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KÁTIA TEIXEIRA VIEGAS

COLISÃO DE DIREITOS CONSTITUCIONAIS E A POSTURA DA


AÇÃO MÉDICA QUANTO À TRANFUSÃO DE SANGUE EM
TESTEMUNHAS DE JEOVÁ

Trabalho de curso apresentado à


Universidade de Franca, como exigência
parcial para a obtenção do grau no curso
de Direito.

Orientador: Prof. Marcelo Toffano

FRANCA
2

2010
3

KÁTIA TEIXEIRA VIEGAS

COLISÃO DE DIREITOS CONSTITUCIONAIS E A POSTURA DA AÇÃO MÉDICA


QUANTO À TRANSFUSÃO DE SANGUE EM TESTEMUNHAS DE JEOVÁ

Orientador: ____________________________________________
Nome: Prof. Marcelo Toffano
Instituição: Universidade de Franca

Examinador(a): _________________________________________
Nome:
Instituição: Universidade de Franca

Examinador(a): __________________________________________
Nome:
Instituição: Universidade de Franca

Franca, ___ /___ /___.


4

AGRADEÇO: A Deus por esse sonho realizado; ao Professor e


orientador Marcelo Toffano pelo apoio e encorajamentos
contínuos na pesquisa; aos demais Mestres da casa pelos
conhecimentos transmitidos, à Diretoria do Curso de Direito da
Universidade de Franca.
Em especial, agradeço ao Dr. Renato A. Del Bianco,
especialista em cirugia cardíaca e marido que tanto contribuiu
na decisão deste tema; ao Dr. Tomás Salerno da Universidade
de Miami, que me orientou e colaborou com tantas informações
para a realização deste trabalho, dando tanta atenção e
sempre com muita paciência; ao MM. Juiz Lázaro José da Silva
pela entrevista fornecida; ao Dr. Lávirio Nilton Camarin, Médico
e Conselheiro do CRM pela entrevista fornecida; à Sra.
Elisabete Ferreira Viegas pela entrevista fornecida e ao amigo
e Advogado Dr. José Jackson Dojas Filho.
5

DEDICO este trabalho ao meu amado marido, Renato Antônio


Del Bianco, às minhas lindas filhas Ana Beatriz e Ana Júlia, ao
meu pai Walter Ribeiro Viegas que tanto acreditou e confiou
em mim, à minha mãe Mária Teixeira Viegas que sempre me
ensinou o certo e errado, ao meu irmão Káique Teixeira
Viegas. Vocês são a Família que DEUS escolheu para mim.
Saibam que são pessoas amadas e que, esteja onde estiver,
sempre os amarei! Dedico também à minha sogra Thelma
Salerno Del Bianco e à sua Mãe Silvéria Salerno. Vocês
depositaram confiança e acreditaram em minha competência,
dando estímulo a dedicar-me mais profundamente na
realização deste trabalho.
6

RESUMO

VIEGAS, Kátia Teixeira. Colisão de direitos constitucionais e a postura médica


quanto à transfusão de sangue em testemunhas de jeová. 2010. 82 f. Trabalho
de curso (Graduação em Direito) – Universidade de Franca, Franca.

O presente trabalho teve como escopo principal, o estudo dos direitos e garantias
fundamentais do indivíduo no que tange ao direito da vida versus direito à crença,
em virtude de se tratar de um problema polêmico, visto que envolve o direito de
autonomia do ser humano em si, de decidir o que fazer de sua vida como bem lhe
aprouver. Porém o prisma central da polêmica consiste nos cristãos da denominação
evangélica ―Testemunhas de Jeová‖ que colocam como obste ao direito à vida, o
seu direito garantido pela constituição a liberdade de crença. Esta liberdade de
crença nem sempre é motivo de discórdia, porém quando incorre no risco de vida
para o cristão e este se recusa a receber como tratamento a transfusão de sangue,
surge o conflito não somente social, mas coloca de frente duas normas
constitucionais essenciais à vida e a convivência social sustentável. Quando há esse
conflito, os profissionais da saúde vêem-se acuados diante de tal situação por
carregarem consigo do dever de salvaguarda, como consta no código de ética
médica. O objetivo dessa pesquisa foi fazer um estudo sobre a colisão de direitos
fundamentais. Neste trabalho estudamos, aprofundamos sobre qual aplicabilidade
tem sido feita em questão da transfusão de sangue em testemunhas de Jeová, e
quais efeitos acarretam a não observância de um direito fundamental. Os princípios
da legalidade, da privacidade, bioéticos e o princípio da dignidade da pessoa
humana. Explicamos a razão da rejeição por adeptos à Testemunha de Jeová, suas
bases e argumentações. Para o desenvolvimento desta pesquisa foi feito análise de
textos, leitura e interpretação, fichamento de material bibliográfico, pesquisa de
campo, etc. Dentre eles serão definidos artigos de sites jurídicos da Internet,
bibliográfia com sistematização e discriminação de livros, pareceres do CRM,
entrevistas com juristas, médicos e testemunhas de Jeová e principalmente estudos
das decisões dos tribunais brasileiros sobre os aspectos que giram em torno dessa
questão. Esta pesquisa foi feita por método dedutivo. Foram feitas perguntas e
respostas, por meio de entrevistas, de forma que trouxesse aos leitores uma noção
desta realidade.

Palavras chaves: direito à vida; direito a crença; liberdade; transfusão de sangue.


7

ABSTRACT

VIEGAS, Kátia Teixeira. Colisão de direitos constitucionais e a postura médica


quanto à transfusão de sangue em testemunhas de jeová. 2010. 82 f. Trabalho
de curso (Graduação em Direito) – Universidade de Franca, Franca.

This work had as its main scope, the study of fundamental rights and guarantees of
the individual in relation to the law of life versus the right belief, because it is a
controversial issue since it involves the right of human autonomy in themselves to
decide what to do with your life as it thinks fit. But the central prism of the controversy
is the Christian evangelical denomination "Witnesses" who pose as obstruct the right
to life, his constitutionally protected right to freedom of belief. This freedom of belief is
not always cause for discord, but when it runs the risk of life for the Christian and he
refuses to receive treatment as blood transfusion, conflict arises not only social, but
puts forward two constitutional requirements needed to life and the social
development. When there is this conflict, health professionals find themselves
trapped by this situation before I can carry the duty to safeguard, as indicated in the
code of medical ethics. The objective of this research was a study on the collision of
fundamental rights. We study, which deepened on applicability has been done in a
matter of blood transfusion in Jehovah's Witnesses, and what effects result in a
failure to respect a fundamental right. The principles of legality, privacy, bioethics and
the principle of human dignity. We explain the reason for rejection by the Jehovah's
Witness adherents, their bases and arguments. To develop this research was done
text analysis, reading and interpretation, filing of publications, field research, etc..
Among them will be defined articles of legal Internet sites, bibliography and
systematic discrimination of books, CRM's opinions, interviews with lawyers, doctors
and Jehovah's Witnesses and mainly studies of Brazilian courts' decisions on the
issues that revolve around this question. This research was conducted by the
deductive method. We asked questions and answers in interviews, in order to bring
to readers a sense of reality.

Key words: right to life, right belief, freedom; blood transfusion.


8

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 8
1 DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS ........................................................... 9
1.1 DO SURGIMENTO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS ........................... 10
1.1.1 A primeira geração dos direitos fundamentais .......................................... 10
1.1.2 Direitos humanos de segunda geração .................................................... 11
1.1.3 Dos direitos fundamentais da terceira geração ........................................ 12
1.1.4 Das demais gerações aos direitos fundamentais ..................................... 13
1.2 DAS CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS ................ 14
1.2.1 Historicidade ............................................................................................. 14
1.2.2 Universalidade .......................................................................................... 15
1.2.3 Limitabilidade............................................................................................ 15
1.2.4 Concorrência ............................................................................................ 16
1.2.5 Irrenunciabilidade ..................................................................................... 17
1.2.6 Das demais características doutrinárias ................................................... 17
1.3 DIREITOS X GARANTIAS FUNDAMENTAIS .......................................... 18
1.4 DIREITO À VIDA ...................................................................................... 19
1.5 DIREITO À LIBERDADE RELIGIOSA E SUA LIVRE MANIFESTAÇÃO .. 20
1.6 PRINCÍPIO DA LEGALIDADE .................................................................. 21
1.7 PRINCÍPIO DA PRIVACIDADE ................................................................ 22
1.8 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA .............................. 22
1.9 PRINCÍPIOS BIOÉTICOS ........................................................................ 23
2 COLISÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS ............................................ 26
2.1 DO DIREITO À VIDA ................................................................................ 27
2.2 DO DIREITO À LIBERDADE .................................................................... 29
2.3 A HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL ................................................. 31
2.4 PRINCÍPIOS DA INTER PRETAÇÃO CONSTITUCIONAL ...................... 33
2.4.1 Dos Princípios da unidade da Constituição .............................................. 33
2.4.2 Princípio da Concordância prática ou harmonização ............................... 34
9

2.4.3 Do princípio da proporcionalidade ............................................................ 35


3 LEGISLAÇÃO .......................................................................................... 37
4 EVOLUÇÃO TECNOLOGICA E TRATAMENTOS ALTERNATIVOS .... 40
5 A RESPONSABILIDADE DO MÉDICO ................................................... 42
6 A VISÃO DOS ADEPTOS A TESTEMUNHAS DE JEOVÁ ..................... 46
7 A VISÃO DO CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA ............................. 48
8 A TRANSFUSÃO DE SANGUE NA VISÃO DOS TRIBUNAIS ............... 50
9 COMENTÁRIOS SOBRE ENTREVISTAS FEITAS COM
POSICIONAMENTO DE PROFISSIONAIS MÉDICOS, JUIZ,
ADVOGADO E ADPTO A RELIGIÃO TESTEMUNHAS DE JEOVÁ ...... 53
CONCLUSÃO ......................................................................................................... 56
REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 58
ANEXOS ................................................................................................................. 62
10

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como escopo o estudo dos direitos


fundamentais versus o direito de autonomia do indivíduo como pessoa titular destes
direitos que confrontam o direito à vida e também o direito à liberdade de crença.
Através de um estudo de pesquisa aprofundado, pretende-se
demonstrar os conceitos de direitos fundamentais, quais são estes direitos e quem
pode exercê-los. Poderia o ser humano dispor de sua vida em virtude de sua cultura
religiosa, afrontando assim os preceitos arguidos e presentes na Constituição
Federal de 1988 pelo legislador pátrio?
Prende-se como objetivo principal buscar esclarecimento através de
entrevistas com profissionais da área, médicos, juristas e religiosos envolvidos neste
conflito jurídico-religioso-ético, como meio de formar um conceito a respeito da
importância do respeito à vida, à autonomia de decisão do paciente e, neste conflito,
em que posição está pacificada a jurisprudência.
Enquanto não houver uma norma regulamentadora da situação nas
transfusões de sangue em ―Testemunhas de Jeová‖ e se houver posteriore
regulamentação, é um assunto sempre muito pertinente, visto que envolve direitos
constitucionais garantidos como de fundamental importância à existência do ser
humano e também neste mesmo contexto o direito de expressão da crença religiosa
também dispostos na mesma lei, a Constituição Federal.
Buscando fundamentações em doutrinas jurídicas, resoluções do
Conselho Federal de Medicina e a Fundamentação religiosa em que se baseiam
seus adeptos, o presente trabalho buscará um posicionamento ético-jurídico
sustentável ao conflito existente.
11

1 DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Os direitos fundamentais são direitos inerentes a qualquer ser humano


numa sociedade justa e humana. Consiste em direitos fundamentais, não somente o
direito à vida, à liberdade, mas também direitos com os quais o indivíduo participa
ativamente da sociedade em que vive, no que tange à liberdade de expressão,
pensamento, de locomoção e também nos direitos de exercer a cidadania através do
voto, escolhendo assim os destinos da nação, tornando-se componente fundamental
nos rumos de um futuro melhor.
Francisco de Salles Almeida Mafra Filho, ensina:

São liberdades públicas de direitos humanos ou individuais que visam, num


primeiro momento, a inibir o poder estatal no sentido de proteger os
1
interesses do indivíduo, exonerando-o de seus deveres nesses campos .

Os direitos fundamentais são um meio de limitação do poder Estatal


perante o povo, visto que o Estado com poderes ilimitados poderia tolher direitos a
uma vida digna, humana e pacífica.

José Afonso da Silva, brilhantemente explana que:

Direitos fundamentais são aqueles que reconhecem autonomia aos


particulares, garantindo iniciativa e independência aos indivíduos diante dos
demais membros da sociedade política e do próprio Estado; por isso são
reconhecidos como direitos individuais, como é de tradição do direito
2
constitucional brasileiro, e ainda por liberdades civis .

Os direitos fundamentais são os que garantem aos particulares o poder


de iniciativa, é o respaldo da lei na garantia de que o indivíduo não sofra do Estado

1
FILHO, Francisco de Salles Almeida Mafra. Direitos e garantias fundamentais: um conceito.
Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/.
php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=798>. Acesso em: 29. maio 2010.
2
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional Positivo. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 1998.
p. 161.
12

um obste a direitos fundamentais garantidos por normas internacionais do qual o


Brasil é signatário.
Para João Antonio Wiegerinck:

Os direitos e garantias fundamentais se constituem em um amplo rol em


que estão inseridos os direitos de defesa do indivíduo perante o Estado, os
direitos políticos, os relativos à nacionalidade e os direitos sociais dentre
outros. Os direitos fundamentais têm por finalidade proteger a dignidade
3
humana em todas as dimensões .

Infere-se do prelecionado que os direitos fundamentais se constituem


em um rol exemplificativo, porém não taxativo, como forma de garantir meios do
indivíduo se defender de possíveis abusos do Estado contra o seu povo.

1.1 DO SURGIMENTO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Os direitos fundamentais não surgiram de forma instantânea. A


conquista dos direitos fundamentais ocorreu ao longo da história de tal forma que
podemos identificar diversas gerações de direitos que nada mais são que a
representação de momentos históricos e os direitos ali conquistados. As gerações
de direitos também podem ser denominadas dimensões de direitos fundamentais,
termo que deixa mais claro o fato de que as gerações não são superadas, mas sim
incorporadas às novas gerações de direitos fundamentais.

1.1.1 A primeira geração dos direitos fundamentais

O ilustre mestre Pedro Lenza denomina esta primeira geração de


direitos fundamentais de Direitos humanos de primeira geração, destarte que:

3
WIEGERINCK, João Antonio. Direito constitucional. 4. ed. São Paulo: Barros & Fisher
Associados, 2005, p. 3.
13

Alguns documentos históricos são marcantes para configuração emergência


do que os autores chamam de direitos humanos de primeira geração
(séculos XVII, XVII e XIX): (1) Magna Carta de 1215, assinada pelo rei
―João Sem Terra‖; (2) Paz de Westfália (1648); (3) Habeas Corpus Act
(1679);(4)Bill of Rights (1688);(5) Declarações, seja a americana (1776),
seja a francesa (1789). Mencionados direitos dizem respeito às liberdades
públicas e aos direitos políticos, ou seja, direitos civis e políticos e
4
traduzirem o valor de liberdade

Conforme o apresentado, conclui-se que a primeira geração dos


direitos fundamentais têm suas raízes na evolução humana em sociedade, porém é
conceito entre os mais diversos autores que seu início data da Revolução Francesa,
visto que ocorre no século XVIII, sendo que todos os direitos conquistados à época
tinham cunho negativo, ou seja, o status negativus. Tal se deve ao fato de tratar-se
de obrigações de omissão por parte do Estado, uma obrigação de abstenção, do
não fazer e traziam em seus bojos direito civis e políticos.

1.1.2 Direitos humanos de segunda geração

Nesta segunda geração dos direitos humanos fica caracterizada a


necessidade da tutela Estatal em defesa da aplicação dos direitos fundamentais.
Neste contento ensina Irapuã Gonçalves de Lima Beltrão:

Os ora chamados direitos sociais, econômicos e culturais, onde passou a


exigir do Estado sua intervenção para que a liberdade do homem fosse
protegida totalmente (o direito à saúde, ao trabalho, à educação, o direito de
greve, entre outros). Veio atrelado ao Estado Social da primeira metade do
século passado. A natureza do comportamento perante o Estado serviu de
critério distintivo entre as gerações, eis que os de primeira geração exigiam
do Estado abstenções (prestações negativas), enquanto os de segunda
5
exigem uma prestação positiva .

