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Quando falamos em transfusão sanguinea, o que nos vem à cabeça de forma quase
natural, é que se trata de um ato humano carregado de bondade a abnegação. De fato,
uma transfusão bem sucedida e responsável pode salvar uma vida, por isso, esse
trabalho não tem como objetivo por a transfusão saguinea no rol dos vilões dos
tratamentos médicos. No entanto, quando o assunto envolve uma determinada classe da
sociedade, como as Testemunhas de Jeová, pois estes não veem a transfusão como algo
aceitável dentro dos seus preceitos religiosos, nós, a sociedade em geral, tendemos a vê-
los como malucos e até mesmo suicidas. Porém essa questão é bem complexa, delicada
e, como tal, necessita de uma análise pormenorizada e desnuda de qualquer preconceito.
Vale ressaltar que, como se trata de um trabalho acadêmico do curso de direito, irei
abordar, primordialmente, uma visão jurídica.
A Questão religiosa
Esse trecho trata do período após o dilúvio e dentro do contexto, Deus pediu a Noé que,
diante da contingência, poderia comer carne, porém que tivesse cuidado para tirar o
sangue. Como vimos, em nenhum momento o texto refere-se a sangue humano e muito
menos a transfusão, técnica desconhecida e inexistente nessa época. Refere-se apenas, a
alimentação.
Mais uma vez, esse texto refere-se ao consumo de gordura animal e seu sangue, mesmo
assim, os jeovistas não proíbem em sua religião o consumo de gordura, o que é
contraditório. Vale ressaltar também que, a palavra ³perpétuo´ em hebraico é holam que
significa duração enquanto durar o fato a que se refere, p. ex.: a páscoa era considerada
um estatuto perpétuo que não se celebra mais. A passagem se refere a ingestão de
gordura e sangue animal.
É de fácil compreensão que houve uma interpretação equivocada desses trechos e que,
em alguns casos, foi considerada somente a passagem em si e não o contexto.
Nesses trechos aos quais as Testemunhas de Jeová consideram como proibitivos o
consumo de sangue, inclusive o humano, fica claro que Deus proíbe sim, mas o
consumo de gordura e sangue animal. Vejamos e explicação do cientista professor
Flamínio Fávero:
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Diante de tal premissa das Testemunhas de Jeová, cito uma frase de Jesus que diz:
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(João 15:13) Se sangue é vida, por que os jeovistas abstêm-se em salvar uma
vida, até mesmo a sua própria?
Mas será que as Testemunhas de Jeová realmente abstêm-se de sangue?
Na verdade, a Sociedade Torre de Vigia permite que seja utilizado alguns componentes
do sangue bem como alguns tratamentos, como albumina, vacinas e tratamentos
hemofílicos, isso deixa confuso alguns membros dessa sociedade fazendo até com que
alguns anciãos e membros de Comissões de Ligações com Hospitais deixassem
discretamente esses cargos, pois, por que é possível aceitar alguns componentes
sanguineos e outros não, como p ex.: o plasma, as plaquetas e os glóbulos vermelhos e
brancos? A Sociedade Torre de Vigia permite os componentes do plasma
separadamente, mas por que então, não permitem o próprio plasma?
São questões que a própria STV não consegue responder e nem encontra apoio na
Bíblia, usar frações de produtos do sangue e não ele todo. No entanto, o ensinamento da
STV é que os componentes do sangue permitidos são àqueles que passam através da
barreira da placenta durante a gravidez, portanto, são aceitos de boa fé, visto que
segundo eles, se Deus permitiu que tais componentes sanguineos passassem da mãe
para o filho, é lógico que Deus não iria de encontro a sua própria lei. Mas sabemos hoje
que, praticamente todos os componentes saguineos passam para o feto.
Ainda fica claro equívoco da ³J
@ (Torre e Vigia) quando confunde
transfusão sanguinea com ³comer´ sangue, visto que nesse procedimento o corpo não
nutri-se de sangue, mas há apenas uma reposição do mesmo e seus componentes.
Veja o que diz a J
@a respeito:
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(Watchtower, 15 de Setembro de 1958, p. 575)
O que pude notar é que ainda há um grande desconhecimento por parte das
Testemunhas de Jeová no que diz respeito à transfusão sanguinea e até mesmo de
questões interpretativas equivocadas e pontuais da Bíblia. E torna-se polêmico não só
por envolver questões interpretativas bíblicas, mas também bioéticas e jurisprudenciais.
