
produtivos com menor nível de especialização e menor impacto na econo-
mia regional nesse momento, mas com maior identidade e enraizamento
locais como opções para detonar o processo de articulação do SPL da Baixa
Califórnia.
Retomamos duas definições de sistema produtivo local como base de
análise para a Baixa Califórnia:

“uma série de atividades dirigidas à produção de um grupo li-


mitado de bens semelhantes ou complementares, série que pode
assumir diferentes configurações orgânicas e técnicas, vindo a
restrição definida por una dotação de ativos produtivos não (fa-
cilmente) transferíveis” (BELLANDI, 1996).

“conjunto de atores produtivos e instituições que pertencem a


uma determinada localidade histórica e geograficamente deter-
minada e que participam nos processos de desenvolvimento eco-
nômico da mesma” (DINI, 2007).

Como primeiro passo foram identificadas as vocações produtivas80 do es-


tado para, a partir delas, proceder à identificação e diagnóstico quantitativo
de cluster existentes e potenciais e de suas fortalezas e debilidades. A parte
quantitativa da identificação, por meio da matriz insumo-produto estatal,
permitiu avaliar a magnitude das relações entre atividades e inclusive, em
alguns casos, detectar vínculos que não se tinham contemplado, mas se
limitam às relações de intercâmbios comerciais, setoriais e intersetoriais.
A eficiência da política, uma vez feita a identificação dos clusters reais e
potenciais, fundamentou-se na seleção de instrumentos ad-hoc à situação
revelada por cada diagnóstico e à priorização das ações sobre os pontos es-
tratégicos dos agrupamentos. A avaliação da eficácia seria feita partindo do
grau de comunicação e cooperação desenvolvida, por esta razão os acordos
de cooperação foram cruciais desde o início dessa política de desenvolvi-
mento empresarial até a data. A avaliação de impacto requer algo mais de
tempo para registrar mudanças na base produtiva da Baixa Califórnia.
Pode considerar-se que as três principais mudanças de enfoque dessa
nova política foram: 1) que as unidades ou sujeitos de políticas passaram a
ser redes de empresas (clusters) no lugar de empresas individuais; 2) que

volvimento Econômico do Estado da Baixa Califórnia, responsável pelo projeto Sárah Martínez
Pellégrini.
80. Realizado por Integra Internacional cujos resultados se encontram em “La política de de-
sarrollo empresarial del estado: vocaciones productivas” para Sedeco.

138 Clusters e sistemas produtivos locais, competitividade e articulação nas regiões


se propôs enfatizar a provisão de serviços reais às empresas no lugar de
incentivos econômicos; e 3) que se partiu de um diagnóstico que conjugou
os aspectos qualitativos da detecção de vocações e os quantitativos da quan-
tificação de encadeamentos. Os apoios inicialmente foram condicionados a
que o cluster estivesse identificado e contasse com um plano estratégico81
que contemplasse a linha de ação para a qual foi solicitado o apoio, e que
da ação fossem beneficiadas ao menos 10 empresas. Essas características
contribuíram para que a política de desenvolvimento empresarial, baseada
no desenvolvimento e fomento de clusters da Baixa Califórnia, seja conside-
rada uma das pioneiras em seu âmbito no país.
Inicialmente, foram identificados oito clusters de turismo, eletrônica,
software, automotivo e plástico, vitivinicultura, móveis, horticultura e cer-
veja, e, embora ainda seja cedo para avaliar em todas às suas dimensões a
política de fomento e desenvolvimento de clusters, um primeiro dado é que
desde 2003 a janeiro de 2008, o número de clusters registrados aumentou
em 15: aeroespacial, agroindustrial, automotivo, biotecnologia, eletrônica
(display devices), energia, logística, móvel e madeira, pesca e aquicultura,
produtos médicos, plásticos, serviços médicos, tecnologias de informação,
turismo e vitivinícola. Mantiveram-se ativos os agrupamentos iniciais e sur-
giram outros cinco.
A comparação das listas de clusters da Baixa Califórnia em 2003 e 2008
reflete, em primeira instância, uma reorganização de parte dos grupos que
existiam, de forma que os atores associados em cada cluster se modificaram
segundo o funcionamento do sistema produtivo na realidade ou segundo os
interesses por parte dos integrantes das atividades. Esse último caso acon-
tece particularmente em casos em que coexistem atividades maduras com
atividades mais inovadoras, o que permitiu identificar as vantagens da coo-
peração com o objetivo de gerar sinergias e economias externas de diversos
tipos. São os casos em que a complementaridade dos envolvidos no cluster
é o elemento crítico da cooperação.
A segunda mudança que estas listas de clusters refletem é o tipo de
agrupamentos que surge, poderia dizer-se que uma “segunda onda” está
integrada por cluster de atividades mais intensivas em tecnologia e conhe-
cimento (biotecnologia, aeroespacial) e cluster de serviços à atividade em
geral (energia e logística). Uma primeira interpretação deste sentido pode-
ria ser certa mudança estrutural na base econômica da região, na qual estão
iniciando os setores de potencial especialização ou atividades incipientes e
que está organizando-se de maneira mais integrada ao sistema produtivo

81. Os planos estratégicos dos agrupamentos podem ser consultados em: www.clusterbc.org,
assim como qualquer outra informação sobre suas atividades e integração.

Clusters e sistemas produtivos locais, competitividade e articulação nas regiões 139


local com o surgimento de demandas de serviços às empresas mais avança-
dos (energética e logística). Para corroborar esta interpretação seria neces-
sário contar com a informação precisa sobre os projetos de cada cluster e
as relações entre agrupamentos, assim como acompanhar a evolução tanto
dos agrupamentos, atores do sistema econômico regional, quanto das rela-
ções entre eles em uma dinâmica de integração da economia regional como
sistema produtivo local.82
Entre as linhas de ação ou iniciativas propostas formalmente pelos clus-
ters da Baixa Califórnia nos seus planos estratégicos se destacam, em pri-
meiro lugar, os projetos no âmbito da formação de recursos humanos. Essa
é uma das linhas de ação presentes em praticamente todos os planos e
abrange desde a capacitação dos operadores e técnicos das empresas, até
a capacitação em temas de administração empresarial para os gestores e
empresários. Essa demanda das empresas é congruente com duas caracte-
rísticas da região; em primeiro lugar, a presença de um grande número de
atividades que fundamentam sua competitividade nos custos e disponibili-
dade da mão de obra; e, em segundo lugar, o escasso impacto da indústria
que foi desenvolvida até o momento na orientação do mercado laboral para
a competitividade por qualidade.
Outra linha de ação que retoma a maior parte dos planos estratégicos
é o desenvolvimento de fornecedores ou articulação com clientes, o que
indica que ao menos parte das empresas da região procura trabalhar no ca-
minho da integração de redes, mais ou menos locais segundo os casos, mas
com uma visão de coordenação e cooperação um pouco mais complexa do
que o simples intercâmbio de produtos, mercadorias ou serviços. Em alguns
dos planos inclusive se propõe uma linha estratégica de vinculação entre os
atores do mesmo setor.
Na lógica dessa cooperação-colaboração de diferentes maneiras surge
outra preocupação, que se poderia considerar geral por aparecer na maior
parte das propostas que os agrupamentos empresariais baixo-californianos
fazem: a necessidade de articular-se com outras instituições denominadas
de apoio, entre as que se encontram de maneira destacada o setor gover-
no e o educativo de pesquisa. O governo aparece considerado como um
ator importante na articulação dos grupos (correspondendo ao papel de
motivador dos clusters que teve com o início da política), como possível
financiador de parte das ações e principalmente como um interlocutor para
melhorar o quadro regulatório e institucional no qual são desenvolvidas as
atividades.

82. Até a data só existe informação sistemática sobre o monto de investimento por cluster,
segundo os projetos financiados total ou parcialmente com participação do setor público.

140 Clusters e sistemas produtivos locais, competitividade e articulação nas regiões


O que foi dito anteriormente, sem ser uma avaliação, no sentido estrito,
da política de desenvolvimento empresarial baseada no desenvolvimento
e fomento de cluster da Baixa Califórnia, permite sugerir que se ainda não
se pode falar de um sistema produtivo local da Baixa Califórnia, começam
a dar-se sinergias em algumas atividades e entre atividades, como reflete
a permanência dos agrupamentos iniciais e o surgimento de novos, e co-
meça a permear, em um setor da base econômica, a visão de um esquema
de cooperação para conseguir maior competitividade em nível setorial e
territorial.

Reflexões finais
No caso da Baixa Califórnia, a origem – local ou internacional – das empre-
sas agrupadas e a forma de organização inicial das mesmas foram deter-
minantes das possibilidades de existência e reforço de articulação entre os
atores. Por esta razão, a estratégia de vinculação da economia estatal apa-
rentemente teve maior impacto e apresenta maiores possibilidades de êxito
nos setores de atividade emergente com alto potencial de crescimento que
podem consolidar-se com uma lógica de competitividade baseada na coope-
ração e na qualidade. Nesse caso, se encontra o cluster vitivinícola que, por
seu desenvolvimento atual, pode considerar-se em uma lógica de desen-
volvimento territorial e prestes a constituir um sistema produtivo local nos
vales de Ensenada onde está situado. Outro caso seria o do agrupamento de
serviços médicos, que é um agrupamento de alto valor agregado com alto
potencial de exportação de serviços e uma clara diferenciação municipal na
sua organização e funcionamento.
A análise das redes (por agrupamento) ressalta a demora na adapta-
ção institucional às dinâmicas de baixo para cima como um dos principais
inibidores aos que os atores locais têm que enfrentar. A obsolescência ins-
titucional se manifesta por igual no âmbito público e no privado e aponta
a inexistência de um consenso sobre a organização mais adequada para
obter os objetivos de desenvolvimento econômico propostos para o esta-
do, a partir de um consenso público-privado. Esta situação responde às
recentes dinâmicas de descentralização e abertura no país, o que explica
que a aprendizagem das novas regras é um processo ainda incipiente, em-
bora apresente principalmente nos estados que, como a Baixa Califórnia,
enfrentam a competitividade internacional de forma mais direta por sua
localização e por sua dinâmica de produção manufatureira muito marcada
pela presença das maquiladoras.

Clusters e sistemas produtivos locais, competitividade e articulação nas regiões 141


No caso do México e, em particular da Baixa Califórnia, os resultados ob-
tidos em diferentes pesquisas83 demonstram: 1) que o processo de integração
reforçou os modelos de especialização existentes; e 2) que na Baixa Califór-
nia, o grau de articulação entre atores para poder falar de sistemas produti-
vos locais ainda é baixo, mas apresenta elementos para poder consolidar um
sistema produtivo local que responda às especificidades regionais.
O Estado da Baixa Califórnia apresentou uma situação de crescimento
sustentável sem que tenham ocorrido na mesma velocidade as mudanças
estruturais da base produtiva regional que permitiriam falar em desenvol-
vimento do potencial competitivo regional. Neste sentido, é necessária uma
nova proposta da estratégia de desenvolvimento do estado para estabelecer
uma dinâmica que aponte resultados de longo prazo (desenvolvimento) e
não tanto de benefícios de curto prazo (crescimento), fundamentada nos
recursos regionais e não somente no investimento externo. É difícil falar
que o empresariado local conseguiu consolidar um caminho de desenvolvi-
mento local ou um modelo de desenvolvimento que contribua para a cons-
trução territorial do estado.
Apesar da existência dos intercâmbios detectados a partir da tabela ou
matriz de insumo produto e da especialização do estado em certos setores,
ainda não foram geradas as redes de interação que permitam explorar real-
mente as economias externas. A menção por parte de uma proporção de
empresários da necessidade de maior cooperação interempresarial e com
outras instituições é um indício de que já existe certa consciência da neces-
sidade de articulação para obter maiores níveis de competitividade.
A política de desenvolvimento empresarial baseada no desenvolvimen-
to e fomento de clusters poderia ser um bom começo desta mudança de
enfoque para uma proposta de desenvolvimento territorial marcada pela
evolução para a consolidação de um sistema produtivo local com caracte-
rísticas próprias. Os fundamentos, dos quais parte abrangem a maioria dos
elementos necessários para conseguir o objetivo de integração do sistema
produtivo local; falta ver se os atores envolvidos decidem dar um voto de
confiança e tempo e recursos necessários para alcançar os objetivos comuns
e perpetuar o estabelecimento de novos acordos de cooperação.

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Clusters e sistemas produtivos locais, competitividade e articulação nas regiões 143


Empresas incentivadas e o perfil exportador do
estado do Ceará em um ambiente globalizado

Maria Cristina Pereira de Melo84

1. Introdução
O Estado do Ceará, assim como o Brasil, era uma economia pouco aberta ao
comércio exterior até a década de 1990. No ambiente globalizado, a reação
estadual à abertura comercial da economia brasileira começa a se fazer sen-
tir de maneira significativa a partir de 1999, evidenciada pelo movimento
ascendente das exportações. O incremento das vendas externas estaduais a
partir daí foi resultado, em grande medida, de políticas públicas estaduais
que associadas às características da demanda mundial e do comportamento
de seus principais parceiros chegaram a mudar o perfil da pauta.
Na década seguinte, os preços internacionais ajudaram, sobremaneira,
o crescimento das vendas externas cearenses. O índice de preço geral das
exportações estaduais sustentou trajetória de crescimento a partir de 2003,
depois de ter experimentado trajetória descendente na década que prece-
deu. Contudo, o quantum exportado já vinha registrando movimento ascen-
dente desde 1999 e sustentou a tendência até 2007. Os setores industriais
cearenses que começaram a despontar, na segunda metade da década de
1990, como importantes exportadores tiveram papel fundamental nesse re-
sultado. De fato, os setores couros e calçados seguiram em ciclo ascendente
do quantum exportado desde a implantação das primeiras unidades atraí-
das para o estado pelos incentivos do governo local. Esses setores também
têm aproveitado o bom momento dos preços internacionais de seus produ-
tos (FUNCEX, 2008).
O estudo analisa o comércio exterior do Ceará no que se refere às carac-
terísticas e as tendências das transações no período 1990-2007. O caminho
traçado para análise aborda a balança comercial estadual através da evolu-
ção do saldo da balança comercial e de indicadores que possam qualificar
a composição das trocas em nível de setor. Nesse contexto, examina-se a

84. A autora agradece a Diego Holanda pela tabulação de dados e a Graziela Daniela Barros
pela colaboração nos gráficos.

Empresas incentivadas e o perfil exportador do estado do Ceará em um ambiente globalizado 145


composição da pauta no período a fim de qualificar as mudanças de perfil
ocorridas ao longo dos anos considerados levando em conta as diferentes
trajetórias dos setores exportadores. Por fim, a análise ficará por conta das
alterações verificadas no comércio a partir dos incentivos concedidos pelo
governo do estado e o papel das empresas beneficiadas nesse processo.
Dessa forma, o estudo está divido em quatro seções. Na primeira seção, será
apresentada uma breve retrospectiva dos programas estaduais de atração
de investimentos industriais, na segunda, será traçado o perfil exportador
cearense nos anos 1990, ou seja, aquele período que antecede o ingresso
das empresas incentivadas na economia do Ceará; na terceira, serão avalia-
das as trocas comerciais externas cearenses no ambiente globalizado; e na
quarta, será abordada a dinâmica de comércio exterior das empresas incen-
tivadas cearenses e a recomposição da pauta exportadora estadual.

2. O Fundo de Desenvolvimento Industrial e atração de


empresas para o estado
O Estado do Ceará começou a se interessar em atrair empresas de outros
estados no final da década de 1970 através do Fundo de Desenvolvimento
Industrial (FDI). Este fundo foi criado em 1979 através da Lei no 10.367, o
qual dotou o Estado de instrumento legal para a concessão de incentivos às
empresas industriais que investissem no estado.
As principais formas de incentivo previstas pela referida legislação eram
a concessão de empréstimos de médio e longo prazos, aquisição de ações,
debêntures ou títulos outros emitidos por empresas industriais e subsídio de
encargos financeiros para empresas com sede no Ceará. Foram acoplados
vários programas a esse Fundo, com destaque para o Programa de Atração
de Investimentos de Empresas Industriais (PROVIN), criado no início da
década de 1980. Esse programa passou por várias reformulações ao longo
dos anos. Em 1989, o Provin foi reformulado e passou a conceder, como
principal forma de incentivo, empréstimo sobre o ICMS arrecadado pelas
empresas incentivadas. Em 1995, outra reformulação adotou a lógica dos
raios econômicos, ou seja, quanto mais distante da Região Metropolitana
de Fortaleza (RMF) fosse instalada a empresa industrial, maiores seriam os
incentivos. Essa reformulação foi a mais duradoura e a que expressou maior
poder de atração. Em 2002 e 2003, esses incentivos foram alterados mais
uma vez (IPECE, 2006a). A última modificação foi efetuada em 2007.
O deslocamento das empresas para o Ceará tomou fôlego a partir da
segunda metade da década de 1990. De fato, entre 1995 e 2005, 432 em-
presas foram beneficiadas como resultado da implementação do citado

146 Empresas incentivadas e o perfil exportador do estado do Ceará em um ambiente globalizado


Programa. Dessa forma, empresas dos mais variados setores de atividade
foram contempladas pelos referidos incentivos, sendo os setores os mais
representativos mencionados a seguir: têxtil, alimentos, metalmecânico,
calçados, vestuário e mais recentemente químico (IPECE, 2006b).
A estratégia de deslocamento das empresas contava não só com os in-
centivos atrelados ao programa de atração citado acima, como também
com outras vantagens locacionais, tais como mão de obra com custo relati-
vo mais baixo que do Estado de origem (30% em relação ao Sul/Sudeste),
infraestrutura portuária (importante para exportação) e proximidade ao
mercado consumidor (tempo de transporte marítimo corresponde três dias
de redução no Ceará comparado com o Sul do País para Estados Unidos e
Europa). Adicionalmente, o estado oferecia terreno para a instalação da
planta e treinamento de mão de obra no período de três meses.
Para uma empresa intensiva em mão de obra e inserida em um mercado
globalizado, as vantagens comparativas citadas se traduziriam em poder
competitivo. Fica evidente que setores intensivos em mão de obra foram,
sobremaneira, beneficiados com o Provin e são, por conseguinte, importan-
tes para a geração de emprego. Dentre esses, o mais importante gerador
de postos de trabalho é o calçadista, seguido pelos setores de alimentos,
vestuário e têxtil.
Outro Programa associado ao FDI beneficiou empresas exportadoras,
exclusivamente dos setores de couros e calçados. Somente empresas desses
setores receberam incentivos atrelados ao Programa de Incentivos às Ati-
vidades Portuárias e Industriais do Ceará (PROAPI), cujo benefício estava
atrelado diretamente ao comércio externo. Esse Programa teve como fina-
lidade, segundo o Decreto no 24.096 de 22.5.1996 do governo do Estado
do Ceará:85

“contribuir para a consolidação e descentralização do setor


industrial cearense, através de incentivo à implantação, am-
pliação, modernização, diversificação, recuperação e relocali-
zação de empresas industriais, consideradas de fundamental
interesse para o desenvolvimento econômico do estado;

“fomentar as atividades portuárias e incrementar o desenvol-


vimento industrial e de produtos industrializados em todo o
Estado do Ceará a serem exportados para o exterior”.

85. A íntegra do decreto está disponível em www.fiscosoft.com.br.

Empresas incentivadas e o perfil exportador do estado do Ceará em um ambiente globalizado 147


Consta do decreto:

“Art. 1o O Fundo de Desenvolvimento Industrial (FDI) do Cea-


rá assegurará, através do Programa de Incentivo às Atividades
Portuárias e Industriais (PROAPI) do Ceará, financiamento
para capital de giro às empresas industriais predominante-
mente exportadoras de calçados e/ou de componentes de cal-
çados, sediadas no estado, na forma prevista nos arts. 1o e 2o
da Lei no 12.478, de 21 de julho de 1995, através da utilização
dos recursos decorrentes dos retornos das operações do FDI,
enquanto não creditadas à conta do Tesouro do Estado.”

“Parágrafo único. Para os fins do caput deste artigo, entende-


se por empresa industrial predominantemente exportadora de
calçados e/ou componentes de calçados, sediadas no Estado
do Ceará, aquela que comercialize para fora do País pelo me-
nos, 90% (noventa inteiros por cento)”

3. Perfil exportador cearense nos anos 1990


Na década de 1990, o Estado do Ceará apresentou comportamento singular
quando comparado aos demais estados da região. Participava, em 1991, com
15% do PIB nordestino e, em 1997, com 16%. Serviços era o principal setor
produtivo do estado nesse último ano, participando com 65% da geração de
seu PIB, enquanto a indústria detinha 29% e o setor agropecuário 5,7%.
A indústria cearense sofreu perda na participação no PIB estadual durante
o período 1991-1997. Em 1998, a expansão de 4% ocorrida no setor indus-
trial elevou novamente a participação no PIB estadual, perfazendo 35% dessa
medida. A participação da agropecuária cearense no PIB estadual também
perdeu nesse período e se reduziu ainda mais em 1998, como resultado da
seca que atingiu o estado. No ano anterior, este setor alcançou apenas 3,5%
do PIB estadual, expressando retração de 24% (FONTENELE; MELO, 2004).
Considerando-se o crescimento real da indústria, constata-se que o Ce-
ará obteve baixo crescimento comparando-se os dois extremos do período
1991-1996. No entanto, deve-se salientar que este estado, em 1991, apre-
sentou crescimento real da indústria de 19%, maior crescimento dentre os
estados da região e, em 1998, já surgiram os resultados da política estadual
de estímulo à indústria e atração de novos investimentos
Durante o ano 1998, a atividade industrial cearense mostrou comporta-
mento instável. Observa-se que, da retração de 2,5% nos primeiros meses do
ano, a economia cearense recuperou-se no segundo semestre crescendo 5%.

148 Empresas incentivadas e o perfil exportador do estado do Ceará em um ambiente globalizado


Setorialmente, constatou-se recuo de 23% dos produtos da indústria alimen-
tícia motivado pelo fraco desempenho da castanha de caju. A recuperação no
segundo semestre deveu-se principalmente aos setores de metalurgia, material
elétrico e de comunicação e minerais não metálicos. Interessante observar que
entre os setores industriais de pior desempenho estavam alguns dos principais
produtos de exportação do estado, enquanto no grupo que mais se destacou no
período apareciam outros não tradicionais na pauta de exportação.
Em 1997, o Estado do Ceará respondia por 9% das exportações nordes-
tinas aumentando sua participação mais um pouco até o final da década.
Era o quarto estado exportador do Nordeste, seu coeficiente de importação
mais que triplicou na década de 1990. O grau de abertura mais que dobrou
comparando-se o início e o fim da década, no entanto, o estado revelava-se
aberto ao comércio exterior fundamentalmente pelo desempenho de seu se-
tor importador. Esse resultado era esperado uma vez que tradicionalmente
o Estado do Ceará não expressava caráter exportador na região Nordeste
evidenciado pelo indicador que expressa a importância das exportações no
PIB estadual com relação ao mesmo indicador para a região como um todo
(Xest/PIBest<Xne/PIBne) (FONTENELE; MELO, 2004) (Tabelas 1 e 2).

Tabela 1 – Brasil, Nordeste e Ceará: coeficiente de importação (m)


e grau de abertura (GA)
Indicadores 1991 1997 2000 2005
m Brasil 0,0517 0,0712 0,0848 0,1099
m Nordeste 0,0244 0,0318 0,0574 0,0847
m Ceará 0,0168 0,0312 0,0594 0,0703
GA Brasil 0,1364 0,1439 0,1843 0,2881
GA Nordeste 0,0703 0,0649 0,1120 0,1951
GA Ceará 0,0455 0,0502 0,1067 0,1373
Fonte: BRASIL, 2008. IBGE, contas regionais, 2007. FONTENELE; MELO, 2004.

Tabela 2 – Nordeste e Ceará: indicadores de exportações e importações (1991-1999)


Anos Xne/XBr Mne/MBr Xce/Xne Mce/Mne
1991 0,0904 0,0749 0,0946 0,1035
1992 0,0848 0,0669 0,1000 0,1739
1993 0,0781 0,0769 0,0912 0,1974
1994 0,0701 0,0763 0,0956 0,2156
1995 0,0912 0,0717 0,0831 0,1843
1996 0,0807 0,0778 0,0994 0,1972
1997 0,0747 0,0669 0,0884 0,1528
1998 0,0727 0,0657 0,0955 0,1598
1999 0,0699 0,0716 0,1106 0,1627
Fonte: FONTENELE; MELO, 2004.

Empresas incentivadas e o perfil exportador do estado do Ceará em um ambiente globalizado 149


Quanto ao comportamento da balança comercial cearense na referida
década, constata-se movimento declinante bem mais forte que o apresen-
tando para o Nordeste e para o Brasil, expressando saldo negativo já em
1993, que se manteve até o final do período, apesar de ter havido movimen-
to em direção à redução do déficit comercial a partir de 1997 (Tabela 3).

Tabela 3 – Brasil, Nordeste e Ceará: saldo da balança comercial (1991-1999)


(em US$ 1.000)
Ano SBCce SBCne SBCbr SBCce/X+M SBCne/X+M SBCbr/X+M
1991 105.801 1.291.173 10.578.794 0,24 0,29 0,20
1992 64.975 1.665.215 15.239.895 0,12 0,38 0,27
1993 (113.133) 1.047.428 13.298.768 -0,17 0,20 0,20
1994 (187.867) 1.047.389 10.466.459 -0,24 0,16 0,11
1995 (294.823) 636.216 (3.465.614) -0,30 0,09 -0,03
1996 (433.036) (315.420) (5.599.039) -0,37 -0,04 -0,05
1997 (328.826) (268.239) (6.752.887) -0,28 -0,02 -0,07
1998 (250.697) (79.974) (6.623.614) -0,26 -0,01 -0,06
1999 (202.269) (172.055) (1.283.195) -0,21 -0,03 -0,01
Fonte: FONTENELE; MELO, 2004.

A análise setorial da década de 1990 está segmentada em dois subpe-


ríodos. O primeiro corresponde aos anos 1991 a 1996 e o segundo 1997 a
1999. Essa divisão se deve ao fato de que foi a partir do ano 1996 que co-
meçaram a ser assinados os contratos de incentivo à exportação entre o go-
verno do estado e empresas privadas através do Programa de Incentivo às
Atividades Portuárias e Industriais do Ceará (PROAPI). Dessa forma, pode
ser visualizado, com maior clareza, o início dos rebatimentos no comércio
exterior estadual a partir de tais eventos.
O Ceará foi o principal exportador de 12 setores dentre os 45 mais im-
portantes para a região em 1996, quais sejam: peixes, crustáceos e moluscos
(69% da exportação regional); frutos comestíveis cascas de frutas (67%);
gomas, resinas, outros sucos de extração vegetal (47%); gorduras, óleos e
ceras (47%); têxteis metalizados (74%); algodão (72%); outros artigos de
confecção de tecidos (56%); calçados, perneiras (72%); ferro fundido, ferro e
aço (77%); caldeiras máquinas, aparelhos e instrumentos mecânicos (55%);
navegação marítima e fluvial (87%); instrumentos musicais aparelhos de re-
produção som e imagem (72%).

150 Empresas incentivadas e o perfil exportador do estado do Ceará em um ambiente globalizado


Tabela 4 – Ceará: principais setores exportadores de 1996 (1991/1996)
(% na Pauta)86
NCM Setores 1991 1996
08 Frutas, cascas de cítricos e de melões 34,26 40,22
52 Algodão 11,05 16,20
03 Peixes e crustáceos, moluscos e outros invertebrados aquáticos 19,99 11,70
15 Gorduras, óleos e ceras animais ou vegetais etc. 8,28 10,09
64 Calcados, polainas e artefatos semelhantes, e suas partes 1,54 2,70
04 Leite e laticínios, ovos de aves, mel natural etc. - 2,46
41 Peles, exceto a peleteria (peles com pelo), e couros 3,90 2,43
55 Fibras sintéticas ou artificiais descontínuas 9,84 1,79
72 Ferro fundido, ferro e aço 2,25 1,66
62 Vestuário e seus acessórios, exceto de malha 0,78 1,54
73 Obras de ferro fundido, ferro ou aço 0,85 1,28
13 Gomas, resinas e outros sucos e extratos vegetais 1,68 0,95
84 Reatores nucleares, caldeiras, máquinas etc., mecânicos 0,21 0,92
90 Instrumentos e aparelhos de óptica, fotografia etc. 0,24 0,80
68 Obras de pedra, gesso, cimento, amianto, mica etc. 0,58 0,76
Total 95,45 95,49
Demais produtos 4,55 4,51
Fonte: FONTENELE; MELO, 2000.

A análise da distribuição setorial das exportações do Ceará para o período


1991-1996 destaca que sete setores foram responsáveis por 90% do valor
da pauta cearense no início do período enquanto, em 1996, um conjunto de
nove setores correspondia por esse percentual, revelando alguma diversifi-
cação, ainda que tímida. Desse conjunto de setores, em sete deles o estado
tinha forte especialização relativa à região. Avalia-se, a seguir, o comporta-
mento de setores representativos na pauta de exportação de 1996.87
Frutos comestíveis, casca de frutas etc. foi o setor com maior participa-
ção na pauta de exportação cearense em 1996 (40%), correspondendo a
67% das exportações nordestinas. Suas exportações permaneceram estáveis
em toda a década. A castanha de caju se mantém, desde sempre, na primei-
ra posição na pauta estadual exportadora.
O setor de algodão, fios e tecidos de algodão foi responsável, em 1996,
por 16% das exportações cearenses (74% das exportações nordestinas do
setor). O produto mais representativo nas vendas desse setor foi tecido
algodão>=85%,p>200g/m2,”denim”, o qual se sustentou até a década seguin-
te com parcela importante, apesar de paulatinamente perder importância.

86. Principais setores correspondem ao conjunto formado por aqueles que totalizam 90% da
pauta.
87. Para análise setorial detalhada da pauta exportadora estadual cearense na década de 1990
(ver FONTENELE; MELO, 2004).

Empresas incentivadas e o perfil exportador do estado do Ceará em um ambiente globalizado 151


Peixes, crustáceos e moluscos, é o terceiro setor em ordem de importân-
cia na pauta de exportações cearenses em 1996. Naquele ano, lagostas era o
produto mais vendido ao exterior por esse setor, este perfazia cerca de 90%
de tudo que era exportado pelo setor de peixes. Nos anos subsequentes,
este produto perdeu posição de maneira acentuada.
O setor de gorduras, óleos e ceras participou com 10% da pauta exporta-
dora estadual em 1996, o que representou aumento de participação de 21%
em relação a 1991. Foram as ceras vegetais os mais importantes produtos
exportados pelo setor (quase a totalidade) para 1996 e nos anos seguintes
apesar de, pouco a pouco, ver reduzida sua parcela nas vendas externas
totais do estado.
O quinto setor na pauta exportadora estadual foi o de calçados, pernei-
ras etc., que participou com 2% das vendas externas estaduais. O produto
mais representativo comercializado por este setor em 1996 foi outros cal-
çados de couro natural, com 40% das vendas do setor, cuja importância se
acentua e perpassa os anos subsequentes.
O sexto setor na pauta de exportações, em 1996 foi o de leite, laticínios,
ovos de ave e mel, o qual apresentou desempenho instável no período.
Nesse ano, leite integral em pó foi o produto mais vendido por esse setor
cearense.
O setor de peles e couros correspondeu a 2,6% da pauta exportadora
cearense de 1996. Para esse setor o produto mais representativo para a
pauta estadual exportadora desse ano foi outros couros e peles de bovinos/
equídeos, curtidos e recurtidos.
Fibras, fios e tecidos de fibras sintéticas ou artificiais, descontínuas, tra-
dicional setor exportador da pauta cearense, apresentou forte recuo das
exportações de 1991 para 1995, mas se recuperou em 1996 expressando
inclusive aumento de participação na pauta cearense, passando de 1% para
2% no final do período. O Estado do Ceará demonstrou significativa espe-
cialização relativa à região como um todo nesse setor. Aqui, o produto a ser
destacado é, sem dúvida, fio de fibra de poliéster c/algodão, cru/alvejado/
branqueado.
Para o subperíodo seguinte, constata-se que a pauta de exportação do Ceará
continuou muito restrita, oito setores foram responsáveis, em 1999, por 90%
do total das exportações (com 16 setores responsáveis por 97%). O principal
setor exportador permaneceu frutos comestíveis (32% da pauta). A queda de
participação desse setor em 22% de 1996 para 1999 deveu-se, essencialmente,
ao crescimento da parcela dos setores de calçados e de couros: o primeiro saiu
de uma parcela de 2,7% em 1996 para 19,3% em 1999 e o segundo de 2,4%
para 6,4% no mesmo período. Sem dúvida, deve-se salientar o comportamento

152 Empresas incentivadas e o perfil exportador do estado do Ceará em um ambiente globalizado


das exportações de calçados, sétimo setor da pauta de exportação de 1996
(2%) evoluindo para o segundo lugar no ranking em 1998 (19%), deslocando
algodão, fios e tecidos de algodão e peixes, crustáceos e moluscos para terceiro
e quarto lugar na pauta, respectivamente. Ressalta-se, ainda, o comportamento
do setor peles e couros que passa a ocupar a quinta posição no ranking dos
principais exportadores de 1999 (Tabela 5). Nesse período, observa-se que a
política de incentivos do governo do estado, orientada para exportação, come-
ça a colher os primeiros frutos.

Tabela 5 – Ceará: principais setores de exportação de 1999 (1997-1999)


NCM Setores 1997 1998 1999
08 Frutas cascas de cítricos e de melões 39,43 35,19 31,76
Calçados, polainas e artefatos semelhantes, e suas
64 10,00 18,47 19,30
partes
52 Algodão 12,11 14,24 12,02
Peixes e crustáceos, moluscos e outros invertebrados
03 12,04 9,91 9,99
aquáticos
41 Peles, exceto a peleteria (peles com pelo), e couros 0,78 0,76 6,41
15 Gorduras, óleos e ceras animais ou vegetais etc. 9,54 7,98 5,72
55 Fibras sintéticas ou artificiais, descontínuas 2,69 2,15 3,37
99 Transações especiais 1,36 0,75 1,84
13 Gomas, resinas e outros sucos e extratos vegetais 1,75 2,00 1,40
73 Obras de ferro fundido, ferro ou aço 1,26 0,79 1,27
72 Ferro fundido, ferro e aço 1,36 0,92 0,94
68 Obras de pedra, gesso, cimento, amianto, e mica etc. 1,18 1,02 0,82
63 Outros artefatos têxteis confeccionados, sortidos etc. 0,34 0,42 0,64
Total 93,85 94,59 95,48
Demais Setores 6,15 5,41 4,52
Fonte: BRASIL, 2008.

4. Trocas comerciais externas cearenses no ambiente globalizado


Conforme foi revelado acima, o Estado do Ceará perpassa praticamente
toda década de 1990 com saldo negativo no comércio exterior. O cresci-
mento das vendas mais que proporcional às compras entre 2000 e 2005
fez inverter a trajetória anterior de resultados negativos, no entanto, nos
dois anos subsequentes, o incremento das compras tem baseado a volta do
déficit no saldo da balança comercial estadual (Tabela 6).
O bom desempenho do setor exportador do Ceará está, sem dúvida, rela-
cionado à política de incentivos do governo do estado através do Fundo de
Desenvolvimento Industrial (FDI) com seus diversos Programas, tais como:
Programa de Incentivo ao Funcionamento de Empresas (PROVIN), Progra-
ma de Incentivos às Atividades Portuárias e Industriais do Ceará (PROAPI).

Empresas incentivadas e o perfil exportador do estado do Ceará em um ambiente globalizado 153


Associa-se, ainda, esse comportamento externo, em certa medida, ao ajuste
fiscal das contas públicas, ao crescimento dos investimentos públicos e pri-
vados e ao razoável crescimento econômico nas áreas urbanas e nos setores
industrial e de serviços processados no estado na última década.

Tabela 6 - Ceará: Evolução do Saldo da Balança Comercial (2000-2007) (US$ 1000)


Exportação Importação Saldo
Ano
Valor (A) Var % Valor (B) Var % (A) – (B)
2000 495.098 33,38 717.933 25,19 -222.835
2001 527.051 6,45 623.492 -13,15 -96.440
2002 543.902 3,20 635.910 1,99 -92.007
2003 760.927 39,90 540.760 -14,96 220.167
2004 859.369 12,94 573.590 6,07 285.779
2005 930.451 8,27 588.656 2,63 341.795
2006 957.045 2,86 1.096.715 86,23 -139.670
2007 1.148.357 19,39 1.405.686 28,00 -257.329
Fonte: BRASIL, 2008. Elaboração própria

Gráfico 1 – Ceará- Exportações (1990-2007)

Fonte: BRASIL, 2008. Elaboração própria.

Gráfico 2 – Ceará: índice de quantum (1990-2007) (2006 = 100)

Fonte: FUNCEX, 2008. Elaboração própria

154 Empresas incentivadas e o perfil exportador do estado do Ceará em um ambiente globalizado


Com relação ao fator agregado, percebe-se, claramente, perda de par-
ticipação dos produtos básicos na composição das exportações cearenses.
Na década de 1990, os produtos básicos chegaram a participar com quase
60% do valor total da pauta exportadora estadual. Em 2007, essa categoria
correspondeu a 27,6% das vendas externas estaduais. A redução da parcela
relativa dessa categoria vem ocorrendo ano a ano desde 2003. As vendas
dos produtos industrializados, por sua vez, alcançaram desempenho bem
superior àquelas dos produtos básicos. Em 1992, por exemplo, esse grupo
de produtos respondeu por 42,1% do total exportado; em 2007, essa par-
ticipação passa a 70,5%. Destacam-se, aqui, os produtos manufaturados,
compondo 2/3 do total exportado pelo estado nesse último ano. Sem dúvi-
da alguma, houve recomposição da pauta exportadora estadual em direção
a produtos com maior nível de agregação de valor nos anos recentes. As
vendas externas de produtos industrializados, notadamente os manufatura-
dos, foram impulsionadas pelas políticas de atração de empresas postas em
prática pelo governo estadual na última década.
A participação das importações dos produtos básicos também se reduziu
ao longo do período, chegando, em 2007, a representar menos da metade
da parcela registrada em 2000 (Tabela 7).

Tabela 7 - Ceará: Exportação e Importação segundo Fator Agregado


(2000-2007) (participação)
Exportações Importações
Industrializados

Industrializados
Semi Manufatu-

Semi Manufatu-
Manufaturados

Ano Manufaturados
rados (A)

rados (A)
Básicos

Básicos
(A+B)

(A+B)
(B)

(B)

2000 0,4020 0,5760 0,1665 0,4095 0,4082 0,5918 0,0191 0,5726


2001 0,3214 0,6561 0,1768 0,4793 0,2812 0,7188 0,0136 0,7052
2002 0,3626 0,6171 0,1575 0,4595 0,2662 0,7338 0,0207 0,7131
2003 0,3342 0,6553 0,1390 0,5163 0,3212 0,6788 0,0256 0,6532
2004 0,3328 0,6624 0,1666 0,4957 0,2949 0,7051 0,0334 0,6717
2005 0,3198 0,6802 0,1764 0,5039 0,1681 0,8319 0,0152 0,8167
2006 0,3035 0,6965 0,1793 0,5172 0,1356 0,8644 0,0343 0,8302
2007 0,2755 0,7047 0,1794 0,5253 0,1634 0,8366 0,0330 0,8036
Fonte: BRASIL,2008. Elaboração própria.

A distribuição setorial das pautas exportadora e da importadora cearen-


ses passou por mudanças significativas no período 2002-2007. A pauta ex-
portadora continua com certo grau de concentração setorial e ligeiramen-

Empresas incentivadas e o perfil exportador do estado do Ceará em um ambiente globalizado 155


te mais concentrada que a importadora. No entanto, salienta-se que tem
ocorrido movimento em direção à desconcentração nas duas pautas, com a
entrada de novos setores nos últimos anos, mesmo que nem todos ocupem
posições de destaque. De fato, de 2002 para 2007, entraram, na pauta ex-
portadora, 11 novos setores e quatro na importadora, ao mesmo tempo em
que ocorreu redistribuição setorial dos pesos relativos em cada conjunto.
A concentração das exportações pode ainda ser avaliada através da par-
ticipação dos setores no conjunto da pauta estadual: 12 deles corresponde-
ram a 90% do valor total da pauta exportadora, enquanto o mesmo percen-
tual das importações totalizou 13 setores para o ano de 2007. Nesse ano,
apenas três setores responderam por 60% das vendas, foram eles: calçados,
polainas e artefatos semelhantes, e suas partes; frutas, cascas de cítricos e
de melões e peles, exceto a peleteria (peles com pelo), e couros. Os três se-
tores citados vêm mantendo posições relativas importantes na pauta expor-
tadora estadual desde 2003, tomando espaço de setores tradicionais como
algodão e peixes. Quanto às importações, apenas três setores somaram 59%
das compras em 2007, tais quais: combustíveis minerais, óleos minerais
etc., ceras minerais, ferro fundido, ferro e aço e cereais.
Ao serem examinadas as exportações cearenses constata-se que a maio-
ria dos setores revelou incremento nas vendas nos últimos seis anos. Alguns
cresceram suas vendas externas de maneira significativa no período 2002-
2007, obtiveram ganho de participação na pauta exportadora estadual e, ao
mesmo tempo, estiveram entre os mais representativos no período, como
exemplos: calçados, polainas e artefatos semelhantes, e suas partes (cresci-
mento de 170% no período); frutas, cascas de cítricos e de melões (170%)
peles, exceto a peleteria (peles com pelo), e couros (124%). Outros não re-
levantes para a pauta de 2002 se inseriram entre os principais em 2007: re-
atores nucleares, caldeiras, máquinas etc., mecânicos; ferro fundido, ferro
e aço; preparações de produtos hortícolas, de frutas etc., e obras de pedra,
gesso, cimento, amianto, mica etc.
Os setores algodão e peixes, tradicionais na pauta exportadora do esta-
do, ocuparam posição de relevo no ranking das vendas em 2007, contudo
vêm apresentando redução de suas importâncias desde 2002. O primeiro
encolheu as vendas em três anos consecutivos 2004-2006 e o segundo re-
duziu em 45% de 2002 para 2007.
Vários produtos pertencentes aos principais setores exportadores cea-
renses em 2007 não eram exportados na década de 1990, sobretudo aque-
les pertencentes aos setores algodão, couros, e calçados. Grande parte des-
ses produtos não só passou a ser exportada, ao longo dos anos 2000, como
também alcançou participação significativa na pauta.

156 Empresas incentivadas e o perfil exportador do estado do Ceará em um ambiente globalizado


O primeiro e principal produto exportado, em 2007, continuou sendo
castanha de caju, fresca ou seca, sem casca (com participação de 16%).
Esse vem mantendo a primeira colocação desde os anos 1990, apesar de sua
parcela relativa ter sido reduzida ano a ano.
O segundo produto da pauta naquele ano foi couros/peles, inteiros, bo-
vinos, plena flor e o terceiro foi outros calçados de couro natural, mer-
cadorias produzidas por setores incentivados pelas políticas estaduais. O
primeiro produto citado começou a ser exportado pelo estado em 2002,
contudo, em 2007, passou a responder por 9% das exportações estaduais.
Já, outros calçados, segundo produto do setor, chegou em 2007 com 8,6%
de participação na pauta. Há, ainda, que considerar outro produto, novo na
pauta, processado por empresa incentivada, e que já apareceu neste último
ano com certa representatividade: máquinas de costura doméstica (2%).

Tabela 8 – Ceará: principais setores exportadores de 2007 (2002-2007)


(Participação)
Setores 2002 2003 2004 2005 2006 2007
(64) Calçados, polainas e artefa-
0,2033 0,2197 0,2166 0,2199 0,2474 0,2620
tos semelhantes, e suas partes
(08) Frutas, cascas de cítricos e
0,1754 0,1725 0,1938 0,1940 0,1930 0,2240
de melões
(41) Peles, exceto a peleteria
0,1179 0,1149 0,1283 0,1254 0,1330 0,1258
(peles com pelo), e couros
(52) Algodão 0,1542 0,1571 0,1365 0,1204 0,1149 0,1003
(03) Peixes e crustáceos,
moluscos e outros invertebrados 0,1770 0,1476 0,1238 0,1161 0,0952 0,0466
aquáticos
(15) Gorduras, óleos e ceras
0,0273 0,0138 0,0178 0,0270 0,0260 0,0302
animais ou vegetais etc.
(84) Reatores nucleares, caldei-
0,0039 0,0033 0,0088 0,0054 0,0086 0,0245
ras, máquinas etc., mecânicos
(72) Ferro fundido, ferro e aço 0,0057 0,0158 0,0315 0,0351 0,0191 0,0215
(99) Transações especiais 0,0203 0,0104 0,0048 0,0073 0,0168 0,0198
(73) Obras de ferro fundido,
0,0066 0,0053 0,0067 0,0090 0,0136 0,0175
ferro ou aço
(83) Obras diversas de metais
0,0023 0,0055 0,0091 0,0095 0,0117 0,0168
comuns
(20) Preparações de produtos
0,0095 0,0074 0,0122 0,0125 0,0137 0,0146
hortícolas, de frutas etc.
(68) Obras de pedra, gesso,
0,0070 0,0062 0,0089 0,0105 0,0155 0,0131
cimento, amianto, mica etc.
(85) Máquinas, aparelhos e ma-
0,0011 0,0038 0,0040 0,0026 0,0016 0,0102
teriais elétricos, suas partes etc.
Total 0,9116 0,8832 0,9026 0,8948 0,9101 0,9269
Demais setores 0,0884 0,1168 0,0974 0,1052 0,0899 0,0731
Fonte: BRASIL, 2008. Elaboração própria.

Empresas incentivadas e o perfil exportador do estado do Ceará em um ambiente globalizado 157


Os bens produzidos sob condições de baixa intensidade tecnológica têm
dominado as vendas externas cearenses. Essa categoria correspondeu a 85%
do total do valor exportado em 2007, apesar de, no período 2002-2007, ter
havido redução na ordem de oito pontos percentuais no peso relativo des-
ses setores. Deve-se ressaltar o crescimento, registrado de 2002 para 2003,
das exportações dos setores classificados como média baixa intensidade, os
quais vêm apresentando trajetória crescente na parcela total vendida até
2006, e se mantém no ano seguinte. A participação do valor exportado por
esse conjunto de produtos em 2007 esteve cinco pontos percentuais acima
do registrado em 2002. Outro fato a ser destacado foi o incremento de
participação dos grupos de produtos de média alta intensidade tecnológica
nos anos mais recentes, ainda que de forma muito mais suave que do grupo
anterior (Gráfico 3).

Gráfico 3 – Ceará: saldo da balança comercial segundo intensidade tecnológica


(1999-2007)

Fonte: BRASIL, 2008. Elaboração própria.

Para o segmento composto de produtos de baixa intensidade tecnológi-


ca, ressaltam-se, pela importância nas vendas externas do estado, os que
participaram com mais de 10% na pauta exportadora estadual em 2007: a)
calçados, polainas e artefatos semelhantes, e suas partes (26%); b) frutas,
cascas de cítricos e de melões (22%); c) peles, exceto a peleteria (peles com
pelo) e couros (13%); e d) algodão (10%).
No segmento de média alta intensidade, os setores representativos fo-
ram, no último ano, os seguintes: a) reatores nucleares, caldeiras, máquinas

158 Empresas incentivadas e o perfil exportador do estado do Ceará em um ambiente globalizado


etc., mecânicos (2,5%) e b) máquinas, aparelhos e materiais elétricos, suas
partes etc. (1%). Alguns outros setores relevantes na pauta exportadora de
2007 e classificados como de média baixa intensidade tecnológica podem
ser mencionados. Estão, nesse conjunto, os grupos de produtos formados
por: a) ferro fundido, ferro e aço (com participação de 2% na pauta estadu-
al); b) obras de ferro fundido, ferro ou aço (1,7%) e obras de pedra, gesso,
cimento, amianto, mica etc. (1,3%).
No âmbito empresarial, constata-se forte concentração das exportações
em 2003, que não se dissimulou nos anos mais recentes, apesar de o núme-
ro total de empresas exportadoras no estado ter crescido nos últimos anos,
ou seja, o incremento foi de 24% entre 2002 e 2007. No último ano, 40 em-
presas exportadoras responderam por 88% do valor total da pauta expor-
tadora estadual, sendo que as 20 maiores empresas vendedoras detiveram
mais de 73% do valor total (Tabela 9). As 40 principais empresas formam o
conjunto que cresceu suas vendas em 28%, de 2006 para 2007, enquanto as
demais, grupo constituído por empresas de menor porte, decresceram em
21% conduzindo a uma variação total líquida de 19%.
A concentração se afirma na medida em que se aproximam percentuais
mais estreitos, ou seja, nove empresas exportadoras totalizam 50% do valor
total vendido, número ainda menor que nos anos anteriores (Tabela 9). As
três empresas exportadoras que mais transacionaram com o exterior foram,
em 2007, em ordem de importância: Bermas Indústria e Comércio Ltda.,
Vicunha Têxtil S.A., e Grendene S.A. (Tabela 9). Essas empresas são as
que, desde 2004, têm exportado montantes acima de US$ 50 milhões. Elas
fazem parte do grupo daquelas que são beneficiadas por programas de in-
centivos do governo estadual. De fato, os resultados da política estadual no
Ceará, na última década, expressam o papel fundamental da Secretaria de
Desenvolvimento Econômico do Estado no que diz respeito à concessão de
incentivos de várias ordens que, em grande medida, beneficiaram empresas
exportadoras, especialmente de couros e calçados. Do conjunto de empre-
sas que participaram com pelo menos 1% da pauta de exportação estadual,
naquele ano, mais da metade está contemplada em um ou mais Programas
do Fundo de Desenvolvimento Industrial (FDI).

Tabela 9 – Ceará: empresas exportadoras (2006/2007) (US$) (%)


Empresas Valor (2007) % Valor (2006) % Δ%
Total da área 1.148.357.273 100,00 961.874.415 100,00 19,39
Total das principais empresas 1.009.125.923 87,88 785.329.327 81,65 28,50
Bermas Industria e
01 109.986.373 9,58 129.527.525 13,47 -15,09
Comercio Ltda
02 Vicunha Textil SA 101.009.079 8,80 96.953.273 10,08 4,18

Empresas incentivadas e o perfil exportador do estado do Ceará em um ambiente globalizado 159


Empresas Valor (2007) % Valor (2006) % Δ%
03 Grendene SA 96.710.157 8,42 76.192.836 7,92 26,93
04 Disport Nordeste Ltda 80.114.218 6,98 65.357.975 6,79 22,58
Iracema Industria e Co-
05 mercio de Castanhas 49.559.363 4,32 42.857.400 4,46 15,64
de Caju
Calcados Aniger Nor-
06 42.974.020 3,74 27.337.286 2,84 57,20
deste Ltda
Vulcabras do Nordeste
07 42.716.862 3,72 30.643.124 3,19 39,40
SA
Del Monte Fresh Pro-
08 36.305.377 3,16 20.458.912 2,13 77,46
duce Brasil Ltda
Bermas Maracanau
09 Industria e Comercio de 32.709.552 2,85 --- --- ---
Couro
Companhia Brasileira
10 29.019.041 2,53 24.746.122 2,57 17,27
de Resinas-Resibras
Cia Industrial de Oleos
11 28.695.759 2,50 17.636.401 1,83 62,71
do Nordeste Cione
Singer do Brasil Indus-
12 24.469.452 2,13 6.463.438 0,67 278,58
tria e Comercio Ltda
Cascaju Agroindustrial
13 24.028.938 2,09 16.951.653 1,76 41,75
SA
Amendoas do Brasil
14 23.296.224 2,03 16.183.087 1,68 43,95
Ltda
Gerdau Acos Longos
15 22.555.100 1,96 15.077.897 1,57 49,59
SA
Petroleo Brasileiro S/A
16 21.133.144 1,84 18.963.777 1,97 11,44
Petrobras
17 ESMALTEC SA 19.075.863 1,66 12.578.314 1,31 51,66
Usibras Usina Brasilei-
18 ra de Oleos e Castanha 18.629.354 1,62 5.529.830 0,57 236,89
Ltda
19 Pesqueira Maguary Ltda 17.691.606 1,54 14.359.075 1,49 23,21
20 Cia Metalic Nordeste 14.759.009 1,29 7.281.870 0,76 102,68
21 OLAM Brasil Ltda 14.746.976 1,28 18.840.242 1,96 -21,73
TBM Trade - Importa-
22 13.997.536 1,22 16.890.393 1,76 -17,13
cao e Exportacao SA
Dafruta Industria e
23 13.054.459 1,14 7.032.503 0,73 85,63
Comercio SA
H.Bettarello Curtidora e
24 11.951.097 1,04 10.431.574 1,08 14,57
Calcados Ltda
Wobben Windpower In-
25 10.711.227 0,93 815.422 0,08 ---
dustria e Comercio Ltda
26 Durametal SA 10.507.419 0,91 10.298.583 1,07 2,03
27 Cerapeles Ltda 9.534.395 0,83 7.072.128 0,74 34,82
Compex Industria e
28 Comercio de Pesca e 8.021.543 0,70 10.974.934 1,14 -26,91
Exportação
Fazenda Amway Nutrili-
29 7.944.653 0,69 1.531.217 0,16 418,85
te do Brasil Ltda

160 Empresas incentivadas e o perfil exportador do estado do Ceará em um ambiente globalizado


Empresas Valor (2007) % Valor (2006) % Δ%
Pontes Industria de
30 7.858.837 0,68 4.483.665 0,47 75,28
Cera Ltda
31 Dakota Nordeste SA 7.579.682 0,66 6.070.314 0,63 24,86
MM Monteiro Pesca e
32 7.506.672 0,65 9.136.836 0,95 -17,84
Exportacao Ltda
33 Agricola Cajazeira Ltda 7.160.304 0,62 235.101 0,02 ---
34 Von Roll do Brasil Ltda 6.865.327 0,60 5.288.032 0,55 29,83
Fitesa Horizonte Indus-
35 6.833.837 0,60 1.975.681 0,21 245,90
trial Ltda
36 Granitos SA 6.823.845 0,59 7.239.882 0,75 -5,75
JS Tropical Comercio
37 6.119.017 0,53 5.405.090 0,56 13,21
de Frutas Ltda
Intermelon Comercial
38 Exportadora e Impor- 5.767.714 0,50 7.459.382 0,78 -22,68
tadora
39 Carnauba do Brasil Ltda 5.435.216 0,47 1.806.426 0,19 200,88
Foncepi Comercial
40 5.267.676 0,46 7.242.127 0,75 -27,26
Exportadora Ltda
41 Demais Empresas 139.231.350 12,12 176.545.088 18,35 -21,14
Fonte: BRASIL, 2008. As empresas destacadas são aquelas que são contempladas com
incentivo do FDI.

5. Empresas incentivadas e a recomposição da pauta


exportadora
O Fundo de Desenvolvimento Industrial beneficiou empresas de vários seg-
mentos industriais por meio de concessão de incentivos atrelados do Provin.
A reformulação do programa ocorrida em 1995 impulsionou sobremaneira a
atração de investimentos a partir desse ano. Apesar de não ser um Programa
orientado para o estímulo da atividade exportadora, várias empresas contem-
pladas por ele se mostraram, ao longo do tempo, competitivas no mercado
externo, conforme mostrou a Tabela 9.
No entanto, a partir de 1996, começaram a ser assinados os contratos
referentes ao programa de incentivos – Proapi – com a finalidade de atrair
empresas de couros e calçados de fora do estado que destinassem toda ou
parte de sua produção ao mercado externo. O primeiro contrato data de
1996 e foi assinado com a empresa Canindé Calçados Ltda., localizada no
município de Canindé. A partir daí foram firmados outros nos anos subse-
quentes até 2002, envolvendo 19 municípios no total. Com exceção de uma
empresa de couros e peles, denominada Bermas Indústria e Comércio Ltda.,
originária da Itália, a qual assinou protocolo em 1999, as demais pertencem
ao setor calçadista. Das 15 empresas desse setor beneficiadas pelo Progra-
ma, com contrato em curso em 2007, 10 são originárias do Estado do Rio

Empresas incentivadas e o perfil exportador do estado do Ceará em um ambiente globalizado 161


Grande do Sul. Essas unidades produzem produtos finais e intermediários
traduzidos em: sapatos femininos, masculinos e infantis, botas femininas,
tênis, sandálias, tamancos; saltos, solas, palmilhas, couros e peles.
Não tardou para que as repercussões na pauta de exportação do Estado
do Ceará se fizessem sentir. Em 1997, as exportações do setor calçadista
começaram a tomar impulso de maneira efetiva, quando então chegaram a
participar com 10% da pauta estadual. A partir daí só há registro de cres-
cimento das vendas tanto em valor quanto no quantum, alguns anos com
maior outros com menor intensidade (Tabela 10 e Gráficos 4 e 5). Em 2001,
a parcela relativa desse setor na pauta de exportação do Ceará ultrapassou
20% e o setor passou a se posicionar na primeira posição no ranking, colo-
cação que se manteve em 2007 com mais de 25% do peso relativo. A totali-
dade das exportações de calçados é efetuada pelas empresas incentivadas.
Quanto ao setor de couros e peles, constata-se que as vendas externas
tiveram algum significado para a pauta estadual entre 1990 e 2007, com
exceção de 1997 e 1998. No entanto, a partir de 1999, com a entrada em
operação da empresa Bermas Indústria e Comércio, esse setor sustentou,
nos anos subsequentes, incremento das vendas externas em valor e em
quantum e passou, assim, a fazer parte da configuração dos principais ex-
portadores do estado, ocupando posição cada vez de maior destaque. Essa
empresa é, nos dias atuais, a única responsável pela exportação estadual
desse setor. Desde 2005, esse setor tem se firmado na terceira colocação, na
frente dos setores de algodão e de peixes, historicamente dois dos maiores
exportadores estaduais (Tabela 10 e Gráficos 4 e 5).

Tabela 10 – Ceará: exportação de calçados e de couros (1990-2007)


(US$) (índice de valor-IVX) (% na pauta estadual)
Calçados Couros e Peles
Ano
Valor IVX % Valor IVX %
1990 1.379.954 - 0,60 16.613.482 - 7,20
1991 4.164.043 301,75 1,54 10.554.293 63,52 3,90
1992 3.769.310 90,52 1,24 9.456.433 89,60 3,11
1993 4.839.701 128,40 1,76 7.405.515 78,31 2,69
1994 4.862.349 100,04 1,45 10.546.101 142,41 3,15
1995 2.981.377 61,31 0,85 10.307.620 97,74 2,92
1996 10.269.054 344,44 2,25 9.228.477 89,53 2,52
1997 35.324.950 343,99 10,01 2.742.654 29,72 0,78
1998 65.627.412 185,78 18,46 2.692.664 98,18 0,76
1999 71.651.803 109,18 19,30 23.793.790 883,65 6,41
2000 81.252.002 113,40 16,41 53.663.444 225,54 10,84
2001 106.458.007 131,02 20,20 67.380.071 125,56 12,78
2002 110.769.431 104,05 20,37 64.267.152 95,38 11,79

162 Empresas incentivadas e o perfil exportador do estado do Ceará em um ambiente globalizado


Calçados Couros e Peles
Ano
Valor IVX % Valor IVX %
2003 167.514.704 151,23 21,97 87.647.025 136,38 11,49
2004 186.520.089 111,35 21,70 110.546.242 126,13 12,83
2005 205.201.999 110,03 21,99 117.109.354 105,94 12,54
2006 237.714.309 115,90 24,74 127.891.898 109,21 13,30
2007 300.847.336 126,44 26,20 144.454.209 112,95 12,58
Fonte: BRASIL, 2008. Elaboração própria.

Gráfico 4 – Ceará: exportações de calçados e de couros e peles (1990-2007)


(2006 = 100)

Fonte: BRASIL, 2008. Elaboração própria.

Gráfico 5- Ceará: Índice de quantum das exportações de calçados e de couros e


peles (1990-2007) (2006 = 100)

Fonte: FUNCEX, 2008. Elaboração própria.

Empresas incentivadas e o perfil exportador do estado do Ceará em um ambiente globalizado 163


Existe significativa concentração do destino das vendas externas do se-
tor calçadista cearense. Nos últimos três anos, Estados Unidos, Argentina
e Reino Unido têm adquirido o correspondente a 65% do valor das vendas
deste setor cearense. As vendas externas do setor de couros expressam mui-
to mais forte concentração. Itália (país de origem da empresa exportadora),
Estados Unidos e China. Em 2007, o primeiro adquiriu 50% do total vendido
pela empresa citada anteriormente e os três juntos perfizeram 75% (Gráfi-
cos 6 e 7). Os calçados mais vendidos ao exterior pela indústria cearense na
década de 2000 são os transformados a partir de matéria-prima sintética e
couro. Os primeiros expressaram crescimento tanto da quantidade quanto
do valor das vendas externas estaduais no decênio. A participação desse
tipo de calçado no total das vendas externas estaduais do setor passou de
32% em 2002 para 42% em 2007. De seu lado, o segmento de caçados de
couro registrou maior contribuição no total exportado em 2007, reflexo
principalmente da evolução do preço unitário nos últimos cinco anos, visto
que o aumento da quantidade exportada não foi significativo no período.

Tabela 11 – Ceará: exportações de calçados e de couros e peles segundo


destino (2005-2007) (US$) (Participação)
2007 2006 2005
Países
Valor Part. Valor Part. Valor Part.
Calçados
Estados Unidos 85.767.049 0,2851 89.431.602 0,3759 82.538.145 0,4020
Argentina 58.617.801 0,1948 39.045.481 0,1641 34.218.837 0,1667
Reino Unido 47.572.459 0,1581 29.231.498 0,1229 15.536.786 0,0757
México 16.784.342 0,0558 22.201.913 0,0933 24.957.012 0,1216
Paraguai 13.795.715 0,0459 10.967.897 0,0461 8.091.870 0,0394
Venezuela 11.477.216 0,0381 6.900.391 0,0290 4.236.069 0,0206
Espanha 6.170.733 0,0205 4.051.835 0,0170 2.702.170 0,0132
Bolívia 5.881.063 0,0195 3.941.218 0,0166 2.728.357 0,0133
Angola 3.876.845 0,0129 715.855 0,0030 419.939 0,0020
Colômbia 3.296.851 0,0110 2.126.237 0,0089 1.943.437 0,0095
Portugal 3.160.083 0,0105 689.662 0,0029 915.272 0,0045
Couros e Peles
Itália 71.403.990 0,4943 54.829.428 0,4287 23.099.162 0,2151
Estados Unidos 21.682.734 0,1501 9.097.557 0,0711 12.542.590 0,1168
China 14.733.133 0,1020 13.718.227 0,1073 9.731.682 0,0906
Indonésia 11.639.075 0,0806 2.152.369 0,0168 – 0,0000
México 6.225.468 0,0431 2.020.816 0,0158 478.758 0,0045
Hong Kong 5.587.776 0,0387 12.387.271 0,0969 11.426.051 0,1064
Tailândia 4.730.477 0,0327 4.438.703 0,0347 7.349.939 0,0685
Vietnã 3.722.813 0,0258 526.139 0,0041 – 0,0000
Fonte: BRASIL, 2008. Elaboração própria.

164 Empresas incentivadas e o perfil exportador do estado do Ceará em um ambiente globalizado


Gráfico 6 - Ceará - Exportações de calçados segundo destino (2007

Fonte: BRASIL, 2008. Elaboração própria.

Gráfico 7 - Ceará - Exportação de couros segundo destino (2007)

Fonte: BRASIL, 2008. Elaboração própria.

6. Notas conclusivas
O comércio exterior do Ceará reagiu pouco no período imediatamente após
à abertura comercial propriamente dita no que se refere ao grau de abertu-
ra de sua economia. Até a primeira metade da década de 1990, a pauta de
exportações do Estado do Ceará pouco se modificou, no entanto, a partir de
1997, pode-se claramente identificar uma recomposição na sua estrutura.
O crescimento das vendas externas estaduais, que tem lugar a partir de
1999, está, em grande medida, intrinsecamente associado aos incentivos
advindos da política industrial do estado, os quais conduziram a mudanças
no perfil da pauta. Produtos tradicionais na pauta estadual como têxteis e
castanha de caju cedem lugar aos produtos pertencentes, fundamentalmen-

Empresas incentivadas e o perfil exportador do estado do Ceará em um ambiente globalizado 165


te, aos setores de couros e calçados transformados por empresas atraídas
para o estado pelos incentivos do governo local.
As exportações do Ceará têm apresentado crescimento anual significati-
vo a partir de 2003, ano em que foram registrados recordes de crescimento
tanto do quantum quanto do valor exportado. Esses resultados revelam, em
primeira aproximação, que o estado vem participando, em certa medida,
para a dinâmica recente das vendas externas nacionais nos últimos anos. A
efetiva contribuição do estado para o crescimento das exportações nacio-
nais foi da ordem de 3% anuais entre 2002 e 2005.
Na pauta exportadora cearense, há predominância dos setores inten-
sivos em recursos naturais e em mão de obra, caracterizando claramente
uma especialização do estado em produtos que se apoiam em vantagens
comparativas clássicas. Essa pauta é, essencialmente, constituída de bens
produzidos sob condições de baixa intensidade tecnológica, na medida em
que os setores que participam com mais de 10% da pauta exportadora estão
enquadrados nessa categoria. A realidade cearense expressa que seria difícil
uma mudança significativa na pauta de exportação em direção a produtos
com maior conteúdo tecnológico.
De fato, os setores industriais que despontaram nos últimos 10 anos
como exportadores de relevância foram aqueles estimulados pela política
industrial implementada pelo governo do estado que de, alguma forma,
buscou potencializar algumas vantagens comparativas do Ceará, como é o
caso dos setores de calçados e couros e peles e que requerem baixo conteú-
do tecnológico para processamento, portanto nessa perspectiva de análise,
o perfil da pauta exportadora praticamente não se altera.
A distribuição das exportações e importações reflete certa concentração
em nível setorial e de destino tanto para as vendas quanto para as compras,
contudo, tem se verificado tendência mais recente à desconcentração, o
que favorece inserção externa menos dependente. No entanto, as vendas
para o exterior assim como as compras continuam concentradas em poucas
empresas sem que tenha havido algum processo desconcentrador nos últi-
mos anos. A economia cearense ainda conserva no comércio externo forte
peso nas trocas intersetoriais características da exploração de vantagens
comparativas.
O comportamento dos destinos dos produtos cearenses está atrelado,
em grande medida, à dinâmica da demanda dos Estados Unidos e do Mer-
cosul, principais parceiros do estado, como referência para a análise de
competitividade de setores exportadores. A proximidade geográfica do Ce-
ará ao mercado norte-americano reforça ainda mais o potencial comprador
daquele país.

166 Empresas incentivadas e o perfil exportador do estado do Ceará em um ambiente globalizado


Sem sombra de dúvidas, os setores incentivados pelos programas gover-
namentais atrelados ao FDI, fundamentalmente o Proapi, orientaram a re-
composição da pauta exportadora cearense a partir da segunda metade da
década de 1990. Esse programa específico para os setores calçadistas e cou-
ros visou exclusivamente o comércio externo e como tal surtiu o efeito espe-
rado. Quanto à repercussão na economia estadual, constata-se que cada um
deles rebate de maneira diferenciada localmente. As empresas incentivadas
do setor calçadista são importantes geradoras de empregos diretos e a de
couros geradora de poucos postos de trabalho. Os insumos são adquiridos,
em sua maioria, fora do estado para o setor calçadista usufruindo pouco,
portanto, o Estado dos fortes efeitos em cadeia próprios deste setor. De seu
lado, o couro, utilizado pela empresa transformadora de couros e peles, é
exclusivamente originário de fora do Ceará. As atividades de P&D dessas
empresas são desenvolvidas em suas matrizes localizadas no estado/país de
origem onde ocorre o desenvolvimento de produtos.

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Empresas incentivadas e o perfil exportador do estado do Ceará em um ambiente globalizado 167


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168 Empresas incentivadas e o perfil exportador do estado do Ceará em um ambiente globalizado


Em direção a uma integração virtuosa:
o caso da economia baiana88

Hamilton de Moura Ferreira Junior


Lúcio Flávio da Silva Freitas
Fábio Batista Mota

1. Introdução
O presente artigo, em caráter exploratório, busca discutir a inserção econô-
mica do Estado da Bahia, suas limitações e oportunidades, bem como apon-
tar tendências em curso para orientar políticas públicas voltadas para o
crescimento econômico. Deve-se notar que, embora crescente quando com-
parado a outros estados da federação, a participação baiana ainda é bastan-
te reduzida diante das possibilidades que se podem agora vislumbrar. Ser o
estado maior exportador do Nordeste revela, de certa forma, o tamanho dos
problemas da região e não o sucesso local – até 2002 a Bahia gerava 34%
do PIB da região, porém o Nordeste participava com apenas 13,4% do PIB
brasileiro. Sabe-se que o comércio exterior da Bahia está concentrado em
poucos produtos, semi-manufaturados, que têm origem em poucos setores
e exíguo número de empresas – apenas quatro empresas realizam mais de
50% das importações e das exportações do estado. Cabe, então, apresentar
a pergunta básica de investigação que norteou o desenvolvimento deste tra-
balho: quais oportunidades disponíveis para a Bahia poderiam lhe permitir
caminhar rumo a uma integração virtuosa? Duas alternativas foram anali-
sadas, o adensamento da cadeia produtiva através do Complexo Industrial
Ford Nordeste (CIFN) e a valorização dos setores intensivos em recursos.
O trabalho está estruturado em mais quatro seções, além desta introdu-
tória e das considerações finais. Na primeira, procede-se uma breve discus-
são dos determinantes do comércio mundial e do investimento externo di-
reto. Neste ponto, são revelados os padrões de interação entre os países do
Norte e os do Sul e aqueles referentes aos países do Sul. Na segunda parte é
realizada uma breve análise do comércio exterior da Bahia, observando al-

88. Os autores agradecem a colaboração da Sra. Nívea Santana, Coordenadora do APL automo-
tivo da Bahia, da SECTI – Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação do Estado da Bahia.

Em direção a uma integração virtuosa 169


guns dos seus principais problemas e possibilidades. Trata-se de uma apre-
sentação de cunho setorial, focalizada nos principais produtos presentes na
pauta de exportação da Bahia. A seguir é discutida a pauta de exportações
da Bahia, no período entre 1995 e 2005, inferindo as limitações do estado
em termos de sua competitividade. A quarta seção apresenta sugestões para
uma integração virtuosa da economia baiana.

2. Breve panorama internacional


O Gráfico 1, abaixo, ilustra os novos padrões de comércio exterior e de espe-
cialização da economia mundial. Faz-se, aqui, referência explícita à impor-
tância das redes de produção internacional na Ásia como a mais moderna
forma de articulação intra-regional da atualidade. Na verdade, o Trade and
Development Report de 2005, da Unctad, chega a falar em nova geografia
do comércio. Esta se caracteriza por três aspectos: a) crescente participação
das exportações de manufaturas nas exportações mundiais; b) acelerada
participação dos países em desenvolvimento no comércio mundial de ma-
nufaturas com alta intensidade de tecnologia; c) e forte crescimento do
comércio Sul-Sul no comércio global – “[...] o comércio Sul-Sul como per-
centual das exportações dos países em desenvolvimento aumentou de 25%
em 1965 para 43% em 2003” (UNCTAD, 2005, p. 130). Um aspecto crucial
para os países latinos é que a China e os Países de Industrialização Recente
(PIRs) da Ásia (Coreia do Sul, Taiwan, Singapura e Hong Kong) respondem
por mais da metade do crescimento das exportações dos países em desen-
volvimento. O detalhe significativo é que “[...] as exportações Sul-Sul como
percentagem das exportações dos países em desenvolvimento para os paí-
ses desenvolvidos (comércio Sul-Norte) mais que dobrou, alcançando 74%
em média no período 2000 a 2003 (e mais de 80% em 2003)” (ibid).
Como explicar o impulso tomado pelo comércio Sul-Sul? Em primeiro
lugar, o retorno ao crescimento econômico, depois do longo pesadelo que
foram as renegociações periódicas da dívida externa dos países em desen-
volvimento nos anos oitenta. A busca de dólares fez com que o conjunto
dos incentivos à exportação estivesse focalizado nos países detentores de
moeda forte em reserva. O resultado foi o crescimento do comércio Sul-
Norte em detrimento do comércio Sul-Sul. Em segundo lugar, a liberaliza-
ção do comércio mundial e, no interior das políticas econômicas no Sul, a
mudança de sinal na direção de maior abertura comercial e tentativa de
inserção nos fluxos de comércio e da produção em nível mundial. Por fim,
três fatores atuaram de forma a estimular um maior comércio internacional
na direção Sul-Sul: mais rápido crescimento dos países em desenvolvimen-
to relativamente aos países desenvolvidos; países com grande tamanho e

170 Em direção a uma integração virtuosa


crescimento na periferia; e a crescente especialização regional no marco
das redes de produção regional, particularmente, mas não apenas, na Ásia
(em 2003, 75% do comércio Sul-Sul aconteceu na Ásia). Além disso, este
comércio é profundamente concentrado em poucos países: as 10 mais im-
portantes economias no comércio Sul-Sul dão conta de 84% do comércio e
74% do total das importações Sul-Sul (UNCTAD, 2003).

Gráfico 1 – Evolução das exportações Sul-Norte e Sul-Sul por categoria de


produto 1976-2003.

Fonte: Adaptado de Unctad, 2005.

Quando se trata de manufaturas, a concentração comercial é mais forte


ainda – considerado o total das exportações e importações: as 10 economias
mais importantes realizam 90% do total das exportações Sul-Sul. Mais ain-
da, apenas as exportações de Hong Kong e da China juntas perfazem 40%
deste total, representam 20% do comércio total de mercadorias e cerca de
25% do comércio de manufaturados entre os países em desenvolvimento

Em direção a uma integração virtuosa 171


(ibid). Deve-se observar que parte importante deste comércio é resultado
do chamado comércio triangular decorrente da montagem das redes de
manufatura na Ásia. O sentido geral dessas redes de subcontratação inter-
nacional, ou modelo SCI, é o seguinte:

[...] menor custo de transporte e comunicações e reduzidas


barreiras regulatórias têm facilitado a produção compartilha-
da em base global. A produção compartilhada é geralmente
concentrada em produtos intensivos em mão de obra; mas ela
também envolve a localização em diferentes lugares de seg-
mentos intensivos em trabalho e outros processos de produção
tecnologicamente complexos. Isto permite às firmas explorar
a vantagem comparativa de diferentes localizações específi-
cas para a produção de componentes particulares, incluindo
economias de escala e diferenças nos custos do trabalho entre
diferentes países (UNCTAD, 2003, p. 136-7).