4
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 670.
5
BELTRÃO, Irapuã Gonçalves de Lima. Conceitos iniciais sobre direitos e garantias
fundamentais na constituição. Disponível em:
<http://www.vemconcursos.com/opiniao/index.phtml?page_id=1936>. Acesso em 30. mai. 2010.
14

Neste linear, segue João Antônio Wiegerinck:

São aqueles que tratam da satisfação das necessidades mínimas para que
haja dignidade e sentido na vida humana. Exigem uma atividade
prestacional do Estado. Ex: os direitos sociais, os econômicos e os
6
culturais .

Trata-se de consenso entre os autores que a segunda geração dos


direitos humanos fundamentais traz consigo a exigência de que o Estado tutele as
garantias e direitos inerentes aos indivíduos. Se na primeira geração cabia ao
Estado a condição de abstenção, na segunda geração o papel do Estado é positivo,
ou seja, de intervenção para a garantia dos direitos fundamentais.

1.1.3 Dos direitos fundamentais da terceira geração

Os direitos fundamentais da terceira geração trazem consigo a


existência do ser humano, ligando-o ao destino da humanidade, tendo o ser humano
como conquista o direito à paz, ou ao menos que este possa almejá-la, à
preservação do meio ambiente.
Assim João Antonio Wiegerinck explana acerca dos direitos
fundamentais da terceira geração: ―São aqueles relativos à existência do ser
humano, ao destino da humanidade, à solidariedade (ex: direito à paz, à
preservação do meio ambiente)‖7.
Norberto Bobbio, em seus ensinamentos, disserta que na terceira
geração dos direitos fundamentais o ser humano é inserido em uma coletividade e
passa a ter direitos de solidariedade: ―O ser humano é inserido em uma coletividade
e passa a ter direitos de solidariedade‖8.

6
WIEGERINCK, João Antonio. Direito constitucional. 4. ed. São Paulo: Barros & Fisher
Associados, 2005, p. 5.
7
WIEGERINCK, João Antonio. Direito constitucional. 4. ed. São Paulo: Barros & Fisher
Associados, 2005, p. 5.
8
BOBBIO, Norberto apud LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 13. ed. São Paulo:
Saraiva, 2009. p. 670
15

Tem-se então, ao vislumbrar dos ilustres autores, uma tendência da


humanidade à solidariedade, da busca do bem comum. Neste ditame discorre o
ilustre mestre Paulo Bonavides: ―A terceira geração, dos direitos fundamentais tem
como fundamentos intrínsecos o direito ao desenvolvimento, o direito à paz, o direito
ao meio ambiente, o direito de propriedade sobre o patrimônio comum da
humanidade e o direito de comunicação‖9.
Fica claro e evidente que à terceira geração é a humanização, a
conscientização do homem ao seu meio, ao meio em que vive e transforma no dia a
dia. Fica óbvio, visto que o direito à convivência pacifica, o direito a um meio
ambiente ideal ao seu desenvolvimento remonta à solidariedade do coletivo.

1.1.4 Das Demais gerações aos direitos fundamentais

São controvertidos, entre os mais diversos autores de Direito


Constitucional no Brasil, a existência de uma quarta, ou demais gerações dos
direitos fundamentais, visto que de acordo com João Antonio Wiegerinck: ―Alguns
doutrinadores defendem a existência de uma quarta geração de direitos
fundamentais, onde estariam inseridos campos como o do bio-direito e a identidade
sexual‖10.
Neste consenso, também segue a citação de Pedro Lenza ao mestre
Norberto Bobbio, explanando que a quarta geração dos direitos fundamentais seriam
os avanços tecnológicos de engenharia genética que, segundo o autor, coloca em
risco a própria existência do ser humano: ―Já se apresentam novas exigências que
só poderiam chamar-se de direitos de quarta geração, referentes aos efeitos cada
vez mais traumáticos da pesquisa biológica, que permitira manipulações do
patrimônio genético de cada indivíduo‖11.
Já no conceito do ilustre mestre Paulo Bonavides, os direitos
fundamentais da quarta geração coadunam na existência no direito à democracia,
9
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 523
10
WIEGERINCK, João Antonio. Direito constitucional. 4. ed. São Paulo: Barros & Fisher
Associados, 2005, p. 5.
11
BOBBIO, Norberto apud Lenza, Pedro Direito constitucional esquematizado. 13. ed. São Paulo:
Saraiva, 2009. p. 670.
16

no direito à informação e ao pluralismo. Não obstante o presente trabalho não


pretenda trazer à baila tórrida discussão acerca dos direitos fundamentais, apenas
conceituar, para que esta sirva de alicerce a uma pesquisa sólida e calcada em
fundamentos constitucionais a fundamentar o foco principal do presente trabalho de
conclusão.

1.2 DAS CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Há uma entre os mais renomados autores acerca das principais


características dos direitos fundamentais, tem-se então:

1.2.1 Historicidade

Esta característica se deve principalmente ao caráter histórico e sua


evolução, visto que os direitos fundamentais tiveram sua evolução histórica, assim
como o homem, a religião e continuará a evoluir ao longo da história.
Neste liame, Pedro Lenza disserta: ―Possuem caráter histórico,
nascendo com o Cristianismo, passando pelas diversas revoluções e chegando aos
dias atuais‖12.
João Antônio Wiegerinck ensina: ―Os direitos fundamentais possuem
caráter histórico; nasceram com o Cristianismo, perpassando pelos Direitos
Humanos, e hoje ainda se encontram em plena discussão. É um processo que não
possui epílogo‖13.
O ilustre autor, citado anteriormente, ensina que a historicidade nos
direitos fundamentais é intrínseca, visto que há um processo contínuo em sua
formação, não há um fim.

12
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 672
13
WIEGERINCK, João Antonio. Direito constitucional. 4. ed. São Paulo: Barros & Fisher Associados,
2005, p. 5.
17

A contento, ainda Flávia Martins André da Silva: ―os direitos são


criados em um contexto histórico e, quando colocados na Constituição, se tornam
Direitos Fundamentais‖14.

1.2.2 Universalidade

Pela denominação desta característica, já se vislumbra o seu


significado aos direitos fundamentais:
Flávia Martins André da Silva assim explana: ―os Direitos
Fundamentais são dirigidos a todo ser humano em geral sem restrições,
independente de sua raça, credo, nacionalidade ou convicção política‖ 15.
Neste liame são também os ensinamentos do mestre João Antonio
Wiegerinck: ―Por esse critério, os direitos fundamentais são dirigidos a todos os
seres humanos‖16.
A universalidade dos direitos fundamentais é essencial para que estes
não se restrinjam a pequenos grupos, a determinadas castas sociais. Os direitos
fundamentais devem ser universais, abrangendo a todos os seres humanos,
indiferentes aos credos, raças ou qualquer discriminação.

1.2.3 Limitabilidade

Através destas características, alguns dos direitos fundamentais


sofrem restrições, ou melhor dizendo, limitações, porém fique claro que são apenas
alguns dos direitos fundamentais, visto que não se pode impor limitação ao direito à
vida do indivíduo.
Porém, há entre outros um confronto entre direitos. Nesta ceara ensina

14
SILVA, Flávia Martins André da. Direitos fundamentais. Disponível em:
<http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/2627/Direitos-Fundamentais>. Acesso em: 04. jun. 2010.
15
Ibidem
16
WIEGERINCK, João Antonio. Direito constitucional. 4. ed. São Paulo: Barros & Fisher
Associados, 2005, p. 5.
18

Pedro Lenza:

Os direitos fundamentais não são absolutos (relatividade), havendo, muitas


vezes, no caso concreto, confronto, conflito de interesses. A solução ou vem
discriminada na própria constituição (ex: direito de propriedade versus
desapropriação), ou caberá ao intérprete, ou magistrado, no caso concreto,
decidir qual direito deverá prevalecer, levando em consideração a regra da
máxima observância dos direitos fundamentais envolvidos, conjugando-a
17
com a sua mínima restrição .

É impossível imaginar uma relativização do direito à vida. Muito


embora em outros países a justiça decida entre a vida e morte do indivíduo, cabe
salientar na presente pesquisa a norma constitucional pátria, que infere o direito à
vida como o primeiro direito do indivíduo, vedando a pena de morte veementemente.
João Antônio Wiegerinck ensina neste sentido: ―Os direitos
fundamentais não são absolutos, podendo haver um choque de direitos, em que o
exercício de um implicará a invasão do âmbito de proteção do outro (ex: choque
entre o direito de informação e à privacidade)‖18.
Como visto, a limitabilidade dos direitos fundamentais restringe-se a
direitos secundários, ou seja, aqueles que não atingem a dignidade do homem, que
não imponham humilhação ou qualquer tipo de discriminação, limitam aqueles
direitos disponíveis e que de alguma forma beneficie uma das partes em detrimento
de outras, como é o caso do direito à informação em detrimento da privacidade do
indivíduo em alguns casos, outrora também o direito de propriedade relativizado em
virtude de desapropriação em face de um bem coletivo.

1.2.4 Concorrência

A concorrência está presente na conduta ou na ação do indivíduo que


pode exercer vários direitos ao mesmo tempo. Exemplo citado por diversos
doutrinadores está o jornalista que, após noticiar o fato jornalístico, emite sua

17
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 672
18
WIEGERINCK, João Antonio. Direito constitucional. 4. ed. São Paulo: Barros & Fisher
Associados, 2005, p. 5.
19

opinião, discorrendo sobre sua forma de pensar.


Assim Pedro Lenza afirma: ―Podem ser exercidos cumulativamente
quando, por exemplo, o jornalista transmite uma notícia (direito de informação) e,
juntamente, emite uma opinião (direito de opinião)‖19.

1.2.5 Irrenunciabilidade

Este é a principal característica dentre as já citadas nos direitos


fundamentais. Visto que os direitos são inerentes ao seres humanos, estes já
nascem com tais direitos, não podendo desfazer-se deles durante a vida.
Assim João Antonio Wiegerinck disserta: ―Os direitos fundamentais são
irrenunciáveis, o que implica que os indivíduos não podem deles dispor‖20.
O ilustre Pedro Lenza salienta que o indivíduo pode não exercer o seu
direito fundamental, porém nunca renunciá-lo.

1.2.6 Das demais características doutrinarias

O mestre José Afonso da Silva ainda aponta outras duas


características: a inalienabilidade, coadunando a outras correntes doutrinárias, visto
que se o direito não pode ser alvo de renúncia por parte de seu detentor, também
não poderá ser alienado, e a imprescritibilidade, visto que só se prescrevem os
direitos de cunho material, não aqueles de intuito personae21.

1.3 DIREITOS X GARANTIAS FUNDAMENTAIS

19
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 672
20
WIEGERINCK, João Antonio. Direito constitucional. 4. ed. São Paulo: Barros & Fisher
Associados, 2005, p. 5.
21
SILVA, José Afonso da Silva. Curso de direito constitucional positivo. 17. ed. São Paulo:
Malheiros, 2000.p. 282
20

Faz-se necessário dar um conceito abrangente da diferença entre os


direitos fundamentais e as garantias fundamentais.
Para o ilustre Pedro Lenza assim são diferenciados os direitos das
garantias fundamentais:

Direitos são bens e vantagens prescritos na norma constitucional, enquanto


as garantias são os instrumentos através dos quais se assegura o exercício
dos aludidos direitos (preventivamente) ou prontamente os repara, caso
22
violados .

Essa disposição do ilustre autor deriva já da doutrina do ilustre Rui


Barbosa que descrevia os direitos como disposições declaratórias, e as garantias,
disposições assecuratórias23.
Assim vislumbrando os dois conceitos, segue exemplo dado por
Gabriel Denzen Junior:

O direito é o que se protege, o bem da vida guardado pela Constituição, é


o que o documento constitucional atribui ou assegura. A garantia é o
mecanismo criado pela constituição para defender o direito. Como
exemplo, é direito o de locomoção, e é a sua garantia correspondente a
24
ação de habeas corpus .

Neste prisma, pode se afirmar que os direitos são as normas, o direito


positivo regulamentador que dispõe os direitos inerentes ao indivíduo. Já a garantia
é o meio através do qual se exterioriza o direito.

1.4 DIREITO À VIDA

O direito a vida é um direito intrínseco ao ser humano desde o


momento que este nasce, arrazoado e garantido pela Constituição Federal de 1988.

22
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 671.
23
BARBOSA, Rui apud JUNIOR, Gabriel Denzen. Direito constitucional. Brasília: Vestcon, 2008. p.
17.
24
JUNIOR, Gabriel Denzen. Direito constitucional. Brasília: Vestcon, 2008, p. 17.
21

Disciplinado pelo art. 5º da referida carta magna, trata-se de cláusula pétrea, não
podendo esta ser modificada ou suprimida em virtude de lei complementar ou
decreto.
Neste liame dita o art. 5º constitucional:

Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,


garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
25
propriedade" .

Acerca do direito à vida escreveu Aleksandro Clemente:

O direito à vida é um direito fundamental do homem, porque é dele que


decorrem todos os outros direitos. É também um direito natural, inerente à
condição de ser humano. Por isso, a Constituição Federal do Brasil declara
26
que o direito à vida é inviolável .

É clara e evidente a importância da vida, tão importante que o


legislador primou, como vislumbrado no art. 5º pela vida em primazia. Denota-se
deste princípio que a vida é o ponto central, de onde nascem todos os outros direitos
concernentes à vida do indivíduo.
Não obstante a conceituação do legislador pátrio, José Afonso da Silva
foi além e muito mais abrangente, visto que assim ensina:

o
A palavra vida no texto constitucional (art. 5 , caput) não será considerada
apenas no seu sentido biológico de incessante auto-Atividade funcional,
peculiar à matéria orgânica, mas na sua acepção biográfica mais
compreensiva. Sua riqueza significativa é de difícil apreensão porque é algo
dinâmico, que se transforma incessantemente sem perder sua própria
27
identidade .

25
Constituição Federal, Art. 5º Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. Acesso em 23. Jun. 2010.
26
CLEMENTE, Aleksandro. O Direito à vida e a questão do aborto. Disponível em:
<http://www.portaldafamilia.org.br/artigos/artigo400.shtml>. Acesso em 23 jun. 2010.
27
SILVA, José. Afonso. Da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 1999.
p. 251.
22

Vislumbra-se a partir deste conceito dissertado por José Afonso da


Silva que a vida não é apenas o direito de nascer, mas estão compreendidos nesse
direito também todos os atos de conservação da vida do indivíduo, como uma boa
alimentação, direito à saúde e ao bem estar.
Assim o direito à vida não se restringe apenas ao direito de nascer,
mas também, ninguém poderá tirar-lhe a vida, ou privar-se de necessidades básicas
que possam de alguma forma a prejudicarem ou até mesmo ceifar a vida. Assim
cabe ainda dizer que o direito a vida é irrenunciável, o indivíduo não tem o direito de
tirar a vida alheia, e também não possui o direito de renunciar a própria vida.

1.5 DIREITO À LIBERDADE RELIGIOSA E SUA LIVRE MANIFESTAÇÃO

O Brasil é um país laico, ou seja, não possui uma religião oficial. Cabe
a cada indivíduo, dentro do seu conceito de vida, cultura, dentre outros aspectos,
escolher a religião que melhor lhe aprouver, não podendo em hipótese alguma o
Estado interferir no direito de crença e na sua livre manifestação. Salvo nas
hipóteses em que a liberdade de crença e religião infrinja direitos fundamentais tidos
pela constituição como pedra fundamental na construção da nação. A exemplificar,
podemos citar como infração dos direitos fundamentais cultos e ritos que resultem
no sacrifício de vida humana. Como visto anteriormente, a vida é um direito
fundamental e universal do indivíduo.
Assim está disposto o texto acerca da liberdade religiosa na
constituição: ―é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado
o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos
locais de culto e a suas liturgias.‖
Ensina o mestre Alexandre de Moraes: ―Constituição Federal assegura
o livre exercício do culto religioso, enquanto não for contrário à ordem, tranqüilidade
e sossego públicos, bem como compatível com os bons costumes‖28
Assim, é garantido ao indivíduo a liberdade de expressão religiosa, de
cultuar seus santos ou deuses, sendo esta garantia destacada pela norma

28
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 13 ed. São Paulo. 2003. p. 25.
23

constitucional, entendendo-se esta aos locais de prática aos cultos e também às


liturgias.
Há, no entan, que se destacar que o indivíduo não poderá alegar
motivos de crença religiosa para abster-se de obrigações a todos imposta.
Há no país a liberdade de culto e manifestação religiosa, contudo é
importante salientar que nesta liberdade há limites e estes não devem ser vistos
como censura, apenas uma limitação que garanta o livre exercício da democracia e
o Estado de Direito. Neste há a liberdade, porém esta deve sempre respeitar os
costumes sociais e não atentar contra o direito positivo vigente.