Vejamos agora um caso concreto envolvendo uma Testemunha de Jeová e a transfusão
sanguinea:
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Mas com o advento do Código Civil/02 a maioridade foi antecipada para os 18 anos.
Segundo o CC/02 são absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida
civil os menores de 16 anos, portanto, no caso em estudo a criança não poderá decidir
sobre sua pessoa.
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Mesmo nesse caso, de acordo com esse princípio, torna-se claro que o paciente pode
recusar determinado tratamento, mesmo em circunstâncias graves.
O princípio da Beneficência é aquele em que o médico deve direcionar sua atividade em
benefício do paciente, em que está expresso no Juramento de Hipócrates, ³G
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Como podemos perceber, há, em princípio, um conflito entre o princípio da autonomia e
princípio do consentimento informado, pois reza que o médico usará o tratamento de
acordo com a habilidade e o julgamento, ou seja, não importando a opinião e nem a
vontade do paciente.
No entanto, é importante contextualizar historicamente o juramento de Hipócrates à
época da sua criação, onde aquele tinha uma visão tradicionalista e que naquela época
os médicos eram vistos como uma autoridade e na maioria das vezes, inquestionável.
O próprio código de ética médica, no seu artigo 46 diz que
A parte final
do artigo ainda é uma visão hipocrática da beneficência que conflita com os princípios
da autonomia e do consentimento informado.
Mas nos tempo atuais, cada vez mais a relação médico/paciente está aparada pela
bioética e pela justiça e que o médico junto com o paciente poderão escolher qual
tratamento será o mais adequado e caso o paciente recuse, ó médico possa respeitar e/ou
indicar um tratamento alternativo.
Assim, veja o que dizem os professores Muñoz e Almeida sobre a relação entre
beneficência e autonomia:
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Ou seja, o médico deve fazer o bem, mas sobre o prisma do paciente.
O princípio da justiça deve promover ao cidadão acesso igualitário aos bens da vida, ou
seja, consiste em respeitar as diferenças da sociedade, sem discriminação ou qualquer
tipo de segregação, buscando meios para satisfazer suas necessidades.
É comum, para a sociedade em geral que, a transfusão de sangue seja uma dos mais
eficazes procedimentos na reposição do plasma e outros componentes do sangue. Por
trás também da transfusão há uma visão de solidariedade e humanismo, herança da II
Guerra Mundial, onde tal procedimento se popularizou.
Porém, é importante alertar a sociedade para os riscos que tal procedimento, quando
feito indiscriminadamente ou de forma irresponsável, pode acarretar muitos problemas
de saúde.
Foi feita uma pesquisa nos EUA que revelou que mais de 60% dos médicos residentes
entrevistados prescreviam transfusões que consideravam desnecessárias pelo simples
fato de que médicos mais experientes sugeriam que fosse feito.
A própria Sociedade Brasileira de Hematologia e Hemoterapia afirma que no Brasil o
uso indiscriminado de sangue e derivados é grande, visto que foram revisados o
prontuário de 75 paciente e apenas 25% deles tinha uma indicação médica precisa,
mostrando o despreparo dos profissionais em hemoterapia no que tange as transfusões
de sangue.
Transfusões perigosas podem causar inúmeras doenças ou reações como hemolítico e
alérgica, pode ocorrer também infecção induzida pela transfusão. Outro risco é a
transmissão da hepatite não ±A e não ±B. Calcula-se que 5% a 15% dos doadores
voluntários são portadores de vírus e que, com a evolução, podem contrair cirrose.
Quando há um teste pré transfusão esses problemas podem ser evitados, o que, na
realidade, nem sempre ocorre.
Eritropoetina Recombinante
Consiste na forma Biosintética de um hormônio humano natural onde estimula a medula
óssea a produzir hemácias. Pode ser utilizado em todas as etapas do tratamento ou
cirurgia, combinado com hematínicos e ferro para dar suporte a produção de hemácias.
Hemodiluição
Usa-se um circuito fechado onde não se faz coleta de sangue pré-operatório.
Além desses, existem inúmeros outros tratamentos que não expõe o paciente em contato
diretamente com o sangue que deve beneficiar não só as Testemunhas de Jeová, pois
independe da questão religiosa, mas todo aquele que optar por um tratamento
alternativo.