São pertinentes algumas observações acerca dos padrões de comércio


internacional. Primeiro, as exportações dos países em desenvolvimento
para os países desenvolvidos estão concentradas em três categorias de pro-
dutos, a saber: produtos manufaturados intensivos em tecnologia e mé-
dia qualificação; produtos eletrônicos, exclusive partes e componentes; e
partes e componentes para produtos eletrônicos. Já as exportações Sul-Sul
estão compostas por: produtos manufaturados intensivos em recursos e em
trabalho; produtos eletrônicos, exclusive partes e componentes; e partes e
componentes para produtos eletrônicos. Ademais, as atividades nas quais a
América Latina evoluiu nos últimos dois decênios são: serviços não-comer-
cializáveis; indústrias de transformação de recursos naturais e bens inter-
mediários (como papel e celulose, ferro e aço, azeites vegetais); indústria
maquiladora de produtos eletrônicos (televisores, aparelhos de vídeo), ves-
tuário e, por último, a indústria automobilística, beneficiada por programas
de incentivo específicos (UNCTAD, 2003). Porém, cerca de um terço da
produção e dois terços do comércio mundial estão na esfera de controle
das empresas transnacionais; deste último, cerca de um terço são trocas
intrafirmas. Dos cinqüenta setores mais dinâmicos em termos das importa-
ções da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico
(OCDE), apenas dois são classificados como produtos baseados em recursos
naturais (peixes frescos e crustáceos e moluscos).
Ainda do ponto de vista externo, algumas questões condicionam a im-
plementação e o avanço das proposições de políticas nacionais ou de âmbi-
to regional: o cenário internacional, que restringe a extensão e a profundi-

172 Em direção a uma integração virtuosa


dade da política econômica nacional; e a crescente complexidade das novas
tecnologias e das relações interfirmas.
Embora extremamente concentrado, o comércio mundial, de forma re-
corrente, abre espaço para novos entrantes, ou seja, janelas de oportunida-
de são recriadas, por vezes, em razão de mudanças acentuadas no cenário
internacional. A questão central é que cerca de dois terços deste comércio
é do tipo administrado (no interior de circuitos privilegiados entre corpo-
rações transnacionais). O livre comércio está restrito a um terço das trocas
comerciais no mundo. De certa forma, nos países avançados, a menor im-
portância das commodities industriais resulta do próprio desenvolvimento.
Não apenas parte significativa dos investimentos intensivos em recursos
(exclusive os investimentos dirigidos para a exploração de novos recursos
energéticos) já foi realizada, como os novos desenvolvimentos tecnológicos
são intensivos em cooperação e conhecimentos. Este é o mesmo motivo que
explica a enorme importância da China como demandante fundamental de
produtos intensivos em recursos naturais.
A inserção externa focalizada em produtos intensivos em recursos é
factível e importante. A questão central é não confundir especialização do
País com especialização regional ou estadual. Enquanto pequenos países
podem adotar especializações restritas a um conjunto limitado de produtos
dinâmicos, grandes economias podem e devem explorar tanto as vantagens
decorrentes da dotação de recursos quanto as vantagens adquiridas através
do aprendizado e da imitação. Aqui surgem duas questões. A primeira, de
ordem mais geral, atribui ao mercado a capacidade de estruturar a ativi-
dade econômica dos países. No entanto, isto só ocorre quando diversos
requerimentos sistêmicos (como a oferta de bens públicos e várias externa-
lidades) são fornecidos ao setor privado. O que o período recente, a cha-
mada globalização, tem também apresentado é a permanência de sólidas
comunidades, quando elas já existiam, através da manutenção e aprofunda-
mentos de várias identidades de dimensão cultural e histórica. Parece que
as relações decorrentes da formação de renda interna em vários setores, da
geração e fornecimento de bens públicos, da estruturação na sociedade civil
de organizações promotoras da cooperação, e daí de atividades econômicas
que resultam e ganham competitividade com a ação coletiva, são muito
importantes para a formação de comunidades de alguma forma solidárias.
Por essas razões, entre outras, vários arranjos produtivos locais (APLs) en-
contram enormes dificuldades para se reproduzirem. A falta de confiança
entre seus membros, e certamente os seus maiores beneficiários, impede
a ação coletiva no sentido da aquisição e compartilhamento de ativos que
ultrapassam em preço ou volume de produção as necessidades de uma em-

Em direção a uma integração virtuosa 173


presa particular. O problema é que a cooperação é intensiva em valores
compartilhados e não apenas em relações tipicamente mercantis.
A segunda questão está relacionada à baixa taxa de crescimento dos
produtos intensivos em recursos e mão de obra. Tais mercados crescem
lentamente, em face do maior dinamismo dos setores intensivos em tec-
nologia. É importante frisar que os prognósticos mais pessimistas com res-
peito à substituição do cobre, nas linhas de transmissão de comunicações,
por fibras óticas, simplesmente não ocorreram de forma a levar o Chile,
por exemplo, à extrema penúria ou à exclusão do comércio mundial. Pelo
contrário, o próprio progresso técnico encontrou meios para rejuvenescer
e preservar uma tecnologia considerada velha por analistas e formuladores
de cenários.
Uma outra dimensão importante diz respeito ao aprofundamento da di-
visão internacional do trabalho na manufatura. É fundamental perceber
que a “externalização da manufatura” abre uma janela de oportunidade
para novos entrantes. O importante é identificar precisamente os fatores de
atração destes investimentos. Nas cadeias produtivas em que o investimen-
to internacional é do tipo busca de eficiência e controlado pelo comprador
(buyer-driven) – como na agro-indústria –, o fornecimento de externalidades
para incrementar a qualidade dos produtos em direção a segmentos mais
nobres e a oferta de serviços de apoio e logística parece crucial para o êxito
de uma estratégia exportadora. A questão é articular as políticas produtivas
e tecnológicas de tal forma que resulte em planos de ação focalizados no
incremento da produtividade dos recursos existentes ou relacionados com
a base de conhecimentos da região. Já nas cadeias produtivas dominadas
pelo produtor (producer-driven), são necessários esforços no sentido de for-
necer as economias externas derivadas da aglomeração: “Nas redes de pro-
dução dominadas pelo produtor, tais como automóveis e eletrônicos, forte
integração é importante, através de um considerável clustering de firmas”
(UNCTAD, 2006, p. 160).

3. Breve panorama da economia baiana


Entre as décadas de 1950 e 1980, o Estado da Bahia modifica sua estrutura
e passa de um modelo primário-exportador para uma economia de base
industrial, de modo complementar às regiões Sul e Sudeste do País. Ao lado
de um sistema produtivo agropecuário ancorado em produtos tradicionais,
fixou uma estrutura industrial baseada na produção de commodities inter-
mediarias. Esta estratégia permitiu, ao longo do período, que a Bahia con-
solidasse um setor industrial representativo na composição do produto do

174 Em direção a uma integração virtuosa


estado, alterando o perfil agro exportador até então predominante. Entre
os anos de 1960 e 1980, verifica-se que a indústria elevou sua participação
na composição do PIB de 12% para 32%, enquanto que a participação do
setor primário foi reduzida de 40% para 16% – em parte devido à crise que
se abateu sobre segmentos importantes do agronegócio (cacau, feijão). Res-
salte-se que a contribuição da indústria para a arrecadação do ICMS, saltou
de 30% em 1975 para cerca de 55% em 1985, contribuindo a petroquímica
com 64% do total. Em meados de 1980 o setor químico representava cerca
da metade do valor agregado bruto da produção industrial do estado, com
metade da atividade econômica concentrada na Região Metropolitana de
Salvador (RMS).
O que se observou até então foi que o desenvolvimento da Bahia se
caracterizou não apenas por descontinuidades, mas, também, por uma es-
trutura econômica concentrada, tanto do ponto de vista setorial como espa-
cial. Observe-se que os setores de bens intermediários que caracterizavam a
economia do estado eram limitados em sua capacidade de articulação e de
absorção de mão de obra. O segmento químico-petroquímico que já repre-
sentava mais de 50% do valor agregado da produção industrial em meados
da década de 1980 empregava apenas 14,5% do total da mão de obra ocu-
pada. Estas atividades, no entanto, produziram impactos importantes na
geração de empregos indiretos, conduzindo a resultados positivos no pro-
cesso de modernização e ampliação das atividades comerciais, de serviços e
de construção civil, contribuindo sobremaneira para o surgimento de uma
infraestrutura de serviços ao derredor da capital do estado.
Nos primeiros anos da década de 1990, em face da elevada concentra-
ção da sua economia em commodities oriundas da indústria petroquímica,
o estado sofreu com mais rigor os efeitos das transformações estruturais
com a abertura comercial e desregulamentação econômica verificadas na
economia brasileira. Nesse período, ocorreu no setor petroquímico, que é
reconhecido pelo seu comportamento cíclico, uma superoferta de commodi-
ties. Este fato, conjugado à exposição à concorrência externa e às condições
sistêmicas internas desfavoráveis, como taxas cambial e de juros, além do
regime tributário, fez com que o setor assumisse uma posição estratégica
de defesa, ajustando-se às condições de acirramento da concorrência. Neste
contexto, o segmento petroquímico e os setores produtores de bens inter-
mediários passaram por um processo de reestruturação, buscando ganhos
de produtividade através de automação e racionalização administrativa. O
que se viu, na prática, foi um intenso processo de fusões e incorporações, e
terceirizações e redução de postos de trabalho, que se prolongou por toda
a década de 1990. Como resultado, em 1994, o Polo Petroquímico de Ca-

Em direção a uma integração virtuosa 175


maçari – que em 1990 empregava cerca de 20 mil pessoas de forma direta
– apresentava um quadro de pouco mais de 13 mil empregos.
Embora a indústria petroquímica baiana tenha passado por esta rees-
truturação e reduzido significativamente os empregos, sua participação
relativa na estrutura da indústria de transformação não chegou a ser com-
prometida, mantendo-se acima dos 50%. O setor de metalurgia, no qual
se verificou também redução dos postos de trabalho, permaneceu com sua
participação no valor agregado bruto da transformação industrial por vol-
ta dos 15%. Entre meados da década de 1980 e meados da de 1990, nos
segmentos de metais não ferrosos e mecânico, os postos de trabalho caíram
de aproximadamente 20 mil para oito mil empregos. Não obstante este ce-
nário, os dois segmentos, petroquímico e metalúrgico, representaram mais
de 60% da estrutura da indústria de transformação no decorrer da década,
sendo que a sua participação no valor agregado bruto da transformação
industrial da Bahia ultrapassava 70% em 1999.
Durante os anos 1990, passou a fazer parte do desenvolvimento do es-
tado a estratégia de integração vertical de cadeias de produção, com a im-
plantação de indústrias produtoras de bens finais que fossem capazes de
aproveitar a oferta estadual de produtos agropecuários e bens industriais
intermediários. Estimulou-se a criação de um mercado local de peças, com-
ponentes e embalagens, entre outras medidas de incentivo, tendo em con-
sideração que o estado representava, já no início da década de 1990, cerca
de 40% do mercado do Nordeste, com escala de produção que possibilitaria
viabilizar empreendimentos deste porte. Portanto, colocou-se em destaque
uma estratégia que já era apresentada em anos anteriores como alternativa
adicional para o desenvolvimento da Bahia.
A partir dos anos 2000, o estado passa a referir-se explicitamente à ne-
cessidade de maior integração de cadeias de produção, visando absorver
parte da produção de bens intermediários, assim como pela sua capacidade
de geração de empregos. É também neste período recente que reconhece
a necessidade de promover a desconcentração espacial das atividades eco-
nômicas – embora tenha havido avanços (especialmente no Extremo Sul,
Oeste e Baixo São Francisco), a Região Metropolitana de Salvador con-
tinuava respondendo por cerca de 50% do valor da produção gerada no
estado. Foi neste cenário que o conceito de integração logística adquiriu
importância, considerando que a base da desconcentração espacial estaria
no desenvolvimento integrado das regiões do estado. Esta situação funda-
mentou o argumento que subsidiou a divisão do Estado da Bahia em oito
grandes eixos de desenvolvimento, nos quais os critérios de definição estão
associados aos fluxos principais de mercadorias e aos corredores de escoa-
mento disponíveis.

176 Em direção a uma integração virtuosa


Ao longo dos anos 1990 verificou-se também a expansão em alguns se-
tores econômicos que contaram com uma política mais ativa do governo,
tais como: papel e celulose, transformação plástica, fabricação de calçados
e eletroeletrônicos. Pode-se ainda fazer referências aos investimentos em
segmentos de alimentos e bebidas, cerâmica, polo pirotécnico etc. As políti-
cas aplicadas para a atração de investimentos, de um modo geral, seguiram
a orientação de promover o adensamento das cadeias produtivas e a inte-
riorização das atividades econômicas.
Não obstante os movimentos de diversificação buscados pelo estado te-
nham obtido algum êxito, a composição do PIB baiano sofreu alterações
consideradas pequenas em termos setoriais. Neste contexto, espera-se que o
Complexo Industrial Ford Nordeste, instalado em Camaçari, pela magnitu-
de dos investimentos e pelas articulações intersetoriais que é capaz de pro-
mover, possa impulsionar modificações estruturais na economia do estado
e produzir resultados e taxas de crescimentos expressivas.
Contudo, ainda persistem, do ponto de vista interno, alguns problemas
fundamentais para uma inserção virtuosa da economia baiana. Teixeira e
Guerra (2000) delinearam os aspectos importantes que fomentaram a ins-
talação do parque industrial instalado no estado e descreveram a reação da
economia baiana a esses eventos: a indústria entrante recebeu todo apoio
governamental (em todos os níveis de governo) e, na medida em que se
materializavam no tecido produtivo local, geravam grandes ondas de ex-
pansão logo arrefecidas. Posteriormente, a abertura comercial brasileira
revelou as ineficiências da estrutura industrial com a consequente redução
do emprego e da renda. Os problemas locais são ainda mais difíceis de solu-
cionar porque se revelam em comportamentos pouco empreendedores e de
formação técnica cujo encaminhamento encontra solução apenas à longo
prazo. Nas palavras dos autores:

[...] sem dúvida que boa parte da explicação para as deficiên-


cias competitivas das empresas locais está relacionada com os
baixos investimentos em atividades de aprendizado e inovação
tecnológica e gerencial. O conservadorismo e a aversão ao risco
do nosso empresariado podem ajudar a explicar essa situação.
Mas isso, certamente, não é tudo. Temos carência de pessoal ca-
pacitado em todos os níveis. A suposta criatividade da mão de
obra baiana não parece ser suficiente para engendrar um pro-
cesso virtuoso de aprendizado neste momento em que o mun-
do vive uma fase de transição entre dois distintos paradigmas
técnico-econômicos (TEIXEIRA; GUERRA, 2000, p. 14).

Em direção a uma integração virtuosa 177


Neste panorama, externo e interno, quais os indicadores das relações co-
merciais da Bahia que apontam para problemas e oportunidades no sentido
de uma inserção virtuosa da economia baiana?

4. Pauta de exportação da Bahia


O comportamento das exportações pode ser considerado um indicador de
competitividade de um sistema econômico, podendo-se delimitar o sistema
em análise a um território – país, região, estado, município etc. Sua limita-
ção, como indicador, é que, em uma análise pontual, fica difícil separar os
fatores conjunturais de mercado das forças competitivas estruturais.
Para se beneficiar da globalização, um sistema econômico deve ser ca-
paz de criar empresas que se articulem a cadeias de valor global dinâmicas,
bem como aprimorar eficiência e capacitações para enfrentar as mudanças
tecnológicas e nos preços relativos dos fatores produtivos. Mesmo a Bahia
sendo um dos estados mais diversificados da região Nordeste, em termos de
pauta de exportação, há indícios de uma grande concentração da pauta em
setores pouco dinâmicos em relação ao mundo e uma alocação de recursos
não convergente com as exportações mundiais (XAVIER; VIANA, 2006).
À luz dessas observações, analisou-se o comportamento geral da pauta
de exportações do Estado da Bahia. Primeiramente, destacam-se os princi-
pais segmentos exportadores do estado em 1995, 2000 e 2005 (vide Tabela
1), na tentativa de identificar mudanças na pauta de exportações decorren-
tes das transformações industriais no estado ao longo da última década.
A pauta de exportações da Bahia reflete a história do processo de indus-
trialização do estado, primeiramente concentrado na produção de bens in-
termediários. Os produtos químicos e petroquímicos nos anos 1995 e 2000
respondiam por aproximadamente 33% das vendas externas. O ciclo inicial
de industrialização do estado ocorreu no final dos anos 1970 com a implan-
tação do Polo Petroquímico de Camaçari, induzido pela política nacional de
industrialização, que visava diminuir a dependência da indústria doméstica
em insumos importados e reduzir as desigualdades regionais; e ocorre no
período em que se completava o ciclo de industrialização por substituição
de importações. O Estado da Bahia foi escolhido como local para instalação
do polo petroquímico por ser, àquela época, o único produtor de petróleo,
por já contar com uma refinaria, com um porto no meio da costa brasileira,
e, finalmente, pela sua localização entre as regiões Sudeste e Norte-Nordes-
te (GUERRA, 2001).
A partir de 1990 as políticas públicas se voltam à diversificação desse
modelo de industrialização visando, no longo prazo, consolidar no estado

178 Em direção a uma integração virtuosa


atividades manufatureiras de bens de consumo final. Para se atingir este
objetivo, utiliza-se intensamente os mecanismos fiscais de atração de inves-
timentos industriais, cuja implementação foi possível graças aos esforços
de saneamento fiscal e financeiro do estado. Por outro lado, a localização
estratégica do estado, entre os mercados do Nordeste e Sudeste, e a presen-
ça de uma indústria produtora de bens intermediários também contribuem
para reforçar a política de atração de empresas.
As transformações na pauta de exportações ocorridas na última década
refletem as mudanças recentes na indústria de transformação do Estado da
Bahia. A Tabela 1 sintetiza a pauta de exportações nos anos de 1995, 2000
e 2005. Exibem-se as vendas FOB dos principais segmentos; a participação
de cada um deles no valor total exportado pelo estado; e os totais expor-
tados pelo Brasil com os respectivos percentuais de participação da Bahia,
nos três períodos.
Grosso modo, verifica-se que não houve muitas transformações nos re-
sultados de exportação entre 1995 e 2000: a participação da Bahia nas
exportações do Brasil declinou de 4,13% para 3,53%; os produtos químicos
e petroquímicos lideravam a pauta, respondendo por cerca de 33% das ven-
das FOB nos dois períodos; três segmentos – químicos e petroquímicos, me-
talúrgicos e os produtos de celulose e papel – concentravam cerca de 50%
das vendas externas nesses anos. Todas as outras categorias de produtos
tinham percentuais abaixo de dois dígitos. Na pauta há predominância dos
produtos industriais intermediários – a exemplo das resinas termoplásticas
e dos derivados de cobre, no grupo metalúrgicos, e das commodities agríco-
las, como soja, cacau, fumo e sisal. De 2000 para 2005, o valor exportado
pelo estado triplicou. Provavelmente este bom desempenho foi favorecido
pelo aumento dos preços das commodities industriais, agrícolas e minerais
no mercado internacional, decorrente da dinâmica da economia internacio-
nal, estimulada pelo crescimento da China, assim como pela expansão do
agronegócio no Brasil.

Tabela 1 – Exportações do Estado da Bahia: principais segmentos


e participação do estado nas exportações do Brasil (1995-2000-2005)
Valores (US$ 1.000 FOB)
1995 1995 2000 2000 2005 2005
Segmentos
US$ 1000 % US$ 1000 % US$ 1000 %
Derivados de Petróleo 98.104 5,11 192.643 9,91 1.375.657 22,97
Químicos, petroquímicos e
652.206 33,98 636.095 32,74 1.152.388 19,25
transformação plástica
Automotivo 872.186 14,57
Metalúrgicos 328.949 17,14 186.840 9,62 578.294 9,66
Papel e celulose 301.013 15,68 291.430 15,00 434.363 7,25

Em direção a uma integração virtuosa 179


1995 1995 2000 2000 2005 2005
Segmentos
US$ 1000 % US$ 1000 % US$ 1000 %
Soja, mamona e derivados 40.500 2,11 139.063 7,16 377.174 6,30
Cacau e derivados 118.629 6,18 99.276 5,11 224.401 3,75
Minerais 123.703 6,45 108.376 5,58 154.801 2,59
Frutas e suas preparações 24.220 1,26 36.159 1,86 103.581 1,73
Algodão 96.112 1,61
Café e especiarias 89.054 1,49
Couros e peles 29.888 1,56 23.533 1,21 71.597 1,20
Móveis e semelhantes 68.236 1,14
Sisal e derivados 51.293 2,67 44.521 2,29 63.552 1,06
Calçados e suas partes 56.032 0,94
Borracha e suas obras 46.797 0,78
Maquinas, aparelhos e
38.826 0,65
materiais. elétricos
Fumo e derivados 28.243 1,47 15.353 0,79 18.613 0,31
Pesca e aquicultura 18.118 0,30
Demais segmentos 122.444 6,38 169.679 8,73 147.962 2,47
Total Bahia 1.919.192 100,00 1.942.968 100,00 5.987.744 100,00
Bahia/Brasil (%) 4,13 3,53 5,06
Total Brasil 46.506.000 55.086.000 118.308.000
Fonte: Promo.

Por outro lado, como observou Uderman (2005), a indústria baiana,


beneficiando-se de importantes investimentos realizados na última década,
inicia um leve movimento de desconcentração setorial a partir da primeira
metade da década de 2000, que não se faz acompanhar por uma redução
do grau de intensidade do capital de suas unidades produtivas. Constata-se
uma diversificação da pauta de exportações em 2005, em comparação a
2000, com o surgimento de novos segmentos exportadores e um aumento
vertiginoso das exportações de derivados de petróleo da Petrobras, especifi-
camente o óleo combustível. Os três segmentos líderes, que respondem por
quase 50% das exportações em 2005, são: derivados do petróleo (22,97%);
químicos e petroquímicos (19,25%); e o automotivo (14,57%). Embora as
exportações da categoria químicos e petroquímicos tenham quase duplica-
do em cinco anos, sua perda de participação relativa se deve à introdução e
expansão desses dois outros segmentos, altamente concentrados em gran-
des empresas.
O leve movimento de desconcentração, a que Uderman (2005) se refere,
pode ser sinalizado também pelo surgimento de novos segmentos exporta-
dores, a exemplo da indústria de calçados, móveis, borracha e suas obras e
materiais elétricos. Embora suas vendas FOB não os coloquem na liderança
da pauta de exportações, esses são segmentos relevantes para a geração de
empregos e demanda de serviços. De acordo como o Promo (2005), 163

180 Em direção a uma integração virtuosa


produtos foram introduzidos na pauta do estado em 2005, muitos deles for-
necidos por empresas de pequeno porte, como ferramentas, obras de porce-
lana, lenços, freezers, máquinas agrícolas, relógios de ponto, bolas para golfe,
raquetes de tênis e esquis aquáticos, dentre outros. Verificou-se também uma
expansão de vendas para mercados não tradicionais, como, por exemplo, Mé-
xico (automóveis), China, Venezuela, Índia, Tailândia e Nigéria. Percebe-se,
ainda, um significativo aumento no número de empresas exportadoras. En-
quanto em 2002, 250 empresas baianas realizaram exportações (SPÍNOLA;
RIBEIRO, 2004), em 2005 este número atingiu 432, das quais 85 são grandes
empresas; 142, médias; e 204, pequenas.89 Porém, cerca de 20 empresas, ape-
nas, responderam por cerca de 80% do valor exportado pelo estado. Logo, as
412 empresas restantes, no total, venderam o equivalente a US$ 1,16 milhão
no mercado externo em 2005.90

5. Em direção a uma integração virtuosa da economia baiana


Em uma fase marcada pela abertura comercial e desregulamentação econô-
mica, no início da década de 1990, a Bahia buscou a fixação de estratégias
que reduzissem a concentração em atividades produtoras de commodities
intermediárias, visando à diversificação da economia, assim como reduzir
a concentração espacial e atrair investimentos mais intensivos em mão de
obra. Ao lado destas providências instituiu um mecanismo de incentivos
fiscais e financeiros para estimular o crescimento de atividades que aten-
dessem aos objetivos previstos.
Nesse contexto, deu-se a implantação da montadora automobilística Ford
e foram atraídos alguns projetos de menor importância em outras áreas. En-
tretanto, persiste um perfil bastante concentrado setorial e espacialmente e
o nível de desemprego elevado. Ou seja, a reduzida diversificação da base
produtiva torna o desempenho econômico dependente da performance de
poucos setores, limitando as alternativas de crescimento em fases recessi-
vas. Por outro lado, o peso acentuado da produção de bens intermediários
no PIB aumenta a vulnerabilidade da economia às variações do mercado
e dos preços das commodities. Quando se analisa a concentração espacial,
verifica-se que à elevada concentração produtiva na Região Metropolitana
de Salvador (RMS) corresponde uma subocupação de espaços territoriais
do estado, cujo potencial de crescimento está praticamente inexplorado. A
ocupação é agravada pelas características naturais de vasta área do semiári-

89. Na Tabela A1, no apêndice, faz-se um cruzamento dos principais segmentos exportadores
com o número de empresas por porte.
90. A Tabela A2, no apêndice, mostra as empresas da Bahia que mais exportaram em 2005,
com os respectivos valores e categorias de produto.

Em direção a uma integração virtuosa 181


do, representando 68,7% da área total da Bahia. Essa concentração agrava
os problemas do desemprego e das desigualdades distributivas, em face da
limitada abrangência espacial da produção e da pequena participação rela-
tiva de setores de maior oferta de emprego.
Identificada parte das limitações da inserção econômica da Bahia, é
preciso discutir as oportunidades que o estado oferece, tendo em vista o
desenvolvimento de uma economia competitiva. Com este propósito, em
linhas gerais, as duas subseções seguintes discutem: (i) a possibilidade de
adensamento da cadeia produtiva do Estado da Bahia a partir da instalação
do Complexo Industrial Ford Nordeste; (ii) a valorização dos setores inten-
sivos em recursos, como estratégia para a melhor inserção econômica do
estado, sobretudo em face das possibilidades de desconcentração espacial
da produção contidas nesta opção.

5.1. Complexo Industrial Ford Nordeste


Instalado no município de Camaçari, no ano 2000, o Complexo Industrial
Ford Nordeste contou com um investimento inicial de US$ 1,9 bilhão. No
ano de 2006, a montadora norte-americana já exportava US$ 920 milhões,
13% do total das exportações baianas, e produzia cerca de 250 mil veí-
culos, pouco menos que 10% da produção total nacional. A indústria da
Ford instalada na Bahia pressupõe uma hierarquização de fornecedores em
diferentes níveis. Envolve os encarregados pela entrega de sistemas e peças
completas (sistemistas ou fornecedores de primeira linha) à montadora, os
produtores de peças e componentes que fornecem aos sistemistas ou forne-
cedores de segunda linha, os fabricantes de peças isoladas, mais simples, e
os produtores de matérias-primas, considerados de terceira e quarta linha.
Com isso, estima-se que 60% do valor agregado ao longo da cadeia de pro-
dução seja realizado na Bahia.
Não obstante, o adensamento da cadeia produtiva baiana decorrente
do impulso inicial da montadora ainda requer a superação de problemas
estruturais. Conforme ilustra Mercês (2005), dentre os maiores desafios en-
frentados pelas empresas sistemistas da Ford – cerca de 35 empresas, sendo
26 na planta – estão a pouca disponibilidade de mão de obra qualificada
e a insuficiência do mercado local para garantir uma escala de produção
mínima, capaz de atrair novos investimentos. Grosso modo, os resultados
apresentados pelo autor indicam que, seja pelo nível de sofisticação das ati-
vidades desenvolvidas na cadeia de fornecedores, pela debilidade da indús-
tria baiana, pela limitação na mão de obra, ou pela escala insuficiente para
atração de novos capitais, as vantagens locacionais do arranjo produtivo

182 Em direção a uma integração virtuosa


acabam sendo restringidas. Com isso, o Estado deixa de explorar todas as
possibilidades trazidas pelo CIFN.
De fato, a interação entre o CIFN e os demais setores da economia baia-
na carece de aprofundamento. Conforme indicam Lima e Spínola (2008), a
maior parte das 25 toneladas de componentes e artefatos plásticos deman-
dados pelo CIFN é adquirida de empresas de São Paulo e Minas Gerais, em
detrimento das empresas instaladas no Polo Petroquímico de Camaçari. Em
parte, a organização modular do complexo industrial automotivo implica
que as empresas sistemistas, e a própria matriz, possuam fornecedores cati-
vos nas regiões do País em que atuam há mais tempo. Todavia, dois outros
fatores que justificam a reduzida integração do CIFN aos produtores locais
de plásticos são mais relevantes, pois remetem diretamente à competitivi-
dade da economia baiana. São eles: a baixa capacitação da indústria esta-
dual para atender a demanda do complexo automotivo, cujo exemplo mais
imediato é a pouca adesão dessa indústria às normas de qualidade previstas
na certificação ISO 9000; e a inexistência de escala suficiente para a atração
de novas empresas produtoras de moldes e peças utilizadas no automóvel
(LIMA; SPÍNOLA, 2008). Esses resultados são semelhantes àqueles indica-
dos em Mercês (2005) e reforçam a necessidade de superação dos obstá-
culos estruturais da economia baiana para o adensamento de sua cadeia
produtiva.
Com relação à insuficiência de mão de obra qualificada, espera-se que
externalidades positivas do complexo automotivo, como treinamento de
pessoal e a formação de parcerias junto a entidades locais, a exemplo da
atual parceria entre a Ford e o Senai/BA,91 possam contribuir para a ele-
vação do nível técnico do trabalhador local. Há também, nas empresas
sistemistas, constante realização de programas de treinamento voltados à
gestão de qualidade, modernização organizacional ou técnicas gerenciais
avançadas, visando atender às normas e certificações exigidas pela monta-
dora (MERCÊS, 2005). Espera-se daí a geração de externalidades positivas
para outros setores do sistema produtivo baiano, em particular o fomento
a cultura empreendedora que valorize o papel das inovações. Todavia, a
presença de tais externalidades não assegura o resultado econômico dese-
jado, ou seja, a qualificação da mão de obra local e o exercício de práticas

91. Foi montado no município de Camaçari um projeto para qualificar profissionais para tra-
balharem no APL. Esse projeto conta com a participação das seguintes instituições: Senai/BA,
Ford Motor Company Ltda., governo federal, através do Fundo de Amparo ao Trabalhador
(FAT), governo do estado, através da Secretaria do Trabalho e Ação Social (SETRAS) e prefei-
tura municipal de Camaçari, através da Secretaria de Expansão Econômica. Segundo dados
fornecidos pelo Senai até julho de 2004, 28 turmas foram treinadas nos cursos de Operadores
Automotivos, Ferramenteiros, Manutencistas e Visão do Processo de Produção, totalizando
mais de cinco mil pessoas (MERCÊS, 2005, p. 90).

Em direção a uma integração virtuosa 183


inovativas e empreendedoras pelo empresariado baiano vão requerer novos
incentivos. O exemplo das sistemistas do CIFN pode ser ilustrativo. Tais em-
presas atribuem baixa importância a parcerias firmadas com universidades,
organizações voltadas para testes, institutos de pesquisas, centros de capa-
citação, representações de classe e órgãos de apoio e promoção e agentes
financeiros locais, em um indício dos limites que alcançam os efeitos exter-
nos provenientes das menores empresas deste empreendimento (MERCÊS,
2005). Em grande medida, o desapreço às parecerias citadas é decorrente
da própria liderança que a montadora norte-americana exerce sobre as de-
mais firmas do complexo, assumindo o papel preponderante nas inovações
técnicas e estímulos às inovações organizacionais. Em geral,

[...] os ganhos auferidos com os acordos estabelecidos entre


própria Ford e universidades, agentes financeiros, órgãos de
apoio e promoção, instituições de testes, ensaios e certifica-
ções, centros de capacitação profissional de assistência téc-
nica e de manutenção, que geram capacitações inovativas,
tecnológicas, de gestão, produtiva e de recursos humanos, são
transferidas pela montadora para as sistemistas que, assim, se
descomprometem, de certo modo, com tais iniciativas (MER-
CÊS, 2005, p. 110).

Não obstante, a qualificação do trabalhador e também a promoção de


uma cultura empresarial moderna podem ser aprofundadas caso as exter-
nalidades do CIFN sejam potencializadas. A cooperação entre empresas e
instituições cumpre o papel essencial de estimular o surgimento de inova-
ções. A perspectiva neo-schumpeteriana, em particular quando trata dos
Arranjos Produtivos Locais, tais como o CIFN, entende que a inovação, ain-
da que ocorra no interior da firma, é resultante de um processo sistêmico,
em geral, causado, mantido e influenciado por interações interempresas
e relações interinstitucionais, especialmente mediante contatos dentro de
redes de atores locais e regionais.
A debilidade da indústria baiana em alguns segmentos também pode-
ria ser atenuada pelas externalidades positivas do arranjo automotivo. Por
exemplo, Lima e Spínola (2008) incluem a resistência dos produtores locais
de plástico às normas e padrões exigidos pela Ford e certificações internacio-
nais, como um dos fatores que dificultam a integração do CIFN à indústria
do Polo Petroquímico. Por outro lado, as autoras já vislumbram, em algumas
firmas, iniciativas em prol do atendimento dos requisitos exigidos pela mon-
tadora norte-americana. O objetivo de entrar para o rol de fornecedores da
Ford pode induzir, portanto, uma estratégia mais agressiva, o que constitui
o primeiro sinal de um espírito mais empreendedor estimulado pela busca

184 Em direção a uma integração virtuosa


de competitividade. Obviamente, este evento isolado não constitui exemplo
de um renovado ethos capitalista local, mas alude a um empresariado local
capaz de responder com ações proativas e medidas práticas em face de um
regime de incentivos adequado. Todavia, a indução do adensamento da ca-
deia produtiva do Estado da Bahia não pode prescindir do fortalecimento
das micro e pequenas empresas baianas como fornecedoras de insumos para
a Ford. A articulação institucional das empresas do setor automotivo e do
Polo Petroquímico junto às entidades relacionadas ao comportamento ino-
vativo, aquelas que integram o chamado sistema estadual de inovação, ou
seja, universidades, centros de pesquisa e ensino técnico, representações de
classe etc.,92 requer atenção e estímulos do governo baiano.
De fato, em arranjos produtivos locais da indústria automotiva, a pre-
sença do setor público, seja através da articulação interinstitucional ou da
concessão de incentivos mais diretos, tem sido constante. Um exemplo é
o Programa de Política Industrial e de Comércio Exterior, do governo me-
xicano, vigente entre os anos 1995 e 2000. O programa dedicava atenção
especial às micro e pequenas empresas fornecedoras de insumos e prioriza-
va a agregação de valor às exportações nacionais. Uma de suas principais
medidas, nesse caso, consistia em facilitar o acesso ao crédito pelas empre-
sas, articulando acordos entre a Nacional Financeira e as pequenas e mi-
croempresas. Outro exemplo da articulação realizada pelo setor público é
o programa Centro-Satélites (CS), do governo de Taiwan, cujo objetivo era
estimular a cooperação entre grandes firmas, chamadas Centros, incluindo
fornecedoras de matérias-primas, montadoras e companhias de comércio,
e pequenas unidades, ditas Satélites, basicamente fornecedoras de com-
ponentes. Em cada arranjo CS, as grandes firmas se responsabilizam pela
coordenação, monitoramento e modernização das pequenas firmas. Como
estímulo à cooperação, o governo oferecia apoio financeiro e assistência
técnica. Para as pequenas empresas, entre os principais benefícios estão
a maior segurança de mercado e o acesso facilitado a matérias-primas e
novas tecnologias. Para as grandes empresas há vantagens pela redução de
custos, em função dos menores salários pagos pelas firmas pequenas, uso
das Satélites como proteção contra flutuações na demanda e a menor neces-
sidade de investimentos, em consequência da terceirização de atividades.
No Brasil, também há uma série de incentivos à indústria automotiva. O
exemplo mais evidente é a isenção fiscal, expediente largamente utilizado
na elaboração do chamado Regime Automotivo. Esse pacote de isenções, do
governo federal, estabelece desde a redução de impostos sobre a produção,
como o Imposto sobre Produtos Industrializados, e tarifas de importação

92. Uma descrição pormenorizada da infraestrutura do arranjo produtivo do CIFN e das insti-
tuições do sistema estadual de inovação pode ser encontrada em Merces (2005).

Em direção a uma integração virtuosa 185


de autopeças e bens de capital, a taxas de frete da Marinha Mercante, ou a
redução do Imposto sobre Operações Financeiras nas transações cambiais
para o pagamento de bens importados. Estados e municípios também con-
cedem incentivos fiscais, além de obras de infraestrutura e concessões de
créditos (NAJBERG; PUGA, 2003).
Outro desafio colocado à economia baiana diz respeito a sua diminuta
capacidade de atração de novos investimentos, sobretudo em setores de
produção de bens finais, necessários à diversificação da cadeia produtiva
local. Em resumo, há três alternativas básicas de crescimento. Na primei-
ra, a substituição de importações, os investimentos são induzidos pela in-
ternalização de segmentos produtivos quando a capacidade de importar é
restringida. Nesse caso, os mercados preexistentes são os responsáveis por
capitanear as decisões de investimento. A segunda alternativa remete ao
drive exportador, aqui a competitividade das exportações permite o alcance
continuado de mercados adicionais, donde advêm as decisões de investi-
mento. A terceira forma de crescimento é através do ciclo endógeno, nesse
caso os investimentos promovem o crescimento do mercado doméstico, de
modo autônomo ou pelas relações intraindustriais, e daí surgem os impul-
sos a novos investimentos. Ou seja, aqui, as decisões de gastos dos capitalis-
tas e do Estado ao criarem mercados ocasionam a ampliação da capacidade
produtiva (CARNEIRO, 2002). Na Bahia, a baixa atração de investimentos
pode ser atribuída à reduzida capacidade de absorção do mercado e indús-
tria locais, bem como, a fatores institucionais e limitações na de mão de
obra: “[...] pelas evidências disponíveis, a industrialização baiana não foi
capaz de gerar uma capacidade empresarial local, capaz de aproveitar as
oportunidades que as grandes empresas abriam ao se implantarem na re-
gião” (TEIXEIRA; GUERRA, 2000, p. 96). A Bahia vive a condição incômoda
de não se beneficiar plenamente do drive exportador, pelo baixo valor agre-
gado de suas vendas e exportações, e pelo caráter incompleto de sua cadeia
produtiva, fortemente concentrada na produção de bens intermediários.
O estado também não possui um mercado local suficiente para garantir a
escala de produção e a indução de investimentos adicionais, e ainda dispõe
de um empresariado conservador e avesso ao risco.
As inovações podem ser decisivas para a competitividade da firma, a rigor,
na abordagem neo-schumpeteriana, são o elemento indutor da própria dinâ-
mica sistêmica da economia capitalista. Os ensaios empíricos, embora não
conclusivos, já trazem sinais que coadunam com esta proposta. Por exemplo,
De Negri e Freitas (2005) apresentam indícios de que as firmas brasileiras
mais propensas à inovação têm melhor inserção externa; e mesmo o número
de empresas brasileiras exportadoras pode ser aumentado em função desta
variável. No caso particular da indústria baiana, o comportamento inovativo

186 Em direção a uma integração virtuosa


ainda é bastante incipiente. Uma simples visita aos dados da Pintec confirma
esta fragilidade, como apontado por Nascimento (2007).
No CIFN, é a montadora norte-americana que comanda os processos
de inovação. Já em 2003, a empresa demonstrava a importância que as
atividades inovativas teriam em sua planta de produção na Bahia. Naquele
ano, quase 300 engenheiros foram transferidos para o estado, um ganho
expressivo de massa crítica. Já as empresas sistemistas, em sua maioria, não
possuem departamentos exclusivos para Pesquisa e Desenvolvimento e rea-
lizam inovações autônomas esporadicamente, em geral, apenas seguem as
determinações da montadora quanto às modificações desejadas nas peças e
componentes (MERCÊS, 2005). Não obstante, as empresas sistemistas en-
treveem a possibilidade de fornecer localmente mais insumos, peças, com-
ponentes e serviços, necessitando, para tanto, de articulação institucional e
atração de novos investimentos. Em geral, o desenvolvimento de produtos e
processos nas empresas fornecedoras da cadeia automotiva resulta, no caso
das peças e componentes metálicos, principalmente, das especificações téc-
nicas indicadas pela montadora. No caso das peças e produtos eletrôni-
cos, a tecnologia é dominada pelas fornecedoras, que desenvolvem novos
produtos e processos em parceria com a montadora. Já as fornecedoras
de componentes poliméricos talvez estejam em uma situação intermediária
(CERRA et al., 2007).
O adensamento da cadeia produtiva da economia baiana, a partir do es-
tímulo gerado pela instalação do CIFN, deve contar com a atuação do setor
público – a atração da Ford, por exemplo, contou com a atuação enérgica
do governo baiano. O fomento a uma cultura mais agressiva e inovadora
do empresariado local, como demonstra a história, não virá sem um regime
de incentivos adequado, tampouco sem que os desafios estruturais sejam
superados. Sobre este último aspecto, mas também relacionado às inova-
ções no CIFN, está a elaboração de uma capacidade logística no estado,
aumentando as sinergias do complexo automotivo e explorando de modo
mais intenso seus efeitos sobre os demais setores da economia.
A aglomeração de fornecedores vem se mostrando uma solução compe-
titiva para a cadeia produtiva da indústria automotiva. Entre os seus princi-
pais benefícios estão as vantagens logísticas no transporte e administração
de estoques e, ainda, redução no prazo de entrega de peças e componentes.
Ademais, existe a possibilidade de “maximizar” a competitividade gerencial
de toda a cadeia produtiva, através do estabelecimento de relações coope-
rativas e de confiança entre os seus participantes (GUARNIERI et al., 2006).
Entretanto, para melhor aproveitar as vantagens locacionais que o APL da
Ford Nordeste dispõe, são necessários investimentos na capacidade logísti-
ca do Estado da Bahia. Hori (2003) argumenta que mesmo a instalação do

Em direção a uma integração virtuosa 187


CIFN, em Camaçari, em detrimento da cidade de Feira de Santana, foi uma
decisão fundamentada no potencial logístico da primeira e na perspectiva
de atuação da empresa no mercado global, não se limitando ao mercado
interno ou regional. Nesse caso, justificava-se a escolha, de Camaçari, pela
maior proximidade do porto da Bahia de Todos os Santos.
Um desenho logístico eficiente poderia atrair para o estado novos inves-
timentos, sejam voltados ao mercado interno, regional ou internacional. O
potencial de exportação, e a presença de um setor intensivo em capital e
tecnologia, cuja cadeia produtiva é complexa e causa significativas externa-
lidades, faria com que o Estado da Bahia, desde que detentor de vantagens
competitivas, claramente sob o aspecto logístico, usufruísse do drive expor-
tador para a atração de novos capitais – em particular aqueles que comple-
mentariam sua cadeia produtiva e agregariam valor às suas exportações.
Em que pese os constrangimentos apontados, cabe destacar, na busca
pelo maior adensamento da cadeia produtiva baiana a partir do CIFN, a
relevância da atuação do governo do estado, que, através da Secretaria de
Ciência, Tecnologia e Inovação (SECTI), vem desenvolvendo ações efetivas
de políticas públicas junto a Ford, sistemistas, fornecedores locais (efetivos
e potenciais) e demais agentes locais relevantes (Sebrae; Senai/Cimatec;
Seplan/SICM; FIEB/IEL; dentre outros). Resumidamente, pode-se afirmar
que o governo do estado assumiu o papel de coordenador dos diversos
agentes relevantes ligados direta ou indiretamente ao CIFN, orientando o
desenvolvimento das ações com base nas suas demandas; identificadas pela
própria Secti. São exemplos de ações institucionais desenvolvidas: Projeto
baianização (Ford/Sistemistas); Programa de Qualificação de Fornecedores
(FIEB/IEL); Planejamento e Fortalecimento Industrial (Seplan/SICM); Pro-
jeto Vínculos (GTZ; Unctad; FDC; IEL); Cursos de Capacitação Empresarial
(Sebrae); Projeto PPP (GTZ; Senai/Cimatec); e Empresa Competitiva Bahia
(Secti/BID). Dentre os resultados mais significativos, o aumento do grau
de “baianização”93 dos fornecedores de bens e serviços para a Ford e seus
sistemistas; segundo informações da Secti.

5.2. Valorização dos setores intensivos em recursos


Em um quadro de abertura externa de desenho de novas formas institu-
cionais de políticas regulatórias setoriais e horizontais, como a defesa da
concorrência, é necessário fortalecer os incentivos a concorrência e a in-

93. Significa dizer que houve aumento no número de empresas localizadas na Bahia que forne-
cem bens e serviços para a Ford e seus sistemistas; deslocando fornecedores de outros estados
da federação, em grande parte localizados no Sul e Sudeste.

188 Em direção a uma integração virtuosa


trodução e difusão de inovações. Trata-se de compatibilizar os incentivos e
restrições macroeconômicas e microeconômicas focalizando-os para a efi-
ciência econômica em um ambiente competitivo para as empresas. A ênfa-
se, contudo, é numa gestão seletiva e flexível dos instrumentos de política
pública. O ponto central é que as indústrias intensivas em recursos também
têm sido rejuvenescidas através da adoção de novas tecnologias. Certamen-
te este fator deve fazer parte da explicação do êxito recente da economia
chilena. As Tabelas A3, A4 e A5, em apêndice, apresentam a evolução de
alguns indicadores relativos à economia do Chile e da Bahia.
É claro que no caso em pauta (Chile e Bahia) trata-se de duas unidades
de análise diferenciadas quanto ao seu estatuto jurídico-político, um país e
uma unidade de uma Federação. De início, a Bahia sofre o “custo Brasil” e
o Chile não. A autonomia da Bahia está submetida ao disposto no arranjo
federativo e o Chile é um Estado unitário. As “histórias” que importam nas
trajetórias adiante estão, portanto, condicionadas por traços de dependên-
cias do caminho, específicos e localizados, entre outros fatores que se po-
deria apontar. A Bahia parece estar, frente ao Chile, e aos valores do PIB e
comércio internacional que este apresenta, 10 anos atrasada.
O que mais chama a atenção é que os dados apresentados na Tabela A5
não permitem que se atribua as diferenças gritantes entre os indicadores
transcritos nas Tabelas A3 e A4 à origem setorial dos produtos que com-
põem a pauta do comércio exterior dessas economias. O Chile é um país
exportador de commodities baseadas em recursos naturais. Então, quais são
os fatores responsáveis pelas diferenças de produtividade induzidas dos da-
dos apresentados nas tabelas a que fazemos referência? Talvez a difusão
de tecnologia, educação e treinamento da mão de obra, e, possivelmente,
a abertura da economia nos anos 1970 e sua conversão em uma economia
dinâmica, nos anos 1980, apoiada na exportação de recursos naturais e
produtos agrícolas sofisticados, corretamente acondicionados, preparados
sob medida para o cliente. Além disso, o custo do transporte marítimo, o
frete, diminui com o aumento da corrente de comércio (exportações e im-
portações). Para a Bahia o custo do frete é mais caro porque o fluxo global
é reduzido. É a interdependência que torna a especialização de alta produ-
tividade possível.
Ademais, o estado poderia se beneficiar do potencial que a economia
brasileira exibe na geração de inovações associadas aos recursos naturais,
energia e agricultura. Nos termos de Kirsten Bound (2008), o país poderá
tornar-se uma economia do conhecimento natural. Esta autora realizou uma
pesquisa extensiva sobre os insumos e resultados da ciência e inovação no
Brasil. Seu trabalho foi baseado em mais de 100 entrevistas com policy-
makers, empresários, cientistas e economistas em sete grandes capitais bra-

Em direção a uma integração virtuosa 189


sileiras, além da revisão da literatura pertinente. No seu entendimento, o
Brasil pode escrever uma nova estória da inovação nacional, com o meio
ambiente e recursos naturais no centro da discussão. São exemplos desse
potencial: a produção de biocombustível; as pesquisas baseadas na biodi-
versidade aplicadas aos fármacos, fitoterápicos, indústria de cosméticos e
indústria alimentícia; a nanotecnologia que serve principalmente aos seto-
res aeroespacial, químico, têxtil e cosmético; e as pesquisas com células-
tronco.
Na Bahia, há oportunidades evidentes como o aproveitamento do in-
centivo de mercado dado pela produção de biodiesel para a reativação da
produção de mamona. Entretanto, o aproveitamento do potencial para a
produção de biodiesel demanda a formação de redes de fornecedores cres-
centemente tecnificados e o estabelecimento de contratos de médio e longo
prazos, que permitam, antecipadamente, evitar que intermediários conde-
nem o cultivo ao círculo vicioso de baixo preço/baixa tecnificação que hoje
marcam o cultivo.
Outras possibilidades emergem das regiões em que o empreendendo-
rismo criou as bases de uma nova atividade no estado. Até pela velocidade
em que as atividades econômicas foram implementadas, carecem de in-
fraestrutura, redes de difusão de conhecimento tecnológico e de vigilân-
cia sanitária e de mecanismos de inserção produtiva que a coloquem em
mesmo nível para competir com as regiões já estabelecidas (e altamente
capacitadas). Nestes casos, se nada é feito, a atividade insere-se de forma
marginal no cenário nacional e internacional, sendo a região a primeira
a ser expulsa quando os preços estiverem baixos no mercado – caso da
produção de grãos no Oeste do estado. Pode-se incluir, aqui, também a
produção de frutas e a agricultura irrigada em Juazeiro. O caso do cultivo
do café difere apenas pelo fato de estar localizado em regiões mais pró-
ximas às vias de escoamento do produto. Todavia, encontra limitações à
sua expansão futura na situação das estradas e do porto utilizado para o
escoamento do produto.
Finalmente, há que se contornar os conflitos decorrentes dos investi-
mentos realizados em papel e celulose no Sul da Bahia, derivados em parte
das características de monocultura e enclave do plantio do eucalipto de
fibra curta, mas também pela importância de grupos cuja missão é ques-
tionar o agronegócio para propor como alternativa a pequena produção
familiar. Trata-se de uma situação curiosa, em que apesar de existir inserção
internacional, capacidade empresarial e demanda pelo produto, há a opo-
sição de grupos locais. Neste caso, a diretriz principal é implantar sistemas
que motivem a geração de externalidades sociais por parte desses empre-
endimentos.

190 Em direção a uma integração virtuosa


Considerações finais
Os instrumentos de política pública devem ser capazes de promover a difu-
são de inovações tecnológicas e o aprimoramento das capacitações locais,
entre elas o aprendizado comercial. Assim, estes instrumentos devem ser
concebidos para ampliar e potencializar a competitividade, contribuindo
para a dinâmica de substituição de produtos, processos e formas de gestão,
em razão das inovações tecnológicas, atentando para o que Schumpeter
cunhou como “destruição criativa”. Não é razoável prescindir da criação de
mecanismos institucionais transversais para a coordenação da ação pública
orientada para a implementação de instrumentos que visem ao incremento
da concorrência nos mercados, superação de falhas de mercado e coopera-
ção interfirmas, fomentando o aumento de produtividade e competitivida-
de da economia local.
O Estado da Bahia deve induzir, atuar na promoção e estruturar uma
nova forma de inserção produtiva, que inclusive crie nova dependência. No
sentido atual, depender quer dizer participar, estar integrado aos crescentes
fluxos de comércio e investimentos mundiais. Para tanto, deve centralizar
seus esforços sistêmicos na montagem de uma rede de comunicações, logís-
tica, educação e treinamento da sua população.
A questão, do ponto de vista de uma mais promissora articulação inter-
na e acelerada inserção externa, passa necessariamente pela organização e
montagem das condições sistêmicas enunciadas e por uma grande ênfase
no papel do planejamento do sistema de apoio apontado. Nesta perspectiva,
o planejamento econômico deve focalizar segmentos fornecedores de exter-
nalidades fundamentais para o avanço do investimento privado nacional e
internacional na economia do estado. Estas externalidades são adicionadas
e realizadas em sequências antecipáveis pelo gestor público e, portanto,
passíveis de coordenação através do planejamento.
Por fim, o que fazer para estimular as estratégias de localização, no caso
da grande empresa industrial, pública ou privada, que porventura queira
desenvolver atividades na Bahia? Nestes casos, além da infraestrutura em
logística, treinamento e comunicações, o governo estadual deve identifi-
car as possíveis entrantes na economia baiana, estimar suas necessidades
quanto ao cada vez mais limitado apoio público e, obtendo sucesso, tentar
impulsionar a qualidade dos fornecedores locais. Como se sabe, a entrada
de uma empresa de grande porte, nacional ou internacional, resulta da
necessária articulação e compatibilidade entre as políticas do estado e os
objetivos estratégicos das mesmas. Afinal, poderia ser diferente?

Em direção a uma integração virtuosa 191


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192 Em direção a uma integração virtuosa


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Em direção a uma integração virtuosa 193


Apêndices

Tabela A1 – Bahia: segmentos exportadores por porte de empresa – 2005*


Grandes Médias Pequenas Número de empre-
Segmentos exportadores
empresas empresas empresas sas por segmento
Derivados de petróleo 6 2 8
Químicos e Petroquímicos 21 8 6 35
Plásticos e suas obras 11 8 1 20
Automotivo 2 2
Metalúrgicos 4 6 1 11
Celulose e Papel 5 1 6
Soja, mamona e derivados 4 1 3 8
Cacau e derivados 3 1 3 7
Minerais 4 11 31 46
Frutas e suas preparações 1 20 31 52
Algodão 9 28 37
Café e especiarias 10 11 21
Couros e Peles 3 3 3 9
Móveis e semelhantes 2 2 5 9
Sisal e derivados 16 1 17
Calçados e suas partes 1 7 2 10
Borracha e suas obras 4 1 5
Máquinas, aparelhos e
4 14 5 23
materiais elétricos
Fumo e derivados 5 6 11
Pesca e aqüicultura 3 4 7
Outros comestíveis 1 4 8 13
Bebidas, líquidos alcoó-
1 4 5
licos
Outros 9 11 50 70
Total de empresas 85 143 204 432
Fonte: Promo; Sefaz.
*De acordo com critérios estabelecidos pela Secretaria da Fazenda do Estado da Bahia
(SEFAZ). As grandes empresas são aquelas com faturamento igual ou maior que R$
2,4 milhões em 2005; as médias, maior que R$ 360 mil e menor que R$ 2,4 milhões;
pequenas, abaixo de R$ 360 mil.

Tabela A2 – Bahia: principais empresas exportadoras em 2005.


Valor exportado
Empresa Categoria de produtos Part. %
(US$ 1000 FOB)
Petróleo Brasileiro SA – Pe-
derivados de petróleo 1,392,064 23.25
trobras
Ford Motor Company do
automóveis 865,039 14.45
Brasil Ltda
Braskem SA químicos e petroquímicos 509,880 8.52
Caraíbas Metais SA cobre 410,267 6.85
Bunge Alimentos SA grãos de soja 275,205 4.60

194 Em direção a uma integração virtuosa


Valor exportado
Empresa Categoria de produtos Part. %
(US$ 1000 FOB)
celulose/pasta quimica de
Bahia Sul Celulose SA 254,036 4.24
madeira
Cargill Agrícola SA grãos de soja 143,401 2.39
Veracel Celulose SA celulose/madeiras em bruto 118,245 1.97
Dow Brasil Nordeste Ltda químicos/soda 96,446 1.61
minérios de ferro não aglo-
Gerdau Açominas SA 96,402 1.61
merados
Oxiteno Nordeste SA Indústria químicos/etilenoglicol
92,719 1.55
e Comércio (etanodiol)
químicos/ácido fosfonome-
Monsanto Nordeste SA 81,086 1.35
tilminodiacetico
Politeno Indústria e Comércio
petroquímicos/polietileno 80,145 1.34
SA
minérios de manganês
Rio Doce Manganês SA 70,739 1.18
aglomerados
Joanes Industrial SA pasta de cacau 67,323 1.12
Barry Callebaut Brasil SA
pasta de cacau 66,417 1.11
(Chadler)
celulose/pasta química de
Bahia Pulp SA 57,743 0.96
madeira
Polialden Petroquímica SA petroquímicos/polietileno 49,503 0.83
Petroquímica União SA químicos e petroquímicos 49,303 0.82
Mastrotto Reichert SA couros e peles 48,806 0.82
Demais empresas 1,162,975 19.42
Total 5,987,744 100.00
Fonte: Promo; Sefaz.

Tabela A3 – Chile: contas nacionais, população e balança comercial.


ções – US$

ções – US$
População

Comercial
em 1.000

Saldo da
PIB total
– milhão

Exporta-

Importa-

Balança
milhões

milhões
capita –
PIB per

FOB
hab.
Ano

US$

US$

CIF

2005 115.295,100 16,266 7.088,000 39.536,100 30.300,100 9.236,000


2004 94.997,500 16,247 5.847,000 32.024,900 23.005,800 9.019,100
2003 73.682,490 15,990 4.608,000 21.523,600 18.001,700 3.521,900
2002 67.236,130 15,746 4.270,000 18.179,800 15.794,200 2.385,600
2001 68.623,410 15,571 4.407,000 18.271,800 16.428,300 1.843,500
2000 75.297,050 15,398 4.890,000 19.210,200 17.091,400 2.118,800
1999 72.978,070 15,197 4.802,000 17.162,300 14.735,100 2.427,200
1998 79.368,420 14,998 5.292,000 16.322,800 18.363,100 -2.040,300
1997 82.820,840 14,797 5.597,000 17.870,200 19.297,800 -1.427,600
1996 75.778,200 14,595 5.192,000 16.626,800 17.698,700 -1.071,900
1995 65.214,290 14,396 4.530,000 16.039,000 15.914,100 124,900
1994 50.910,610 14,154 3.597,000 11.604,000 11.824,600 -220,600
Fonte: Banco Central do Chile; Cepal.

Em direção a uma integração virtuosa 195


Tabela A4 – Bahia: conta estadual, população e balança comercial.

PIB per capita


em 1.000 hab.

milhões FOB

milhões FOB
milhão US$*

Balança Co-
ções – US$

ções – US$
População
PIB total –

correntes

correntes
– valores

– valores

Saldo da
Exporta-

Importa-

mercial
Ano

2005 45.589,274 13,806 3.302,104 5.988,000 3.311,000 2.677,000


2004 41.266,469 13,687 3.014,994 4.063,000 3.021,000 1.042,000
2003 34.237,945 13,551 2.526,603 3.259,000 1.945,000 1.314,000
2002 29.060,717 13,415 2.166,251 2.410,000 1.878,000 532,000
2001 24.449,846 13,281 1.840,996 2.120,000 2.274,000 -154,000
2000 22.553,661 13,148 1.715,402 1.943,000 2.242,000 -299,000
1999 19.672,489 13,016 1.511,463 1.581,000 1.469,000 112,000
1998 18.137,153 12,885 1.407,659 1.829,000 1.500,000 329,000
1997 17.323,777 12,755 1.358,169 1.868,000 1.590,000 278,000
1996 15.437,297 12,627 1.222,593 1.846,000 1.343,000 503,000
1995 12.526,472 12,499 1.002,233 1.919,000 1.208,000 711,000
1994 7.006,301 12,371 566,364 1.721,000 753,000 968,000
Fonte: SEI; Promo.

Tabela A5 – Exportações chilenas – principais segmentos 2004-2005.


Valores (US$ 1.000 FOB)
Segmentos Variação % Part. %
2004 2005
Minerais 16.656 22.588 35,62 58,20
Agropecuário-sivícula e pesqueiro 2.346 2.459 4,83 6,34
Alimentos industrializados 4.018 4.766 18,61 12,28
Móveis, madeira e semelhantes 1.732 1.810 4,54 4,66
Bebidas e tabaco 888 936 5,41 2,41
Papel e celulose 1.230 1.612 31,05 4,15
Químicos e petroquímicos 2.119 2.838 33,95 7,31
Metalúrgicos 512 642 25,37 1,66
Máquinas, aparelhos e materiais
651 872 33,90 2,25
elétricos
Demais segmentos 273 290 6,31 0,75
Zona franca 834 847 1,55 2,18
Total 30.425 38.814 27,58 100,00
Fonte: Banco Central do Chile; Cepal.

196 Em direção a uma integração virtuosa


Reestruturação da indústria de calçados
na região Nordeste nas décadas 1990/00

Carlos Américo Leite Moreira


Inez Silvia Batista Castro

1. Introdução
Em nível mundial, a atividade calçadista é concentrada tanto em termos de
mercados consumidores quanto em países que abrigam as plantas produto-
ras. Estados Unidos com 2.241,9 milhões de pares anuais, China (2.096,5
milhões), Japão (650,3 milhões) e Brasil (555 milhões) são os maiores
mercados consumidores mundiais, consoante dados de 2005 (SATRA...,
2008).94 Sendo uma atividade intensiva em trabalho a produção acabou se
localizando em países em desenvolvimento, com grande oferta de mão de
obra, como a China (nove bilhões de pares/ano), a Índia (909 milhões) o
Brasil (762 milhões), a Indonésia (580 milhões) e o Vietnã (525 milhões).
Dentre os maiores exportadores, há países industrializados como a Itá-
lia, que conseguiu se consolidar como vendedora de calçados de elevado
padrão de qualidade e grande diferenciação do produto, voltados para a po-
pulação de alta renda. Dentre as marcas italianas conhecidas, pode-se men-
cionar: Sergio Rossi, Testoni, Pollini, Casadei, Giovanni Martini, Giuseppe
Zanotti, Prada e Gucci. A China (6.914 milhões de pares/ano) é também
o maior exportador mundial de calçados seguida por Hong Kong (741 mi-
lhões), Vietnã (472,7 milhões), Itália (249 milhões) e Brasil (217 milhões).
Uma das metas traçadas pela Política de Desenvolvimento Produtivo Nacio-
nal é tornar o Brasil o terceiro maior exportador mundial.
A atividade calçadista no Brasil, representava (em 2006) 4,6% (BRASIL,
1991-2006) dos empregos formais da indústria de transformação e 1,6%95
do valor da transformação industrial, o que denota o caráter intensivo em
trabalho. Até a década de 1980, a indústria calçadista nacional concentra-

94. Dado estimado.


95. Estes valores foram obtidos a partir da Pesquisa Industrial Mensal – Produção Física (PIM-
PF). Esta fonte não analisa separadamente a indústria calçadista, logo, os dados que podem ser
comparados com os valores adicionados da indústria geral ou de transformação são aqueles
indicados pela rubrica “couros e calçados”.

Reestruturação da indústria de calçados na região Nordeste nas décadas 1990/00 197


va-se nas regiões Sul e Sudeste. Dados do Inquérito Industrial (1907) e
dos Censos Industriais de 1920, 1960, 1970 e 1975 revelam que estas duas
regiões contaram com, no mínimo, 68,9% do número de estabelecimentos
e 86,5% do pessoal ocupado da referida indústria. Inicialmente este ramo
industrial se concentrou na região Sudeste, de onde, gradualmente se mo-
veu para o Sul, quer em virtude das crescentes exportações do Rio Grande
do Sul, quer pela perda de competitividade no mercado interno de São
Paulo e Rio de Janeiro, onde durante todo o século XX, concentraram-se as
maiores médias salariais do setor. Assim, até os anos 1980, os empregos e
produção aglomeram-se no interior dos estados do Rio Grande do Sul (Vale
dos Sinos), São Paulo (Franca, Birigui e Jaú), Minas Gerais (Nova Serrana,
Uberaba), Espírito Santo (Cachoeiro do Itapemirim) e Santa Catarina (São
João Batista, Aranguá) (COSTANZI, 1999).
A partir da década de 1990 e até 2007, a indústria de calçados e couros
nacional96 apresentou taxas de crescimento inferiores às da indústria de
transformação. Também denota a perda de competitividade do setor, em
nível nacional, o fato deste não acompanhar o considerável crescimento das
exportações totais do País.
Dessa forma, a exemplo do movimento de relocalização do setor em ní-
vel mundial, processou-se movimento semelhante, em nível nacional, com
o setor se transferindo para o Nordeste a partir da década de 1990, impul-
sionado pela oferta de mão de obra mais barata, em um cenário de perda
de competitividade internacional. A relocalização parece ter produzido re-
sultados em termos de ganho de competitividade para as empresas situadas
no Nordeste.
O comportamento da atividade calçadista no Nordeste entre 2000 e
2007, sua distinção do desempenho do resto do País e sua atuação no mer-
cado exterior são o objeto de estudo deste artigo. Para seu desenvolvimen-
to, este trabalho terá quatro partes, além desta introdução. Na primeira
parte, serão expostas as teses de (re)localização industrial. Tece-se a hipóte-
se de que a cadeia calçadista é um exemplo de filière internacional dirigida
pela distribuição. Partindo deste princípio, investiga-se, na segunda parte, o
comportamento dos preços destes produtos no comércio internacional.
Na terceira parte examinam-se os custos de produção do setor, anali-
sando o comportamento dos salários e da produtividade do trabalho entre
2002 e 2007. Na quarta parte há as considerações finais na qual se analisa
até que ponto o setor calçadista nordestino tem uma estratégia de concor-
rência alicerçada no preço.

96. Tanto a Pesquisa Industrial Mensal como a Pesquisa Industrial Anual do IBGE não relatam
dados em separado para a atividade de calçados. Esta se encontra agregada na atividade “cal-
çados e artigos de couro”.

198 Reestruturação da indústria de calçados na região Nordeste nas décadas 1990/00


2. Estratégias de concorrência internacional e (re)localização
industrial
A crise do fordismo e a intensificação da concorrência internacional produ-
ziram mudanças significativas na organização da produção e nas caracterís-
ticas da demanda. Uma nova configuração da concorrência se delineia ba-
seada principalmente em critérios de “diferenciação da oferta, da inovação,
da qualidade e da variedade dos bens e serviços”. A introdução de novas
tecnologias de informação engendrou transformações substanciais no sis-
tema produtivo, ao permitir, por um lado, a redução dos custos de mão de
obra pouco qualificada no total dos custos de produção e, por outro lado, a
obtenção de economia de variedade, ou seja, a possibilidade de decompor
o produto em diferentes modelos e variedades sem incorrer em custos irre-
cuperáveis de capital.
Nesse contexto, o conhecimento assume um papel estratégico e a manu-
tenção de vantagens concorrenciais em longo prazo exige cada vez mais a
criação de ativos intangíveis tais como know how e aprendizagem. Ademais,
a existência de mercados mais reativos e versáteis requer uma aproximação
das atividades de produção dos locais de consumo assim como novas for-
mas de produção mais adaptadas às especificidades da demanda.
Esses fenômenos de inversão de diferencial de custos devidos notada-
mente à automatização dos processos de produção, às restrições de flexibi-
lidade da produção e à proximidade entre a produção e o mercado limitam
as operações de implantação de firmas multinacionais em direção aos paí-
ses periféricos (MOREIRA; MELO, 2003).
O impacto dessas transformações no critério de localização foi desta-
cado por alguns autores. De acordo com Mouhoud e Moati (2000, 2005),
a redução dos custos de transação possível em função do progresso nos
transportes e das tecnologias de informação e comunicação foi crucial para
a maior internacionalização das firmas, que se encontram atualmente mais
livres para explorar as opções de vantagens de localização ofertadas pelos
territórios em nível mundial. Entretanto, a essa força centrípeta se opõe um
movimento de polarização das atividades econômicas que beneficia essen-
cialmente as regiões desenvolvidas.
Mouhoud e Moati (2000, 2005) formulam a hipótese de que o desenvol-
vimento de uma economia baseada no conhecimento se acompanha de uma
“divisão cognitiva do trabalho” em oposição à “divisão técnica do trabalho”,
colocando em cheque o processo de espacialização da produção em mas-
sa. Enquanto na divisão técnica do trabalho, a firma localiza os diferentes
segmentos do processo de produção seguindo a lógica de minimização de
custos; na divisão cognitiva de trabalho, ocorre a fragmentação do processo

Reestruturação da indústria de calçados na região Nordeste nas décadas 1990/00 199


de produção em blocos de conhecimento homogêneos97 e a especialização
das firmas de acordo com suas competências.
Em consequência, uma nova concepção de atratividade se impõe. A neces-
sidade de adquirir competências (mão de obra com qualificações específicas,
a presença de instituições de pesquisa especializadas) passa a ser um critério
decisivo na determinação da localização das firmas. Passa-se de uma lógica
técnica e de rendimento para uma lógica de competência e aprendizagem
visando à criação e o desenvolvimento de recursos específicos. Os países/
regiões onde as vantagens não se reduzem à disponibilidade de fatores gené-
ricos (mão de obra não qualificada e recursos naturais), mas que são capazes
de obter blocos de conhecimentos requeridos à divisão das tarefas no interior
das firmas ou entre firmas concentrarão os investimentos.
De acordo com Delapierre (1995), as estratégias de localização fogem
de restrições tais como a disponibilidade de capital e recursos naturais e
passam a ser direcionadas prioritariamente a favor de condições que permi-
tam a aquisição e exploração dos conhecimentos. Esse processo contínuo de
inovação/crescimento produz um aumento das operações de relocalização
de firmas em direção a países que dispõem de fatores competitivos.
Contrapondo-se a essa tese de relocalização, Sachwald (1996) procura
destacar que os critérios de localização das grandes empresas obedecem a
restrições vinculadas a sua performance em nível mundial. As firmas locali-
zam suas atividades levando em consideração tanto os custos de produção
quanto os elementos relacionados a competitividade extra preço. Para um
mesmo setor, estratégias visando à minimização de custos ou privilegiando
a diferenciação dos produtos são susceptíveis de se implementar. É nesse
contexto que se constata a reintegração de certos países/regiões na organi-
zação global das grandes firmas nacionais e/ou estrangeiras.
Essa reintegração se observa na medida em que essas regiões em ques-
tão revelaram-se aptas a adotar novas modalidades técnicas e organiza-
cionais idênticas às existentes em países/regiões desenvolvidos. Ou seja, a
reintegração deve ser entendida como um processo de homogeneização de
novas modalidades técnicas e organizacionais, possível em um contexto de
liberalização comercial e estabilização monetária, assim como uma forma
de se beneficiar das disparidades nacionais (MOREIRA, 2000).

97. Um conjunto de conhecimentos vinculados a um mesmo corpo científico e técnico. Es-


ses conhecimentos são submetidos a uma dinâmica de evolução comum, impulsionada por
uma atividade de pesquisa e de transformação das inovações em novos conhecimentos e obe-
decendo a certas heurísticas compartilhadas por uma comunidade de especialistas (MOATI;
MOUHOUD, 1994).
Não se trata mais de arbitrar entre a introdução de novas tecnologias
nos países/regiões desenvolvidos e o descolamento de unidades de produção
nos países portadores de vantagens de localização clássicas. A maior abertu-
ra comercial permitiu às grandes empresas presentes em regiões periféricas
a modernização mediante investimento em novas tecnologias de produção.
Como afirma Pottier (1996, 2003), as grandes firmas nacionais e estrangei-
ras foram capazes de combinar a produção em massa e a produção flexível.
Esse arranjo permitiu a realização em países/regiões em desenvolvimento de
uma produção em massa de mercadorias de low market, em que prevalece a
competitividade via preço.
Na avaliação do autor, para entender o papel ainda importante das es-
tratégias de minimização de custos, é preciso analisar a concorrência entre
firmas e não entre países. Diante da intensificação da concorrência em nível
mundial, as firmas dos países/regiões desenvolvidas procuram fortalecer
sua competitividade se apoiando cada vez mais nos países de baixos salá-
rios. É verdade que a concorrência preço não assume grande importância
para os novos produtos direcionados a mercados de consumidores de alta
renda. Porém, dificilmente a firma se especializará apenas nesses produtos
e deixará de produzir bens de low e middle market.
Nessa mesma linha, Giraud (1996) afirma que a convergência tecnoló-
gica entre os países desenvolvidos provocou um forte aumento da concor-
rência. Nesse processo, o nível relativo de salários tornou-se um parâmetro
crucial de competitividade desses países, já que a mundialização da produ-
ção das firmas limitou a intervenção do Estado nos mercados de trabalho
nacionais.
A importância das estratégias de minimização de custos engendrou um
movimento importante de deslocamento de algumas atividades industriais
de países/regiões ricas em direção aos países/regiões considerados de bai-
xos salários. As grandes empresas utilizam as disparidades do nível de re-
muneração e as condições de trabalho para estabelecer um processo de
concorrência entre os trabalhadores de diversas regiões. De acordo com
Costello (2004), essa concorrência torna-se ainda mais intensa em zonas de
livre comércio, como o Nafta.
Vale destacar que as atividades transferidas não estão relacionadas uni-
camente ao trabalho não qualificado. As atividades que utilizam mão de
obra qualificada são cada vez mais realizadas na periferia. Constata-se, por
exemplo, de forma crescente, a realização de serviços de tecnologia de in-
formação (TI) em região/países periféricos. É o caso da Índia que se cons-

Reestruturação da indústria de calçados na região Nordeste nas décadas 1990/00 201


tituiu no principal destino de empresas no que se refere ao deslocamento
desse tipo de atividade.98
No caso do setor calçadista constata-se uma mudança gradual, em nível
mundial, da produção para países onde o custo de mão de obra é mais baixo.
Na década de 1960 ainda era possível a predominância da produção norte-
americana nos Estados Unidos, onde apenas 4% do mercado era provido
por manufatureiros estrangeiros. Em 1976, as importações de calçados pelos
EUA totalizaram 29,2 milhões de pares por mês. Em 1980, a média mensal
subiu para 30,5 milhões, e em 1990 já somavam 74,8 milhões e em 1995, 90
milhões de pares. A penetração dos estrangeiros, em 1995, chegava a 89% do
mercado norte-americano.
E, mesmo entre os exportadores estrangeiros, constata-se mudanças ex-
pressivas. Na metade dos anos 1980, Taiwan e Coreia supriam cerca de
45% das exportações mundiais de calçados. Essa parcela, em 1994, caiu
para 7% enquanto a China cresceu sua participação de 8% em 1986 para
50% em 1986. Neste ínterim os Estados Unidos detinham menos que 1%
das exportações mundiais.99
As grandes empresas procuram se beneficiar do movimento que associa
convergência de produtividade e manutenção de fortes disparidades tanto de
natureza salarial quanto de condições de trabalho. Nessa perspectiva, diferen-
tes estratégias visando explorar esse diferencial de custo de produção são ado-
tadas. A forma mais tradicional consiste na transferência de uma unidade de
produção de países/regiões desenvolvidas para espaços onde o custo do traba-
lho é inferior. Essa transferência pode ocorrer em detrimento ou não da reali-
zação de atividades nos países de altos salários. Em termos de modalidades de
implantação, as grandes empresas nacionais e estrangeiras procuram investir
na criação de uma nova unidade de produção (greenfield) ou nas operações de
fusão e aquisição.
Um importante estudo realizado por Bronfenbrenner e Luce (2004) pro-
curou observar o impacto da transferência de plantas industriais dos Esta-
dos Unidos para China e outros países sobre a produção e o emprego norte-
americano. Com base em informações do primeiro trimestre de 2004, os
autores constataram um forte crescimento dos anúncios ou transferências
efetivas de produção dos Estados Unidos para outros países, em especial o
México (69 plantas), a China (58), a Índia (31), outros países da Ásia (39),
outros países da América Latina (35) e outros países, incluindo Leste Euro-

98. Sobre esse assunto, ver matéria da revista francesa Alternatives Economiques (dezembro de
2003) intitulada “L’inde, paradis de la delocalisation higt-tech”.
99. http://www.infomat.com/research/infre0000246.html

202 Reestruturação da indústria de calçados na região Nordeste nas décadas 1990/00


peu e Canadá (23). No mesmo período de 2001, foram observados somente
30 deslocamentos para o México, 25 para a China e apenas 1 para a Índia.
Diferentemente de 2001, quando a maioria das transferências ocorria
para um único país de destino, 48% dos deslocamentos foram realizados de
forma simultânea para países near shore na América Latina, China e outros
países offshore da Ásia. Esse movimento segue uma tendência mundial, com
os países europeus transferindo produção para a o Leste Europeu, Ásia e
economias emergentes asiáticas utilizando países vizinhos e a China como
base de produção.
O impacto dessas transferências sobre o emprego industrial foi signifi-
cativo. Somente nos três primeiros meses de 2004, foram anunciadas ou
confirmadas a perda de 48,4 mil empregos nos Estados Unidos vinculados
a produção em função do deslocamento de plantas industriais. Em termos
anuais, as estimativas dos autores apontavam para uma perda de 406 mil
empregos em 2004 contra 204 mil em 2001.
Os pesquisadores chegam a conclusão que esse fenômeno faz parte de
um amplo movimento de reestruturação das grandes empresas multinacio-
nais, caracterizado por um processo de deslocamento dos centros de pro-
dução dos países de altos salários para múltiplos países/regiões de baixos
salários.
Os grupos industriais também se utilizam de formas de internaciona-
lização que não implicam aportes de capital ou resultam de negociação
internacional entre as estruturas de produção de regiões de baixos salários
e as grandes redes de distribuição (CHESNAIS, 1997). No primeiro caso,
trata-se do mecanismo de subcontratação onde grupos industriais procu-
ram tirar proveito da liberalização comercial e das novas tecnologias de
informação para explorar as regiões caracterizadas por baixo custo de mão
de obra e legislação trabalhista flexível. No segundo caso, as empresas não
manufatureiras têm um papel crucial na organização da produção mundial,
ao subcontratar produtores locais para a produção de bens finais e interme-
diários, de acordo com os padrões das redes de comercialização, nas regiões
de baixos salários. Uma particularidade dessa forma de internacionalização
é que as grandes estruturas de distribuição passam a comercializar esses
produtos utilizando suas próprias marcas. Esse sistema é aplicado princi-
palmente em segmentos intensivos em mão de obra (calçados, têxtil etc.).
A forte concentração no segmento varejista das principais economias desen-
volvidas aumenta a pressão sobre os fabricantes de bens padronizados de
low market para reduzirem seus preços e aumentarem suas performances.