1.6 PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

O princípio da legalidade é a oposição a qualquer método de poder


autoritário ou antidemocrático.
De acordo com o mestre Pedro Lenza ―o princípio da legalidade surge
com o estabelecimento do Estado de Direito, opondo-se a toda e qualquer forma de
poder autoritário, antidemocrático‖29.
O princípio da legalidade nada mais é que o cumprimento da lei, ou
seja, a obediência ao direito positivo, as normas de direito com imposição sobre
todos os indivíduos, ou seja, erga omnes.
Leandro Cadenas assim ensina que o princípio da legalidade é a
obediência à lei.30
Porém, é consentânea à Constituição, precisamente no inciso II do art.
5º, a seguinte redação: ―ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma
coisa senão em virtude de lei‖.

29
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 671
30
CADENAS, Leandro. Princípio da legalidade. Disponível em: <http://www.algosobre.com.br/direito-
administrativo/princípio-da-legalidade.html>. Acesso em: 25 jun. 2010.
24

1.7 PRINCÍPIO DA PRIVACIDADE

O princípio da privacidade, como o próprio vocábulo suscita; é o


respeito à intimidade do indivíduo.

Privacidade é a limitação do acesso às informações de uma dada pessoa,


ao acesso à própria pessoa, à sua intimidade, envolvendo as questões de
anonimato, sigilo, afastamento ou solidão. É a liberdade que o paciente tem
31
de não ser observado sem autorização .

Em se tratando de privacidade e liberdade à intimidade o indivíduo tem


o direito de não ter sua vida, suas coisas, suas intimidades reveladas a todos, ou
seja, o que ele faz na sua intimidade só lhe diz respeito e a ninguém mais. O
princípio da privacidade é bem abrangente e não se restringe apenas à liberdade
individual do cidadão dentro de sua casa, no seu recanto, mas também a
privacidade nas questões de sua vida em geral, como o direito que o indivíduo tem
de não ser observado sem sua autorização pelo médico.

1.8 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Este princípio se traduz no direito de acesso às condições


mínimas de uma vida digna (moradia, alimento, vestimenta) e ao livre exercício de
pensamento, expressão, inclusive a educação32.
O ilustre Alexandre Moraes assim ensina:

A dignidade da pessoa humana é um valor espiritual e moral inerente à


pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e
responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por
parte das demais pessoas, constituindo-se em um mínimo invulnerável que
todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que apenas

31
GOLDIM, José Roberto apud FILHO, José Roberto Moreira. Relação médico paciente. Disponível
em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2745>. Acesso em: 1 Jul. 2010.
32
WIEGERINCK, João Antonio. Direito constitucional. 4 ed. São Paulo: Barros & Fisher
Associados, 2005, p. 3.
25

excepcionalmente possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos


fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que
33
merecem todas as pessoas enquanto seres humanos .

Assim, de acordo com este princípio o valor da pessoa humana


enquanto ser humano é inestimável, sendo o indivíduo o valor mais precioso perante
a Constituição e assim deverá ser perante a sociedade brasileira.

1.9 PRINCÍPIOS BIOÉTICOS

Os princípios bioéticos são aqueles de valorização do ser humano na


sua conduta, haja vista, que o surgimento de novas tecnologias muitas vezes não
impõe limites ao agir do ser humano.
De acordo com Darlei Dall‘Agnol os princípios bioéticos são:

Princípio do respeito à autonomia;


Princípio da não maleficência;
34
Princípio da justiça .

No que tange ao princípio do respeito à autonomia, é o respeito do


médico para com o paciente, respeitando suas crenças, os aspectos socioculturais
em que o indivíduo foi gerado, acima de tudo, reconhecendo no indivíduo o direito
de este decidir sobre sua vida e a sua privacidade. Surgem então vários aspectos
controversos, em relação às discussões sobre o direito de o indivíduo decidir sobre
assuntos polêmicos, tais como, o aborto, a eutanásia. Ou ainda o direito de decidir
sobre sua própria vida, quando a Constituição brasileira trata a vida como um direito,
um bem irrenunciável do ser humano.
Neste sentido, vislumbra o mestre Darlei Dall‘Agnol: ―O princípio do
respeito à autonomia prescreve, basicamente, que um paciente ou um sujeito de
pesquisa, sendo uma pessoa, tem o direito de deliberar e participar das decisões

33
MORAES, Alexandre apud LIMA, Renata Fernandes. Princípio da dignidade da pessoa humana.
Disponível em: <http://www.webartigos.com/articles/14076/1/princípio-da-dignidade-da-pessoa-
humana-/pagina1.html#ixzz0u9nn9sBw>. Acesso em 09. Jul. 2010.
34
AGNOL, Darlei Dall‘l Disponível em: <http://www.cfh.ufsc.br/~darlei/biossegu.html>. Acesso em: 11
Jul. 2010.
26

para escolher o curso de tratamento ou se pretende participar ou não de uma


pesquisa‖35.
De acordo com Tereza Rodrigues Vieira, o princípio da não
maleficência disciplina a não prática de atos nocivos a seres humanos envolvidos
em tratamento, ou até mesmo uma pesquisa.

Princípio da não maleficência: assegura que sejam minorados ou evitados


danos físicos aos sujeitos da pesquisa ou pacientes. Riscos da pesquisa
são as possibilidades de danos de dimensão física, psíquica, moral,
intelectual, social, cultural ou espiritual do ser humano, em qualquer fase de
uma pesquisa e dela decorrente. Dano associado ou decorrente da
pesquisa é o agravo imediato ou tardio, ao indivíduo ou à coletividade, com
nexo causal comprovado, direto ou indireto, decorrente do estudo
36
científico .

Todo indivíduo que se submete a pesquisa ou tratamento médico, está


sujeito a ocorrências que por sua natureza, sucintamente, o risco pode vir a causar
graves danos ao indivíduo. O princípio da maleficência visa assegurar que os danos
físicos sejam ao máximo minorados ao paciente.
O princípio da justiça, nada mais é que a exigência de lisura na forma
de distribuir quaisquer benefícios que incentivem setores envolvidos com a
pesquisa, seja ela nas ciências exatas ou biológicas. Trata-se da equidade, do igual
tratamento.
Nos ensinamentos de Tereza Rodrigues Vieira:

Princípio da justiça: exige eqüidade na distribuição de bens e benefícios em


qualquer setor da ciência, como por exemplo: medicina, ciências da saúde,
37
ciências da vida, do meio ambiente, etc .

Para Darlei Dall‘Agnol:

O princípio da justiça prescreve tratamento eqüitativo entre as pessoas. Por


isso, os benefícios da pesquisa com células embrionárias precisam ser

35
AGNOL, Darlei Dall‘l Princípios bioéticos e a lei de biossegurança. Disponível em:
<http://www.cfh.ufsc.br/~darlei/biossegu.html>. Acesso em: 11 Jul. 2010.
36
VIEIRA, Tereza Rodrigues. O que é bioética. Disponível em: <http://pt.shvoong.com/social-
sciences/1783810-que-%C3%A9-bio%C3%A9tica/>. Acesso em: 13 Jul. 2010.
37
Ibidem
27

distribuídos igualmente. Assim, a engenharia genética não pode


38
transformar-se numa nova base de discriminação social .

Neste princípio, a justiça está ligada diretamente a distribuição de


recursos para as pesquisas e tratamentos, e também no tratamento igualitário para
com os pacientes.
O princípio da proporcionalidade é o equilíbrio, a razão entre os
benefícios e também os riscos. Trata-se do princípio que busca equilibrar para que a
pesquisa ou tratamento traga cada vez mais benefícios, sendo cada vez menos os
riscos ao paciente.
Os princípios bioéticos são bases nas quais os médicos e
pesquisadores devem se focar de modo a realizar suas pesquisas e tratamentos, a
fim de causar mais benefícios do que riscos aos pacientes, com a equidade da
justiça e acima de tudo a reverência e o respeito à vida.

38
VIEIRA, Tereza Rodrigues. O que é bioética. Disponível em: <http://pt.shvoong.com/social-
sciences/1783810-que-%C3%A9-bio%C3%A9tica/>. Acesso em: 13 Jul. 2010.
28

2 COLISÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS

A expressão correta deste tópico seria a colisão entre os direitos


fundamentais. Neste aspecto, explana Ana Carolina Reis Paes Lemes: ―A colisão de
direitos fundamentais dá-se quando, no momento do exercício destes direitos, há o
confronto entre os mesmos ou, entre eles e outros bens jurídicos protegidos
constitucionalmente‖39.
Quando da elaboração da Constituição Federal do Brasil e em sua
promulgação, o legislador pátrio deixou claro uma relevância de alguns direitos
fundamentais sobre outros, em virtude de seu grande valor ao indivíduo como ser
humano.
Destarte, cabe aqui uma releitura do caput do art. 5º no que tange à
relevância dos princípios fundamentais:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes [...].

Há que se analisar a cronologia e disposição dos princípios


constitucionais no texto do presente artigo, visto que eles não foram objeto de uma
mera colocação ao acaso no texto constitucional. Eles estão dispostos no presente
artigo de forma cronológica a sua importância, ao legislador pátrio e à sociedade
brasileira. No entanto, surge aí de acordo com a interpretação de cada um e sua
necessidade ao caso concreto.
Ainda neste ditame, dispõe Ana Carolina Reis Paes Lemes:

O legislador pode resolver esse confronto na medida em que cria a "reserva


de lei" na Constituição, ou seja, quando restringe o exercício de um direito à
observância do outro. Por outro lado, em se tratando de direitos

39
LEMES, Ana Carolina Reis Paes. Transfusão de sangue em testemunhas de Jeová. Disponível
em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6545&p=1>. Acesso em: 15 jul. 2010.
29

fundamentais não acobertados pela "reserva de lei", a solução fica a cargo


da jurisprudência, a qual deve realizar a "ponderação dos bens envolvidos",
com o intuito de resolver a colisão por meio do "sacrifício mínimo dos
40
direitos em jogo

O confronto entre os direitos fundamentais nos quais deve fundar o


estudo vislumbra o direito à vida, o direito à liberdade que compõe a liberdade de
escolha, o direito à intimidade e a privacidade do indivíduo. É importante dizer que
não cabe ao presente estudo vislumbrar todos os prismas sobre os direitos
fundamentais elencados no artigo 5º da Constituição Brasileira, mas apenas
dissecar os conceitos entre o direito à vida e o de liberdade, visto que o último
engloba a liberdade de crença, pensamento, expressão, religioão, etc.
Cabe neste ponto da pesquisa iniciar uma exegese acerca do conteúdo
normativo constitucional e da disposição normativa no que tange aos direitos
fundamentais dentro do direito à vida, e também o direito à liberdade, sua
conceituação e interpretações. Até onde o indivíduo tem o direito de decidir sua
privacidade e intimidade? Sabendo que a saúde é um dever do Estado e um direito
do indivíduo, terá direito o ser humano de escolha sobre um tratamento que pode
decidir sobre sua vida ou morte?
Há neste contento a colisão entre o dever do Estado em garantir a vida
do cidadão, dando lhe condições dignas de sobreviver nos quesitos de direitos
fundamentais e sociais, garantindo lhe a vida no mais abrangente conceito possível.
Assim, cabe aqui a conceituação sobre o que é o direito a vida, e o
direito à liberdade. Teria direito o indivíduo de evocar o direito à liberdade em
detrimento à sua própria vida?

2.1 DO DIREITO À VIDA

Saulo Steffanone Alle, especialista em Direito Constitucional, assim


explana a respeito do direito à vida:

40
FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de Direitos: a honra, a vida privada e a imagem versus a
liberdade expressão e informação. Porto Alegre: Sergio Fabris, 1996. p. 155.
30

O caput do art. 5º da Constituição faz referência à inviolabilidade do direito à


vida. A palavra vida deve ser entendida sob dois aspectos: o aspecto
material que engloba os elementos físicos e psíquicos do indivíduo e o
aspecto imaterial composto pelo elemento espiritual. Por isso, o direito à
vida, consagrado no texto constitucional, se projeta em três níveis distintos:
Direito de não ser morto – art. 5º, XLVII, a, que proíbe a pena de morte,
salvo em caso de guerra declarada, nos termos da Constituição; Direito à
sobrevivência – arts 6º e 7º. O art. 6º estabelece os direitos sociais e o art.
7º estabelece os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais; Direito a
41
tratamento digno – art. 5º, II, XLVII,b,c,d,e .

Através do prisma apresentado pelo ilustre autor, o direito à vida tem


um conceito complexo, visto que não abrange apenas o direito de não ser morto, ou
seja, apenas o conceito literal da norma, mas traz consigo o direito de proteção a
direitos que garantam sua sobrevivência de forma digna e concisa no que tange a
trabalho que propicie uma vida razoável ao indivíduo e seus dependentes,
tratamento digno no que pode ser vislumbrado pelo prisma da igualdade entre todos,
no acesso aos bens utéis à vida, à saúde que também atinge o direito à vida.
Assim, no contexto apresentado, Pedro Lenza disserta: ―O direito à
vida, prevista de forma genérica no art. 5º., caput, abrange tanto o direito de ser
morto, privado da vida, portanto, o direito de continuar vivo, como também o direito
de ter um vida digna‖42.
Ainda na conceituação de Lenza:

Em decorrência do seu primeiro desdobramento (direito de não se ver


privado da vida de modo artificial), encontramos a proibição da pena de
morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XiX.
Assim mesmo por emenda Constitucional é vedada a instituição da pena de
morte no Brasil, sob pena de se ferir a cláusula pétrea do art. 60, § 4º., IV. O
segundo desdobramento, ou seja, o direito a uma vida digna, garantindo-se
as necessidades vitais básicas do ser humano e proibindo qualquer
tratamento indigno, como a tortura, penas de caráter perpétuo, trabalhos
43
forçados, cruéis, etc .

O direito à vida não pode ser meramente interpretado de acordo com a


litera seca, da norma Constitucional, e sim vislumbrado por um prisma complexo,
tratando a vida não apenas com a materialidade do corpo humano, mas também

41
ALLE, Saulo Steffanone. Direito Constitucional: dos direitos e garantias fundamentais. 1 ed.
São Paulo: Proconcurso, 2009. p. 180.
42
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 678.
43
Ibidem, p. 678.
31

todas as condições inerentes a propiciar vida digna e condizente ao ser humano,


dentro dos princípios éticos, morais, sociais e da dignidade da pessoa humana.

2.2 DO DIREITO À LIBERDADE

O direito à liberdade, assim como direito à vida também possui


nuanças que ultrapassam o mero e simples significado do vocábulo. A liberdade
alcança horizontes inimagináveis ao indivíduo, visto que é sinônimo de que pode o
ser humano fazer, deixar de fazer, enfim, manter-se restrito à sua vida, a intimidade
de seus atos, ou divulgá-los. Contudo, há que se vislumbrar que nenhum direito é
absoluto.
O direito à liberdade está disposto na Constituição, no que tange à
liberdade da manifestação de pensamento no art. 5º, IV e V:

Art. 5º [...]
IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da
indenização por dano material, moral ou à imagem.