Legislação
Agora, vejamos o que diz o artigo 5º da Constituição de 88, no diz respeito aos diretos
individuais e coletivos, mais especificamente o direito a vida, a liberdade de crença, e a
privacidade.
O artigo 5º no seu Caput diz que:
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Nesse texto, fica claro que consiste não só em estar vivo, mas também o direito de não
ser morto nem pelo Estado e nem por nenhum particular, direito a uma vida digna,
sendo que este faz parte do fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana.
Já Art. 5º, VI da C.F trata da liberdade de consciência e de crença. Veja o que diz o
texto:
Por tratar-se de assunto polêmico, pois ainda é visível o descompasso nas decisões
judiciais a respeito da transfusão em Testemunhas de Jeová, como mostra algumas
decisões judiciais.
Em 2007, a juíza substituta Luciana Monteiro Amaral autorizou a transfusão de sangue
em um paciente idoso, José Paz da Silva, mesmo sem o seu consentimento e nem o da
sua família, adeptos da religião Testemunha de Jeová. O paciente encontrava-se em
estado grave de hemorragia e, segundo laudo médico, em iminente risco de vida e que
nesses casos, é imprescindível a transfusão, segundo o médico Glaydson Jerônimo da
Silva. A juíza fundamentou sua decisão no artigo 5º da C.F que, além de dispor sobre a
liberdade de consciência e de crença, também salienta que, ³
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Baseado na decisão da juíza, é mister saber que nenhum direito é absoluto, pois tais
princípios encontra limites nos demais princípios igualmente consagrados na nossa
Constituição. Ao haver conflito entre princípios, devemos observar o princípio da
harmonização. Para a juíza, nesse caso, o direito a vida prevalece sobre o direito de
crença.
(304/2001)
TEMA: TRANSFUSÃO DE SANGUE EM TESTEMUNHA DE JEOVÁ
HIPÓTESE I: DIREITO DO MÉDICO: MESMO CONTRA A VONTADE DOS
PARENTES, SE CARACTERIZADA A NECESSIDADE DO PACIENTE.
Jurisprudência:
RJDTACrim
7/175 (Marrey Neto ± 30/08/89)
Tipo
Número
Data
Juiz
Órgão
Apel. Cív
264.210-1/9
1º/08/96
Testa Marchi
TJSP
HIPÓTESE II: RECUSA DOS PARENTES PODE CARACTERIZAR DELITO EM
TESE.
Jurisprudência:
Tipo
Número
Data
Juiz
Órgão
HC
253.458-3/1
05/05/98
Pereira da Silva
TJSP
HC
253.458-3/1
05/05/98
Cerqueira Leite ± v.vencedor
TJSP
Abaixo, segue uma decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em que dá direito a
Testemunha de Jeová a recusar a transfusão de sangue. Vale ressaltar que esse estado é
pioneiro nesse tipo de decisão.
Nessa outra ementa, é dado ao paciente o direito de obter tratamento alternativo, mesmo
fora de seu domicílio (TFD). Decisão proferida no Estado de Mato Grosso.
Ementa:
TESTEMUNHA DE JEOVÁ - PROCEDIMENTO CIRÚRGICO COM POSSIBILIDADE DE
TRANSFUSÃO DE SANGUE - EXISTÊNCIA DE TÉCNICA ALTERNATIVA -
TRATAMENTO FORA DO DOMICÍLIO - RECUSA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA -
DIREITO À SAÚDE - DEVER DO ESTADO - RESPEITO À LIBERDADE RELIGIOSA -
PRINCÍPIO DA ISONOMIA - OBRIGAÇÃO DE FAZER - LIMINAR CONCEDIDA -
RECURSO PROVIDO. Havendo alternativa ao procedimento cirúrgico tradicional, não pode o
Estado recusar o Tratamento Fora do Domicílio (TFD) quando ele se apresenta como única via
que vai ao encontro da crença religiosa do paciente. A liberdade de crença, consagrada no texto
constitucional não se resume à liberdade de culto, à manifestação exterior da fé do homem, mas
também de orientar-se e seguir os preceitos dela. Não cabe à administração pública avaliar e
julgar valores religiosos, mas respeitá-los. A inclinação de religiosidade é direito de cada um,
que deve ser precatado de todas as formas de discriminação. Se por motivos religiosos a
transfusão de sangue apresenta-se como obstáculo intransponível à submissão do recorrente à
cirurgia tradicional, deve o Estado disponibilizar recursos para que o procedimento se dê por
meio de técnica que dispense-na, quando na unidade territorial não haja profissional
credenciado a fazê-la. O princípio da isonomia não se opõe a uma diversa proteção das
desigualdades naturais de cada um. Se o Sistema Único de Saúde do Estado de Mato Grosso não
dispõe de profissional com domínio da técnica que afaste o risco de transfusão de sangue em
cirurgia cardíaca, deve propiciar meios para que o procedimento se verifique fora do domicílio
(TFD), preservando, tanto quanto possível, a crença religiosa do paciente.