Reestruturação da indústria de calçados na região Nordeste nas décadas 1990/00 203


A exploração das oportunidades oferecidas pela subcontratação inter-
nacional, assim como, o controle de acesso ao mercado das economias de-
senvolvidas por intermédio de barreiras industriais em vez de comerciais
caracterizam o que Gereffi (1994, 2002) chamou de filières internacionais
controladas (ou dirigidas) pela distribuição (buyer-driven international com-
modity chains), em oposição às filières controladas pela produção (producer-
driven international commodity chains). Na avaliação do autor, a principal
função das estruturas de distribuição refere-se à gestão das redes de pro-
dução e de comércio. Os lucros não derivam dos ganhos de escala e das
vantagens tecnológicas, mas de combinações de design, vendas, marketing
e serviços financeiros que permitem a essa estruturas de comercialização de
agir como verdadeiros brokers, vinculando estrategicamente os centros de
produção com seus principais mercados.
Essa vinculação está associada a um forte processo de hierarquia, na
medida em que as estruturas de comercialização exigem uma adaptação da
produção internacional as especificidades de seus mercados, o que implica
no controle sobre o que produzir, como produzir, onde produzir, quando
produzir e o custo para produzir. A tendência dos grandes compradores
(big buyers) de recorrer a produção offshore implicou forte crescimento das
importações nos países/regiões desenvolvidas, assim como na redução do
emprego doméstico nas indústrias intensivas em mão de obra. Vale desta-
car que as manufaturas de marcas reconhecidas mundialmente também se
utilizam de mecanismo de subcontratação, explorando os baixos custos da
mão de obra de regiões periféricas.
Nesse processo, a China desponta como um centro produtor para as
grandes estruturas de comercialização. Ou seja, nas filières dirigidas pela
distribuição, a expansão da produção tem sido muito mais demand-pull do
que supply-push (GEREFFI, 2005). Um exemplo está na relação entre esse
país e a cadeia de supermercados Wal-Mart. Em 2003, mais de 80% dos seis
mil fornecedores desse gigante da distribuição estavam na China. Em torno
de US$ 15 bilhões foram gastos pela Wal-Mart com produtos elaborados
na China, o que correspondeu a aproximadamente 1/8 das exportações
chinesas para os Estados Unidos (GOODMAN; PAN, 2004 apud GEREFFI,
2005).
Na nossa avaliação, a reestruturação da indústria calçadista brasileira
nos últimos oito anos está inserida nesse duplo processo de convergência
de produtividade e forte diferencial em termos salariais e de condições de
trabalho. Ademais, o excedente obtido quer em função dos ganhos de pro-
dutividade ou dos níveis salariais parece estar sendo apropriado pelas gran-
des estruturas de comercialização mundiais. Um dos possíveis indícios é a

204 Reestruturação da indústria de calçados na região Nordeste nas décadas 1990/00


constância do preço médio em dólar do calçado brasileiro e nordestino no
exterior a despeito da desvalorização da moeda norte-americana.
Um dos aspectos dessa reestruturação está relacionado ao segundo mo-
vimento de deslocamento de parte de firmas calçadistas do Sul e Sudeste
do País para os estados nordestinos, abrindo unidades fabris nas capitais da
região e no interior. As dificuldades dos produtores de calçados, em virtude
da valorização do câmbio e da intensificação da concorrência externa, prin-
cipalmente de países asiáticos, têm provocado esse processo de migração.
Entretanto, esse movimento de relocalização industrial para o Nordeste
é menos intenso do que o observado na década de 1990, já que os estados
nordestinos sofrem concorrência de outros países que possuem fortes van-
tagens de localização. É o caso da China, onde os produtores locais são am-
plamente beneficiados por vantagens vinculadas ao custo de mão de obra,
à política cambial, que mantém a cotação do dólar, e à ajuda financeira do
governo chinês para as empresas exportadoras (MOREIRA, 2006). Todos
esses últimos elementos são considerados por Fajnzylber como fontes de
competitividade espúria.
Com o deslocamento da produção para regiões/países de custo inferior,
os grandes produtores concentram no Sul/sudeste as atividades de alto va-
lor agregado (design, desenvolvimento de marca) e a produção de bens de
maior preço unitário. Ou seja, observa-se uma assimetria na organização da
produção da indústria calçadista brasileira, com forte participação das ativi-
dades e produtos de maior agregação de valor nos centros de produção do
Sul/Sudeste. Nesses espaços, o objetivo é compensar o maior custo de mão
de obra com o uso de novas tecnologias, aliando ganhos de produtividade
com estratégias competitivas voltadas a diferenciação de produtos.
Em contrapartida, grande parte da produção de bens de low e middle ma-
rket desses grandes produtores do Sul/Sudeste é transferida para a região
Nordeste e outros países onde prevalecem condições espúrias de competiti-
vidade e baixo custo de mão de obra. O calçado nessas regiões é produzido
como uma commodity, com forte predominância da concorrência-preço na
sua competitividade. No caso específico do Nordeste, as vantagens salariais,
e fiscais e financeiras associados a fortes incrementos de produtividade são
fatores determinantes para esse deslocamento. A baixa agregação de valor
ao produto reflete-se na formação do preço médio do produto exportado da
região, que tem se mantido estável apesar da apreciação cambial. Dada a
hipótese de que as cadeias produtivas de calçados seriam dirigidas pela dis-
tribuição, investigar-se-á no próximo tópico, o comportamento dos preços
internacionais do calçado nordestino.

Reestruturação da indústria de calçados na região Nordeste nas décadas 1990/00 205


3. As exportações de calçados brasileira e nordestina
A produção de calçados no Brasil é estimada em 796 milhões de pares
(2006), sendo cerca de 180 milhões voltados para a exportação. A análise
do coeficiente de exportações da indústria nacional, em 2007, revela que,
dentre 26 setores analisados, o de “preparação de couros, seus artefatos e
calçados” apresentou coeficiente de penetração de exportação entre os mais
elevados – acima de 40%. Entre 1996 e 2007 esse indicador variou entre
19,7 a 42,7. Assim este setor industrial tem avançado nos últimos anos em
termos de inserção no mercado internacional. As importações de calçados
ainda são de pequena monta. Em 2007, as compras do exterior somaram
apenas 28 milhões de pares de calçados, mas esse número tem apresentado
nos anos recentes crescimento expressivo, visto que, em 2004, o País impor-
tava nove milhões de pares.
No Brasil, o processo de reestruturação do setor de calçados na década
de 1990,100 visando enfrentar a concorrência externa, teve como consequên-
cias a terceirização de atividades e, sobretudo, o deslocamento de fábricas
para o Nordeste na perspectiva de reduzir custos de produção e aumentar a
participação no mercado externo.
A exemplo do movimento ocorrido em nível internacional, onde plantas
se deslocaram da Europa e Estados Unidos para países como Índia, China e
Vietnã, firmas brasileiras passaram da região Sul para Nordeste. Em termos
mundiais este movimento é bem ilustrado pelas mudanças nas importações
de calçados dos Estados Unidos, um dos maiores mercados do setor. Em
1980, as importações representavam 50,9% do consumo norte-americano,
em 2006, 98,7%. A China, cuja participação nas importações norte-ameri-
canas era 1,1% em 1980, alcança 72% em 2006 (AAFA, 2008).
No Brasil, em 1991, somente 3,3% dos empregos diretos formais do se-
tor calçadista nacional eram gerados no Nordeste. A partir de 2001, esta ci-
fra ultrapassa os 20,0%, atingindo o pico em 2006 (29,6%). Ceará (48.309
empregos formais em 2006), Bahia (24.282 empregos) e Paraíba (11.692
empregos) foram os maiores empregadores do setor na região.
O percentual do número de estabelecimentos na região permanece entre
o mínimo de 4,4% (ano de 1991) e o máximo de 6,4% (ano de 1999) du-
rante os anos de 1991 a 2006, quando alcança 6,28%. Esse é um indício de
que a expansão do setor calçadista no Nordeste se deu principalmente pela
implantação de grandes empresas.

100. Sobre este assunto veja: Costanzi (1999).

206 Reestruturação da indústria de calçados na região Nordeste nas décadas 1990/00


Corroborando essa ideia de que as empresas instaladas no Nordeste bus-
caram ganho de escala de produção, dados estaduais de 2006, acerca da
média de emprego por empresa calçadista, revelam que os maiores expo-
entes do País eram a Bahia (266 empregos/empresa) e o Ceará (203). São
Paulo e Rio Grande do Sul, os dois estados com maior volume absoluto de
empregos formais no setor, tiveram média deste indicador inferior a 42
empregos por empresa.
No que concerne à exportação de calçados, de 2000 a 2007, Nordeste e
Brasil apresentam desempenhos diferentes. Nesse período, o Brasil expande
suas exportações (em quantidade de pares de calçados) em 8,8%. Entre
2000 e 2004, registra-se o ápice das exportações nacionais, que evoluem de
162,5 milhões de pares para 212,4 milhões. A partir de 2004 este montante
declina, alcançando 177,0 milhões de pares em 2007.
A análise do valor exportado pelo País revela elevação das receitas das
vendas externas em cerca de 23,5% no período. Apesar deste aumento, as
exportações do setor calçadista não acompanharam o forte crescimento das
exportações totais nacionais. Assim, a participação do valor das exportações
de calçados brasileiros (considerando-se o capítulo 64 da NCM)101 no total
exportado pelo País decresceu: em 2000, representava 2,94% das exporta-
ções totais, mas em 2007 essa participação é de apenas 1,27%.
A situação das exportações de calçados do Nordeste entre 2000 e 2007
apresenta quadro bastante diverso do nacional. Durante todo o período,
registra-se crescimento expressivo das exportações, tanto na quantidade de
pares (281,4%) quanto na receita gerada (335%). Desta maneira, o valor
da participação das exportações de calçados regionais nas exportações to-
tais nacionais se eleva de 0,18% para 0,28%.
A compreensão deste desempenho desigual entre o País e a região Nor-
deste passa por uma análise segmentada por tipo de calçado exportado.
Na Nomenclatura Comum do Mercosul os quatro dígitos iniciais indicam o
material do cabedal de que é composto o calçado. Desta forma, os calçados
são classificados como: injetados (6401), sintéticos (6402), couros (6403),
têxteis (6404) e outros materiais (6405). A evolução dos números de pares
exportados pelo Brasil, conforme o material do cabedal está descrita no
Gráfico 1. É patente o declínio da quantidade de calçados com cabedal de
couro, a partir de 2004. Por outro lado, ao longo do início deste século há
aumento gradual do número de calçados sintéticos exportados que ultra-
passam a marca de oitenta milhões de pares em 2007 (Gráfico 1).

101. O Capítulo 64 da NCM abrange: calçados, polainas, artefatos semelhantes e suas partes.

Reestruturação da indústria de calçados na região Nordeste nas décadas 1990/00 207


Gráfico 1 – Brasil: quantidade de pares de calçados exportada por tipo de
calçado (2000-2007)

Fonte: BRASIL, 2007, 2008. Elaboração própria.

Em nível nacional, observa-se a regionalização da produção, cada uma


se especializando em diferentes segmentos. O Nordeste se destaca na ex-
portação de calçados feitos de material sintético (Gráfico 2).

Gráfico 2 – Nordeste: quantidade de pares de calçados exportada por tipo de


calçado (2000 -2007)

Fonte: BRASIL, 2007, 2008. Elaboração própria.

Em 2000, as vendas externas nordestinas de sintéticos eram apenas cer-


ca de 11 milhões de pares. Mas, em 2007, a cifra se expande seis vezes,
alcançando os 69 milhões de pares representativos de 80,4% dos sintéticos
vendidos pelo Brasil no exterior. Essa predominância do calçado sintético
nordestino pode ser explicada por seu preço de exportação que gira em tor-
no de US$ 3,08 enquanto a média nacional atinge o patamar de US$ 4,20.

208 Reestruturação da indústria de calçados na região Nordeste nas décadas 1990/00


Este preço mais baixo é viabilizado pelo diferencial na remuneração da mão
de obra, que gira em torno de 72% do valor da remuneração da região Sul
do País. A questão da remuneração da mão de obra será objeto de discussão
do próximo tópico. Também esse tipo de segmento parece se caracterizar,
internacionalmente, por uma estratégia de concorrência via “preço”.
Já no Sul do País, onde se sobressai a região do Vale dos Sinos, conta-
ta-se uma especialização em calçados de couros femininos. De fato, em
2007, 72,3% dos calçados de couros exportados pelo Brasil provieram do
Rio Grande do Sul. Gandini (2003) assinala, como resultado de pesquisa
direta, que os produtores gaúchos informaram como países concorrentes
no mercado internacional a China e a Itália. A primeira nação se destaca
no segmento de produto de menor preço e a segunda, no design diferencia-
do, que pode ser vista como uma estratégia de “diferenciação” de produto.
Cumpre salientar que a Itália pode ser considerada um exemplo das ideias
defendidas por Sachwald (1996), pois também estabelece concorrência via
“preço” com a instalação de fábricas no leste Europeu, visando redução dos
custos de salário. Na mesma pesquisa, realizada em 2002, os produtores
gaúchos revelaram preocupação com a melhoria da qualidade do produto
fabricado na região.
Uma análise mais rigorosa do comportamento dos preços dos calçados
exportados pela região Nordeste e das notícias acerca das estratégias de
atuação das firmas nordestinas revela que, a despeito da importância da
produção de sintéticos na região, esta não pode ser tratada como um todo
uniforme.
Do ponto de vista da participação no valor de transformação industrial,
o setor calçadista nordestino102 (Tabela 1) tem maior relevância econômica
em dois estados: Ceará e Paraíba. Dentre os estados brasileiros, Ceará e
Paraíba ocupam respectivamente a segunda e quinta posição no valor das
exportações brasileiras de calçados (ABICALÇADOS, 2008g). A Bahia tam-
bém se destaca na terceira colocação.
No Ceará e na Paraíba predomina, em número de pares de calçados ex-
portados, o segmento de sintéticos.103 Já a Bahia tem uma estrutura produ-

102. O IBGE não divulga as informações da indústria calçadista nordestina isoladamente. Em


vez disto, é comum a utilização das informações da “indústria de calçados e couros” como
referência para o desempenho do setor calçadista. Esta proxy é utilizada para dimensionar a
participação do setor no valor de transformação industrial.
103. Se, por um lado, os estados do Ceará e da Paraíba se especializam na produção e expor-
tação de sintéticos de baixo valor unitário, por outro lado, constata-se um crescimento das
importações de calçados de maior valor unitário provenientes da China. Estes dados são indí-
cios de uma possível situação de complementariedade neste segmento. Sobre essa questão, ver
Melo, Maria Cristina Pereira; Moreira, Carlos Américo Leite; Weber, Alexandre (2008).

Reestruturação da indústria de calçados na região Nordeste nas décadas 1990/00 209


tiva que, a partir de 2003, vem apresentando mais exportações de calçados
de couros.
O comportamento dos preços médios em dólar destes dois segmentos
será analisado para os três principais estados exportadores nordestinos (Ce-
ará, Paraíba e Bahia).

Tabela 1 – Prepação de couros e fabricação de artefatos de couro, viagens e


calçados no valor de tranformação industrial
Estados 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006
Maranhão - 0,30 - 0,56 0,24 0,22 0,53 0,21 0,08 0,40 0,84
Piauí 7,04 5,34 3,75 5,23 6,71 2,99 3,57 2,42 3,10 0,73 0,73
Ceará 11,18 15,86 14,54 12,33 14,92 20,74 22,26 24,86 24,98 25,40 22,87
Rio Grande do
0,74 1,63 0,70 1,22 1,29 1,72 2,03 1,90 1,49 1,38 1,83
Norte
Paraíba 18,40 13,02 15,70 22,59 21,30 16,46 19,94 17,22 19,55 23,20 27,76
Pernambuco 0,63 0,72 0,94 1,49 1,14 0,73 0,97 0,90 0,97 0,94 0,87
Alagoas 0,02 0,04 0,03 0,08 0,02 0,04 0,06 - 0,02 0,05 0,04
Sergipe 7,90 5,46 2,71 0,73 0,35 0,35 0,73 1,36 1,51 2,02 3,37
Bahia 0,37 0,48 0,47 1,16 1,50 1,92 1,85 2,09 2,07 1,54 1,98

Fonte: (IBGE, 2008a).

Entre 2000 e 2007, o preço médio do calçado sintético cearense expor-


tado se expandiu de US$ 2,98 para US$ 3,23. Na Paraíba esse mesmo preço
declinou de US$ 2,67 para US$ 2,45. Esses estados terão o maior peso para
a formação do preço dos calçados sintéticos nordestinos de US$ 3,08 em
2007.
Se esse preço do sintético for convertido em reais a partir da taxa de
câmbio nominal média anual, constatar-se-á que o preço unitário era para
a região nordestina de R$ 5,42 em 2000 e subiu para R$ 6,70 (US$ 3,08)
em 2007. Nesse período, a taxa de inflação brasileira, medida pelo IPCA,
ultrapassou o patamar de 70%. A remuneração média do trabalhador de
chão de fábrica da indústria calçadista se elevou em mais de 82% (somente
entre 2000 e 2006) e as firmas aumentaram o preço final do produto em
apenas em 23,6% na moeda nacional. Ou seja, houve um esforço no sentido
de manter o preço em dólar relativamente estável (Tabela 2 e Gráfico 3).

Tabela 2 - Brasil e Regiões.Remuneração Média da Indústria de Calçados


(2000 - 2006)
Regiões 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006
Nordeste 266,80 305,50 329,81 380,26 413,26 437,10 485,92
Sudeste 347,34 385,41 409,78 464,48 511,54 540,75 569,28
Sul 374,20 425,17 474,09 543,15 611,90 637,68 669,37
Brasil 344,54 390,15 423,95 482,21 533,90 554,75 586,41
Fonte: (BRASIL, 1991-2006).

210 Reestruturação da indústria de calçados na região Nordeste nas décadas 1990/00


De fato, entre 2000 e 2003, quando o dólar não está apreciado relativa-
mente ao ano base de 2000, o preço médio do calçado sintético nordestino
é de US$ 2,72 e no quadriênio seguinte este preço se expande apenas 7%,
a despeito da apreciação real da moeda doméstica.
Já para as firmas produtoras de calçados de couro no Nordeste se cons-
tata o incremento de preço médio em dólar de 12,32 (em 2000) para 16,56
em 2007 (ou de R$ 22,60 para R$ 36,03).
A evolução dos preços médios em reais dos produtos de couro foi mais
alta no Rio Grande do Sul, maior exportador desse segmento no Brasil que
na Bahia, destaque no Nordeste (Gráfico 3). Naquele estado, o percentual
de aumento não chegou a compensar sequer a inflação do período (2000
a 2007).

Gráfico 3 – Preços médios em reais dos calçados de couro exportados pela


Bahia e pelo Rio Grande do Sul (2000-2007)

Fonte: BRASIL, 2007, 2008. Elaboração própria.

Assim, o segmento de calçados sintéticos, cujo consumidor final apre-


senta menor renda e que compete diretamente, no mercado internacional
com os produtos chineses, teve elevação de preço mais comprimida, o mes-
mo não acontecendo com as firmas exportadoras de calçados de couros.
Cumpre ressaltar que o comportamento declinante do quantum de calça-
dos de couro exportados nacional coincide com o movimento de apreciação
do real, desde 2004, comparativamente aos patamares de 2000. Quer se
considere a taxa de câmbio efetiva real das exportações de manufaturados
ou das exportações totais, registra-se a apreciação real da moeda nacional.

Reestruturação da indústria de calçados na região Nordeste nas décadas 1990/00 211


Assim, o produtor nacional de calçados passou a receber menos por cada
dólar exportado. O Estado do Rio Grande do Sul, que chegou a exportar
mais de cem milhões de pares de calçados de couro no ano 2000, somente
vendeu cerca de 54 milhões em 2007. A apreciação do real teve maior im-
pacto nas vendas deste segmento.
Um dos maiores mercados consumidores do calçado brasileiro, os Esta-
dos Unidos, tem apresentado entre 2000 e 2006, declínio no preço em dólar
dos calçados (em torno de 0,8%). Para o segmento feminino, constata-se
ligeiro incremento, cerca de 2%, no preço do produto no mercado ameri-
cano (AAFA, 2008). Assim, para manter-se no mercado internacional, os
produtores brasileiros, e em particular os de calçados sintéticos nordesti-
nos, têm empreendido esforços no sentido de manter o preço final em dólar
relativamente estável.

Gráfico 4 - Brasil e Nordeste. Preço Médio de Calçados de Couro e Sintético (R$)

Fonte: BRASIL, 2007, 2008. Elaboração própria.

A preocupação em como o câmbio afetou a atividade calçadista levou,


em 2007, o governo a incrementar de 20% para 35% a tarifa de importa-
ção deste produto. Desta maneira, os produtores voltados para o mercado
interno estariam mais protegidos da concorrência internacional. A decisão
foi publicada em 28 de setembro no Diário Oficial da União. A expectativa
do secretário executivo da Camex, Mário Mugnaini, é que os efeitos práti-
cos da medida somente foram sentido no início de junho de 2008 (TARI-
FA..., 2008). O setor de “couros e calçados” também consta como foco dos
programas para fortalecer competitividade da Política de Desenvolvimento
Produtivo (PDP) Nacional.

212 Reestruturação da indústria de calçados na região Nordeste nas décadas 1990/00


4. O comportamento dos salários e da produtividade da
indústria de calçados nordestina.
O IBGE não divulga as informações da indústria calçadista nordestina isola-
damente. Em vez disto, é comum a utilização das informações da “indústria
de calçados e couros” como referência para o desempenho do setor calça-
dista. Entre 1996 e 2007, a “indústria de calçados e couros” nordestina tem
se expandido acima da média da indústria de transformação regional como
se pode depreender do Gráfico 5.
O desempenho da atividade na região tem superado inclusive a média da
indústria de transformação nacional. No período de 1996 a 2007, a indústria
de transformação brasileira cresceu 28,8% enquanto a atividade de calçados
e couros no Nordeste expandiu sua produção em 39,8%.

Gráfico 5 – Nordeste: produção física industrial (número índice) – 1996-2007.

Fonte: IBGE, 2008c. Elaboração própria.

O forte crescimento da produção industrial no setor de calçados foi


acompanhado da expansão do emprego. Esse ciclo virtuoso está relaciona-
do com o segundo movimento de deslocamento de parte de firmas calçadis-
tas do Sul e Sudeste do País para os estados nordestinos, abrindo unidades
fabris nas capitais da região e no interior. As dificuldades dos produtores
de calçados, em virtude da valorização do câmbio e da intensificação da
concorrência externa, principalmente de países asiáticos, tem provocado
esse processo de migração.
Esse fato tem engendrado a transferência de parte da produção ou a
fabricação terceirizada com o objetivo de manter suas fatias de mercado.
Nessa segunda opção, a produção de calçados sai das fábricas localizadas

Reestruturação da indústria de calçados na região Nordeste nas décadas 1990/00 213


em outros países com etiquetas de marcas brasileiras para terceiros merca-
dos, ou até mesmo para o mercado brasileiro.
Um exemplo emblemático está relacionado a fabricante de calçados
Azaléia que fechou unidades no Rio Grande do Sul para concentrar sua
produção na região Nordeste e alguns países da Ásia ou na Argentina. A
diferença de custo de produção foi apontada pela empresa como o principal
motivo para a transferência da produção.
Atualmente, mais de 80% da produção nacional da Azaléia é realizada
no Nordeste. Essa concentração na região cresceu com o controle da empre-
sa pela Vulcabrás. Um ano após a aquisição em junho de 2007, o número de
trabalhadores das fábricas da Azaléia na Bahia saltou de nove mil trabalha-
dores para 13,7 mil. A meta da empresa é atingir 15 mil pessoas até o final
de 2008. A conclusão da ampliação das fábricas de calçados localizadas no
estado no primeiro semestre de 2008, com investimento de R$ 27 milhões,
contribuirá para esse aumento.
Além da região Nordeste, boa parte da produção da empresa é realizada
em outros países com melhores condições competitivas. Faz parte também
do novo grupo a empresa Argentina Indular, adquirida no mesmo período
da Azaléia, que alcançou dois mil trabalhadores em junho de 2008 contra
apenas 400 empregados antes da aquisição. A empresa terminou o ano de
2007 com uma produção de dois milhões de pares e a perspectiva para
2008 é de atingir 3,5 milhões de pares. A produção atende principalmente
o mercado argentino, porém uma parte já é exportada para o Brasil. Para os
próximos anos, o grupo projeta um maior abastecimento para o Brasil em
função, sobretudo, dos encargos sobre a mão de obra e os salários serem
menores na Argentina (GAZETA MERCANTIL, 2008).
O modelo de subcontratação internacional é também amplamente uti-
lizado pelo grupo brasileiro. Vale destacar que a Azaléia, antes mesmo da
aquisição, exportava para vários países e regiões, abastecendo 60% do mer-
cado norte-americano e 20% a 30% do mercado latino-americano com pro-
dutos asiáticos (GLOBAL 21, 2007).

Tabela 3 - Produtividade de Calçados e Couros


Brasil e Nordeste (2002-2007) Base: Ano anterior = 100
2002 2003 2004 2005 2006 2007
BR 100,0 92,0 102,8 108,7 106,3 108,1
NE 99,7 83,0 95,0 97,7 101,9 104,0
Fonte: Elaboração Própria a partir de dados da Pesquisa Industrial Mensal de Emprego e
Salário da Pesquisa Industrial Mensal - Produção Física

214 Reestruturação da indústria de calçados na região Nordeste nas décadas 1990/00


Além do deslocamento da produção, outras estratégias que atingem as
unidades localizadas na região Nordeste estão sendo colocadas em prática
pelos produtores de calçados brasileiros. Uma particularidade desse movi-
mento de reestruturação diz respeito ao crescimento da produtividade nos
últimos dois anos. Esses ganhos de produtividade decorrem do aumento da
produção industrial acima do incremento das horas pagas. Outro aspecto
relevante é a associação entre os ganhos de produtividade e a estabilidade
do rendimento médio dos trabalhadores (em número de salários-mínimos)
do chão de fábrica.
Esse fato parece revelar a tendência das unidades de utilizarem tecnolo-
gias poupadoras de mão de obra na perspectiva de elevar os ganhos de pro-
dutividade. Reportagem recente do jornal Valor Econômico intitulada “Fábri-
ca do Ceará supera produtividade chinesa” revela que a unidade de produção
da Grendene está fabricando até 600 mil pares de sapatos feitos de plástico
injetável, seguindo uma fórmula que mistura PVC, corante e pouca mão de
obra (FÁBRICA..., 2007). Com essa combinação, a Grendene se transformou
em uma exceção em meio a uma indústria intensiva em mão de obra, já que
produziu 130 milhões de pares de calçados com apenas 25 mil empregados
(5.200 pares/empregado), enquanto a chinesa Yue Yuen produziu 180 mi-
lhões de tênis com 250 mil trabalhadores (720 pares/empregados).
Também faz parte da estratégia da empresa um esforço de marketing
significativo. Com várias unidades de produção no Nordeste, a Grendene
está centralizando sua estrutura de marketing nas marcas que proporcio-
nam maiores margens. Atualmente, a empresa exporta mais de 300 mode-
los de diversas marcas por ano, estratégia considerada arriscada, já que são
produtos de baixo valor agregado que sofrem com a concorrência chinesa.
Ademais a menor remuneração do trabalhador na região Nordeste, com-
parativamente ao restante do País revela a possibilidade de ampliação do
excedente do setor calçadista na região, amplificado pelo crescimento da
produtividade dos últimos anos. Entretanto, como já mencionado, as firmas
exportadoras de calçados de sintéticos, predominante na região Nordeste,
comprimiram suas margens no mercado internacional, o que pode indicar
uma transferência deste excedente para as estruturas de comercialização.
Vale salientar que essa compressão não acontece no segmento de cou-
ros, com destacada produção no Estado da Bahia. O aumento de preço em
dólares está relacionada a atuação em nichos de maior valor agregado, bem
como um esforço no sentido de abrir novos mercados. Cumpre mencionar
as estratégias de expansão da capacidade produtiva e de fabricação de pro-
dutos diferenciados com maior valor agregado em grandes empresas cal-
çadistas instaladas na Bahia. Na Bahia, foram instaladas grandes empresas

Reestruturação da indústria de calçados na região Nordeste nas décadas 1990/00 215


como Azaléia, Umbro, Kildare, Ramarim, Daiby, Calçados Bel Passo, Disport
do Brasil/Paquetá, Bibi, Via Uno, Dilly, Grendene e Dal Ponte.
Também tem ocorrido o redirecionamento de parte da produção para o
mercado interno. Em 2007, a Grendene com sede em Farroupilha (RS), mas
com mais de 95% de sua capacidade produtiva no Nordeste, investiu R$ 10
milhões em Teixeira de Freitas, Bahia. A cidade foi escolhida pra diversificar
os locais de produção e facilitar a logística, para atender também aos cen-
tros consumidores do Sudeste.
Vale destacar que a indústria de calçados tem sua cadeia de produção
dirigida pelos compradores, ou seja, nesse segmento os grandes varejistas
e os grandes comerciantes desempenham o papel principal do arranjo de
redes de produção descentralizadas, numa variedade de países exportado-
res. Comerciantes de marcas podem terceirizar parte ou toda sua atividade
de desenvolvimento de produtos, manufaturas, embalagens, embarque e
até recebimento de cotas de diferentes agentes de todo o mundo. Com a
terceirização em outros países, grandes empresas brasileiras do setor, como
Grendene e Azaléia, parecem cada vez mais propensas assumir funções de
comercialização em detrimento da produção nas regiões onde há salários
mais elevados.

Considerações finais
A relocalização industrial do setor calçadista na região nordestina reflete
dupla motivação: a homogeneização da produtividade obtida quer através
da importação de máquinas e equipamentos, ou de insumos mais elabora-
dos e o diferencial de remuneração dos trabalhadores de chão de fábrica na
região (cerca de 30% menor que no Sul do País).
Essa relocalização é concentrada espacialmente em três estados: Ceará,
Paraíba e Bahia. Cumpre destacar que os dois primeiros se especializam na
produção/exportação de calçados sintéticos ao passo que a economia baia-
na apresenta vendas externas alicerçadas em produtos de couro.
Entre 2000 e 2007, constata-se a presença crescente dos produtores nor-
destinos nas exportações nacionais de calçados. A expansão do quantum
exportado se deu com relativa estabilidade de preços, especialmente, no
segmento de sintéticos – o que é indicativo de uma concorrência via pre-
ço. A abertura de novas plantas em países asiáticos de fábricas nacionais
reforça a ideia de Sachwald (1996) de que os critérios de localização das
grandes empresas obedecem a restrições vinculadas a sua performance em
nível mundial.

216 Reestruturação da indústria de calçados na região Nordeste nas décadas 1990/00


As firmas nordestinas, para manter a estabilidade do preço final do pro-
duto também apresentaram processo de aumento de produtividade, espe-
cialmente em 2006 e 2007, aliado a um diferencial de salário relativamente
às demais regiões.
Essa combinação de estabilidade de preços dos produtos exportados e
geração de excedente na região pode indicar que a apropriação destas ren-
das estaria se realizando em etapas como marketing, design e comerciali-
zação e não obrigatoriamente sendo revertidas para a região, o que parece
fortalecer a hipótese do setor estar inserido em uma cadeia produtiva global
dirigida pela comercialização.
Nesse sentido, referindo-se às exportações de 2004, era registrado que:
A maior parte das vendas externas brasileiras está baseada no modelo pri-
vate label, pelo qual as fábricas locais são contratadas para produzirem cal-
çados para marcas internacionais. Segundo Heitor Klein, diretor-executivo
do programa Calçado do Brasil, da Abicalçados, “quase 90% das exporta-
ções brasileiras do setor são feitas nesse modelo de subcontratação” (ABI-
CALÇADOS, [2008]a).
A partir de 2004, com a intensificação da concorrência internacional, aliada
à apreciação da moeda brasileira, constata-se iniciativas no sentido de reter
maior excedente nas empresas produtoras, agregando maior valor aos pro-
dutos, por meio de campanhas de fortalecimento da imagem no Brasil e no
exterior. Como exemplos, pode-se citar as Havaianas e os Calçados Democrata
(Franca/SP), este último vem se consolidando como uma marca global.
Como sugestão de trabalhos futuros, seria importante identificar os com-
pradores da produção nordestina calçadista bem como a formação de preço
no mercado consumidor final, como por exemplo, Estados Unidos.

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220 Reestruturação da indústria de calçados na região Nordeste nas décadas 1990/00


Os arranjos produtivos locais como estratégia
sustentável de redução da pobreza

Eveline Barbosa Silva Carvalho104

1. Introdução
Os Arranjos Produtivos Locais (APLs)105 têm sido objeto de inúmeros artigos
científicos, teses, dissertações e monografias. Inspiradas na literatura recen-
te de economia da inovação, economia industrial e geografia econômica,
tais estudos têm destacado a importância dos APLs especialmente em áreas
menos favorecidas.
Investigações sobre casos de sucesso de APLs no Brasil e em outros países,
características de APLs, a importância das instituições parceiras, benefícios
dos APLs para a inserção de pequenas empresas no mercado e na geração
de renda, o fortalecimento das vocações locais, a geração de oportunida-
des, economias de escala e externalidades, entre outros aspectos, tem sido
largamente documentados. Existe, porém, uma lacuna na literatura quanto
à visão de APLs como estratégia de redução da pobreza.
Esse tema deverá se tornar importante na medida em que governos,
como o do Brasil, têm baseado suas políticas de combate à pobreza em
medidas assistencialistas que a rigor não se constituem estratégias susten-
táveis de desenvolvimento. O presente estudo tem, portanto, o objetivo de
mostrar os arranjos produtivos como estratégia sustentável de redução da
pobreza e como opção para migração de programas como o Bolsa Família
para uma atividade de geração de renda e de estímulo à cidadania.

104. A autora agradece a colaboração de Victor Hugo de Oliveira Silva bem como os comen-
tários e sugestões de Cláudio André Gondim Nogueira e Vitor Hugo Miro. Eventuais falhas são
de responsabilidade exclusiva da autora.
105. Essa nomenclatura corresponde à utilizada pela RedeSist da Universidade Federal do Rio
de Janeiro em http://www.redesist.ue.ufrj.br/. De acordo com a RedeSist os arranjos produ-
tivos locais têm as seguintes principais características: abrangem grupos de atores (empresas,
organizações de P&D, educação, treinamento, promoção, financiamento etc.) de um território
e favorecem o aprendizado e a troca de informações permitindo a inovação e a criação.

Os arranjos produtivos locais como estratégia sustentável de redução da pobreza 221


A pobreza é cada vez mais reconhecida como um problema multidimen-
sional não se resumindo à privação de renda, mas também à limitação de
capacidades e de bem-estar. A criação de oportunidades para pessoas com
menor nível de escolaridade e de educação formal, como é composta uma
parcela de trabalhadores e empresários, pode ser uma forma eficiente de
romper a armadilha da pobreza, daí a relevância dos APLs.
De maneira simplificada podem-se conceituar Arranjos Produtivos Lo-
cais (APLs) como concentrações territoriais de firmas, associações e outras
unidades engajadas num mesmo ramo de atividade ou atividades correlatas
que sirvam de suporte a um setor ou setores de determinado local, poden-
do desse modo gerar vantagens para particulares e pequenas empresas a
partir da existência de economias de aglomeração, competição, cooperação
e da ênfase em ligações internas com o engajamento de instituições locais
fazendo, desse modo, com que firmas ou associações ganhem mercado e
possam inclusive se colocar no mercado internacional saindo do local para
o global.
Mas será que os APLs realmente levam à melhoria do bem-estar e podem
ser considerados como estratégia eficiente para a redução da pobreza? Para
responder a essa pergunta o presente artigo está assim dividido: no item
dois é apresentada discussão sobre o que vem a ser pobreza e a amplitude
desse conceito; no item três são apresentados comentários sobre políticas de
intervenção governamental e Arranjos Produtivos Locais com respaldo no
referencial teórico sobre o tema; no item quatro são apresentados resultados
empíricos de experiências de desenvolvimento local e melhoria de bem-estar
em municípios do Estado do Ceará com base na evolução dos indicadores
de municípios selecionados onde estão localizados APLs comparativamente
àqueles da mesma mesorregião que não apresentem APLs identificados, além
de mensuração dos possíveis impactos de APLs em termos de redução na
pobreza. Por fim, são apresentadas as considerações finais.

2. Afinal o que é pobreza?


Para analisar a relação entre APLs e pobreza é preciso ter em mente que
a pobreza que se objetiva vencer é aquela em sentido amplo que leva em
consideração as dotações pessoais e o bem-estar. Não se trata, pois da visão
restrita que só considera a renda monetária, embora seja essa a medida
comumente adotada para designar a pobreza.
De fato, as definições de pobreza utilizadas se baseiam na capacidade
de adquirir produtos e serviços e a partir desses cálculos se deriva a noção
de linha de pobreza. O Banco Mundial tornou popular a noção de linha de

222 Os arranjos produtivos locais como estratégia sustentável de redução da pobreza


pobreza para quem ganha menos de US$1,00/dia e recentemente essa refe-
rência passou para US$1,25 como forma de atualização. No Brasil é comum
a utilização da linha da pobreza de meio salário-mínimo por mês de renda
per capita como medida de pobreza.
O conceito de pobreza, porém é bem mais amplo pois não se limita à
renda e sim à privação de capacidades básicas (SEN, 1999). Apesar disso a
renda continua sendo uma importante causa da pobreza já que a insuficiên-
cia de renda leva a uma limitação na obtenção dessas capacidades.
A privação de capacidades está relacionada ao nível de educação e exis-
te na prática uma íntima relação entre pobreza e educação. A escolaridade
do indivíduo é fundamental na determinação de sua renda proveniente do
trabalho e a literatura econômica é vasta de exemplos empíricos que mos-
tram que a educação exerce efeito sobre o diferencial de salários entre os
indivíduos.
Para o Estado do Ceará, um indivíduo analfabeto (sem instrução ou
com menos de um ano de estudo) possui em média um rendimento men-
sal de R$ 176,2. Se esse indivíduo completasse o ensino fundamental seu
rendimento médio mensal poderia ser 2,5 vezes maior. Para um indivíduo
que concluiu o ensino médio, o rendimento médio obtido no trabalho pode
chegar a R$ 682,7. Caso esse indivíduo concluísse o ensino superior, seu
rendimento médio seria, em média, três vezes maior. Um indivíduo com
nível superior ganha em média 4,5 vezes mais do que alguém com o ensino
fundamental completo e 11,6 vezes mais do que uma pessoa analfabeta
(OLIVEIRA; CARVALHO, 2007).
Estudo realizado para o Estado do Ceará, a respeito do programa de
combate a pobreza adotado no Brasil, o Bolsa Família, mostrou que a maio-
ria das faixas de renda obteve ganhos reais entre 2001 e 2005, com exceção
das faixas menos favorecidas (famílias abaixo da linha de indigência)106 e
que as faixas de renda que mais obtiveram ganhos reais no período foram
as mais próximas da linha de pobreza.
Conclusões a respeito do Programa Bolsa Família para o País sugerem
que ele está atingindo o objetivo de aliviar a pobreza (MEDEIROS; BRITTO;
SOARES, 2007). Mas será que esse resultado é de fato sustentável? Tendo
em vista se tratar de política de intervenção do governo de cunho assisten-
cialista esse programa sofre da dificuldade na saída: como sair e em que
momento? Esse assunto é objeto do comentário do item a seguir.

106. Renda mensal per capita de até um quarto de salário-mínimo.

Os arranjos produtivos locais como estratégia sustentável de redução da pobreza 223


3. Políticas de intervenção e a alternativa dos APLs
Existe uma vasta literatura em políticas públicas que analisam a ineficiência
provocada por intervenção governamental a partir do triângulo de Harber-
ger (BULLOCK, 2007). O modelo de Arrow-Debreu cujo principal resulta-
do é o primeiro teorema do bem-estar diz, considerando o pressuposto de
mercado competitivo, que a não intervenção é eficiente no sentido de Pare-
to, ou seja, cada pessoa ou empresa não poderá alcançar situação melhor
sem prejudicar outros. Esse resultado é exatamente um dos argumentos
da chamada escola de Chicago, que é favorável ao menor envolvimento do
governo.
Ocorre que os pressupostos que dão alicerce ao primeiro teorema na
prática são quebrados já que no mundo real existem falhas de mercado, ou
seja, externalidades, poder de mercado, desemprego e a pobreza, no sen-
tido amplo, é uma realidade. Desse modo, ou seja, como os pressupostos
são violados, é possível para o governo melhorar o bem-estar dos agentes
através da implementação de políticas intervencionistas.
O Programa Bolsa Família é uma política de intervenção do governo, jus-
tificável considerando o tamanho da pobreza no Brasil e no Estado do Cea-
rá (dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2007
revelam que 52,86% da população desse estado é pobre), mas certamente
não sustentável já que é assistencialista em sua essência e essa característi-
ca por si só leva a perdas de bem-estar.
Porém, mesmo ocorrendo perdas, uma política pode ser considerada efi-
ciente já que o fato de haver perdas de bem-estar não implica que exista
outro programa que possa levar todos a uma melhor situação. Além disso,
a transferência de renda através do bolsa família pode ser um caminho em
direção à equidade contribuindo para a redução da distância entre ricos e
pobres o que remete ao segundo teorema do bem-estar. Ocorre que a trans-
ferência de renda não significa a distribuição de dotações já que renda não
é uma dotação como a capacitação pode ser considerada.
Mas, seriam os APLs uma alternativa de saída, ou seja, uma estratégia
de modo a permitir a migração da posição de assistência para uma situação
de participação, ou melhor dizendo, de uma estratégia de dependência para
outra sustentável e que possibilita a independência? Em outras palavras,
será que os APLs de fato favorecem os territórios onde estão inseridos em
termos de redução da pobreza ou de impulso ao crescimento? Se essa é de
fato uma estratégia que leva a um maior nível de bem-estar, nada mais justo
do que pautar políticas na direção desses arranjos.
As referências teóricas sobre Arranjos Produtivos Locais têm como prin-
cipais alicerces Alfred Marshall, que tratou do tema aglomerações em deter-

224 Os arranjos produtivos locais como estratégia sustentável de redução da pobreza


minados espaços geográficos, além de Shumpeter, que relacionou o proces-
so de desenvolvimento econômico a mudanças endógenas e descontínuas
na produção de bens e serviços destacando o empreendedor como agente
fundamental do processo de desenvolvimento econômico, além de Hirsch-
man e Perroux. Para esses dois últimos o processo de desenvolvimento só
poderia ser iniciado a partir de polos, que obteriam vantagens da aglomera-
ção e das externalidades, tendo o governo como o mais importante agente
coordenador e incentivador do processo.
Estudos sobre APLs reconhecem a importância do governo não como
interventor no processo, mas como articulador ao lado da interação entre
os agentes locais não apenas entre as empresas e trabalhadores, mas entre
esses e as instituições de pesquisa, treinamento, consultoria e financiamen-
to, possibilitando assim a capacitação e inovação.
A nova teoria do crescimento tem sido a inspiração para diversos estu-
dos em países em desenvolvimento sobre aglomerações locais ao lado de
argumentos de retornos crescentes nos quais fatores como inovação tec-
nológica endógena (que surgem como resultado dos esforços dos agentes
produtivos para maximizarem seus lucros), capital humano (ou seja, o es-
toque de conhecimento dos agentes econômicos) e os arranjos institucio-
nais (incluindo a política governamental e a organização da sociedade civil)
passam a assumir papel crucial no crescimento contínuo da renda (SILVA;
CARVALHO, 2000).
Diversos autores destacam o papel das aglomerações especialmente de
pequenas e médias empresas como fundamentais para o desenvolvimento e
a construção de externalidades positivas. Essa versão contrapõe-se à visão
que veio juntamente com a globalização de que o espaço seria menos im-
portante na economia.
Contudo, Porter (1990) enfatiza a importância da formação de conglo-
merados e argumenta que a vantagem competitiva na economia global de-
riva de uma constelação de fatores locais, que sustentam o dinamismo de
empresas líderes, reforçando ou enfatizando especialmente a importância
da rivalidade local e redes de fornecedores.
Storper (1995) também contribuiu para uma nova ênfase no papel do
local, especialmente ao abordar os efeitos do aprendizado e da inovação.
Já a chamada economia da inovação, abordagem teórica concernente ao
desenvolvimento tecnológico, deu ênfase à aprendizagem por interação em
nível nacional e depois regional e local (CASSIOLATO; LASTRES, 2000).
Amaral Filho (2002) destaca quatro elementos comuns a arranjos produ-
tivos de sucesso: capital social (construído mediante a confiança e principal
condição para a existência de cooperação), estratégia coletiva de organiza-

Os arranjos produtivos locais como estratégia sustentável de redução da pobreza 225


ção da produção (toma decisões sobre a produção e compras conjuntas);
estratégia coletiva de mercado (objetivando a manutenção e conquista de
novos mercados); articulação político-institucional (como o APL se rela-
ciona com as organizações públicas e privadas responsáveis pelas políticas
públicas e com as instituições às quais cabe o papel de apoio às pequenas
empresas ou ao desenvolvimento local).
Na América Latina, Ásia e África, pequenas empresas em aglomerações
que formam redes são encontradas em diversos países como empresas de
calçados e peças avulsas de automóvel no Peru; calçados, têxteis, indústria
automobilística, semicondutores na Coreia do Sul; e carpintarias no Sudão,
Kenya, Tanzânia e Zimbabwe, entre outros.
Para o caso brasileiro, diversos arranjos produtivos foram identificados
em diferentes estados e nos mais variados ramos de atividade como, aero-
náutico em São Paulo; metalmecânica, móveis, aço e mármore e granito no
Espírito Santo; automobilístico, biotecnologia e móveis em Minas Gerais;
fumo, vinho, móveis e couros e calçados no Rio Grande do Sul; cacau na
Bahia; têxtil e vestuário, cerâmica e software em Santa Catarina; rochas
ornamentais, têxtil e vestuários e software no Rio de Janeiro; telecomuni-
cações no Paraná, couros e calçados na Paraíba; frutas tropicais, na região
do baixo Jaguaribe no Estado do Ceará, Assu e Mossoró no Rio Grande do
Norte; Alto Piranha na Paraíba; Juazeiro na Bahia; Petrolina em Pernambu-
co; Sul de Sergipe e Norte de Minas, entre outros. No Ceará são cerca de 40
os Arranjos Produtivos Locais identificados em diferentes municípios e que
atuam em diversos setores.
De acordo com Nadvi e Barrientos (2004), os impactos dos APLs sobre a
pobreza variam de acordo com o tamanho do arranjo, sua localização, tipo
de setor, a natureza das firmas que participam do APL e que tipo de empre-
go o APL gera: formal ou informal, mão de obra ou capital-intensivo.
Considerando que os APLs são usualmente formados de pequenas em-
presas e que essas em geral exploram atividades trabalho-intensivas que
requerem mão de obra pouco qualificada, a oportunidade que o fortale-
cimento de uma atividade naturalmente estabelecida pode proporcionar
torna-se um atrativo natural para aquele município, podendo estancar o
processo migratório ou mesmo atrair mão de obra ociosa de grandes cen-
tros urbanos.
A cooperação local tanto entre firmas individuais quanto através das ins-
tituições participantes do APL pode fortalecer a habilidade de competição
nos mercados por meio do compartilhamento de custos e do compromisso
em tarefas conjuntas mediante associações, por essa razão os APLs tendem
a ter uma forte presença de capital social.
Além disso, por serem dinâmicos os APLs passam por processos que po-
dem levar a uma melhoria no capital humano e tecnológico propiciando au-
mento de produtividade e abertura de mercado o que, como consequência,
favorece a elevação do nível de renda tanto para as firmas quanto para tra-
balhadores, permitindo uma ambiência sustentável de geração de renda.
O governo pode usar diferentes instrumentos de política para mudar o
bem-estar de n grupos sociais. Formalizando, suponha que x = (x1,..., xm) seja
um vetor que descreve os níveis de instrumentos de política governamental
1,..., m (exemplo: o instrumento de política x1 pode ser a bolsa família, o
instrumentos de política x2 pode ser o apoio a APLs etc.).
Suponha ainda que u = (u1,..., un) seja um vetor dos elementos que
medem o bem-estar de n grupos sociais 1,... n, como grupos de pequenos
empresários, pessoas pobres etc. e que b = (b1,..., bn), seja um vetor de va-
riáveis que descreve as condições econômicas e sociais, por exemplo: b1 =
índice de desenvolvimento humano (IDH); b2 = média de anos de estudo;
b3 = número de analfabetos; b4 = renda familiar per capita; b5 = Gini; b6 =
proporção de indigentes, b7 = proporção de pobres; b8 = percentagem de
renda apropriada pelos 40% mais pobres; b9 = população residente.107
Os níveis de bem-estar são funções das condições econômicas e sociais
e dos instrumentos de política utilizados pelo governo: u = (h1 (x, b),..., hn
(x, b)) = h (x, b) e assim sendo, considerando-se os níveis de b, que é o
vetor de variáveis econômico-sociais e, um conjunto de políticas factíveis,
se obtém os níveis de bem-estar que o governo pode atingir.108
O próximo item apresenta a evolução de variáveis b para municípios
selecionados na tentativa de mensurar a importância do instrumento de
política x2 na melhoria do nível de bem-estar e consequentemente na redu-
ção da pobreza.

4. Achados de estudos empíricos que apontam para a


relevância dos APLs
Diversos são os estudos teóricos sobre APLs com exemplificações de ca-
sos de sucesso ou identificação de arranjos produtivos em várias partes do
mundo. Para o Ceará alguns estudos acadêmicos e do próprio governo tra-
balham a identificação de arranjos produtivos locais principalmente através

107. Outras variáveis poderiam ser incluídas relacionadas à receita do município e outras que
reflitam as condições de mercado ou mesmo condições climáticas e não foram aqui incluídas
por falta de disponibilidade de dados.
108. Observe que há uma relação de dependência já que x é função do vetor b de variáveis
econômico-sociais.

Os arranjos produtivos locais como estratégia sustentável de redução da pobreza 227


da utilização do Quociente Locacional que é a metodologia mais difundida
na literatura para a identificação de APLs (como em AMARAL FILHO et al.,
2006).
Outros estudos empíricos para o Ceará apontam para a relevância de
APLs. A partir de resultados calculados para os 184 municípios do estado
e utilizando a base da Relação de Informações Sociais (RAIS), Holanda
e Petterini (2003), investigaram os possíveis determinantes do indicador
de vantagem comparativa municipal (IVCM). Referido estudo incluiu como
variáveis explicativas: a infraestrutura local, incentivo fiscal, a distância dos
maiores centros consumidores, a proximidade do litoral, o índice pluviomé-
trico, os agropolos e os arranjos produtivos locais (APLs).
O coeficiente da variável explicativa APL mostrou-se estatisticamente
significante, e positivo, tanto para a equação do ICVM agregado quanto
para as do ICVM agrícola e do ICVM do setor secundário. Os resultados
provam empiricamente que os APLs conferem vantagens competitivas para
os municípios cearenses, de acordo com a definição do ICVM.
Nogueira e Lopes, 2008, analisaram os municípios e setores que mais
contribuíram para o crescimento econômico por meio da análise de shift-
share tendo os resultados da regressão indicado que a vantagem competi-
tiva ou diferencial de um município é positivamente correlacionado com
a densidade populacional (até certo ponto) e que os municípios com APLs
tendem a ter maior diferencial em relação a outros, porém esse efeito é
menor quanto mais distante for o APL da capital.
Para o presente estudo optou-se por avaliar os possíveis impactos dos
APLs sobre o bem-estar e para tal, foram selecionados dois municípios na
mesorregião Noroeste do Estado do Ceará que abrigam APLs identificados:
Frecheirinha, APL de confecções, situada na macrorregião administrativa
de Sobral/Ibiapaba e Marco, APL de calçados, situada na macrorregião do
litoral Oeste.
Primeiramente foi realizada uma análise comparativa com base na evolu-
ção de indicadores econômicos e sociais dos municípios onde estão localiza-
dos os APLs selecionados, comparativamente à média daqueles municípios
pertences à mesma mesorregião que não apresentam APLs identificados.
Conforme anteriormente mencionado os indicadores selecionados foram:
Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), o número de anos de estudo da
população maior de 25 anos, taxa de analfabetismo, da população acima de
15 anos de idade, a renda familiar per capita, Índice de Gini, proporção de
indigentes, proporção de pobres, proporção da renda total apropriada pelos
40% mais pobres e população total com base em dados do PNUD/Ipea.

228 Os arranjos produtivos locais como estratégia sustentável de redução da pobreza


Um breve histórico indica a curiosa trajetória dos APLs selecionados.
O município de Frecheirinha, com aproximadamente 13.405 habitantes,
se baseava até 1990 na economia de subsistência. No início da década de
1990 por incentivo de empresário local, teve início o APL de confecções
que possui cerca 18 empresas formais e informais que geram 500 empregos
diretos.
O município de Marco possui 20.222 habitantes e até 1990 também
apresentava economia de subsistência. No início da década de 1990, após
grande seca e estimulados inicialmente por compras do governo, carpintei-
ros e pequenos empresários locais atenderam a demanda de forma conjun-
ta. Posteriormente esses e novos trabalhadores passaram a se dedicar ao
ramo por incentivo de um empresário local. Hoje o município conta com 24
empresas moveleiras que empregam cerca de 1.200 pessoas.
A Tabela 1 mostra a variação dos indicadores sociais para os municípios
do Noroeste cearense que não estão situados em APLs comparativamente
aos resultados obtidos para Frecheirinha e Marco, de 1991, ano de início da
atividade dos arranjos produtivos, até 2000.

Tabela 1 – Taxa de variação de indicadores selecionados de 1991 a 2000 (%)


Noroeste Cearense – municí-
Indicadores Frecheirinha Marco
pios sem APLs identificados
IDH 12,97 19,80 29,41
Média de anos de estudo 30,00 51, 76 63,27
Analfabetos -33.19 -18,88 -28,80
Renda familiar per capita 37,23 14,56 46,95
Gini 3,21 15,09 22,00
Proporção de indigentes -15,01 -11,28 -15,06
Proporção de pobres -8,95 -6,47 -16,14
% renda apropriada pelos
-20,83 54,11 -46,97
40% mais pobres
População residente 16,71 21,93 -1,34

A análise dos resultados da Tabela 1 revela que de fato houve crescimen-


to superior para os municípios que abrigam APLs (no caso, Frecheirinha e
Marco) em relação aos municípios sem APL também do Noroeste cearense
nos seguintes indicadores: índice de desenvolvimento humano (IDH) e mé-
dia de anos de estudo. Já o gini cuja variação positiva revela uma elevação
no nível de concentração de renda, mostrou aumento na concentração de
renda maior para os municípios que possuem APL.
A variação na renda familiar per capita para o período foi positiva e indi-
cou variação superior para o município de Marco em relação à Frecheirinha
e à média dos municípios sem APLs identificados da mesma mesorregião.

Os arranjos produtivos locais como estratégia sustentável de redução da pobreza 229


Contudo, a variação negativa da taxa de analfabetismo no período ana-
lisado foi superior para a média dos municípios fora de APL da mesma me-
sorregião o que evidencia que a queda no número de analfabetos foi ainda
maior para os municípios sem APL.
A variação negativa da proporção de pobres foi superior para Marco
tendo caído duas vezes mais do que para municípios sem APL identificado,
mas a proporção de indigentes se manteve praticamente a mesma para o
município de Marco e para municípios sem APLs. A variação na proporção
da renda total apropriada pelos 40% mais pobres cresceu mais para Fre-
cheirinha, mas caiu mais para Marco do que para a média dos municípios
fora de APL da mesma mesorregião.
É curioso notar que a população de Frecheirinha aumentou (22%) no
período, mais do que a população dos municípios da mesma mesorregião
sem APLs identificados. Isso explica parcialmente porque os indicadores
de Frecheirinha não apresentaram variação tão significativa quanto os de
Marco cuja população caiu -1,34%.
Apesar de ilustrativa, a variação dos indicadores acima citados não torna
evidente o diferencial imposto pela existência de APLs para os municípios
selecionados em termos de redução da pobreza e melhoria do bem-estar
por essa razão, o estudo de mensuração de impacto se faz necessário.
Estudos empíricos mostram que, em geral, o crescimento econômico
atua na redução da pobreza evidenciando, desse modo, uma conexão entre
crescimento e pobreza. Porém, de acordo com o Relatório do Banco Mun-
dial (Desenvolvimento Mundial: combate à pobreza 2000/2001), há gran-
des divergências em vários países já que em alguns casos os pobres ganham
pouco ou nada com o crescimento.
De fato, considerando os arranjos produtivos locais identificados para
o Ceará, foi realizada a estimação de parâmetros de uma função do tipo
Cobb-Douglas com o objetivo de verificar se municípios com APLs constituí-
dos possuem um efeito positivo sobre a taxa de crescimento da renda.
Guardando todas as propriedades de uma função de produção neoclás-
sica de crescimento econômico, além dos fatores tradicionais como capital
físico, capital humano, trabalho e tecnologia, a variável APL foi incorporada
como uma variável binária indicando valor 1 para os municípios com APL e
0 para municípios sem APL.
O resultado da regressão não evidenciou impacto dos Arranjos Produti-
vos Locais, sobre a taxa de crescimento da renda, porém é de se salientar de
que não se trata de resultado conclusivo especialmente considerando que as
variáveis capital-físico e capital-humano capturam em muito os efeitos que
poderiam ser atribuídos aos APLs.

230 Os arranjos produtivos locais como estratégia sustentável de redução da pobreza


A estimativa do impacto na proporção de pobres em municípios do Cea-
rá foi realizada tendo como variável depende a proporção de pobres (P) e
como variáveis explicativas o Gini (g) a renda per capita (y) e os municípios
com e sem APLs (0 e 1). Considerando variáveis em nível e em diferença a
partir de 1990, ano considerado como marco de identificação e reconheci-
mento de APLs no Ceará, constatou-se que em nível (sem levar em conta a
variação no tempo, efeito dinâmico) a variável APL mostrou-se não relevan-
te em termos de impacto na proporção de pobres.
Contudo, a Tabela 2 que apresenta os resultados do modelo de regressão
estimado em termos de variação (diferença), mostra que a proporção de
pobres se reduz quando a renda per capita aumenta e quando existe APL
no município e essa proporção aumenta se cresce o nível de concentração
de renda medido pelo Gini. O fato de os resultados relativos ao Gini e a
renda per capita corroborarem as expectativas, fortalece o resultado obtido
com relação a APLs que foi significante. Tais resultados se confirmam tanto
quando se inclui todos os municípios do estado (Modelo 1) como quando
se exclui a Região Metropolitana de Fortaleza, Crato Juazeiro e Barbalha e
Sobral (Modelo 2).

Tabela 2 – Resultado da regressão que estima o impacto na proporção


de pobres nos municípios do Ceará – variáveis em diferença
Variável dependente: Proporção de pobres
Variáveis explicativas Modelo 1 Modelo 2
-0,0845 -0,0807
Intercepto
(0,000) (0,000)
0,2700 0,2561
ln(Gini)
(0,000) (0,000)
-0,2713 -0,2696
ln(Renda per capita)
(0,000) (0,000)
-0,0126 -0,0147
APL
(0,089) (0,065)
R² 0,6642 0,6760
150,97 144,65
Teste F Geral
(0,000) (0,000)
1,22 0,57
RESET
(0,306) (0,634)
4,23 3,57
Breusch-Pagan
(0,040) (0,059)
Observações 184 167
Obs.: Entre parêntesis os valores – p.

Embora nenhum dos resultados aqui apresentados sejam conclusivos,


funcionam como indicativo de que o apoio a arranjos produtivos locais ao

Os arranjos produtivos locais como estratégia sustentável de redução da pobreza 231


longo do tempo pode ter um impacto na redução da pobreza. Mesmo assim,
não se pode afirmar que qualquer APL traga benefícios em termos de re-
dução da pobreza uma vez que para isso é preciso que a mão de obra local
seja utilizada e para tanto o setor deve ter preferencialmente mão de obra
intensiva e que consiga incluir mão de obra de baixa qualificação ou que
possibilite as capacitações necessárias em pequeno espaço de tempo.
Apesar de haver evidência de que APLs geram emprego e renda para os
pobres no mundo em desenvolvimento, como num jogo, o fortalecimento
de APLs pode produzir ganhadores e perdedores (NADVI; BARRIENTOS,
2004), daí a razão de se conceber estratégias de atuação de modo a ofere-
cer suporte a produtores e trabalhadores efetivos e potenciais a partir da
identificação da privação de capacidades tanto de trabalhadores quanto de
empresários.
Isso sugere a necessidade de intervenção, mas não no sentido vertical,
porém com o objetivo de oferecer suporte já que o próprio conceito de APL
pressupõe surgimento natural e com base nas vocações locais e culturais.

Considerações finais
Não se pode afirmar que a constituição de um APL por si só traga benefícios
em termos de redução da pobreza uma vez que para isso é preciso que a
mão de obra local seja utilizada, que o setor seja preferencialmente de mão
de obra intensivo e possa incluir mão de obra de baixa qualificação ou que
possibilite as capacitações necessárias em pequeno espaço de tempo.
Se por um lado essas características podem significar a geração de em-
prego em posições de “chão de fábrica” e com salários inferiores, por outro
significa a absorção de mão de obra ociosa e carente de oportunidade, o
que no longo prazo pode ensejar melhoria no nível de educação em termos
de capacitação e número de anos de estudo que a própria ocupação pode
proporcionar ou estimular. Considerando que melhores níveis de educação
formal ensejam melhores salários, isso pode representar uma melhoria de
renda para trabalhadores de APLs.
Os resultados das investigações aqui mostradas apontam para um possí-
vel impacto positivo dos APLs na redução da pobreza. Embora não se possa
atribuir o mérito exclusivo aos APLs, fica evidente que houve crescimen-
to superior para os municípios que abrigam APLs em relação aos municí-
pios sem APL do Noroeste cearense no índice de desenvolvimento humano
(IDH) e na média de anos de estudo.
Os resultados estimados em termos de diferença mostram que a propor-
ção de pobres se reduz quando a renda per capita aumenta e quando existe

232 Os arranjos produtivos locais como estratégia sustentável de redução da pobreza


APL no município e essa proporção aumenta se o nível de concentração
de renda medido pelo Gini se eleva. Embora os resultados apresentados
sofram algumas falhas inerentes às variáveis incluídas no modelo, o fato
de os resultados relativos ao Gini e a renda per capita corroborarem a ex-
pectativa, fortalece o resultado obtido com relação a presença dos APLs,
que foi significante. Ademais, tais resultados se confirmam tanto quando se
inclui todos os municípios do estado (Modelo 1) quanto quando se exclui
a Região Metropolitana de Fortaleza, Crato Juazeiro e Barbalha e Sobral
(Modelo 2).
Tendo em vista as análises realizadas, o fortalecimento dos Arranjos Pro-
dutivos Locais (APLs) como estratégia de combate à pobreza deve aconte-
cer sem prejuízo do programa de assistência em andamento do governo
federal, funcionando assim como uma política alternativa e complementar
que, por oferecer oportunidade de renda e capacitação, permite o desloca-
mento em direção à inserção sem traumas e de forma sustentável.

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234 Os arranjos produtivos locais como estratégia sustentável de redução da pobreza


Capacitação tecnológica no Brasil: por que as
políticas de C,T&I são pouco eficazes?

David Rosenthal

1. “Chovendo no molhado”: Inovação, Competitividade,


Desenvolvimento
A literatura sobre o papel da inovação na vida econômica moderna ex-
pande-se dia a dia, assim como o número de campos de estudo que visam
a explicar sua importância e, principalmente, os fatores determinantes do
próprio fenômeno “inovação”, e as condições necessárias para a endogenei-
zação e potencialização desses fatores na atividade “regular” dos agentes
econômicos, com vistas a transformar a “produção de inovações” num dos
principais resultados dessa atividade.
Começando pelos chamados “economistas clássicos”, e passando por
Marx e Schumpeter, a “tecnologia” e/ou a “mudança técnica” tem sido vista
como um dos principais motores da elevação da produtividade que, a partir
da revolução industrial, vem caracterizando a evolução do sistema capita-
lista e viabilizando o processo de transformação e elevação do padrão de
vida das sociedades humanas, a que se dá (com propriedade discutível)
o nome de desenvolvimento econômico. Mas é a partir dos trabalhos dos
economistas da chamada “escola neo-schumpeteriana”, na segunda metade
do século XX – coincidindo, não por acaso, com a emergência das primeiras
inovações precursoras da nova revolução tecnológica associada ao “proces-
samento automático da informação”109 – que a inovação tecnológica passa
a ser vista como principal instrumento de competição, na dinâmica do sis-
tema capitalista, e a capacidade de gerar e introduzir tais inovações, como
fator decisivo na determinação, de um lado, da sobrevivência da empresa e,
de outro, da competitividade do país. As ideias básicas dessa escola – acei-
tas hoje, com pequenas variações de detalhes, por estudiosos de diferentes
áreas de conhecimento – podem ser resumidas nas seguintes proposições:

109. Especialmente a computação eletrônica, o transistor e o circuito integrado.

Capacitação tecnológica no Brasil 235


1) Do ponto de vista da empresa, atuante num sistema econômico con-
correncial, no qual a busca do lucro constitui o motor da atividade pro-
dutiva, a tecnologia por ela empregada110 – principal determinante das
características funcionais, físicas e econômicas dos bens e serviços por
ela produzidos – define diretamente a aceitação de seus produtos e, por-
tanto, sua capacidade de sobrevivência e expansão. Assim, quanto mais
intensa é a concorrência no mercado, tanto maior tende a ser, em princí-
pio, a motivação (e a necessidade) da empresa de buscar a diferenciação
de seu produto, através da introdução de aperfeiçoamentos naquelas
características – isto é, de alterações na tecnologia (consubstanciada no
produto ou no processo de produção), ou “inovações tecnológicas”.111
2) Do ponto de vista da sociedade como um todo (um país), o nível da pro-
dutividade social – e, portanto, o da renda por ela gerada – depende fun-
damentalmente da proporção representada, no valor total da produção
(e na parcela da população ocupada), pelos setores em que a produtivi-
dade do trabalho é mais alta. Da mesma forma, o ritmo de crescimento
desse nível de renda – isto é, de “desenvolvimento econômico” – varia
diretamente com o ritmo de elevação dessa produtividade, ao longo do
tempo. Essa elevação, por sua vez, depende, não apenas da acumulação
física do estoque de bens de capital da sociedade (como preconizam
muitos modelos de crescimento), mas, principalmente, do ritmo de in-
trodução de inovações tecnológicas no sistema produtivo. Como o vetor
principal dessa introdução é a empresa capitalista, o desenvolvimento
econômico pode ser visto como dependente de dois conjuntos de fatores
fundamentais: aqueles que influenciam a “motivação” que impulsiona
a empresa a desejar inovar, e os que determinam sua “capacidade” de
fazê-lo.
3) Enquanto o primeiro conjunto está diretamente relacionado com carac-
terísticas específicas à empresa (e aos decisores) e com suas expectati-
vas de lucro e sobrevivência – padrões de inserção no mercado, relação
entre os custos da atividade inovativa e os ganhos esperados de seus
resultados – o segundo já depende, em grande medida, dos padrões tec-
nológicos prevalecentes no setor em que ela atua (e do “estado da arte”
já atingido por esses padrões no nível mundial), seja no que respeita ao
produto, seja com relação aos processos de produção (no sentido mais
amplo do termo). Esses padrões, por sua vez, refletem o nível dos conhe-

110. Para uma discussão do conceito de tecnologia, e dos diferentes níveis de abrangência em
que pode ser considerado, ver Rosenthal (2007), p. 16-22.
111. Evidentemente, essa motivação é apenas um dos muitos e complexos requisitos envolvi-
dos nesse processo – uma das principais “fontes de inovação internas à empresa” –, conforme
referido por Rosenthal (2007), p. 31.

236 Capacitação tecnológica no Brasil


cimentos tecnológicos consubstanciados nos bens e serviços gerados por
esse setor – e dos requisitos, em termos de recursos humanos, materiais
e informacionais, necessários para sua aplicação. Assim, a “capacidade”
de uma empresa para gerar e/ou introduzir inovações depende do nível
de domínio exercido sobre os conhecimentos tecnológicos essenciais,
que definem o “estado da arte” em seu setor de atuação, “pela própria
empresa” – e também pelo ambiente em que atua, especialmente no que
respeita àquelas partes/instituições desse ambiente que lhe podem servir
de fontes dos recursos para a atividade inovativa. O nível de complexi-
dade e sofisticação dos “conhecimentos tecnológicos essenciais” abran-
gido por esse requisito tende a ser tanto mais elevado quanto maior for
o peso da exploração de conhecimentos de ponta, gerados pelos mais
recentes avanços da ciência, sobre os fenômenos da natureza aplicados
na determinação das características do bem ou serviço.112 Não é por ou-
tro motivo que os setores cujos produtos (e/ou processos de produção)
consubstanciam uma elevada densidade de conhecimentos científicos
avançados – e apresentam os mais altos requisitos de especialização e
níveis de produtividade da força de trabalho empregada – são designa-
dos como de “alta tecnologia” (high-tech).
Essas proposições nos permitem concluir que:
a) O ritmo de desenvolvimento econômico de um país depende muito de
sua capacidade de inovação.
b) Esta última depende, de um lado, da “motivação das empresas”, cons-
titutivas de seu sistema produtivo, para investir em atividades volta-
das para a geração/introdução de inovações, genericamente designadas
como de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D); e, de outro, de sua “capa-
cidade” de desenvolver eficazmente tais atividades.
c) Diferentemente do fator “motivação”, esse último requisito, conquan-
to se manifeste na própria empresa, transcende necessariamente seus
limites, estendendo-se à sociedade como um todo, já que pressupõe a
possibilidade de mobilizar, dentro do ambiente em que aquela atua, os
recursos humanos, fontes de conhecimento e demais requisitos científi-
co-tecnológicos necessários à atividade inovativa.
d) Essa natureza sistêmica da “capacidade de inovação” vincula o desen-
volvimento econômico ao ritmo de introdução de inovações pelo siste-
ma produtivo como um todo – e à participação relativa, neste último, de
empresas (e cadeias produtivas) atuantes nos setores de maior produti-
vidade, especialmente os de alta tecnologia.

112. É o caso, no contexto mais atual, das tecnologias baseadas em conhecimentos gerados
pela física subatômica e quântica, fisico-química, fotônica, genética, biologia molecular etc.