À liberdade de expressão, como todos os princípios Constitucionais,


não goza de liberdade absoluta, visto que o legislador pátrio permite ao indivíduo ter
liberdade na manifestação de pensamento, mas veda seu anonimato e, tendo a
manifestação de pensamento agravado a terceiro, resguarda a Constituição o direito
de resposta proporcionalmente ao dano causado.
Consagra-se o princípio da liberdade no que tange ao indivíduo poder
se manifestar livremente, contudo não gozando de liberdade absoluta, visto que a lei
impõe limites à manifestação. Este limite é demarcado pelo direito de resposta
quando a liberdade de um ultrapassar o limite de outrem.
Consentâneo à liberdade de manifestação e pensamento está a
liberdade de exercício da atividade intelectual, artística, cientifica ou de comunicação
e indenização em caso de dano que esta disposto no art. 5º, IX e X:
32

Art. 5º [...]
IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de
comunicação, independentemente de censura ou licença;
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das
pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral
decorrente de sua violação.

A Constituição Federal neste quesito vislumbra a livre expressão da


atividade artística ou intelectual ou qualquer manifestação no exercício artístico,
livrando de censura como acontecia em tempos idos no Brasil. O indivíduo tem o
direito ao exercício de sua profissão, sendo ela intelectual ou artística, logicamente
interligado com os preceitos da liberdade de manifestação de pensamento.
Entretanto, resguarda-se o direito de resposta proporcional ao agravo. Em outras
palavras, está garantida a liberdade intelectual e artística dos cidadãos brasileiros
dentro dos limites toleráveis, culturalmente e socialmente.
Porém, há que ressaltar que estes conceitos explanados serviram
apenas de alicerce ao ponto principal da presente pesquisa, haja vista a colisão
entre direitos fundamentais. Neste prisma, está inserida a liberdade de consciência,
crença e culto, dispositivo do art. 5º, VI a VIII da Constituição Federal Brasileira.

Art. 5º
VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado
o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção
aos locais de culto e a suas liturgias;
VII - é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa
nas entidades civis e militares de internação coletiva;
VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de
convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de
obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação
alternativa, fixada em lei;

Fica assegurado aos brasileiros o direito ao exercício de sua religião,


aos locais de culto, exercendo sua crença livremente sem censura ou perseguição.
Pedro Lenza, nesse sentido: ―Ninguém será privado de direitos por
motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar
para eximir-se de obrigação legal a todos imposta‖44.

44
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 13 ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 685.
33

Evoca-se aqui o tema principal da pesquisa, visto que ninguém poderá


invocar a religião para eximir-se de obrigação a todos imposta.
Há de acordo com alguns doutrinadores um conflito, uma colisão entre
esses direitos fundamentais, ou seja, como colidir o direito a vida com à liberdade
religiosa.

2.3 A HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL

Interpretar a norma Constitucional acerca da presente pesquisa é


vislumbrar o que o legislador pátrio dispôs ao elaborar os direitos fundamentais,
garantidos e inerentes à vida humana, e a liberdade de dispor de alguns bens por
parte do ser humano em virtude de costumes, baseado sempre na cultura e crença.
Para o mestre Carlos Ernani Constantino, o grande problema da
interpretação constitucional é quanto à omissão da lei na atual Constituição, visto
que no direito anterior à Constituição de 1988, havia uma condição expressa na lei
que assim dizia:

O direito de que ora tratamos tinha uma redação muito precisa no direito
anterior: ‗é plena a liberdade de consciência e fica assegurado aos crentes
o exercício dos cultos religiosos que não contrariem a ordem pública e os
45
bons costumes

Na concepção do ilustre autor, a Constituição Federal de 1988, falha ao


não explicitar que embora haja direito de crença e de culto, não se pode arguir o
direito à liberdade de crença, confrontar o direito à vida. Muito embora não necessite
vir expressa, visto que os doutrinadores são unânimes, até mesmo pelo poder
hierárquico do direito à vida, em relação aos outros direitos fundamentais na
presente Constituição.
Contudo, como toda norma, há que se manter sempre o bom senso,
haja vista o surgimento de novas tecnologias e tratamentos alternativos, o que pode
sanar tal divergência.

45
CONSTANTINO, Carlos Ernani. Transfusão de sangue e omissão de socorro. Disponível
em:<http://www.acta-diurna.com.br/biblioteca/doutrina/d36.htm>. Acesso em: 22 Jul. 2010.
34

Neste prisma, Ana Carolina Reis Paes Lemes brilhantemente escreveu:

A solução é, então, buscar estes critérios para resolver a aparente colisão


de direitos fundamentais, diante de um caso concreto, nos princípios
informadores da Hermenêutica Constitucional, já que não há um critério
dogmático a priori, e balizar a ponderação de tais valores na supremacia da
dignidade humana, fundamento do nosso Estado de Direito democrático e
social e princípio informador de qualquer interpretação de direitos
46
fundamentais .

Não se deve simplesmente ignorar a crença, os costumes e a cultura


do povo brasileiro, como também não poderá o indivíduo arguir a religião para
ignorar os preceitos já existentes no país. Há que se buscar sempre soluções
alternativas e, caso não haja, que prevaleçam os preceitos constitucionais. Porém,
sempre a respeitar os limites e direitos individuais do cidadão, desde que estes
estejam e prevaleçam dentro do limite tolerável, inferindo sempre que a vida está
em um plano acima dos outros direitos fundamentais.

46
LEMES, Ana Carolina Reis Paes. Transfusão de sangue em testemunhas de Jeová. Disponível
em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6545&p=1>. Acesso em: 22 Jul. 2010.
35

2.4 PRINCÍPIOS DA INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL

Toda interpretação Constitucional é calcada sempre em princípios


sólidos que são instituídos de forma a delimitar e buscar sempre que a lei, enquanto
norma, atenda os seus objetivos sociais e a demanda sócio-cultural dos indivíduos a
que esta serve.
Assim, neste vislumbrar Ana Carolina Reis Paes Lemes cita os
seguintes princípios como principais e norteadores da interpretação Constitucional
sobre o presente estudo:

 Princípios da unidade da Constituição;


 Concordância prática ou harmonização;
 Proporcionalidade.

2.4.1 Dos Princípios da unidade da Constituição

Este princípio define que a Constituição deve ser interpretada sobre o


seu todo, claramente respeitando e tentando compatibilizar os conflitos que surgem
do cotidiano, e confrontam direitos e normas existentes entre si. Cabe, pois, uma
interpretação de forma a respeitar os princípios legais e normativos e também sem
que estes firam os bons costumes e atentem contra a ordem pública.
À luz do explanado e consoante a dissertação de Ana Carolina Reis
Paes Lemes: ―O princípio da unidade da constituição determina a análise do texto
constitucional como um todo, como um sistema que necessita "compatibilizar
preceitos discrepantes‖47.

47
LEMES, Ana Carolina Reis Paes. Transfusão de sangue em testemunhas de Jeová. Disponível
em:<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6545&p=1>. Acesso em: 22. Jul. 2010.
36

Também ilustra desse modo, Edilsom Pereira citando Konrad Hesse:

As normas constitucionais devem ser interpretadas de maneira que se


evitem contradições com outras normas constitucionais e que a única
solução coerente com este princípio é a que se encontra em consonância
com as decisões básicas da Constituição e evite sua limitação unilateral a
48
aspectos parciais .

A interpretação das normas Constitucionais deve ter como preceito


acima de tudo o respeito à norma escrita, contudo também respeitando os direitos
humanos e a liberdade que esta mesma dá ao ser humano. É necessário, contudo,
expor que isto não significa que o indivíduo tenha autonomia para fazer o que bem
entende. Faz-se necessária, diante de tantos conflitos, uma interpretação perspicaz
de modo a não prejudicar cidadãos diretamente em seus direitos e não afrontar o
sistema normativo vigente.

2.4.2 Princípio da Concordância prática ou harmonização

Ana Carolina Reis Paes Lemes assim descreve o presente princípio:

A concordância prática, ou princípio da harmonização, expressa uma


consequência lógica do princípio da unidade da constituição, pois, conforme
aqueles, os valores e direitos fundamentais devem ser harmonizados, no
caso concreto, por meio de juízos de ponderação que vise concretizar ao
máximo os direitos constitucionalmente protegidos, não se devendo por
meio de uma precipitada ponderação de bens ou valores in abstrato,
49
desprezar um direito à custa da prevalência do outro .

48
HESSE, Konrad FARIAS apud FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de direitos: a honra, a vida
privada e a imagem versus a liberdade expressão e informação. Porto Alegre: Sergio Fabris, 1996. p.
98.
49
LEMES, Ana Carolina Reis Paes. Transfusão de sangue em testemunhas de Jeová. Disponível
em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6545&p=1>. Acesso em: 22 jul. 2010.
37

O princípio da concordância prática ou também descrito como princípio


da harmonização é propriamente, como diz o vocábulo, harmonia, é a ponderação
de bens e valores de modo a proteger os bens e direitos tutelados pela Constituição,
buscando uniformizar e dirimir os conflitos existentes.

2.4.3 Do princípio da proporcionalidade

Explica Ana Carolina Reis Paes Lemes que o princípio da


proporcionalidade é a ponderação entre a proporção e a razoabilidade, visto que,
segundo a autora, é o sopesar entre os meios que se empregam para atingir
determinado fim.

O princípio da proporcionalidade caminha junto com o princípio da


razoabilidade, formam uma espécie de parceria: significam a ponderação
entre os meios empregados e os fins atingidos; é a busca do razoável. O
princípio da proporcionalidade manifesta-se como um senso de justiça,
balizador do juízo de ponderação a ser realizado pelo intérprete no caso sub
50
examine .

Neste contexto, infere-se que o princípio da proporcionalidade é a


aplicação razoável da norma de forma proporcional à sua aplicação para se
conseguir os fins almejados, de forma a não afetar nenhuma das partes envolvidas.
Trazendo o princípio da proporcionalidade e aplicando ao caso em
estudo, infere-se que o Estado deverá sim proporcionar ao indivíduo tratamento
digno de saúde, garantindo lhe o direito de acesso a um tratamento digno e justo no
que tange à sua saúde, porém deve salvaguardar o direito autônomo de escolha do
indivíduo quando o tratamento tradicional afrontar os costumes, a cultura ou até
mesmo a religião da pessoa.
Os meios empregados devem estar alinhados aos fins almejados,
porém é sabido que nem sempre isto será possível. Entretanto, deve ser sempre o

50
LEMES, Ana Carolina Reis Paes. Transfusão de sangue em testemunhas de Jeová. Disponível
em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6545&p=1>. Acesso em: 3 ago. 2010
38

objetivo a se buscar para que não ocorra a desproporcionalidade de satisfação a


apenas uma das partes.
39

3 LEGISLAÇÃO

A transfusão de sangue, como meio de salvar e manter a vida humana,


é uma técnica médica difundida em todo o planeta. Tal procedimento é aplicado pela
medicina em seus pacientes como meio de preservar a vida humana em virtude de
várias patologias inerentes ao ser humano.
Contudo, é sabido que, em decorrência de vários fatores, dentre eles a
religião, pacientes, muitas vezes em risco de vida ou até mesmo em estado terminal,
representados por seus entes queridos, recusam o tratamento que em sua maioria
pode definir a diferença entre a vida e a morte dos mesmos. Diante disto, surge o
conflito de interesses e acima de tudo do dever que tem o Estado em preservar a
vida de seu povo, garantindo lhes o direito a uma vida digna, afrontado pelo direito
garantido pela Constituição Brasileira ao livre exercício de sua religião, crença e a
prática de suas liturgias.
Diante do presente dilema, cabe consultar o que aduz a legislação em
vigor.
No que tange ao estudo da legislação vigente, no que diz respeito à
transfusão de sangue, é preciso salientar em primeiro lugar a carta magna e a sua
interpretação no que diz respeito à saúde do indivíduo, principalmente quando o que
em discussão é a vida ou a morte.

Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade.

Como já vislumbrado e destacado nos capítulos anteriores, o legislador


pátrio, quando da elaboração da Constituição Federal de 1988, priorizou alguns
direitos fundamentais que para a sociedade brasileira são considerados essenciais,
sendo elencados neste conceito a essencialidade e a indisponibilidade do direito à
40

vida. Contudo, quando se vislumbra o direito à vida, explana o conceito que o


indivíduo tem o direito a ter uma vida digna e saudável como também o direito de
fazer desta o que melhor lhe aprouver. No entanto, não está em suas mãos decidir
entre viver ou morrer.
O Constituinte de 1988, ainda no art. 5º, assim dispôs em alguns
incisos referentes à vida do cidadão brasileiro:

Art. 5º [...]
II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão
em virtude de lei;
VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado
o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção
aos locais de culto e a suas liturgias;
VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de
convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de
obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação
51
alternativa, fixada em lei

De acordo com os preceitos constitucionais, não pode ninguém ser


obrigado a alguma conduta ou atitude se esta não estiver disposta em lei, não
podendo assim ser privado de seus direitos em virtude de sua crença religiosa ou de
suas convicções no que tange à política ou filosofia.
A constituição garante ao indivíduo o direito ao livre exercício religioso,
de crença, e para praticar suas liturgias, assim como a liberdade para abertura de
seus templos, mas há uma ressalva nesta garantia: não poderá o indivíduo, imbuído
de seus direitos, alegá-los para eximir-se de obrigações a todos imposta.
Ainda discorrendo sobre as normas legais brasileiras, assim disciplina
o Código Civil brasileiro de 2002, em seu art. 15: ―Ninguém pode ser constrangido a
submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica‖.
O artigo 15 do Código Civil, promulgado em 2002, preleciona que
ninguém poderá ser obrigado a submeter-se a tratamento médico ou a sofrer
intervenção cirúrgica quando estes procedimentos incorrerem em riscos para sua
vida. Ou seja, infere-se que, quando os procedimentos cirúrgicos ou intervenção
médica possam causar danos à saúde, tendo como consequência riscos à vida do
paciente, este não será obrigado a submeter-se a tal tratamento ou cirurgia.

51
Grifo Nosso.
41

A Constituição Federal, promulgada em 1988, garantiu a todas as


pessoas, independentemente brasileiros ou estrangeiros, um tratamento digno e
humano. Garantiu também a liberdade de expressão, de consciência e de crença
entre outras garantias. No entanto, há que salientar que em toda garantia há um
limite.
Assim como o direito à vida sofre restrições, como no disposto na
alínea ―a‖ do inciso XLVII do Art. 5º constitucional, que prevê a pena de morte nos
casos em que o Brasil estiver em guerra declarada com outra nação, trazendo assim
uma ressalva ao direito à vida. O direito à liberdade de crença também deverá sofrer
restrições, sempre que alguém arguir sua religiosidade para livrar-se de qualquer
tratamento aludido a todos, como forma de proteção à sua vida, e deve ser elidido
para que seja o direito à vida o bem maior desta nação. Claro que, se houver
tratamentos alternativos, não há como obrigar o paciente a utilizar este ou aquele
tratamento. Ele deverá submeter-se ao tratamento que melhor lhe aprouver, a não
ser que a transfusão de sangue seja a última solução para salvaguardar a vida
humana.
42

4 EVOLUÇÃO TECNOLÓGICA E TRATAMENTOS ALTERNATIVOS

A evolução tecnológica se faz presente em todas as áreas e não seria


diferente na medicina. O conflito de interesses instituído entre os que defendem a
transfusão de sangue como meio de preservação da vida e os que não aceitam este
método como meio seguro para preservação da saúde fez com que ao longo dos
últimos 30 anos surgissem tratamentos alternativos.
Eric Diniz Casimiro assevera em seu trabalho de pesquisa alguns
tratamentos alternativos à transfusão de sangue de acordo com a Comissão
Presidencial dos Estados Unidos da América:

 Pré-depósito do sangue do próprio paciente;


 O reaproveitamento do seu próprio sangue durante a cirurgia (transfusão
autóloga intraoperatória);
 Técnicas de diluição sanguínea (hemodiluição);
 E o reaproveitamento do pós-operatória para reinfusão (recuperação
52
pós-operatória).