Seja em Minas Gerais, Mato Grosso ou Rio Grande do Sul, quase sempre as decisões
alternam, ora a favor, ora contra a transfusão sanguinea em Testemunhas de Jeová,
tornando evidente a dificuldade dos Tribunais do país em resolver questões tão
complexas onde envolve credo religioso e o direito a vida, ambos, princípios
constitucionais contidos num princípio maior, o da dignidade humana.
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Conclusão
Este parecer não tem como objetivo discutir a interpretação bíblica feita à luz das
Testemunhas de Jeová, mas sim, o intuito de discutir sob a ótica da lei, garantidora dos
direitos coletivos, mas principalmente o direito individual, seja de crença, vida, saúde,
etc. Mais ainda, nesse tema especificamente, é importante preservar e respeitar os
valores e a vontade do paciente, pois será este que ³sofrerá´ as consequências, positivas
ou negativas, físicas e/ou psicológicas. Seria fácil alegar que, quando o médico, contra a
vontade do paciente ± no caso das Testemunhas de Jeová ± decide pela transfusão, ele
estaria agindo em favor da vida e em consonância com a opinião comum (pública), mas
é temeroso, pois essa opinião sem conhecimento, muitas vezes ignorante, da população,
esconde, na verdade uma postura preconceituosa, onde as Testemunhas de Jeová são
vistas como suicidas e fanáticas, principalmente quando dizem ³não´ ao procedimento
de transfusão. Tal descriminação religioso-ideológica entra em conflito com uma
realidade que, na maioria dos casos as Testemunhas de Jeová se veem obrigadas a
enfrentar quando necessitam de tratamento médico que envolva procedimento de
transfusão sanguinea. O imperativo nesses casos não é a visão religiosa de tal grupo,
mas os direitos que lhes assiste, que não podem ser encobertos por preceitos
equivocados, interpretações jurisprudenciais tendenciosas e preconceituosas. Faz-se
necessário que haja uma ampla visão de cada caso, mas buscando suas peculiaridades e
que não se caia na ingenuidade de comparar valores principiológicos constitucionais,
não no sentido de qual princípio tem maior ³valor´, mas que haja um sopesamento de
cada principio, em cada caso.
REFERÊNCIAS
YV 5 %
N
B 9 s B Revista de Bioética do
Conselho Federal de Medicina, Vol.6, nº 1, 1998.
YV http://forum.jus.uol.com.br/58748/1/jurisprudencia-decisao-em-favor-da-
testemunha-de-jeova-transfusao-de-sangue/
V
YV http://jus.uol.com.br/revista/texto/6641/o-caso-das-testemunhas-de-jeova-e-a-
transfusao-de-sangue/2
V
YV http://unabrasil.wordpress.com/2009/05/20/as-testemunhas-de-jeova-e-a-
transfusao-de-sangue/
V
YV http://www.ajwrb.org/foreign/abstain-port.shtml
V
YV http://www.conscienciacrista.org.br/geral/layout.php?misc=search&subaction=s
howfull&id=1187273242&archive=1193308052&cnshow=news&ucat=14&star
t_from=&
YV . / PAffonso Renato Meira, "O Estado de São Paulo", 11
de Outubro de 1994.
YV J
@, 1 de Maio de 1968, p. 272 parágrafo 7 [em português:
w01/11/1968]; J
@, 15 de Agosto de 1968, p. 499 [em português:
w15/02/1969]; 5 O ! OA
² s D, 1973, p.
200, parágrafo 9.
V
V
V
V
FACULDADES NORDESTE (FANOR)
Parecer
Enéas Filho
FORTALEZA
2011