Capacitação tecnológica no Brasil 237


e) Assim, a capacidade inovativa e o nível de desenvolvimento de um país
podem ser vistos como dependentes da proporção, representada por
bens e serviços de alta tecnologia, na produção (e na composição da
ocupação da força de trabalho) do mesmo – e esta, por sua vez, ten-
de a ser tanto maior quanto mais elevado for o nível de domínio exer-
cido, pela sociedade (e seu sistema produtivo), sobre os “paradigmas
tecnológicos”113 mais avançados.
f) Esse domínio traduz-se, em primeiro lugar, no peso relativo dos setores
responsáveis pela produção dos “bens e serviços que consubstanciam
esses paradigmas e viabilizam suas aplicações”; e, ainda, na experiência
das empresas, atuantes nesses setores, na busca de aperfeiçoamentos
desses paradigmas, para geração e/ou introdução de inovações nos seus
mercados;114 na disponibilidade de recursos humanos capacitados para
essas atividades, em quantidades e níveis de qualificação compatíveis
com as necessidades de funcionamento e expansão daquelas empresas;
na existência de instituições de ensino e/ou pesquisa capacitadas para:
(i) garantir a formação daqueles recursos e seu acesso aos fluxos de
novos conhecimentos, resultantes dos avanços da ciência e da concor-
rência nos mercados mundiais, que enriquecem incessantemente aque-
les paradigmas; e (ii) explorar, em atividades de P&D acadêmicas e/ou
voltadas para prestação de serviços tecnológicos a empresas, as fron-
teiras de aplicação de tais conhecimentos, seja no aperfeiçoamento das
utilizações atuais, seja na sua introdução em novas áreas de atividade
produtiva; ou (iii) expandir tais fronteiras, através da geração de novos
conhecimentos científicos, que ampliam as “oportunidades tecnológi-
cas” desses paradigmas.
g) É justamente essa natureza sistêmica da capacidade inovativa, e sua re-
lação direta com o desenvolvimento econômico, que dá lugar ao con-
ceito de Sistema Nacional de Inovação (SNI), e ao reconhecimento, em
todos os países, da importância das políticas públicas, para a criação das
condições necessárias ao fortalecimento desse sistema e à ampliação do
domínio dos paradigmas tecnológicos mais avançados.

113. Na concepção original do pioneiro na utilização desse conceito, um “paradigma tecno-


lógico” consiste em “um ‘modelo’ e um ‘padrão’ de soluções para determinados problemas
tecnológicos, baseados em determinados princípios das ciências naturais e em determinadas
tecnologias materiais”. Dosi (1984), p. 85.
114. Em se tratando de setores de grande complexidade tecnológica, nos quais a produção
(e a concorrência) é caracterizada por um elevado nível de globalização e especialização dis-
tribuída, o grau de inserção da indústria do país nas redes mundiais de produção constitui
também um importante indicador de “domínio do paradigma tecnológico”. Ver Ernst e Kim
(2001).

238 Capacitação tecnológica no Brasil


2. Capacitação tecnológica como objeto explícito de política
pública
O surgimento e rápida expansão, a partir do último quartil do século XX,
dos novos setores econômicos ligados aos bens e serviços que consubstan-
ciam o paradigma digital115 – e as amplas oportunidades tecnológicas aber-
tas por esse último, para transformação radical dos processos de produ-
ção, em todos os demais setores da vida econômica – deflagrou, nos países
em que o nível de desenvolvimento das ciências e a existência de outras
condições propícias116 permitiram, um intenso processo de introdução de
inovações que, em duas décadas, veio a configurar uma “nova revolução
industrial” (além de uma não menos radical revolução informacional, que
converteu a “informação” em recurso estratégico, em termos de política
internacional).117 Esse processo deu lugar a uma grande intensificação da
concorrência entre os países desenvolvidos, no campo da ciência e tecnolo-
gia (C&T), na medida em que a capacidade de introduzir inovações tecno-
lógicas, e especialmente o domínio daquele paradigma, passou a ser reco-
nhecida como principal determinante de sucesso econômico, não mais em
nível de empresas, mas agora em nível de nações.118
A amplitude das possibilidades abertas, para avanço tecnológico em to-
dos os campos de conhecimentos básicos que constituem o cerne das TICs
– a microeletrônica, a engenharia de software e a eletrônica digital – e para
aplicação dessas tecnologias em todos os campos de atividade humana, en-
sejaram o surgimento de uma corrida mundial para as atividades de P&D
voltadas para a exploração dessas oportunidades. A elevação dos custos
dessas atividades, associada à necessidade de ampliação das escalas de pro-
dução dos bens e serviços delas resultantes, necessária a sua amortização,
constituiu um poderoso impulso propulsor do processo de globalização da
economia mundial – ao mesmo tempo em que a aplicação dessas tecnolo-
gias, em redes mundiais de comunicação e processamento de informações,
criava as bases técnicas de viabilização dessa mesma globalização.
Assim, já a partir das duas últimas décadas do século XX, as políticas
governamentais de elevação acelerada da capacidade inovativa adquiriram

115. O termo « paradigma digital » traduz a aplicação do conceito de « paradigma tecnoló-


gico » ao campo das Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs). O núcleo desse
paradigma é constituído pelas áreas da « computação e comunicação », abrangendo disposi-
tivos e equipamentos (hardware), software e os « circuitos integrados semicondutores », que
viabilizam sua aplicação a todas as áreas de atividade humana.
116. Com destaque para o avançado nível de domínio do paradigma eletromecânico e o ele-
vado grau de industrialização, de desenvolvimento econômico e social e de maturação do
sistema capitalista.
117. Ver Rosenthal, 2007 (2).
118. Ver, por exemplo, Nora e Minc (1980).

Capacitação tecnológica no Brasil 239


um papel predominante nos países centrais. Tais políticas, com pequenas
variações, têm sido voltadas para ampliar a participação dos setores de alta
tecnologia na formação do produto nacional, através do fortalecimento das
empresas nacionais que atuam nesses setores, seja defendendo ativamente
sua competitividade nos mercados mundiais (e, portanto, sua motivação
para inovar), seja fomentando a consolidação e desenvolvimento dos de-
mais segmentos constitutivos da sociedade vistos como determinantes de
sua capacidade para fazê-lo.
Essas políticas são baseadas no modelo dos “sistemas nacionais de ino-
vação” (SNIs),119 que atribui a capacidade inovativa de um país ao resultado
de interações sinergéticas entre três conjuntos de agentes sociais, cujas ati-
vidades podem, e tendem a, gerar contribuições significativas (embora não
suficientes, isoladamente) para a capacitação tecnológica, configurando-se
assim como “subsistemas básicos” do respectivo SNI. Esses são: o “sistema120
institucional”, abrangendo todo o conjunto de normas legais, instituições e
agências públicas e mecanismos de apoio, por meio do qual o Estado pode
criar um ambiente social e econômico mais, ou menos, favorável às ações
inovativas empreendidas pelos outros dois, e influenciar nos seus resul-
tados; o “sistema científico-tecnológico”, abrangendo todas as instituições
envolvidas na absorção, geração e difusão de conhecimento científico e/
ou tecnológico, assim como na formação de recursos humanos qualificados
para a aplicação desse conhecimento às atividades produtivas e à solução
de problemas da vida social em geral; e, finalmente, o “sistema produtivo”,
englobando o conjunto dos agentes sociais que, movidos pela dinâmica dos
mercados – baseada na concorrência capitalista e na busca do lucro – ten-
dem a constituir os principais introdutores de inovações tecnológicas na
vida econômica do país: as empresas privadas. Esse modelo sugere a neces-
sidade de alguma forma de intervenção do Estado nessa vida econômica,
na medida em que atribui a ele um papel fundamental na conformação da
capacidade tecnológica do país. Tal papel diz respeito tanto à função de
identificação de eventuais entraves ao desempenho dos demais subsistemas
do SNI, quanto à formulação de políticas públicas voltadas para superação
de tais entraves, através da criação de condições ambientais estimuladoras
da motivação das empresas, e/ou de fortalecimento do sistema científico-
tecnológico e direcionamento e compatibilização de sua atuação, no senti-
do de fornecer o suporte necessário ao sistema produtivo.

119. Ver, por exemplo, Edquist (1997).


120. Um postulado básico da teoria geral de sistemas é que todo subsistema, componente de
um sistema maior, pode ser visto como constituindo também, ele próprio, um sistema. Ver
Ackoff (1971).

240 Capacitação tecnológica no Brasil


Nos países centrais, essas políticas têm-se traduzido em ações direciona-
das principalmente para a defesa dos interesses das empresas de proprieda-
de de seus grupos de capital – especialmente aquelas que já vêm disputando
a liderança nos setores mais avançados e dinâmicos – nos mercados mun-
diais121 e, ao mesmo tempo, na alocação de recursos financeiros vultosos
para promover atividades de P&D e formação de recursos humanos de seus
sistemas científico-tecnológicos. No que respeita ao sistema produtivo, es-
sas políticas são voltadas, de um lado, para estimular a ampliação das esca-
las de produção e dos mercados de suas empresas em nível global122 e, de
outro, para intensificar o ritmo de criação de novas empresas, para disputar
na fronteira da incorporação dos avanços científicos mais recentes ao siste-
ma produtivo. Ressalte-se que, nesses países – especialmente nos Estados
Unidos – o setor público também atua fortemente sobre os demais subsis-
temas do SNI, mediante subvenções maciças e compras governamentais de
bens e/ou serviços de pesquisa científico-tecnológica, diretamente ao setor
produtivo (e, através deste, ao sistema científico-tecnológico), nos campos
do paradigma digital e demais paradigmas tecnológicos de ponta, como no
desenvolvimento e produção de armamentos e grandes projetos espaciais.
Também no caso dos países ditos emergentes – especialmente os asiáti-
cos, que vêm alcançando sucesso relativo, nos esforços para superação da
condição de subdesenvolvimento – as premissas acima serviram de base
para as políticas governamentais de fomento à capacidade de inovação de
suas respectivas sociedades. Nesses, os patamares iniciais de organização
do SNI e seus subsistemas constituintes eram bem diferentes daqueles dos
países centrais – e o reconhecimento dessa realidade, pelos governos, le-
vou-os a atribuir ao subsistema político-institucional um papel bem mais
ativo, assumindo o comando do SNI e atuando diretamente sobre os demais
subsistemas, a fim de capacitá-los para superar suas deficiências.
Esses países seguiram o exemplo dado pelo Japão nas décadas de 1960-
1970, orientando suas políticas de capacitação tecnológica no sentido de
acelerar o domínio do paradigma digital, mediate investimentos estatais ma-
ciços em instituições de P&D nas áreas de C&T centrais desse paradigma,123
juntamente com a concessão de fortes estímulos fiscais, financeiros e mer-

121. Principalmente no que respeita à liderança tecnológica, como mostram as pressões exer-
cidas, nos organismos internacionais, na defesa intransigente da ampliação dos direitos de
propriedade industrial (TRIPS) – ou ainda a atitude do governo norte-americano, nos casos do
Protocolo de Kyoto, negociações da Rodada Doha, OMPI etc.
122. Inserem-se aí, por exemplo, os esforços da União Europeia para incentivar a consolidação
de sua economia e viabilizar a criação de empresas “europeias”, que possam concorrer com os
grandes grupos de capital americano.
123. Atuando intensivamente na atração de cientistas nacionais, empregados em universi-
dades e empresas norte-americanas, para retornarem a seus países, a fim de dirigirem essas
instituições. Ver Kim (1993).

Capacitação tecnológica no Brasil 241


cadológicos (por meio do uso do poder de compra do governo) aos grupos
de capital e empresas nacionais, atuantes nos setores-chave de produção
diretamente ligados a esse paradigma, que se dispusessem a tentar concor-
rer nos mercados mundiais (o que exigia, necessariamente, desenvolver sua
capacidade de inovação).124

3. Políticas de capacitação tecnológica no Brasil – uma rápida


visão panorâmica
No Brasil, onde a atuação do governo na área da C&T tem uma história re-
lativamente longa, remontando pelo menos ao início da década de 1950,125
as políticas específicas, voltadas para o desenvolvimento da capacidade de
inovação, passaram a receber atenção especial nessa última década. Note-
se que, apesar dos intensos movimentos pendulares que têm caracterizado
a “visão estratégica” dos governos brasileiros, no que respeita às causas do
atraso relativo do País, às condições necessárias para sua superação e ao
papel do setor público na criação dessas últimas, as políticas de C&T man-
tiveram, durante décadas, certa estabilidade, apresentando, quase sempre,
um forte viés para o campo do conhecimento científico e privilegiando a
academia (especialmente as universidades federais) como foco principal
de atuação daquelas políticas. Talvez por isso – e pelo fato de terem sido
a definição e gestão dessas políticas atribuídas, em grande medida, a pro-
fissionais da área acadêmica126 – muitos dos instrumentos e mecanismos
criados por essas políticas, inclusive suas estruturas operacionais, sofreram
relativamente pouca influência daquelas oscilações e puderam continuar
atuando, com maior ou menor eficiência, sob as diferentes orientações.
Assim, tais políticas foram regularmente orientadas para a construção
de um sistema científico-tecnológico – num país altamente carente, nos es-
tágios iniciais, de instituições capacitadas para preencher essa função. Com
relação ao sistema produtivo – salvo em alguns períodos e/ou segmentos
“excepcionais”, como veremos adiante – o pressuposto básico parece ter

124. Evidentemente, esta afirmativa constitui uma generalização grosseira, já que as políticas
seguidas por cada governo levaram em conta características próprias do sistema produtivo de
seu país. Assim, a Coreia do Sul deu grande ênfase ao fortalecimento dos chaebols, enquanto
que Taiwan procurou estimular mais as pequenas e médias empresas que já atuavam nesses
setores. Ver, por exemplo, Kim (1993) e Hou e Gee (1993).
125. Embora voltada prioritariamente para a constituição e fortalecimento do “sistema cien-
tífico-tecnológico” e motivada, em grande medida, por preocupações de ordem geopolítica e
militar. Ver Erber (1981).
126. E também, com menos destaque público, mas com considerável peso nas decisões, a mi-
litares preocupados com a grande dependência tecnológica das forças armadas, e/ou atuantes
nos núcleos incipientes de pesquisa tecnológica voltada para reduzir essa dependência, criados
após a Segunda Guerra Mundial.

242 Capacitação tecnológica no Brasil


sido, até o final da década de 1980, o de que a elevação do nível de qualifi-
cação dos recursos humanos disponíveis no mercado de trabalho, juntamen-
te com os diferentes mecanismos tarifários, cambiais, financeiros e fiscais
de estímulo ao investimento produtivo, introduzidos no marco da política
mais geral de Industrialização por Substituição de Importações perseguida
pelo governo desde a década de 1950, levaria a um processo contínuo de
elevação da capacidade tecnológica e, portanto, da produtividade do País.
As exceções referidas anteriormente ocorreram em alguns setores e pe-
ríodos específicos – exploração de petróleo, na década de 1950; petroquí-
mica, siderurgia, energia (atômica e hidrelétrica) e telecomunicações, nas
duas décadas seguintes – em que a preocupação com a dependência tecno-
lógica, em termos daquilo que era visto como “ameaças” à soberania (ou até
mesmo segurança) nacional, e/ou a maior influência exercida por setores
nacionalistas nas forças armadas, levaram o governo a intervenções mais
ativas no setor produtivo. Essas se deram através da criação de empresas
estatais e/ou da formação de associações do Estado com empresas multina-
cionais, interessadas no mercado brasileiro, com participação paritária de
capital privado nacional – o modelo conhecido como “tripé”.127
Merece destaque especial, nesse contexto, a chamada Política Nacional
de Informática que, durante aproximadamente uma década e meia (1975 a
1990), conseguiu aliar expressivos segmentos da academia a profissionais
das áreas de processamento de dados, técnicos e servidores públicos e se-
tores nacionalistas das forças armadas. A instável união entre esses grupos
convergiu em um grande esforço para criação de um segmento do setor
produtivo nacional, voltado para a produção dos bens que consubstancia-
vam o também incipiente paradigma digital e capacitado para interagir
com o sistema científico-tecnológico, na geração e utilização de inovações
baseadas no domínio das tecnologias básicas desse paradigma.128 Embora
radicalmente descartada pela vigorosa reversão pendular da “filosofia de
governo” ocorrida no governo Collor, essa política deixou marcas profun-
das, que continuam exercendo influência considerável no SNI brasileiro. A
própria manutenção do título “política nacional de informática”, como cam-
po específico, no contexto do conjunto de mecanismos de política de C,T&I
oficialmente em vigor – pode ser vista como indicação do reconhecimento
da importância especial do segmento do setor produtivo por ela englobado,
e da atenção especial que merece, como vetor da capacidade de inovação
do País. Aquela influência evidencia-se ainda mais na sua contribuição para
a formação de um considerável acervo de “ativos tecnológicos” do País,

127. Ver Evans (1979).


128. Para detalhes muito esclarecedores, ver Dantas (1989) e Tapia (1995).

Capacitação tecnológica no Brasil 243


consubstanciados nos recursos humanos capacitados hoje disponíveis, seja
nos setores usuários, seja na academia, ou nas ainda escassas e reduzidas
(em termos de escala) empresas nacionais129 produtoras de bens e servi-
ços baseados no paradigma digital. Afinal, não parece coincidência o fato
de que muitas das maiores e mais dinâmicas empresas nacionais do setor
de software130 se tenham originado durante a vigência daquela Política, e/
ou sejam dirigidas por profissionais cuja atividade empresarial teve origem
naquela época.131
O mesmo pode ser dito com relação aos principais centros universitários
e instituições de pesquisa hoje atuantes no País, nos campos de conheci-
mento relevantes para esse paradigma. E não se deve minimizar, também, a
influência daquela política, na formação técnica e intelectual de muitos dos
dirigentes atuais das instituições responsáveis pela formulação e implemen-
tação das políticas governamentais: ela pode ser percebida no enfoque das
mudanças introduzidas, a partir do final da década de 1990 e, principalmen-
te, no começo da década atual, que reconhece no setor produtivo o agente
principal da inovação e volta-se para a busca de mecanismos de estímulo a
sua motivação – reduzindo o tradicional “viés pró-academia” predominante
no período anterior. A introdução da inicial “I” no nome oficial do “foco” da
política governamental, que deixou de contemplar a “Ciência e Tecnologia”
(C&T) para englobar a “Ciência, Tecnologia e Inovação” (C,T&I) pode ser
vista, talvez como expressão simbólica dessa mudança de ênfase – ainda
que, em termos institucionais, as responsabilidades continuem repartidas
entre ministérios diferentes (e nem sempre bem entrosados), e decisões
envolvendo políticas econômicas e sociais mais amplas, determinantes do
ambiente, padrões de concorrência e comportamento estratégico das em-

129. Que não incluem, evidentemente, as subsidiárias de empresas multinacionais que atuam
no Brasil nessas áreas, cuja contribuição para a formação da capacidade inovativa nacional
limita-se, em grande medida, à capacitação dos recursos humanos que empregam, como será
visto adiante.
130. Das de hardware sobraram muito poucas, às quais se somaram algumas outras – a maio-
ria atuando apenas na montagem de equipamentos, cuja essência tecnológica está concen-
trada, em grande medida, nos componentes microeletrônicos.
131. Um exemplo ilustrativo é a cooperativa de software Tecnocoop, criada em 1982 por
pioneiros da PNI, saídos das fileiras dos funcionários do Serpro: seu banco de dados rela-
cional Open Base, projetado originalmente para permitir ao IBGE executar seus serviços em
computadores Cobra, concorre hoje no mercado internacional. Outros exemplos, citados pela
imprensa como sucessos de exportação, são: a Datasul, fundada (1979); a Microsiga (1985);
a Módulo Consultoria e Informática (1985); a Infocon (1985); a Fácil Informática (1985);
a Tales Informática (1986); a Amerinvest (1987) etc. Uma das maiores empresas do setor,
a COM, é presidida por Antonio Carlos Rego Gil, que foi presidente da SID Microeletrônica,
spin-off da SID, uma das principais empresas que constituíram as bases da Indústria Nacional
de Informática criada naquela época.

244 Capacitação tecnológica no Brasil


presas (e portanto de sua atitude com relação à inovação) sejam tomadas
em instâncias políticas alheias, ou mesmo opostas, a essas premissas.132

4. As políticas atuais de C,T&I no Brasil – objetivos,


pressupostos, estratégias e mecanismos de atuação
Como visto, as políticas explícitas de C,T&I hoje implementadas no País re-
fletem, de um lado, uma vertente de continuidade histórica, de instituições
e mecanismos operacionais consolidadas ao longo de mais de cinco déca-
das; e, de outro, uma tendência de adaptação dos objetivos perseguidos às
novas percepções quanto ao estágio atual de desenvolvimento e à contribui-
ção esperada dessas instituições.
Uma das características dessa modernização é a ênfase dada à inovação
como objetivo principal – e a adoção do modelo dos SNIs como princípio
norteador daquelas políticas. Essa ênfase tem-se traduzido no fortalecimen-
to dos mecanismos organizacionais existentes, na criação de novas institui-
ções de alto nível (como a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial
– ABDI, os Fundos Setoriais, o Centro de Gestão e Estudos Estratégicos –
CGEE e o Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia) e na ampliação dos
recursos financeiros alocados às atividades voltadas para esse fim (Lei da
Inovação, Lei do Bem, descontigenciamento de recursos do FNDCT...).
Essas modificações vêm visando a ampliar a motivação das empresas
para utilizar a introdução de inovações tecnológicas como instrumento de
competição pelos mercados – como pressupõe o modelo dos SNIs – através
da redução dos custos associados, direta ou indiretamente, ao desenvolvi-
mento de tais inovações.
Outros pressupostos, implícitos na legislação que rege as políticas de
C,T&I no Brasil, são os de que, a) a geração e introdução de inovações
exigem o exercício de atividades de P&D, seja diretamente pela empresa,
seja através de diferentes formas de interação com instituições integrantes
do sistema científico-tecnológico;133 b) portanto, ele exige a mobilização
de recursos humanos especializados, a aquisição de equipamentos e outros
recursos tecnológicos (ou de serviços de tais recursos) e envolve, portan-
to, custos financeiros elevados; c) a atividade inovativa constitui um em-

132. Ver, nesse contexto, o trabalho esclarecedor de Nassif (2007).


133. A consolidação e expansão desse sistema, objetivo central da política de C&T “tradicio-
nal”, continua constituindo, segundo declaração recente do Ministro da Ciência e Tecnologia,
Sérgio Rezende, a primeira prioridade da atual – inclusive como instrumento de formação e
disponibilização, no mercado de trabalho, dos recursos humanos de alto nível, e de instituições
especializadas, para o fornecimento dos recursos informacionais e laboratoriais necessários à
atividade inovativa das empresas. Ver CGEE (2007).

Capacitação tecnológica no Brasil 245


preendimento caracterizado pela incerteza dos resultados, envolvendo um
risco mais elevado do que o da atividade “normal” da empresa, quanto à
lucratividade esperada do capital nela investido; d) assim, os instrumentos
utilizados pelo setor público, para reforçar o “impulso natural” à inovação
exercido pelas forças de mercado sobre o setor produtivo, devem visar à
elevação da relação benefício esperado/custo das atividades inovativas em-
preendidas pelas empresas, especialmente as ligadas a P&D.134
Sendo o numerador dessa relação incerto por natureza, dependendo
não apenas dos resultados técnicos do projeto, mas também da aceitação
desses pelo mercado135, as políticas de incentivo tendem a concentrar-se
nos fatores determinantes do “denominador” – isto é, em medidas voltadas
para a redução dos custos econômicos incorridos pelas empresas em seus
projetos de P&D. Muitas dessas medidas já integravam as políticas anterio-
res – e parte das alterações recentes visam à sua diversificação, aprofunda-
mento e/ou ampliação do universo das empresas contempladas. Entre os
principais incentivos às atividades de P&D podem-se citar:
a) Redução dos custos de capital aplicado, por meio de mecanismos diretos
– como financiamentos a taxas de juro subsidiadas e isenções ou redu-
ções de alíquotas tributárias incidentes sobre a importação ou aquisição
de equipamentos – ou indiretos (abatimento, do valor dos lucros tribu-
táveis ou dos próprios tributos devidos, dos recursos financeiros aloca-
dos); um dos mecanismos mais recentes, nesse contexto, é a concessão
de “subvenção” – isto é, a doação de recursos financeiros “a fundo per-
dido”, para o desenvolvimento de projetos de P&D, desde que aprovados
pela Finep.136
b) Redução dos custos de recursos humanos – pesquisadores e técnicos
especializados de alto nível – para as atividades de P&D, mediante a
concessão de bolsas para remuneração de tais profissionais, ou subsídios
para formação ou aperfeiçoamento de pessoal dos quadros da empresa.

134. O peso das atividades de P&D é tão decisivo que o valor total a elas dedicado, em ter-
mos de percentual do PIB, constitui um dos principais indicadores de dinamismo tecnológico
(e de desenvolvimento econômico) dos países. Vale notar-se que, com a crescente dispersão
geográfica das operações dos grandes grupos de capital, a “produção de atividades de P&D”
de uma empresa multinacional, em um país, pode não se traduzir necessariamente em maior
capacidade de inovação desse último, ainda que, estatisticamente, seu valor contribua para
elevação da relação gastos em P&D/PIB. Ver Chesnais (1988).
135. O resultado esperado (mas incerto) do projeto de P&D seria a “inovação tecnológica”,
definível como “a aplicação de uma nova tecnologia (...) ao processo produtivo, resultando
em: a) um novo produto; ou b) alteração de algum atributo do produto antigo, ou de seu grau
de aceitação pelo mercado – que leve a níveis mais elevados de lucratividade (...) a empresa
inovadora.” Ver Rosenthal, 2007, p. 26.
136. Ver CGEE (2007).

246 Capacitação tecnológica no Brasil


c) Redução dos custos de utilização de serviços científicos e tecnológicos
especializados, pela concessão, direta ou por via de isenções fiscais, de
recursos para remuneração de tais serviços, em projetos contratados
junto a instituições do sistema científico-tecnológico (especialmente
centros de pesquisa universitários) ou desenvolvidos conjuntamente
com tais instituições.
Note-se que, como esses incentivos são oferecidos, em tese, a todas as
empresas atuantes na economia137 – e os resultados são incertos e, quase
sempre, de difícil avaliação – sua implementação envolve necessariamente
a montagem de uma complexa sistemática de gestão, sujeita, de um lado,
aos controles orçamentários e contábeis inerentes às finanças públicas e
habilitada, de outro, a acompanhar e avaliar a eficácia de sua utilização.
Merece destaque ainda, nessa síntese dos objetivos e pressupostos da
política de C,T&I atual, a inclusão, no “Plano de Ações” (em fase final de
consolidação) em que ela está explicitada, de duas outras “linhas prioritá-
rias”: a “pesquisa e desenvolvimento em áreas estratégicas” e a “Ciência
e Tecnologia para o Desenvolvimento” (CGEE, 2007). Essa inclusão pare-
ce consistir em uma especificação de campos de conhecimento científico e
tecnológico diretamente associáveis à busca de soluções para problemas
sociais de ordem mais abrangente, do país ou mesmo do mundo – tais como
fontes de energia, mudanças climáticas etc. – ou, ainda, a questões de se-
gurança e/ou soberania nacional. Como tais, esses campos são vistos como
merecendo atenção especial do governo, seja em termos de iniciativas es-
pecíficas para criação e/ou domínio de novos conhecimentos, seja de apoio
financeiro mais intensivo aos segmentos do sistema científico-tecnológico
envolvidos em tais atividades.
Esse conceito de “áreas estratégicas” parece ter alguma correlação – mas
não correspondência biunívoca – com o utilizado na Política Industrial, Tec-
nológica e de Comércio Exterior (PITCE), para especificação dos chamados
“setores (econômicos) estratégicos”, que, por seu peso especial na econo-
mia, deveriam ser priorizados para fortalecimento do sistema produtivo.138
Essa diferença evidencia que o papel desempenhado pelo governo, como
integrante decisivo do SNI, transcende as fronteiras institucionais de agên-
cias e ministérios, resultando em grande medida nos efeitos das chamadas
“políticas implícitas”.139 Ela implica ainda a necessidade de uma política

137. Na prática, como visto adiante, o conjunto das empresas com acesso a tais benefícios é
bastante restrito, abrangendo, em alguns casos, menos de 10% do universo total de empresas
do País. Ver Wiziack (2007).
138. “O critério (para definir as áreas estratégicas) é a importância para o futuro do País. É
uma questão de estratégia nacional desenvolver essas áreas; daí a atenção específica a P&D
para elas”. Ver CGEE (2007).
139. Vale lembrar, de novo, Nassif (2007).

Capacitação tecnológica no Brasil 247


explícita, de atuação proativa sobre o setor produtivo, no sentido de de-
senvolver sua capacidade de inovação (isto é, sua capacitação tecnológica),
como um dos vetores fundamentais do desenvolvimento do País.
Resumindo, pode-se dizer que as políticas de C,T&I implementadas
na última década vêm-se baseando nos supostos do modelo dos SNIs:
elas visam à constituição e consolidação de um setor produtivo dinâmico,
“motivado e capacitado” para desenvolver e/ou introduzir continuamente
inovações tecnológicas, que lhe permitam manter-se competitivo no mer-
cado mundial (que inclui, evidentemente, o nacional) – e, ensejem ao País
uma elevação acelerada de sua produtividade social e o padrão de vida
da população. Com esse objetivo, aquelas políticas vêm utilizando meca-
nismos e instrumentos, aplicados em outros países com relativa eficácia.
No entanto, isso não parece estar ocorrendo aqui: as políticas estão muito
longe de atingir os resultados desejados e, segundo avaliação da maioria
dos observadores, as respostas do setor produtivo têm sido, em grande
medida, decepcionantes.

5. As políticas atuais de C,T&I no Brasil – o quê não está


dando certo?
Apesar de expressivos resultados em algumas áreas específicas – princi-
palmente em termos de aumento da participação de trabalhos científicos
de pesquisadores brasileiros em revistas internacionais (e do número de
citações desses trabalhos), e de ampliação do número de incubadoras de
empresas de base tecnológica no País – a maioria dos estudos efetuados
sobre o SNI brasileiro tem destacado o baixo nível de resposta àqueles es-
forços. Isso se expressa, por exemplo, em termos de presença de “marcas”
(e, portanto, de empresas) “nacionais”, nos mercados mundiais de bens
e serviços intensivos em tecnologia e da participação de tais empresas no
fluxo de registro de patentes e outras formas de propriedade industrial, seja
nos Estados Unidos e na Organização Mundial de Propriedade Industrial,
seja no próprio País.140
Em quase todos os pronunciamentos dos dirigentes responsáveis pela
condução das políticas referidas acima encontram-se referências a essa falta
de resposta do setor produtivo como um “paradoxo a ser ainda superado”141:
a baixa participação desse setor, na absorção dos pesquisadores de alto nível
que vêm sendo formado pelo setor científico-tecnológico; o já referido redu-
zido número de pedidos de patentes registrados por empresas nacionais; e,

140. Ver, por exemplo, Chade (2006).


141. Ver, por exemplo, Veiga (2006).

248 Capacitação tecnológica no Brasil


não menos importante, a elevada concentração das exportações brasileiras
em produtos de baixo ou médio nível de complexidade tecnológica, além
da quase total inexistência de marcas nacionais, nos setores mais dinâmicos
da economia mundial, especialmente naqueles baseados nos paradigmas
tecnológicos mais avançados, como é o caso das TICs.
A “superação” desse paradoxo exige, antes de tudo, que ele seja explica-
do: afinal de contas, o foco principal da política de C,T&I é voltado expres-
samente para “induzir” e “incentivar” o setor produtivo a incorporar a intro-
dução de inovações tecnológicas em suas estratégias de negócios, mediante
mecanismos utilizados, com diferentes graus de sofisticação e sucesso, por
países que se empenharam deliberadamente em expandir sua capacidade
tecnológica – e na verdade continuam a sê-lo, mesmo naqueles que mais
ferrenhamente se proclamam contrários a qualquer tipo de intervenção do
Estado no “livre jogo das forças de mercado”.142
Vale relembrar, contudo, que a expectativa de eficácia desses mecanis-
mos está baseada nos pressupostos de que: a) o setor produtivo tende “na-
turalmente” a responder a tais incentivos – já que, para as empresas que o
compõem, a introdução de inovações tecnológicas bem-sucedidas deverá
reverter em vantagens competitivas em seus mercados respectivos; e, b) a
experiência resultante das atividades desenvolvidas para esse fim tende a
acumular-se, não apenas nessas empresas, mas também nas suas equipes
técnicas e recursos humanos, e nos demais agentes das cadeias produtivas e
de conhecimento envolvidas, ampliando a capacidade de inovação de toda
a sociedade. Assim, as “missões básicas” das políticas de C,T&I seriam as
de: i) promover ativamente a formação e desenvolvimento das fontes de
inovação externas (às empresas)143 – como os recursos humanos qualifi-
cados e o acesso a tecnologias e conhecimentos científicos disponíveis no
“ambiente”144 – e sistêmicas (instrumentos e instituições que intensificam a
articulação e integração entre o setor científico e o produtivo); e, ii) esti-
mular, através de incentivos econômicos, as atividades de P&D, das quais
resultariam as inovações tecnológicas e o desenvolvimento cumulativo das
fontes de inovação “internas” das próprias empresas.
No entanto esses pressupostos, implícitos no modelo dos SNIs, são deri-
vados de estudos efetuados sobre os sistemas econômicos de países centrais
– e podem não se confirmar na realidade de países periféricos que, no pro-
cesso de consolidação de suas economias nacionais, não conseguiram eli-
minar os vínculos de dependência, resultantes da natureza complementar

142. Ver, por exemplo, Mowery e Rosenberg (1993).


143. Os conceitos de fontes de inovação – internas, externas ou ambientais (às empresas) e
sistêmicas – são discutidos em Rosenthal (1995).
144. Mercado mundial, literatura, universidades etc.

Capacitação tecnológica no Brasil 249


de seus setores produtivos, com relação às antigas metrópoles (ou às novas
metrópoles que as substituíram). Esse nos parece ser o caso do Brasil, cujo
setor produtivo apresenta diferenças significativas, com relação aos dos pa-
íses centrais – diferenças essas que se refletem, de um lado, nos efeitos
diretos exercidos pela implementação das políticas referidas anteriormente
e, de outro, na resposta do setor a essas últimas.

5.1. Algumas especificidades brasileiras


Entre as principais “peculiaridades” do setor brasileiro, merecem destaque
as seguintes:
a) A forte participação, no reduzido universo das grandes empresas, de
subsidiárias de empresas multinacionais.145 Tidas como “nacionais” para
todos os efeitos legais,146 essas empresas, cujos centros de controle es-
tratégico (e, portanto, de decisões de política de inovação) são situados
nos países-sede, tendem a usufruir parcela considerável dos incentivos
– mas sua contribuição para a ampliação da produção “nacional” de
inovações é no mínimo questionável.147
b) A predominância quase absoluta, nos setores mais dinâmicos e intensivos
em tecnologias avançadas – especialmente aquelas que consubstanciam
o paradigma digital – da classe de empresas já citadas. Elas constituem
parcela considerável do segmento da “indústria brasileira” designado
como “intensivo em ciência” (ou de “alta tecnologia”) – embora atuem
apenas nas etapas finais da extensa cadeia de valor que caracteriza as
redes globais de produção dos bens. Ressalte-se que, dada sua relevân-
cia como “vetor natural” de inovação tecnológica – e também a de seu
peso na balança comercial do País148 – o segmento do setor produtivo
diretamente ligado às TICs tem recebido desde há muito um “tratamen-

145. “As filiais estrangeiras controlam 82% do setor da indústria baseada em ciência; 73% da
diferenciada, e 68% da produção contínua. É particularmente inquietante a progressão da em-
presa estrangeira na indústria intensiva em recursos naturais (...) cresceu de 15%, em 1985,
para 24%, em 2002” (LESSA, 2007).
146. A distinção entre empresas “nacionais” e “brasileiras”, presente no texto da Constituição
de 1988, foi revogada, no marco das medidas voltadas para a “inserção competitiva do Brasil
no mercado mundial” (ou “adesão incondicional às premissas do Consenso de Washington”)
implementadas a partir de 1990.
147. Deve-se reconhecer que a utilização de recursos humanos e serviços tecnológicos nacio-
nais contribui para o desenvolvimento do setor científico-tecnológico do País, o que é, sem
dúvida, importante – mas não constitui, em si mesma, inovação... Para exemplos significativos
dessa contribuição, ver Wiziack (2007).
148. Segundo Ricupero (2006), “as importações brasileiras no setor (eletroeletrônicos) em
2005 chegaram a US$ 15,1 bilhões, e o déficit setorial foi de US$ 7,4 bilhões.” Para detalhes,
ver Iedi (2007).

250 Capacitação tecnológica no Brasil


to diferenciado”, no que respeita aos incentivos governamentais. Assim,
além dos benefícios fiscais regidos pela chamada “Lei de Informática”,149
os setores de “semicondutores” e de software figuram explicitamente en-
tre os segmentos “estratégicos” contemplados na PITCE.150
c) A quase total inexistência de empresas “nacionais” nos setores referidos
anteriormente com participação, seja como concorrentes, seja como in-
tegrantes das “cadeias globais de valor”, nos mercados mundiais desses
bens. Cabe aqui uma ressalva para a Embraer – um dos três exemplos
sempre citados, quando se fala de capacidade tecnológica nacional –
que, embora importe a maioria das peças e componentes de alta densi-
dade tecnológica incorporadas em seu produto, concorre com sua marca
própria em um mercado extremamente dinâmico, em que a inovação
constitui fator decisivo de vantagem competitiva.151 O desenvolvimento
atual do setor de software também merece destaque – lembrando-se,
contudo, que, em sua grande maioria, as empresas que o constituem
atuam (e vêm tentando penetrar no mercado mundial) na ponta dos
serviços, software aplicativo e terceirização de capacidade consubstan-
ciada em recursos humanos especializados (“cabeça de obra”, segundo
alguns estudiosos). A consolidação desse setor pode ser vista como uma
contribuição importante de ampliação da capacidade de inovação, tanto
no que diz respeito ao desenvolvimento do PD – criação de novas TICs
– quanto ao dos demais setores econômicos, em que sua aplicação im-
pulsiona a introdução de inovações.
d) A histórica tendência da indústria brasileira à absorção de tecnologias
importadas, consubstanciadas em produtos, processos, insumos e bens
de capital já referendados pelo mercado interno – resquício do processo
de industrialização centrada na “substituição de importações” que lhe
deu origem. A possibilidade de se copiarem (ou licenciarem) inovações
introduzidas por empresas-líderes do setor tende a apresentar-se como

149. A “Lei da Informática”, remanescente da tentativa de se criar uma indústria nacional de


computadores no País, rege a concessão de benefícios fiscais à produção local de bens defini-
dos como “de informática” e às atividades classificadas como “de P&D” das empresas envolvi-
das – abrangendo quase todo o setor aqui referido. Para detalhes, ver Tapia (1995).
150. Chama a atenção notícia recente sobre declarações do “Ministro do Desenvolvimento”, de
que “... uma nova Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE) está sendo
discutida pelo ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC), BNDES e a Agên-
cia Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI)”. Se a exclusão do MCT não se dever a
erro gráfico (e for confirmada), isso pode configurar uma alteração significativa na efetividade
das políticas discutidas neste trabalho. Ver Anpei (2007).
151. A Embraer é um exemplo vivo de construção sistemática de capacidade tecnológica por
meio de atuação eficaz do setor público – particularmente das forças armadas – começando
pela criação do Instituto de Tecnologia Aeronáutica (ITA), na década de 1950, passando pela
do Centro Tecnológico da Aeronáutica e, finalmente, a da empresa estatal Embraer.

Capacitação tecnológica no Brasil 251


caminho mais curto, seguro e de menor custo do que o desenvolvimento
próprio de inovação.152 Essa tendência, que configura (ou pelo menos
evidencia) um dos principais fatores determinantes da condição de sub-
desenvolvimento – a dependência tecnológica – reflete-se claramente
em pesquisas recentes sobre a atividade inovativa das empresas brasilei-
ras, e até mesmo no “senso comum” de muitos economistas, que apon-
tam todo indicador de elevação das importações como “evidência” de
aumento da produtividade (e de “desenvolvimento”), já que significaria
mais importação de bens de capital.153
O baixo nível de eficácia – apesar dos aperfeiçoamentos recentes – dos
instrumentos de política de C,T&I utilizados pelo setor público constitui,
a meu ver, decorrência direta dessas características do setor produtivo. É
interessante notar que muitos estudiosos e técnicos do governo parecem
ignorar ou menosprezar esse problema, e tendem a insistir unicamente na
necessidade de se ampliarem e aprofundarem aqueles mecanismos, como
se o “cada vez mais do mesmo” pudesse levar a, ou substituir, superação da-
quelas distorções estruturais do SNI brasileiro. Assim, por exemplo, embora
a principal deficiência (na verdade, sintoma) apontada, nesse sistema, seja
o insignificante número de patentes registradas por empresas “brasileiras”,
e a baixíssima participação de “marcas nacionais” no mercado mundial –
indicadores evidentes da baixa capacidade de inovação do “setor produtivo
nacional” – persiste em muitos meios a “autoilusão” de que o fortalecimen-
to daquele sistema, e a elevação dessa capacidade, independem da com-
posição estrutural desse setor, e da origem (e propriedade) do capital das
empresas atuantes nos diversos segmentos e cadeias produtivas que o com-
põem. Por isso, mesmo quando as políticas já são orientadas para incentivar
setores específicos, mais intensivos em tecnologia, essa não diferenciação
acaba por favorecer prioritariamente as empresas de capital estrangeiro,
que os dominam – pouco ou nada contribuindo para o desenvolvimento
daquela capacidade que tanto se deseja criar.154

152. Isso, evidentemente, no que concerne a empresas de capital nacional. Nas subsidiárias de
multinacionais, as tecnologias tendem a ser definidas pelas matrizes – ainda que, em muitos
casos, exijam adaptações às condições locais e/ou recebam contribuições significativas desen-
volvidas pelas próprias filiais. Ver adiante.
153. Evidentemente, não há aqui qualquer implicação negativa quanto à relevância da im-
portação – muito menos, a de bens de capital. A referência é apenas à ideia implícita de que
ganhos de produtividade só podem ser obtidos, necessariamente, de tais importações...
154. Ressalvem-se, de novo, as exceções já apontadas: no período de 1994 a 2004, uma parce-
la significativa dos benefícios concedidos foi alocada à Petrobras e à Embraer. (Desequilíbrios,
Editorial de O Globo, 27/6/2005.)

252 Capacitação tecnológica no Brasil


5.2. Algumas implicações das distorções
Uma consequência direta das distorções estruturais apontadas anteriormen-
te é a “quebra”, no contexto brasileiro, da cadeia de relações de causalidade
direta entre o exercício de “atividades de P&D”, pelas empresas e o desen-
volvimento da capacidade de inovação (isto é, capacidade tecnológica) do
País – um dos principais pressupostos das políticas de C,T&I implementadas
nos países centrais. Aqui, essa cadeia – por meio da qual as atividades de
P&D (1) levariam necessariamente à geração/introdução de “inovação” na
empresa (2), ensejando a criação de novos “ativos tecnológicos” (patentes,
marcas nacionais) (3), e resultando finalmente no objetivo visado pela polí-
tica, a “elevação da capacidade de inovação nacional” (4), apresenta várias
descontinuidades e/ou desvios; estes, por sua vez, acabam, muitas vezes,
tornando ineficazes as políticas atuais, focadas na concessão de incentivos
e benefícios financeiros (5), a fim de incentivar as empresas a se engaja-
rem em atividades de P&D. Esses pontos são discutidos abaixo em maior
detalhe.
1. O conceito de “atividades de P&D das empresas” é extremamente vago e
abrangente, envolvendo muitas atividades não dirigidas para a geração
de inovação. Assim, o fato de uma empresa desenvolver projetos em
parceria com instituições de pesquisa, e/ou atividades com participa-
ção de recursos humanos especializados – critérios usuais definidores
de tais atividades – não implica necessariamente a intenção de gerar
inovação significativa (ainda que possa levar a inovações incrementais
e/ou capacitação adicional de seu pessoal). É amplamente aceito, pelos
estudiosos, que a motivação determinante para que empresas busquem
inovar deriva de seu posicionamento em seus mercados, e dos benefícios
por elas esperados da inovação. E a grande maioria das empresas, no
Brasil, que atuam em mercados em que a dinâmica da concorrência é
determinada pela inovação, são subsidiárias de multinacionais.155 Uma
questão básica que se coloca, portanto, é em que medida as atividades
de P&D desenvolvidas por tais subsidiárias vão alimentar a cadeia de
causalidades referida, levando à elevação da capacidade tecnológica e
de inovação do Brasil. Essa questão está de certa forma relacionada com
a do papel das empresas estrangeiras (especialmente as multinacionais)
na economia brasileira, em geral. Mas essa última é assunto longo, rela-
cionado com todo o processo de formação econômica do País, e foge em
grande medida ao problema em discussão aqui: o peso da contribuição
de suas atividades de P&D para o funcionamento de um Sistema Nacio-

155. Nos setores intensivos em ciência (em que 82% das empresas são multinacionais), essas
são também as empresas grandes, que pagam imposto sobre a renda apurada e podem benefi-
ciar-se dos incentivos fiscais. Ver Lessa (2007).

Capacitação tecnológica no Brasil 253


nal de Inovação eficaz, capacitado a impulsionar a elevação do padrão
de vida da sociedade.156
Sem menosprezar algumas importantes vantagens resultantes daquelas
atividades para o fortalecimento do sistema científico-tecnológico – parce-
rias com laboratórios e centros de pesquisa, formação de pessoal especiali-
zado, transferência de conhecimento avançado – minha opinião é que, com
relação ao objetivo já citado anteriormente, a contribuição dessas ativida-
des tende a ser muito reduzida, por dois motivos principais. Em primeiro
lugar, porque, em sua maioria, essas atividades de P&D não são voltadas
para geração de inovações significativas, visando mais a buscar soluções
para problemas específicos das empresas no mercado local157 (nada contra
isso – pelo contrário, dou a essa finalidade um grande valor!) e/ou, mui-
tas vezes, integrando-se a projetos de maior vulto – de interesse da matriz
da empresa, evidentemente – como parte de redes corporativas globais.
E, em segundo, porque, mesmo no caso pouco provável em que se gerem
inovações, essas tendem a ser apropriadas – sob a forma de patentes, segre-
dos industriais etc. – pela matriz. No final das contas, parece mais realista
supor-se que as subsidiárias de empresas multinacionais desenvolvem suas
atividades de P&D, não em resposta aos incentivos recebidos do governo,
mas movidas por interesses estratégicos da corporação – mas acabam be-
neficiando-se daqueles incentivos, que funcionam como subsídios (sempre
bem-vindos, é claro...).158
2. A amplitude do conceito de “inovação” permite supor-se que, em princí-
pio, todas as atividades de P&D tendem a resultar em inovação – embo-
ra, pelo menos no que respeita à empresa, elas não sejam indispensáveis
para tal resultado. Em muitos casos, pequenas inovações incrementais,
em produtos e/ou processos, assim como aperfeiçoamento da forma-
ção da força de trabalho ou introdução de novos bens de capital, po-
dem levar à elevação da produtividade da empresa e, portanto, de sua
competitividade em seu mercado específico – além de contribuir para
o aumento da produtividade geral da economia. Sob esse ponto de vis-
ta, é válido afirmar-se que, num Brasil caracterizado pela coexistência

156. Isso, num ambiente caracterizado pela globalização dos mercados, pelo acirramento da
concorrência entre os grandes blocos de capital nacionais (dos países centrais) e pela crescente
participação do conhecimento científico-tecnológico na composição do valor adicionado dos
bens e serviços produzidos e transacionados nesses mercados.
157. Tais como adaptação do produto, utilização de materiais mais acessíveis ou mesmo, no
caso das empresas de software, tradução das mensagens, do inglês para o português...
158. Curiosamente, muitos acadêmicos, consultores e dirigentes, atuantes em instituições que
se dedicam a estudar o SNI brasileiro e a fomentar seu aperfeiçoamento, insistem – pelo menos
em público – em desconsiderar esses fatos, apontando tais atividades de P&D das empresas
multinacionais como contribuições “legítimas” para o desenvolvimento da capacidade nacio-
nal de inovação. Ver, por exemplo, Nicolsky (2004).

254 Capacitação tecnológica no Brasil


de segmentos econômicos tecnologicamente atrasados, com outros que
atuam bem próximos à fronteira tecnológica mundial – o bem conhecido
(e pouco lembrado) “dualismo estrutural” – a redução desse fosso deve
constituir um dos objetivos fundamentais de toda política voltada para
a promoção do desenvolvimento econômico, incluindo-se aí as políticas
de C,T&I. Por outro lado, porém, é preciso lembrar-se que o objetivo
principal visado por essas últimas é o de se constituir e consolidar um
SNI capaz de assegurar a competitividade da economia brasileira no
mercado mundial – e essa depende da capacidade de geração de inova-
ções significativas para esse mercado.159 Ressalvadas algumas exceções
importantes, pode-se afirmar com segurança que as inovações resultan-
tes das “atividades de P&D” beneficiadas pelos incentivos poderiam ser
enquadradas naquela primeira categoria...
3. O item “produção de novos ativos tecnológicos” comporta poucos co-
mentários, já que, como já visto, o baixíssimo desempenho do Brasil,
em termos de patentes registradas nos Estados Unidos e na OMPI, assim
como de produtos com marcas brasileiras concorrendo nos mercados
mundiais, evidencia claramente a deficiência do SNI do País, que confir-
ma o argumento aqui desenvolvido, quanto à pouca eficácia das políti-
cas que vêm sendo implementadas.160
4. Com relação ao objetivo declarado da política – a “elevação da capaci-
dade de inovação nacional” – existe claramente um sério problema de
entendimento (ou, quem sabe, de desentendimento), quanto ao signifi-
cado do conceito, especialmente no que se refere à qualificação “nacio-
nal”. Para a corrente hoje predominante, na academia (e na política?)
brasileira, esse termo parece indicar apenas a “localização” da empresa
ou agente econômico habilitado a utilizar a inovação em seu sistema
produtivo, ou, no melhor dos casos, a nacionalidade dos indivíduos que
participam da “geração da inovação” – pouco importando a dimensão
estratégica das decisões que comandam essa geração e a apropriação
dos rendimentos econômicos dela decorrentes. Por outro lado, porém,
o peso crescente desses últimos, na composição do valor adicionado ge-
rado em cada país, vem fazendo com que a propriedade dos “ativos
tecnológicos” resultantes da produção de inovações seja cada vez mais
considerada, na teoria econômica moderna, como fator determinante
da “riqueza das nações”. Para muitos autores, a capacidade inovativa

159. Especialmente aquelas a que Stern, Porter e Furman (2000) chamam de “innovation of
new-to-the-world technologies”. Ver p. 1.
160. Apenas a título de comparação, o número de pedidos de patentes registrados pelo Brasil
na OMPI, em 2005, foi 283 (abaixo dos da Rússia, Índia e China), enquanto que a Coreia do
Sul registrava 4.747. Ver Amorim (2007).

Capacitação tecnológica no Brasil 255


nacional de um país está associada diretamente à capacidade de “suas”
empresas – isto é, aquelas cujo controle tecnológico (e, portanto, de
capital) esteja nas mãos de cidadãos integrantes de sua sociedade – de
gerar inovações que lhes permitam assegurar sua competitividade nos
mercados mundiais mediante a apropriação dessa parcela da renda.
Assim, Stern et al. (2000) referem-se a “national innovative capacity”
como “a capacidade de um país – “tanto como entidade política quanto
econômica” – de produzir e comercializar um fluxo de tecnologia inova-
tiva no longo prazo”.161
5. Resumindo a discussão, nosso argumento central é o de que, devido a
características específicas do setor produtivo brasileiro, as políticas de
C,T&I, centradas no estímulo às atividades de P&D, perdem muito de
sua eficácia, porque: uma parte considerável dos incentivos é apropria-
da por empresas multinacionais, cujas atividades de P&D ou não resul-
tam em inovações relevantes ou, quando essas ocorrem, tendem a gerar
ativos tecnológicos que são apropriados pela corporação global, sem se
traduzirem em contribuição significativa para o atingimento do objetivo
central da política, a elevação da capacidade inovativa nacional.162
Além dos pontos já citados – e/ou, em parte, como consequência de-
les – as políticas atuais apresentam ainda algumas disfunções importantes,
como o fato de que, por calcularem o imposto de renda a pagar com base
no “lucro presumido”, uma grande maioria das empresas nacionais fica ex-
cluída do acesso ao benefício dos incentivos fiscais, que constituem um dos
principais mecanismos daquelas políticas.163
Outros pontos que merecem ser citados, como temas para estudo mais
detalhado, são:
a) Na forma como as atividades de P&D estão definidas hoje, na legislação
que as regulamenta, os incentivos fiscais concedidos às mesmas ensejam
oportunidades para “elisão fiscal”, na medida em que abrem espaço para
que empresas atuantes em setores de alta tecnologia – principalmente

161. Tradução e ênfase nossas. Os autores associam a capacidade inovativa àquilo a que chamam
de “inovação de tecnologias novas-para-o-mundo”. Ver Stern, Porter e Furman, 2000, p. 1.
162. Não se entenda essa conclusão como menosprezo à importância das atividades de P&D
das multinacionais para o fortalecimento do SNI brasileiro. Elas contribuem, e muito, para a
formação de recursos humanos especializados, seja por meio da absorção de pessoal de alto
nível, seja pela transferência de conhecimentos de ponta e criação de oportunidades de cresci-
mento profissional para essas pessoas. Do ponto de vista das multinacionais, a busca, em todos
os países do mundo, pelo recurso tecnológico fundamental – o capital humano disponível –
constitui um importante instrumento de concorrência e um dos fatores impulsionadores do
processo de descentralização geográfica de suas atividades de P&D. Ver Chesnais (1988).
163. Segundo algumas estimativas, apenas 6% das empresas teriam possibilidade de acesso a
esse benefício. Ver Salgado (2007).

256 Capacitação tecnológica no Brasil


multinacionais grandes – classifiquem como P&D atividades rotineiras
de seu processo produtivo.
b) Mesmo quando de fato aplicados a atividades de P&D, esses incentivos
acabam por contribuir para o avanço tecnológico das multinacionais,
aumentando, assim, sua vantagem competitiva e reduzindo ainda mais
as oportunidades para criação de empresas nacionais, especialmente
nos setores mais intensivos em tecnologia.
c) Adicionalmente, pode-se ver também, nesses incentivos, um significante
reforço, e até subsídio, à captação de recursos humanos especializados
brasileiros – a famosa “fuga de cérebros” – inclusive aqueles mais neces-
sários à consolidação de um dos poucos setores de alta tecnologia em
que começa a se desenvolver um segmento nacional promissor, que é o
setor de software.164

6. A título de conclusão
Para concluir estas considerações, revisemos rapidamente as ideias nortea-
doras do trabalho: partimos da suposição, central ao modelo dos Sistemas
Nacionais de Inovação, de que o principal agente responsável pela concreti-
zação de seus resultados – e, portanto, aquele que expressa sua eficácia – é
o setor produtivo “nacional”.165 A seguir, passamos a identificar algumas
limitações estruturais desse setor, no Brasil, sugerindo que caberia ao “sub-
sistema político-institucional” do SNI – que abrange todo o conjunto de
atores e instituições compreendidos no setor público, cujas ações podem
exercer influência sobre aqueles resultados166 – a função básica de corrigir
tais distorções, isto é, a de visar à formação/consolidação de empresas na-
cionais, especialmente nos setores mais dinâmicos e intensivos em tecno-
logia. É a participação nos mercados globais desses setores – com marcas
próprias ou, pelo menos, como fornecedores especializados de subconjun-
tos e componentes, integrantes de cadeias de valor – que criará a motivação
necessária para que essas empresas se sintam “impelidas” a inovar e, para

164. Ver detalhes impressionantes em César (2007).


165. Para a maioria dos autores, cujos estudos se baseiam nos SNIs dos países centrais, esse
ponto não recebe ênfase especial – é “obvio” que o setor produtivo é nacional...
166. Na pertinente observação de Nassif (2007), “...since public institutions responsible for
conventional macroeconomic policies are part of the NIS, the lack of coordination between their
main aims and those of the other national institutions involved in industrial and technological
policies can jeopardize national economic performance” (p. 1). A sigla acima refere-se a National
Innovation System.

Capacitação tecnológica no Brasil 257


tal, mobilizar (e exigir) todos os incentivos e recursos disponibilizados pe-
los demais segmentos do SNI.167
É importante ressaltar-se, mais uma vez, que essas ideias não implicam
qualquer negação da grande contribuição das empresas multinacionais para
a economia, ou mesmo para a formação da capacidade tecnológica nacional –
e, muito menos, expressão de uma visão maniqueísta estreita, de que “o capi-
tal estrangeiro é ruim e o capital nacional é bom”. Nesse ponto, concordamos
plenamente com Nicolsky (2005), quando afirma, em suas conclusões, que
“...é tempo de se redefinir o conceito de empresa nacional” e que “...tanto a
empresa transnacional quanto a empresa de propriedade de brasileiros po-
dem ser igualmente oportunistas ou construtivistas”. Discordamos, porém,
quando insinua que tudo é questão de “... como a empresa se posiciona ante
o processo de inovação”, e que “se a empresa se empenha em gerar em nosso
País as inovações de que necessita para ser internacionalmente competitiva
nos produtos fabricados no País, essa empresa é nacional, qualquer que seja
a sua estrutura de proprietários, pois está efetivamente contribuindo para
o desenvolvimento sustentado do País”. É preciso abstrair-se totalmente a
“lógica” da concorrência internacional – e, principalmente, o significado do
conceito de “capacidade inovativa nacional” – para supor que: (a) a inovação
eventualmente gerada por uma multinacional no País se irá transformar em
ativo tecnológico nacional; e (b) o fato de um produto aqui fabricado pela
multinacional ser internacionalmente competitivo contribui para o “desen-
volvimento sustentado” do Brasil. Felizmente, o autor reconhece, a seguir,
que “...certamente, a maioria dessas empresas (que inovam) terá proprietá-
rios brasileiros”. Menos mal...
Aqui reside, talvez, um ponto-chave da questão: num contexto de cres-
cente financeirização mundial e volatilidade do capital, o problema parece
centrar-se na nacionalidade do “núcleo de controle” da empresa – que, em
geral, está diretamente relacionado com o do capital social da mesma, mas
pode independer, em certa medida, da propriedade de parcelas do capital
financeiro por ela utilizado. Para não nos alongarmos no tema, recorramos
a um exemplo: o fato de a Embraer ter sócios minoritários estrangeiros não
a torna menos “nacional” – pelo menos até agora, enquanto o controle está
nas mãos do grupo de proprietários nacional.168

167. A utilização dos incentivos atuais evidencia isso: “(...) de 1994 a 2004, segundo o Mi-
nistério da Ciência e Tecnologia, das mais de 70 mil companhias brasileiras com 10 ou mais
funcionários, apenas 109 fizeram uso dos incentivos fiscais à inovação, cabendo 62% a so-
mente duas, Petrobras e Embraer”. (Desequilíbrios, Editorial de O Globo, 27/6/2005.)
168. Não parece ser coincidência o fato de que, quando da privatização da empresa, o governo
brasileiro se preservou o direito sobre esse controle, através da golden share em mãos da
União Federal (Embraer 2005 – Resultados e Demonstrações Financeiras, Gazeta Mercantil,
3/4/2006).

258 Capacitação tecnológica no Brasil


Capital estrangeiro desse tipo é, em princípio, altamente bem-vindo –
como o é, também, o capital que vem sendo negociado pelo ex-presidente
de uma multinacional do ramo automobilístico, “com grupos empresariais
brasileiros e estrangeiros, com o Banco Nacional de Desenvolvimento Eco-
nômico e Social (BNDES), e os governos federal e de Minas Gerais”, para
criação da Companhia Brasileira de Semicondutores (CBS)169 e similares...
Em suma, a proposição de que as políticas de C,T&I privilegiem a con-
solidação do setor produtivo nacional não implica qualquer rejeição ao in-
vestimento estrangeiro direto (IED) ou discriminação contra as empresas
multinacionais já atuantes no País. Sob esse aspecto, o exemplo que vem
sendo dado pela China e pela Índia – países em que o fortalecimento dos
Sistemas Nacionais de Inovação vem puxando seu crescimento econômico
acelerado, com a participação cada vez mais significativa de investimentos
de capital estrangeiro – parece ser uma boa evidência da validade dos argu-
mentos aqui apresentados.

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Capacitação tecnológica no Brasil 261


Inovação, arranjos produtivos e sistemas de
inovação

Helena M. M. Lastres
José Eduardo Cassiolato

1. Introdução
O reconhecimento da importância dos processos de inovação e mudança
tecnológica na evolução do capitalismo e na competitividade do setor pro-
dutivo ganhou renovado vigor a partir das duas últimas décadas do século
XX. A realização de estudos teóricos e empíricos tem gerado significativo
acúmulo de conhecimentos levando a mudanças fundamentais nos referen-
ciais e modelos analítico e de políticas para inovação. Dentre os principais
avanços nota-se que, a partir dos anos 1980, o foco deixa de ser em inova-
ções individuais, passando a se concentrar nos processos sistêmicos para a
geração e aquisição de conhecimentos, os quais possibilitam que empresas
e demais organizações acumulem capacitações e desenvolvam novos pro-
dutos e processos. Este entendimento é analisado neste texto.
Acrescenta-se ainda que o desenvolvimento tecnológico e as modifica-
ções conexas nas atividades organizacionais e institucionais ao serem con-
siderados como principais elementos da competitividade de empresas e de
países lançam novas luzes sobre a necessidade de políticas para sua pro-
moção.
Desta maneira, o objetivo do capítulo é retomar as discussões sobre o
avanço no entendimento do conceito de inovação – assim como de seus
desdobramentos: arranjos e sistemas produtivos e inovativos – visando des-
cortinar suas implicações para políticas. O capítulo encontra-se estruturado
da seguinte forma: o item 2 examina como a visão schumpeteriana sobre
inovação foi gradualmente transformada a partir do final dos anos 1960
desaguando na formulação do conceito de sistemas de inovação; o item
3 discorre sobre as implicações para políticas dos principais avanços no
entendimento de inovação e de sistema de inovacão examinando suas van-
tagens e desafios como novo instrumental analítico e normativo; e o item 4
introduz a experiência brasileira na utilização e no desenvolvimento deste

Inovação, arranjos produtivos e sistemas de inovação 263


conceito de forma a torná-lo operacionalmente capaz de compreender e
orientar processos de geração, uso e difusão de conhecimentos. Na conclu-
são são retomados os principais elementos da análise realizada e discutidas
suas consequências para a formulação de políticas no Brasil.

2. Inovação e sistemas de inovação: avanços na compreensão


Pode-se afirmar que a forma pela qual os economistas do mundo inteiro
entendem a inovação é muito influenciada por J. Schumpeter, para quem
o crescimento da economia, consistia num processo dinâmico dependente
tanto da geração e uso das inovações, quanto de sua difusão.170 As contri-
buições originais de Schumpeter têm sido qualificadas e aprimoradas por
uma série de autores que, mediante a incorporação do progresso técnico
em suas análises, pretendem entender a dinâmica capitalista atual. Neste
esforço os avanços (produtivos, tecnológicos, organizacionais, institucio-
nais etc.) resultantes de processos inovativos continuam sendo considera-
dos como fatores básicos na formação dos padrões de transformação da
economia, bem como do seu desenvolvimento de longo prazo.
Os principais avanços no entendimento da inovação derivam, em pri-
meiro lugar, da diferenciação de informação e conhecimento. Destaca-se
inclusive que, a economia da inovação surgiu exatamente defendendo teses
opostas à teoria neoclássica, a qual: (i) tomava informação e conhecimento
como sinônimos; e (ii) considerava a tecnologia como fator externo e uma
“quase mercadoria”, que poderia ser comercializada, transferida etc. Mais
do que diferenciar informação de conhecimento, a economia da inovação
propõe a necessidade de uma segunda importante diferenciação entre as
distintas formas de conhecimento (tácitas e codificadas). Os conhecimentos
codificáveis, transformados em informações, de fato podem ser reproduzi-
dos, estocados, transferidos, adquiridos, comercializados etc.. Já a transfor-
mação dos conhecimentos tácitos em sinais ou códigos, e sua consequente
transmissão, é extremamente difícil, pois sua natureza está associada a pro-
cessos de aprendizado, os quais são totalmente dependentes de contextos e
formas de interação sociais específicas (POLANYI, 1966).
Ampliou-se a compreensão da inovação especialmente a partir do final
dos anos 1960. Até então, a inovação era vista como ocorrendo em estágios
sucessivos de pesquisa básica, pesquisa aplicada, desenvolvimento, pro-
dução e difusão (visão linear da inovação). Geralmente a discussão sobre
as fontes mais importantes de inovação, polarizava-se entre aqueles que

170. Ver Teoria do Desenvolvimento Econômico (1912), Ciclos Econômicos (1939) e Capitalismo,
Socialismo e Democracia (1942).

264 Inovação, arranjos produtivos e sistemas de inovação


(i) atribuíam maior importância ao avanço do desenvolvimento científico
(science push) e os que (ii) enfatizavam a relevância das pressões da deman-
da por novas tecnologias (demand pull). Como consequência as políticas
para CT&I também passaram a alternar a ênfase na geração de oferta com
o estímulo e organização da demanda.
O estudo de Mowery e Rosenberg (1979) – e outros que os seguiram
– colocou claro a armadilha de separar e até considerar como alternativos
os dois lados do que passou a ser considerado como um mesmo processo.
Seguiu-se a consolidação desse entendimento da inovação não mais como
um ato pontual, isolado e independente, mas sim como processo, não linear
e capaz de envolver, inclusive simultaneamente, conhecimentos resultantes
tanto das atividades e experiências acumuladas pela empresa com sua pró-
pria atuação, assim como de sua interação com outras empresas, institui-
ções de ensino e pesquisa, demais atores e com o ambiente que a cerca.
Sublinha-se o entendimento que parcelas importantes das capacitações
produtivas e inovativas são igualmente tácitas e emanam de processo de
aprendizado, fazendo, produzindo, usando e interagindo e não apenas de
processos de busca relacionada aos avanços da ciência e tecnologia. Daí a
conclusão de que “inovação é muito mais do que P&D”.171 Ressalta-se in-
clusive um possível equívoco oriundo da tendência de confundir invenção
com inovação. As atividades de pesquisa e desenvolvimento (P&D) se bem-
sucedidas podem resultar em invenções. No entanto, invenções por mais
importantes que sejam não necessariamente transformam-se em inovações.
Uma das contribuições clássicas na literatura de inovação discute o porquê
de algumas invenções rapidamente se transformarem em inovações, outras
demorarem anos e até séculos e outras jamais (JEWKES; SAWERS; STIL-
LERMAN, 1959).
Rompeu-se definitivamente com a então usual visão restrita às ativida-
des de P&D – e dicotômica – que colocava como antagônicos os impulsos
advindos da oferta ou da demanda de conhecimentos (science push versus
demand pull). Visão essa que até os anos 1970 orientava grande parte das
políticas para o desenvolvimento científico e tecnológico de países e insti-
tuições internacionais. Dentre as mais importantes conclusões que acompa-
nharam a ênfase conferida ao entendimento das diferentes condições ofere-
cidas pelo ambiente local e nacional onde se realiza o processo de inovação,
nota-se o seguinte reconhecimento:
ƒ Os principais atributos dos casos de sucesso inovativo eram as ligações
com diversas fontes de informação científica e tecnológica tanto “inter-

171. Esta frase no original “innovation is much more than R&D” foi cunhada por H. Brooks nos
anos 1980, explicitando a noção de que P&D é apenas uma parte do processo de inovação.

Inovação, arranjos produtivos e sistemas de inovação 265


nas” – realização de atividades de P&D, produção, marketing, vendas,
treinamento, contratação de recursos humanos etc.; quanto “externas à
firma” – destacando-se desde as relações tradicionalmente vistas como
cruciais entre empresas e instituições de ensino e pesquisa (IEPs), até
aquelas entre empresas de uma mesma cadeia produtiva ou mesmo con-
correntes.
ƒ A engenharia reversa mostrava-se como importante forma utilizada pela
grande maioria das empresas para apropriação de conhecimentos, res-
saltando a relevância das articulações e os fluxos de conhecimentos en-
tre atores produtivos da mesma cadeia de produção.
ƒ A acumulação de capacitações internas às empresas colocava-se como fun-
damental para a inovação, uma vez que possibilitavam tanto o aperfeiçoa-
mento de processos, quanto a interação com o ambiente externo e, princi-
palmente, o entendimento e o uso de conhecimentos trazidos de fora.
ƒ Algumas inovações falhavam devido à falta de comunicação com os
usuários, enquanto as que tinham tido sucesso resultavam de tentativas
explícitas de entender as necessidades dos mesmos, quase sempre por
meio de processos interativos e cooperativos. Daí a preocupação com a
relação entre empresas e principalmente entre produtores e usuários e
com a formação e uso de redes formais e informais de inovação.
ƒ Que a frequência e intensidade das relações de cooperação refletiam di-
ferenças relativas aos distintos atores envolvidos, áreas científicas, tecno-
lógicas, atividade e natureza das inovações (incrementais ou radicais) e
dependiam significativamente de políticas diretas ou indiretas de CT&I.
A partir do início da década de 1980, o reconhecimento do caráter sis-
têmico da inovação ganhou momentum impulsionado principalmente pelos
trabalhos de Freeman e seus seguidores: “the ‘coupling mechanisms’ betwe-
en the education system, scientific institutions, R&D facilities, production and
markets have been an important aspect of the institutional changes introdu-
ced in the successful national innovation systems” (FREEMAN, 1982a). Essa
contribuição – que também reconhecia a fundamental influência dos sis-
temas financeiros, de educação e de organização do trabalho nas decisões
e estratégias tecnológicas – já sinalizava a definição de Sistema Nacional
de Inovação (SNI) que foi explicitada no livro sobre a evolução do caso
japonês (FREEMAN, 1987). É importante notar que, conforme observado
por diversos autores latino-americanos e caribenhos, desde os anos 1970, o
entendimento da dinâmica industrial e tecnológica, e das políticas para sua
mobilização, exigia considerar e atuar sobre os condicionantes do quadro
macroeconômico, político, institucional e financeiro específico dos diferen-
tes países e da relação de cada país com o sistema mundial (FURTADO,

266 Inovação, arranjos produtivos e sistemas de inovação


1961, 2002). Ênfase fundamental foi dada à observação de que esse con-
texto macro se constitui em “política implícita”, que pode dificultar e até
anular as políticas explícitas específicas (HERRERA, 1971).172
Especialmente relevante foi o entendimento que os processos de ino-
vação e de difusão se determinam mútua e simultaneamente. Nessa pers-
pectiva, a existência de capacitações e de interações entre produtores e
usuários foram destacados como cruciais no processo de desenvolvimento e
aquisição de novos conhecimentos e tecnologias. Nessa relação simbiótica,
o ambiente onde a inovação se desenvolve e difunde conforma o padrão
da evolução das capacitações e das tecnologias, que por sua vez redefine
a própria trajetória inovativa. Ambientes diferentes onde se encontram as
empresas e outros atores são associados a diversos padrões de avanço tec-
nológico. Isso ressalta as especificidades nacionais, regionais e locais dos
processos de geração, uso e difusão de inovações. O processo inovativo é
então visto como resultado de uma aprendizagem coletiva, a partir dos vín-
culos dentro da empresa e entre esta e demais organizações (LUNDVALL,
1985; PÉREZ, 1988, FREEMAN, 2003). A inovação passou a ser vista como
um processo de aprendizado não linear, cumulativo, específico ao contexto
e, portanto, dificilmente replicável. Esta percepção reforçou a necessidade
de desmistificar ideias simplistas sobre as possibilidades de gerar, adquirir
e difundir tecnologias. Tal ênfase torna claro que a aquisição de tecnologia
no exterior não substitui os esforços locais. Ao contrário, é necessário mui-
to conhecimento para poder interpretar a informação; selecionar, comprar,
copiar, transformar e internalizar a tecnologia importada.
O avanço do entendimento do processo, o papel das redes de coopera-
ção e das parcerias estratégicas, a importância do conhecimento tácito e o
desenvolvimento do conceito de sistema nacional de inovação, aliada às
vantagens da abordagem integrada para questões sociais, econômicas e tec-
nológicas tiveram evidentes implicações para a formulação de políticas na
última década do século XX (DOSI et al. 1988; OCDE, 1992b). Os estudos
e proposições de política passaram a enfatizar a importância da adoção da
visão sistêmica e a sublinhar a necessidade de reconhecer as especificidades
de cada sistema nacional de inovação, assim como a relevância de mobili-
zar as articulações entre atores. Nota-se a dupla característica desta nova
geração de políticas: a inovação passa a ser o mais importante componente
das estratégias de desenvolvimento – e não apenas das políticas de C&T
ou das políticas industriais – e as políticas a ela direcionadas passam a ser
entendidas como políticas para sistemas de produção e inovação.

172. Ver também Sagasti (1978) e Coutinho (2005). Para uma discussão sobre as convergências
entre as escolas estruturalista latino-americana e schumpeteriana ver Cassiolato et al., 2005.