Ainda de acordo com a dissertação de Casimiro, baseada nos estudos


técnicos da Comissão Presidencial Norte Americana, os conceitos dos tratamentos
alternativos citados acima:

O método da hemodiluição induzida consiste em diluir o sangue do paciente


durante a cirurgia. Assim, no início da operação, os médicos desviam parte
do sangue para recipientes de armazenagem fora do corpo do paciente e o
substituem por fluidos não sanguíneos; depois, permite-se que o sangue
flua dos recipientes de volta para o paciente. Visto que as Testemunhas de
Jeová não permitem que seu sangue seja estocado, alguns médicos têm
adaptado esse método, fazendo o equipamento funcionar num circuito que
é constantemente ligado ao sistema circulatório do paciente123. No caso de
recuperação intraoperatória, envolve recuperar e reutilizar o sangue durante

52
CASIMIRO, Eric Diniz. Direito do paciente a tratamento médico alternativo, referente à
transfusão de sangue. Disponível em:
<http://bdjur.stj.gov.br/xmlui/bitstream/handle/2011/26794/Direito_Paciente_Eric%20Diniz.pdf?sequen
ce=1>. Acesso em: 05. Ago. 2010 apud Report of the Presidential Commission on the
HumanIimmunodeficiency Virus Epidemic, op. cit., p. 78-84.
43

uma cirurgia. Usa-se um equipamento para aspirar o sangue da incisão,


bombeá-lo através de um filtro (para remover coágulos ou resíduos) ou de
um centrifugador (para eliminar fluidos), e daí reinjetá-lo no paciente. Nesse
53
caso, não há a interrupção do fluxo sanguíneo .

Todos estes tratamentos da medicina moderna têm surtido resultados


satisfatórios, principalmente a solucionar conflitos instaurados entre religiosos e o
Estado. Há que salientar, entretanto, que a classe médica posiciona-se a favor de
tratamentos alternativos quando há condições para isto, conquanto não se possa
esquecer da extensão geográfica do Brasil e o desnível social existente nos mais
equidistantes recantos do país. Muitos Estados da Federação não possuem
recursos para a instalação de tais aparelhos e treinamento da equipe médica.
Tais afirmações podem ser constatadas ao analisar as condições de
tratamento e os recursos da saúde brasileira à disposição de seus cidadãos. Se não
há tratamento médico suficiente para patologias simples, quanto mais a tratamentos
delicados que necessitam de tecnologia e mão de obra treinada e cada vez mais
qualificada.
Analisar estes aspectos nos EUA, ou em grandes centros espalhados
pelo mundo é fácil, difícil é a sua implantação em um país com as diversidades
encontradas no Brasil.

53
CASIMIRO, Eric Diniz. Direito do paciente a tratamento médico alternativo, referente à
transfusão de sangue. Disponível em:
<http://bdjur.stj.gov.br/xmlui/bitstream/handle/2011/26794/Direito_Paciente_Eric%20Diniz.pdf?sequen
ce=1>. Acesso em: 5 ago. 2010 apud Report of the Presidential Commission on the
HumanIimmunodeficiency Virus Epidemic, 1988, p. 78
44

5 A RESPONSABILIDADE DO MÉDICO

Neste conflito entre a obrigação do Estado em garantir o direito à vida e


o direito do paciente em exercer sua crença, religiosidade, esquece-se do principal
envolvido em toda esta questão: o médico.
O médico tem como objetivo principal salvar a vida do paciente e para
este escopo principal, deve utilizar os meios necessários a atingir esta meta. Em
muitos procedimentos para se salvar a vida do paciente, o médico utiliza-se de
meios cirúrgicos como último recurso de garantir a vida do paciente.
Jandira Thibes ensina que:

A intenção do médico é de salvar o paciente, e não de feri-lo. Entretanto,


este posicionamento sofre uma forçosa crítica: fatalmente ao submeter o
paciente à intervenção cirúrgica, o médico age com o animus de cortar,
ainda que, obviamente, não haja com o dolo prescrito pelo tipo penal de
54
lesões corporais, pois o profissional está agindo terapeuticamente .

No dissertar do art. 5º do Código de Ética Médica: ―O médico deve


aprimorar continuamente seus conhecimentos e usar o melhor do progresso
científico em benefício do paciente‖55.
Em consonância com o explanado, José Eberienos Assad ensina que:

Em um contexto como este, o médico deve estar sempre ampliando e


reciclando seus conhecimentos, deve ser capaz de aplicar novos
desenvolvimentos em sua prática, contribuir quando possível para o seu
desenvolvimento através da relação cientifica com seus colegas de
56
profissão e com a sociedade em que vive .

54
THIBES, Jandira. Transfusão de sangue em testemunhas de jeová x transfusão de sangue.
Revista de Direito: v. 12, n. 16, 2009. p. 30. Disponível em:
<http://sare.unianhanguera.edu.br/index.php/rdire/article/viewFile/900/733>. Acesso em: 9 ago. 2010.
55
MÉDICA, Código de Ética. Resolução CFM nº 1.246/88, DE 08.01.88. Disponível em:
<http://www.abctran.com.br/Conteudo/codigo_etica_medica.pdf>. Acesso em: 9. Ago. 2010
56
ASSAD, José Eberienos. Desafios Éticos: Conselho Federal de Medicina. Brasilia, 1993. p. 198.
45

O médico é um ser humano comum como todos os outros, apenas com


a predileção de ter uma profissão que esta sempre em uma luta constante entre a
vida e a morte. Ele deve sempre buscar medidas e tratamentos alternativos aos
tratamentos tradicionais, o que no mundo de hoje não é tão difícil, visto que novas
tecnologias surgem a todo instante. E como vislumbrado no presente trabalho, há
alguns tratamentos alternativos à transfusão de sangue em caso de recusa do
paciente ou seu responsável, visto que os arts. 46; 55 e 56 do Código de Ética
Médica assim disciplina:

É vedado ao médico:
[...]
Art. 46 - Efetuar qualquer procedimento médico sem o esclarecimento e
consentimento prévios do paciente ou de seu responsável legal, salvo
iminente perigo de vida;
Art. 55 - Usar da profissão para corromper os costumes, cometer ou
favorecer crime.
É vedado ao médico:
[...]
Art. 56 - Desrespeitar o direito do paciente de decidir livremente sobre a
execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de
iminente perigo de vida.

Dentre os deveres juramentados dos profissionais da medicina em sua


formatura está a preservação da vida. Este princípio básico intrínseco da
Constituição Federal de 1988 e de todas as normas infraconstitucionais é ainda
salvaguardado pelo Código de Ética Médica que preleciona que ante a algum
procedimento terapêutico ou cirúrgico, o paciente deverá ser consultado. Entretanto,
quando se cogita a transfusão de sangue em determinado paciente, infere-se que
todas as alternativas possíveis a este tratamento foram esgotadas e não há outra
alternativa de que o médico possa se socorrer para salvar a vida do paciente.
Seria praticado pelo médico o crime tipificado no Código Penal por
constrangimento ilegal, visto que submeteu o enfermo a procedimento cirúrgico
contrariando sua vontade?
Vislumbremos o que diz o art. 146 do Código Penal brasileiro:

Art. 146 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou


depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de
46

resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda:
Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.

Não incorre o médico nas primeiras tipificações do artigo, como


violência ou grave ameaça, porém o médico através de sedativos pode reduzir no
paciente a capacidade de resistência.
É contundente, no entanto, o que disse o legislador no discorrer do art.
146 do Código Penal, visto que, no § 3º do presente artigo em estudo, elimina
qualquer hipótese de constrangimento ilegal:

Art. 146 [...]


§ 3º - Não se compreendem na disposição deste artigo:
I - a intervenção médica ou cirúrgica, sem o consentimento do paciente ou
de seu representante legal, se justificada por iminente perigo de vida;
[...]

Ou seja, o § 3º do art. 146 desqualifica o crime de constrangimento


ilegal do médico que, embora desrespeitando o não consentimento da transfusão de
sangue por parte do paciente, age justificado por iminente perigo da vida daquele,
legitimando assim sua ação e respaldado pela norma penal.
O ilustre Carlos Ernani Constantino assim ensina:

Face a este dispositivo, o médico deve agir da seguinte forma, nos casos
abaixo elencados, sempre que houver iminente perigo de vida ou de saúde
para o paciente e independentemente de qualquer outra providência (como
pedir autorização judicial, etc.):
Se o paciente se recusar a receber a transfusão de sangue, o médico deve
aplicar-lhe um sedativo e ministrar-lhe o referido tratamento, mesmo contra
sua vontade;
Se o paciente estiver inconsciente ou tratar-se de uma criança e seus
parentes ou representantes legais disserem que não desejam que se faça
transfusão de sangue, o médico deve fazê-la, mesmo contra a vontade
deles;
Se o paciente estiver inconsciente e desacompanhado, encontrando-se com
ele uma carteira de identificação de membro da seita, em que se solicite a
não transfusão de sangue, o médico deve ir contra a presumível vontade do
57
paciente .

57
CONSTANTINO, Carlos Ernani. Transfusão de sangue e omissão de socorro. Disponível em:
<http://www.acta-diurna.com.br/biblioteca/doutrina/d36.htm>. Acesso em: 9 ago.. 2010.
47

De acordo com o dissertar do ilustre autor, o médico, mesmo com a


recusa dos familiares ou do próprio paciente em virtude de qualquer motivo, até
mesmo por motivos religiosos, deverá proceder o tratamento que estará embasado
na lei pátria, asseverando ainda que deverá agir não só quando a vida estiver em
risco, mas também quando a saúde do indivíduo correr riscos. No entanto, se não
houver riscos à vida ou à saúde do paciente, o médico deverá se abster e respeitar
a vontade do paciente:

Embora o art. 146, § 3º, I, do CP, se refira apenas a ―iminente perigo de


vida‖, se existir iminente perigo de saúde para a vítima, há que se fazer in
casu uma analogia in bonam partem em favor do médico, uma vez que são
situações semelhantes. Por outro lado, se não houver iminente perigo de
vida ou saúde para a pessoa, então deve o médico respeitar o pensamento
58
religioso de seu paciente (ainda que absurdo e errôneo) .

A ação do médico deverá sempre se basear no estado do paciente,


buscando sempre o bem estar deste respeitando sempre que possível a sua
vontade, salvo se esta for contrária à continuidade de sua própria vida.

58
CONSTANTINO, Carlos Ernani. Transfusão de sangue e omissão de socorro. Disponível em:
<http://www.acta-diurna.com.br/biblioteca/doutrina/d36.htm>. Acesso em: 9 ago. 2010.
48

6 A VISÃO DOS ADEPTOS A TESTEMUNHAS DE JEOVÁ

Os religiosos adeptos da denominação Testemunhas de Jeová


buscam fundamentar sua crença na interpretação da Bíblia Cristã. O grande
problema nesta interpretação é que todos os religiosos, independente de
denominação, buscam interpretar a Bíblia Sagrada de acordo com sua visão e suas
convicções.
Sergio Brandanini explica que há várias interpretações acerca do livro
sagrado aos cristãos e se iniciaram com o protestantismo de Martinho Lutero nos
idos do século XVI. A partir desse momento da história, começam a surgir no mundo
várias denominações cristãs, das quais o grande princípio era a interpretação bíblica
e a inclusão das doutrinas bíblicas ao que melhor se adequasse à realidade dos
fiéis. Isto posto, os fiéis passam a procurar na igreja uma doutrina na qual aliam sua
cultura e crenças à doutrina bíblica, obtida através de interpretações da
denominação escolhida59.
Pode se buscar uma exemplificação no explanado ao vislumbrar a
doutrina de algumas igrejas evangélicas, como a doutrina dos adventistas do 7º dia
que não trabalham e não realizam nenhuma atividade no sábado, visto que segundo
os adeptos, na interpretação bíblica, ―Deus criou o mundo em seis dias e no sétimo
descansou‖. Então acreditam os Adventistas do sétimo dia que o sétimo dia da
semana que recai no sábado deve ser o dia de adoração ao senhor60.
Outras denominações também possuem suas peculiaridades como o
fato de mulheres não usarem determinado tipo de vestimenta, não podem cortar o
cabelo, ou até mesmo utilizar cosméticos61.
Todas estas doutrinas são usuais de denominações cristãs, assim
como as Testemunhas de Jeová que neste caso buscam sua fundamentação de

59
BRANDANINI, Sergio. O protestantismo e as igrejas da reforma. Disponível em:
<http://www.pime.org.br/mundoemissao/religcrentes2.htm>. Acesso em: 12 ago. 2010.
60
SAGRADA, Biblia. Livro de gênesis. Disponível em:
<http://www.vatican.va/archive/bible/genesis/documents/bible_genesis_po.html>. Acesso em: 12 ago.
2010.
61
SANTANA, Adão. A mulher cristã não pode mais cortar o cabelo? Disponível em:
<http://adbrasil.ning.com/forum/topics/a-mulher-crista-nao-pode-mais>. Acesso em: 12 ago. 2010.
49

acordo com o discorrer nos Capítulos da Bíblia Sagrada. Esta fundamentação está
no livro de Gênesis, em seu capítulo 9, nos versículos 3 e 4: ―Todo animal movente
que está vivo pode servir-vos de alimento. Como no caso da vegetação verde,
deveras vos dou tudo. Somente a carne com sua alma - seu sangue - não deveis
comer‖62.
Neste versículo disposto no livro de Gênesis, se verificado ipsis literis,
vislumbra-se que, de acordo com o prelecionado pela BÍblia Sagrada, o ser humano
não pode comer da carne de seus semelhantes e também não beber o seu sangue,
o que derruba por terra qualquer insinuação de religiosos contra a posição
desfavorável à transfusão sanguínea.
Ainda de acordo com o livro sagrado, em Levitico 17:10-14 e também o
livro de Atos dos Apóstolos 15:28,29:

Quando qualquer homem da casa de Israel ou algum residente forasteiro


que reside no vosso meio, que comer qualquer espécie de sangue, eu
certamente porei minha face contra a alma que comer o sangue, e deveras
63
o deceparei dentre seu povo .

Na interpretação dos Testemunhas de Jeová, quando o livro sagrado


ensina que o ser humano não deverá comer nem a carne nem o sangue de seu
semelhante, segundo interpretação da denominação, está doutrinando que nem
mesmo a transfusão de sangue deve acontecer.
Há, contudo, que delinear que em momento algum há ensinamentos ou
doutrina no livro sagrado cristão que incorram na proibição ou na tipificação da
transfusão de sangue como pecado, e que afronte significativamente a crença
religiosa. O que há de concreto são as interpretações ambíguas a respeito da Bíblia
que acabam acarretando vários apontamentos diferentes nas mais variadas
denominações cristãs.

62
SAGRADA, Biblia. Livro de Gênesis. Disponível em:
<http://www.jesusvoltara.com.br/biblia/00Biblia.htm>. Acesso em: 13 ago. 2010.
63
SAGRADA, Biblia. Livro de Levitico e Atos dos Apóstolos. Disponível em:
<http://www.jesusvoltara.com.br/biblia/00Biblia.htm>. Acesso em: 13 ago. 2010.
50

7 A VISÃO DO CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA

O posicionamento do Conselho Federal de Medicina foi formado com


base em uma resolução de 1980, anterior à promulgação da Constituição Federal de
1988, que dispôs o direito à crença como uma das maiores conquistas do cidadão
brasileiro.
Assim, de acordo com a resolução 1021 de 26 de setembro de 1980, o
posicionamento do Conselho Federal de Medicina é de afirmar a vontade do
paciente desde que a não utilização do tratamento não incorra em perigo à vida do
paciente64.

O problema criado para o médico, pela recusa dos adeptos da Testemunha


de Jeová em permitir a transfusão sangüínea, deverá ser encarada sob
duas circunstâncias:
1 - A transfusão de sangue teria precisa indicação e seria a terapêutica mais
rápida e segura para a melhora ou cura do paciente. Não haveria, contudo,
qualquer perigo imediato para a vida do paciente se ela deixasse de ser
praticada.
Nessas condições, deveria o médico atender o pedido de seu paciente,
abstendo-se de realizar a transfusão de sangue. Não poderá o médico
proceder de modo contrário, pois tal lhe é vedado pelo disposto no artigo
32, letra "f" do Código de Ética Médica:
"Não é permitido ao médico:
f) exercer sua autoridade de maneira a limitar o direito do paciente resolver
sobre sua pessoa e seu bem-estar".
2 - O paciente se encontra em iminente perigo de vida e a transfusão de
sangue é a terapêutica indispensável para salvá-lo. Em tais condições, não
deverá o médico deixar de praticá-la apesar da oposição do paciente ou de
65
seus responsáveis em permiti-la .