Inovação, arranjos produtivos e sistemas de inovação 267


O foco em conhecimento, aprendizado e interatividade deu sustenta-
ção à ideia de sistemas de inovação (FREEMAN, 1988; LUNDVALL, 1992,
1995), destacando “os ambientes nacionais ou locais onde os desenvolvi-
mentos organizacionais e institucionais produzem condições que permitem
o crescimento de mecanismos interativos nos quais a inovação e a difusão
de tecnologia se baseiam” (OCDE, 1992a, p. 238). Nessa perspectiva, sis-
temas de inovação são conceituados como conjuntos de instituições e suas
relações, as quais contribuem para o desenvolvimento e afetam o mesmo
na capacidade de aprendizado e de criação de competências de um país,
região, setor ou localidade. Constituem-se de elementos que interagem na
produção, uso e difusão do conhecimento. Tais sistemas contêm, não ape-
nas as organizações diretamente voltadas à CT&I, mas também e princi-
palmente todas aquelas que, direta ou indiretamente afetam as ações dos
atores. Um corolário direto de tal entendimento é que, por exemplo, o setor
financeiro e as políticas – incluindo as macroeconômicas mais amplas – pas-
sam a ser objeto de preocupação e ação dos policy-makers.
A ideia básica do conceito de sistemas de inovação é que o desempenho
inovativo depende não apenas do desempenho de empresas e organizações
de ensino e pesquisa, mas principalmente de como elas interagem entre si e
com vários outros atores e como o ambiente onde se inserem e as políticas
(incluindo as macroeconômicas) afetam o desenvolvimento dos sistemas.
Reforça-se, deste modo, a ideia de que os processos de inovação que têm
lugar no nível da firma são gerados e sustentados por suas relações com
outras organizações, refletindo as características dos sistemas produtivos e
inovativos locais e nacionais dos quais fazem parte.
Tais resultados levaram pesquisadores e policy-makers a mudarem a ên-
fase analítica e normativa. A definição de sistemas nacionais de inovação
objetiva incorporar o papel e a dinâmica das firmas, mercado de trabalho
e de capitais, organizações de ensino e pesquisa, governo (como um todo
e não apenas a política de C&T), organismos de financiamento e outros
atores e elementos que influenciam a aquisição, uso e difusão das inova-
ções. Nesta linha é que se enfatiza: (i) o papel de processos históricos –
responsáveis por diferenças em trajetórias de desenvolvimento, evolução
político-institucional e capacitações socioeconômicas; (ii) a importância do
caráter nacional dos sistemas de inovação; (iii) a relevância das relações
produtor-usuário para a inovação; e (iv) o papel do mercado doméstico
(FREEMAN, 1982, 1987, 2003; LUNDVALL, 1985, 1988). Foi reafirmada a
importância de capturar a especificidade dos diferentes atores, a qualidade
das relações e o entendimento do papel das instituições no seu sentido mais
amplo – como normas e regras, informais e formais. Assim, diferentes con-
textos, sistemas cognitivos e regulatórios e modos formais como informais

268 Inovação, arranjos produtivos e sistemas de inovação


de articulação e de aprendizado são reconhecidos como fundamentais para
explicar as diferenças na aquisição, uso e difusão de conhecimentos e par-
ticularmente aqueles tácitos.
Em particular, diferencia-se o entendimento restrito e amplo de sistema
de produção e inovação (Figura 1).

Figura 1 – Sistema nacional de inovação: as visões restrita e ampla

Fonte: Cassiolato e Lastres, 2009.

Aspecto essencial refere-se ao papel central dado à inovação para a com-


petitividade dinâmica e sustentável. Essa contrasta com a usual prioridade
dada à exploração das vantagens competitivas tradicionais (como baixos
custos da mão de obra e da exploração de recursos naturais sem uma pers-
pectiva de sustentabilidade no longo prazo e à manipulação das taxas de
câmbio e de juros), as quais Fajnzylber (1988) chamou de espúrias.
Outro avanço crucial consolidado na abordagem de SNI se refere à cons-
tatação de que inovação não se restringe a processos de mudanças radicais
na fronteira tecnológica, realizados quase que exclusivamente por grandes
empresas através de seus esforços de pesquisa e o desenvolvimento (P&D).
São significativas as consequências de entender a inovação como “proces-
so pelo qual as organizações incorporam conhecimentos na produção de
bens e serviços que lhes são novos, independentemente de serem novos, ou
não, para os seus competidores domésticos ou estrangeiros”.173 Esse enten-
dimento ajuda a evitar diversas distorções, incentivando os policy-makers
a adotarem uma perspectiva mais ampla sobre as oportunidades para o

173. Esta definição baseia-se em proposta de Lynn Mytelka (1993), suas vantagens para países
menos desenvolvidos são discutidas em Cassiolato, Lastres e Maciel, 2003 e Lastres, Cassiolato
e Arroio, 2005.

Inovação, arranjos produtivos e sistemas de inovação 269


aprendizado e a inovação em pequenas e médias empresas (PMEs) e tam-
bém nas chamadas indústrias tradicionais. As implicações para políticas de
tais qualificações são significativas.
Acompanhando tais desenvolvimentos as ideias de sistemas setoriais
(MALERBA; ORSENIGO, 1996), sistemas regionais (COOKE; MORGAN,
1998), sistemas supranacionais (Freeman 1999) e de arranjos e sistemas
produtivos e inovativos locais (CASSIOLATO; LASTRES, 1999), têm sido
propostos.
Evidentemente existem contradições entre uma visão estritamente se-
torial da inovação e a abordagem sistêmica neste capítulo apresentada.
De fato, a visão setorial não captura a situação em que as fronteiras dos
“setores” produtivos se encontram em constante mutação. Questionam-se
também as formas tradicionais de mensurar e avaliar atividades econômi-
cas agrupando-as em “setores”, principalmente dada à heterogeneidade
das organizações e as distintas estruturas produtivas e inovativas presentes
dentro de um mesmo setor. Adiciona-se a esta condição a tendência tanto à
incorporação de conhecimentos avançados e crescentemente multidiscipli-
nares, quanto à convergência das funções e aparatos tecnológicos de vários
segmentos até então desvinculados entre si. Tais tendências são particu-
larmente marcantes em situações de transformações técnico-econômicas
radicais e abrangentes – como nas mudanças de paradigma (LASTRES;
CASSIOLATO; CAMPOS, 2006). Há casos ilustrativos nos chamados setores
primários, como o agrícola, o extrativo e o pesqueiro, e também naqueles
mais avançados.
Utilizando a produção de tomates para mostrar como as novas tecno-
logias afetam todas as etapas da cadeia produtiva, Marques (1999) sugere
que a produção deste bem depende e se articula profundamente com a
produção de diversos setores, tornando pouco relevante a sua classificação
como um produto agrícola: “agora, antes de plantar tomates são necessá-
rios muitos planos, desenhos, tabelas e roteiros para produzir as sementes
geneticamente tratadas, os fertilizantes, o plantio geométrico, a colheita-
deira, o sistema de seleção eletrônica, os recipientes e seus meios de trans-
porte etc. – o tomate é um produto high-tech!” (p. 199-200).
No caso da pesca, observa-se o uso de: design e materiais avançados nos
navios e equipamentos de pesca; sistemas de comunicação e rastreamento
por satélite; sistemas de sonares, sensores e identificação ótica para moni-
toramento de cardumes e seleção de peixes; sistemas on-line para pesagem,
avaliação, resfriamento e acondicionamento, assim como para o acompa-
nhamento das atividades. Isto é também verdade no caso das fazendas de
peixes, que vêm igualmente incorporando design e materiais avançados

270 Inovação, arranjos produtivos e sistemas de inovação


na construção de lagos, açudes etc.; tecnologias de nutrição e aumento
da reprodução baseada em biotecnologia e engenharia genética; sistemas
de alimentação baseados em robótica. Adicionam-se ainda os esforços no
desenvolvimento e aplicação de equipamentos, sistemas e procedimentos
visando: (i) proteger o meio ambiente, tendo em vista o uso mais intensivo
dos recursos naturais, assim como de aditivos sintéticos e outros fatores que
podem levar à degradação ambiental; (ii) garantir a sustentabilidade dos
empreendimentos.
Com a alta pervasividade das novas tecnologias base do atual padrão de
produção – TICs, biotecnologia, engenharia genética e materiais avançados
– mesmo setores considerados tradicionais podem apresentar-se como in-
tensivos em tecnologias de ponta. Torna-se, portanto, ainda mais evidente a
inadequação da forma como são definidos os setores econômicos. Apesar de
o conhecimento já acumulado sobre as trajetórias setoriais continuarem re-
levantes, tanto a produção quanto a inovação são cada vez mais influencia-
das pelo conhecimento e as capacidades de diferentes atividades produtivas
e áreas científicas e tecnológicas. Devido a dificuldades em mensurar os co-
nhecimentos de variadas origens, utilizadas em diferentes setores, continu-
amos tratando tais setores do mesmo modo que quando as classificações fo-
ram concebidas, tornando-se, crescentemente difícil continuar usando estas
categorias sem questioná-las (LASTRES; CASSIOLATO; CAMPOS, 2006).
Enfatiza-se o imperativo de um referencial que dê conta dos novos desafios.
A classificação setorial usual relaciona-se a conjuntos de conhecimentos e
atividades que podem estar representando peso minoritário no valor agre-
gado do setor em questão. Evidentemente a linha de fronteira entre setores
sempre foi arbitrária. Ressaltamos, porém, que, no quadro atual, torna-se
mais agudo o problema de se captar – por meio de indicadores imperfeitos
– apenas parte dos sistemas produtivos e inovativos.

3. Implicações para políticas dos principais avanços no


entendimento de inovação
Avanços significativos na compreensão da inovação permitiram inaugurar e
desenvolver uma nova linha do pensamento alternativa à teoria dominan-
te neoclássica. A partir desses entendimentos básicos e cruciais uma nova
perspectiva abriu-se. Esses desenvolvimentos evidenciaram a necessidade
de rever as formas tradicionais de apoio e exigem o desenho de novas polí-
ticas realmente capazes de promover a CT&I.
Como vimos anteriormente, o primeiro passo foi o reconhecimento da
importância de diferenciar informação de conhecimento, assim como as
distintas formas de conhecimento: as tácitas das codificadas. O segundo

Inovação, arranjos produtivos e sistemas de inovação 271


passo, e também ao contrário do apregoado pelos economistas ortodoxos,
destaca-se o entendimento de que:
ƒ Parcelas importantes das capacitações produtivas e inovativas são igual-
mente tácitas e emanam de processo de aprendizado, fazendo, produ-
zindo, usando e interagindo e não apenas da realização ou contração de
atividades de P&D.
ƒ Deve-se focalizar a criatividade humana, em vez das trocas comerciais e a
acumulação de equipamentos e de outros recursos materiais.
ƒ Os principais elementos do conhecimento estão incorporados na mente
e corpo dos atores ou enraizados em rotinas das empresas e nas relações
entre empresas e demais organizações. Portanto, eles são localizados,
não facilmente transferíveis de um lugar/contexto a outro.
ƒ A geração de novos conhecimentos, sua introdução e difusão no sistema
produtivo exigem esforços e capacitações significativos.
ƒ O caráter eminentemente cumulativo, interativo e localizado do proces-
so de inovação leva à necessidade de entender:
– as empresas, como organizações enraizadas em ambientes socioeconômi-
co-políticos que refletem trajetórias históricas e culturais particulares;
– que o foco no aprendizado e na assimilação, uso e difusão da inovação
opõe-se à ideia de um suposto tecnoglobalismo;174
– que é um equívoco ver a aquisição de tecnologia estrangeira como alter-
nativa ou prescindindo de esforços locais.
O terceiro passo, aponta o reconhecimento de que:
ƒ Há significativa complementaridade entre inovações incrementais e ra-
dicais, técnicas e organizacionais e suas diferentes e simultâneas fontes.
Assim, como existe uma complexa interação entre diferentes atores e
fontes de inovação e o dinamismo inovativo depende não apenas do
desempenho das empresas e de como estas interagem entre si e com os
ademais atores, mas também do contexto em que tais processos ocor-
rem. Daí a importância da visão sistêmica.
ƒ É mais importante conhecer as práticas e condições de cada ambiente,
relativas ao aprendizado, investimento, natureza e extensão das intera-
ções intra e entre empresas e demais organizações (IEPs, organismos de
apoio, financiamento e regulação etc.) do que simplesmente quantificá-
las. Essas conformam a propensão a adquirir capacitações e a inovar
(JOHNSON, 1998; MYTELKA, 2000; JOHNSON e LUNDVALL, 2003).

174. Para detalhes ver Freeman, 1995.

272 Inovação, arranjos produtivos e sistemas de inovação


ƒ Os quadros de referência nacional e local importam, pois trajetórias espe-
cíficas de desenvolvimento contribuem para a conformação de sistemas
de inovação distintos. A diversidade dos sistemas de inovação reflete dife-
rentes combinações das suas características aos níveis micro, meso e ma-
croeconômicos, bem como das articulações entre estes níveis (FREEMAN,
1987, 1999; LASTRES, 1994; CASSIOLATO; LASTRES, 1999).
ƒ O entendimento da dinâmica industrial e tecnológica, e das políticas
para sua mobilização, exige considerar e atuar sobre os condicionantes
do quadro macroeconômico, político, institucional e financeiro específi-
co dos diferentes países e da relação de cada país com o sistema mundial
(FURTADO, 1961, 2002).
ƒ A capacidade inovativa deriva da confluência de específicos fatores eco-
nômicos, sociais, políticos, institucionais e culturais e do ambiente em
que eles operam, o que implica na necessidade de um instrumental ana-
lítico e de orientação de políticas mais amplo e complexo do que aqueles
oferecidos pela teoria econômica tradicional (FREEMAN, 1982, 1987;
LUNDVALL, 1985; LASTRES; FERRAZ, 1999).
Assim é que a partir dos anos 1980 a visão sistêmica passou a povoar os
novos referenciais analíticos e as proposições de política. A inovação passa
a ser o mais importante componente das estratégias de desenvolvimento (e
não apenas das políticas de C&T ou das políticas industriais) e as políticas
a ela direcionadas passam a ser entendidas como políticas para sistemas de
produção e inovação. Nesta discussão mostra-se particularmente importan-
te destacar a necessidade de distinguir invenção de inovação. São significa-
tivas as implicações para políticas desta distinção. Se o objetivo é o estímulo
a invenções, as políticas, com razão, devem buscar mobilizar as infraestru-
turas e as atividades de P&D, assim como de propriedade intelectual. Neste
caso, sabemos que tais esforços podem ou não resultar em invenções, as
quais, por sua vez, podem ou não ser incorporadas pelos sistemas produti-
vos. No segundo caso, se o foco é a mobilização dos processos de inovação,
as políticas devem estimular as diferentes formas de aquisição, uso e dis-
seminação de conhecimentos nas estruturas produtivas de qualquer bem
ou serviço (incluindo aqueles essenciais à mobilização do desenvolvimento
social). A ênfase central das políticas passa, portanto, a ser o estímulo às
articulações entre atores dos diferentes sistemas de produção e inovação
e à sua capacidade de assimilar e utilizar conhecimentos provenientes das
diversas fontes internas e externas aos mesmos.
O desenvolvimento da abordagem de arranjos e sistemas produtivos e
inovativos locais, objetivou atender a tal imperativo visando potencializar
as ações de políticas, reorientando-as para o território e para as interações

Inovação, arranjos produtivos e sistemas de inovação 273


entre conjuntos de atores visando estimular os processos de capacitação,
aprendizado, inovação e competitividade com a finalidade de ampliar e
enraizar o desenvolvimento local. Tal abordagem pretende oferecer uma
nova forma de olhar, pensar e fazer política que abrange atores e ativida-
des produtivas e inovativas, com distintas dinâmicas e trajetórias, desde
as mais intensivas em conhecimentos até as que utilizam conhecimentos
endógenos ou tradicionais, de diferentes portes e funções, originários dos
setores primário, secundário e terciário, operando local, nacional ou inter-
nacionalmente.

4. A experiência brasileira no desenvolvimento do conceito


de sistema de inovação
No Brasil, o conceito de sistemas produtivos e inovativos locais foi criado e
desenvolvido pela RedeSist em finais da década de 1990 e foi rapidamente
disseminado na esfera de ensino e pesquisa e de política.175 Este conceito
combina as contribuições sobre desenvolvimento da escola estruturalista
latino-americana com a visão neo-schumpeteriana de sistemas de inova-
ção.176 Chama-se a atenção para o significativo processo de aprendizado
posto em marcha ao colocar em prática esta nova abordagem, tanto en-
quanto ferramenta analítica quanto de orientação de políticas. Todos os
atores envolvidos aprenderam muito com erros e acertos e muitas vezes
tiveram de inovar.
A abordagem de Arranjos e Sistemas Produtivos e Inovativos, abrange
conjuntos de atores econômicos, políticos e sociais e suas interações, in-
cluindo: empresas produtoras de bens e serviços finais e fornecedoras de
matérias-primas, equipamentos e outros insumos; distribuidoras e comer-
cializadoras; trabalhadores e consumidores; organizações voltadas à for-
mação e treinamento de recursos humanos, informação, pesquisa, desen-
volvimento e engenharia; apoio, regulação e financiamento; cooperativas,
associações, sindicatos e demais órgãos de representação.
A ênfase no local levou ao desenvolvimento do termo mais amplamente
difundido de arranjos produtivos locais (APLs). Isto se deve ao fato de que
as atividades produtivas e inovativas são diferenciadas temporal e espa-
cialmente, refletindo o caráter localizado da assimilação e do uso de co-
nhecimentos e capacitações, resultando em requerimentos específicos de
políticas.

175. Cassiolato e Lastres, 1999; Lastres, Cassiolato e Matos, 2006.


176. Para detalhes ver Cassiolato et al., 2005 e Guimarães et al., 2006.

274 Inovação, arranjos produtivos e sistemas de inovação


Seguindo as orientações do foco em sistemas de inovação, essa abor-
dagem focaliza as articulações entre conjuntos de diferentes atores, assim
como entre atividades conexas dos diferentes sistemas produtivos e inova-
tivos locais. Acompanhando o desenvolvimento desse conceito, a RedeSist
também desenvolveu uma metodologia que focaliza e investiga essas articu-
lações entre empresas e com outros atores; os fluxos de conhecimento (em
particular, em sua dimensão tácita); as bases dos processos de aprendizado
para capacitação produtiva, organizacional e inovativa; e o papel da proxi-
midade geográfica e da identidade histórica, institucional, social e cultural
como fontes de diversidade e vantagens competitivas sustentadas. O objeti-
vo final é discutir as implicações para políticas das análises realizadas.177
As experiências pioneiras de analisar e promover sistemas produtivos
e inovativos no Brasil confirmam que essa consiste de fato em uma nova
forma de pensar e fazer política que:
ƒ Coloca a geração, aquisição e difusão de conhecimentos e a criação e
uso de capacitações produtivas e inovativas como fatores-chave da pro-
dutividade e competitividade dinâmica e duradoura de organizações,
regiões e países.
ƒ Engloba diferentes tipos de atores e atividades, inclusive aqueles geral-
mente excluídos das ações de promoção, como, por exemplo, as empre-
sas de micro e pequeno portes e seus requerimentos; as atividades do
setor primário e terciário, os segmentos à margem da vida econômica
formal, icluindo empresas, atividades e processos de aquisição, trans-
missão de conhecimento.
ƒ Cobre o espaço, onde ocorre o aprendizado, são criadas as capacitações
produtivas e inovativas e fluem os conhecimentos e particularmente
aqueles tácitos.
ƒ Permite estabelecer uma ponte entre o território e as atividades econô-
micas, as quais também não se restringem aos cortes clássicos espaciais
como os níveis municipais e de microrregião.
ƒ Visa dar conta das variações espaciais devidas à grande extensão geográfica,
heterogeneidade e desigualdades econômicas, políticas, sociais e regionais.
ƒ Tem proporcionado um entendimento amplo das oportunidades e desa-
fios colocados ao desenvolvimento produtivo e inovativo.
ƒ Representa o nível em que as políticas de promoção do aprendizado e
criação de capacitações produtivas e inovativas podem ser mais efetivas.

177. A descrição detalhada desta metodologia encontra-se em www.sinal.redesist.ie.ufrj.br.


Ver também Lastres, Cassiolato e Campos (2006).

Inovação, arranjos produtivos e sistemas de inovação 275


ƒ Destaca a necessidade de articular e implementar as diferentes políticas
em uma perspectiva transescalar, integrada e de longo prazo.
Segundo esse enfoque, onde houver produção de qualquer bem ou ser-
viço haverá sempre um sistema em torno da mesma, envolvendo atividades
e atores relacionados desde a aquisição de matérias-primas, máquinas e
demais insumos até a sua comercialização. Tais sistemas variarão desde
aqueles mais rudimentares àqueles mais complexos e articulados, que fun-
cionam de modo realmente sistêmico. Nessa perspectiva, o número de siste-
mas produtivos locais existentes em qualquer país é tão grande quanto sua
capacidade produtiva permita. Tanto do ponto de vista analítico quanto do
normativo, não basta desenvolver indicadores e mapas objetivando iden-
tificar a quantidade de sistemas existentes e suas diferentes configurações
e graus de desenvolvimento. De forma semelhante, por serem baseadas
no reconhecimento das especificidades dos diferentes sistemas, as políticas
para sua promoção são incompatíveis com modelos genéricos que utilizam
ideias de benchmark e best practice.
Diferentes tipologias e indicadores vêm sendo desenvolvidos visando
entender os processos de aprendizado, capacitação e inovação. Entretanto,
alerta-se que o uso de algumas dessas taxonomias, indicadores, assim como
a seleção de casos exemplares não deve de maneira alguma inibir a compre-
ensão dos elementos diferenciados que a riqueza das experiências apresen-
ta no mundo real. Isto é particularmente importante no caso da definição e
implementação de políticas. Sublinha-se aqui a conclusão que a adoção de
políticas uniformes ignora a existência de disparidades, que decorrem não
só de fatores econômicos, mas também de diversidades das matrizes socio-
políticas e das particularidades históricas (FURTADO, 1998). A mobilização
de um determinado sistema produtivo geralmente implica em conjuntos es-
pecíficos de requerimentos que variam tanto no espaço quanto no tempo.

Conclusão
Como vimos anteriormente, desde o final dos anos 1970 uma substantiva
literatura foi desenvolvida. Conforme resumido no Glossário da RedeSist:
a inovação passou a ser vista não mais como um ato isolado, mas como
um processo, cumulativo e localizado, não linear e sistêmico com múltiplas
e simultâneas fontes, resultando de interações entre diferentes atores. Ao
mesmo tempo em que a inovação passa a adquirir papel ainda mais estra-
tégico na nova ordem mundial, importantes avanços na compreensão desse
processo trazem significativas implicações para políticas. Sete pontos prin-

276 Inovação, arranjos produtivos e sistemas de inovação


cipais resumem os avanços no conhecimento sobre inovação, mais relevan-
tes em termos da nova geração de políticas na segunda década do milênio.
1. O papel fundamental conferido à inovação para a agregação de valor
aos bens e serviços e para a competitividade sistêmica, dinâmica e du-
radoura de organizações, localidades e países. Esse entendimento con-
trasta com os denominados processos competitivos espúrios baseados
na redução dos salários e na exploração de recursos naturais sem uma
perspectiva de sustentabilidade.
2. A inovação não se restringe a processos de mudanças radicais na fron-
teira tecnológica, realizados quase que exclusivamente por grandes em-
presas através de seus esforços de pesquisa e desenvolvimento (P&D).
Entender a inovação como “processo pelo qual as organizações incorpo-
ram conhecimentos na produção de bens e serviços que lhes são novos,
independentemente de serem novos, ou não, para os seus competidores
domésticos ou estrangeiros”: ajuda a evitar exclusões e distorções da
agenda de política e incentiva a adoção de uma perspectiva mais ampla
sobre as oportunidades para o aprendizado e a inovação em MPEs e
também nos chamados setores tradicionais.
3. A aquisição de conhecimentos, equipamentos e tecnologias desenvol-
vidos externamente jamais substitui a relevância da criação de capaci-
tações locais. A própria seleção, compra, cópia, incorporação e uso dos
mesmos requer significativa capacitação. Dimensão crucial do aprendi-
zado relaciona-se à capacidade de colocar em prática os conhecimen-
tos e tecnologias adquiridos. Ênfase dada à relevância de uma indústria
nacional sólida e dinâmica – a capacidade de gerar e internalizar novos
conhecimentos depende diretamente de seu uso.
4. A base do dinamismo e da competitividade das empresas não se restrin-
ge a uma única organização ou a um único setor, estando fortemente
associada a atividades e capacidades existentes ao longo da cadeia de
produção e comercialização, além de envolver uma série de outras ati-
vidades e organizações responsáveis pela assimilação, uso e dissemina-
ção de conhecimentos e capacitações. A dinâmica inovativa depende
das empresas, suas cadeias e complexos produtivos, dos demais atores
não econômicos, que compõem os diferentes sistemas produtivos, e dos
ambientes onde se inserem.
5. A capacidade produtiva e inovativa de um país ou região – vista como
resultado das relações entre os atores econômicos, políticos e sociais –
reflete as condições culturais e históricas próprias. Diferentes contextos,
sistemas cognitivos e regulatórios e modos de articulação e de apren-
dizado levam a formas diferentes de gerar, assimilar, usar e acumular

Inovação, arranjos produtivos e sistemas de inovação 277


conhecimentos e a requerimentos específicos de políticas. Necessidade
de contextualização das políticas.
6. As atividades produtivas e inovativas são distintas temporal e espacial-
mente e apresentam diferentes requerimentos de políticas. Dinâmicas
muito diversificadas podem ser encontradas dentro de um mesmo setor.
O conhecimento sobre trajetórias setoriais é muito relevante, mas deve
ser complementado pelo entendimento sobre a forma como as empresas
se inserem e se articulam com seus sistemas produtivos e os territórios
que as hospedam. Além de captar apenas parte dos sistemas produtivos
e inovativos, a visão setorial não tem dado conta da constante muta-
ção nas fronteiras dos setores. Tanto a produção quanto a inovação são
crescentemente influenciadas por conhecimentos multidisciplinares e
multissetoriais. Esta consideração é especialmente relevante para países
com dimensões continentais como o Brasil.
7. As implicações para políticas do entendimento de inovação como pro-
cesso localizado, cumulativo, não linear e sistêmico são significativas e
apontam para o imperativo de mobilizar articulações e sinergias visando
ampliar as formas de aquisição, uso e difusão de conhecimentos nas es-
truturas produtivas; e de desenhar e implementar políticas apropriadas,
coordenadas nacionalmente e que contemplem as escalas regional, es-
tadual e local, envolvendo e comprometendo atores que operam nesses
diferentes níveis.
Aponta-se, por um lado, para o papel dos pesquisadores, planejadores e
implementadores de política e para a importância de escolher e usar con-
ceitos, indicadores e modelos contextualizados que: ajudem a reduzir os
desequilíbrios sociais e regionais; associem desenvolvimento econômico e
social; e coloquem em seu centro o apoio a processos de aprendizado e de
criação de capacitações produtivas e inovativas. Por outro lado, destaca-se a
necessidade de mobilizar propostas e processos locais e não sufocá-los com
modelos de apoio ofertistas e pontuais, sem compromisso e que ignoram as
necessidades locais.
A análise das políticas para a mobilização de arranjos e sistemas produ-
tivos e inovativos mostra que vários resultados positivos foram alcançados.
A inclusão de atores, regiões e atividades geralmente excluídos da agenda
de políticas e os avanços na articulação de atores foram dois destes, além
obviamente do importante processo de aprendizado posto em marcha no
País. Conforme argumentado, podemos avançar mais ainda se forem enten-
didos os preceitos básicos desta nova abordagem e implementadas ações
correspondentes de forma coerente. Para tal mostra-se vital superar os sig-
nificativos desafios colocados, os quais se associam, em primeiro lugar, à

278 Inovação, arranjos produtivos e sistemas de inovação


enorme profusão e confusão de terminologias, escalas e conceitos vigente;
à ausência de planejamentos integrados e de longo prazo; e à falta de mo-
nitoramento e avaliação das políticas; em segundo lugar, aponta-se para
a predominância das políticas baseadas em modelos únicos, derivados de
casos exemplares, descontextualizados e geralmente formulados segundo
uma “lógica administrativa”.178 Tais modelos orientaram as políticas em ge-
ral e, em particular, aquelas voltadas à promoção de arranjos produtivos
locais principalmente a partir dos anos 1990. Uma tendência desta lógica é
a redução da política a uma questão de administração ou gestão; a outra é
a ênfase dada a métodos quantitativos, atribuindo aos mesmos uma cienti-
ficidade inquestionável, definindo parâmetros padronizados para orientar
as políticas e estabelecendo atributos e regras de funcionamento ideais de
um APL, tais como sua governança e seus processos de gestão. Nota-se no
entanto que os indicadores usados para balizar tais políticas, além de insu-
ficientes, geralmente mostraram-se inadequados, enviesados, muitas vezes
incompatíveis e constantemente desatualizados.
Finalmente, coloca-se o problema de descontextualização e a necessida-
de de superar modelos preestabelecidos baseados na lógica administrativa
e que embutem escolhas políticas realizadas a priori e cuja adoção contribui
para reforçar desigualdades. O principal desafio colocado é o de desenhar e
implementar políticas que mobilizem propostas e processos locais, em vez
de ignorá-los e sufocá-los com o uso de modelos pontuais, sem compromis-
sos e que desconsideram as necessidades nacionais e locais.
Tendo em consideração o caso brasileiro e a ênfase dada pelas novas
políticas para arranjos e sistemas produtivos e inovativos, reitera-se uma
recomendação fundamental que já fizemos em textos anteriores: esta ên-
fase não deve significar apenas mais uma tentativa de utilização de novos
rótulos em velhas práticas,179 visando seguir a moda e obter acesso rápido
a apoio financeiro. Em muito avançaremos quando as abordagens analí-
ticas e normativas incorporarem de fato, a essência dos conceitos em que
se baseiam, ao objetivarem mobilizar o sistema nacional de produção e
inovação.
Cabe considerar finalmente o significativo esforço de reflexão que o BN-
DES mobilizou, o qual finaliza no primeiro trimestre de 2010, sobre o que
tem sido e como pode ser refinada a política de APLs no Brasil. Tal esforço
envolvendo mais de 200 pesquisadores em 22 estados brasileiros objetivou:
(i) identificar como tem sido usado o conceito de APLs no País; (ii) o que

178. Para detalhes ver Lastres et al., 2010.


179. Reinhert e Reinert, 2003 notaram que algumas tentativas de uso do enfoque em sistemas
de inovação em nível internacional tanto no âmbito da pesquisa quanto no da política, não
passavam de “a thin icing on a solid neo-classical cake”.

Inovação, arranjos produtivos e sistemas de inovação 279


tem sido considerado, mapeado e apoiado como APL nos diferentes estados
e o que poderia ser tratado como tal; (iii) revelar quais têm sido os resul-
tados positivos e negativos das políticas de apoio a arranjos produtivos;
(iv) indicar formas possíveis de aprimoramento das políticas adotadas nos
estados e no Brasil.
A principal intenção deste capítulo foi a de sumarizar o enorme o avanço
desencadeado nas últimas décadas do século XX na forma de entender o
processo de aquisição, uso e difusão de conhecimentos nos sistemas pro-
dutivos. Chama-se, no entanto, a atenção que grande parte dos esquemas
teóricos utilizados para captar e explicar o processo de inovação, formular
indicadores e, mais importante ainda, orientar políticas de inovação e de
promoção dos sistemas produtivos e inovativos, baseia-se ainda em conhe-
cimentos desatualizados e descontextualizados. Neste sentido, finalizamos
o capítulo ressaltando a necessidade de incorporar esse avanço, que em
muito ampliou nosso entendimento do processo inovativo e da dinâmica
de nossos sistemas produtivos e inovativos locais, regionais e nacionais,
nos referenciais conceituais e metodológicos utilizados para compreender,
mensurar e orientar tal processo. Esperamos que o capítulo contribua nesta
direção.

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284 Inovação, arranjos produtivos e sistemas de inovação


Sudene: do desenvolvimento cepalino ao
desenvolvimento endógeno

Fernanda Ferrário de Carvalho

“Nem mesmo as mudanças de rumo instituídas pelas forças


mais conservadoras do País e da região, a partir de abril de
1964, foram capazes de alterar as bases da cultura do planeja-
mento e do trabalho organizado pela mais bem-sucedida das
superintendências de Desenvolvimento Regional, instituídas
no Brasil. Não dá, porém, para deixar de lado, o fato de as
gerações formadas sob o signo do desenvolvimento planeja-
do em bases regionais, pela Sudene originária, terem tido de
conviver com as formulações que a Superintendência viria a
adotar, consoante as diretrizes estabelecidas em Brasília ou
fora do Brasil. De fato, depois de 1964, a Sudene foi instada
a adotar as concepções do “desenvolvimento rural integrado”,
do “desenvolvimento local integrado”, do “desenvolvimento
sustentável” e do “desenvolvimento baseado em clusters”.
Na realidade, muitos sudeneanos se esforçaram para não se
deixar levar pelo mimetismo de tais formulações, construídas
segundo leituras envolvidas por embalagens que, de novo, ti-
nham apenas a cor e as facetas de suas apresentações formais,
do tipo ‘capriche na capa’, que isso vende” (CARVALHO, Ca-
dernos do Nordeste).

Introdução
O presente artigo tem por objetivo analisar as principais correntes teóricas
que influenciaram a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste
(Sudene), ao longo de sua existência, na adoção da política de desenvolvi-
mento regional no Nordeste brasileiro. Com isso, pretende-se tentar esta-
belecer uma “conexão” entre as formulações teóricas que o órgão adotou e
as principais transformações, estruturais ou não, por que a região passou,
desde a criação da Superintendência.

Sudene 285
Nesse primeiro momento da pesquisa, foram identificados quatro gran-
des influências teóricas: a teoria cepalina; os Polos de Desenvolvimento de
François Perroux, através da adoção de Complexos Industriais e de polos
de desenvolvimento rural integrado; o desenvolvimento sustentável, que
sofreu grande influência do Banco Mundial; e por fim as diversas contri-
buições teóricas de desenvolvimento local, cujo pressuposto é o desenvol-
vimento endógeno.
Seguindo esses momentos, o artigo está estruturado em cinco partes,
além dessa breve introdução. No primeiro item, analisa-se o modelo de-
senvolvimentista e a influência cepalina nos primeiros anos de atuação
da Sudene. No segundo item, procura-se compreender a importância dos
incentivos e a disseminação dos polos de desenvolvimento na economia
nordestina, dentro do contexto dos Planos de Desenvolvimento do período
autoritário. No terceiro item, faz-se uma retrospectiva de como a Sudene de
certa forma “abandona” o paradigma desenvolvimentista para assumir “o
novo paradigma do desenvolvimento sustentável”. No quarto item, é anali-
sada a importância do “local” e do desenvolvimento endógeno. Por fim, são
feitas algumas considerações finais.

1. O modelo desenvolvimentista e a influência cepalina nos


primeiros anos de atuação da Sudene
Em meados da década de 1950, o Nordeste era um “turbilhão efervescente”,
e as pressões e os movimentos sociais estavam eclodindo com muita força na
região. Diante disso, o governo federal criou, em 1956, o Grupo de Trabalho
para o Desenvolvimento do Nordeste (GTDN) (que resultou na criação da
Sudene, em 1959), “encarregado de identificar os principais problemas da
região, as oportunidades para superá-los, e os mecanismos mais eficazes
para desenvolver econômica e socialmente a região” (CARVALHO, 2001).
O GTDN continha uma abordagem histórica e foi um marco no enfren-
tamento do problema regional no Brasil, ao mostrar, pela primeira vez, que
os recursos naturais não eram os únicos fatores sobre os quais as ações
governamentais deveriam agir. As suas propostas visaram, sobretudo, à res-
truturação econômica e social da região.
Com a utilização do método de análise desenvolvido pela Cepal, o GTDN
tenta reproduzir as teses cepalinas em uma espécie de “moldura nordesti-
na” (OLIVEIRA, 1981). “Nesse sentido, haveria, entre o Nordeste e o Cen-
tro-Sul, uma relação típica entre centro (produtor de bens industrializados)
e periferia (produtora de matérias-primas). Tal relação estaria baseada em
uma deterioração dos termos de troca entre as regiões, o que significava

286 Sudene
que o poder de compra da região mais atrasada era cada vez menor em
relação ao da moderna”180 (CARVALHO, 2001).
Para tirar a região da estagnação em que se encontrava, o GTDN apon-
tava como condição sine qua non a necessidade de profunda transformação
agrária e agrícola, além da industrialização. O desenvolvimento só seria
factível mediante a diversificação da produção interna, ou seja, por meio da
industrialização. Como assinala o documento,

“Nestas condições, a única forma de incrementar, com segu-


rança, o nível de renda da região seria desenvolver outras ati-
vidades, especialmente a industrialização” (GTDN, 1959).

O GTDN pretendia “criar no Nordeste um centro autônomo de expansão


manufatureira”. Em tese, sua proposta era transpor os marcos da região em
uma política de industrialização assentada, marcadamente, na substituição
regional de importações. Diante disso, a “nova” industrialização preconiza-
da para a região deveria ter um caráter autônomo e, predominantemente,
de base regionalista (ALMEIDA; ARAÚJO, 2004).
Segundo Celso Furtado, o esquema cepalino sobre a divisão internacio-
nal do trabalho era reproduzido em escala intraregional. Ou seja, a consti-
tuição de um centro industrial no Sudeste, a partir da primeira metade do
século XX, reproduzia o mesmo padrão de relacionamento que dera origem
às nações industrializadas e outras fornecedoras de insumos e matérias-
primas. Assim, a existência de centros industriais tenderiam a inibir a di-
versificação das economias estruturadas na produção e comercialização de
produtos primários, pois as relações entre estas duas economias “tendem
sempre a formas de exploração”. Em outras palavras, a trajetória do proces-
so de desenvolvimento seria configurada por relações espoliativas entre os
estados mais industrializados e o restante do País.
Verifica-se, com isso, que o discurso hegemônico sobre o qual girou a
polêmica regional nesse período não se deu através de uma argumentação
“original”, mas, antes, por uma forte “internalização” da discussão sobre as
relações internacionais.

180. Com relação a esse ponto, Cano (1985:18-19) faz uma importante crítica. Segundo o
autor, “a concepção ‘Centro-periferia’ só é válida quando aplicada ao relacionamento entre
estados-nações politicamente independentes, e não entre regiões de uma mesma nação, onde
a diferenciação de fronteiras internas não pode ser formalizada por medidas discriminatórias
de política cambial, tarifária e outras, salvo aquelas relacionadas às chamadas políticas de
incentivos regionais”. Nesse sentido, o GTDN se equivoca ao tentar transpor para os marcos
da região Nordeste uma política cepalina de industrialização orientada para a substituição de
importações no marco nacional, “tentando compensar, precariamente, através de incentivos
fiscais, a inexistência de fronteiras políticas regionais lastreadas por dispositivos alfandegários
ou fiscais protecionistas ao Nordeste” (CANO, 1985:21).

Sudene 287
Em uma época onde se generalizavam as teses de vinculação da questão
do subdesenvolvimento ao imperialismo e de predominância da economia
agrária sobre a industrial, não foi muito difícil a transposição do discurso
cepalino como eixo explicativo dos desequilíbrios regionais. As análises que
balizaram a discussão internacional da deterioração das relações de troca
foram tomadas, em muitos aspectos, como enfoques que permitiam o en-
tendimento das relações entre “economias industrializadas” e “economias
agrícolas” como relações colonialistas (teoria de “imperialismo sanguessu-
ga”). Segundo Diniz Filho e Bessa (2006),

não seria exagero afirmar que a ideia de planejamento regio-


nal herdado da fase pré-64 é construída em função da assi-
milação in loco da teoria cepalina do subdesenvolvimento. O
enfoque centrado no binômio intervenção estatal/ indústria
preconizado nas diretrizes de criação da Sudene é exemplar
neste sentido, dado que estas recomendavam o desenvolvi-
mento industrial como forma de garantir o crescimento regio-
nal sem comprometer a autonomia dos estados nordestinos
no processo de integração da região no mercado nacional.

No âmbito político, esse processo reforça o papel do Estado como agente


capaz de produzir instrumentos de intervenção e o consolida como instân-
cia de decisão em que se objetivam políticas antes realizadas no âmbito
estritamente regional (DINIZ FILHO; BESSA, 2006).
Com o advento do golpe militar, a Sudene sofreu uma forte intervenção
e um redirecionamento de suas diretrizes. A partir daí, os governos mili-
tares trataram de tirar a relativa autonomia e legitimidade da Sudene e
transferiram investimentos para outras atividades econômicas e para outras
regiões do País, esvaziando completamente a força coordenadora da agên-
cia de desenvolvimento do Nordeste. Segundo Lyra:

“A repressão no Nordeste foi muito forte, obrigando a muitos


profissionais jovens que estavam trabalhando em prol do de-
senvolvimento regional a se deslocarem para outras regiões
do País e para o exterior. Isso trouxe consequências negativas
para o futuro da região, porque a Sudene vinha produzindo
uma verdadeira revolução administrativa no Nordeste. A par-
tir do golpe, a Sudene nunca chegou a se recuperar inteira-
mente. Os militares não foram capazes de conceber uma nova
estratégia para o desenvolvimento regional, nem sequer de
implementar adequadamente a que havia sido desenhada por
Celso Furtado. Não obstante, a Sudene foi uma ideia tão forte

288 Sudene
que, mesmo assim, ainda cumpriu por vários anos papel im-
portante na industrialização da região” (LYRA, 2007).

“...os militares, após a vitória do golpe não levaram adiante as


propostas originais da Sudene e desencadearam um processo
violento de repressão contra seus servidores mais qualifica-
dos, considerados subversivos. Perdeu-se a perspectiva de um
desenvolvimento integral da região, no plano programático.
Muitos técnicos foram submetidos a um verdadeiro tribunal
de guerra, instalado no âmbito da Sudene. Os que se salva-
ram dessa primeira investida foram progressivamente sendo
afastados, ou afastaram-se espontaneamente, uns para o setor
privado, outros deixaram a região e mesmo o País. A falta de
rumo da Sudene a transformou num mero balcão de conces-
são de incentivos fiscais ao investimento de empresas, descon-
siderando a necessidade de elevar a competitividade sistêmica
da economia regional. Disto resultaram duas consequências
negativas: muitos empreendimentos privados fracassaram,
com notório desperdício de recursos, e foram progressivamen-
te minguando as oportunidades de investimentos rentáveis”
(LYRA, 2007).

Cabe salientar, por fim, que a maior crítica que se faz ainda hoje em re-
lação à visão industrializante (com vistas a criar um centro manufatureiro
autônomo), oriunda do GTDN e defendida pela Sudne, é não ter percebido
que as possibilidades de implementação de um modelo de industrialização
no Nordeste naqueles moldes, dentro de um contexto de crescente inserção
da economia brasileira na economia capitalista mundial, eram bastante re-
motas, senão impossíveis. A esse respeito afirma Cano (2000, p. 113-114):

“[...] essa concepção industrializante do GTDN pode ser criti-


cada por não se ter dado conta de que a industrialização que
se processava no País, a partir de meados da década de 1950,
já não guardava as mesmas relações que predominaram no
processo até então desenvolvido por substituição de impor-
tações”.

2. Os incentivos e os polos de desenvolvimento


No início dos anos 1970, uma nova estratégia de desenvolvimento foi ela-
borada, e o papel da Sudene foi redefinido, com a perda de sua autonomia
relativa para formular as políticas de desenvolvimento regional. A partir

Sudene 289
de 1972, a estratégia de desenvolvimento regional brasileiro passou a ficar
atrelada à estratégia dos Planos Nacionais de Desenvolvimento (PNDs), que
tinha por base a criação de condições para a intensificação do processo de
integração inter-regional, através do Plano de Integração Nacional (PIN), e
do Programa de Redistribuição de Terras e de Estímulo à Agropecuária do
Norte-Nordeste (Proterra).181
Essas mudanças começaram a se conformar no I PND (1972-1974), que
representou uma mudança na concepção do papel da agricultura no desen-
volvimento econômico do País, com reflexos diretos sobre a questão agrá-
ria. Isso se deveu ao abandono da ideia de se resolver o “problema agrário”
e à substituição da estratégia de desenvolvimento regional global por uma
estratégia de polos de desenvolvimento182 (VIEIRA, s./d.).
Em meados da década de 1970, o quadro apresentado pela economia
nordestina era bastante diverso daquele dos anos 1960, quando os incenti-
vos fiscais foram instituídos. O Nordeste, agora atrelado economicamente
às áreas mais industrializadas do País, dando continuidade a um processo
que iniciara no início da década de 1960, passa a acompanhar o dinamismo
do restante da economia brasileira.183
A fase do auge do “Milagre Econômico” (1967-1973) chegara ao fim. Os
setores que haviam impulsionado o crescimento já haviam perdido fôlego,
acarretando, assim, o arrefecimento da atividade econômica. O cenário in-
ternacional, por sua vez, era bem mais preocupante: havia eclodido o pri-
meiro choque do petróleo, e a economia mundial sofria suas consequências
(CARVALHO, 2001).
É nesse contexto que se dá início à passagem para uma nova fase da eco-
nomia regional, principalmente com o surgimento do II Plano Nacional de
Desenvolvimento (II PND), de 1974. O II PND tinha como principal objetivo
completar a matriz industrial (intersetorial) do País e diminuir a dependên-
cia externa, além de possibilitar uma maior complementaridade inter-re-
gional. Em relação ao Nordeste, uma característica marcante do II PND é a
visão de industrialização diferente do GTDN. Enquanto o GTDN, dentro da
visão Cepalina, propunha o fechamento do elo produtivo, com a produção,

181. O objetivo desse Programa era favorecer o deslocamento dos “excedentes” populacionais,
especialmente nordestinos, para a nova fronteira agrícola localizada no Norte e no Centro-
Oeste, com vistas a diminuir as pressões decorrentes da grande concentração de terras na
região, para preservar a secular estrutura fundiária do Nordeste.
182. A estrutura fundiária deixa de ser apresentada como um dos gargalos do processo de
desenvolvimento nacional, abolindo-se a reforma agrária como elemento estratégico das polí-
ticas de desenvolvimento.
183. É a fase em que o processo de “Integração Produtiva” se completa, e vão deixando de
existir economias regionais, para surgirem economias nacionais regionalmente localizadas
(OLIVEIRA, 1981; ARAÚJO, 1995a).

290 Sudene
inclusive, de bens de capital na região, o II PND procura integrar o Nordeste
à base produtiva nacional, ou seja, procura a complementaridade da econo-
mia local à economia do País. Uma de suas preocupações era incrementar
o crescimento do produto nacional e regional, mas aproveitando os tipos
específicos de produto que a região pudesse oferecer. A região, dessa forma,
deixa de ser vista como elemento autônomo, e passa a ser encarada como
parte integrante à economia nacional (CARVALHO, 2001).
Em nível regional, o II PND, que trazia embutido dentro de si a ideologia
do “Brasil Potência”, inseriu alguns princípios que visavam à maior integra-
ção dos diversos espaços regionais. Assim, o referido plano estabeleceria
dois elementos novos à estratégia de intervenção do Estado no Nordeste: da
perspectiva agrícola, foram criado os Programas Especiais, voltados para o
desenvolvimento rural integrado de áreas selecionadas, cujo objetivo maior
era a transformação da agropecuária nordestina nos moldes de uma mo-
dernização conservadora; e, da perspectiva industrial, seria estimulada a
instalação de Complexos Industriais na região,184 cuja ideia ganhara força
no Brasil na segunda metade dos anos 1960.
Com relação aos Programas Especiais, foram concebidos de forma cen-
tralizada, fora do âmbito do planejamento regional, que tinha como ór-
gão coordenador a Sudene, o que reflete o aumento do poder central e
a crescente marginalização da Sudene nos processos de decisão. Eviden-
ciam, também, a tendência a tratar as questões do Nordeste a partir da
agropecuária (TAVARES, 1989).
Esses Programas Especiais contemplavam inúmeras áreas periféricas do
território nacional. Ou seja, enquadram-se na nova estratégia de ação do
governo federal com respeito às “questões regionais” do País, as quais en-
fatizavam a necessidade de promover o processo de integração econômica
e social do espaço brasileiro, e não mais a redução das desigualdades re-
gionais.
No Nordeste, os principais foram o Programa de Áreas Integradas do
Nordeste (PoloNordeste) e o Programa Especial de Apoio ao Desenvolvi-
mento da Região Semiárida do Nordeste (Programa Sertanejo), ambos re-
cebedores de recursos do Proterra. O Projeto Sertanejo tinha por objetivo
estimular o desenvolvimento das áreas secas do Nordeste. Quanto ao Polo-
nordeste,

“esse projeto é a expressão mais bem acabada da nova estraté-


gia de desenvolvimento regional, pois se volta para a concen-

184. Uma vez que o II PND projetava o crescimento industrial baseado nos setores de insumos
básicos e de bens de capital, os grandes complexos regionais, nacionalmente integrados, pas-
sam a ter um papel destacado.

Sudene 291
tração dos investimentos em determinados espaços considera-
dos estratégicos (VALLE, 1977), expressando uma estratégia
de criação de “polos de desenvolvimento” regionalmente arti-
culados” (VIEIRA, s./d.).

Da perspectiva industrial, a ideia de se utilizar Complexos Industriais


como um instrumento de desenvolvimento econômico do Nordeste coadu-
nava-se, em primeiro plano, com os objetivos estratégicos em nível nacio-
nal, de expansão industrial do País. A região passa a desempenhar de forma
mais efetiva um importante papel na cadeia produtiva do País, ou seja, a
especialização na produção de bens intermediários (petroquímica, química,
metalúrgica, borracha, plásticos etc.), que de um lado asseguraria a pro-
dução de excedentes exportáveis e, de outro, reforçaria a base do sistema
industrial brasileiro.
No plano regional, além de representarem um objetivo implícito de des-
concentração industrial, a concepção dos Polos ou Complexos Industriais
também significou a possibilidade de maiores externalidades e efeitos mul-
tiplicadores para a economia regional.
À concepção da implantação de Complexos Industriais se somaria uma
reformulação no sistema de incentivos fiscais, que culminou na criação, em
1974, do Sistema Finor, cuja lógica de funcionamento se revelaria muito
mais ao alcance das grandes empresas. Tal reformulação tinha embutida
em si uma forte correlação com a estratégia dos complexos industriais.
Contrariando as proposições do GTDN, a rigor desde meados da déca-
da de 1960 a política de industrialização do Nordeste vinha privilegiando
os grandes compartimentos industriais. Essa tendência agudizou-se ain-
da mais com a implantação, a partir da década de 1970, de complexos
industriais no Nordeste, como: o Complexo Petroquímico de Camaçari; o
Complexo Industrial Integrado de Base de Sergipe; o Polo Cloroquímico de
Alagoas; o Complexo Químico-Metalúrgico do Rio Grande do Norte; o III
Polo Industrial do Nordeste; o Polo Mínero-metalúrgico do Maranhão, além
do Complexo Industrial Portuário de Suape (Pernambuco), do Polo Têxtil e
de Confecções de Fortaleza (Ceará), do Complexo Agroindustrial do Médio
São Francisco (Petrolina/Juazeiro) e do Polo de Fruticultura Irrigada do
Vale do Açu (Rio Grande do Norte).
A concepção adotada a partir da década de 1970 tinha como pano de
fundo a teoria dos polos de desenvolvimento, originalmente elaborada por
François Perroux, na década de 1950. De acordo com a citada teoria, a eco-
nomia capitalista tenderia a produzir polos que se constituiriam a partir da
localização de indústrias em um determinado espaço econômico, as quais
desempenhariam uma força centrípeta na atração de novos investimentos

292 Sudene
(PERROUX, 1974). Esses polos estabeleceriam relações com outros espaços
polarizados mediante a estruturação de sistemas de transportes e comuni-
cações, estruturando “eixos” de desenvolvimento. Com isso, procurava-se,
por meio dos investimentos nas áreas delimitadas, produzir efeitos irradia-
dores na economia regional.
Do ponto de vista teórico, acreditava-se que o desenvolvimento de re-
giões menos desenvolvidas seria possível de ser obtido com a implantação
de empreendimentos de grande porte, que ancorassem o desenvolvimento
posterior de uma cadeia produtiva mais ampla e adensada. Para a atração
desses investimentos preconizava-se a concessão de benefícios fiscais (como
foi o caso do Finor no Nordeste) (SICSÚ; LIMA; SILVA, s./d.).
Os polos de desenvolvimento lograram alcançar expressivos níveis de
crescimento de produtividade e incremento tecnológico, mas os efeitos pro-
pagadores esperados para o restante da economia regional pouco se fize-
ram sentir. Ao contrário, as desigualdades espaciais foram mantidas e, em
muitos casos, até aprofundadas, e agravou-se a concentração de renda.
Não obstante o fator indutor dos investimentos no Nordeste ter sido, em
princípio, determinado pela volumosa cesta de benefícios concedidos ao
capital, as decisões de continuar investindo na região foram mudando gra-
dualmente, passando a ser definidas em função das novas alternativas que
surgiam com o desenvolvimento do processo de acumulação de capital nos
distintos setores dos vários espaços regionais (ALMEIDA; ARAÚJO, 2004).
Nesse processo, a industrialização do Nordeste, antes programada para
ser funcional ao mercado regional, inverteu-se completamente, passando a
ter concatenação direta com o sistema nacional. Segundo Moreira (1979,
p. 84),

“a industrialização perde seu caráter originalmente proposto,


como elemento de uma estratégia mais ampla e integrada de
desenvolvimento regional, passando o Nordeste a funcionar
como área de expansão, sobretudo da inversão de grandes
empresas, numa conjuntura [...] de busca de novas formas
para a [...] acumulação de capital”.

Nessa perspectiva, ressalta Araújo (1992, p. 5) que “a proposta inicial


da Sudene de constituição de um ‘centro autônomo de expansão manufa-
tureira’ não foi implementada e ficou definitivamente inviabilizada nesse
novo contexto”.
Diante disso, ocorreu a “homogeneização” dos subespaços regionais
pelo capital monopolista em expansão, no sentido de estabelecer o domínio
sobre os mercados periféricos, bem como sobre a exploração de determina-

Sudene 293
das fontes de recursos naturais existentes nessas áreas, ou mesmo para tirar
proveito de algumas vantagens locacionais que lhes permitissem obter altas
taxas de lucro (ALMEIDA; ARAÚJO, 2004).
Em essência, quando se analisa a evolução e o aperfeiçoamento da le-
gislação do sistema de incentivos no Nordeste, constata-se que ocorreu um
“desvio” desse mecanismo, no sentido de se transformar cada vez mais num
instrumento de indução intencional de capitalização de grandes empresas
privadas, notadamente para as empresas do Sudeste do País (ALMEIDA;
ARAÚJO, 2004).
Nesse sentido, a Sudene se evidenciaria como instrumento da “naciona-
lização do capital”, à medida que se generalizava no Nordeste uma forma
de reprodução originariamente estruturada no Sudeste. Assim, a Sudene –
inicialmente concebida tendo como um de seus propósitos criar condições
de desenvolvimento “autônomo” baseadas no desenvolvimento de uma in-
dustrialização regional – transforma-se, contraditoriamente, em um meca-
nismo de destruição acelerada da própria “economia regional” nordestina,
no contexto do movimento de integração mais amplo (OLIVEIRA, 1977;
DINIZ FILHO; BESSA, 2006).
Os desdobramentos da política implantada pela Sudene no período de
regulação autoritária consolidaram o processo de integração daquela área
ao restante do País. A presença de empresas estatais na montagem de im-
portantes parques industriais e o afluxo de investimentos privados origina-
dos do Centro-Sul, atraídos pelos ganhos garantidos mediante incentivos
fiscais, incidiram de forma decisiva no processo de modernização regional
imposto pelo regime militar (DINIZ FILHO; BESSA, 2006).
Embora tenham tido resultados concretos em termos de ampliação da
estrutura produtiva, essas experiências têm sido alvo de muitas críticas,
principalmente devido aos altos custos, e aos benefícios insuficientes em
termos sociais e mesmo econômicos. Isso porque os ganhos registrados não
foram maximizados, em parte pela falta de uma estratégia mais bem apri-
morada de definição de prioridades com base no adensamento de cadeias
produtivas, ou de foco em determinados segmentos industriais mais utiliza-
dores de mão de obra e de outros recursos com maior abundância relativa
nessas regiões. Além disso, a falta de uma estratégia mais bem-definida de
desenvolvimento tecnológico levou à dependência de tecnologias importa-
das e um baixo dinamismo.
Em boa parte em função desses resultados insatisfatórios e também em
virtude de mudanças nos métodos e processos produtivos observados, como
em algumas regiões da Terceira Itália, o planejamento do desenvolvimento
econômico vem passando por uma reorientação em termos de objetivos,

294 Sudene
mas também de métodos. Nesse sentido, tem incorporado mais intensa-
mente as instâncias locais e as atividades de menor escala. Isso reflete
também uma maior democratização das sociedades capitalistas, inclusive
das chamadas de industrialização retardatária. Com isso diferentes atores
sociais passaram a ter um pouco mais de acesso aos níveis decisórios, até
mesmo por conta da reorientação dos estados nacionais e da descentraliza-
ção do poder da instância federal para as estaduais e municipais (SICSÚ;
LIMA; SILVA, s./d.).
Não se pode negar que houve avanços e desenvolvimento, ainda que
restrito, mas os seus frutos foram altamente concentrados, dependentes
de uma forte participação estatal e com uma grande exclusão social. Não
houve o “natural” espraiamento dos frutos do progresso que se esperava
automático, segundo a teoria dos Polos de Desenvolvimento (SICSÚ; LIMA;
SILVA, s./d.).
Como diretriz de desenvolvimento do Estado, o discurso regional de
extração cepalina tornou-se hegemônico até meados da década de 1960,
quando as forças militares reequacionaram a discussão territorial no País
com a adoção de políticas de desenvolvimento regional assentadas nos
preceitos da “ciência regional”. Então, rapidamente foram difundidos pro-
gramas voltados para a difusão do desenvolvimento em torno dos centros
dinâmicos do País e seus “polos de desenvolvimento” (COSTA, 1988).
Pressupondo que as economias regionais não possuíam motivações inter-
nas capazes de promover a diversificação de suas estruturas produtivas, as
inovações industriais do Centro-Sul agiriam favoravelmente no processo
de crescimento econômico em todo o País. Como um grande mercado con-
sumidor de insumos e alimentos, os estados de industrialização mais avan-
çados assegurariam uma condição estável para o crescimento das regiões
onde fossem capazes de capitanear os benefícios advindos das relações de
complementaridade (DINIZ FILHO; BESSA, 2006).
Neste sentido, em contraste com a teoria cepalina, a perspectiva da “ci-
ência regional” aceitava a diferenciação centro-periferia como uma mani-
festação natural do desenvolvimento (CORREA, 1986).
As políticas de desenvolvimento deveriam orientar uma diferenciação
hierarquizada do processo de integração nacional, não constando da agen-
da do Estado a superação das disparidades proporcionadas pelo desenvol-
vimento desigual, mas antes orientar o fortalecimento da articulação inter-
regional do mercado interno. Nessa ótica, o processo de integração passa a
ser equacionado através de projetos de ampliação das fronteiras econômicas
internas, passando ao largo da preocupação redistributiva do regionalismo
da década de 1950 e dos discursos que apontavam planos de confronto en-

Sudene 295
tre o Centro-Sul e o Nordeste. Aqui, a região é menos uma identidade bus-
cada no confronto de forças sociais determinadas dentro de um campo de
luta ideológica ricamente politizado, do que um espaço geográfico reificado
pela tecnocracia estatal dentro das novas diretrizes impostas pelos órgãos
de planejamento no País e na construção do “Brasil Potência”. No fundo,
com o estreitamento do campo democrático, a despolitização da “questão
regional” tem como base a negação dos pressupostos políticos da discus-
são cepalina, buscando pontuar o processo de integração que passa pela
separação da “questão das disparidades regionais”, da “questão regional”
e da “questão nordestina” em esferas de discussão bastante diferenciadas
(DINIZ FILHO; BESSA, 2006).

3. O paradigma do desenvolvimento sustentável


No final da década de 1970, emerge nos países desenvolvidos o debate so-
bre a “crise ambiental”, que sofreu fortes influências de um contexto marca-
do pela crise do fordismo e pela crítica ao Estado intervencionista. Assim, a
“crise ambiental” se desenrola como uma crise da ideia de desenvolvimento
que, por sua vez, está intimamente relacionada com a crise das ideias in-
tervencionistas, e consubstancia o centro das críticas liberais que ressurgem
nesse momento (VIEIRA, 2003).
A crítica da ideia de desenvolvimento tem origem em um modelo co-
mum a todos os países desenvolvidos: a industrialização. O acelerado de-
senvolvimento industrial por que os países, principalmente desenvolvidos,
passaram proporcionou inúmeros impactos, tanto sociais quanto políticos,
a exemplo do grande aumento de produtividade do trabalho humano, do
aumento da produção, do rebaixamento do valor e dos preços das mercado-
rias, e da ampliação do consumo, com a formação de um mercado mundial
e uma expansão da produção e do consumo de matérias-primas cada vez
maiores.
Tais fatos, ao lado da crise do modelo fordista e da ascensão das ideias
liberais, tornaram cada vez mais evidentes uma verdadeira “catástrofe am-
biental”, e colocaram em dúvida a capacidade de reprodução do capitalis-
mo como modo de produção e de sociabilidade humana no futuro. Mais do
que nunca se percebeu que grande parte dos recursos naturais são esgotá-
veis, e que os que são renováveis não conseguem ser repostos na velocidade
necessária para acompanhar o consumo desenfreado, especialmente nos
países ricos.
Diante disso, as respostas dadas pelo capital “global” foram o “consenso
liberal” e a crítica radical das políticas de regulação econômica. Para os paí-

296 Sudene
ses periféricos do capitalismo mundial, isso significou a perda de autonomia
quanto à formulação de suas próprias estratégias de desenvolvimento, ou
seja, a transferência das decisões sobre as políticas econômicas do Estado
nacional para instâncias externas, especialmente financeiras. No Brasil, a
consequência mais imediata foi a crise do Estado desenvolvimentista, cujo
modelo de desenvolvimento modernizara a economia e a sociedade brasi-
leiras (VIEIRA, 2003).
Como consequência, verifica-se, também no Nordeste, uma mudança
no paradigma de desenvolvimento regional, que até então seguia o modelo
desenvolvimentista. Em seu lugar, surge o que tem sido chamado de “novo
paradigma de desenvolvimento sustentável”.
Essa mudança de paradigma deu-se nos primeiros anos da década de
1990, principalmente a partir da elaboração do Projeto Áridas, e está as-
sociada à nova estratégia de liberalização e desregulamentação econômica
dos governos dos países desenvolvidos. Essa nova estratégia foi colocada
em prática, no campo político, por meio dos organismos internacionais
(como a ONU), no campo do financiamento, pelos de organismos financei-
ros (como o Banco Mundial), e no campo econômico, mediante a ação das
grandes corporações econômicas internacionais e do grande capital rentista
(VIEIRA, 2003).
Tal estratégia coaduna-se com as exigências de ajustamento da estrutura
e das políticas do Estado, cuja implicação mais significativa é a perda da
capacidade do Estado de atuar como agente político e econômico contra as
contradições engendradas pelo livre-mercado. Uma de suas consequências
mais imediatas foi o abandono progressivo das políticas de industrializa-
ção e modernização que marcaram a ação do Estado, no Nordeste, desde
a década de 1960, através das políticas de desenvolvimento industrial da
Sudene (VIEIRA, 2003).
Nesse processo, o Banco Mundial e seu discurso de combate à pobreza
tiveram grande influência. Segundo o Banco Mundial, a pobreza era a prin-
cipal geradora da degradação ambiental, configurando-se como a principal
variável que explica o crescimento dos problemas ambientais.
Nos relatórios de 1990 e 1992, conjugaram-se dois pontos centrais que
foram o fundamento da estratégia de desenvolvimento proposta pelo Banco
Mundial para os países “em desenvolvimento”, e que determinaram a lógica
dos programas financiados pelo BIRD a partir da década de 1990: combate
à pobreza e desenvolvimento local. Ou seja, a relação entre sustentabilidade
ambiental e desenvolvimento só pode se realizar pelo combate à pobreza.
Ressalte-se, ainda, que o elemento central da estratégia de desenvolvimento
sustentável é a participação das comunidades locais. Não é à toa, portanto,

Sudene 297
que o combate à pobreza e o desenvolvimento local aparecem como partes
essenciais do conceito de desenvolvimento sustentável.185
No Nordeste, três iniciativas devem ser destacadas. No início dos anos
1980, foi criado o Programa de Desenvolvimento Rural do Nordeste, que
gerou, em 1985, o Programa de Apoio ao Pequeno Produtor Rural do Nor-
deste (PAPP), o qual tinha como preocupação “diminuir o grau de pobreza”
na zona rural (SUDENE, 1990, p. 2), ainda se enquadrando, pelo menos
até 1993, na categoria de programa de desenvolvimento rural. Depois, foi
redefinido no âmbito da nova estratégia centrada nas duas linhas mestras
das políticas do BIRD hoje: “desenvolvimento comunitário e alívio à pobre-
za” (VIEIRA, s./d.).
Em 1991, foi criada, no Congresso Nacional, a Comissão Especial Mista
sobre “Desequilíbrio econômico inter-regional brasileiro”, cujo objetivo foi
fazer um balanço das ações do Estado no desenvolvimento regional e pro-
por ações que superassem os “desequilíbrios” regionais. Essa comissão pro-
duziu um relatório cujas conclusões gerais apontavam para a necessidade
de uma reorientação estratégica para o desenvolvimento regional. Segundo
Vieira,

o relatório, entre outras coisas, analisou as causas dos “dese-


quilíbrios” regionais no Brasil e propôs, como saída, a supe-
ração das noções tradicionais de desenvolvimento regional,
influenciadas ainda àquela época pela visão do GTDN, e a
adoção de um novo modelo orientado pelas novas concepções
de desenvolvimento que estavam em pleno amadurecimento
e que atendiam pelo nome de “desenvolvimento sustentável”.
O documento incorpora as críticas às políticas desenvolvimen-
tistas, esboçando uma concepção de Estado e de regulação
econômica de nítida ascendência neoliberal, ao defender a
aplicação de medidas como ajuste fiscal, abertura externa,
desregulamentação da economia, desestatização, além da
descentralização e da “delegação de competências” à socieda-
de (BRASIL, 1993, p. 32-33) (VIEIRA, s./d.).

Em 1993, veio a público o “Projeto Áridas”, cuja missão era “elaborar”


um novo modelo de desenvolvimento para o Nordeste. Para o “Projeto

185. A conjuntura da década de 1980 foi marcada pela crise da dívida, pelo consequente
esgotamento do Estado desenvolvimentista no Brasil, por forte crise econômica e descontrole
inflacionário. Devido às limitações financeiras causadas pelo comprometimento fiscal com o
pagamento dos serviços da dívida, os financiamentos de organismos como o Banco Mundial
acabaram constituindo uma necessidade para a preservação do modelo que estava sendo ges-
tado. A presença das agências de financiamento externo (BIRD e BID) nas políticas de desen-
volvimento no Nordeste, desde então, tornou-se cada vez maior, especialmente a partir do
início da década de 1990 (VIEIRA, s./d.).

298 Sudene
Áridas”, um dos pontos que distinguem o novo modelo (desenvolvimento
sustentável) do anterior (desenvolvimentista) diz respeito à compreensão
do desenvolvimento como um “processo global”, em contraponto à visão
desenvolvimentista, que era economicista e exclusivamente voltada para o
crescimento econômico.
Para o “Projeto Áridas”, o combate à pobreza e a participação da so-
ciedade justificam a própria elaboração da nova estratégia, que pressupõe
uma integração das ações políticas, da gestão e do controle social e exige
uma adequação institucional.
É nesse contexto de redefinições estratégicas que se verifica uma ade-
são generalizada, por parte dos governos estaduais nordestinos, ao novo
paradigma de desenvolvimento, a partir de 1995, com a adoção de planos
estaduais de desenvolvimento sustentável (que seguem o modelo proposto
pelo Projeto Áridas e que têm, no combate à pobreza, o objetivo justificador
de toda a política de desenvolvimento) (VIEIRA, s./d.).
A partir de então, a Sudene, que fora uma das diversas instituições que
trabalhar na elaboração do Projeto Áridas, passa a adotar o paradigma do
desenvolvimento sustentável, não apenas no sentido “ambiental”, mas tam-
bém no sentido da “sustentabilidade”.

4. A importância do “local” e o desenvolvimento endógeno


Na tentativa de se obter um processo menos excludente e com maior inter-
nalização dos seus frutos, e diante da crise fiscal e do surgimento de novas
estratégias observadas em alguns países, no início dos anos 1990 começa-
ram a surgir no Brasil novas concepções teóricas aplicadas ao planejamento
regional.
Nesse processo, inúmeros argumentos favoráveis à adoção de políticas de
desenvolvimento endógeno e sistemas de formulação participativos surgiram,
em oposição aos modelos de desenvolvimento “de cima para baixo” adotados
no auge do processo de industrialização nacional (UDERMAN, 2008).
Segundo Amaral Filho (1999), desenvolvimento regional endógeno186
pode ser entendido como um processo interno de ampliação contínua da ca-
pacidade de agregação de valor sobre a produção, bem como da capacidade
de absorção da região, cujo desdobramento é a retenção do excedente eco-
nômico gerado na economia local e/ou a atração de excedentes provenientes
de outras regiões, e consequentemente a ampliação do emprego, do produto

186. Na teoria macroeconômica, o conceito de desenvolvimento endógeno está associado ao


surgimento da teoria do crescimento endógeno, que passa a utilizar o axioma dos rendimentos
crescentes.

Sudene 299
e da renda do local ou da região. O diferencial desse processo está no fato de
que passa a ser estruturado pelos próprios atores locais, e não mais pelo pla-
nejamento centralizado; assim, a base de decisões autônomas por parte dos
atores locais amplia-se. Ainda de acordo com Amaral Filho (1999):

o desenvolvimento endógeno deve ser entendido, antes de


tudo, como um processo de transformação, fortalecimento e
qualificação das estruturas internas de uma região. Isto deve
ser processado no sentido de criar um ambiente ótimo e atra-
tivo para capturar e consolidar um desenvolvimento original-
mente local e/ou permitir as atração e localização de novas
atividades econômicas numa perspectiva de economia aberta
e de sustentabilidade.

Na década de 1990, o conceito de capital social passava a permear o


discurso de organismos internacionais, governos e organizações não gover-
namentais. Assim, com base em inúmeras pesquisas (a exemplo da Terceira
Itália e do Silicon Valley), recomendações e propostas de políticas públicas
dirigidas para o fortalecimento institucional, para a qualificação de pessoal
e para a formação de redes, clusters, Sistemas Locais de Inovação e Arranjos
Produtivos Locais passaram a ocupar um destaque crescente nas agendas
de desenvolvimento regional.187
Nesse contexto, o Estado passa a desempenhar uma nova função, pas-
sando à condição de mobilizador de capital social e criador de bases institu-
cionais para a mobilização das iniciativas coletivas (UDERMAN, 2008).
A Sudene, que já incorporara o conceito de desenvolvimento sustentá-
vel, passa, então, a valorizar mais os fatores endógenos do desenvolvimen-
to. Sua primeira grande experiência nesse sentido foi o Programa Regional
de Desenvolvimento Local e Sustentável, implantado juntamente com o
PNUD. O referido programa tinha por objetivo reduzir as desigualdades
regionais através do estímulo a políticas de desenvolvimento local e da am-
pliação de oportunidades de trabalho e renda. Na primeira fase, 33 municí-
pios foram atendidos pelo Projeto Piloto, nos 11 estados da área de atuação
da Sudene. O critério principal para a seleção dos municípios que serviriam
de piloto foi o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Os municípios,
por estado, com menores IDH seriam escolhidos. Um critério secundário foi
o bom desempenho conseguido pelos municípios no Programa Federal de
Combate aos Efeitos da Seca.

187. Essa visão é incorporada por diversas instâncias públicas e instituições preocupadas com
o tema do desenvolvimento, a exemplo do Banco Mundial, do BID e da ONU.

300 Sudene
O Programa Regional de Desenvolvimento Local e Sustentável, consi-
derado uma inovação na região e nas políticas implantadas pela Sudene,
utilizou uma metodologia baseada no desenvolvimento local sustentável,
identificando as potencialidades de cada município e investindo em expe-
riências bem-sucedidas de geração de emprego e renda. Para a Sudene e
o PNUD, a participação da comunidade, por meio de organizações sociais,
sindicatos e cooperativas, foi considerada essencial para seu pleno desen-
volvimento (CARVALHO, 2001).
Em relação à questão industrial, passa-se a argumentar que concentra-
ções geográficas de empresas relacionadas potencializariam a geração de
externalidades provenientes da maior possibilidade de cooperação, redução
dos custos de transação, compartilhamento de experiências e difusão de
inovações tecnológicas e organizacionais.
A problemática industrial, que se manifesta nas propostas de fortaleci-
mento de empresas de menor porte e no estímulo ao desenvolvimento de
clusters, APLs e redes de empresas, perde a primazia como instrumento de
apoio ao desenvolvimento regional, surgindo envolta nos processos de for-
talecimento do potencial endógeno. O foco da ação do Estado desloca-se do
estímulo à constituição de um polo de produção capaz de desencadear um
processo expansivo, para a criação de um entorno atraente à maior articu-
lação entre agentes, recorrendo à transposição de experiências exitosas e à
generalização de metodologias de fomento ao capital social.
Partindo do pressuposto de que os custos associados à implementação
de uma política industrial descentralizada concebida nacionalmente são
elevados e seus resultados são poucos e pontuais, o governo federal passa
a apostar no estímulo ao empreendedorismo e na construção de uma am-
biência local propícia a iniciativas produtivas, como estratégia de desenvol-
vimento regional, praticamente excluindo da agenda instrumentos de peso
destinados a apoiar processos de desconcentração produtiva.
Essa abordagem sugere que o novo padrão de desenvolvimento pode ser
construído em âmbito local, dependendo, acima de tudo, “da força de von-
tade dos agentes empreendedores, que mobilizariam as potências endóge-
nas (ocultas e/ou reveladas) de qualquer localidade” (UDERMAN, 2008).
Entretanto, a atribuição de um papel ativo à região e seus agentes, e os
avanços que representam as iniciativas que visam a articular interesses e
potencialidades locais em benefício de uma estratégia de desenvolvimento
endógena e sustentável muitas vezes esbarram no exagero de propostas que
negligenciam questões de caráter estrutural e histórico, e conferem pouca
importância ao ambiente externo, assumindo uma visão excessivamente
simplificada e fragmentada da realidade. Nesses casos, as soluções consi-

Sudene 301
deradas mais eficientes para o estabelecimento de uma rota de desenvol-
vimento local consistem, paradoxalmente, em tentar replicar experiências
exitosas identificadas em outros espaços, desconsiderando justamente as
características e os condicionantes de cada situação específica (UDERMAN,
2008).
Uderman (2008), analisando o relatório do “Estudo de Atualização do
Portfólio dos Eixos Nacionais de Integração de Desenvolvimento”, afirma
que o mesmo reconhece que:

se no período áureo da industrialização nacional as propostas


de desenvolvimento regional vinculadas à formação de polos
de crescimento dependiam decisivamente das políticas indus-
triais e das possibilidades de implantação de unidades produ-
tivas, mediadas pela ação das instituições de fomento ao de-
senvolvimento regional, as ações de fortalecimento de APLs,
por outro lado, distanciam-se das diretrizes gerais da política
de desenvolvimento produtivo, que sustentam propostas ho-
rizontais e assumem focos setoriais, orientando-se pelos dita-
mes do mercado e seus requisitos de competitividade. Assim,
a tentativa de distensão do conceito de desenvolvimento com
vistas a transpor os limites das propostas meramente indus-
trializantes parece ter tido como efeito prático a retração de
ações estratégicas capazes de modificar de maneira represen-
tativa a estrutura produtiva regional. Além disso, a instituição
de uma visão estritamente local dificulta a formulação de uma
estratégia ampla e consistente, capaz de inserir espaços regio-
nais num projeto de desenvolvimento nacional e mesmo de
articular agentes regionais em torno de questões de interesse
comum.

Sem dúvida, a incorporação do conceito de APL à política de desenvol-


vimento nacional e às ações regionais conferiu uma nova direção à atuação
do Estado nessa área. Entretanto, apesar dos avanços decorrentes da am-
pliação do conceito de desenvolvimento – que extrapola a visão estritamen-
te industrialista predominante no passado – e da atribuição de um papel
ativo à região e seus agentes na formulação e implementação de uma estra-
tégia de desenvolvimento local, pode-se levantar uma série de entraves que
parecem cercar as ações propostas a partir do novo enfoque.
Segundo Uderman (2008), em princípio a transposição de metodologias
e modelos identificados em estudos de casos descritos na literatura muitas
vezes esbarra em elementos específicos aos novos ambientes, que não ne-
cessariamente respondem da mesma maneira aos mesmos estímulos. De

302 Sudene
um modo geral, a ausência de uma institucionalidade apropriada aos obje-
tivos de articulação localizada de atores diversos e/ou a carência de recur-
sos econômicos obstruem os processos de mobilização local ou impedem a
sua conversão em processos de desenvolvimento sustentáveis.
Outro ponto a ser levantado é que a dissociação entre a mobilização de
recursos locais e as políticas macroeconômicas e setoriais limitam o poten-
cial de transformação das iniciativas de APLs, que muitas vezes assumem
uma visão fragmentada da realidade, conferindo excessivo poder aos agen-
tes locais e à sua capacidade de sustentar processos de desenvolvimento
endógenos. Isso se deve ao “localismo exacerbado”, que restringe as alter-
nativas de planejamento e limita os instrumentos de intervenção utilizados,
estreitando as possibilidades de transformação estrutural que poderiam
decorrer de sua inserção em projetos de desenvolvimento regionais e na-
cionais. Assim, a excessiva valorização do local muitas vezes minimiza a
importância de um projeto nacional de superação do subdesenvolvimento,
que pressupõe transformações estruturais vinculadas a uma ação incisiva
do Estado e de unidades produtivas dominantes, fortemente influenciada
pelos movimentos do capital no plano internacional.
Ademais, o propósito de fortalecimento produtivo local distancia-se,
sobretudo nas áreas mais carentes, de uma política de desenvolvimento
econômico estruturante, podendo não se configurar sua sustentabilidade
(UDERMAN, 2008).

Considerações finais
Ao longo de quase meio século de políticas regionais no Nordeste brasilei-
ro, muita coisa foi feita, algumas deram certo, outras não, outras tiveram
resultados abaixo do esperado. A Sudene tentou, apesar do processo de
desgaste e enfraquecimento por que passou, fazer uma política de caráter
desenvolvimentista, que proporcionasse maior inclusão social e diminuição
das desigualdades interpessoais e inter-regionais de renda. Entretanto, ape-
sar de haver conseguido modificar fortemente sua estrutura produtiva, não
foi bem-sucedida em termos sociais.
Depois de seis anos fora do cenário nacional e regional, a Sudene retor-
nou, agregando à sua concepção de desenvolvimento original novas con-
cepções de política regional. Espera-se, com isso, que os erros do passado
não sejam cometidos outra vez e que o Nordeste entre definitivamente em
outro patamar de desenvolvimento.
Sobre as políticas públicas de apoio a arranjos produtivos locais, a Supe-
rintendência continua investindo, assim como a de incentivos produtivos.

Sudene 303
Não se deve perder de vista, entretanto, que regiões como o Nordeste bra-
sileiro são muito heterogêneas e estão em um estágio de desenvolvimento
muitas vezes bastante inferior aos parâmetros internacionais.
Diante disso, a compreensão da nova Sudene, nesse seu início, é que as
políticas de apoio a APLs, sem os papéis tradicionais do Estado na atração
de empresas, na formação de infraestrutura básica, na universalização e
melhoria do ensino formal e na saúde pública vai estimular a economia,
mas este estímulo não será sustentável, e a região continuará dependente
da manutenção da política.
Isso significa que a saída que está sendo buscada tenta conciliar os dois
tipos de política, uma vez que a forma antiga de atuação ainda é necessária
para a economia nordestina, por ser a que cria os pré-requisitos para que as
políticas de estímulo a arranjos produtivos sejam sustentáveis (CAMPOS;
LIMA, s./d.).
Com isso, argumenta-se que o apoio a arranjos produtivos locais deve ser
utilizado para potencializar os efeitos das políticas tradicionais.

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306 Sudene
Trajetórias tecnológicas como objeto de política
de conhecimento para a Amazônia: uma
metodologia de delineamento188

Francisco de Assis Costa189

1. Introdução
A relação entre o conhecimento, em particular o conhecimento técnico
apropriado no processo produtivo, e as características atuais e possibilida-
des futuras de desenvolvimento de base agrária na Amazônia tem mere-
cido uma rica reflexão entre policy makers e advisers em posições relevan-
tes no campo científico e tecnológico que têm a região como uma de suas
referências. Partindo do reconhecimento de que as dinâmicas observadas
configuram um desenvolvimento baseado em produtividade espúria (FAJN-
ZYLBER, 1988) “...que leva a uma progressiva depreciação da mão de obra
local, a um esgotamento acelerado da base de recursos naturais e a uma de-
gradação ambiental contínua dos ecossistemas” (EGLER, 2006), se observa
a necessidade de uma mudança na atitude do Estado Nacional, alterando
sua abordagem em relação à região, daquela atual, que a considera uma
“economia de fronteira” (BECKER, 2005a; BECKER, 1995) para outra que
a trate como uma “fronteira do capital natural” (BECKER, 2005b) – do que
faria parte uma revolução científico-tecnológica (BECKER, 2007).190

188. Trabalho realizado com o apoio do CGEE, posto que resultou de texto escrito por sua
solicitação (ver Costa, 2006). O trabalho se beneficiou extraordinariamente dos comentários
de Diógenes Alves do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Foram também de
extraordinária valia os comentários e recomendações de três pareceristas anônimos, aos quais
agradeço enfaticamente.
189. Professor do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Sustentável do Trópico
Úmido (PDTU) do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA) e dos Programas de Pós-
Graduação em Economia (PPGE) e de Ciências Ambientais da Universidade Federal do Pará
(UFPa). Pesquisador Associado da RedeSist, do Instituto de Economia da Universidade Federal
do Rio de Janeiro (IE/UFRJ). Visiting Fellow at the Centre for Brazilian Studies (CBS), Uni-
versity of Oxford, UK.
190. Essas noções estão aplicadas aqui nos significados utilizados pela geógrafa Berta Becker,
para quem a “economia de fronteira” representa um padrão exportador de matérias-primas
valorizadas no mercado externo, cujo crescimento, lvisto como linear e infinito, se faria através
da incoporação de terra e produtos naturais (BECKER, 2005:4001); uma “fronteira do capital
natural” seria um território onde “eldorados naturais” com grande disponibilidade de recursos

Trajetórias tecnológicas como objeto de política de conhecimento para a Amazônia 307


Isso exigiria dois movimentos. Um que produzisse bases institucionais
para a formação de uma matriz de conhecimento que mostrasse nexos con-
sistentes entre conhecimento tácito e conhecimento codificado no que se
refere ao uso da base natural da região, permitindo a interação de “... duas
redes de inovação: i) rede de inovação institucional (instituições de pes-
quisa, universidades) e ii) rede de inovação tradicional (povos indígenas e
diversos tipos de populações tradicionais)...” (SÁ, 2006). Outro que estabe-
lecesse os nexos institucionais de integração entre o universo da produção
de mercadorias e o da produção de conhecimento, de modo a garantir “...a
formação de clusters competitivos de produtos e processos baseados no uso
sustentável dos nossos recursos naturais” (VIEIRA, 2006).
Tais posições vêm permeando as avaliações encampadas por organiza-
ções de grande relevância para a região. Em documento conjunto, o Centro
de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), a Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária (EMBRAPA) e o Conselho das Entidades Estaduais de Pesqui-
sa Agropecuária (CONSEPA) sublinham que a Amazônia deve ser encarada
como “...objeto de observação especial, devido a sua importância estraté-
gica para a pesquisa científica agropecuária” (CGEE/EMBRAPA/CONSEPA,
2006), sendo tal relevância definida em documento mais específico em ter-
mos das disponibilidades naturais, dos usos atuais que delas se fazem e das
perspectivas que podem oferecer. Parece estabelecido o entendimento de
que, destacando-se a região pela sua biodiversidade, pelas reservas de re-
cursos naturais que abriga e pelas tensões sobre elas exercidas por legítimas
aspirações de produtores agrícolas e demais segmentos populacionais nela
radicados, a perspectiva estratégica que deve orientar uma requalificação
da pesquisa agropecuária na região deverá ser a que prioriza a utilização do
potencial de recursos humanos, culturais e naturais com base num modelo
de “exploração” sustentável nas dimensões – econômica, social e cultural
(CGE/EMBRAPA/CONSEPA, 2006:1).

1.1. Questionamento
As decisões orientadas por tais disposições portam riscos relevantes. É que
sua efetivação implicará em grandes rupturas – no que se refere às matrizes
de conhecimento, no que se refere ao portfólio tecnológico disponível, no
que se refere à cultura institucional dominante e, por fim, mas de modo al-
gum menos importante, no que se refere às concepções subjetivas de mun-
do e devir. Entre uma sociedade baseada em economia de fronteira e uma

vitais para a vida humana – o ar, a água, a biodiversidade – estariam sofrendo tensões que le-
variam ao processo de mercantilização, à transformação de bens da natureza em mercadorias
(BECKER, 2005:74-77).

308 Trajetórias tecnológicas como objeto de política de conhecimento para a Amazônia


sociedade que seja fronteira de capital natural há o abismo cognitivo criado
pela razão industrialista191 e seus padrões de relação com a natureza, na
forma de um paradigma de modernização industrial da agricultura, podero-
so de muitos modos. Entre instituições de acúmulo de conhecimento tácito
e as de conhecimento codificado há a incongruência de suas respectivas
matrizes, desde a profunda distinção nas percepções de sujeito e objeto,
até a visão de finalidade e sentido. No aglomerado, por seu turno, residem
assimetrias profundas, nas quais os paradigmas e padrões de relação com a
natureza e a natureza dos paradigmas organizacionais consolidam práxis e
atitudes profundamente distintivas – dos sujeitos da produção material en-
tre si e entre esses e os sujeitos da formação e controle do conhecimento.
Isto posto, parece claro que superar tais problemas requer mudanças
igualmente importantes no quadro organizacional e nas atitudes. Será ne-
cessário, por suposto, redefinir, subverter mesmo o papel desempenhado
pela institucionalidade de ciência e tecnologia na região. Não obstante, não
são óbvios nem os sujeitos, nem os objetos de tal subversão: Quem, na
Amazônia, submetido a que razão, promoverá qual conhecimento tácito ou
codificado? Quem, nessa enorme e diversa região, submetido a que razão,
valorizará qual capital natural? Quem, nesse espaço onde se espera orien-
tação ao desenvolvimento sustentável, validando que razão, liderará quem
em tais movimentos? Eis as questões que nos é exigido responder – referên-
cia de fundo do esforço que adiante se fará.

1.2. O encaminhamento teórico I: diversidade de agentes e


estruturas e percepção complexa de suas relações
As questões acima exigem capacidade teórica de tratamento da diversidade
de sujeitos e fundamentos. Em relação a isso, a economia vive um momento
particularmente fértil, após décadas de prevalência de percepções basea-
das em estruturas e agentes padrão. Uma convergência entre as tradições
schumpeteriana e keynesiana (POSSAS et al. 2001), dessas com aspectos
importantes da tradição marxista, através de Kalecki (POSSAS, 1999) e
da Escola da Regulação Francesa (BOYER, 1988) e com as abordagens da
Nova Economia Institucional e do desenvolvimento endógeno (CASTRO,
2004), vem produzindo perspectivas inteiramente novas na observação da
dinâmica das relações ação/agente-estrutura/agência, esse antigo dilema
metodológico das ciências da sociedade. Com isso, criou-se a possibilidade
de analisar o desenvolvimento como processo dependente de trajetória em

191. A “ciência moderna” é industrialista porque “...se desenvolve sob o signo da instrumeta-
lização e apropriação da natureza; esta é vista como passível de dominação racional e técnica
pelo homem (MOREL, 1979).

Trajetórias tecnológicas como objeto de política de conhecimento para a Amazônia 309


contextos marcados espacial e historicamente por diversidade estrutural e
tecnologias concorrentes.
Desse esforço tem emergido programas de pesquisa orientados pela hi-
pótese de que a conformação de uma dada realidade social tem um mo-
mento fundamental na combinação dos meios disponíveis para a produção
e para a gestão da produção em tecnologias geradas e difundidas em pro-
cessos, nos quais “agentes heterogêneos”, caracterizados por uma raciona-
lidade limitada, no sentido (forte) de Simon (1983), tomam decisões em
ambientes de incerteza, no sentido (radical) de Keynes (1970), marcados
a) por dinâmicas competitivas, cujo Estado dominante é o do desequilí-
brio entre as forças decisivas e b) a isso associado, por uma considerável
complexidade e diversidade institucional (NELSO; WINTER, 1982). Em tal
contexto, decisões sobre mudança e inovação associam-se a processos de
aprendizado que “...podem ser vistos como competição dinâmica entre di-
ferentes hipóteses ou crenças ou ações” (ARTHUR, 1994:133).
Inscrevemos-nos nesse movimento de ideias para explorar, aqui, um de
seus resultados: o de que as noções articuladas de paradigmas e trajetórias
tecnológicos oferecem perspectivas de compreensão dinâmicas e comple-
xas, fundamentais para heurísticas de intervenção quando os problemas
estratégicos de desenvolvimento reclamam reorientações nas bases institu-
cionais de produção e distribuição de conhecimento, como é claramente o
caso da Amazônia.

1.3. O encaminhamento teórico II: Paradigmas tecnológicos como


relações sociedade-natureza – uma aproximação no que se refere à
Amazônia
Dosi define paradigma tecnológico “...como um ‘modelo’ ou um ‘padrão’ de
solução de problemas tecnológicos selecionados, baseado em princípios se-
lecionados, derivados das ciências naturais e em tecnologias materiais sele-
cionadas. (...) Ao mesmo tempo, paradigmas tecnológicos definem também
alguma ideia de progresso” (DOSI, 2006:22-23). Um paradigma tecnológi-
co se constitui, assim: a) de uma “perspectiva” de definição de problemas
relevantes à luz de uma noção de progresso e b) de um conjunto de pro-
cedimentos – heurísticas – para resolver tais problemas. De outra forma,
um paradigma oferece uma possibilidade entre outras na organização da
reprodução social, sendo sua existência concreta (histórica) c) resultado
de mecanismos de seleção c.1) associados à dimensão econômica e c.2) a
outras dimensões da vida em sociedade, em particular à cultura, à política
e à ciência.

310 Trajetórias tecnológicas como objeto de política de conhecimento para a Amazônia


Uma trajetória tecnológica, nessa perspectiva, é um padrão usual de ativi-
dades que resolvem, com base em um paradigma tecnológico, os problemas
produtivos e reprodutivos que confrontam os processos decisórios de agentes
concretos em contexto específico nas dimensões econômica, institucional e
social (DOSI, op. cit., 22-23). As particularidades do contexto econômico se
estabelecem nos critérios econômicos “...que agem como seletores definindo
mais ou menos precisamente o trajeto concreto seguido no interior de um
conjunto maior de possibilidades” (DOSI, 23). Considerando o elevado nível
de incerteza que cerca a adoção de tecnologias, o ambiente institucional as-
sume particular relevância na configuração de trajetórias tecnológicas, desde
o interesse econômico das organizações, passando pelas respectivas histórias
e acúmulos de expertise, até variáveis institucionais strictu sensu, como agên-
cias públicas e interesses geopolíticos (DOSI, 24-25).
Além dos condicionantes econômicos, sociais e políticos, realçados por
Dosi “...como os fatores prováveis a operar como forças focais na delimi-
tação das direções que toma o desenvolvimento tecnológico” (DISI, 25),
sublinhamos o contexto ecológico – o papel da base natural na configuração
de paradigmas tecnológicos e suas trajetórias. Os problemas a que se refere
um paradigma tecnológico são, por suposto, problemas tecnológicos: isto
é, problemas da relação entre trabalho humano, objetivado por um modo
de produção, e seu objeto último, a natureza. Nos processos industriais, a
natureza está presente dominantemente como “natureza morta”. Mas há
inúmeras atividades produtivas que se realizam em interação com a natu-
reza viva. Nesse caso, a capacidade produtiva da natureza codetermina o
resultado do processo produtivo. Como matéria prima, a natureza é objeto
inerte do trabalho humano; como uma força produtiva, capacidade ativa e,
como tal, um capital: o “capital natural”.
A natureza vista como matéria-prima é tratada na sua condição “me-
diata”, como matéria genérica intercambiável e substituível – nesse caso,
não é a capacidade produtiva das relações próprias e localizáveis de suas
manifestações, como biomas ou ecossistemas, mas os componentes dessas
relações individualmente, como matéria prima, como “matéria genérica”,
que entra nos processos produtivos. Nesse caso se igualam: a) a madeira
que é retirada de um bioma e b) o solo que se usa apenas como suporte de
uma fórmula química que se integra sob controle com um clima de estufa,
ou um pacote tecnológico fechado.
Como capital, força produtiva, a natureza é meio de produção “imedia-
to” pela qualidade impar das suas manifestações originárias, é dizer, pelas
particularidades de uma “natureza” (para si, na tradição hegeliana, encam-
pada por Marx) que possam constituir “valores de uso” próprios, por seus
atributos únicos. Isso acontece quando certa configuração das relações entre

Trajetórias tecnológicas como objeto de política de conhecimento para a Amazônia 311


elementos vitais da natureza, configuração essa espacialmente delimitada
e intransportável, é utilizada em um processo produtivo particular. Nesse
caso, pode ser vista: a) como um “ecossistema originário”, um bioma, que,
por preservado em sua complexidade, produz com exclusividade valores de
uso capazes de atender necessidades humanas ou b) como um “ambiente
edafo-climático”, isto é, uma certa interação particular entre solo e clima a
permitir a produção alternativa e excludente de valores de uso em sistemas
simplificados (agrícolas, pecuários, silviculturais) com o propósito de maxi-
mizar a produção de biomassa por unidade de tempo/espaço.
A presença imediata da natureza como força produtiva faz a principal
diferença entre a agricultura, ou melhor, entre os setores da produção rural,
e a indústria. Isso tem tido grande importância no tipo de dinâmica tec-
nológica que o desenvolvimento da sociedade capitalista vem produzindo
nesses setores, pois à razão industrialista (industrial-capitalista) importa re-
duzir essa presença e controlar o seu significado. Tal esforço é central e em
torno dele tem se organizado o paradigma da modernização da agricultura,
enquanto sua industrialização. Goodman, Sorj e Wilkinson (1988) demons-
tram duas grandes trajetórias de industrialização do rural: a representada
por um conjunto de soluções tecnológicas que se sucedem como esforço
industrial de apropriação de papéis desempenhados pela natureza e outra
por um conjunto de soluções que buscam substituir produtos da natureza
viva por produtos inorgânicos e obtidos em laboratório (isto é, industrial-
mente). Haiamy e Ruttan (1980), por seu turno, observam que nesses pro-
cessos a mecânica e a química têm papéis destacados, sendo a primeira o
fundamento das soluções onde há abundância de terra e a segunda onde
esse fator é limitado.
Em qualquer dos casos, domina, em nível global, um paradigma ou pa-
drão tecnológico, que se afirma por conjuntos de soluções selecionadas pela
eficiência demonstrada no controle da natureza para que corresponda às
necessidades industriais e capitalistas. Tais soluções se sucedem compondo
trajetórias tecnológicas marcadas pelo uso intensivo da mecânica e da quí-
mica e pela formação dos sistemas botânicos e biológicos homogêneos para
isso necessários.
Tal paradigma “global” está presente na realidade amazônica em dois
universos: o da produção de bens, controlado pelos agentes produtivos me-
diante seus critérios próprios de decisão, e o da gestão das políticas públi-
cas, nos quais se destacam aquelas que condicionam a produção e difusão
de conhecimento científico e tecnológico. Está, portanto, na prática pro-
dutiva e reprodutiva dos que operam os processos de uso da natureza, de
que faz parte um conhecimento tácito difuso e culturalmente conformado,
na prática dos que operam as organizações de produção de conhecimento

312 Trajetórias tecnológicas como objeto de política de conhecimento para a Amazônia


codificado e de transmissão das soluções tecnológicas daí derivadas, além
de incorporado em meios de produção gerados com conhecimentos obtidos
alhures.
Em tal perspectiva, a natureza (a base natural) é vista e tratada na con-
dição de matéria prima em dois estágios – no inicial, quando se desmonta o
ecossistema para comercializar suas partes; e no final, quando a terra é um
suporte descartável. A natureza é vista e tratada, também, como um capital
natural, quando incorporada na condição de sistema edafo-climático para
a produção agropecuária.
Todavia, não está sozinho na configuração da realidade agrária da Ama-
zônia esse que chamaremos aqui de “paradigma agropecuário”. Há formas
de utilização da base natural da região que pressupõem a manutenção da
natureza originária e configuram, por isso, um paradigma tecnológico – que
trataremos como “paradigma extrativista” -, porquanto perspectiva particu-
lar do uso social dos recursos e de resolução dos problemas a isso afetos. As
soluções daí derivadas organizam as trajetórias tecnológicas sobre as quais
procuraremos discernir.

1.4. Encaminhamento metodológico


O “paradigma agropecuário”, como perspectiva de progresso ou desenvol-
vimento, e conjunto de procedimentos que pressupõem a transformação
industrial da natureza originária no atendimento de necessidades reprodu-
tivas da sociedade, se desenvolve, na Amazônia, por um antagonismo de
fundo com o “paradigma extrativista”, que pressupõe a manutenção dessa
mesma natureza originária. Eles se desenvolvem em concorrência, protago-
nizada por atores privados e organizações.
No interior de cada paradigma, confrontam-se trajetórias também em
concorrência materializada no embate entre as estruturas que gerem os
processos produtivos e suas instituições de suporte, em particular as que
lhes são fonte de conhecimento e inovação.
Os critérios privados, mesmo ganhadores na disputa entre trajetórias,
não desembocam necessariamente nos melhores resultados para o conjunto
da sociedade. A divergência poderá crescer mediante uma perspectiva de
progresso e modernidade balizada por máxima esperança de sustentabili-
dade ecológica e equidade social. Faz-se necessária a antecipação de tais
inconsistências, a verificação das suas causas e inquirição das condições
institucionais que as superem.
Para tanto, partindo da premissa de que há uma relação íntima e indis-
sociável entre sujeito e objeto do conhecimento tecnológico, se deve inves-

Trajetórias tecnológicas como objeto de política de conhecimento para a Amazônia 313


tigar, de uma parte, as estruturas produtivas que operam tal conhecimento;
de outra, os espaços institucionais que os elaboram. Colocados no campo de
visão os resultados de tal empreitada, poder-se-á proceder a um julgamento
das convergências e divergências mediante uma perspectiva de progresso
social, moderno porque dominada pelo ideário do desenvolvimento susten-
tável. Esta tem sido nossa orientação em um trajeto já longo de pesquisa
(COSTA, 2007a; COSTA, 2005, 2006; COSTA, 2000, 2001; COSTA, 1998;
COSTA, 1992), no qual este artigo é um passo adicional.
Amparados na explicitação da diversidade de agentes e estruturas que
fundamentam a produção rural na região (Seção 2), procurar-se-á delinear
trajetórias tecnológicas no limite oferecido pelas estatísticas disponíveis (dis-
cutiremos esses limites em 2.1). O que nos levou a uma estratégia de trabalho
que privilegia a observação das relações entre as trajetórias e seus produtos
– levando bem longe a exploração da compreensão de que produtos são fe-
nômenos das trajetórias (2.2). De modo que, observando as características
econômicas da produção (2.2.1 a 2.2.4), as interações que ocorrem entre os
grupos de produtos e a distribuição espacial de sua ocorrência (2.2.5), a rela-
ção que apresentam com as instituições (2.2.6) e a forma como desenvolvem
no tempo (2.2.7) se espera configurar, na Seção 3, as “trajetórias tecnológicas
fundamentais na Amazônia – e visualizar como paradigmas tecnológicos” se
manifestam na região. Ao final se discutirão questões relativas ao futuro da
Amazônia e as implicações nas políticas de C&T que visam mudar “trajetórias
indesejadas” em favor de “trajetórias desejadas” numa perspectiva de um
desenvolvimento de outro tipo, isto é, com maior esperança de sustentabili-
dade. Nesse momento nos manteremos atentos para o alerta feito por Dosi
de que “podem ser muito difíceis tais mudanças, especialmente quando a
trajetória é muito ‘poderosa’” (DOSI, 25).

2. A diversidade estrutural na Amazônia e seus agentes:


o ponto de partida das trajetórias
Temos nos esforçado em estabelecer a diversidade de agentes e estrutu-
ras que conformam a dinâmica agrária na região com base nas respectivas
especificidades de razões e processos decisórios (racionalidades) que, por
uma parte, emergem de relações sociais próprias, por outra, conformam
relações técnicas particulares, profundamente marcadas pela diversidade
de fundamentos naturais e institucionais que, por seu turno, formam o piso
e o entorno de suas existências. O modelo relacional que nos orienta está
esquematizado na Figura 1. Dois tipos básicos têm prevalecido: Os agen-
tes camponeses, caracterizados pela centralidade da família nos processos
decisórios, seja como definidora das necessidades reprodutivas, que estabe-

314 Trajetórias tecnológicas como objeto de política de conhecimento para a Amazônia


lecem a extensão e a intensidade do uso da capacidade de trabalho de que
dispõe, seja como determinante no processo de apropriação de terras nas
sagas de fronteira, para os quais a “eficiência reprodutiva” (COSTA, 1995,
2005; COSTA, 2007a, 2007b e 2007c) não elimina, mas subordina a “efi-
ciência marginal do capital” (KEYNES, 1967; PRADO, 1993) nas decisões
econômicas fundamentais. 2) Os agentes patronais, os quais dependem do
trabalho assalariado e, por isso, do grau de desenvolvimento do mercado
de trabalho, resultam de processos de apropriação da terra e dos recursos
da natureza definidos pelo poder econômico de seus titulares, que se com-
portam orientados dominantemente por avaliações da “eficiência marginal
do capital”.

Figura 1 – Fundamentos da diversidade de agentes no setor rural da Amazônia


Natureza: percepção Instituições: acesso
Agentes: Racionalidade (gené social e caracterís-
rica) e Características específicas ticas objetivas da
à natureza e a capital
reprodução tangível e intangível
“Eficiência Consis- Terra- Acesso a ca-
Natureza “Property
Reprodutiva” tência firme pital Dinheiro
morta,
subordina “Efici- Inter-tem- Rights”
natureza Acesso a co-
ência Marginal poral das
como maté- Várzea garanti-
Camponeses

do Capital” (de- decisões dos nhecimento


ria prima
cisões pautadas (sim/não) codificado
e multicritério, ↔ Terra-
↔ Acesso a ca-
trade oss média/ Consistên- Nature-
cia Inter- za viva, firme pital Dinheiro
variança da Status de
renda, da oferta/ espacial das natureza Acesso a co-
decisões como força fronteira
segurança Várzea nhecimento
alimentar, etc.) (sim/não) produtiva
codificado
Consis- Terra- Acesso a ca-
Natureza “Property
tência firme pital Dinheiro
morta,
Inter-tem- Rights”
“Eficiência natureza Acesso a co-
poral das
como maté- Várzea garanti-
Marginal do decisões nhecimento
dos
Patronais

Capital” (renda ria prima


(sim/não) codificado
líquida descon- ↔ Terra-
↔ Acesso a ca-
tada) subordina Consistên- Nature-
“Eficiência cia Inter- za viva, firme pital Dinheiro
Reprodutiva” Status de
espacial das natureza Acesso a co-
decisões como força fronteira
Várzea nhecimento
(sim/não) produtiva
codificado
Fonte: Desenvolvimento do autor.

Agentes camponeses e patronais têm modelos próprios de avaliação da


consistência intertemporal e interespacial de suas decisões, que os diferen-
ciam intrinsecamente em seus modos de produzir, ao par das capacidades
respectivas de acesso a instituições e conhecimento: de acesso a capital
natural (como propriedade, contestável ou não), a capital físico e a capital
humano e social. Mutuamente determinadas, essas diferenças estabelecem
modos próprios de ver e usar a natureza: se como matéria prima ou como

Trajetórias tecnológicas como objeto de política de conhecimento para a Amazônia 315


força produtiva – na condição de relações edafo-climáticas ou na condição
de bioma florestal.
Numa análise que confrontou quatro modelos multivariados que explici-
tavam os fundamentos produtivos e os resultados da produção com 443.570
estabelecimentos rurais da região Norte, dos quais 93% camponeses e 7%
patronais (para a metodologia de distinção estatística ver Box 1), logramos
demonstrar que tais diferenças caracterizam claramente dois “projetos” de
desenvolvimento de base rural na Amazônia, os quais “...diferenciam-se nas
formas de tratamento do capital natural (cuja referência primordial é o
bioma da floresta amazônica), (...) e nas proporções de uso de capital físico
e de trabalho” (COSTA, 2007a:141-142). Em análises institucionais prece-
dentes, demonstramos também que tais projetos têm suportes institucio-
nais distintos, baseados “... numa razão técnica incapaz de lidar, conceitual
e operacionalmente, com o ‘valor’ da diversidade para um desenvolvimento
duradouro na região, desaparelhada para tratar com os atores capazes de
gerir diversidade e com as manifestações e resultados locais dessas capaci-
dades” (COSTA, 2005:144-145).
Agora, colocamos duas questões: a) Podemos, “com os dados que nos
são disponíveis”, decompor tais “projetos” em trajetórias e situá-las em pa-
radigmas tecnológicos?; b) Podemos imbricar nessas categorias as ques-
tões relevantes de conhecimento e política?. Nos próximos segmentos nos
dedicaremos a responder a esses quesitos e confrontar os resultados com
perspectivas de desenvolvimento moderno e sustentável, com o propósito
de julgar o que se faz para indicar o que se poderia fazer na conformação
das bases de conhecimento adequadas.

Box 1 – A Base de dados e a classificação por Formas de Produção


O meio eletrônico de publicação dos dados censitários tem permitido uma utilização
bem mais ampla e flexível das informações censitárias do que a publicação em papel,
não apenas pela velocidade de acesso, mas, sobretudo, pelo fato de permitir que se
obtenham todas as tabelas padrão que apresentam os resultados do Censo, anterior-
mente só disponíveis para a unidade federativa, para todos os demais níveis regionais
de agregação – para as mesorregiões, para as microrregiões e para o município. Não
obstante o fato de que a estrutura tabular mantém um elevado grau de rigidez, essa
forma de publicação permite trabalhar com graus tanto maiores de flexibilidade, quanto
mais se manejem os dados em esferas espaciais mais elementares. Isso porque, em
qualquer dessas esferas, será possível ter todas as variáveis constantes das tabelas bá-
sicas para todos os 15 “estratos de área total” usuais do Censo. E, no âmbito geográfico
em que se esteja trabalhando, sempre se poderão considerar as médias de uma variável
para os estratos como as das unidades produtivas médias respectivas e, assim tratados,
cada estrato ganha a condição de um “caso” em um novo banco de dados passível de
retabulação e processamento, tendo a freqüência do estrato como um dos seus campos.
Trabalhamos, aqui, com uma desagregação em âmbito de microrregião, para toda a
região Norte. Desse modo, manejamos um banco de dados de 960 “casos” (64 microrre-
giões multiplicadas por 15 estratos de área).

316 Trajetórias tecnológicas como objeto de política de conhecimento para a Amazônia


Essa metodologia aumentou muito as possibilidades de utilização das informações, per-
mitindo não só a edição de variáveis existentes e a criação de novas variáveis e indica-
dores com abrangência total, como a melhor operacionalização de conceitos-chave para
a compreensão da realidade agrária em âmbito bem mais elementar, e, nesse sentido,
estatisticamente bem mais abrangente do que nos havia sido possível até então. Assim,
distinguimos os casos entre “camponeses” e “patronais”, com base no tipo de força de
trabalho utilizada. Esse critério é necessário e suficiente por razões apresentadas antes
(ver COSTA, 2000:110-130). Do seguinte modo: para cada um dos 960 casos do banco
–- estratos de área x para a microrregião y – calculamos a força de trabalho total pela
soma da força de trabalho familiar total mais força de trabalho de terceiros aplicado à
produção. A força de trabalho familiar total = total da categoria do Censo “membros não
remunerados da família maiores de 14 anos” mais a metade da categoria “membros não
remunerados da família menores de 14 anos”. A força de trabalho de terceiros foi obtida
pela soma dos gastos com salários, com empreitas e outros contratos de prestação de
serviço dividida pelo valor médio da diária prevalecente multiplicada por 300 dias médios
de trabalho por ano. Se considerou “familiar” ou “camponês” o caso cuja participação
relativa da força de trabalho de terceiros total estimada no total da força de trabalho não
ultrapassou 1/2, e “patronal” o estabelecimento médio com força de trabalho de terceiros
acima de 1/2.
Fonte: Costa 2007a.

2.1. Os dados disponíveis e a noção de trajetória: o ponto e seu entorno


Temos dois tipos de dados que cobrem o setor rural da totalidade da região
Norte: os censos agropecuários, com mais de duas centenas de variáveis
sobre relações de propriedade, relações sociais e técnicas, estruturas de pro-
dução e venda etc. e os acompanhamentos conjunturais, com periodicidade
anual (Produção Agrícola Municipal, Produção Extrativa Municipal, Produ-
ção Pecuária Municipal etc.).
Os censos são as mais amplas pesquisas com mesma metodologia que se
dispõe e os acompanhamentos anuais, por sua vez, os mais amplos e siste-
maticamente levantados indexadores de algumas das variáveis constantes
dos censos. Os dados de um censo referem-se, para cada variável, a pontos
de trajetos percorridos pelos estabelecimentos. Sabemos que tais caminhos
são conformados por ajustamentos contínuos naquela variável, processados
no passado, que definirão tendencialmente seus próximos momentos. Mas,
para aquela variável específica, só vemos o ponto. A questão metodologi-
camente relevante é: podemos dizer algo mais, além daquilo que vemos
no ponto? Podemos dizer algo sobre o caminho do qual este ponto é uma
passagem, como se exige a partir das ideias apresentadas na introdução
deste segmento?
A resposta a essa pergunta tem duas partes. A primeira depende do
próprio Censo; a segunda da relação entre Censo e os acompanhamentos
conjunturais. Se Xt é uma variável do Censo, com t representando o ano de
levantamento, do mesmo modo que XPt e XFt o são, a primeira informando
sobre o passado de X e a segunda sobre seu futuro, então posso dizer algo

Trajetórias tecnológicas como objeto de política de conhecimento para a Amazônia 317


sobre a trajetória de X: ele está vindo de um provável Xt-n informado por XPt,
e, passando por Xt, indo para um provável Xt+m, informado por XFt, onde n
e m são lapsos de tempo indefinidos, porém reais. Por outra parte, se Xt, no
Censo, tem em xt, levantada em pesquisa conjuntural, porém sistemática,
uma proxy, pode-se considerar – com margem de erro que depende da qua-
lidade da pesquisa – que Xt-n = Xt.(xt-n/xt) e Xt+n = Xt.(xt+n)/(xt), sendo num
lapso de tempo definido e real.
Usaremos adiante exaustivamente essas possibilidades metodológicas.

2.2. Trajetória Tecnológica: um conceito operacional e a estratégia


da pesquisa
Seguindo orientação teórica já detalhada anteriormente, a noção de para-
digma tecnológico aplicada à produção rural na Amazônia está aqui refe-
rida às atitudes fundamentais mediante a base natural da região: num ex-
tremo, as formas de produção que pressupõem a manutenção da natureza
originária (o bioma florestal amazônico); noutro, as formas de produção
que pressupõem a transformação da natureza originária. Entre o primeiro,
que “chamamos paradigma extrativista”, e o último, que chamamos “pa-
radigma agropecuário”, há posturas intermediárias que conformariam um
“paradigma agroflorestal”.
De tais posturas derivam as soluções técnicas e institucionais (os con-
juntos de procedimentos que se constroem no tempo em concatenações
próprias de trajetórias, em que as decisões passadas influem no presente
e, estas, condicionam o futuro) para os processos produtivos realizados
em condições particulares que, ao tempo que suprem as necessidades so-
ciais de um conjunto dado de produtos rurais, são soluções moldadas
para atender aos anseios privados dos agentes que gerem esses processos
produtivos. E, modelos complexos demonstram que, quanto mais um con-
junto particular de soluções se torna importante como supridor das neces-
sidades sociais, tanto mais, portanto, venha ele a ocupar o espaço social
do suprimento dessas necessidades, maior a capacidade de realização, por
parte dos agentes envolvidos, de rendimentos adicionais (crescentes) pro-
vindos do ambiente institucional (ARTHUR, 1994). Essas interações dinâ-
micas entre necessidades sociais e privadas, de um lado, e procedimentos
técnicos e institucionais, de outro, realizadas nos processos produtivos de
produtos particulares, se fazem, assim, em confronto concorrencial entre
as trajetórias tecnológicas, estas as formas particulares e concretas de re-
alização de um paradigma tecnológico – de realização de uma ontologia
de relações com a natureza.
Um resultado desse entendimento, de considerável valor experimental,
é o de que toda produção se faz como parte de alguma trajetória – portan-
to, produtos são fenômenos de trajetórias. Por isso, qualificar a produção
(para o que temos um número considerável de variáveis bem informadas
no Censo e nas estatísticas anuais) pode ser caminho para se chegar à com-
preensão das trajetórias que lhes são subjacentes (as quais não se deixam
ver a olho nu). Como corolário, três noções importantes para este trabalho.
Primeiro, a relevância de um dado produto ou conjunto de produtos,192
nas variações da produção total revela a sua importância, e por essa via a
relevância social (para o todo da economia em questão) da trajetória que
lhe é subjacente – seu peso na configuração da divisão social do trabalho.
Segundo, a capacidade de um dado conjunto de produtos de compensar os
gestores dos processos produtivos revela sua eficiência e, em conseqüência,
a eficiência da trajetória de que participa na realização subjacente dos an-
seios privados – sua relevância microeconômica privada. Se deve lembrar
que estes dois pontos podem guardar relação dinâmica. Terceiro, se um
grupo de produtos se revela fonte de investimentos, ele é base da capacida-
de de expansão da trajetória que lhe é subjacente.
Conhecidas a relevância social e privada dos grupos de produtos, bem
como se os mesmos constituem-se como fonte de investimentos, oito com-
binações lógicas são possíveis, as quais permitem inferências na qualifica-
ção dos modos como participam das trajetórias que lhes fundamentam, tal
como indicadas na última coluna da Tabela 1. Essas combinações consti-
tuem interesse para análise em maior detalhe, o que será feito nas Seções
2.2.1, 2.2.2, 2.2.3 e 2.2.4.

192. Daqui por diante esta será uma referência recorrente. Com ela se pretende designar o
conteúdo empírico do tipo de informação relativa à produção disponível no Censo Agrope-
cuário, que é o valor agregado da produção classificada por origem: se produção animal ou
vegetal, e, no interior da primeira, se da pecuária de grande, de médio e pequeno porte; no
interior da segunda, se de plantios de culturas temporárias, permanentes, silvicultura etc.
Não seria errado presumir, desde o início, que por trás desses conjuntos de produtos sob essas
classificações encontram-se sistemas ou subsistemas de produção – presumimos, portanto,
sistematicidades a priori desses conjuntos de produtos, per si, a serem integradas nos sistemas
maiores pelas trajetórias que pretendemos delinear. Todavia, não explicitaremos tal presunção
até dar outros passos na investigação que nos permitam qualificar melhor os grupos de pro-
dudtos e, por essa via, aprender mais sobre natureza e forma dos sistemas que eventualmente
representem ou integrem.

Trajetórias tecnológicas como objeto de política de conhecimento para a Amazônia 319


Tabela 1 – Atributos dos grupos de produtos e expectativa quanto às formas
respectivas de participação nas trajetórias tecnológicas subjacentes

Atributos dos grupos de

tos quanto aos seus


ou grupo de produ-
Classe do produto
produtos
Possibilidades

Expectativa quanto ao modo de par-


Socialmente

Fonte de in-
ção privada
Compensa-

vestimento
ticipação na trajetória subjacente
relevante

atributos
positiva

Posição principal, influenciando na


Verda- Verda- Verda- expansão de modo consistente e com
1 G1
deiro deiro deiro capacidade endógena de desenvolvi-
mento
Posição principal, influenciando na
Verda- Verda- expansão de modo consistente, porém
2 Falso G2
deiro deiro sem capacidade endógena de desen-
volvimento
Verda- Posição principal, porém inconsistente
3 Falso Falso G3
deiro e decadente
4 Falso Falso Falso G4 Decadente ou ad hoc ou experimental
Verda- Verda- Emergente com capacidade endógena
5 Falso G5
deiro deiro de desenvolvimento
Verda- Subordinado, podendo se constituir
6 Falso Falso G6
deiro financiador
Verda- Verda- Principal, inconsistente ou subordinada
7 Falso G7
deiro deiro como financiador
Verda- Emergente, sem capacidade endóge-
8 Falso Falso G8
deiro na de desenvolvimento
Fonte: Desenvolvimento do autor.

2.2.1. Sobre a relevância social (macro) dos grupos de produtos


As “formas de produção” prevalecentes no agrário da região amazônica, as-
sentadas sobre “peculiares relações sociais” (trabalho familiar e trabalho as-
salariado) distinguem-se entre si por seus fins e pelos meios utilizados para
alcançá-los. Estruturam-se, isto posto, como combinações próprias das suas
disponibilidades (as quais derivam de eventos históricos em que mediações
institucionais outras, que não apenas o mercado, têm fundamental impor-
tância) e ofertam, como resultado dessas configurações, produtos diferen-
tes. As interações trabalho-natureza, mediadas por conhecimentos e meios
materiais de produção, constituem os “fundamentos técnicos” das formas
de produção. As diferentes composições de produtos que formam o valor da
produção final, por seu turno, expressam as formas como tais combinações
de disponibilidade se justificam socialmente – como as formas de produção

320 Trajetórias tecnológicas como objeto de política de conhecimento para a Amazônia


participam da “divisão social do trabalho” organizada por mercados amplos
– locais, regionais, nacional e mundial.
As diferentes composições de produtos agregadas pelas formas de pro-
dução fundamentais para toda a região Norte serão expressas aqui por fun-
ções do tipo genérico:

Y Y Y Y Y Y Y Y Y Y
YB  B BPC .YPC B BPL .YPL B BPM YPM B BPP .YPP B BCP .YCP B BCT .YCT B BCH .YCH B BCS .YCS B BFM .YFM B BFN .YFN
(1)

Onde a variável dependente é:


YB = Valor Bruto de Produção (VBP) total da forma de produção em questão
(R$)
e as variáveis independentes são:
YPC = Valor Bruto da Produção (VBP) da pecuária bovina: boi em pé (R$)
YPL = VBP da pecuária bovina: leite e venda de matrizes e outros produtos
(R$)
YPM = VBP da pecuária de médios animais: basicamente suínos (R$)
YPP = VBP da pecuária de pequenos animais: basicamente aves (R$)
YCP = VBP das culturas permanentes (R$)
YCT = VBP de culturas temporárias (R$)
YCH = VBP de hortigranjeiros (R$)
YS = VBP da silvicultura (R$)
YFM = VBP do extrativismo vegetal: madeira em tora (R$)
YFNM = VBP do extrativismo vegetal: produtos florestais não madeireiros
(R$)
Os coeficientes β descrevem o modo como cada grupo de produtos e,
consequentemente, o subsistema de produção a ele subjacente, participam
na variação da produção total YB de um modo de produção: são indicações,
isto posto, de sua relevância social, macro. Nossa análise distinguirá dois
modelos lineares derivados de (1), o primeiro para os estabelecimentos
com o atributo de “camponês” no banco de dados já apresentado (a regres-
são resultante refere-se ao modo de produção camponês na região Norte),
caracterizado pelo conjunto de coeficientes {βCZ} e o segundoo para os es-
tabelecimentos com atributo de “patronal” (a regressão resultante refere-se
ao modo de produção patronal na região Norte), caracterizado pelo con-
junto de coeficientes {βPZ}, onde βCZ e βPZ são os coeficientes padronizados
(Standardized Regression Coefficients) das regressões lineares derivadas de
(1) expressas em z-scores, isto é, não no seu valor original, mas sim, no

Trajetórias tecnológicas como objeto de política de conhecimento para a Amazônia 321


número de desvios-padrão em torno da média (BÜHL; ZÖFEL, 1996:197-98;
BACKHAUS et al., 2000:18-19; HAIR et al., 1998:147).
Por exemplo, βCBPC corresponde ao número de desvios-padrão que YCB
varia em torno de sua média para uma variação de 1 desvio-padrão em YCPC
em torno da sua própria média, enquanto que a soma de todos os coeficien-
tes βC em YCB representaria o número de desvios padrão que este variaria em
torno da sua média quando todas as variáveis variassem 1 desvio-padrão
e, assim, podem ser comparados diretamente na explicação do que ocorre
em YCB.

2.2.2. Influência dos grupos de produtos na rentabilidade:


sua relevância privada
A composição da produção, tal como a encontramos no momento do Censo,
expressa ajustamentos processados cumulativamente para atender às ne-
cessidades sociais, como já argumentamos. Contudo, a composição da pro-
dução também reflete finalidades das formas de produção na ótica privada,
isto é, na perspectiva de seus gestores. Isto quer dizer que se espera uma
“indução no processo de mudança” que se faz referido também às razões
dos agentes e às condições objetivas a partir das (e sobre as) quais operam.
Tais condições são internas a cada unidade produtiva, isto é, legadas pela
vivência particular de cada uma em processos históricos da formação social
da região; ou são externas, relacionando-se com cada unidade por iniciativa
de seus controladores, mas pela via do mercado ou de outras instituições.
Ajustada pela interação desses vetores, a composição da produção que re-
flete as necessidades privadas dos gestores dos processos produtivos pode
ser expressa pela função:

Y Y Y Y Y Y Y Y Y Y
YL  B LPC .YPC B LPL .YPL B LPM YPM B LPP .YPP B LCP .YCP B LCT .YCT B LCH .YCH B LCS .YCS B LFM .YFM B LFN .YFN
(2)

Na função (2) os valores das variáveis independentes são os mesmos


da função (1), enquanto a variável dependente – YL – corresponde à Renda
Líquida (VBP total menos Custo da Produção Total), isto é, a remuneração
privada dos agentes controladores dos estabelecimentos considerados. As-
sim especificada, a função (2) é uma “função de desempenho”, cuja regres-
são nos moldes apresentados descreve a forma como o grupo de produtos
considerados atua na remuneração dos gestores. Enquanto a função (1),
uma “função de produto”, expressa o resultado social (total) de uma divisão
social do trabalho, a função (2) expressa de que modo os resultados que
importam aos agentes privados, suas remunerações, dependem de tal estru-

322 Trajetórias tecnológicas como objeto de política de conhecimento para a Amazônia


turação. A mesma variável independente YPC, que na regressão da função
(1) influencia βYBPC na variação da produção total, mediante a regressão da
função (2) influencia βYLPC na variação da rentabilidade líquida dos estabe-
lecimentos.

2.2.3. Influência dos grupos de produtos nos investimentos: fontes


endógenas e exógenas
Os investimentos fundamentam a dinâmica das formas de produção e das
trajetórias que organizam – garantem sua expansão.
Os investimentos podem ser analisados pela ótica da sua fonte. Isto é,
por um lado, como uma função da renda gerada na economia em questão;
por outro, como uma função das disponibilidades exógenas representadas
por outras fontes de financiamento. Considerando que a renda é direta-
mente correlacionada com o Valor Bruto da Produção e, por isso, se forma
basicamente orientada pelo que se descreveu na relação (1) e, ainda, que
os créditos bancários indicam a participação das fontes exógenas de finan-
ciamento, tem-se:

I I I I I I I I I I I
I F  B FPC .YPC B FPL .YPL B FPM YPM B FPP .YPP B FCP .YCP B FCT .YCT B FCH .YCH B FCS .YCS B FFM .YFM B FFN .YFN B FC .C I

(3)

em que IF é o volume de investimentos observado em função dos grupos de


produtos de (1) e (2) e de do volume de crédito para investimentos obtido
(CI). Mantido o método já apresentado, os coeficientes β das variáveis Y nas
regressões resultantes são medidas da participação dos grupos de produtos
nas oscilações de investimentos (uma medida da participação de Y na va-
riação do investimento); da variável CI, medida da participação do crédito
nessas variações. A esta função denominaremos “investimento-fonte”.

2.2.4. Qualificação dos grupos de produtos


Os coeficientes das regressões discutidas anteriormente, obtidos a partir
da base de dados separada em dois sets em função da forma de produção
(conf. Box 1), compõem duas matrizes de valores de [βPz i j ] e [βCz i j ], corres-
pondendo, respectivamente, à forma de produção patronal (primeira parte
da Tabela 2) e à forma camponesa (segunda parte da Tabela 2). Nessa
notação, i denota um grupo de produtos que compõe a produção total da
forma de produção e j um dos três tipos de função, conforme especificado
na Tabela 2. Usamos esses valores para estabelecer os atributos dos grupos

Trajetórias tecnológicas como objeto de política de conhecimento para a Amazônia 323


de produtos, de acordo com o indicado na Tabela 1: quanto ao peso e im-
portância na variação da produção total – relevância social; quanto à ren-
tabilidade privada e quanto à endogeneidade das fontes de recursos para
investimento. Os atributos resultaram das seguintes condições:
a) Para qualificar um grupo de produtos segundo o atributo “Socialmente
relevante” (Tabela 1), utilizou-se o seguinte critério: se β iP1 > 0,1 então
“Verdadeiro”; de outro modo “Falso” (i = 1,...,10, ver Tabela 2). Arbi-
trou-se, portanto, que serão considerados de relevância macro (social)
os grupos de produtos cujos VBP variam na mesma direção que o VBP
total193 e em intensidade relativa (número de desvios-padrão) corres-
pondente a pelo menos 10% daquela variação. Sete grupos de produtos
entre os estabelecimentos patronais e 6 entre os camponeses apresenta-
ram-se como relevantes, com destaque para a pecuária de corte, silvicul-
tura e culturas temporárias, entre os primeiros, e culturas temporárias,
culturas permanentes e pecuária de leite, entre os últimos.
b) Para qualificar um grupo de produtos conforme o atributo “Compensação
privada positiva”, procedeu-se ao seguinte teste: se ( β i 2 / β i1 ) > 0 então
P P

“Verdadeiro”, de outro modo, “Falso”. Dado que β i1P é sempre positivo


(ver nota 4), isso significa que serão considerados consistentes com os fins
privados os grupos de produtos cujos VBP influem positivamente na varia-
ção da Renda Líquida total (a variação da sua produção influi diretamente
proporcional na rentabilidade total). Significa, também, que mais que a
medida absoluta da influência na variação da renda líquida, importa sua
expressão relativa mediante a influência que o mesmo grupo de produto
exerce na variação do VBP total. Esse resultado diz muito sobre a força
de expansão e sobre a consistência da relevância social com os anseios
privados. Quatro são, pois, as situações a considerar:
1. Os grupos de produtos inconsistentes na perspectiva privada – quando
se expandem, reduzem a rentabilidade privada. Dos produtos relevantes,
este é o caso dos que resultam das culturas temporárias e permanentes en-
tre os estabelecimentos patronais e da silvicultura entre os camponeses.
2. Valores de ( β iP2 / β iP1 ) ≅ 1 indicam situações em equilíbrio e expansão
com rendimento constante. É o caso dos produtos da pecuária de corte e
da avicultura entre os estabelecimentos patronais e da pecuária leiteira
entre os camponeses.

193. A rigor, as regressões especificadas pelas funções de tipo (1) produzirão betas necessaria-
mente positivos dado que os valores estatísticos da variável dependente são totalizações das
variáveis independentes.

324 Trajetórias tecnológicas como objeto de política de conhecimento para a Amazônia


Tabela 2 – Coeficientes β das regressões, atributos associados de qualificação dos grupos de produtos, cargas fatoriais das
combinações de grupos de produtos relativos às estruturas camponesas e patronais na região Norte
Cargas fatorias (primeiros cinco fatores
Coef. Variáveis Dependentes Atributos dos grupos de produtos1
Classe do ou componentes principais)
Grupos de β
YB YL I Social- Compensa- Grupo de
produtos Fonte de in-
j mente cão privada Produtos C1 C2 C3 C4 C5
1 2 3 vestimento
i relevante1 positiva1
Forma de Produção Patronal
Ext. não
1 0,025a 0,079a -0,038b F V (3,16) F G8
madeireiro
Ext.madei-
2 0,111a 0,170a -0,035c V V (1,53) F G2 0,407 -0,183 0,119 -0,712 0,525
reiro
Cult.Tempo-
3 0,363a -0,105a 0,651a V F (-0,29) V G7 0,459 -0,206 0,051 0,489 0,304
rárias
Pec. Suínos 4 0,012a -0,039c -0,019a F F (-3,25) F G4
Pec. Corte a a
5 0,548a 0,507 -0,054 V V (0,93) F G2 0,756 -0,284 -0,002 0,112 -0,032
bovina
Pec. Leite e
6 0,119a 0,308a 0,492a V V (2,59) V G1 0,774 0,120 0,032 0,105 -0,336
matrizes
Cult. Perma-
7 0,145a -0,189a 0,069a V F (-1,30) V G7 0,342 0,664 0,141 -0,315 -0,318
nentes
Silvicultura 8 0,516a 0,280a 0,031c V V (0,54) V G1 -0,148 -0,083 0,977 0,097 -0,33
Hortigran- b c
9 0,004a 0,095 -0,020 F V (23,75) F G8
jeiros
a c
Pec. Aves 10 0,287a 0,262 -0,016 V V (0,91) F G2 0,072 0,715 0,021 0,289 0,053

Trajetórias tecnológicas como objeto de política de conhecimento para a Amazônia


Crédito para a
0,273
Investimento
% Variância
R2 1,000a 0,682a 0,862a 24,2 16,13 14,2 13,8 12,6
(80,8%)

325
Cargas fatorias (primeiros cinco fatores

326
Coef. Variáveis Dependentes Atributos dos grupos de produtos1
Classe do ou componentes principais)
Grupos de β
YB YL I Social- Compensa- Grupo de
produtos Fonte de in-
j mente cão privada Produtos C1 C2 C3 C4 C5
1 2 3 vestimento
i relevante1 positiva1
Forma de Produção Camponesa
Ext. não
1 0,156a 0,186a -0,079a V V (1,19) F G2 0,275 0,746 -0,009 0,607 -0,011
madeireiro
Ext. madei-
2 0,178a 0,200a -0,038a V V (1,12) F G2 0,067 0,580 0,737 -0,334 0,014
reiro
Cult.Tempo-
3 0,478a 0,581a -0,082a V V (1,22) F G2 0,674 0,393 -0,440 -0,296 0,320
rárias
a a
Pec. Suínos 4 0,022 0,017b 0,210 F V (0,77) V G5
Pec. Corte a
5 0,152a 0,085a 0,258 V V (0,56) V G1 0,788 -0,408 0,267 0,155 0,219
bovina
Pec. Leite e
6 0,215a 0,223a 0,416a V V (1,04) V G1 0,810 -0,386 0,282 0,125 -0,061
matrizes
Cult. Perma-
7 0,225a 0,194a 0,184a V V (0,86) V G1 0,845 0,149 -0,223 -0,199 -0,399
nentes
a a
Silvicultura 8 0,005 -0,005c 0,065 F F (-1,00) V G6
Hortigran- b
9 0,058a 0,045a -0,026 F V (0,78) F G8
jeiros
c
Pec. Aves 10 0,097a 0,008c 0,020 F V (0,08) V G5
Crédito para
0,111a
Investimento
% Variância
R2 1,000a 0,994a 0,905a 42,1 23,2 15,6 10,8 5,2
(96,9)
Fonte: Censo Agropecuário 1995-1996.
Notas: a. Significativo a 0%; b. Significativo a 5%; c. Não significativo.
Para regressões com R2 = 1, os valores F e t são muito altos e a significância em consequência 0.

Trajetórias tecnológicas como objeto de política de conhecimento para a Amazônia


3. Valores 0 < ( β iP2 / β iP1 ) < 1 indicam situações fora do equilíbrio, nas quais
o VBP do grupo de produtos varia com maior intensidade que a renda
líquida total dele derivada, o que aponta para expansão com rentabili-
dade decrescente. Tanto mais próximos de zero, maior a inconsistência
da rentabilidade privada frente à relevância social que esses valores re-
velam e menor a força de expansão do grupo de produtos em questão.
Enquadram-se nesse caso os produtos provindos da silvicultura entre os
estabelecimentos patronais e das culturas permanentes entre os campo-
neses.
4. Valores ( β iP2 / β iP1 ) > 1 , ao contrário, indicam situações fora do equilíbrio,
nas quais a influência da variação do VBP do grupo de produtos na
rentabilidade total é maior que no VBP total, o que indica rentabilidade
crescente associada ao grupo de produtos. Tanto maior o valor, maior
a inconsistência da rentabilidade privada frente à relevância social que
esses valores revelam e maior a força de expansão do grupo de produtos
em questão. Este é o caso do extrativismo madeireiro e do extrativismo
não madeireiro, tanto entre formas patronais como entre camponeses
de produção. Para estes últimos, é também o caso dos produtos provin-
dos de culturas temporárias.

c) Para a qualificação segundo o atributo “Fonte de investimento”, proce-


deu-se ao seguinte teste: se β iP3 > 0 então “Verdadeiro”, de outro modo,
“Falso”. Isso significa que se o grupo de produtos se expande, ele contri-
bui para a ampliação do investimento global do modo de produção – ele
é, portanto, fonte de investimentos do modo de produção. Dos grupos
de produtos relevantes, entre os estabelecimentos patronais, este é o
caso dos produtos das culturas temporárias, da pecuária de leite e da
silvicultura; entre os camponeses, da pecuária de corte e leiteira, das
culturas permanentes e da silvicultura.
Quando combinados, estes resultados chamam a atenção para os grupos
de produtos com atributo G1, que combinam os três atributos: são relevan-
tes em termos macroeconômicos, apresentam rentabilidade privada e cons-
tituem fonte de investimento. Eles são, entre os estabelecimentos patronais,
pecuária leiteira e silvicultura; entre os camponeses, pecuária de corte, pe-
cuária de leite e culturas permanentes. Eles mostram uma capacidade de
expansão consistente, endogenamente patrocinada, fonte de acumulação
de capacidade produtiva.
Os resultados combinados chamam a atenção, também, para os grupos
de produtos qualificados como G2: que combinam como verdadeiros os
dois primeiros atributos – de relevância macro e consistência micro – sem

Trajetórias tecnológicas como objeto de política de conhecimento para a Amazônia 327


apresentar interferência nos investimentos. Sobre eles se pode dizer que
mostram força de expansão, porém não são objetos de acumulação de ca-
pacidade produtiva. É o caso dos produtos derivados da pecuária de corte,
do extrativismo madeireiro e da avicultura, entre os estabelecimentos pa-
tronais, e, entre os camponeses, dos derivados de extrativismo madeireiro
e não madeireiro.
Os grupos de produtos qualificados como G7, são os que apresentam
relevância macro e condição de fonte ou lócus de investimento, porém com
rentabilidade contestável. É o caso dos produtos das culturas temporárias e
das culturas permanentes entre os patronais.
O que podem representar essas diferentes características dos grupos de
produtos para as trajetórias que lhes são subjacentes? Ou, visto de outro
modo, como se combinam tais diferenças na definição das trajetórias que
lhes são subjacentes? A isso nos dedicaremos no próximo segmento.

2.2.5. Interação entre os diversos produtos ou grupos de produtos


Até agora estudamos grupos de produtos, como fenômenos que nos são apre-
sentados pelas estatísticas do Censo. Os qualificamos isoladamente mediante
atributos: se têm peso elevado, se são rentáveis, se fundamentam investimen-
tos, essas são suas qualidades como grupos de produto. Como sabemos que
esses grupos de produtos são expressões de trajetórias, inferimos que eles sub-
sidiarão as trajetórias de que fazem parte com esses seus atributos que nos
foram revelados pela análise precedente. Mas isso não é suficiente para re-
conhecermos que trajetórias são essas. Isso porque as trajetórias (estruturas
em reprodução evolutiva em contexto econômico e institucional específico, as
quais emitem sinais em seu percurso) podem se expressar em mais que um gru-
po de produto – podem emitir diferentes sinais de seu movimento. Precisamos
ver, isto posto, se há combinações de sinais que possam, como um sistema de
fenômenos, dizer mais sobre os processos e aparatos produtivos subjacentes:
as trajetórias.
Assim, qualificados os grupos de produto quanto ao papel que podem
desempenhar nas trajetórias de que fazem parte, as questões que se colo-
cam: Se, em que medida e de que modo esses produtos ou grupos de pro-
dutos se relacionam entre si? Caracterizam tais relações interdependência
sistemicamente justificáveis, inteligíveis na perspectiva evolucionária que
caracterizam as trajetórias?.
Dois tipos de relações podem ocorrer de modo a caracterizar interde-
pendência e, assim, indicar participação em uma mesma trajetória: relações
de sucessão e de concomitância entre grupos de produtos diferentes. No

328 Trajetórias tecnológicas como objeto de política de conhecimento para a Amazônia


primeiro, um grupo de produtos evolui se nutrindo, por assimilação – e,
portanto, anulação – do outro; no segundo evolui se nutrindo, por sinergis-
mo – e, portanto, mútuo fortalecimento –, do outro. Há uma terceira rela-
ção – a de concorrência, em que um evolui concorrendo pelo espaço (físico
ou de mercado) do outro. Nesse caso, os produtos ou grupo de produtos
pertenceriam a trajetórias diferentes.
Verificar a interdependência ou concorrência entre os grupos de produ-
tos e avaliar o significado no delineamento das trajetórias, propriamente,
será a tarefa deste segmento. Para tanto, é necessário observar as estruturas
de correlações existentes entre os dados de produção dos grupos de pro-
dutos. A “análise fatorial” constitui ferramenta importante para esse tipo
de tarefa. Trata-se de técnica de análise estatística multivariada que visa
identificar estruturas subjacentes em um conjunto de variáveis observadas,
permitindo dois tipos de resultados: a sumarização e a redução de dados
(BACKHAU; ERICHSON; PLINKE; WEIBER, 2000:252-327).
Nos processamentos de sumarização, se explicitam as variáveis laten-
tes (os “fatores”) pelos padrões de variabilidade das variáveis manifestas
(reais) e as cargas fatoriais de cada variável em relação ao fator. Um fa-
tor é um construto, uma entidade hipotética, uma variável não observada
cuja realidade reside apenas no fato de explicarem a variância de variáveis
observadas. As cargas fatoriais obtidas são coeficientes que expressam o
quanto uma variável observada está carregada ou saturada em um fator.
Em processamentos de redução, os fatores podem ser transformados em
variáveis inteiramente novas que podem ser incluídas em análises subse-
quentes (HAIR; ANDERSON; TATHAM; BLACK, 1998:95).
Submetemos à análise fatorial o VBP dos grupos de produtos que se
mostraram, na análise anterior, socialmente relevante para a produção to-
tal: sete grupos da produção patronal (Extrativismo Madeireiro, as Culturas
Temporárias e as Permanentes, a Pecuária Bovina de Corte e a de Leite, a
Silvicultura e a Avicultura) e seis da produção camponesa (o extrativismo
madeireiro e o não madeireiro, as culturas permanentes e as temporárias,
a pecuária de corte e a de leite). Como nas regressões já apresentadas, aqui
também se usou para processamento o SPSS (BÜHL, ZÖFEL,1996:369-376),
condicionando o cálculo a 25 interações e a um número máximo de cinco
fatores por análise. Cada fator indica uma interação entre grupos de produ-
tos, que pode revelar uma trajetória; a relevância empírica do fator deverá
se expressar na proporção da variância total que explica. As cargas fatoriais
dos grupos de produtos nos fatores – os respectivos graus de importância
e o sentido, se positiva ou negativamente, como cada grupo compõe o fa-
tor ou componente principal – encontram-se nas cinco últimas colunas da
Tabela 2.

Trajetórias tecnológicas como objeto de política de conhecimento para a Amazônia 329


Além das cargas fatoriais, utilizamos os resultados do processamento
de redução que atribui, a cada elemento do conjunto de dados original
(conf. Box 1), pesos (scores) para cada um dos cinco fatores analisados: o
peso de cada fator se torna uma variável do conjunto de dados. O fator de
maior peso foi utilizado para qualificar o elemento, criando-se assim uma
outra variável nova, agora discreta, cujos elementos designam esses fatores
dominantes. De modo que se assinala, no conjunto de dados, a que com-
binação de grupos de produtos (que chamamos adiante de “Combinações
C de Grupos de Produtos”), que podem caracterizar uma trajetória, cada
unidade de informação (estabelecimentos em um mesmo estrato de área
em uma microrregião) pertence. Cruzando a variável “Combinações C de
Grupos de Produtos” com a localização geográfica (mesorregião nos esta-
dos) dos estabelecimentos e formas de produção, utilizando o VBT total
como variável descritiva, ganhamos informações preciosas sobre a geogra-
fia das interações (ver resultados na Tabela 3); cruzando com as formas de
produção e tendo como variável descritiva o VBP dos grupos de produtos,
adquirimos informações importantes sobre a estrutura da produção por trás
dessas “combinações” (ver resultados na Tabela 4).
Combinando o que já sabemos sobre os grupos de produtos per se (suas
classes de atributos G) e o que aprendemos sobre suas interações nos pro-
cessamentos mencionados podemos caracterizar as combinações C de modo
a avançar na percepção de como participam das trajetórias das quais são, de
algum modo, expressão. Assim:
1. Combinação Patronal.C1 (o fator explica 24,2% da variância total na
análise fatorial). Considerando-se as cargas fatoriais (Tabela 2, coluna
C1, forma de produção patronal), pode-se supô-la correspondendo a,
ou participando de, uma trajetória comandada pela pecuária de corte,
complementada pela produção de leite e matrizes e por culturas tempo-
rárias (estas últimas como fontes de investimentos, de acordo com o que
indica sua classe G7) e pela extração madeireira (como suporte de ren-
tabilidade – indicada pela classe de atributos G2). Tal combinação, cujo
VBP representava 17% do VBP agropecuário total da região Norte em
1995 (ver Tabela 7), se desenvolve de modo altamente concentrado nos
estados de Tocantins (50% de seu VBP, dominantemente na mesorregião
Ocidental do Tocantins – 47%) e Pará (41% do VBP, dominantemente no
Sudeste Paraense – 31%). Conforme a Tabela 4, a estrutura da produção
média dos estabelecimentos aí posicionados, em toda a região, é com-
posta por 66% da pecuária de corte, 14% da de leite e matrizes, 10% de
culturas temporárias. As culturas permanentes, com 3%, e a produção
de madeira, com 2%, são produções residuais.

330 Trajetórias tecnológicas como objeto de política de conhecimento para a Amazônia


2. Combinação Patronal.C2 (explica 16,1% da variância total na análise
fatorial). Comandada por culturas permanentes, de rentabilidade con-
testada, complementada por avicultura e pecuária bovina, se desenvolve
dominantemente no Pará, onde realiza 67% do seu produto, do que 35%
na Região Metropolitana de Belém. Se manifesta, também, no Amazonas
e em Rondônia – com 10% do VBP que produz. A estrutura da produção
do estabelecimento médio aí detectado se assenta em proporções iguais
nas culturas permanentes (30% do VBP) e na produção de aves (30%),
além de pecuária bovina de corte (17%) e leite (11%).
3. Combinação Patronal.C3 (14,2% da variância total). Comandada por silvi-
cultura. Se desenvolve no Amapá (82%) e no Pará (18%). A produção é,
nesse caso, especializada, 100% centrada em silvicultura.
4. Combinação Patronal.C4 (13,8% da variância total na análise fatorial). Co-
mandada por culturas temporárias relativamente isoladas, ou compondo
em parte com a avicultura (milho para ração) ou com a pecuária de corte.
Nessa condição, poderia ser um estágio primário da Combinação Patronal.
C1, uma vez que se desenvolve, como nas mesmas regiões daquela: prin-
cipalmente no Tocantins (38%, do que 25% na Tocantins Ocidental) e no
Pará (26%, dos quais 20% no Sudeste Paraense). A impressão é de que se
trata de um estágio inicial da Combinação Patronal.C1, reforçada pelo fato
de que as estruturas de produção, não obstante apresentarem a maior par-
ticipação de culturas temporárias entre todas da produção patronal (29%
do VBP), mostram grande concentração em pecuária de corte (50%).
5. Combinação Patronal.C5 (explica 12,6% da variância total na análise
fatorial). Extração de madeira relativamente isolada ou compondo com
culturas temporárias. Aqui, também, parece se tratar de um estágio ini-
cial de Combinação Patronal.C1, posto que se manifesta particularmente
nas mesmas regiões do Pará (62%, do que 33% no Sudeste Paraense);
se manifesta também em Rondônia (21%). A estrutura produtiva média
dos estabelecimentos corrobora a impressão de se trata aqui de um está-
gio inicial da Combinação Patronal.C1 uma vez que, apesar de apresen-
tar a maior dependência de extração madeireira (17%) de todas as com-
binações encontradas na forma de produção patronal, apresenta, como
no caso anterior, elevada concentração em pecuária de corte (46%).
6. Combinação Camponês.C1 (explica 42,1% da variância total da análi-
se fatorial). Este fator parece expressar uma trajetória comandada pela
combinação de culturas permanentes e da pecuária de leite, ambas com
atributo G1 – expansão com rendimento constante e investimento en-
dógeno. A pecuária para carne e as culturas temporárias se mostram
importantes na combinação, porém complementares. Essa combinação,

Trajetórias tecnológicas como objeto de política de conhecimento para a Amazônia 331


cujo VBP representava 24,6% do VBP agropecuário total da região Norte
em 1995 (ver Tabela 7), se desenvolve nos estados de Rondônia (35%
de seu VBP) e Pará (24% do VBP, dominantemente no Nordeste paraense
(13%), mas também no Sudeste paraense (7%)). Conforme a Tabela 4,
a estrutura da produção média, em toda a região, é conformada por cul-
turas permanentes (23%), leite (16%) e culturas temporárias (34%).
7. Combinação Camponês.C2 (explica 23,2% da variância total). Uma das
duas combinações ancoradas em extrativismo não madeireiro, cujo atri-
buto G2 indica consistência quanto ao significado e rentabilidade, sem,
contudo, representar lócus ou fonte de investimentos – tem presença e
sentido, mas não base para expansão. Tem expressão bastante difusa,
com manifestação mais acentuada sob as condições particulares da sub-
região estuarina da mesorregião Nordeste paraense (26%) e nos campos
de Marajó (17%), mas também no Sudeste paraense (13%) e Metropoli-
tana de Belém (6%), no Pará (63%); no Amazonas (33%), sobretudo na
mesorregião Centro amazonense (15%). A estrutura da produção média
para toda a região se assenta nas culturas temporárias (47%), culturas
permanentes (19%), extrativismo não madeireiro (15%) e extrativismo
madeireiro (9%).
8. Combinação Camponês.C3 (15,6% da variância total). Combina extrati-
vismo madeireiro, pecuária de corte e de leite, esta última apresentando
atributo G1, constituindo objeto e fonte de investimentos e acumulação
de capacidade produtiva. Ocorrem fundamentalmente no Marajó (44%)
e no Baixo Amazonas, no Pará, (74%), e em Rondônia (11%). No esta-
belecimento médio, a produção madeireira representa 42% do VBP, a de
culturas temporárias, 18%; a produção de culturas permanentes e de
pecuária leiteira representam, respectivamente, 9% e 10%. As caracte-
rísticas da combinação indicam a possibilidade de ser estágio inicial da
combinação Camponês.C1.
9. Combinação Camponês.C4 (10,8% da variância total). Trata-se da combi-
nação na qual o extrativismo não madeireiro apresenta maior participação,
com interações tênues com a pecuária de corte e de leite. Ocorre prin-
cipalmente no Sudeste paraense (18%), também no Marajó (14%) e na
sub-região estuariana do Nordeste paraense (14%). Se expressa de modo
importante no Acre (7%) e difuso no Amazonas (9%). A estrutura da pro-
dução se esteia em 26% de produtos do extrativismo não madeireiro, em
outros 26% de culturas temporárias, em culturas permanentes e na pecuá-
ria de leite (12% e 8%, respectivamente) e 10% de pequenos animais.
10.Combinação Camponês.C5 (explica 5,2% da variância total). Represen-
tado por interações pouco significativas entre culturas temporárias e pe-

332 Trajetórias tecnológicas como objeto de política de conhecimento para a Amazônia


cuária de corte. Se manifesta particularmente no Pará (21%, dos quais
15% no Sudeste paraense e 6% no Nordeste paraense) e em Tocantins
(20%). A estrutura da produção é concentrada em culturas temporárias
(52%), pecuária de corte (15%), pecuária de leite e culturas permanen-
tes (12% e 8%, respectivamente).