Há um consenso geral, tanto no que tange aos desígnios da lei quanto


às resoluções do Conselho Federal de Medicina, órgão seccional regulamentador de
64
CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução nº 1.021/80 de 26 de setembro de 1980.
Dispões sobre casos de pacientes que, por motivos diversos, inclusive os de ordem religiosa,
recusam a transfusão de sangue. Legislação. Disponível em: <http://www.cfm.org.br/resoluca/1021-
80.html>. Acesso em: 22 ago. 2010.
65
FERREIRA, Telmo Reis. Resolução CFM 1021/80. Disponível em:
<http://www.saude.caop.mp.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=307>. Acesso em:
22 ago. 2010.
51

todos os Conselhos Regionais de Medicina no Brasil, de que a vontade do paciente,


desde que esta não coloque sua vida em risco, deverá ser respeitada.
A transfusão de sangue é um tratamento que só deverá ser utilizado
neste tipo de paciente quando verdadeiramente sua vida estiver em risco.
52

8 A TRANSFUSÃO DE SANGUE NA VISÃO DOS TRIBUNAIS

Também é consentâneo entre os Tribunais de Justiça da federação


brasileira que, em caso de perigo à vida do paciente, este deverá ser submetido à
transfusão de sangue, haja vista que o direito à vida deve prevalecer com prioridade.
Assim em decisão do ilustre Desembargador Maia Cunha do Tribunal
de Justiça do Estado de São Paulo:

Embora a regra seja a de que a cautelar seja preparatória, admite-se,


excepcionalmente, tenha natureza satisfativa quando a liminar, necessária
diante do risco de dano irreparável, esgota o objeto da ação principal.
Preliminar rejeitada. Ação cautelar inominada. Hospital que solicita
autorização judicial para realizar transfusão de sangue em paciente que se
encontra na UTI, com risco de morte, e que se recusa a autorizá-la por
motivos religiosos. Liminar bem concedida porque a Constituição Federal
preserva, antes de tudo, como bem primeiro, inviolável e preponderante, a
66
vida dos cidadãos .

Incluso no acórdão do brilhante relator está a decisão de submeter o


paciente à transfusão de sangue como tratamento, visto que primeiramente sua vida
está sob risco de morte, e, em segundo, vislumbrando o posicionamento da Carta
Magna Brasileira que predispõe o direito fundamental à vida, como pilar basilar da
sociedade brasileira.
Esta decisão demonstra o posicionamento do Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo em favor da transfusão de sangue, privilegiando o direito á
vida em detrimento do direito à crença. É possível vislumbrar esta afirmação através
de outros julgados do mesmo tribunal:

Reparação de danos - Testemunha de Jeová - Recebimento de transfusão


de sangue quando de sua internação – Convicções religiosas que não
podem prevalecer perante o bem maior tutelado peta Constituição federal

66
CUNHA, Maia. Agravo de Instrumento: 994031132419. Disponível em:
<http://esaj.tj.sp.gov.br/cjsg/getArquivo.do?cdAcordao=1944233&vlCaptcha=dkxkt>. Acesso em: 22.
ago. 2010.
53

que é a vida - Conduta dos médicos, por outro lado, que se pautaram dentro
da lei e ética profissional, posto que somente efetuaram as transfusões
sangüíneas após esgotados todos os tratamentos alternativos - Inexistência,
ademais, de recusa expressa a receber transfusão de sangue quando da
internação da autora — Ressarcimento, por outro lado, de despesas
efetuadas com exames médicos, entre outras, que não merece acolhido,
posto não terem sido os valores despendidos pela apelante - Recurso
67
improvido .

Assim como no primeiro acórdão, neste figura a prevalência do direito


a vida em relação ao direito à crença. No presente acórdão, buscava o requerente
indenização por ter sido submetido à transfusão de sangue contra suas convicções e
crença. No entanto entendeu o tribunal, através das alegações da entidade médica,
que o requerente correria sério risco de morte sem o devido procedimento médico.
Em consonância com o Tribunal de Justiça de São Paulo, também
seguem os julgados do Tribunal do Distrito Federal:

AGRAVO DE INSTRUMENTO - TRANSFUSÃO DE SANGUE EM MENOR -


PAIS SEGUIDORES DA RELIGIÃO 'TESTEMUNHAS DE JEOVÁ' -
AUTORIZAÇÃO DADA AO HOSPITAL PELO JUÍZO DA INFÂNCIA E
JUVENTUDE - APELAÇÃO - FUNGIBILIDADE RECURSAL -
INTEMPESTIVIDADE DO RECURSO.
1.A AUTORIZAÇÃO PARA TRANSFUSÃO DE SANGUE EM MENOR,
DADA PELO JUÍZO DA INFÂNCIA E JUVENTUDE, DESAFIA A
APELAÇÃO. NÃO CONSTITUI, PORÉM, ERRO GROSSEIRO A
INTERPOSIÇÃO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO, CUJO PRAZO
RECURSAL É O MESMO DA APELAÇÃO PREVISTA NO ECA, SENDO
APLICÁVEL À FUNGIBILIDADE RECURSAL.
2. A CIÊNCIA INEQUÍVOCA DOS PAIS ACERCA DA TRANSFUSÃO
SANGUÍNEA ANTES DA INTIMAÇÃO FORMAL DO ADVOGADO
CONSTITUÍDO ELIDE A EXIGÊNCIA DE FAZER CONSTAR
EXPRESSAMENTE NA PROCURAÇÃO 'ET EXTRA' OS PODERES
ESPECIAIS PARA CITAÇÃO. NA HIPÓTESE, O PRAZO DO RECURSO
DEVE TER INÍCIO A PARTIR DA INTIMAÇÃO DO ADVOGADO NOS
AUTOS.
68
3. RECURSO NÃO CONHECIDO. UNÂNIME .

Prende-se no presente agravo de instrumento elevado ao Tribunal de


Justiça do Distrito Federal, o pedido de autorização para efetivação do procedimento

67
PINHEIRO, Flávio. Apelação com revisão 994990067748. Disponível em:
<http://esaj.tj.sp.gov.br/cjsg/getArquivo.do?cdAcordao=1542703>. Acesso em: 22. ago. 2010.
68
SANTIS, Sandra de. Agravo de Instrumento: 2006 00 2 004500-4 AGI - 0004500-
36.2006.807.0000 (Res.65 - CNJ). Disponível em: <http://tjdf19.tjdft.jus.br/cgi-
bin/tjcgi1?DOCNUM=1&PGATU=1&l=20&ID=61960,61084,23606&MGWLPN=SERVIDOR1&NXTPG
M=jrhtm03&OPT=&ORIGEM=INTER>. Acesso em. 22. ago. 2010.
54

médico por parte do hospital em menor de idade, também autorizando o referido


procedimento cirúrgico, preservando o direito à vida do paciente.
Em qualquer dos Tribunal da Federação Brasileira há decisões
unânimes, embora haja e sempre haverá rejeição do procedimento de transfusão de
sangue por parte dos religiosos da denominação ―Testemunhas de Jeová‖. Há uma
uniformização de decisões dos tribunais em privilegiar sempre o direito a vida em
detrimento da liberdade de crença do indivíduo.
Fica claro, pois, que as decisões judiciais são sempre favoráveis aos
devidos procedimentos médicos quando houver risco de morte aos pacientes. Caso
contrário, não haverá necessidade de transfusão de sangue.
55

9 COMENTÁRIOS SOBRE ENTREVISTAS FEITAS COM POSICIONAMENTO DE


PROFISSIONAIS MÉDICOS, JUIZ, ADVOGADO E ADÉPTO DA RELIGIÃO
TESTEMUNHAS DE JEOVÁ

O presente estudo evidenciou claramente a grande polêmica que


envolve a hemotransfusão em pacientes da denominação ―Testemunhas de Jeová‖.
É uma questão complexa, visto que envolvem questões religiosas, de saúde pública,
a liberdade do indivíduo e também coloca o médico em situação desconfortável.
Assim, para não explanar conceitos deveras injustos para com as
partes envolvidas, é de suma importância ouvir os profissionais diretamente
envolvidos nesta desconfortável situação.
Em entrevista com Dr. Lavínio Nilton Camarin, médico e conselheiro do
Conselho Regional de Medicina em Franca – SP, afirmou ser esta uma situação que
deixa o médico com muitas dúvidas e temeroso, porém ressalta que a autonomia do
paciente deverá sempre ser respeitada, a não ser que a vida deste esteja em risco.
O médico ainda asseverou a posição do CRM no sentido de sempre
informar os pacientes sobre as necessidades reais ou não de transfusão de sangue.
De acordo com o Dr. Lavínio, o CRM, reconhecendo a polêmica que envolve o
assunto elaborou algumas resoluções e dispôs alguns pareceres acerca do tema.
Entretanto, ressalta o médico que a autonomia do paciente é e sempre deverá ser
respeitada, salvo em caso de risco de morte.
O médico diz nunca ter presenciado nenhum caso próprio ou de colega
profissional na referida polêmica, mas acredita já ter perdido alguns pacientes em
virtude de não ser da denominação ―Testemunhas de Jeová‖, haja vista que já há
entre os médicos profissionais pertencentes à denominação.
Para Dr. Lavínio, a questão da hemotransfusão é muito mais
abrangente e transcende o campo legislativo no que tange a possível
regulamentação no âmbito da União, mas defende que qualquer esforço se torna
válido.
Para o Dr José Jackson Dojas Filho, advogado militante na cidade de
Guará, este conflito é uma situação pertinente e sempre passível de discussão. Para
ele, o princípio do direito à vida vem sempre em primeiro lugar e da vida surgem os
56

outros direitos. Preleciona ainda que os tribunais têm pacificado em favor dos
médicos que agem no exercício de sua profissão, isentando-os de qualquer
responsabilização civil.
Também para o Dr. Thomas Salerno, Médico -Professor de cirurgia,
chefe da Divisão de Cirurgia Cardiotorácica e vice-presidente da DeWitt Daughtry
Family Department of Surgery, Professor Responsável pelo serviço de Cirurgia
Cardíaca na University of Miami Miller School of Medicine em entrevista, disse já ter
passado por situação envolvendo religiosos da igreja ―Testemunhas de Jeová‖.
Segundo ele, o paciente não o alertou ser pertencente àquela denominação religiosa
e, tendo sido aplicada a transfusão de sangue, após 3 cirurgias o paciente veio a
óbito. Segundo Dr. Thomas, também um colega profissional passou pelo mesmo
transtorno, porém foi alertado e tendo sido autorizado a realizar o procedimento pela
família, livrou-se de ser processado e responsabilizado judicialmente.
Na visão do Dr Salerno, não há necessidade de se criar ou modificar o
sistema legislativo existente. Para ele sempre deverá prevalecer a vontade e
autonomia do paciente de decidir acerca de sua própria vida.
Médico especialista em cirurgia cardiovascular, Renato Antonio
Del Bianco, compartilha da opinião do Dr. Salerno, ressaltando o posicionamento do
CRM de respeito à vontade do paciente e que, diante de pacientes da referida
denominação, sempre os encaminhou a um profissional pertencente à mesma
religião.
Del Bianco disse já ter atendido pacientes desta denominação, porém
sempre em casos eletivos, de não urgência, o que lhe permitiu optar por encaminhar
os pacientes.
Del Bianco acredita que um debate seria benéfico, mas ao seu ver
deveria haver uma emenda constucional específica aos adeptos de Testemunhas
de Jeová para resolver o problema. Apresentou ainda alguns julgados,
demonstrando a tamanha insegurança que a classe médica vive diante desta
polêmica.
O Juiz de Brasília, MM. Lázaro José da Silva, um profissional
experiente, diz que não se resolve a colisão entre dois princípios suprimindo um em
favor do outro. A colisão será solucionada levando-se em conta o peso ou
importância relativa de cada princípio, a fim de escolher qual deles no caso concreto
prevalecerá ou sofrerá menos constrição do que o outro. Entende também que ―A
57

vida é bem supremo‖ e que, entre o direito à liberdade religiosa e o direito à vida,
deve prevalecer o direito à vida.
Explica em entrevista amicus curiae – cuida-se de assistência
qualificada, desponta como auxiliar da Justiça.
Portanto, certamente usaria essa intervenção anômala de terceiros
para formar o convencimento motivado no julgamento de causa onde ocorresse
colisão entre direitos fundamentais, já que sua contribuição seria indispensável para
o acerto e aprimoramento técnico-jurídico da decisão judicial.
Em entrevista com Elisabete Ferreira Viegas, estudiosa da Bíblia
Sagrada há mais de 20 anos, sendo adepta da religião Testemunhas de Jeová,
comenta ela que, desde o início de tudo, desde as primeiras escrituras sagradas, já
se dizia não poder comer o sangue de irmãos, pois o sangue é a alma.
Sra. Viegas afirma que os Testemunhas de Jeová não se posicionam
em desfavor à vida, mas, sim exigem que sejam aplicados meios alternativos à
transfusão sanguínea. Diz que nenhum irmão que optar receber o sangue sofrerá
qualquer discriminação, quer seja perante à família, quer seja ao Salão do Reino.
Diz que as pessoas não podem ferir a escolha do paciente em não
querer algum tratamento e acredita que alguém que for lesado em seu direito de
escolha sofrerá abalos emocionais.
Em questão de mudanças mais claras para assegurar o direito
resguardado pela Constituição, diz que não tem que ser mudado e não vê nenhuma
colisão entre Direitos. Estando tudo bem claro, tanto na Constituição, como no
código de ética médica e na Bíblia, que o paciente tem o direito de escolha.
Percebe-se um consenso entre os profissionais da área médica e
juristas, e não se esperava atitude diferente, em posicionarem-se de conformidade
com a vontade do paciente. Entretanto, há que salientar que a vontade do paciente
deverá prevalecer somente enquanto sua vida não estiver em risco, em caso eletivo.
Quando da urgência no tratamento, existindo risco de morte para o paciente, o
médico deverá proceder a favor da transfusão de sangue, visto que os tribunais têm
jurisprudência pacificada em favor da vida.
58

CONCLUSÃO

Questões éticas e religiosas sempre foram motivos de desavenças


entre os povos no mundo. Porém com o evoluir das sociedades e o surgimento de
normas pacificadoras e normatizadoras foram minimizando estes conflitos.
Entretanto, o que fazer quando a norma cria o conflito?
Conflitos entre direitos advêm das liberdades concedidas pela lei aos
seus cidadãos. Não são propriamente conflitos criados pela lei, mas sim a sua
interpretação errônea.
A questão da transfusão de sangue em adeptos de ―Testemunhas de
Jeová‖ é uma destas situações emergentes da interpretação normativa que colocou
de, um lado, religiosos defendendo o seu direito de crença, legitimado pela
Constituição Federal de 1988, e, de outro, o eterno, pétreo e fundamental, o direito à
vida, também pressuposto basilar instituído pela mesma carta magna .
O presente trabalho de pesquisa procurou salientar a hierarquia dos
direitos fundamentais e sua importância para a formação e desenvolvimento do
cidadão. O direito à vida e de suma importância, visto que dele surgem todos os
outros. Não há direito à crença se não houver vida.
Contudo, entre a classe médica e também na visão jurídica, é claro o
posicionamento a favor do paciente quando for possível eleger prioridades, quando
a vida humana não estiver em risco. No entanto, é salutar destacar que, se a
transfusão de sangue for a única solução para salvar a vida do paciente, mesmo que
este coloque empecilho ao tratamento, o médico deverá, se possível e houver tempo
hábil, solicitar autorização ao juízo de plantão e caso não haja o tempo para isso,
executar o processo de transfusão e salvar a vida do paciente.
Os tribunais pacificaram jurisprudência e não têm responsabilizado os
médicos quando a vida do paciente está em risco e há uma ação de transfusão de
sangue por parte do médico contrariando a vontade da família e do próprio paciente
em virtude de conceitos religiosos. Esta posição foi consolidada pelos tribunais
calcada na constituição, na ética e nos princípios da dignidade humana, salientando
59

que a vida humana prevalecerá sobre quaisquer conceitos, sejam estes oriundos de
quaisquer dicernimentos culturais.
Consente-se assim que o direito à vida é primordial e o direito à crença
deverá ser alijado diante do primeiro, visto que da vida advém a liberdade de
expressão de crença e de liturgia. Fica claro que, ausência de vida, não há motivo
de outros direitos, pois não haverá quem os exerça ou os exija.
60

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<http://pt.shvoong.com/social-sciences/1783810-que-%C3%A9-bio%C3%A9tica/>.
Acesso em: 13 Jul. 2010.