2.2.6. Atuação institucional e “Combinações C de Grupos de


Produtos”
Reiteramos a noção de que as trajetórias se desenvolvem confrontando-se,
em concorrência materializada no embate entre as estruturas que operam
os processos produtivos e suas instituições de suporte. Os modos como o
ambiente institucional age sobre as estruturas produtivas e é influenciado
por elas são, assim, determinantes na concorrência entre as trajetórias, fun-
damento no diferencial de rendimentos que as qualificam nessa concorrên-
cia (DOSI, 2006; ARTHUR, 1994).
Para tratar essa questão, as informações relativas ao crédito agropecuá-
rio no Censo têm significado especial, pois expressam bem mais que recur-
sos de empréstimo. É que, na agricultura, o crédito é fundamentalmente
crédito de fomento e, como tal, mecanismo de política. De modo que, em
torno dele movimentam-se outras políticas – suas instituições e organiza-
ções mediadoras – sendo as mais notórias as de pesquisa tecnológica e as
de assistência técnica. Ademais, o crédito reflete o estado geral do ambiente
institucional nas áreas rurais. Pois, onde há políticas de ordenamento terri-
torial, há crédito; onde as relações de propriedade da terra são dúbias, não
há crédito; ou, se existe apesar disso, há algum tipo de organização que
o garante. Desse modo, a variável crédito pode ser vista como proxy das
relações institucionais dos agentes e suas formas de produção. Ademais,
quando o Censo Agropecuário se realizou em 1995, a política de crédito
baseada nos Fundos Constitucionais vigia há sete anos, sendo o FNO a mais
importante política rural em andamento na região (COSTA, 2005, 2006).
Adotamos, por isso, um Índice de Densidade Institucional (IDI) a par-
tir do crédito, o qual resulta da divisão entre participação percentual das
“Combinações C de Grupos de Produtos” no crédito (% que acessaram do
crédito total) e a participação respectiva no VBP rural (% do VBP rural). Na
Tabela 5 estão os resultados desse procedimento considerando a ocorrência
da “Combinação C” no espaço. Se o valor do IDI for maior que 1 significa
que a combinação C acessou mais crédito que sua importância econômica,
permitindo inferir que teve um ambiente institucional que a favoreceu na
razão direta do valor do IDI.

Trajetórias tecnológicas como objeto de política de conhecimento para a Amazônia 333


Tabela 3 – Distribuição geográfica de ocorrência das combinaçãoes C de grupos de produtos observada pela distribuição percentual

334
do VBP por mesorregiões e estados
Combinações (fatores) por forma de produção:
Localização Geográfica
Patronal Camponês Total
Estado Mesorregião C1 C2 C3 C4 C5 C1 C2 C3 C4 C5
Vale do Acre 3% 3% 4% 3% 6% 5% 3%
Acre
Vale do Juruá 1% 1% 1 2%
Norte do Amapá 2% 1% 1% 0%
Amapá
Sul do Amapá 5% 82% 1% 3% 5% 3% 3%
Centro amazonense 1% 11% 2% 3% 13% 15% 3% 2% 14% 9%
Norte amazonenense 8% 3% 1% 1%
Amazonas
Sudoeste amazonenense 3% 4% 5% 2% 6% 3%
Sul amazonense 1% 5% 4% 2% 11% 3%
Baixo Amazonas 1% 5% 18% 1% 3% 1 17% 3% 3% 5%
Marajó 3% 3% 17% 44% 14% 5%
Metropolitana de Belém 35% 7% 2% 6% 1 4%
Pará
Nordeste paraense 2% 14% 3% 12% 13% 26% 14% 6% 10%
Sudeste paraemse 31% 11% 20% 33% 7% 13% 8% 18% 15% 16%
Sudoeste paraense 5% 2% 2% 6% 1 5% 2% 4%
Leste rondoniense 7% 1 1 19% 33% 1% 8% 5% 4% 13%
Rondônia
Madeira-Guaporé 1% 3% 2% 2% 1% 3% 1% 1% 2%
Norte de Roraima 2% 12% 1% 2% 4% 3% 2%
Roraima
Sul de Roraima 1% 2% 1% 1% 1% 1%
Ocidental do Tocantins 47% 25% 2% 5% 14% 12%
Tocantins
Oriental do Tocantins 4% 13% 2% 2% 6% 3%
Total 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100%
Fonte: IBGE – Censo Agropecuário 1995-1996. Processamentos especiais do autor.

Trajetórias tecnológicas como objeto de política de conhecimento para a Amazônia


Tabela 4 – Composição da produção oriunda das combinaçãoes C de grupos de produtos observadas pela distribuição percentual do
VBP por grupos de produtos e atividades
Combinações (fatores) por forma de produção:
Patronal Camponês
Total
Grupos de Pro-
Atividade C1 C2 C3 C4 C5 Total C1 C2 C3 C4 C5 Total
dutos
Corte 65,7% 17,3% 0,0% 50,0% 45,8% 50,3% 10,9% 0,8% 6,2% 5,0% 15,4% 9,6% 23,7%
Pecuária
Leite 14,0% 10,7% 0,0% 14,5% 7,0% 11,9% 15,8% 1,0% 10,3% 7,6% 11,8% 11,0% 11,3%
Permanentes 3,5% 30,2% 0,0% 1,7% 2,2% 6,3% 23,4% 18,6% 8,5% 11,5% 7,5% 15,7% 12,5%
Culturas
Temporárias 10,4% 6,8% 0,0% 29,3% 8,4% 12,3% 33,6% 46,6% 18,0% 26,1% 52,1% 38,9% 29,7%
Madeireiro 2,0% 1,7% 0,0% 0,4% 17,5% 3,8% 1,2% 8,9% 41,7% 2,7% 1,1% 5,5% 4,9%
Extrativismo
NãoMadeireiro 1,4% 1,7% 0,0% 0,8% 1,6% 1,3% 3,1% 14,8% 8,0% 26,6% 3,9% 8,1% 5,8%
Silvicultura 0,0% 0,0% 100,0% 0,0% 0,1% 5,4% 0,1% 0,1% 0,0% 0,3% 0,0% 0,1% 1,9%
Pequenos animais (avicultura) 2,0% 30,1% 0,0% 1,9% 16,2% 7,6% 7,4% 6,3% 3,7% 10,5% 5,6% 6,8% 7,1%
Outros 1,1% 1,4% 0,0% 1,4% 1,1% 1,1% 4,6% 3,1% 3,5% 9,7% 2,6% 4,3% 3,2%
Total 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100%
Fonte: IBGE – Censo Agropecuário 1995-1996. Processamentos especiais do autor.

Trajetórias tecnológicas como objeto de política de conhecimento para a Amazônia


335
Tabela 5 – Índice de densidade institucional1 das combinaçãoes C de grupos de produtos por mesorregiões e estados

336
Combinações (fatores) por forma de produção:
Localização Geográfica
Patronal Camponês Total
Estado Mesorregião C1 C2 C3 C4 C5 C1 C2 C3 C4 C5
Vale do Acre 0,00 1,27 0,00 0,96 0,68 1,16 0,88
Acre
Vale do Juruá 4,11 1,32 0,02 0,27 0,33
Norte do Amapá 0,67 0,00 0,07 0,26 0,00 0,35
Amapá
Sul do Amapá 0,00 1,02 0,27 0,00 0,04 0,05 0,03 0,61
Centro Amazonense 0,40 1,00 1,96 15,17 0,23 0,11 0,24 0,14 0,21 0,52
Norte Amazonenense 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00
Amazonas
Sudoeste Amazonenense 0,55 0,36 0,01 0,13 0,15 0,44 0,22
Sul Amazonense 0,00 1,03 0,06 0,00 1,11 0,68 0,55
Baixo Amazonas 3,38 2,44 0,00 0,52 0,39 0,50 0,25 0,22 0,03 0,51
Marajó 0,18 0,31 0,04 0,02 0,08 0,06
Metropolitana de Belém 0,30 - 0,65 0,43 0,26 0,33
Pará
Nordeste Paraense 0,57 1,29 0,03 11,73 0,39 0,57 0,07 0,10 1,12
Sudeste Paraemse 0,89 18,44 1,83 0,33 0,89 1,61 0,53 0,59 0,87 1,44
Sudoeste Paraense 1,87 0,78 1,79 0,38 1,90 0,38 0,34 1,62
Leste Rondoniense 0,56 1,14 0,81 0,73 0,61 0,05 0,47 0,16 0,84 0,64
Rondônia
Madeira-Guaporé 1,58 0,57 3,65 6,44 0,77 0,95 0,26 1,86 3,21
Norte de Roraima 2,44 1,44 - 0,63 1,44 0,47 0,65 1,02
Roraima
Sul de Roraima 0,16 1,13 8,11 2,37 1,51 0,57 6,19 2,26
Ocidental do Tocantins 1,77 2,75 4,17 0,22 1,30 1,76
Tocantins
Oriental do Tocantins 2,63 1,92 2,30 2,01 0,68 0,71 1,59
Total 1,39 2,67 0,83 1,75 2,34 0,83 0,43 0,23 0,30 0,67 1,00
Fonte: IBGE – Censo Agropecuário 1995-1996. Processamentos especiais do autor.
1
Participação relativa do crédito obtido dividido participação relativa do VBP.

Trajetórias tecnológicas como objeto de política de conhecimento para a Amazônia


Alguns resultados devem ser sublinhados:
ƒ Todas as combinações patronais apresentam IDI maior que 1, devendo-
se sublinhar os seguintes:
– A Patronal.C2 se destaca com IDI = 2,67. Trata-se da combinação do-
minada por culturas permanentes, com rentabilidade contestada, objeto
demonstrado de investimento, cuja fonte agora se explicita melhor.
– Anteriormente indicamos três combinações patronais que seriam pro-
vavelmente sucessivas – momentos distintos da evolução de um único
trajeto –, duas delas, a Combinação Patronal.C4 e Combinação Patronal.
C5 confluindo para a outra, a Combinação Patronal.C1. Pois bem, essas
três combinações se destacam na sequência: a Patronal.C5, com IDI =
2,34, a Patronal.C4, com IDI = 1,75, e a Patronal.C1, com IDI = 1,39.
Essa curiosa hierarquia no IDI é particularmente verdadeira nas duas
mesorregiões já mencionadas do Tocantins e na Madeira-Guaporé, em
Rondônia. Mas ocorre também parcialmente no Sudoeste e Sudeste do
Pará e em Roraima.
– Por seu turno, a Patronal.C3, comandada por silvicultura – uma das duas
patronais com atributos classe G1 – apresenta IDI menor que 1.
ƒ Todas as combinações camponesas tem IDI menores que 1, com as se-
guintes diferenças a considerar.
– A mais relevante é que a Combinação Camponês.C1, na qual se destaca
as culturas permanentes e a pecuária leiteira, ambos os grupos de pro-
duto com atributo G1, apresenta a maior IDI (0,83).
– A segunda maior expressão do IDI foi o da Combinação Camponês.C5
(0,67): dominada por culturas temporárias e pecuária de corte.
– O mais baixo IDI foi a da Combinação Camponês.C3 (0,23), a qual se
indicou antes como provavel preliminar a Combinação Camponês.C1.
– Também são muito baixos os IDI da Combinação Camponês.C2 (0,43)
e da Combinação Camponês.C4 (0,30): as duas combinações ancoradas
em produção extrativa não madeireira.

2.2.7. Evolução das “Combinações C dos Grupos de Produtos” por


uma década
As trajetórias evoluem em concorrência, cujo andamento se expressa na
diferença nos ritmos de expansão que demonstram. As relações dinâmi-
cas entre relevância social, nível de compensação privada e capacidade de
acumulação, por uma parte, e ambiente institucional e base produtiva, por
outra; as interações, pois, que transformam externalidades em rendimentos

Trajetórias tecnológicas como objeto de política de conhecimento para a Amazônia 337


crescentes privadamente apropriados – tanto maiores tais rendimentos em
favor de um procedimento tecnológico, quanto mais dominante ele seja no
conjunto – referidas a cada trajetória, se expressam, como síntese, na sua
capacidade de expansão.
Para analisar este ponto avançando a ideia de que às “Combinações C de
Grupos de Produtos” subjazem trajetórias, obtiveram-se as taxas anuais de
expansão de cada uma dessas combinações pelo seguinte procedimento: a)
Calcularam-se as taxas anuais de crescimento dos grupos de produtos com
base no “produto real” do agregado. Uma série de valores de “produto real”
constitui indicador da flutuação das quantidades agregadas de produtos de
natureza diferente, sendo cada ponto a soma do produto das quantidades
no ponto (no ano) por um vetor de preço fixo para todos os pontos (no
nosso caso a média dos preços de 1994 a 1996). b) As taxas de crescimen-
to dos grupos de produto relativas a um mesmo ano (ver Tabela 6) foram
ponderadas pelas proporções com que os grupos respectivos participam na
combinação C (conf. Tabela 4), resultando na sua taxa de crescimento agre-
gado.

Tabela 6 – Números Índices da evolução do Produto Real dos grupos de


produtos – região Norte, 1995 a 2004 ( 1995 = 1)
Grupos de Produtos 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004
Pecuária de Corte 1,00 0,96 1,03 1,12 1,19 1,31 1,46 1,62 1,81 2,13
Pecuária Leiteira 1,00 0,70 0,80 0,88 0,93 1,00 1,03 1,28 1,39 1,56
Culturas Permanentes 1,00 0,92 0,85 0,86 1,05 1,09 2,74 3,02 3,16 2,77
Culturas Temporárias 1,00 0,86 0,96 0,96 1,11 1,11 1,15 1,18 1,51 1,50
Produtos Madeireiros 1,00 0,87 0,91 0,90 1,07 1,06 1,03 1,06 1,19 1,23
Produtos Não-Madei-
1,00 0,83 0,89 0,98 1,04 1,06 1,30 1,34 2,16 1,90
reiros
Silvicultura 1,00 0,99 0,87 1,95 1,83 1,82 1,80 1,92 2,12 2,53
Fonte: IBGE, Estatísticas Agrícolas Municipais (PAM), Estatísticas Pecuárias Municipais
(EPM), Produção Extrativa Vegetal, Pesquisa Pecuária Municipal.
Notas: 1) Todos os estados da região Norte. 2) Produto Real é o um indicador do
movimento de quantidades agregadas obtido pela multiplicação das quantidades de todos
os anos por um vetor de preço fixo, no nosso caso a média dos preços de 1994 a 1996.
Para culturas permanentes, culturas temporárias, produtos madeireiros e não madeireiros e
silvicultura: consideraram-se todos os produtos acompanhados pelo IBGE nos respectivos
grupos. Para Pecuária Leiteira considerou-se o número de vacas ordenhadas. Para
Pecuária de Corte, considerou-se o rebanho total menos o número de vacas ordenhadas.

Enunciando de outro modo, as taxas de incremento anual das composi-


ções Ci são os elementos do vetor coluna Ti = (Sij).(rj), onde os elementos
da matriz Sij são as participações relativas dos grupos de produtos j nas
composições Ci e os do vetor coluna rj são as taxas de crescimento do grupo
de produtos j. Os resultados estão nos Gráficos 1 e 2. c) Calcularam-se as ta-
xas de crescimento médio anual das “Combinações C” de modo a captar as

338 Trajetórias tecnológicas como objeto de política de conhecimento para a Amazônia


flutuações no tempo. Assim, as taxas de crescimento anual r foram obtidas
por regressão das séries contínuas a partir da logaritimazação da fórmula At
= A0.(1 + r)t, para At os números índices da evolução da “Combinação C”
e t a variável de tempo (os resultados estão entre parênteses na legendas
dos Gráficos 1 e 2).

Gráfico 1 – Evolução das combinações C de grupos de produtos da forma de


produção patronal – 1995-2004 (números índices, 1995 = 100)

Fonte: Tabelas 3 e 5. Ver esclarecimentos metodológicos no texto.

Gráfico 2 – Evolução das “Combinações C de Grupos de Produtos” da forma de


produção camponesa – 1995-2004 (números índices, 1995 = 100)

Fonte: Tabelas 3 e 5. Ver esclarecimentos metodológicos no texto.

Ressaltam os seguintes resultados: A Combinação Patronal.C3 (r = 11%


a.a.) e Combinação Patronal.C2 (r = 11% a.a.) destacaram-se em crescimen-
to. A primeira corresponde à expectativa de que combinações dominadas por
grupos de produtos com classe de atributo G1 tenderiam a prevalecer pela

Trajetórias tecnológicas como objeto de política de conhecimento para a Amazônia 339


consistência de seus fundamentos. A segunda corresponde à expectativa deri-
vada da sua grande densidade institucional. Por sua vez, as três combinações
que parecem sucessivas, crescem de formas semelhantes, contínuas, a taxas
crescentes, obedecendo, contudo, a uma hierarquia que indica liderança da
Combinação Patronal.C1 (r = 8,7% a.a.), seguida da Combinação Patronal.C4
(8% a.a.) e da Combinação Patronal.C5 (6,6% a.a.).
Correspondendo à expectativa, a Combinação Camponês.C1, com a
maior densidade de grupos de produtos com atributo G1 e a maior densida-
de institucional entre os camponeses, apresenta um crescimento sustentado
à maior taxa média de crescimento na forma de produção (10% a.a.). As
segunda e terceira taxas de crescimento são as relativas a Combinação Cam-
ponês.C2 (9,2% a.a.) e Combinação Camponês.C4 (8,4% a.a.), nas quais,
lembre-se, o extrativismo não madeireiro apresenta relevância. A menor de
todas as taxas de crescimento é o da Combinação Camponês.C3 (6,9% a.a.),
a combinação que parece ser estágio anterior à Combinação Camponês.C1.
A segunda menor taxa verificada foi a da Combinação Camponês.C5 (7,6%
a.a.), que compõe, com notável exclusividade, pecuária de corte e culturas
permanentes.

3. As trajetórias tecnológicas reveladas


Qualificada a produção quanto à relevância social, à efetividade na com-
pensação privada e ao desempenho no investimento; verificada, ademais, a
estrutura das relações que seus componentes guardam entre si – o nível em
que se constituem produções interdependentes; visto, enfim, como essas
combinações sofrem a interveniência das instituições e como têm evoluído
no período 1995-2004, nos permitimos indicar os grandes movimentos que,
resultantes de processos adaptativos conduzidos por agentes, de busca e
seleção de possibilidades produtivas e reprodutivas, nos quais se incluem
recursos institucionalmente distribuídos, conformam as trajetórias: a sequ-
ência de eventos estruturalmente coerentes que configuram o agrário da
região Norte. Indicamos seis trajetórias, três patronais e três camponesas,
cujas características (apresentadas na Tabela 7) passamos a discutir.
Importante esclarecer que no conjunto de dados criamos uma nova va-
riável discreta chamada “Trajetórias Reveladas”, na qual assinalamos com o
atributo da trajetória correspondente (Trajetória Patronal.T4, por exemplo)
todos os casos (ver Box 1) das “Combinações C” que compõem a trajetória
em questão (no caso da Trajetória Patronal.T4, citada como exemplo, os casos
que na variável “Combinações C de Grupos de Produtos” estão assinalados
com os atributos das combinações Patronal.1, Patronal.4 e Patronal.5). Em

340 Trajetórias tecnológicas como objeto de política de conhecimento para a Amazônia


seguida cruzamos a nova variável “Trajetórias Reveladas” com as variáveis
indicativas das condições econômicas e técnicas dos estabelecimentos, já dis-
poníveis, e obtivemos as características das trajetórias apresentadas na Tabe-
la 7 e comentadas a seguir:
ƒ Trajetória Patronal.T4 = Patronal. [C5 J C4 J C1 (J PecCorte I) J
C5...]. A fórmula acima indica o que segue: há uma trajetória que cha-
mamos de Trajetória Patronal.T4 liderada pela Combinação Patronal.C1,
a qual se entendeu constituir ponto de chegada da Combinação Patronal.
C4 e esta ponto de chegada da Combinação Patronal.C5. Na Combinação
Patronal.C1, o grupo de produtos da pecuária de corte constitui o cen-
tro. E, dela, se originam os agentes que reestabelecem a Combinação Pa-
tronal.C5, fechando um ciclo que requer sempre novos espaços. Seguem
as características da Trajetória Patronal.T4.
– Em 1995, atuavam 27.831 estabelecimentos na Trajetória Patronal.T4 (ver
primeira linha da Tabela 7), os quais, controlando 33,3 milhões de hectares
com 18,4 milhões deles transformados em pastagens, produziam, naquele
ano, 28% do VBP do setor rural da região Norte.
– Os procedimentos tecnológicos subjacentes são extensivos em terra,
com uma produtividade por trabalhador de R$9.673,40 (valores do VBP
corrigidos para 2005) e por área R$52,48/ha, para uma relação terra/
trabalhador de 184,31 ha/trabalhador.
– Como implicação dessa característica tecnológica, 71% das áreas degra-
dadas por atividades agropecuárias na região foram geradas por essa
trajetória (1,6 milhão de ha em 1995): aproximadamente 1/10 da área
por ela utilizada, descartado a cada ano, requerendo substituição. Por
isso, a trajetória explica 73% dos investimentos declarados em terras
na região, a partir de agentes já nela estabelecidos, que continuamente
retornam, da Combinação Patronal.C1, à posição inicial da Combinação
Patronal.C5.
– O Índice de Intensidade Institucional (IDI) de 1,63 é alto, demonstran-
do um correspondente poder da trajetória de configuração das políticas
públicas em seu favor. O que explica, em parte, a elevada taxa de in-
vestimento de 36% da renda líquida (onde, além dos já mencionados
investimentos em terras incluem-se 63% de todos os investimentos do
setor na aquisição de animais e 55% das inversões em máquinas).
– A evolução do VBP entre 1995 a 2004 se fez a uma taxa de 8,2% a.a.,
atingindo ao final R$1,3 bilhões. E tal evolução se fez, no que se refere à
intensidade do uso do solo, dominantemente nas mesmas bases e proce-
dimentos técnicos, por todo período. Como se demonstrou recentemen-
te (COSTA, 2006, 2007), à escala média de 500 cabeças, preponderante

Trajetórias tecnológicas como objeto de política de conhecimento para a Amazônia 341


na região, quando se eleva a intensidade (o nível tecnológico) para su-
cessivamente 0,86 e 1,02 cabeça/ha, a rentabilidade cai de 1,1% para
0,8% e, finalmente, para –1,6%. Paradoxalmente, larga proporção dos
estabelecimentos que conformam a trajetória são economicamente efi-
cientes, quando tecnologicamente tradicionais e atrasadas – extensivos
no uso do solo. Seja o conhecimento tácito portado pelos agentes eco-
nômicos dominantes, seja aquele desenvolvido institucionalmente nesse
meio tempo, parecem não ter sido capazes de alterar essa característica
da trajetória. De modo que tal crescimento deverá ter correspondido a
3,2 milhões de ha de áreas degradadas em 2004.
– Tal expansão se faz, por outra parte, tencionando ou superando todas as
demais trajetórias, com exceção da Trajetória Patronal.T3. Observamos
o fenômeno da concorrência entre as trajetórias nas unidades territoriais
do seguinte modo: primeiro, encontramos o VBP de cada trajetória para
cada microrregião, criando as variáveis VBPTrajetória (1...6); depois,
encontramos as correlações de Pearson entre as variáveis “VBPTrajetó-
ria”. Se a correlação entre duas trajetórias é positiva e alta, significa
que elas se desenvolvem nos mesmos espaços de modo sinérgico – ou
complementar. Se a correlação é alta e negativa, significa que elas se
desenvolvem em concorrência, superando uma à outra. Se a correlação
é próxima de zero, significa que são indiferentes. Os resultados estão
na última parte da Tabela 7. Pois bem: verificamos o grau de tensão,
nível de concorrência e superação no caso da Trajetória Patronal.T4:
em relação à Trajetória Patronal.T1 a correlação de Pearson foi igual a
–0,026; em relação à Trajetória Patronal.T2, –0,206; em relação à Traje-
tória Patronal.T5, –0,140 e, por último, em relação à Trajetória Patronal.
T6, –0,104.
– Nessa capacidade de concorrência que a trajetória demonstra, e na força
destrutiva dela derivada, encontram-se os desafios para a produção do
conhecimento (C&T) e toda institucionalidade para o desenvolvimento
na região, situados num espectro que vai da criação (e desenvolvimento
dos mecanismos de internalização) de possibilidades técnicas eficientes
para o uso permanente dos recursos naturais no longo prazo (o que ar-
refeceria a força de curto prazo), até a formação de técnicas eficientes
para corrigir os danos, internalizando à trajetória etapas de reutilização
das áreas já degradadas.
ƒ Trajetória Patronal.T5 = Patronal.C2 (J Permanentes + AviculturaI).
Representa a Combinação Patronal.C2, baseada em cultura permanentes
e avicultura.

342 Trajetórias tecnológicas como objeto de política de conhecimento para a Amazônia


– A avicultura se realiza na região como momento de uma trajetória
de maior abrangência, em relação à qual as especificidades regionais
apresentam pouca interveniência – os problemas das plantas de pro-
dução não se distinguem muito dos de plantas industriais que aqui se
instalam.
– Quanto às culturas permanentes, há questões particulares à sua implan-
tação na região que, criando problemas particulares a exigir soluções
próprias, configuram trajetória autônoma. Na perspectiva patronal, a
implantação de tipo de cultura tem assumido na Amazônia característi-
cas de plantation – grande extensão de plantio homogêneo. O resultado
é uma recorrente inconsistência em termos de lucratividade – que nossa
análise aqui também detectou – comprometendo a capacidade de ex-
pansão e afirmação da trajetória.
– Em 1995 eram 4.444 estabelecimentos produzindo 4% do VBP rural
da região. Ocupando 29,2 mil trabalhadores equivalentes, dispunha de
uma área total de 2,1 milhões de ha, dos quais utilizava 755 mil deles.
– Com produtividade monetária por trabalhador, equivalente à trajetória
anteriormente discutida, apresenta uma rentabilidade por área 2,5 ve-
zes maior e, com 71,9 ha/trabalhador, a menor relação terra/trabalho
de todas as trajetórias patronais. Um resultado disso é que a ela se asso-
cia 36 mil ha de áreas degradadas, um valor relativamente baixo.
– A trajetória vem apresentando taxa de crescimento de 11% a.a., a par do
maior Índice de Densidade Institucional (IDI) no setor rural da região.
Ademais, tem apresentado um crescimento claramente compatível com
a Trajetória Patronal.T1 (Correlação de Pearson de 0,133), Trajetória
Patronal.T2 (0,270), sendo relativamente indiferente em relação à Tra-
jetória Patronal.T5 (0,092).
– De modo que sua inconsistência em termos de rentabilidade, podendo
se constituir em barreira para sua evolução – uma alternativa bem mais
defensável do ponto da sustentabilidade ecológica que a Trajetória Patro-
nal.T4 antes discutida –, se coloca como um desafia à C&T e toda a ins-
titucionalidade para o desenvolvimento. Trata-se de superar problemas
gerais do paradigma da agricultura homogênea e de grande escala na
Amazônia. A agricultura em geral, mas, sobretudo a agricultura de gran-
de escala tem evoluído na região sob o peso de dificuldades de ordem
técnica: são os transtornos que sofrem os sistemas agronômicos intensi-
vos, de composição botânica homogênea, como resultado da fortíssima
pressão da biodiversidade amazônica que, favorecida pelo clima quente
e úmido, se manifesta ou em um sem número de fungos e bactérias que
elevam a probabilidade de predação das variedades agrícolas, ou em um

Trajetórias tecnológicas como objeto de política de conhecimento para a Amazônia 343


sem número de plantas invasoras cuja concorrência limita o desenvol-
vimento dessas variedades. Ademais, a elevada pluviometria acelera a
lixiviação do solo tanto em relação aos nutrientes naturais quanto aos
insumos químicos provindos da indústria. Tais determinantes reduzem
os ciclos de vida das culturas, a vida útil dos elementos de capital físico
e a resiliência produtiva do capital natural, encarecendo relativamente
ou, mesmo, impossibilitando certos sistemas produtivos na razão direta
da sua frequência e extensão. A exigente tarefa de contrariar tais ten-
dências constituiria a agenda da C&T para essa trajetória.
ƒ A Patronal.T6 = Patronal.C3 (J Silvicultura I). Representa a combina-
ção Patronal.C3, especializada em silvicultura.
– São apenas três estabelecimentos que em 1995 atuavam nessa alterna-
tiva tecnológica, produzindo 2% do VBP rural da região, ocupando 2,4
mil pessoas numa área de 1,2 milhão de ha, dos quais 137,4 plantadas.
– A produtividade monetária por trabalhador é mais que cinco vezes a das
demais trajetórias patronais e por área é relativamente baixa, de modo
que a relação terra/trabalho é a maior de todas. A participação no esto-
que de áreas degradadas é, por sua vez, zero.
– A taxa de crescimento tem sido também de 11% ao ano. Diferentemente
das plantations das culturas permanentes, as da silvicultura são consis-
tentes, apresentando, como já se viu mais de uma vez, classe de atribu-
tos G1.
– O principal desafio para a institucionalidade para o desenvolvimento,
onde se inclui a produção de conhecimento (C&T), é o de conectar essa
trajetória com a Trajetória Patronal.T1, acima discutida, tornando-a uma
sucessão factível e de baixo risco. Desafio relevante, considerando que
se trata da trajetória de mais baixo Índice de Densidade Institucional de
todas protagonizadas por estruturas da produção patronal.
ƒ Trajetória Camponês.T1 = Camponês. [C3 J C1 (J CultPerm + Lei-
teI)]. Liderada pela Combinação Camponês.C1, a qual se constitui pon-
to de chegada da Combinação Camponês.C3. Na Combinação Camponês.
C1, para onde converge a Combinação Camponês.C3, funciona como
atrator (centro de convergência) as culturas permanentes e a pecuária
de leite, ambos as atividades com a consistência que a classe de atributo
G1 permite derivar.
– Baseada nesses fundamentos, com uma taxa de investimento de 7% da
renda líquida em 1995, a trajetória logrou se expandir a 11% a.a. até
2004, passando sua participação relativa no VBP rural da região de 29%
para 31%.

344 Trajetórias tecnológicas como objeto de política de conhecimento para a Amazônia


– Em processos produtivos organizados por 171.292 estabelecimentos, a
trajetória absorveu próximo de 50% de todos os investimentos feitos
em culturas permanentes na região – confirmando sua característica de
fixidez espacial, a trajetória deságua em espaços dados – e 18% da aqui-
sição de animais.
– Por outro lado, controlando 9,3 milhões de hectares dos quais utiliza
pouco mais que 1/3, os estabelecimentos que protagonizam essa traje-
tória mobilizam uma força de trabalho de 723 mil trabalhadores equi-
valentes: uma produtividade monetária de R$2.509,45 por trabalhador,
produtividade por área de R$104,48/ha e uma relação terra/trabalho
de 12,9 ha.
– A trajetória explica 10% das áreas degradadas acumuladas em 1995:
228 mil ha. Uma característica fundamental da trajetória é a de que
produz uma intensificação dos processos produtivos por especialização
parcial dos sistemas, que, todavia, mantêm um alto grau de complexida-
de. Isso é importante numa perspectiva de sustentabilidade e constitui
desafio de grande envergadura para as instituições voltadas ao desen-
volvimento: para as instituições de C&T, que sejam capazes de produzir
conhecimentos ajustados às necessidades tecnológicas de sistemas agro-
nômicos complexos, fora dos padrões das simplificações da agricultura
altamente especializadas, e para as organizações de fomento, as quais
têm de ajustar seus mecanismos de política a uma clientela difusa e
heterogênea, em lugar do tipo de clientela com a qual tem mantido
relações preferenciais. Sublinhe-se que tais conhecimentos são funda-
mentais para elevar a capacidade de concorrência da trajetória, que se
mostrou notavelmente contestável na relação com a Trajetória Campo-
nês.T3 (a trajetória camponesa extensiva), em relação à qual a correla-
ção de Pearson foi de –0,231; mostrou-se também vulnerável, embora
fracamente, à Trajetória Camponês.T4 (correlação de –0,026).
– Ademais, há desafios institucionais também importantes em dois tipos
de ajustamentos que se produzem como parte da trajetória: a mon-
tante, ajustamentos para tornar mais eficiente a passagem dos estabe-
lecimentos que atuam pela Combinação Camponês.C3, à Combinação
Camponês.C1; e a jusante, no ajustamento das relações crescentes que
se estabelecem com a indústria e com mercados amplos, nacionais e
internacionais.
ƒ Trajetória Camponês.T2 = Camponês. [C4 J C2 (J ExtratNãoMad +
Agri + Silv. I)]. Liderada pela Combinação Camponês.C2, ponto de che-
gada da Combinação Camponês.C4, esta trajetória se faz tendo como
base o extrativismo não madeireiro em combinação com agricultura di-

Trajetórias tecnológicas como objeto de política de conhecimento para a Amazônia 345


versa: cujos resultados são sistemas agroflorestais. Seria expressão de
um paradigma – nos quais os processos produtivos pressupõem, em al-
gum nível, a preservação da natureza originária.
– Seguem essa trajetória 130.593 estabelecimentos camponeses na região
Norte que controlam 3 milhões/ha – dos quais apenas 1/5 aplicado em
uso agropecuário – e ocupam 502 mil pessoas.
– A produtividade monetária por trabalhador é a menor de todas as traje-
tórias protagonizadas por camponeses, mas a produtividade por área é
a maior de todas – posto que a relação terra/trabalho é de apenas 5,99
há/trabalhador.
– Produzindo 18% do VBP do setor rural da região Norte, explica meros
3% da área degradada; tendo seus principais grupos de produtos atri-
buto G2 (consistência na rentabilidade privada e relevância social, sem
constituir lócus ou fundamento de investimento), apresenta uma taxa
de crescimento de 9% a.a. entre 1995 e 2004, não obstante sua taxa de
investimento em 1995 ser de meros 3%.
– Não obstante, seus investimentos explicam 39% de todos os investimen-
tos em silvicultura, e 16% em culturas permanentes na região. Essa tra-
jetória, seria objeto óbvio de uma atuação revolucionária da C&T, se pre-
valece uma abordagem de desenvolvimento da região como Fronteira
do Capital Natural.
– O Índice de Densidade Institucional é o menor de todas as trajetórias:
0,38. Todavia, crescem as necessidades, a partir de um conjunto de in-
dústrias (polpa de frutas, cosmética etc.) que tendem a aumentar em
significado.
– As instituições de C&T tenderão correspondentemente a receber deman-
das provindas daí e as possibilidades de cooperação podem crescer, nessa
interface. Resolver os problemas tecnológicos da trajetória da produção
rural, a partir da perspectiva da indústria, pode ampliar a assimetria na
relação agricultura-indústria e repartir de modo desigual os resultados,
o que deverá ser antecipado e monitorado por pesquisas patrocinadas
pelas ciências da sociedade.
– A Trajetória apresenta o enorme desafio de exigir um conhecimento
ecológico orientado à produção complexa, a agroecologia – ramo ainda
pouco representativo na formação do profissional de C&T em geral e da
P&D agropecuária em particular. O progresso nessa área é imprescindí-
vel para aumentar a capacidade de concorrência da trajetória, hoje for-
temente contestada na concorrência com as trajetórias Trajetória Cam-
ponesa.T3 (correlação de Pearson de –0,209) e Trajetória Camponesa.T4
(–0,206).

346 Trajetórias tecnológicas como objeto de política de conhecimento para a Amazônia


Tabela 7 – Características das trajetórias tecnológicas prevalecentes no setor rural da região Norte
Trajetórias
Total (R$ 1.000)
Trajetórias / Características Camponês Patronal
T1 T2 T3 T4 T5 T6 1995 2004
Número de Estabelecimentos 171.292 130.593 109.405 27.831 4.444 3 443.568 952.515
Camponês.C1 1.521.615 - - - - - 1.521.615 3.587.285
Camponês.C2 - 634.457 - - - - 634.457 1.405.915
Camponês.C3 292.826 - - - - - 292.826 532.802
Camponês.C4 - 453.377 - - - - 453.377 938.544
Camponês.C5 - - 1.139.178 - - - 1.139.178 2.196.232
Combinações C
Patronal.C1 - - - 1.071.027 - - 1.071.027 2.260.088
Patronal.C2 - - - - 277.534 - 277.534 707.286
Patronal.C3 - - - - - 115.333 115.333 297.161
Patronal.C4 - - - 365.745 - - 365.745 731.234
Patronal.C5 - - - 310.176 - - 310.176 550.483
Valor Bruto da Produção
29% 18% 18% 28% 4% 2% 6.181.269 (100%) 13.207.030
VBP (R$ 1.000)
Relativo em 2004 31% 18% 17% 27% 5% 2% 100%
Pessoal Ocupado (TrbEq) 38,6% 26,8% 23,3% 9,6% 1,6% 0,1% 1.873.234 (100%) 4.025.786
Dispo-nibilidade de Área Total (Ha) 16,7% 5,4% 12,2% 59,7% 3,8% 2,2% 55.774.533 (100%)
fatores Área da Agropecuária 26.611.920
12,7% 2,6% 12,3% 69,1% 2,8% 0,5% 55.080.244
(Ha) (100%)

Trajetórias tecnológicas como objeto de política de conhecimento para a Amazônia


Por Trabalhador (R$/
2.509,45 2.165,35 2.615,07 9.673,40 9.498,42 48.499,93 3.299,78 3.280,61
TrbEq)
Produtividade
Por Área da Agropecuá-
194,48 361,48 167,33 52,48 132,14 92,93 110,83 114,03
ria (R$/Há)
Relação Terra/Tra-
12,90 5,99 15,63 184,31 71,88 521,89 29,77 28,77
balhador (Ha/TrbEq)

347
Trajetórias

348
Total (R$ 1.000)
Trajetórias / Características Camponês Patronal
T1 T2 T3 T4 T5 T6 1995 2004
Terras (R$ 1.000) 14% 3% 9% 73% 2% 0% 163.281 (100%)
Animais (R$ 1.000) 18% 3% 13% 63% 2% 0% 530.723 (100%)
Máquinas (R$ 1.000) 11% 3% 7% 55% 14% 10% 59.993 (100%)
Plantio de Permanentes
49% 16% 11% 18% 6% 0% 52.792 (100%)
Investimentos (R$ 1.000)
Plantio de Silvicultura
7% 39% 4% 30% 2% 18% 12.626 (100%)
(R$ 1.000)
Outros (R$ 1.000) 27% 5% 14% 48% 6% 0% 424.104 (100%)
Total (R$ 1.000) 21% 5% 13% 57% 4% 1% 1.243.519 (100%)
Taxa de investimento (% da renda líquida) 7% 3% 7% 36% 19% 8% 12%
Área degradada associada à produção (terras
10% 3% 14% 71% 2% 0% 2.281.531 (100%) 4.621.296
produtivas não utilizadas)
Índice de Densidade Institucional (IDI) 0,73 0,38 0,67 1,63 2,67 0,83
T1 1,000 -0,060 -0,231 -0,026 0,133 -0,059
Camponesas T2 1,000 -0,209 -0,206 0,270 0,042
Concorrência entre T3 1,000 0,126 -0,203 -0,123
as Trajetórias (corre-
lações de Pearson) T4 1,000 -0,140 -0,104
Patronais T5 1,000 0,092
T6 1,000
Fonte: IBGE – Censo Agropecuário 1995-1996; levantamentos anuais de produção agrícola; processamentos especiais do autor.

Trajetórias tecnológicas como objeto de política de conhecimento para a Amazônia


ƒ A Trajetória Camponês.T3 = Camponês. [C5 (J PecCorte I) J C5...].
Representa a Combinação Camponês.C5, combinação organizada por es-
tabelecimentos camponeses na qual a pecuária de corte desempenha
papel fundamental.
– A trajetória representava 18% do VBP em 1995, perdendo um ponto
percentual de expressão ao longo dos 10 anos seguintes.
– Protagonizada por 109 mil estabelecimentos que detinham quase 7 mi-
lhões/ha, suas relações técnicas são as mais extensivas no que tange à
terra e menos rentáveis no que tange ao trabalho de todas as trajetórias
camponesas: rendimento por trabalhador de R$2.615,07, por unidade
de área de R$167,33 e relação terra/trabalho de 15,6 ha/trabalhador.
– Por seu turno, explicava 12% do estoque das áreas degradadas.
– Os desafios dessa trajetória para a C&T e a institucionalidade para o de-
senvolvimento são similares aos da Trajetória Camponês.T4 – resguarda-
das as características e necessidades dos estabelecimentos camponeses
que protagonizam.

4. Conclusões: sobre trajetórias, paradigmas e


desenvolvimento sustentável
Domina o universo rural do desenvolvimento capitalista um paradigma ou
padrão tecnológico que se afirma pela eficiência demonstrada no controle
tenso da natureza para que corresponda às necessidades industrialistas. As
soluções se sucedem compondo trajetórias tecnológicas que se afirmam,
umas por maximizarem ganhos baseados no uso extensivo da terra e dos
recursos naturais, ali onde a relação de propriedade fundiária o permite;
outras, por maximizarem ganhos baseados no uso intensivo da terra e dos
recursos naturais, lá onde os constrangimentos fundiários a isso levam. No
primeiro caso, prevalecem as soluções mecânicas; no segundo as químicas
e, mais recentemente, as bioquímicas.
Na Amazônia esse paradigma “global” está presente, tanto na esfera da
produção de bens, controlada pelos agentes produtivos mediante seus cri-
térios próprios de decisão, quanto no universo da gestão das políticas públi-
cas, nas quais se destacam aquelas que condicionam a produção e difusão
de conhecimento científico e tecnológico. Mas tal “paradigma agropecu-
ário” se manifesta aqui por “trajetórias particulares”, marcadas por forte
diversidade dos agentes, no que tange à razão decisória e às características
estruturais, e por diversidade de situações, no que se refere aos fundamen-
tos naturais e fundiários de suas existências. Por outra parte, a história
social de muitos desses grupos sociais organizou trajetórias outras que não

Trajetórias tecnológicas como objeto de política de conhecimento para a Amazônia 349


são “agropecuárias”, posto que pressupõem, em nível relevante, a manu-
tenção da natureza originária. Nesse sentido, elas configuram um padrão
tecnológico que poderíamos designar “paradigma extrativista” – porquanto
perspectiva particular do uso social dos recursos e de resolução dos proble-
mas a isso afetos.
Com efeito, localizamos e caracterizamos, com as estatísticas disponí-
veis, elementos de estruturação e dinâmica das grandes trajetórias que re-
alizam tais padrões.
a) No contexto de um Paradigma Agropecuário, em que as soluções tecno-
lógicas supõem transformação profunda da natureza originária (agrope-
cuária) se distinguiram:
1. Trajetória (Patronal.T4) conduzida por agentes patronais, marcada por
“uso extensivo do solo”, homogeneização da paisagem (alto impacto na
biodiversidade) e “formação intensa de dejetos”: na forma de emissões
poluentes (pela queima da floresta na formação de plantações e pasta-
gens) e na forma de áreas degradadas.
2. Trajetória (Patronal.T6) conduzida por agentes patronais, marcada por
“uso extensivo do solo”, com homogeneização da paisagem (alto impac-
to na biodiversidade) e “baixa formação de dejetos”/impacto poluidor.
3. Trajetória (Patronal.T5) conduzida por agentes patronais, marcada por
“uso intensivo do solo”, com homogeneização da paisagem (alto impac-
to na biodiversidade) e baixa formação de dejetos/impacto poluidor.
4. Trajetória (Camponês.T3) conduzida por agentes camponeses, marcada
por “uso extensivo” do solo, homogeneização da paisagem (alto impacto
na biodiversidade) e formação intensa de dejetos: na forma de emissões
poluentes (pela queima da floresta na formação de plantações e pasta-
gens) e na forma de áreas degradadas.
5. Trajetória (Patronal.T1) conduzida por agentes camponeses, marcada
por “uso intensivo do solo”, com sistemas diversificados (baixo impacto
na biodiversidade) e baixa formação de dejetos/impacto poluidor.
b) No contexto de um Paradigma Extrativista, no qual as soluções tecnoló-
gicas supõem integridade da natureza originária, disitinguimos:
1. Trajetória (Camponês.T2) conduzida por agentes camponeses, marcada
por “uso altamente diverso das disponibilidades naturais”, com baixíssi-
mo impacto na biodiversidade e baixíssima formação de dejetos/impac-
to poluidor.
Há um embate entre as trajetórias, expressão do nível de oposição dos
paradigmas que as abrigam. Entre os camponeses, a trajetória “extrativa”
ou “agroflorestal” – a Trajetória Camponês.T2 – se retrai com a expansão das

350 Trajetórias tecnológicas como objeto de política de conhecimento para a Amazônia


trajetórias “agropecuárias”, mais fortemente quando se trata da Trajetória
Campnês.T3 e fracamente quando se trata do Trajetória Campnês.T1. Ela se
retrai, igualmente, quando se expande a Trajetória Patronal.T4.
Por sua vez, a trajetória “agropecuária” camponesa intensiva e diversa –
Trajetória Camponês.T1 – se retrai quando expande a camponesa (Trajetória
Camponês.T3, correlação -0,231) ou a patronal (Trajetória Camponês.T4,
correlação -0,026) extensivas e predatórias.
Estabelecido que os desfechos desses confrontos dependem das eficiên-
cias relativas das trajetórias em atender necessidades sociais imbricadas na
divisão social do trabalho de que, mediadas pelos mercados, fazem parte,
e necessidades privadas expressas em compensações que garantem a re-
produção social ascendente dos que as operam, opções estratégicas que
favoreçam um desenvolvimento com maior esperança de sustentabilidade
(social e ambiental) exigiriam esforços institucionais objetivos para tornar
mais consistentes os fundamentos principalmente da Trajetória Camponesa.
T1 e da Trajetória Camponesa.T2, mas também das trajetórias Trajetória
Patronal.T5 e Trajetória Patronal.T6, de modo a habilitá-las na concorrên-
cia com a Trajetória Camponesa.T3 e a Trajetória Patronal.T4. Na validação
desse princípio estratégico residiria uma revolução institucional capaz de
arregimentar os saberes tácitos e laboratoriais necessários a uma fronteira
do capital natural e humano, por suposto. Reviravolta nada fácil, posto que
representaria inverter as disposições reinantes, como indicado – subverter
a ordem de grandeza dos Índices de Densidade Institucional que demons-
tramos.
Um último ponto deve ser lembrado. A análise conduzida, por se basear
em pesquisa estrutural de 10 anos atrás e proceder a atualizações com os
indexadores oficiais até 2004, não trata de fenômenos recentes de grande
interesse, como a projeção sobre a Amazônia de duas trajetórias exogena-
mente estabelecidas e as iniciativas institucionais que vêm criando alterna-
tivas a serem consideradas. No primeiro caso, refiro-me à expansão, sobre
áreas da região, do pacote para soja da trajetória mecânico-química vigente
em plano mundial, tal como se adaptou a outras áreas do Brasil, e as téc-
nicas de exploração florestal manejada, para o que se vem estabelecendo
os arranjos institucionais necessários, dentre os quais se destaca o grande
esforço no sentido do manejo de biomassa para uma combinação de produ-
tos extrativistas (madeira, não madeireira, e resíduos energéticos), numa
ótica bioenergética que começa a receber maior atenção para uma políti-
ca de desenvolvimento tecnológico. Trata-se do estabelecimento de novos
marcos para os dois paradigmas já tratados: um aprofunda a transforma-
ção dos fundamentos naturais na agricultura reduzindo-os, em níveis sem
precedentes na região, a relações edafo-climáticas intensivamente manejá-

Trajetórias tecnológicas como objeto de política de conhecimento para a Amazônia 351


veis; o outro se apresenta como oportunidade de transformar a exploração
madeireira na região de extrativismo de aniquilamento para extrativismo
de coleta (não muito diferente, em seus efeitos quanto a sustentabilidade,
do extrativismo não madeireiro definidor da Trajetória Camponesa.T2). O
significado disso para o futuro da região e suas expectativas de desenvolvi-
mento moderno, porque economicamente consistente, socialmente equili-
brado e ecologicamente sustentável, pode ser muito grande, exigindo, para
seu adequado tratamento, novas pesquisas.

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VIEIRA, I. Aproveitamento da biodiversidade com ênfase para oportunidades de uso a
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WILLIAMSON, O. The economic institutions of capitalism. New York: Free Press,
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354 Trajetórias tecnológicas como objeto de política de conhecimento para a Amazônia


Federalismo fiscal: os efeitos dos fundos de
participação dos estados (FPE) e dos municípios
(FPM) na distribuição da renda inter-regional e
interpessoal no Nordeste brasileiro

Marcelo Callado

1. Introdução
Embora figure entre as 15 maiores economias do planeta, o Brasil se des-
taca em diversos estudos comparativos internacionais como possuidor de
uma das piores estruturas de distribuição de renda do mundo. Esse fenôme-
no tem persistido até mesmo após o fim do longo período de alta inflação
das décadas de 1980 e 1990. O Brasil apresenta uma distribuição de renda
pior que 90% dos 120 países para os quais há dados sobre a distribuição
de renda (RAMOS; MENDONÇA, 2005). Por outro lado, a mesma fonte de
dados aponta o Brasil como um País que se coloca entre os 20% de renda
per capita mais elevada.
O fenômeno da existência de renda per capita relativamente elevada
coexistindo com grandes parcelas da população abaixo do nível de pobreza
exige uma explicação. Dado que a população tem uma dotação inicial de
ativos a priori, o resultado final da distribuição de renda dentro da socieda-
de dependerá de como a sociedade atua em torno dessa dotação inicial.
Em um primeiro momento podemos considerar que as políticas públicas
postas em prática pelo Estado são neutras com relação à dotação inicial de
ativos. Assim, membros da sociedade com muitos ativos podem administrá-
los de forma a receber os retornos correspondentes à posse desses ativos.
Caso o Estado tenha políticas públicas que procurem modificar a dota-
ção inicial de ativos da sociedade, os resultados obtidos se dividem em duas
hipóteses.
ƒ Hipótese 1: o Estado pode atuar para melhorar a distribuição de renda
da sociedade, tentando combater a concentração de renda decorrente
de uma dotação inicial desigual.

Federalismo fiscal 355


ƒ Hipótese 2: As políticas públicas podem ser planejadas para propiciar
maior bem-estar aos membros mais abonados da sociedade, concentran-
do ainda mais a renda nas mãos daqueles que já tinham uma dotação
inicial favorável.
Segundo Musgrave e Musgrave (1973) o orçamento público se divide
em três funções básicas: alocação de recursos, distribuição de renda e esta-
bilidade macroeconômica. Cada uma delas pode ser administrada segundo
a busca de objetivos específicos, mas levando sempre em consideração a
possibilidade de conflito com as outras duas funções orçamentárias.
Sendo os objetivos da estabilidade macroeconômica a busca de um taxa
de inflação baixa, pode haver objetivos em comum entre as políticas de dis-
tribuição de renda e de estabilidade macroeconômica. Isso ocorre porque
a inflação tem conseqüências perversas sobre o processo de distribuição de
renda, já que as camadas da população com menor condição de se defender
da desvalorização da moeda costumam ser as camadas menos favorecidas.
Com isso é de se esperar que um processo de desinflação como o que ocor-
reu no Brasil a partir da metade da década de 1990 possa contribuir de
forma significativa para a desconcentração da renda no País.
Em um ambiente federalista o processo de distribuição de renda se tor-
na ainda mais complexo, pois os objetivos de políticas públicas dos entes
federados não necessariamente irão coincidir. Além disso, a função do orça-
mento público responsável pela alocação de recursos costuma ter sua res-
ponsabilidade mais fortemente dividida entre o poder central e as unidades
subnacionais.
Esse artigo está dividido em cinco seções. A Seção 1 irá explorar inicial-
mente os aspectos metodológicos da distribuição de renda, o conceito de
renda absoluta e de renda relativa e os fatores geradores de renda.
A Seção 2 irá abordar o federalismo fiscal; a distribuição de responsabi-
lidades dentro de uma estrutura federalista; como as funções do orçamento
público são alocadas em uma estrutura federalista; e como essas funções aju-
dam ou dificultam o processo de distribuição de renda.
A Seção 3 desse artigo procurará montar um modelo formal com dados
sobre distribuição de renda. Esse modelo procurará estimar a capacidade
das políticas públicas de influenciar a alocação de recursos no seio da socie-
dade para a obtenção de uma distribuição de renda mais favorável.
A Seção 4 tentará utilizar os dados a respeito da distribuição de renda
para examinar de que forma as políticas públicas, como o Fundo de Partici-
pação dos Estados (FPE) e o Fundo de Paticipação dos Municípios (FPM),

356 Federalismo fiscal


têm contribuído para a evolução da distribuição de renda. Essa seção tam-
bém examinará a contribuição de outros fatores.
Na Seção 5 serão feitas as considerações finais desse artigo. A partir
dessas considerações serão feitas recomendações de políticas para que a
atuação do Estado contribua de forma mais efetiva para a distribuição de
renda.

2. Metodologia
O conceito de renda que se utiliza para verificar a divergência da renda
entre indivíduos ou regiões é a renda familiar per capita. A utilização da
família como o parâmetro para se medir a renda per capita foi feita devido
às grandes diferenças no potencial de captação de renda dentro de uma
família. Crianças, assim como idosos e pessoas com condições de saúde
especiais tendem a ter pouco ou nenhuma renda. A utilização da renda per
capita individual incluindo a renda desses grupos distorceria significativa-
mente o conceito de desigualdade de renda.
A partir do conceito de renda per capita parte-se para as medidas de de-
sigualdade de renda. Para isso é necessário explorar as medidas de média
e de dispersão em torno dessa média. A renda per capita é uma medida de
média aritmética das rendas das famílias das regiões a serem estudadas. A
medida de dispersão usada comumente para medir a distribuição da renda
per capita é o índice de Gini (ou Coeficiente de Gini). O Coeficiente do Índi-
ce de Gini é calculado a partir da Curva de Lorenz (ver figura abaixo), que
representa a freqüência da renda acumulada pelas parcelas da população,
começando pelas parcelas mais pobres até as parcelas mais ricas. A área da
figura representada pela área A será tanto maior quanto mais desigual for
à distribuição de renda. Uma renda distribuída igualmente entre todos os
indivíduos teria a área A igual a zero. O Coeficiente de Gini é dado por:
Coeficiente de Gini = A/(A+B)
onde, 0 ≤ A ≤ 1 e 0 ≤ B ≤ 1.
Duas distribuições de renda iguais podem mascarar situações de bem-
estar bem diferentes. O conceito de pobreza serve para diferenciar ambas
as situações. Isso ocorre porque em uma primeira situação pode-se ter a
maior parte da população em péssimas condições de bem-estar, ainda que a
sua distribuição de renda se iguale a outra população onde não há pessoas
pobres.

Federalismo fiscal 357


Figura 1 – Curva de Lorenz

Fonte: Ramos e Mendonça (2005).

O conceito de pobreza feito por uma demarcação de uma linha de bem-


estar mínimo abaixo da qual os indivíduos serão considerados pobres. Pobre-
za diz respeito a uma noção absoluta de renda. Enquanto que o Coeficiente
de Gini procurará demarcar a noção relativa de renda.

2.1. Eficiência e Equidade


Os conceitos de “renda relativa” (medido pelo Coeficiente de Gini) e “renda
absoluta” (medido pelo conceito de Pobreza) representam para a função
de bem-estar um embate entre as noções de eficiência e equidade. Quanto
menor for percentual de pobreza de uma sociedade, mais eficiente pode ser
considerada a função de bem-estar. Quanto menor for o Coeficiente de Gini,
mais eqüitativa será considerada a função de bem-estar.
Ramos e Mendonça (2005) procuram hierarquizar as características ne-
cessárias que uma função de bem-estar precisa satisfazer:
1. A renda precisa ser repartida de modo que a desigualdade de renda final
não seja maior que a da desigualdade da dotação inicial.
2. A “renda absoluta final” não deve ser menor que a “renda absoluta ini-
cial” para nenhum indivíduo.
3. A renda no momento final deve ser dividida de forma que a variação
da renda acumulada, partindo do indivíduo mais pobre em direção ao
indivíduo mais rico, seja sempre maior ou igual a zero.
O conflito entre “eficiência” (exemplificado pelo aumento da “renda ab-
soluta” – menor quantidade de pobres) e a “equidade” (diminuição da “ren-
da relativa” – menor Coeficiente de Gini) pode ocorrer quando a função de
bem-estar aponta uma queda (ou aumento) concomitante tanto da renda
absoluta quanto da renda relativa.

358 Federalismo fiscal


Caso a economia cresça bastante, tirando uma parcela significativa da
população da linha da pobreza, é possível que a renda dos mais pobres
não tenha crescido a uma velocidade tão grande quanto a renda dos mais
ricos. Isso aumentaria a renda relativa, burlando a condições 1 e 3 já cita-
das. Nesse caso, a eficiência econômica foi privilegia da em detrimento da
equidade.
Em uma situação de estagnação econômica, políticas ativas de renda
bem focadas podem transferir recursos para os mais pobres satisfazendo as
condições 1 e 3, mas burlando a condição 2 pois os indivíduos mais ricos
dessa sociedade estariam tendo queda em sua renda absoluta.
Para que as três condições sejam atendidas, portanto, é necessário que
o ambiente macroeconômico conte com uma taxa de crescimento bastante
vigorosa do produto, além da distribuição desse crescimento ser feita de
forma milimétrica, com cada classe social mais baixa tendo um aumento de
renda maior que sua classe imediatamente acima e menor que a sua classe
imediatamente abaixo.

2.2. Fatores geradores da Renda


Em uma economia de mercado, os indivíduos recebem renda de acordo
com a dotação inicial de ativos a sua disposição. A renda pode ser dividida,
portanto, pela posse dos fatores capital, trabalho e recursos naturais. Para
efeito de análise, considera-se que o fator capital engloba tanto capital fí-
sico, quanto capital financeiro e recursos naturais. A posse de Capital gera
como renda lucros, juros e aluguéis, enquanto que a posse do fator trabalho
gera como renda apenas os salários.
Segundo o Ipea (2006) apenas 3% dos adultos da população brasileira
tem renda proveniente de ativos de capital. A principal fonte de renda da
população provém do trabalho e das transferências (tanto públicas quan-
to privadas). A consequência disso é que as políticas públicas de fomento
à educação e à aquisição de habilidades para o trabalho por um lado; e
as transferências de fundos públicos (não apenas pelo lado das despesas,
mas também pelo lado das receitas) por outro lado representam a forma
mais efetiva do Estado de influenciar a distribuição de renda. A criação e
manutenção de um sistema tributário é um ponto crucial no processo de
distribuição de renda (ALÉM e GIAMBIAGI, 2001). No que diz respeito aos
aspectos da eficiência econômica, a aplicação de impostos em determinados
setores e sob a responsabilidade de certos entes da federação pode fomen-
tar ou reprimir a eficiência econômica.

Federalismo fiscal 359


3. Federalismo Fiscal
Entre as três funções do orçamento público citados por Musgrave e Musgra-
ve (1973), a alocação de recursos se submete ao princípio da subsidiarieda-
de, sendo atribuída à responsabilidade das unidades subnacionais, enquan-
to que a estabilidade macroeconômica e a distribuição de renda ficam sob
responsabilidade do governo central.
O fornecimento de bens públicos locais pelos entes subnacionais é de-
fendido em função da existência de assimetrias de informação e da tendên-
cia à uniformização do fornecimento de bens públicos por parte do poder
central (STIGLITZ, 1977). O custo da aquisição de informações com parti-
cularidades locais por parte do governo central tende a ser muito alto. Já os
governos locais têm acesso a essas informações com pouco custo. Assim o
princípio da subsidiariedade prega que a maior quantidade possível de bens
públicos deve ser ofertada pelos governos subnacionais.
A função Alocação de Recursos tem consequências macroeconômicas,
pois a política fiscal tem de ser repartida entre os vários entes federados.
Uma estrutura legal de restrição fiscal rígida (hard budget constraint) no nível
subnacional pode limitar o efeito das políticas fiscais desses entes. No Brasil a
Lei de Responsabilidade Fiscal, que passou a vigorar a partir de 2000, cumpre
essa função para os entes subnacionais.
A estabilidade macroeconômica tende a ser atribuição do governo cen-
tral, pois na maioria das federações há apenas uma única moeda circulando
no espaço nacional, o que exige uma política monetária única. Além disso,
as políticas externas, comercial e cambial também costumam ficar a cargo
exclusivamente do governo central.
A política de Distribuição de Renda pode ser praticada tanto pelo go-
verno central quanto pelos entes subnacionais. Entretanto a literatura a
respeito do federalismo fiscal recomenda que os governos centrais se apos-
sem da exclusividade dessas políticas (OATES, 1977). Em uma Federação
as fronteiras subnacionais são porosas, pois não há impedimento legal (pelo
menos dos regimes democráticos) de transposição das fronteiras estaduais
por parte dos cidadãos.
Caso uma entidade subnacional (estado ou município) decida praticar
políticas de distribuição de renda para beneficiar os residentes mais pobres
de seu estado, ou localidade, os indivíduos pobres de localidades próxi-
mas terão enormes incentivos a cruzar as fronteiras com os objetivos de se
tornarem beneficiários dessas políticas de rendas. Dessa forma o governo
subnacional não estará distribuindo renda apenas para os seus habitantes,
mas potencialmente para os habitantes de toda a nação, caso os custos de
transação associados à imigração sejam baixos.

360 Federalismo fiscal


Além disso, caso as unidades subnacionais se submetam a um hard bud-
get constraint, o orçamento subnacional destinado à política de distribuição
de renda tenderá a ter pouco ou nenhum efeito sobre a melhoria de renda
das camadas mais pobres da população.

3.1. Distribuição de Renda Interpessoal e Inter-regional


Quando se investiga o problema da desigualdade de renda no Brasil é co-
mum encontrar dois problemas básicos. O primeiro problema, a desigual-
dade da renda interpessoal: há uma diferença grande na posse de ativos, e
consequentemente no retorno desses ativos em forma de Renda. O segundo
problema é quando uma determinada parcela da população tem poucos
ativos; esses ativos apresentam um retorno muito baixo; e, além disso, essa
população e esses ativos se concentram geograficamente em uma determi-
nada região. O segundo problema é mais bem reconhecido quando chama-
do de desigualdade de Renda inter-regional.
O primeiro tipo de desigualdade, a desigualdade de renda interpessoal
é caracterizada por aspectos peculiares como escolaridade, idade, gênero,
experiência, habilidades informais e etnia, entre outras características pes-
soais (SEN, 1999). Há pouco a ser feito a respeito de desigualdades de
renda devido a fatores como gênero, etnia ou idade, a não ser a imposi-
ção de políticas antidiscriminação ativas. Na literatura, políticas públicas
de valorização dos trabalhadores, como a política de salário-mínimo, têm
influência negativa sobre a discriminação por gênero, por idade e por etnia,
tornando mais difícil o emprego e, consequentemente, a obtenção de renda
por parte de pessoas com características consideradas desfavorecidas pela
sociedade com respeito ao gênero (mulheres), à idade (crianças e idosos) e
à etnia (minorias étnicas).
As políticas públicas podem atuar de forma mais efetiva quando o dife-
rencial de renda ocorre em função dos outros fatores. Quando o diferencial
de escolaridade explica parte significativa da desigualdade de renda, o mer-
cado de trabalho se encarregará de valorizar monetariamente os mais bem
escolarizados, gerando incentivos ao estudo e à aquisição de habilidades.
Ao financiar e fomentar escolas, centros de formação técnica e universida-
des, o Estado está diminuindo os custos pessoais de aquisição de conheci-
mentos e de habilidades formais, aumentando assim o retorno pessoal ao
engajamento nos estudos.
Já os incentivos à experiência e às habilidades informais são mais difí-
ceis e fomentar por parte das políticas públicas. A identificação na infância
de uma habilidade informal (aptidão) pode ajudar a direcionar o indivíduo

Federalismo fiscal 361


a uma formação educacional diferenciada. O fato das políticas de educação
serem universalistas limita a capacidade das escolas, centros de formação e
universidades de montarem currículos e cursos para as habilidade e talen-
tos particulares de determinados indivíduos. Já a variável experiência cos-
tuma ser um fator de aumento da desigualdade de renda, pois é fortemente
correlacionado com a idade do indivíduo. Assim como a aptidão, a expe-
riência é extremamente recompensada no mercado de trabalho e costuma
aumentar, ao invés de diminuir a desigualdade de renda (IPEA, 2006).
A desigualdade de renda inter-regional costuma ocorrer devido a fatores
como ausência ou altos custos de mobilidade de capital e de trabalho (custos
de transação). A literatura a respeito da economia regional costuma enfatizar
o aspecto da concentração espacial da produção (KRUGMAN, 1991). Quando
boa parte da produção fica concentrada em um limite espacial bastante res-
trito, os habitantes desse espaço geográfico podem ter uma renda muito su-
perior aos habitantes de outras regiões. A concentração espacial da produção
(também chamada de desigualdade da renda absoluta) é um problema que
pode ser resolvido quando as políticas públicas diminuem os custos de tran-
sações e consequentemente capital e trabalho puderem circular livremente a
um custo bastante baixo. Enquanto os custos de transação não caírem à zero,
algum tipo de diferença de renda permanecerá. Mas essa diferença pode cair
a um valor muito pequeno, sendo, portanto, negligenciável.
Caso ocorra a concentração espacial em torno de distritos industriais,
com as características Mashallianas de Economias de Escala, de Escopo e
de Aglomeração, pode-se supor como permanente um diferencial de renda
entre essa e outras regiões.
A migração de trabalhadores ocorrerá até que apareçam as desecono-
mias de aglomeração, como poluição, engarrafamentos, sobrevalorização
de terrenos e aluguéis e outras manifestações de congestionamento da ofer-
ta de bens públicos. Assim pode haver diferencial de renda permanente,
sem que haja divergência de bem-estar individual, pois os trabalhadores
dessa região terão despesas substanciais com bens não transacionáveis
como aluguéis, planos de saúde e escolas, sendo esses bens muito mais
baratos em outras regiões.
Em uma estrutura federativa, os custos de mobilidade para capital e
trabalho são significativamente menores que os custos de transação entre
fronteiras internacionais. Assim, o fator trabalho bem qualificado em de-
terminada região pode migrar para outras regiões levando ao fenômeno da
convergência das rendas regionais.
Outro aspecto que pode gerar diferenças regionais de renda é o dife-
rencial de infraestrutura das regiões. A existência de estradas, portos, ae-

362 Federalismo fiscal


roportos, ferrovias, escolas, universidades e centros de pesquisas podem
aumentar o retorno propiciado pelo trabalho em uma determinada região.
A dotação inicial de infraestrutura maior em uma região aumenta o salário
real dessa região para que se iguale a uma maior produtividade marginal
do trabalho (MANKIW, 1995). O processo de equalização das rendas per
capita das regiões ocorreria via processo de migração dos trabalhadores das
regiões mais pobres na direção das regiões mais ricas (PESSÔA, 2002).
Uma região menos populosa e de renda menor teria menos recursos
para financiar os bens públicos locais, entretanto devido a uma população
menor a demanda por esses bens também seria menor, aliviando o setor
público local de grandes investimentos. Embora a renda absoluta pudesse
ser menor, não haveria razão para a renda per capita se mostrar diferente
da renda da outra região.
Caso os custos de transação da imigração sejam altos, haverá demora
no processo de convergência das rendas regionais, mas isso não implica
a hipótese de divergência das rendas. Pessôa (2002) defende que a única
possibilidade das rendas diferirem permanentemente seria no caso em que
haja divergência das características individuais de produtividade dos traba-
lhadores das diferentes regiões.
Assim o problema da desigualdade de renda interpessoal se confundiria
com a desigualdade de renda inter-regional. Ou seja, uma região tem uma
renda menor porque a população daquela região tem poucos ativos. Posto
de outra forma, como a principal fonte de renda da maioria das famílias
costuma ser a renda do trabalho, os trabalhadores daquela região são pou-
co produtivos, auferindo assim uma renda per capita baixa. A migração
como solução do problema explicita as características do indivíduo como
resposta para a questão da distribuição de renda e não da região.
Essa hipótese estaria correta caso a maior parte do diferencial de renda
entre as regiões seja explicado pelo diferencial de produtividade do trabalha-
dor, ou uma característica que justifique as sua produtividade como a esco-
laridade. A questão deixa de ser um problema interpessoal e passa a ser um
problema inter-regional caso trabalhadores com escolaridades, ou produtivi-
dades, semelhantes, tenham rendas muito diferentes nas duas regiões.

3.2. Aspectos Políticos e Sociais da Concentração Espacial da


Produção
A preocupação de Celso Furtado ao analisar a concentração da capacidade
produtiva da indústria no Centro-Sul do Brasil parecia derivar de problemas
sociais decorrentes da esfera econômica (PESSÔA, 2002):

Federalismo fiscal 363


Caso se demonstre que a solução é inviável (a industrializa-
ção), não restaria ao Nordeste senão a alternativa entre des-
povoar-se ou permanecer como região de baixíssimo nível de
renda.

Caso os custos de transação para a imigração fossem muito altos, parce-


la significativa da população não seria capaz de se deslocar para as regiões
de salários reais mais altos, perpetuando a desigualdade de renda inter-
regional.
Caso os custos de transação fossem baixos e a imigração fosse possível
para vastas parcelas da população, a ideia de um deserto populacional em
uma estrutura federativa não era vista como desejável. Isso decorre do fato
do enfraquecimento do equilíbrio federativo decorrente da concentração
espacial da produção (AMARAL FILHO, 2001).
Federações quase sempre têm parlamento bicameral, nos quais a câmara
baixa representa a população e a câmara alta representa a federação. Quan-
do vários entes federados são considerados desertos populacionais, a repre-
sentatividade da câmara alta passa a ser questionada, ferindo o equilíbrio
federativo ao tornar os votos dos estados mais populosos centrais para a
tomada de decisão, enquanto que os votos dos menores entes da federação
tendem a ser ignorados (ABRUCIO, 2001). As grandes unidades subnacio-
nais passam a ter o poder de veto de fato, ainda que não de direito.
Uma forma de contornar esse problema poderia ser o aumento da qua-
lificação dos trabalhadores, pela via da educação e do treinamento da po-
pulação nordestina acima da média nacional. Ao vivenciar os fortes fluxos
migratórios do Nordeste em direção ao Centro-Sul do País, Celso Furtado
não parecia crer na possibilidade do aumento da mobilidade do capital e na
eventualidade das indústrias se tornarem mais móveis que os trabalhadores
qualificados.
Caso a indústria passasse a se deslocar em busca de trabalhadores, como
se começou a constatar na década de 1990 em virtude da chamada “guerra
fiscal”, seria importante descobrir como isso afetaria a distribuição de renda
inter-regional. Um bom indicador seria investigar a distribuição de renda
interpessoal dentro de uma região. Se o fenômeno da concentração de ren-
da existe em um ente federado, não há razão para crer que o deslocamento
do capital para outra região iria melhorar a distribuição de renda de uma,
ou de ambas as regiões.
Caso a atribuição do processo de distribuição de renda fique sob respon-
sabilidade do governo central e seja perseguido via políticas que afetem o
indivíduo (e não a região), os indivíduos mais pobres, onde quer que eles

364 Federalismo fiscal


estejam, seriam os principais beneficiários de uma política de distribuição
de renda focada nos mais pobres.
Se as regiões mais pobres são menos desenvolvidas em virtude de pos-
suírem volumosas quantidades de indivíduos pobres, essas políticas foca-
das nos indivíduos pobres também as beneficiariam diretamente, pois mais
cidadãos sob sua jurisdição seriam beneficiados que cidadãos em outras
unidades subnacionais.
Uma política de distribuição de renda focada nas regiões (como expli-
citado pela fórmula de distribuição de recursos do Fundo de Participação
dos Estados – FPE) pode desviar recursos que iriam para indivíduos pobres
(morem esses indivíduos em regiões ricas ou pobres) e beneficiar exclusi-
vamente indivíduos ricos que morem em regiões pobres. Mas, uma política
focada em indivíduos pobres, os mesmos serão beneficiados independente-
mente do local onde morem. Este segundo tipo de política de distribuição
de renda garante necessariamente a prática de uma distribuição inter-regio-
nal da renda porque nas regiões menos desenvolvidas há uma quantidade
maior de indivíduos pobres.

4. Modelo e dados de distribuição de renda


A utilização do Fundo de Participação dos Estados (FPE) e do Fundo de
Participação dos Municípios (FPM) na tentativa de diminuir a diferença de
renda inter-regional pode ser pensada de acordo com as equações194 (1) e
(2) a seguir (WOOLDRIDGE, 2007):

Gi = α + β1 FPE1i + β2 FPM2i + β3 ESC3i + β4 PIBpc4i + β5 POB5i + εi (1)

POBi = α + β1 FPE1i + β2 FPM2i + β3 ESC3i + β4 PIBpc4i + β5 G5i + εi (2)

Alternativamente, uma equação adicional será utilizada para ver a con-


tribuição de cada um desses componentes para o crescimento econômico
de cada estado (SALA-I-MARTIN, 2002). A equação (3) demonstra como
isso será feito:

PIBpci = α + β1 FPE1i + β2 FPM2i + β3 ESC3i + β4 POBpc4i + β5 G5i + εi (3)

194. O modelo foi logaritmizado não só para suavizar o impacto de uma observação extrema
em alguma variável num determinado ano, como também para que a estatística R2 e os coefi-
cientes forneçam as elasticidades com relação à variável dependente.

Federalismo fiscal 365


onde:
G representa o Índice de Coeficiente de Gini;
FPE1i representa as transferências provenientes do Fundo de Participação
dos Estados (FPE);
FPM2i representa as transferências provenientes do Fundo de Participação
dos Municípios (FPM);
ESC4i representa a escolaridade média do estado;
PIBpc5i representa o produto per capita dos estados;
POB6i representa a parcela da população abaixo da linha de pobreza do
estado;
α é q constante da regressão;
βi são os coeficientes das variáveis;
εi representa o erro da regressão.

4.1. Especificação das Variáveis


PIBpc: Logarítimo do Produto Interno Bruto dos estados desinflacionado e
dividido pela população para os anos 1985 a 2000, obtido na base de dados
do IBGE/SNC e IBGE/PNAD.
ƒ Índice de Gini: Logarítimo do Índice de Coeficiente de Gini dos estados
para os anos 1985 a 2000, obtido na base de dados do IBGE/SNC e
IBGE/PNAD.195
ƒ Pobreza: Logarítimo da parcela da população estadual abaixo da linha
de pobreza para os anos 1985 a 2000, obtido na base de dados do IBGE/
SNC e IBGE/PNAD.
ƒ Escolaridade: Logarítimo da média de anos de escolaridade para a po-
pulação acima de 25 anos durante os anos 1985 a 2000, obtido na base
de dados do IBGE/SNC e IBGE/PNAD.
ƒ FPE: Logarítimo dos repasses constitucionais aos estados provenientes
do Fundo de Participação dos Estados (FPE) desinflacionados e dividi-
dos pela população para os anos 1985 a 2000, obtido na base de dados
do IBGE/SNC e IBGE/PNAD.
ƒ FPM: Logarítimo dos repasses constitucionais aos municípios agregados
por Estado da federação provenientes do Fundo de Participação dos Mu-

195. Foi utilizado um Lag para a variável Índice de Gini. Dessa forma os dados de um deter-
minado ano são relacionados com o Coeficiente de Gini do ano anterior. O objetivo desse Lag
é eliminar a possibilidade de efeitos de multicolinearidade do Índice de Gini com relação as
demais variáveis dependentes.

366 Federalismo fiscal


nicípios (FPM) desinflacionados e divididos pela população para os anos
1985 a 2000, obtido na base de dados do IBGE/SNC e IBGE/PNAD.

5. Resultados da Análise Empírica


Na primeira série de regressões expostas na Tabela 1, quando a variável
dependente é o Coeficiente de Gini (G), a variável PIBpc não é considerada
relevante para um nível de significância de 90% em duas regressões. Na
única regressão em que a variável é significante (para um nível de signifi-
cância de 95%), o sinal do coeficiente é o esperado, negativo. Isso significa
que um aumento de um ponto percentual do PIB per capita de um estado
diminui a sua desigualdade de renda em aproximadamente 1,2%. O cresci-
mento econômico dos estados tende a ser, portanto, pró-pobre.
O impacto da variável FPE sobre a desigualdade de renda é semelhante
ao impacto do crescimento econômico. Quanto mais recursos do FPE um
estado recebe, menor tende a ser a desigualdade de renda. Em todas as
regressões, a variável FPE se mostrou significante para explicar a variável
Coeficiente de Gini. Um aumento de um ponto percentual nos repasses do
FPE para um determinado estado tende a diminuir a desigualdade de renda
no estado em 1,3%.

Tabela 1: Resultados Multivariados


Variável dependente: Coeficiente de Gini
-0,0119 0,0139 -0,0107
PIBpc
(0,0134)** (0,0112) (0,0110)
-0,0052 -0,0103 -0,0134 -0,0079 -0,0060
FPE
(0,0042)** (0,0035)*** (0,0024)*** (0,0037)** (0,0031)*
-0,0753 0,0249 0,0405 0,0295 0,0187
ESC
(0,0207)*** (0,0187) (0,0138)*** (0,0177)* (0,0138)
0,0085 0,0088
FPM
(0,0056) (0,0056)
0,1099 0,1082 0,0898 0,0928
POB
(0,0082)*** (0,0081)*** (0,0101)*** (0,0096)***
-0,3916 -0,4552 -0,4480 -0,4916 -0,4939
Constante
(0,0244)*** (0,0207)*** (0,0199)*** (0,0273) (0,0267)***
R² 13,9497 41,4108 41,1752 37,5757 37,4048
Número de
384 384 384 352 352
Observações
Fonte: Cálculos do autor baseado em dados primários do IBGE/SCN e IBGE/PNAD.
Nota: Erro-padrão entre parênteses. Nível de significância: ***a1%, **a5% e *a10%.

A variável Escolaridade (ESC) foi relevante apenas em três das cinco re-
gressões expostas na Tabela 1. Nas três regressões em que a variável teve um
grau de significância anteriormente de 90% e 99%, a escolaridade influen-

Federalismo fiscal 367


cia a desigualdade de renda com mais ênfase que as variáveis anteriores.
Em uma das regressões um aumento de um ponto percentual nos anos de
escolaridade chega a diminuir a desigualdade de renda em 7,5%. O pitores-
co ocorre com duas das regressões em que o sinal da variável escolaridade
é positivo. Isso significa que um aumento da escolaridade pode aumentar a
diferença de renda entre ricos e pobres. Isso provavelmente ocorre quando
os anos de escolaridade aumentam em função dos ricos estarem estudando
mais. Quando isso ocorre, apenas essa camada da população desfruta dos
ganhos decorrentes de uma produtividade mais alta.
A variável FPM não teve significância para nenhuma das regressões. Ela
não influencia o Coeficiente de Gini. A variável pobreza está fortemente
correlacionada com o Coeficiente de Gini, chegando a explicar até 11%
da desigualdade de renda, quando os indivíduos pobres diminuem em um
ponto percentual. Em todas as regressões a variável pobreza se mostrou
fortemente relevante a um nível de significância acima de 99%.
Como o Coeficiente de Gini é uma medida de “renda relativa”, a “renda
absoluta” pode está crescendo significativamente e, ainda assim, mesmo
com a “maré econômica levantando todos os barcos”, certas parcelas da
sociedade ganharem menos que outras. Quando o crescimento econômico
é baseado no conhecimento, a variável escolaridade pode ser causadora de
desigualdade e não de equalização da renda, com é previsto pela teoria.
Para investigar o efeito das variáveis sobre uma medida de renda absolu-
ta, trocou-se a variável dependente do Coeficiente de Gini (G) para pobreza
(POB). As regressões decorrentes dessa troca estão expostas na Tabela 2.
O crescimento econômico, exemplificado pela variável PIBpc, influen-
cia negativamente a quantidade de indivíduos abaixo da linha de pobreza,
como previsto pela teoria. A sua influência é bastante significativa, pois
um ponto percentual de crescimento econômico a mais chega a diminuir a
quantidade de pobres em até 33%, como mostra a Tabela 2.
O aspecto pitoresco das regressões com a percentagem de pobres como
variável dependente ocorre quando se procura investigar a influência do
FPE. O sinal da variável FPE nas regressões foi sempre positivo, o que sig-
nifica que quando o estado recebe recursos do FPE a quantidade de pobres
aumenta. Isso pode significar que os recursos do FPE estão indo beneficiar
indivíduos muito acima da linha de pobreza. Com isso indivíduos pobres
não conseguem sair dessa condição e indivíduos pouco acima da linha de
pobreza acabam por cair para condição de pobres depois que o estado re-
cebe recursos do FPE. O efeito de aumentos do repasses do FPE em um
ponto percentual é de até 11,4% no aumento da pobreza. Como no siste-
ma federativo brasileiro há estados que são receptores líquidos, enquanto

368 Federalismo fiscal


que outros são pagadores líquidos de impostos ao governo federal, o sinal
negativo do FPE talvez indique que a pobreza sobe nos estados pagadores
líquidos em uma proporção maior que a queda da pobreza nos estados re-
ceptores líquidos desses recursos. Isso evidencia que o FPE talvez seja um
instrumento ineficaz de política pública de redistribuição de renda.
A variável Escolaridade (ESC) influencia fortemente a queda na quan-
tidade de pobres em cada estado. Um ponto percentual a mais de anos de
escolaridade é capaz de diminuir a quantidade de pobres em até 121%,
mostrando uma enorme capacidade das políticas de educação em tirar as
pessoas da pobreza, como prevê a teoria.

Tabela 2 – Resultados multivariados


Variável dependente: Pobreza
-0,2471 -0,3311 -0,2002 -0,2348
PIBpc
(0,0513)*** (0,0559)*** (0,1343)*** (0,0690)***
0,1091 0,1140 0,0616 0,0462 0,1013
FPE
(0,0170)*** (0,0188)*** (0,0179)*** (0,0216)** (0,0145)***
-0,5267 -0,5721 - 0,6933 -0,9119 -1,2115
ESC
(0,0806)*** (0,0890)*** (0,0895)*** (0,1065)*** (0,0608)***
-0,1135 -0,1179
FPM
(0,0265)*** (0,0293)***
2,0745 2,9020
G
(0,2330)*** (0,2177)***
1,3667 0,4263 1,7149 0,5783 0,4698
Constante
(0,1672)*** (0,1435)*** (0,1343)*** (0,1257) (0,1232)***
R² 76,2720 70,8377 72,4701 59,5667 58,3334
Número de
352 352 384 384 384
Observações
Fonte: Cálculos do autor baseado em dados primários do IBGE/SCN e IBGE/PNAD.
Nota: Erro-padrão entre parênteses. Nível de significância: ***a1%, **a5% e *a10%.

Ao contrário do FPE, os recursos provenientes do FPM influenciam ne-


gativamente a quantidade de pobres em cada estado. Um ponto percentual
em recursos adicionais do FPM pode diminuir a quantidade de pobres no
estado em até 11,8% a um nível de significância de 99%.
Por último, temos a forte relação entre “renda relativa” e “renda abso-
luta” mostrada pelas variáveis POB e G. Para um aumento da desigualdade
de renda em um ponto percentual tem-se um aumento na quantidade de
pobres de até 290%. É de se esperar que essas variáveis estejam relaciona-
das de forma tão próxima, já que tratam do mesmo problema.
A última da série de regressões múltiplas desse artigo procura examinar
a influência da relação da desigualdade de renda e da quantidade de pobres
de cada estado na capacidade do Estado de obter crescimento econômico.
As outras variáveis utilizadas anteriormente também foram incorporadas,

Federalismo fiscal 369


apesar de não ser o foco principal do estudo. A Tabela 3 abaixo traz um
resumo dos resultados encontrados.
Primeiro se nota que o índice de pobreza é fortemente correlacionado
com o crescimento do PIB per capita, embora com o esperado sinal negati-
vo. Entretanto, a Tabela 2 parece mostrar com mais precisão a direção dessa
relação, com o crescimento econômico reduzindo a quantidade de pobres
e não uma queda da quantidade de pobres aumentando o crescimento eco-
nômico. Na regressão da Tabela 3 uma queda em um ponto percentual na
quantidade de pobres é capaz de aumentar o crescimento econômico do
estado em até 27,8%. Em todas as regressões a variável POB apresenta um
nível de significância de 99%.
Mais uma vez os recursos provenientes do FPE mostram um resulta-
do diferente do esperado. Em vez de aumentar o crescimento econômico,
os estados que recebem um ponto percentual a mais de recursos do FPE
passam a ter um crescimento econômico até 23,5% menor. Se na Tabela
2 os estados não utilizavam os recursos do FPE para diminuir a pobreza,
na Tabela 3 os estados não parecem estar utilizando esses recursos para
aumentar o PIB per capita, pois o sinal do relacionamento entre ambas as
variáveis é negativo.

Tabela 3: Resultados multivariados


Variável dependente PIBpc
-0,2537 -0,2773 -0,1572 -0,1260
POB
(0,0527) *** (0,0468)*** (0,4478)*** (0,0370)***
-0,1780 -0,1765 -0,2179 -0,2217 -0,2345
FPE
(0,0155)*** (0,0154)*** (0,0115)*** (0,0111)*** (0,0106)***
1,0114 1,0066 1,1112 1,1229 1,2756
ESC
(0,0673)*** (0,0672)*** (0,0634)*** (0,0628)*** (0,0445)***
-0,0271 -0,0293
FPM
(0,0275) (0,0274)
-0,2544 0,2880
G
(0,2614) (0,2333)
0,3700 0,4964 0,6501 0,5211 0,4619
Constante
(0,1840)** (0,1303)*** (0,1383)*** (0,0907)*** (0,0903)***
R² 82,8437 82,7968 82,0305 81,9582 81,4079
Número de
352 352 384 384 384
Observações
Fonte: Cálculos do autor baseado em dados primários do IBGE/SCN e IBGE/PNAD.
Nota: Erro-padrão entre parênteses. Nível de significância: ***a1%, **a5% e *a10%.

A Escolaridade (ESC) é a variável que impulsiona o PIB per capita dos


estados de forma mais vigorosa. Em todas as regressões essa variável é
significativa para um nível de significância de 99%. Um ponto percentual a
mais nos anos de escolaridade chega a aumentar o crescimento econômico

370 Federalismo fiscal


em até 127%. Como as variáveis FPM e Coeficiente de Gini (G) são insigni-
ficantes para todas as regressões da Tabela 3, o fator escolaridade é o que
melhor explica o crescimento econômico dos estados.

Considerações finais
Tanto nas regressões mostradas na seção anterior quanto nas dispostas nos
anexos, a variável Escolaridade (ESC) mostra o sinal (com uma exceção) e
a intensidade previstas pela teoria para aumentar tanto a “renda absoluta”
quanto para diminuir a “renda relativa”, quando os mais pobres têm acesso
à educação. Com isso a discussão entre as diferenças de renda interpessoal
e inter-regional ganha um novo subsídio. Focar as políticas públicas na edu-
cação de todos os indivíduos, mas principalmente naqueles mais pobres,
parece trazer o melhor resultado possível tanto para questões de “renda
absoluta” quanto de “renda relativa”.
A discussão do trade-off entre se investir em regiões pobres ou em pes-
soas pobres para aumentar a “renda absoluta” e diminuir as diferenças de
“renda relativa” parece receber um novo impulso a partir do desempenho
do FPE sobre essas variáveis. A variável FPE parece empobrecer os estados
que recebem os seus recursos, pois é negativamente correlacionada com
POB e PIBpc. Embora a variável FPE diminua a desigualdade de renda, é
bastante comum na literatura encontrar economias estagnadas e com gran-
des percentuais de pobres que apresentam uma pequena desigualdade de
renda.
O FPE, portanto, parece ser o instrumento que contribui para o empo-
brecimento das pessoas nos estados pagadores líquidos de receitas fiscais
ao governo central. Ao mesmo tempo o FPE pode estar sendo usado para
o enriquecimento de pessoas já abonadas nos estados que são receptores
líquidos de receitas fiscais do governo central. Dessa forma a diferença da
renda inter-regional não está se modificando, enquanto a diferença de ren-
da interpessoal piora com o FPE.
Um importante indicado no sentido de mostrar que tipo de política pode
ser mais eficiente para aumentar a renda absoluta é o FPM. Nas regressões
múltiplas o FPM se mostrou não significante para as variáveis dependentes
do Coeficiente de Gini e PIB per capita. Entretanto, a variável é significante
com relação à redução da pobreza. A característica particular dos recursos
provenientes do FPM é que, ao contrário do FPE, ele não é condicionado à
renda do estado ou do município receptor. Com isso, o FPM é distribuído
em todo o País baseado apenas no contingente populacional dos municí-
pios. A sua capacidade de reduzir a pobreza talvez esteja nesse aspecto: os

Federalismo fiscal 371


seus recursos podem seguir na direção dos pobres com menos desvios que
os recursos do FPE.
Se temos os recursos do FPE e do FPM como um símbolo de políticas
com o intuito de distribuir renda entre as unidades da federação (do gover-
no central aos governos subnacionais), e políticas do governo central sem a
intenção declarada de distribuir recursos entre os entes federados que tal-
vez sejam mais efetivas para aumentar a renda absoluta. Políticas econômi-
cas que aumentem o PIBpc tem uma capacidade significativa de diminuir a
pobreza, aumentando com vigor a renda absoluta da sociedade. Já o efeito
sobre as diferenças de renda relativa provocadas por um aumento do PIB
per capita são modestos.
Políticas educacionais e de crescimento econômico (como pode ser visto
nas tabelas do Anexo) parecem ser mais eficientes para aumentar a “renda
absoluta” e diminuir as diferenças da “renda relativa” que políticas espe-
cíficas de transferência de renda entre regiões como o FPE e o FPM. Isso
mostra que o caminho da diminuição das diferenças de “renda interpessoal”
parece ser mais fácil de trilhar que as diferenças absolutas na “renda inter-
regional”.

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372 Federalismo fiscal


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WOOLDRIDGE, J. M. Introdução à Econometria, uma Abordagem Moderna. Lear-
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Anexos

Tabela 4 – Resultados univariados


Variável dependente: Coeficiente de Gini
-0,0337
PIBpc
(0,0060)***
0,0023
FPE
(0,0029)***
0,0137
FPM
(0,0061)**
0,0795
POB
(0,0054) ***
-0,0882
ESC
(0,0113)***
-0,4980 -0, 5554 -0,5963 -0,4703 -0,4112
Constante
(0,0090)*** (0,0128)*** (0,0252) *** (0,0058) *** (0,0176) ***
R² 7,7015 0,1627 1,4056 35,5834 13,5915
Coeficiente de
-0.2775 0,0403 0,1185 0,5965 -0,3686
Correlação
Número de
384 384 353 384 384
Observações
Fonte: Cálculos do autor baseado em dados primários do IBGE/SCN e IBGE/PNAD.
Nota: Erro-padrão entre parênteses. Nível de significância: ***a1%, **a5% e *a10%.

Federalismo fiscal 373


Tabela 5 – Resultados univariados
Variável dependente: Pobreza
-0,6504
PIBpc
(0,0327)***
0,1654
FPE
(0,0202)***
4,4703
G
(0,3077)***
0,1297
FPM
(0,0479)***
-1,3056
ESC
(0,0629)***
1,4931
-0,0288 -1, 6484 -1,4105 1,0435
Constante (0,1691)
(0,0495)*** (0,0889)*** (0,1960) *** (0,0974) ***
***
R² 50,8712 14,9358 35,5834 2,0548 53,0008
Coeficiente de
-0.7132 0,3864 0,5965 0,1433 -0,7280
Correlação
Número de
384 384 384 352 384
Observações
Fonte: Cálculos do autor baseado em dados primários do IBGE/SCN e IBGE/PNAD.
Nota: Erro-padrão entre parênteses. Nível de significância: ***a1%, **a5% e *a10%.

374 Federalismo fiscal


Guiana Francesa: riqueza e fragilidade numa
economia periférica

Yves-A. Fauré

Introdução
A Guiana francesa, que se estende por uma superfície de 83.534 km2, está
situada entre o Suriname ao Oeste, que separa o rio Maroni, e o Brasil com
o qual a fronteira é marcada pelo rio Oyapock (ao Leste) e os montes Tu-
muc-Humac ao Sul. A sua população não ultrapassava os 200 mil habitan-
tes em 2006 de acordo com os dados oficiais. Consequentemente é ligeira-
mente povoada – densidade de aproximadamente 2 km2 contra 110 km2 na
França metropolitana196 – mas tem conhecido um importante crescimento
demográfico que dilui e mascara os progressos medidos pelos indicadores
econômicos e sociais.
Mais de 90% do território está coberto por uma floresta equatorial mui-
to densa notavelmente preservada. O interior do País é acessível apenas
– exceto por via aérea – pelos rios numerosos e largos, mas caracterizados
por uma sucessão de quedas d’água, o que complica a navegação. Devido
a estas condições naturais, boa parte da população, das atividades e das
infraestruturas localizam-se na região litorânea. A capital é Cayenne onde
se aglomera mais da metade da população.
A Guiana é uma região que sofre de grandes deficiências herdadas da
sua história197 e é confrontada nos tempos atuais com desafios importantes:
infraestruturas insuficientes, significativo crescimento demográfico, estrei-
teza da sua base econômica, entre outros. Ao mesmo tempo mostra, em
muitos domínios, uma melhoria da sua situação e dos seus resultados, por

196. França Metropolitana ou Metrópole: território da França situado na Europa Continental.


A Região (letra maíuscula) significa a Guiana enquanto Coletividade territorial institucionali-
zada e a região (letra minúscula) corresponde ao conjunto geográfico constituído pela Guiana
e os países circunvizinhos.
197. O presente estudo não aprofundará o passado da Guiana, mas é importante considerar
que a situação contemporânea desse território é claramente condicionada pela sua história
e notadamente pelo período colonial. Em uma literatura especializada podemos citar, entre
outros, o estudo da história política de S. Mam Lam Fouck, 2007.

Guiana Francesa 375


exemplo: crescimento do produto, progressos escolares, ações mobilizado-
ras para um desenvolvimento duradouro e mais autocentrado etc.
Esse território, pedaço da Europa na América do Sul, apresenta as ca-
racterísticas que justificam seu destaque em uma reflexão dedicada às eco-
nomias periféricas.198 Em princípio, trata-se de uma região situada a mais
de 7.000 km das autoridades e administrações centrais. A sua trajetória
histórica e a sua localização geográfica conduziram, por muito tempo, à sua
relativa marginalização, notadamente se comparada com as evoluções mais
favoráveis que conheceram as ilhas das Antilhas francesas vizinhas (Guada-
lupe e Martinica). Durante muito tempo prisioneira do seu estatuto de co-
lônia, então diretamente comandada e gerida pelo aparelho administrativo
do Estado central francês, a Guiana foi apenas recentemente reconhecida
na sua identidade própria, transformada e organizada em coletividade pú-
blica descentralizada.
Outra consideração que justifica a sua menção em uma reflexão sobre as
economias periféricas vem do fato de que se os seus dados sociais e infraes-
truturais são qualitativamente relevantes e se os seus indicadores econômi-
cos demonstram, mais recentemente, uma evolução significativamente po-
sitiva, a dinâmica assim engrenada deve pouco às forças, aos agentes e aos
mecanismos internos e muito às transferências financeiras e iniciativas, a
programas, atividades, investimentos vindos do exterior, mais notadamente
da metrópole. A Guiana, não muito conhecida além das suas próprias fron-
teiras, é bastante ignorada no continente sul-americano, ao qual pertence.
Apresenta, por conseguinte, as características de uma região periférica, ou
seja, de uma entidade que não é plenamente soberana dos seus recursos,
das suas decisões e da sua evolução.
Ainda assim, apesar desta realidade periférica, os padrões da Guiana,
sem serem equivalentes aos da França metropolitana, são claramente mais
elevados que os da região internacional que a cerca. Essa situação, por con-
seguinte, impõe ao pesquisador um exercício específico, mas necessário:
mesmo que ele deva dar-se conta de fatos positivos e de evoluções favorá-
veis, notadamente em comparação com os países da região – e sem negli-
genciar as referências guianenses menos vantajosas em relação à metrópole
– ele deve se interrogar sobre as fontes desta dinâmica, se interrogar sobre
como se comporta uma parte da autonomia interna e sustentabilidade. É
levado, finalmente, a reconhecer que as alavancas da atividade econômica
do território vêm do exterior. Tal é o objetivo deste estudo que convém rela-
tivizar permanentemente os dados que são expostos, visto que as interpre-

198. Alguns organismos públicos franceses, e mesmo a União Européia, utilizam às vezes, o
termo de “regiões ultraperiféricas”.

376 Guiana Francesa


tações que daí geram dependem, antes de mais nada, do quadro e da escala
nas quais são colocados estes dados. Por fim, alguns economistas falam de
“desequilíbrio” para definir a situação guianense (cf., por exemplo, os tra-
balhos de ROSELÉ CHIM, 2007). Esta definição não é falsa, mas insuficien-
te, pois ela representa apenas os resultados pontuais de mecanismos estru-
turais mais fundamentais, remetendo às relações do tipo centro-periferia,
que condicionam a situação guianense e influençam a sua evolução.

1. Uma economia relativamente rica e condições sociais


favoráveis
Tentaremos mostrar, mediante algumas rápidas elaborações, que a Guiana
dispõe de um quadro institucional claro, sólido e estável que lhe fornece
meios que favorecem estabelecer diversas políticas públicas no sentido do
desenvolvimento do território. Naturalmente estes instrumentos institucio-
nais são condições necessárias, mas não suficientes, para atingir tal objeti-
vo. Além disso, evocaremos as evoluções positivas registradas recentemente
nas áreas da economia e do social, fundadas sobre os dados disponíveis.

1.1. Autonomia institucional e voluntarismo político do território


A Guiana tornou-se um Departamento francês em 1946 e foi erigida como
Região em 1982. Uma particularidade administrativa reside no fato do terri-
tório ser uma região monodepartamental.199 Essas duas entidades adminis-
trativas constituem coletividades territoriais dotadas de competências claras
em relação às autoridades governamentais centrais, todavia específicas entre
elas. São dirigidas por um presidente, vice-presidentes, conselheiros gerais
(Departamento) e conselheiros regionais (Região) eleitos pelo sufrágio uni-
versal direto. A Guiana comporta ainda 22 cidades dotadas de competências
distintas dirigidas por presidentes de câmaras municipais (maires) e verea-
dores, todos eleitos também pelo sufrágio universal direto.
As administrações do Estado central estão evidentemente presentes na
Guiana através dos seus serviços desconcentrados e sua direção-geral é as-
segurada pelo Prefet da Região, representante do governo. O regulamento
nacional é aplicável à Guiana como às outras coletividades francesas ul-
tramarinas conforme o princípio da identidade legislativa. Contudo, adap-
tações são possíveis para levar em conta as peculiaridades e constrangi-

199. Na maior parte dos casos, as regiões francesas são compostas de vários departamentos,
eles próprios compostos de municípios.

Guiana Francesa 377


mentos específicos de cada território ultramarino (princípio de especifidade
legislativa).
As competências destes três níveis de coletividades públicas são, em ge-
ral, conformes às que lhes é reconhecido no conjunto do território francês.
A Região é mais particularmente competente em matéria econômica: plane-
jamento das ações e dos investimentos públicos, defesa dos interesses eco-
nômicos, formação profissional, ensino secundário, transportes regionais,
portos, participação em empresas de desenvolvimento, cooperação regional
e transfronteiriça, apoio às universidades e a pesquisa etc. O Departamento
tem por missões principais a gestão dos serviços e as ações de solidarieda-
de: ação social e médico-social, financiamentos de ajudas aos jovens, pesso-
as em dificuldades (subsídios e bolsas como, por exemplo, o RMI que é um
salário dado pelo Estado em visto da inserção profissional do beneficíario
etc.), habitação, equipamento rural, transportes interurbanos etc. Os muni-
cípios possuem competências, principalmente, nos seguintes domínios: ges-
tão dos registros de estado-civil (nascimentos, casamentos, falecimentos),
regulamento da circulação, segurança dos bens e das pessoas, aos lados dos
corpos nacionais de polícia, gestão das escolas maternas e primárias, urba-
nismo, bibliotecas e museus etc.
As coletividades públicas que administram a Guiana (Região e Depar-
tamento e, em menor escala, os municípios) dispõem de receitas fiscais di-
retas (taxa de habitação, taxa fundiária sobre as propriedades construídas,
taxa fundiária sobre as propriedades não construídas, taxa profissional etc.)
e indiretas (concessão de mar sobre os produtos importados, direitos de
mutação, de taxa sobre os combustíveis etc.).
As ações realizadas e os investimentos operados pela potência pública
central são, como poderemos ver, cruciais para o território guianense. Do
mesmo modo, as atividades do centro espacial de Kourou continuam a ani-
mar a economia da Região. Entretanto, a evolução da Guiana também é
assegurada pelos esforços realizados pelas suas coletividades públicas que,
nos últimos 15 anos, mais particularmente, dedicaram conjuntos de me-
didas e decisões voltadas para o desenvolvimento da região para tentar
reanimar antigas cadeias produtivas, atrair investimentos em setores no-
vos, renovar e amplificar o parque dos equipamentos e as infraestruturas,
melhorar a formação e a qualificação guianense, aumentar o número e a
qualidade dos estabelecimentos escolares e universitários etc. Os planos
diretores e outros planos estratégicos, estudos e avaliações não faltam e
foram concebidos ou encomendados a empresas especializadas e postos em
prática pelos responsáveis políticos guianenses.

378 Guiana Francesa


Pode-se notar, de fato, mais recentemente, mudanças significativas na
composição das elites políticas da Guiana – rejuvenescimento, origens so-
ciais mais diversificadas, menor adesão à partidos políticos nacionais200 –
que são a origem de um interesse mais acentuado que no passado para o
desenvolvimento do território e que demonstram, neste sentido, um evi-
dente voluntarismo. Continua a ser, contudo, bem verdade, que os diver-
sos setores econômicos guianenses demonstram tantas potencialidades e
promessas quantas dificuldades e deficiências. Para além dos problemas
de financiamentos e de equipamentos, as necessidades são consideráveis
em matéria de profissionalização das cadeias produtivas. Os organismos
de pesquisa e a universidade, por conseguinte, são mobilizados pelos res-
ponsáveis políticos para dotar estes setores de atividade do capital humano
(conhecimentos, competências e inovações) que lhes falta ainda e do qual
depende o seu desenvolvimento e, como consequência, o futuro econômico
da Guiana.

1.2. Um forte crescimento econômico


O Produto Interno Bruto (PIB) da Guiana que chegava à 1,9 bilhão de eu-
ros em 1999, atingiu 2,3 bilhões em 2003 e obteve uma progressão regu-
lar desde que chegou à 2,9 bilhões em 2007, ou seja, uma progressão de
aproximadamente 6% ao ano nos últimos anos, comparativamente com a
taxa de 1,6% atingida pela França metropolitana. A reativação dos investi-
mentos públicos e algumas operações de grande envergadura contribuem
largamente para esta evolução positiva: grandes projetos que dinamizam o
setor da construção e as obras públicas, programa Soyouz da base espacial
Kourou, construção de um novo campus universitário – cujo custo total atin-
girá os 180 milhões de euros – consideráveis canteiros de renovação urbana
em Cayenne, Kourou e Matoury etc. Os motores da economia do território
são assegurados, 2/3 pelo consumo, a partes iguais, das famílias e as admi-
nistrações, até 14% pelo investimento (FBCF ou formação bruta de capital
fixo), por último por exportações modestas e flutuantes.
O PIB per capita da Guiana situa-se em 49% da média nacional enquanto
já foi de 62% em 1993. O forte crescimento demográfico da região pesa
sobre este dado per capita e tende a anular os efeitos positivos do seu forte
crescimento econômico que foi de 5,2%, em média, nos 13 últimos anos a

200. As regiões ultramarinas francesas foram caracterizadas historicamente por alianças – ou


mesmo submissões – dos seus eleitos políticos com as principais formações políticas nacionais.
Até o ano de 2010, a vida política na Guiana é dominada por formações de esquerda, agora
independentes dos partidos nacionais – a principal formação é o Partido Socialista Guianês
(PSG).

Guiana Francesa 379


ponto de fazer duplicar o PIB guianense neste período. Esta tensão entre,
de um lado o dinamismo econômico e do outro o aumento da população,
constitui um dos desafios essenciais da Guiana. Levando em consideração
apenas a população detentora de um emprego, o PIB per capita representa
cerca de 70% da média nacional, o desvio entre os dois indicadores expli-
cam-se pela juventude da população da Guiana e por uma taxa de atividade
mais fraca.
A economia da região é caracterizada, estruturalmente, por um impor-
tante setor de serviços (70% do valor agregado bruto do conjunto dos seto-
res), em razão do peso dos serviços públicos (bem superior ao dos serviços
às famílias e às empresas devido à importância da função pública), a pre-
sença de um setor industrial modesto (13%) em relação à metrópole e sus-
tentado pelas atividades espaciais. O comércio (11%) e a construção (8%)
são outros setores que contribuem para a riqueza do território enquanto a
agricultura e os transportes são economicamente mais modestos. Se, como
veremos mais adiante, a economia guianense é dependente das transfe-
rências públicas e das atividades do Centro espacial de Kourou, o declínio
regular da taxa das importações em relação ao PIB – passado de 100% em
meados dos anos 1990 a menos de 50% nos anos recentes – confirma o
alargamento do mercado interno, consequência da melhoria do nível dos
rendimentos e das prestações sociais.
É esclarecedor passar de uma visão estrutural à uma visão diacrônica.
Se o setor público continua importante mesmo que submetido a uma “lim-
peza” e a uma redução de tamanho, e se a atividade espacial permanece
como um pilar do crescimento econômico local, observa-se o dinamismo
evidente do setor da construção e das obras públicas e o desenvolvimento
espetacular do setor terciário. Em se tratando, por exemplo, da construção:
os seus desempenhos têm um impacto direto na qualidade das infraestrutu-
ras e nas condições de vida das famílias. O ritmo das construções acompa-
nhou, mais ou menos, a curva do crescimento demográfico. Sobre os 54 mil
alojamentos contabilizados em 1999 (85% sendo residências principais)
mais da metade foram construídos após 1982. A atividade de construção,
consequentemente, é bastante importante na economia guianense. Explica-
se não somente pelo pedido sempre elevado de alojamentos, mas também
pela existência eficaz de um sistema público de ajudas. Essas ajudas tam-
bém permitiram a melhoria da qualidade e o conforto das residências: em
1999 apenas 8,4% dos alojamentos eram, ao mesmo tempo, desprovidos de
água e eletricidade.
Em 2003, o rendimento disponível (após imposto) per capita ascendia
à 8.299 euros contra 8.536 euros em 2002 e 8.939 euros em 2001. Es-
ses números e a sua evolução resumem perfeitamente as especificidades

380 Guiana Francesa


da situação econômica guianense que se verificam concomitantemente a
numerosos outros indicadores. Por um lado, são elevados em relação aos
outros países da região, mas são mais fracos – cerca de 50% – com relação
aos da França metropolitana. Por outro lado, como em outros domínios, os
progressos reais são reduzidos ou mesmo anulados pelo ritmo importante
do crescimento demográfico (saldo natural e saldo migratório).
Em conformidade com o princípio republicano de igualdade dos direitos
e dos deveres – que induz outra norma jurídica, a da continuidade terri-
torial que impõe ao Estado que financie à sua carga uma parte dos custos
adicionais devidos ao afastamento geográfico – o salário-mínimo (SMIC:
salário-mínimo interprofissional de crescimento) em vigor na França me-
tropolitana é aplicável também na Guiana. Em primeiro de julho de 2008
esse SMIC mensal bruto (para 35 h de trabalho por semana) é de 1.321,02
euros (bruto) e 1.037,53 euros (livre das contribuições sociais e encargos
dos assalariados). Mas as remunerações são, de fato, mais elevadas: em
conformidade com antigos textos que datam dos anos 1950, assalariados
do setor público (Estado, coletividades territoriais, autarquias, função hos-
pitalar, ensino público) recebem todos os prêmios que correspondem a 40%
do seu salário e muitos empregados do setor privado recebem prêmios de
pelo menos 20% do seu salário, em função do custo de vida. O rendimento
salarial anual médio na Guiana é de 22.135 euros em 2004, quase idêntico
ao da França (22.193 euros), bastante equitativamente repartido entre ho-
mens e mulheres (22.197 euros e 22.036 euros). Todos os dados relativos
aos rendimentos testemunham, por conseguinte, níveis de recursos muito
superiores ao conjunto dos países da região.
Para resumir, os elevados custos de produção ligados aos problemas de
transporte e de energia, o nível relativamente elevado das remunerações e
das prestações sociais em relação à região, e o fato de se tratar de um ter-
ritório em que a vida é bastante cara e os salários altos, fazem com que a
economia guianense, embora dinâmica, seja muito pouco competitiva.

1.3. O bom comportamento dos indicadores sociais e os progressos


da escolarização
O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) realizado sob a égide do Pro-
grama das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) é um bom ins-
trumento para medir e comparar a qualidade de vida das populações.201

201. É importante lembrar, que o IDH inclui o PIB per capita – medido em paridade de poder
de compra para permitir comparações internacionais – e dados sobre educação (taxas de alfa-
betização e de escolarização) e sobre saúde (esperança de vida ao nascimento). Quanto mais

Guiana Francesa 381


Entretanto, quando se trata da Guiana francesa, os resultados, causados por
atrasos históricos, são inferiores aos da França inteira. Verificam-se resul-
tados semelhantes nas mais diversas áreas, mesmo sendo esses resultados
claramente superiores aos da região. De acordo com as indicações do PNUD
para o ano 2005, enquanto o IDH da França era de 0,952, índice que colo-
cava o País em 10° colocado no ranking mundial, o índice da Guiana era de
0,862, o que a colocaria na posição 43° no ranking mundial. Nesse mesmo
ano, o Brasil atingia 0,800 (70°), a Venezuela 0,792 (74°), a República Do-
minicana 0,779 (79°), o Suriname 0,774 (85°), a Guiana (ex-Guiana Ingle-
sa) 0,750 (97°) e o Haiti 0,529 (146°). A situação da Guiana era, evidente-
mente, mais favorável que a dos países vizinhos. Como um todo, a América
Latina e as ilhas do Caribe atingiram um IDH de 0,803 nesse mesmo ano.
A situação da educação na Guiana exemplifica bem os seus avanços
como também ressalta os desafios enfrentados pela Região. Os progressos
realizados em matéria de escolarização e formação atestam uma evolução
favorável, mas ao mesmo tempo limitada e, às vezes, mascarada pela dinâ-
mica dos fluxos de população.
Os efetivos dos alunos acolhidos nos estabelecimentos do primeiro grau
(escolas primárias) crescem em média de 9% ao ano. Já o aumento do
número dos alunos inscritos no ensino secundário é de 8% ao ano. Essas
evoluções notáveis da demografia escolar deixam perceber a pressão quan-
titativa que será exercida sobre a universidade na Guiana, progressiva e
inexoravelmente.
A taxa de acesso ao nível de baccalauréat202 dos jovens guianenses – re-
presentada pela relação efetiva entre classes terminais do ensino médio de
cada geração implicadas –, embora tendo um aumento progressivamente
regular, é de apenas 38,9% na região enquanto é claramente superior nos
outros departamentos ultramarinos (56,7% na Reunião, 70,2% em Marti-
nica, 73,5% em Guadalupe). Esses resultados são fruto, mais uma vez, de
atrasos históricos que só poderão ser reduzidos lentamente, com o tempo.
Os alunos que obtêm o baccalauréat não cessaram de ser numerosos na
última década. Contudo, mesmo com todos os tipos de baccalauréat juntos,
podemos observar na Guiana uma taxa de sucesso ainda fraca (embora em
ascensão), e certamente mais baixa que o conjunto da França (71,7% em
2007, 68,8% em 2006 e 65,4% em 2005 na Guiana contra mais de 80% no
País).

o índice se aproxima de 1 mais ele assinala um elevado grau de desenvolvimento, nos limites
medidos por esse instrumento.
202. O baccalauréat (ou Bac abreviado) é um diploma nacional, baseado principalmente em
um exame, que comprova o bom nível de estudos no ensino médio e abre acesso à universi-
dade.

382 Guiana Francesa


Em 1999 apenas 8,6% dos jovens entre 15 e 29 anos eram titulares
de um baccalauréat, 3,7% de um diploma Bac+2 e 3,1% de um diploma
Bac+4. Em 2005 esses dados estabelecem-se respectivamente a 10,3%,
3,6% e 3,3%. Levando-se em conta apenas a população nativa, os resul-
tados de 2005 elevam-se para 13,4%, 5% e 4,9%, comprovando assim os
progressos realizados em termos de desempenho escolar, não obstante rela-
tivizados pela carência da escolarização, pouco valorizada, das populações
de imigrantes.
As evoluções que caracterizam os fluxos de diplomados do ensino médio
podem ser identificadas a partir das orientações dos titulares do baccalau-
réat sobre o período 1999-2006. Podemos tirar quatro principais lições: a)
o número de neotitulares do Bac guianense não parou de aumentar ano
após ano, passando de 763 em 1999 para 1.255 em 2006, ou seja, um
crescimento de 64,5% do efetivo referido em 7 anos; b) o número de novos
titulares do Bac que prosseguem estudos superiores quase duplicou entre os
dois limites do período, passando de 427 sobre 763 em 1999 (56%) à 813
sobre 1.255 em 2006 (65%); c) os novos titulares do Bac que eram apenas
de 197 em 1999 a prosseguir estudos superiores na Guiana (46% do total
dos titulares do Bac que prosseguem estudos superiores) passaram a ser
571 em 2006, ou seja 70% do efetivo total dos titulares do baccalauréat que
prosseguem estudos superiores: a partir de 2003 os novos titulares do Bac
matriculados nos estabelecimentos de ensino superior na Guiana tornaram-
se maioria e esse movimento continuou a tomar uma amplitude notável;
d) por fim, restam 65% de novos titulares do Bac que ou não continuam
seus estudos ou continuam em outros estabelecimentos de ensino que não
os da Guiana. Consequentemente, estes novos titulares do Bac constituem
uma reserva substancial de jovens da Guiana potencialmente estudantes
que será orientada para os estabelecimentos universitários locais graças à
melhoria das condições sociais por um lado, e a atração progressiva dos
estudos superiores e a oferta de formação universitária, por outro.
A evolução dos efetivos de estudantes na Guiana reflete quase meca-
nicamente este aumento do número dos alunos que saem diplomados do
ensino secundário. De fato, os estudantes inscritos em um estabelecimento
público universitário guianense eram, em números arredondados, 1.160
em 1999; 1.450 em 2003; e 2.300 em 2007. Trata-se exclusivamente dos
estudantes do Instituto de Ensino Superior da Guiana (IESG), do Institu-
to Universitário de Tecnologia (IUT), do Instituto Universitário de Forma-
ção dos Professores (IUFM), da seção guianense de Unidade de Formação
e Pesquisa (UFR) de Medicina e por último do Instituto Universitário de
Formação Contínua (IUFC). O Plano Diretor de Desenvolvimento do Polo
Universitário Guianense, reatualizado em 2006, prevê um pouco mais de

Guiana Francesa 383


três mil estudantes em 2009 e cerca de cinco mil estudantes no horizonte
de 2013.203
O aumento demográfico dos efetivos escolarizados, a melhoria das in-
fraestruturas, dos equipamentos e da qualidade do ensino, a valorização
crescente da educação escolar das populações e a densificação e diversifica-
ção da oferta de formação têm por efeitos quase mecânicos um aumento na
duração dos estudos, um crescimento regular dos efetivos de alunos que se
apresentam ao baccalauréat e uma elevação progressiva da taxa de sucesso
no que se refere a esse diploma pré-universitário. Consequentemente, os
fluxos de entrada nos estabelecimentos de ensino superior da Guiana são
crescentes.

1.4. Dinamismo demográfico e importância do fato migratório


O crescimento da população instalada na Guiana é um fenômeno demo-
gráfico recente e essencial. Recente porque por muito tempo a população
guianense permaneceu extremamente reduzida e estável. Era de aproxima-
damente 44 mil habitantes nos anos 1960, em seguida saltou para 73 mil
em 1982 e hoje excede os 200 mil habitantes.204 O crescimento demográfico
foi de 3,8% ao ano entre 1999 e 2006 contra 0,64% na França metropoli-
tana. A população da Guiana, no mesmo período, aumentou 10 vezes, mais
rapidamente que a população da França metropolitana. Certos estudos
comparam a sua explosão demográfica à dos países em desenvolvimento.
De acordo com as projeções do Instituto Nacional de Estatísticas e Estudos
Econômicos (INSEE), o cenário mais modesto mostra uma duplicação da
população no horizonte até 2030 (ou seja, mais de 400 mil habitantes) e o
cenário fundado sobre tendências mais dinâmicas conduz a uma triplicação
da população neste mesmo horizonte.
No período 1999-2006 a parte do crescimento demográfico anual da
Guiana devido ao saldo natural (nascimentos menos falecimentos) foi de

203. Na Guiana, outros estabelecimentos públicos, situados fora da universidade no sentido


estrito, asseguram também formações pós baccalauréat. Podemos citar, notadamente, os per-
cursos BTS (Diploma de Técnico Superior) cujas aulas são ministradas nos estabelecimentos
de ensino médio, a Escola de enfermeiros e de enfermeiras, a agência guianense do CNAM
(Conservatório Nacional das Artes e Profissões) que forma designadamente engenheiros, o
IRDTS (Instituto Regional de Desenvolvimento do Trabalho Social) que dispensa formações
nas áreas da assistência social e a educação especializada, o Instituto Consular de Formação
que depende da Câmara de Comércio e de Indústria. Estes estabelecimentos e redes de for-
mação acolhem cada ano várias centenas de estudantes e os conduzem a diplomas de pelo
menos Bac +2. Além disso, o setor comercial foi testemunha da criação, instalação e evolução
de numerosos institutos especializados e escolas profissionais que recrutam parte dos alunos
titulares do baccalauréat.
204. Apesar da qualidade do censo, a importância das migrações clandestinas evidentemente é
subestimada e o número real de população é certamente bastante superior aos dados oficiais.

384 Guiana Francesa


2,75% (contra 0,39% na metrópole) e a parte devida ao saldo migratório
(imigrantes menos emigrantes) ascendeu a 1,03% contra 0,25% na metró-
pole. Estes dados testemunham uma taxa de natalidade muito elevada, bem
diferente do da França metropolitana. Mostram não somente a importância
do fenômeno migratório em relação ao resto do País, mas também a forte
contribuição das migrações ao crescimento da população da Guiana france-
sa. Em 1990 os imigrantes declarados que residam na Guiana representa-
vam 30,5% da população total contabilizada. Apesar das políticas recentes
mais restritivas e mais seletivas em matéria de migração esta proporção não
diminuiu tendo em vista que os dados provisórios indicam que esta propor-
ção era ligeiramente superior à 29% em 2005.205
Os principais países de origem dos imigrantes são: Suriname (33% do
total), Haiti (28%), Brasil (17%), Guiana ex-inglesa (6%), República Domi-
nicana, China etc. Nota-se uma elevação relativamente recente das migra-
ções originárias dos países sul-americanos hispanófonos (Peru, Venezuela,
Colômbia). A relativa riqueza da Guiana, sua estabilidade institucional e
política, a segurança dos bens e habitantes constituem características que
contrastam frequentemente com os países da região e representam um
compreensível fator de atração para as populações estrangeiras.

2. A fraqueza dos motores internos e as dificuldades de uma


dinâmica autônoma
Evocaremos aqui apenas uma série limitada de fatos e processos que tes-
temunham que a escassez de alavancas de desenvolvimento propriamente
guianenses expõe o território a um condicionamento de decisões e inicia-
tivas largamente advindas do exterior o que a faz sofrer os riscos desta de-
pendência diretamente ligada ao seu estatuto de economia periférica.

2.1. As dificuldades do emprego local e as fraquezas do tecido


socioprofessionnel guianense
A juventude da população guianense é um de seus principais traços já que
os maiores de 60 anos são quatro vezes menos numerosos que na metró-

205. O dispositivo regulamentar que permite os agrupamentos familiares dos migrantes expli-
ca em parte a manutenção desta proporção, dado que o fato migratório refere-se cada vez mais
às mulheres enquanto que, há 20 anos, tratava-se principalmente de homens. Esta proporção
de imigrantes leva em conta apenas os imigrantes “declarados”, ou seja, aquelas que dispõem
de documentos oficiais que lhes permitem residir e trabalhar na Guiana. De acordo com certas
fontes, os imigrantes clandestinos representariam entre um terço e a metade de imigrantes
declarados.

Guiana Francesa 385


pole. A pirâmide das idades mostra uma forte perda de habitantes na faixa
entre 18 e 25 anos em relação à metrópole. Esta “evasão” deve-se a dois
fatores: em idade de prosseguir estudos ou bater à porta do mercado traba-
lho, o jovem guianense tende a deixar o território.
A taxa de desemprego na Guiana é muito elevada, três vezes mais que
na França metropolitana, e tende a crescer: era de 29,1% em 2006 contra
26,4% em 2005 e 26,2% em 2004. De acordo com um novo método de
cálculo harmonizado com o plano europeu adotado pela França, a taxa de
desemprego na Guiana, em 2007, foi de 20,6%. Se este resultado, conse-
quência de uma nova definição mais restritiva do desemprego, é inferior às
taxas declaradas anteriormente, ela é ainda muito elevada. As mulheres e
os jovens são as categorias mais afetadas por essa situação.
O número de empregos, estabelecido eram cerca de 53 mil no início
de janeiro de 2006, progrediu bem claramente: +6% em relação a 2004.
Mas como, ao mesmo tempo, a população ativa, representando a mão de
obra potencial, cresceu de mais de 9%, a progressão do número de vagas
é insuficiente para absorver os fluxos crescentes de pessoas em idade para
assumir um emprego.
A parte do emprego assalariado no emprego total é muito elevada mas
tende a diminuir regularmente: 87,2% em 2004; 86,9% em 2005; e 85,2%
em 2006. Simetricamente, o emprego não assalariado progride ao mesmo
tempo de 12,8% para 14,8%. A fraqueza da agricultura e, sobretudo, do se-
tor industrial guianense explica que quase 85% dos empregos assalariados
sejam localizados nas atividades terciárias, ou seja, um resultado claramen-
te mais elevado que na França metropolitana. Este resultado é causado pela
função pública que, excluindo-se a defesa nacional, representa mais de 30%
da totalidade dos empregos na Guiana.
Os dados do Insee de 1999 atestavam que mais da metade dos jovens
da Guiana de 15 até 29 anos não possuía nenhum diploma (55%). Esta
taxa diminuiu ligeiramente até atingir 52,5% em 2005. Embora a taxa de
desemprego do jovem tenha continuado muito elevada, cerca de 50%, logo,
claramente superior à taxa média, as estatísticas mostram também que a
obtenção de um diploma aumenta significativamente as possibilidades de
acesso a um emprego.
A migração das pessoas nascidas na Guiana e que vão se instalar na
França metropolitana é um fenômeno relativamente importante. Observa-
se que o número absoluto de residentes na metrópole nascidos na Guiana
é correlacionado diretamente à hierarquia do diploma obtido: quanto mais
o diploma é elevado, mais são importantes os funcionários guianenses resi-
dentes na metrópole. A Guiana tende, por conseguinte, “a exportar” os seus

386 Guiana Francesa


quadros formados beneficiando, assim, a metrópole e empobrecendo o seu
contingente de trabalhadores.
O exame das categorias socioprofissionais mostra que os agricultores e
os artesões, comerciantes e donos de empresas apresentam as mesmas pro-
porções que na metrópole (respectivamente 1,3% contra 1,1% e 3% contra
2,8%). Os profissionais de nível intermediário e os de nível superior são na
Guiana duas vezes menos numerosos que na metrópole (respectivamente
6,6% contra 9,8 na metrópole e 2,9% contra 5,3%).

2.2. A importância das tranferências financeiras


Tais transferências referem-se aos financiamentos e aos investimentos pú-
blicos do Estado central, ao apoio financeiro da União Europeia bem como
à assistência social.
Em 2004 a Guiana se beneficiou, no total, de transferências públicas de
aproximadamente, 900 milhões de euros. Trata-se de esforços redistributivos
normais realizados pelo Estado central acrescidos de dotações anuais que
alimentam os orçamentos das coletividades públicas a fim de reduzir os de-
sequilíbrios entre as regiões francesas. Estes financiamentos suplementares
passam por dois principais instrumentos de programação plurianual: o Con-
trato de Plano Estado-Região (CPER) e os Programas Operacionais (PO).
As ajudas provenientes da União Europeia são igualmente substanciais.
Entre 2000 e 2006 a Região recebeu 400 milhões de euros provenientes
de Bruxelas através de vários fundos.206 Essas contribuições europeias são
feitas em prol das regiões em atraso de desenvolvimento e são aplicáveis
notadamente nas seguintes áreas: portos, aeroportos, telecomunicação,
pesquisa e inovação, proteção do meio ambiente, formação profissional,
setores produtivos geradores de empregos.
Para o período 2007-2013 as ajudas financeiras excederão 1 bilhão de eu-
ros em proveniência, metade do Estado francês, metade da União Europeia.
Além destas ajudas diretas existe um conjunto de medidas indiretas fa-
voráveis decididas pelo governo central, por exemplo, sob forma de isenção
tributária parcial dos investimentos produtivos e habitacionais ou ainda as
reduções de impostos sobre o rendimento das pessoas e de sociedades no
que se refere às empresas.

206. Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER), Fundo Social Europeu (FSE),
Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (FEADER), Fundo Europeu para a Pesca e
a Aquicultura (FEP), Programa de Desenvolvimento Rural (PDR).

Guiana Francesa 387


Em 2006 o orçamento da Região da Guiana era de 182 milhões de eu-
ros dos quais 39% provêm dos impostos indiretos arrecadados pela coleti-
vidade territorial e 37% das dotações do Estado central. Se acrescentarmos
as subvenções recebidas, este subconjunto de transferências do Estado e de
subvenções representa 52,3% dos recursos orçamentários. Consideradas as
despesas, verifica-se que os investimentos são muito elevados (68,5%) e con-
tribuem para a taxa de crescimento do PIB. Em 2004, o orçamento de outra
grande coletividade pública, o Departamento, ascendia à quase 222 milhões
de euros, dos quais 29% provinham de dotações e subvenções recebidas do
Estado. As despesas de investimento atingiam 18,4% das despesas totais.
As prestações sociais obedecem às mesmas regras de abertura dos direitos
e de atribuição existentes na França metropolitana. Uma especificidade dos
territórios franceses ultramarinos reside no número, proporcionalmente mais
elevado de pessoas beneficiárias do conjunto destas ajudas que na metrópole.
Excetuadas as aposentadorias, contam-se aproximadamente 20 subsídios di-
ferentes pagos por organismos nacionais e pelas coletividades descentraliza-
das, Departamento principalmente. Às prestações mais frequentes em 2005
referiam-se a CMU207 ou “cobertura doença universal” autorizada para 40 mil
pessoas, aos Subsídios familiares atribuídos em 2005 a um pouco mais de 24
mil famílias, aos Subsídios escolares atribuídos a mais de 15 mil famílias, ao
rendimento mínimo de inserção (RMI)208 emitido a quase 13 mil pessoas, aos
subsídios de moradia familiar e moradia social atribuídos a mais de 11 mil
pessoas etc.

2.3. Um comércio externo cativo


A balança comercial da Guiana é estruturalmente deficitária. A taxa de co-
bertura (valor das exportações/valor das importações) é muito fraca (su-
cessivamente 20,1%, 17,5%, 13,4%, 12,6% e 14,9% de 2002 até 2006).
A França metropolitana, em 2006, se constituía no principal fornecedor
(39,2% do valor das importações) e o principal cliente (54,9% do valor das
exportações) da Guiana. Os países da União Europeia e as Antilhas france-
sas ocupam os ranks seguintes.
A aproximação das séries anuais de produção, exportação e importação
permite medir a evolução do nível de dependência da economia guianense

207. O CMU garante à qualquer pessoa, francesa ou estrangeira, residindo no território nacio-
nal os cuidados médicos gratuitos no âmbito do regime geral do seguro “doença”.
208. O RMI garante um rendimento mínimo de 450 euros mensais para uma só pessoa a 680
euros para um casal – acrescentam-se cerca de 180 euros por criança, em 2008. Qualquer
pessoa com mais de 25 anos (ou menos, se tem uma criança sob sua responsabilidade), tem
direitos sociais garantidos entre os quais a sua reintegração profissional.

388 Guiana Francesa


em relação às importações de bens. Se a taxa de dependência209 varia pouco
sobre a longa duração, as evoluções positivas, ou seja, em baixa, demonstra-
das por três conjuntos de produtos (“diferentes produtos agroalimentares”,
“bens de consumo”, “outros bens intermédios”) contribuíram para a baixa,
modesta, mas real, da taxa de dependência, testemunhando por ela mesma
o encadeamento de um início de dinâmica virtuosa de import-substitution
que deverá ser confirmada com o tempo.
Contudo, convém notar que as trocas externas são fortemente ligadas às
atividades espaciais que representam em valor, nestes últimos anos, cerca
de 65% das importações e 87% das exportações. O ratio importações/PIB
melhorou há uma quinzena de anos até atingir 48% em 2006, compararati-
vamente com as taxas de 60% no Suriname e 116% na Guiana ex-inglesa.
Estabelecendo um paralelo entre os dados mais precisos das importações
e das exportações dos produtos é possível elaborar o panorama das taxas de
cobertura para o ano 2006. Os resultados são muito significativos. Assim, se
a Guiana é relativamente autossuficiente no que diz respeito aos produtos
agrícolas até 93%, os produtos das indústrias agrícolas e alimentares têm
uma taxa de cobertura de 9%, o que indica que a Guiana é dependente até
91% dos produtos importados. Os produtos do vestuário e o couro têm uma
taxa de cobertura de 1,6%, os equipamentos residenciais 1,1%, os equipa-
mentos mecânicos 8,6%, os produtos de madeiras, de papel ou de cartão
19,6%, os produtos químicos, borrachas e plásticos 1,1% etc.
Enfim, fora os produtos petroleiros que transitavam até os últimos anos
pela Trinidade, devido à ausência de um porto de águas profundas na Guia-
na, as importações provenientes da região representam apenas 4% do total
das importações de bens, o que demonstra uma fraca integração da Guiana
no seu ambiente geoeconômico.

2.4. As deficiências das empresas privadas guianenses e os


problemas dos setores tradicionais de atividade
De acordo com o Insee, no início de janeiro de 2006, recenseava-se um
modesto parque de 8.600 estabelecimentos na Guiana, ou seja, um número
ligeiramente inferior se raciocinarmos em termos de empresas. A grande
maioria é constituída de pequenas unidades: 70% não empregam nenhum
assalariado e apenas 4% empregam mais que 10 assalariados. São 70% dos
estabelecimentos que atuam no setor terciário.

209. Calculada de acordo com a fórmula (importações + taxas sobre as importações) / (pro-
dução – exportações – variação dos estoques + importações + taxas sobre importações).

Guiana Francesa 389


O comércio contabiliza mais 2.550 estabelecimentos (quase 30% do to-
tal das unidades), à frente, o setor da construção (17%), os serviços às em-
presas (17%), os serviços aos particulares (10%), as indústrias de bens de
consumo, de equipamentos, e de bens intermediários (9,5%), transportes
(6%), educação, saúde e ação social (6%) etc.
Devido ao volume considerável dos financiamentos externos e aos gran-
des programas de investimento, diversas empresas são dependentes das
encomendas públicas e das operações de grande porte, consequentemente,
sujeitas aos riscos dessas fontes. Além disso, uma característica guianense
desse mundo de empresas é que a subcontratação observada nas grandes
atividades – espacial, construção etc. – é realizada geralmente por esta-
belecimentos que são de fato sucursais de grandes grupos franceses, cuja
sede social encontra-se na metrópole.210 Como consequência, limitam-se os
efeitos positivos de qualquer natureza – financeiros, de transferências de
tecnologia, de inovação, de aprendizagem etc. – que esses grandes setores
poderiam exercer sobre o tecido empresarial guianense.
Sabemos, além disso, que as atividades espaciais exercem um duplo
efeito sobre a economia do território. De um lado contribuem fortemente
– aproximadamente 20% em média – para a formação do PIB da região.
Por outro lado, as variações observadas no setor das atividades espaciais,
influenciadas pelo número de lançamento dos satélites – e a observação
pode também ser feita a propósito dos grandes programas de construção e
de obras públicas – geram, no longo prazo, importantes flutuações sobre as
taxas anuais de crescimento econômico.
Várias cadeias tradicionais enfrentam dificuldades e algumas estão em
declínio. A produção primária participa com apenas 3,7% do valor agre-
gado total em 2006 contra mais de 5% em 1993 e esta parte relativa que
declina tem por causa, não somente o dinamismo das novas atividades,
mas também a deterioração, em números absolutos de produção, de certas
cadeias como o arroz e a pesca enquanto outros, como a madeira, possuem
dificuldades para se desenvolver. Os custos adicionais de produção, os obs-
táculos físicos de acesso, a estreiteza do mercado interno, as dificuldades de
organização e a estruturação dos produtores, características ligadas a peri-
fericidade da Guiana explicam esta evolução mesmo que a Região disponha
de algumas vantagens comparativas devidas à sua situação geográfica.
O pertencimento à França e à Europa, da qual é orgulhosa a maioria
dos guianenses, gera, contudo, alguns constrangimentos em termos de de-
senvolvimento. Essa dupla referência, receptor da identidade da Guiana,

210. Em 2005 o número de estabelecimentos subcontratantes do Centro Espacial Guianense


(CSG) instalados na Guiana era de 85 e empregavam 2.500 assalariados.

390 Guiana Francesa


impõe-lhe notadamente o respeito a normas estritas e caras nas áreas, no-
tadamente, da saúde, da segurança, do meio ambiente. Resultam dessas
prescrições jurídicas, técnicas, econômicas e sociais, prazos burocráticos
alongados, importantes custos de avaliação ex-ante dos projetos. No campo
das explorações de ouro vários programas são anulados ou ficam atrasa-
dos – enquanto os recursos minerais, relativamente abundantes na Guiana,
seduzem os investidores211 – bem como, geralmente, os custos adicionais de
instalação e funcionamento das unidades produtivas. A proteção do meio
ambiente, tomando o exemplo dessa nova palavra de ordem das autorida-
des públicas e das sociedades civis, estabelece condições novas e severas
em matéria de desenvolvimento. Na Guiana existem mais de 90 espaços
naturais registrados e protegidos. O parque nacional amazônico cobre 2 mi-
lhões de hectares e o parque natural regional 270 mil hectares. As espécies
animais e vegetais ameaçadas de desaparecimento são preservadas em sete
reservas, enquanto outros espaços são sujeitos as autorizações da Préfectu-
re antes de se empreender alguma atividade. Vários sítios, representando
mais de 50 mil hectares, são inscritos nos registos locais, como patrimônios
naturais, devido ao seu interesse histórico etc.

Conclusão
Os poucos dados apresentados neste estudo e as análises decorrentes do
funcionamento da economia da Guiana confirmam a situação paradoxal
deste território. De um lado, além de beneficiar-se de um importante cres-
cimento há uma quinzena de anos, apresenta políticas voluntaristas que
têm por objetivo reduzir o atraso que acumulou historicamente em relação
às outras regiões francesas e atinge níveis de atividade, de rendimentos e
de bem-estar social claramente superiores aos países da Região. Por outro
lado, pode-se constatar que as alavancas desta evolução positiva situam-se
externamente. Muitas características estruturais da economia da Guiana e
vários mecanismos essenciais que asseguram o financiamento contribuem
para a perpetuação dessa dependência externa. Dessa forma, a Região ain-
da está longe de poder realizar, pela mobilização das suas próprias forças
reais e das suas vantagens, numerosas, o potencial de desenvolvimento au-
tônomo que a colocaria ao abrigo dos riscos vindos da parte externa e,
sobretudo, que a veria dominar o seu próprio destino.

211. Esta relativa abundância do ouro é a origem de uma considerável exploração clandestina
realizada por exploradores de ouro vindos geralmente dos países vizinhos, tão pouco escrupu-
losos, a ponto de utilizar o mercúrio cujos danos são reconhecidamente sérios para os huma-
nos e para o meio ambiente, por ser um metal de duradoura e elevada toxicidade.

Guiana Francesa 391


Continuam a ser bem evidentes as numerosas deficiências, os proble-
mas e dificuldades que definem intrinsecamente a Guiana e que provêm
de fatores não totalmente limitados à assimetria estudada aqui. A ausência
de transição demográfica, os custos adicionais em termos de transporte e
de produção energética, o déficit de formação dos seus homens e das suas
mulheres etc. contribuem por eles mesmos às fragilidades e as fraquezas da
sociedade guianense. Mas muito dos elementos que caracterizam a situação
da Guiana e, em qualquer caso, os que foram expostos seletivamente neste
estudo podem ser explicados pela posição periférica da Região.

Referências Bibliográficas
Os dados quantitativos são, principalmente, resultado das bases estatísticas do Insti-
tut National de Statistique et d’Études Économiques (INSEE) e do Institut d’Émission
des Départements d’Outre-Mer (IEDOM), do Polo Universitário Guianense (PUG),
do Banco Mundial e do PNUD.
CEROM, A. F. D.; IEDOM; INSEE. Guyane. Un développement sous contraintes. Cay-
enne, 2008.
FAURÉ, Y.-A. Le Pôle Universitaire Guyanais dans son environnement démographique
et socio-économique, Cayenne, PUG, 2008.
—.; CALLORDA, F. E. Emplois qualifiés et formations supérieures en Guyane. Opportu-
nités et contraintes. Cayenne: PUG, 2008.
FOUCK, M. L. S. “Les fondements idéologiques et politiques de la départementali-
sation de la Guyane française des années 1820 à 1946.” In: S. Mam Lam Fouck
(dir), Comprendre la Guyane d’aujourd’hui. Un département français dans la région
des Guyanes, Cayenne: Ibis Rouge Editions, 2007, p. 83-103.
IEDOM. Guyane. Rapport annuel 2007. Cayenne, 2008.
INSEE G. Tableau économique regional. Cayenne, 2008.
ROSELÉ, C. P. “Les déséquilibres de développement par la migration et l’informel en
Guyane.” In: S. Mam Lam Fouck (dir.). Comprendre la Guyane d’aujourd’hui. Un dé-
partement français dans la région des Guyanes. Cayenne: Ibis Rouge Editions, 2007,
p. 269-293.

392 Guiana Francesa


Autores

Alfredo Hualde Alfaro


Pesquisador do Departamento de Estudos Sociais de El Colegio de la Fron-
tera Norte desde 1990 e, atualmente, ocupa o cargo de secretário geral
acadêmico. Seu trabalho de pesquisa está centrado na análise da indústria
fronteiriça (maquiladora) do norte do México a partir da perspectiva da
aprendizagem, da transmissão de conhecimento e dos mercados de tra-
balho. Seus estudos compreendem os setores eletrônico, aeroespacial e as
PMEs de software. Atualmente, desenvolve um projeto sobre a precariedade
do emprego nos call centers do México.

Carlos Américo Leite Moreira


Doutor em Economia pela Universidade de Paris. Professor e pesquisador do
Departamento de Teoria Econômica, do mestrado em Logística e Pesquisa
Operacional e do mestrado em Avaliação de Políticas Públicas da Universida-
de Federal do Ceará, com produção científica nas áreas de Desenvolvimento
Econômico, Economia Internacional e Economia Brasileira Contemporânea.
Membro do grupo de pesquisa Região, Indústria e Competitividade (RIC) da
Universidade Federal do Ceará. E-mail: americo@ufc.br.

David Rosenthal
Graduado em Economia pela Universidade Católica de Pernambuco; Master
in Public Administration pela Florida Atlantic University; PhD em Economia
pela Universidade de Londres e pós-doutorado em Economia da Tecnologia
na Universidade da Califórnia, em Berkeley. Atualmente aposentado e con-
sultor eventual, atuou como professor nos departamentos de Economia da
UFPE e da Católica de Pernambuco, assim como, na qualidade de pesquisa-
dor, no Núcleo de Estudos para América Latina (Neal) dessa última univer-
sidade. Participou também, na condição de pesquisador-bolsista CDR (Bol-
sa de Desenvolvimento Científico Regional) do Programa Funcap-CNPq,
da implantação do Núcleo de Inovação Tecnológica (NIT) da Universidade
Estadual do Ceará. E-mail: drosen@oi.com.br.

Autores 393
Eveline Barbosa Silva Carvalho
Ph.D. em Economia Aplicada pela University of Illinois em Urbana-Cham-
paign-UIUC-EUA. Professora adjunta IV do Departamento de Teoria Econô-
mica da Universidade Federal do Ceará (UFC). Membro do grupo de pes-
quisa Região, Indústria e Competitividade (RIC) e diretora do Instituto de
Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (Ipece) do Governo do Estado
do Ceará.

Fábio Batista Mota


Doutorando em Economia da Indústria e da Tecnologia pela Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Mestre em Economia (2007) e bacha-
rel em Ciências Econômicas (2004) pela Universidade Federal da Bahia
(UFBA). Atualmente, é pesquisador na Unidade de Estudos Setoriais (Unes)
da Faculdade de Ciências Econômicas da UFBA e na RedeSist, do Instituto
de Economia da UFRJ.

Fernanda Ferrário de Carvalho


Graduada em Ciências Econômicas pela Universidade Federal de Pernam-
buco (1994); mestrado em Desenvolvimento Econômico pela Universida-
de Estadual de Campinas (2000) e doutorado em Economia Aplicada pela
Universidade Estadual de Campinas (2005). Atualmente, é economista na
Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), como coor-
denadora de Gestão da Informação para o Desenvolvimento. Em 2009, cur-
sou o Programa Northeastern Brazil: Tourism and Infraestructure Studies
Program, na The George Washington University – School of Business. Tem
experiência na área de Economia, com ênfase em Economia Regional e Ur-
bana. Recentemente, tem-se dedicado também ao estudo da Economia da
Cultura e da Economia Criativa. Foi vice-presidente do Instituto dos Econo-
mistas de Pernambuco (IEPE) em 1996/1997.

Francisco de Assis Costa


Economista pela UFRN, mestre pelo CPDA-UFRRJ, doutor em Economia
(Universidade Livre de Berlim). Foi professor visitante do CBS, Universi-
dade de Oxford. É professor associado do Núcleo de Altos Estudos Ama-
zônicos da UFPA. Pesquisador associado da RedeSist, IE/UFRJ e da Rede
Geoma/MCT. Bolsista de Produtividade de Pesquisa do CNPq.

394 Autores
Hamilton de Moura Ferreira Junior
Doutor em Economia (Unicamp); professor adjunto da Faculdade de Ci-
ências Econômicas da (FCE/UFBA); coordenador da Unidade de Estudos
Setoriais da FCE/UFBA.

Helena M. M. Lastres
PhD em Desenvolvimento, Industrialização e Política de Ciência e Tecnolo-
gia, SPRU/Universidade de Sussex, 1992, Inglaterra. Mestre em Engenharia
da Produção, Coppe/UFRJ, 1981. Bacharel em Economia, IE/UFRJ, 1975,
Brasil. Pesquisadora titular do Ibict/MCT, assessora da Presidência e chefe
da Secretaria de Arranjos Produtivos e Desenvolvimento Local do BNDES,
desde agosto de 2007. E-mail: hlastres@bndes.gov.br.

Inez Silvia Batista Castro


Economista, doutora em Economia pela Universidade Federal de Pernam-
buco. Atualmente, é professora da Universidade Federal do Ceará, onde
atua como professora do mestrado acadêmico em Economia Rural (UFC
Campus Pici) e do mestrado em Desenvolvimento Regional Sustentável
(UFC Campus Cariri). É parecerista da Revista Econômica do Nordeste e
presta consultoria a órgãos do setor público na área de desenvolvimento e
economia internacional.

Jair do Amaral Filho


Doutor em Economia pela Université de Paris XIII; professor titular em De-
senvolvimento Econômico no DTE; professor e pesquisador no Curso de
Pós-graduação em Economia (Caen) da Universidade Federal do Ceará.
Coordenador do grupo de pesquisa Região, Indústria e Competitividade
(RIC) (CNPq/UFC) e membro da RedeSist. E-mail: amarelo@fortalnet.com.
br ou amarelo@netbandalarga.com.br.

Jorge Carrillo
Mexicano, pesquisador do Colef desde sua fundação, em 1982. Membro
do Sistema Nacional de Pesquisadores Nível 3. Doutor em Sociologia por
El Colegio de México. Desenvolvimento de pesquisas na Espanha, França,
Japão e Estados Unidos. Autor de oito livros; coordenador de 20 livros; 99

Autores 395
capítulos em livros e 80 artigos científicos em espanhol, inglês, alemão,
português, italiano, francês, chinês e japonês. Participação em 40 projetos
de pesquisa. Interesse principal da pesquisa atual: emprego, inovação e ca-
deias de valor em corporações multinacionais no México.

José Eduardo Cassiolato


PhD em Desenvolvimento, Industrialização e Política de Ciência e Tecnolo-
gia, SPRU/Universidade de Sussex, 1992, Inglaterra. Mestre em Economia
do Desenvolvimento, Universidade de Sussex, 1978, Inglaterra. Bacharel
em Economia, FEA/USP, 1972, Brasil. Professor do Instituto de Economia
(IE/UFRJ) e coordenador da Rede de Pesquisa em Sistemas Produtivos e
Inovativos Locais (RedeSist) (IE/UFRJ), Brasil. E-mail: cassio@ie.ufrj.br.

Lúcio Flávio da Silva Freitas


Mestre em Economia (UFBA); doutorando em Economia na Unicamp.

Marcelo Callado
Bacharel em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Ceará
(1997), mestre em Economia pelo programa de pós-graduação em Eco-
nomia da mesma universidade (2001) e doutor em Teoria Econômica
(Volkswirtschftslehre) pela Universidade de Colônia (Universität zu Köln),
na Alemanha. É professor adjunto do Departamento de Teoria Econômica
da Universidade Federal do Ceará.

Maria Cristina Pereira de Melo


Docteur em Sciences Economiques pela Université de Paris. Professora as-
sociada III do Departamento de Teoria Econômica da Universidade Federal
do Ceará. Professora do curso de mestrado em Logística e Pesquisa Opera-
cional da Universidade Federal do Ceará. Membro do grupo de pesquisa
Região, Indústria e Competitividade (RIC) da mesma instituição.

Noé Arón Fuentes


Diretor do Departamento de Economia de El Colegio de la Frontera Norte.
Doutor pela Universidad de California at Irvine. É membro do SNI nível

396 Autores
III e seus temas de pesquisa são: Desenvolvimento Regional e Técnicas de
Análise do Desenvolvimento Regional.

Redi Gomis
Formado em Psicologia pela Universidade de Havana. Cursou o mestrado
em Desenvolvimento Regional e o doutorado em Ciências Sociais em El
Colegio de la Frontera Norte. Membro do SIN nível I. Publicou artigos cien-
tíficos em revistas mexicanas e livros especializados. Entre os mais recentes
estão “As empresas de software e o sistema de inovação regional da Baixa
Califórnia”, “Inovação na indústria de software na Baixa California” [coau-
toria com Alfredo Hualde], “A indústria de software e a política pública no
Estado de Jalisco e na Baixa Califórnia” [coautoria com Bernardo Jaen] e
“As corporações multinacionais no México” [coautoria de Jorge Carrillo].
Trabalha atualmente no Departamento de Estudos Sociais de El Colegio de
la Frontera Norte, onde estuda redes empresariais e empresas multinacio-
nais.

Sárah Eva Martínez Pellegrini


Doutora em Economia, especializada nos temas de desenvolvimento econô-
mico territorial em termos de organização produtiva e institucional e mo-
delos de desenvolvimento. Realizou pesquisa, publicações e docência nestes
temas desde 1992. Pesquisadora de El Colegio de la Frontera Norte.

Yves-A. Fauré
Doutor da Universidade de Bordeaux (França); ex-professor no Instituto de
Estudos Políticos da mesma universidade; ex-diretor da unidade de pesqui-
sa Desenvolvimento Local Urbano – Dinâmicas e Regulações, do Instituto
de Pesquisa para o Desenvolvimento (IRD), estabelecimento público fran-
cês de pesquisa em cooperação e professor na Universidade do Estado Mon-
tesquieu-Bordeaux, membro da Ecole Doctorale d’Economie et de Gestion.
Foi pesquisador-visitante no Instituto de Economia da Universidade Federal
do Rio de Janeiro. Responsável, com a professora Lia Hasenclever do IE/
UFRJ, de dois programas de pesquisa no âmbito do convênio IRD/CNPq
sobre o desenvolvimento local no Estado do Rio de Janeiro. Pesquisador as-
sociado ao núcleo de pesquisa Região, Indústria, Competitividade (RIC) da
Universidade Federal do Ceará liderado pelo professor Jair do Amaral Filho

Autores 397
para investigar arranjos produtivos locais (APLs). Atualmente, é diretor do
Polo Universitário da Guiana Francesa. Especialista em análise de políticas
públicas e de relações entre os meios empresariais e os quadros institucio-
nais. Autor de diversos livros e numerosos artigos acadêmicos sobre esses
assuntos e coautor de livros publicados no Brasil.

398 Autores

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