WIEGERINCK, João Antonio. Direito constitucional. São Paulo: Barros & Fisher
Associados, 2005.
64

ANEXOS
65

ANEXO A

ENTREVISTA: PROFISSIONAIS DA ÁREA JURÍDICA

Tema:“COLISÃO DE DIREITOS CONSTITUCIONAIS E A POSTURA DA AÇÃO


MÉDICA QUANTO À TRANFUSÃO DE SANGUE EM TESTEMUNHAS DE
JEOVÁ”

M M. Lázaro José da Silva - Juiz em Brasilia/DF.

1 – Caso tivesse que julgar uma causa com essa colisão entre direitos
fundamentais, o MM usaria o instrumento Amicus curiae para o seu maior
convencimento?
Resposta: amicus curiae – cuida-se de assistência qualificada, desponta como
auxiliar da Justiça.
Portanto, certamente usaria essa intervenção anômala de terceiros para formar o
convencimento motivado no julgamento de causa onde ocorresse colisão entre
direitos fundamentais, já que sua contribuição seria indispensável para o acerto e
aprimoramento técnico-jurídico da decisão judicial.

2 – Qual a posição que predomina em nossa legislação o direito à vida ou o


direito à liberdade religiosa?
Resposta: Não se resolve a colisão entre dois princípios suprimindo um em favor do
outro. A colisão será solucionada levando-se em conta o peso ou importância
relativa de cada princípio, a fim de escolher qual deles no caso concreto prevalecerá
ou sofrerá menos constrição do que o outro.
―A vida é bem supremo, portanto...‖
66

Entre o direito à liberdade religiosa e o direito à vida, deve prevalecer o direito à


vida.
A vida é um direito fundamental garantido pela Constituição Federal. ―Bem inviolável
máxime do nosso ordenamento e protegida pelo Estado com prioridade‖.
Quanto à questão da limitação da liberdade, Aldir Guedes Soriano, ao citar
Immanuel Kant, acrescenta que, para este, "o conceito de liberdade é a chave da
explicação da autonomia da vontade".

Atenta, porém, Soriano:

O princípio da autonomia da vontade e o conceito de liberdade, para Kant, não


ilidem a heteronomia. Esta vincula uma vontade impessoal, emanada do poder
legiferante, e imposta, coercitivamente, aos indivíduos (verticalidade). Assim, a
liberdade individual está subordinada à vontade estatal. Portanto, a liberdade não é
um direito absoluto. Alguém já disse que ‗a liberdade termina, quando começa a
liberdade de outrem‘. Cabe à lei determinar esse limite à liberdade.

Assim, da lição de Cretella Junior, absorvemos o seguinte:

―A liberdade religiosa, pela própria natureza de que se reveste, apresenta


modalidades diversas; intimamente qualquer um pode adotar o culto ou a fé que
mais lhe convier, sem que o Estado possa penetrar ou violar os sentimentos
individuais. O mesmo não ocorrerá, porém, quanto às exteriorizações desses
sentimentos religiosos, manifestações que se acham vinculadas aos interesses da
ordem pública, dos bons costumes, dos direitos da coletividade. Determinadas
práticas religiosas, ofensivas à moral e a ordem pública, são necessariamente
proibidas porque podem provocar tumultos que tragam danos ao particular ou à
coletividade‖.

Por seu turno, José Afonso da Silva ensina:

―Vida, no texto constitucional (art. 5o, caput) não será considerada apenas no seu
sentido biológico de incessante auto-atividade funcional, peculiar à matéria orgânica,
mas na sua acepção biográfica mais compreensiva. Sua riqueza significativa é de
67

difícil apreensão porque é algo dinâmico, que se transforma incessantemente sem


perder sua própria identidade. É mais um processo (processo vital), que se instaura
com a concepção (ou germinação vegetal), transforma-se, progride, mantendo sua
identidade, até que muda de qualidade, deixando então de ser vida para ser morte.
Tudo que interfere em prejuízo deste fluir espontâneo e incessante contraria a vida‖.

Se o direito à vida for considerado como o mais fundamental dos direitos, por dele
derivarem todos os demais direitos, este, então, é regido pelas premissas
constitucionais da inviolabilidade e irrenunciabilidade. Isso significa que o direito à
vida não pode ser desrespeitado por terceiros, tampouco pelo Estado, não podendo
dispor dele o indivíduo almejando sua morte.

3 – Na hipótese de o médico não tomar os procedimentos necessários, ou seja,


não aplicando sangue por respeitar a liberdade religiosa do paciente, quais
seriam as possíveis consequências?
Resposta: No que condiz às situações em que o paciente não corre risco de morte, e
havendo a possibilidade de serem utilizadas outras formas de tratamento, sem
ministrar sangue, a doutrina inclina-se para o entendimento de que a vontade do
paciente, com sustentação no direito fundamental à liberdade religiosa, deve ser
respeitada.

No entanto, quando a situação envolve risco de morte do paciente, a orientação do


Conselho Federal de Medicina, com base resolução 1021/80, é de que o médico
deve transfundir o paciente, mesmo diante de oposição, in verbis: "O paciente se
encontra em iminente perigo de morte e a transfusão é a terapêutica indispensável
para salvá-lo. Em tais condições, não deverá o médico deixar de praticá-la apesar
da oposição do paciente ou de seus responsáveis em permití-la."

E se o médico não tomar os procedimentos necessários?

Se iminente o perigo de morte, é direito e dever do médico empregar todos os


tratamentos, inclusive cirúrgicos, para salvar o paciente, mesmo contra a vontade
deste, de seus familiares e de quem quer que seja, ainda que a oposição seja ditada
por motivos religiosos. Importa ao médico e ao hospital demonstrar que utilizaram a
68

ciência e a técnica apoiadas em séria literatura médica, mesmo que haja


divergências quanto ao melhor tratamento. O judiciário não serve para diminuir os
riscos da profissão médica ou da atividade hospitalar. Se a transfusão de sangue for
tida como imprescindível, conforme sólida literatura médico-científica (não
importando naturais divergências), deve ser concretizada para salvar a vida do
paciente, mesmo contra a vontade da religião professada, mas desde que haja
urgência e perigo iminente de morte (artigo146, § 3º, inciso I, do Código Penal).

Assim, se o médico não adota todos os procedimentos possíveis poderá responder


por sua omissão, tanto na esfera penal, cível e na administrativa perante seu órgão
de classe.

O Código Penal também traz a figura da omissão de socorro no art. 135, colocando
a vida sob a responsabilidade de qualquer um que a possa salvar:

Art. 135. Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à
criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo e
em grave e iminente perigo; ou não pedir nesses casos o socorro da autoridade
pública. Parágrafo único. A pena é aumentada de metade se a omissão resulta em
lesão corporal de natureza grave, e triplicada se resulta a morte.

4 – O Sr. já teve que passar por alguma situação dessas? Já julgou alguma
causa nessa situação?
Resposta: Não, porém já atuei em alguns processos, proferindo despachos e
decisões, bem como realizando audiências.

5 – Em sua opinião, deveria ocorrer uma discussão sobre esta matéria por
parte do Poder Legislativo no sentido de uma tentativa de resolução desta
celeuma tão grave? Dê sua opinião
Resposta: Não, pois tal discussão não está e refoge do âmbito do legislativo, já que
não possui competência para dizer qual direito deve prevalecer sobre outro, matéria
restrita ao Poder Judiciário. Ademais, nosso ordenamento jurídico, Constituição
Federal, Código Civil e demais Legislações Esparsas já conferem ao Juiz
instrumentos legais para dirimir o conflito. Assim já foram devidamente
69

regulamentadas pelo Poder Legislativo (Constituinte Originário). Nessa esteira, o


direito individual de cada um deve ser respeitado. Entretanto, no limite do direito
coletivo, a preservação da vida, além de ser um direito individual, é indiscutivelmente
um direito de toda a sociedade, não podendo, portanto, ser individualmente
dispensado. Assim, cláusula pétrea (direito à vida), protegida pela Constituição
Federal, não pode ser matéria de discussão pelo Congresso Nacional, exceto para
conferir-lhe maior proteção.
70

ANEXO B

Entrevista: ADEPTOS À RELIGIÃO TESTEMUNHAS DE JEOVÁ.

Tema: “COLISÃO DE DIREITOS CONSTITUCIONAIS E A POSTURA DA AÇÃO


MÉDICA QUANTO À TRANFUSÃO DE SANGUE EM TESTEMUNHAS DE
JEOVÁ”

Elisabete Ferreira Viegas, estudiosa há 20 anos de Testemunha de Jeová.

1 – Quais são as razões que levam os adeptos da religião “Testemunhas de


Jeová” a recusar o sangue a transfusão de sangue ?
Resposta: Nós, Testemunhas de Jeová, seguimos os princípios da Bíblia Sagrada,
desde as antigas escrituras, as hebraícas, em que já diziam: ―Não coma o sangue
de seus irmãos‖. Para Jeová o sangue é sagrado, a alma está no sangue e não na
carne.

2 – Em caso de um acidente de trânsito, se o paciente for adepto de


“Testemunhas de Jeová”, estiver inconsciente, tiver perdido muito sangue,
necessitar de uma transfusão e o Médico a fizer sem saber de sua recusa,
como seria o retorno dessa pessoa à sua família ou ao Salão do Reino?
Resposta: Em primeiro lugar, todo irmão que for batizado como Testemunha de
Jeová tem um documento na carteira, assinado e reconhecido firma em cartório,
dizendo que não aceita sangue por motivos religiosos. Quando acontecer alguma
coisa com um irmão, qualquer um verá esse documento (procuração)e o médico terá
que respeitar a vontade do paciente, pois está na Bíblia, está na Constituição
Federal. Quanto ao retorno do irmão ao seio de sua Família e ao Salão do Reino,
71

será como antes, sem discriminação alguma, afinal ele fez sua parte em recusar e a
responsabilidade perante Jeová será totalmente do Médico que não respeitou os
seus princípios. Portanto, o acerto de contas será entre quem não seguiu os
princípios, nesse caso o médico. O irmão que recusa jamais responderá a Jeová,
pois ele cumpriu os princípios.

3 – Quando se trata de uma criança menor de 5 anos e ela necessitar de


transfusão de sangue, correndo risco de morte, qual a posição da Fámilia?
Resposta: A criança menor de idade não responde por seus atos e ela está sob a
responsabilidade de seus pais. Portanto eles vão recusar a tranfusão em seus
filhos.

4 – Se um adepto de sua religião for passar por uma cirurgia e, havendo


necessidade de transfusão de sangue, disser ao médico que a aceita, ele
poderá retornar à igreja?
Resposta: Sim, pois já como disse, ele fará o acerto de contas somente com Jeová.
Só Jeová o julgará, não os homens.

5 – Em sua opinião, há uma colisão de direitos fundamentais direito à vida X


direito à manifestação religiosa?
Resposta: Não, para mim está bem claro. Onde quer que você procure, verá que a
vontade do paciente tem que prevalecer, pois está na Biblia, no Código de Ética
Médica, na Constituição, e só não respeita quem não quer. Nós assinamos qualquer
documento para eximir, o médico de qualquer responsabilidade caso o paciente
venha a falecer. Entendemos também que nem sempre o sangue salva a vida, pois
nós, estudiosos sabemos que na maioria das vezes o sangue causa doenças.
Existem muitos meios alternativos para tratar o paciente sem usar o sangue. Na
verdade, nós não recusamos a vida, só queremos um tratamento alternativo à
transfusão sanguínea.
72

ANEXO C

ENTREVISTA: PROFISSIONAIS DA ÁREA MÉDICA

Tema: COLISÃO DE DIREITOS CONSTITUCIONAIS E A POSTURA DA AÇÃO


MÉDICA QUANTO À TRANFUSÃO DE SANGUE EM TESTEMUNHAS DE JEOVÁ

Dr. Dojas Filho, José Jackson – Advogado – Guará/SP.

1 – Que posição predomina em nossa legislação o direito à vida ou o direito à


liberdade religiosa?
Resposta: Primeiramente, considero esta entrevista extremamente pertinente,
agradeço pelo convite e espero contribuir com o desenvolvimento do tema para
futura pacificação e harmonização desse conflito. As questões a mim dirigidas
comportam uma tese de mestrado ou doutorado. Todavia, respondê-las-ei da
maneira mais objetiva possível, por acreditar que esse seja o foco da entrevista.
No terceiro ano da faculdade de direito, o professor Celso Antônio Bandeira de Mello
ensinou que, quando há conflito de direitos, as soluções perambulam por uma região
cinzenta, na penumbra, o que impõe ao operador do direito a busca do núcleo. Para
ele, o princípio é o mandamento nuclear do sistema jurídico, por isso sobrepõe-se às
demais normas. Neste caso, em minha opinião, o direito à vida é o princípio
soberano do sistema, é mais que um direito. Todo sistema depende desse princípio,
a validade do ordenamento jurídico é condicionada à vida humana. Tanto as
religiões, quanto o próprio sistema jurídico, não só têm sua existência vinculada à
proteção da vida humana como também são instituições criadas por ela.
Este conflito tente a acabar. Embora não eterna, mas enquanto viva, a vida é
universal, absoluta, ao passo que as religiões são trocadas cotidianamente. A vida
não pode ser mitigada por nada, pois ela é o fundamento existencial da própria
73

religião logo, sua prevalência não deveria ser avaliada como um desrespeito à
liberdade religiosa. A vida não pode se adequar à religião. Esta é que deve priorizar
a vida.
Por estas razões, os tribunais não estão responsabilizando civilmente o médico, nem
o hospital, pacificando, assim, o entendimento de que a tutela à vida é mais que um
direito, é o mandamento fundamental do sistema, é o que confere significado ao
universo jurídico, é a inteligência dos demais direitos, aos quais se inclui o direito à
liberdade religiosa.

2 – Na hipótese de o médico não tomar os procedimentos necessários, ou seja,


não aplicando sangue por respeitar a liberdade religiosa do paciente, quais
seriam as possíveis consequências?
Resposta: O médico é um profissional de uma ciência. Fez o juramento de
Hipócrates:

"Eu, solenemente, juro consagrar minha vida a serviço da


Humanidade. Darei como reconhecimento a meus mestres, meu
respeito e minha gratidão. Praticarei a minha profissão com
consciência e dignidade. A saúde dos meus pacientes será a minha
primeira preocupação. Respeitarei os segredos a mim confiados.
Manterei, a todo custo, no máximo possível, a honra e a tradição da
profissão médica. Meus colegas serão meus irmãos. Não permitirei
que concepções religiosas, nacionais, raciais, partidárias ou sociais
intervenham entre meu dever e meus pacientes. Manterei o mais alto
respeito pela vida humana, desde sua concepção. Mesmo sob
ameaça, não usarei meu conhecimento médico em princípios
contrários às leis da natureza. Faço estas promessas, solene e
livremente, pela minha própria honra." (g. n.).

Do ponto de vista estritamente jurídico, essa profissão tem sua conduta limitada e
condicionada pelo código de ética médica, estabelecendo que:

“Capítulo I - PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS


I - A Medicina é uma profissão a serviço da saúde do ser humano e da
coletividade e será exercida sem discriminação de nenhuma natureza.
II - O alvo de toda a atenção do médico é a saúde do ser humano, em
benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua
capacidade profissional.
(...)
VII - O médico exercerá sua profissão com autonomia, não sendo obrigado
a prestar serviços que contrariem os ditames de sua consciência ou a quem
não deseje, excetuadas as situações de ausência de outro médico, em caso
de urgência ou emergência, ou quando sua recusa possa trazer danos à
saúde do paciente.
74

VIII - O médico não pode, em nenhuma circunstância ou sob nenhum


pretexto, renunciar à sua liberdade profissional, nem permitir quaisquer
restrições ou imposições que possam prejudicar a eficiência e a correção de
seu trabalho.
(...)
X - O trabalho do médico não pode ser explorado por terceiros com
objetivos de lucro, finalidade política ou religiosa.
(...)
Capítulo II - DIREITOS DOS MÉDICOS
É direito do médico:
I - Exercer a Medicina sem ser discriminado por questões de religião, etnia,
sexo, nacionalidade, cor, orientação sexual, idade, condição social, opinião
política ou de qualquer outra natureza.
II - Indicar o procedimento adequado ao paciente, observadas as práticas
cientificamente reconhecidas e respeitada a legislação vigente.
(...)
Capítulo III - RESPONSABILIDADE PROFISSIONAL
É vedado ao médico:
Art. 1º Causar dano ao paciente, por ação ou omissão, caracterizável como
imperícia, imprudência ou negligência.
Parágrafo único. A responsabilidade médica é sempre pessoal e não pode
ser presumida.” (g. n.).

A interpretação sistemática deste estatuto revela que a conduta médica deve ser
pautada em critérios científicos comprovados, sem permitir a interferência de
critérios alheios. Em alguns trechos é explicito em repelir a influência religiosa na
atividade desta profissão.
Nestes termos, embora existam mecanismos de defesas suficientes para a ampla
defesa do médico que não realize a transfusão de sangue em respeito à crença
religiosa, ele, primeiramente, poderá ser responsabilizado pelo seu ato – omissão –
mediante a representação de seus colegas,nos termos do seu código:

“Capítulo I - PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS


(...)
XVIII - O médico terá, para com os colegas, respeito, consideração e
solidariedade, sem se eximir de denunciar atos que contrariem os
postulados éticos.”

Ademais, qualquer familiar poderá propor demandas judiciais e reclamações


administrativas para responsabilizar esse profissional pelos danos sofridos. A
sociedade tem legitimidade também para salvaguardar a vida, como direito
75

fundamental, a qual, nessa hipótese, pode ser representada pelo MP, órgão com
legitimidade para processar esse médico.

3 – Qual orientação o Dr. daria a um cliente médico que, em caso de


emergência, tivesse a recusa de um paciente a transfundir o sangue por razões
religiosas, sendo que na sua família há adeptos de “Testemunhas de Jeová” e
de outra religião que permita tal ato?
Resposta: Fizesse em absoluto o procedimento médico padrão, sem a interferência
de qualquer critério alheio à medicina. Fizesse a transfusão. Vivemos num país
laico. Garantiria sua defesa em todas as instâncias se ele buscou salvar a vida.

4 – Em sua opinião, deveria ocorrer uma discussão sobre esta matéria por
parte do Poder Legislativo no sentido de uma tentativa resolução desta
celeuma tão grave? Dê sua opinião
Resposta: O tema é de enfoque casuístico, o que torna difícil sua prescrição em
textos legais, talvez um dos motivos – que acredito ser um dos menos importantes –
da inexistência de lei específica abordando tal assunto.
A medicina poderia ser melhor garantida, o médico poderia trabalhar com mais
segurança e clarividência se este tipo de tema fosse solucionado pelo poder
Legislativo. Acredito que dificilmente veremos este fenômeno. O lobby das igrejas no
Congresso Nacional é extremamente pesado. Além disso, o tema é muito polêmico,
o que acovarda o legislativo de discuti-lo. Assim, mais uma vez a solução fica a
cargo exclusivo do judiciário. Entretanto, como vimos, o médico pode ficar
despreocupado se optar por aplicar o procedimento padrão que lhe for confiado. O
Poder Judiciário possui elementos de sobra para averiguar que a profissão é isenta
de pressões alheias à sua ciência, que o Brasil é um país laico, que o direito à vida é
a razão de ser de nossa sociedade, nação, ordenamento jurídico, religião...
76

ANEXO D

ENTREVISTA: PROFISSIONAIS DA ÁREA MÉDICA

Tema: COLISÃO DE DIREITOS CONSTITUCIONAIS E A POSTURA DA AÇÃO


MÉDICA QUANTO À TRANFUSÃO DE SANGUE EM TESTEMUNHAS DE JEOVÁ

Dr.Lavínio Nilton Camarin – Médico e Conselheiro do CRM de Franca/SP.

1 – Qual é o procedimento adotado pelos profissionais da área médica quando


o paciente (Testemunha de Jeová) necessita receber sangue para resguardar
sua vida e ocorre uma recusa por razões doutrinárias de sua religião?
Resposta: Primeiramente, gostaria de ressaltar que o médico tem muitas dúvidas e
fica muito temeroso quanto está diante de um caso deste. Entretanto, a autonomia
do paciente deve quase sempre ser respeitada, lembrando de exceção como o
iminente risco de morte. Cada médico deve seguir sempre sua consciência ética, de
acordo com os postulados deontológicos do Código de Ética Médica vigente.

2 – Qual a posição do CRM?


Resposta: O CREMESP acredita que a transfusão de sangue em Testemunhas de
Jeová é um assunto de muita polêmica. Tanto que algumas Resoluções e
Pareceres foram elaborados no sentido de nortear "eticamente" as discussões e de
estabelecer um direcionamento para os médicos na sua prática diária. É claro que
muitas questões éticas e bioéticas estão envolvidas neste caso. O médico jamais
deverá omitir ao seu paciente a possibilidade da necessidade de hemotransfusão
em cada procedimento praticado. Muitas vezes, e quase sempre, a autonomia do
paciente deve ser respeitada, existindo algumas exceções, como o já citado "risco
iminente de morte".
77

Diante disto posso dizer, segundo a Resolução CFM 1021/80, que o médico deve
observar o seguinte: 1- Se não houver iminente perigo de morte, o médico respeitará
a vontade do paciente ou de seus responsáveis, 2- Se houver iminente perigo de
morte, o médico praticará a transfusão de sangue, independentemente de
consentimento do paciente ou de seus responsáveis.
Para terminar, acredito que a ética sempre deve ser preservada.

3 – Na hipótese de o médico não tomar os procedimentos necessários, ou seja,


não aplicando sangue por respeitar a liberdade religiosa do paciente, quais
seriam as possíveis consequências?
Resposta: Pode-se ter consequências ética e legal, sendo que em relação a esta
última compete ao Poder Judiciário decidir. Quanto às consequências éticas, estas
seriam avaliadas pelos Conselhos de Medicina com toda a imparcialidade, focando
na real necessidade de se transfundir sangue, na urgência do caso, no iminente
perigo de morte e, principalmente, na autonomia do paciente. Com isto, seria
balizada a necessidade de abertura, ou não, de um Processo Ético-Profissional,
tendo assim todas as suas implicações e consequências administrativas até um
julgamento final.

4 – O Sr. já teve que passar por alguma situação dessas? Já presenciou algum
colega nesta situação?
Resposta: Não, eu ainda não estive diante ou dentro de uma situação deste tipo (ao
extremo), mas, sempre que atendo um paciente Testemunha de Jeová, procuro me
portar como manda a ética e sempre explico a conduta a ser tomada diante de cada
caso e de uma urgência médica. Com isto, acredito que até perco pacientes, pois
hoje já existem médicos que seguem a mesma crença religiosa.

5 – Em sua opinião, deveria ocorrer uma discussão sobre esta matéria por
parte do Poder Legislativo no sentido de uma tentativa de resolução desta
celeuma tão grave? Dê sua opinião
Resposta: Acredito que esta questão transcende a "Lei". É claro que é importante o
Poder Legislativo cumprir o seu papel, regulamentar através de uma lei aquilo que
envolve a sociedade como um todo e, mais do que isto, poderia abrir uma consulta
pública para ter a real avaliação do que a população pensa e deseja que seja
78

normatizado em seu benefício. Todavia, eu gostaria de enfatizar que as questões


éticas e bioéticas são amplas e devem nortear os rumos, os debates e a elaboração
desta "Lei".
79

ANEXO E

ENTREVISTA: PROFISSIONAIS DA ÁREA MÉDICA

Tema: COLISÃO DE DIREITOS CONSTITUCIONAIS E A POSTURA DA AÇÃO


MÉDICA QUANTO À TRANFUSÃO DE SANGUE EM TESTEMUNHAS DE JEOVÁ.

Dr. Del Bianco, Renato Antônio – Especialista em Cirurgia Cardiovascular pela


SBCCV.

1 – Qual é o procedimento adotado pelos profissionais da área médica quando


o paciente (Testemunha de Jeová) necessita receber sangue para resguardar
sua vida e ocorre uma recusa por razões doutrinárias de sua religião?
Resposta: As condutas medicas devem sempre ser paltadas no Código de Ética
Médica, art. 22, que nos dá um respaldo quanto à conduta a ser tomada. Se não
houver risco iminente de morte, devemos ouvir a vontade do paciente ou de seu
representante legal, caso contrário, devemos agir com o que a medicina nos oferece
de mais moderno e com práticas já consagradas. No caso específico de
Testemunha de Jeová e cirurgia cardíaca, ainda não há substitutos para o sangue,
apenas coadjuvantes para o tratamento. O médico que submete um paciente a uma
cirurgia cardíaca com o rígido propósito de não usar sangue talvez esteja cometendo
um dolo eventual, pois há algumas situações em que só transfusões de sangue
salvam o paciente.
2 – Qual a posição do CRM?
Resposta: O CRM nos orienta a seguir o código de Ética Médica. Os artigos abaixo
por si só respondem às suas perguntas.
Capítulo IV
DIREITOS HUMANOS
É vedado ao médico:
80

―Art. 22. Deixar de obter o consentimento do paciente ou de seu representante legal


após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado, salvo em caso de risco
iminente de morte‖.
Capítulo V
RELAÇÃO COM PACIENTES E FAMILIARES
É vedado ao médico:
Art. 31. Desrespeitar o direito do paciente ou de seu representante legal de decidir
livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em
caso de iminente risco de morte.
―Art. 32. Deixar de usar todos os meios disponíveis de diagnóstico e tratamento,
cientificamente reconhecidos e a seu alcance, em favor do paciente‖.
3 – Na hipótese de o médico não tomar os procedimentos necessários, ou seja, não
aplicando sangue por respeitar a liberdade religiosa do paciente, quais seriam as
possíveis consequências?
Resposta: Se o caso for de urgência, provavelmente o médico seria inocentado em
um suposto processo criminal ou civil, mas, em caso eletivo e negativa do paciente,
provavelmente seria condenado.
4 – Você já teve que passar por alguma situação dessas? Já presenciou algum
colega nesta situação?
Resposta: Sim, por diversas vezes, mas sempre se trataram de cirurgias eletivas. Eu
os encaminho a um cirurgião de São Paulo que também é Testemunha de Jeová.
5 – Em sua opinião, deveria ocorrer uma discussão sobre esta matéria por parte do
Poder Legislativo no sentido de uma tentativa de resolução desta celeuma tão
grave? Dê sua opinião
Resposta: Claro que um debate seria benéfico, mas a meu ver deveria haver uma
emenda constucional, específica a ―Testemunha de Jeová‖, para resolver o
problema. Veja alguns casos a seguir e a insegurança em que nós, médicos,
ficamos.
1 Caso; O juiz Renato Luís Dresch, da 4ª Vara da Fazenda Pública Municipal de
Belo Horizonte/MG, nos autos do processo 024.08.997938-9, indeferiu um pedido de
alvará feito pelo Hospital Odilon Behrens em que solicitava autorização para fazer
uma transfusão de sangue em uma paciente que pertencia à religião ―Testemunhas
de Jeová‖. Em trecho lapidar, o magistrado mencionou que no seu entendimento,
resguardar o direito à vida implica também em preservar os valores morais,
81

espirituais e psicológicos. O Dr. Dresch citou que, embora não fosse lícito a parte
atentar contra a própria vida, a Constituição, em seu art. 5º, inciso IV, assegura
também a inviolabilidade da liberdade de consciência e de crença, garantindo o livre
exercício dos cultos religiosos.
2 Caso; Juiz autoriza transfusão de sangue em testemunha de Jeová

Internada em estado grave no Hospital de Base, testemunha de Jeová registrou em


cartório que não queria transfusão de sangue. Para tentar salvar a mãe, filha vai ao
tribunal com o objetivo de autorizar a intervenção.
Um juiz autorizou médicos do Hospital de Base do Distrito Federal (HBDF) que a
realizassem transfusões de sangue na paciente, mesmo contra a vontade dela.
O pedido à Justiça partiu de uma filha da paciente, internada em estado grave e
inconsciente para uma cirurgia na cabeça.
A decisão é rara no histórico do Judiciário brasiliense. Seguidores da religião da
mulher doente resistiam ao tratamento devido à necessidade de ela receber sangue
de outras pessoas, o que contraria princípios da doutrina.

São casos contraditorios, a qual magistrado devemos seguir? Diante de todo esse
imbróglio jurídico o melhor para o medico, em caso de dúvida, é perguntar ao Juiz
de plantão o que fazer!
82

ANEXO F

ENTREVISTA: PROFISSIONAIS DA ÁREA MÉDICA

Tema: COLISÃO DE DIREITOS CONSTITUCIONAIS E A POSTURA DA AÇÃO


MÉDICA QUANTO À TRANFUSÃO DE SANGUE EM TESTEMUNHAS DE JEOVÁ

Dr. Tomas Antônio Salerno - Médico , Professor de cirurgia, chefe da Divisão


de Cirurgia Cardiotorácica e vice-presidente da DeWitt Daughtry Family
Department of Surgery Professor Responsável pelo serviço de Cirurgia
Cardiaca at the University of Miami Miller School of Medicine.

1 – Qual é o procedimento adotado pelos profissionais da área médica quando


o paciente (Testemunha de Jeová) necessita receber sangue para resguardar
sua vida e ocorre uma recusa por razões doutrinárias de sua religião?
Resposta: Quando um paciente adepto da religião ―Testemunha de Jeová‖ é
admitido no hospital, ele é identificado como tal e assina um documento dizendo que
não aceita sangue. Isso fica cadastrado no seu fichário e, de maneira alguma,
sangue será dado ao paciente, sob pena de perda de licença médica, crime de
assalto e prisão. Como adulto, a não ser que seja mentalmente incompetente, isto
não pode ser mudado. No caso de incompetente, o juiz tem que dar a ordem para a
transfusão de sangue.

2 – Qual a posição do CRM?


Resposta: A mesma acima. O médico é protegido por lei a seguir os desejos do
doente, uma vez que é identificado como Testemunha de Jeová.
83

3 – Na hipótese de médico não tomar os procedimentos necessários, ou seja,


não aplicando sangue por respeitar a liberdade religiosa do paciente, quais
seriam as possíveis consequências?
Resposta: Não há consequências para o médico desde que o paciente assine um
documento dizendo que não aceita sangue ao ser admitido no hospital e identificado
como ―Testemunha de Jeová‖ (isso só é aplicado para pacientes adultos).

4 – Você já teve que passar por alguma situação dessas? Já presenciou algum
colega nesta situação?
Resposta: Sim, eu, pessoalmente, operei um testemunha que não me disse, apesar
de eu perguntar, se ele estava tomando antiplaqueta, plavix, ele negou. Depois da
cirurgia, sangrou e eu vi o paciente aos poucos morrer, apesar de ser reoperado 3
vezes. Um dos meus colegas deu sangue por ordem da família e também por um
documento que o paciente tinha assinado (power or attorney), Ele foi disciplinado e
quase foi processado e punido. Se o paciente tivesse morrido, nada teria acontecido
pelo fato de não ter recebido sangue; porém, o médico poderia ser levado à justiça
caso tivesse havido erro técnico durante a cirurgia. Se o paciente assinar um
documento em que não aceita transfusão de sangue por ser ―Testemunha de
Jeová‖, o médico fica protegido por não ter realizado o devido procedimento.

5 – Em sua opinião, deveria ocorrer uma discussão sobre esta matéria por
parte do Poder Legislativo no sentido de uma tentativa resolução desta
celeuma tão grave? Dê sua opinião
Resposta: Nada deve ser mudado. O paciente tem direito de receber o tratamento
que quiser, seja cirurgia, tratamento médico ou outro, se for mentalmente
competente. Se ele assina que não quer sangue, o médico tem o direito de não
querer operá-lo. Não se poderá forçar o médico a fazer o que não quer. Se o médico
concordar em operar, não pode dar sangue. Direito humano. Isso só se aplica a
adultos.

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