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Você S/A / Desenvolva sua carreira /

O futuro da TI e a TI do futuro
Rodolfo Araújo (undefined) 09/12/2010

Crédito: Cláudio Rossi

O escritor Nicholas Carr, de 51 anos.

O escritor americano Nicholas Carr, autor de best-sellers de tecnologia e administração,


esteve no Brasil na semana passada e, em entrevista ao site VOCÊ S/A, falou sobre a
relação cotidiana que temos com a tecnologia.

Em seu novo livro, Nassim Taleb usa o mito grego da Cama de Procusto - que fazia com
que seus hóspedes ficassem do exato tamanho da sua cama, seja esticando-os ou cortando
suas pernas - para descrever algumas aberrações corporativas do mundo moderno. Você
acha que a indústria de TI funciona assim?
Acho que em alguns casos sim. O que é estranho nas empresas de TI é que elas usam uma
abordagem oposta, tentando customizar tudo, de forma a poderem cobrar mais por isso.
Então é o problema oposto, vendendo uma solução única para cada companhia, em vez de
perceber que muita coisa pode ser padronizada. Talvez o mais correto seja dizer que eles
fazem uma cama específica para cada cliente, em vez de fazer um padrão que seja mais
barato para todos.

Seu livro Does IT Matter? provocou reações furiosas da comunidade de TI. Isso já passou
ou ainda dói? As empresas de TI conseguiram ver o lado positivo da crítica e reinventar
seus negócios, como você previu ou sugeriu?
Não acho que ainda doa. A reação mais significativa veio de empresas de TI e não de CIOs.
E se você notar o que houve desde então, muitos dos temas aos quais me referi no livro
tornaram-se realidades. As empresas de TI já assumiram hardware e os softwares mais
básicos como commodities e agora estão se redirecionando para serviços mais específicos.
Desde 2004, quando o livro foi lançado, muitas empresas de TI passaram a se comportar da
forma como eu previra.
Foi muito difícil para empresas que vendiam produtos com margens elevadas perceber que
o que comercializavam havia sido padronizado. Mas isso é o que acontece com tecnologia:
as coisas se tornam genéricas e você precisa descobrir novas maneiras de fazer dinheiro.
Como, por exemplo, acrescentar uma nova camada de serviços personalizados àquilo que já
foi padronizado. SalesForce e os serviços de infra-estrutura de TI da Amazon são bons
exemplos disso.

Você acha que eles tinham noção da forma como tratavam o mercado? Acha que ainda
estariam fazendo tudo da mesma forma se alguém não tivesse chamado a atenção para isso?
Eles teriam que mudar, não porque eu ou qualquer outra pessoa disse que era preciso, mas
porque seus clientes já estavam começando a mudar. Eles passaram a pensar: "Eu não
preciso do melhor computador do mundo, mas de algo que faça o serviço de que preciso".

Em The Shallows você sugere que novas tecnologias estão mudando a nossa forma de
pensar. Ao mesmo tempo, autores da Economia Comportamental detectaram mudanças nos
padrões de motivação das pessoas. Você acha que essas duas tendências podem estar
relacionadas de alguma forma?
Acho que sim, deve haver uma relação. Quando a nossa atenção é despedaçada fica mais
difícil encontrar maneiras efetivas de oferecer um elemento motivacional, encorajar o
pensamento criativo. E se você não consegue se focar em algo, não consegue se motivar.
Então deve haver sim uma relação sim.

O neurologista americano Gregory Berns afirmou que os iconoclastas têm cérebros


diferentes do restante das pessoas, em vários aspectos. A transformação pela qual
passamos, descrita em The Shallows, significa que teremos pessoas menos criativas, menos
inovadoras, menos espontâneas, menos humanas?
Vamos nos tornar pensadores menos iconoclastas. Obviamente há diferentes maneiras de
ser inovador e criativo. Mas o que diferencia um pensador iconoclasta é que ele desafia o
status quo, eles desafiam a sabedoria tradicional.
As evidências científicas sugerem que se você é multitask o tempo todo, mudando o foco
da sua atenção frequentemente, você tende a não questionar a sabedoria tradicional. Você
pode ser criativo, mas não estará pensando em maneiras completamente novas de fazer as
coisas. Você está andando por caminhos já traçados.
Para ser realmente um iconoclasta, para realmente desafiar o status quo, você precisa ser
capaz de focar, prestar atenção máxima em apenas uma coisa e filtrar todas as
interferências. Então eu realmente me preocupo porque se as pessoas são interrompidas e
distraídas o tempo todo, então nós veremos menos destes pensamentos revolucionários.

Você acha que a perda da atenção afeta mais as novas gerações?


Algumas pessoas traçam esta linha entre os nascidos na tecnologia e os que imigraram para
dentro dela e, por isso, os efeitos seriam diferentes. Eu acho que os efeitos são muito
similares, não importa a idade. Dito isso, é claro que o cérebro humano é mais adaptável e
maleável quando somos mais novos, então quando as crianças começam a usar celulares e
computadores os efeitos podem ser maiores. Mas em geral os efeitos básicos da distração e
falta de atenção permeiam todas as idades.
O ex-campeão mundial de xadrez Gary Kasparov disse recentemente que em breve será
impossível derrotar os jogadores mais jovens. Isso não seria um contrassenso, considerando
que os mais jovens já nascem num ambiente desenhado para distrair?
Como eu disse, não acho que seja um problema específico de uma geração. Mas para ser
um jogador excepcional de Xadrez, você precisa de uma combinação de habilidades muito
específicas. Então não acho que seja um bom indicador para tendências mais gerais. São
pontos fora da curva.

Que tipo de conselho você daria a pais cujos filhos estão começando a ter contato com as
novas tecnologias?
Particularmente para crianças pequenas, eu poria restrições no tempo que eles podem
passar usando computadores e seria muito cuidadoso em dar um telefone celular para uma
criança pequena. Há uma explosão no uso de SMS por crianças nos EUA e creio que essa
distração perpétua pode ser prejudicial ao desenvolvimento da concentração de uma
criança. Então acho que o caminho é por restrições no acesso a essas tecnologias.

Existe alguma regra para determinar uma divisão ótima entre o tempo que se gasta lendo
livros ou consumindo outras mídias?
Não acho que haja uma regra específica. Deve haver apenas o equilíbrio. Não há nada
errado em fazer várias coisas ao mesmo tempo, usar SMS ou navegar na Internet. Isso só
começa a se tornar um problema quando se deixa o resto todo de lado. A pessoa não
disponibiliza nenhum tempo para se concentrar na leitura, conversar sem ser interrompido.
O importante é manter o equilíbrio e ter certeza de exercitar o lado mais contemplativo do
seu cérebro. Porque se você não exercitar isso, você simplesmente perderá estas
habilidades.
Quando escrevi uma resenha sobre The Shalows, muitos das pessoas que comentaram
negaram que tivessem alguma perda de concentração por causa da Internet. Este tipo de
negação é comum?
Sim, como você pode imaginar há reações de todos os tipos. Há os que me agradecem
dizendo "obrigado pela descrição no livro, porque eu também me sinto assim" e também há
os que dizem "isso é exagero, não acontece comigo".

Se você alertou os outros sobre o problema, quem te alertou?


Bom, isso faz uns dois anos. Eu já usava a Internet e computadores pessoais há um bom
tempo e percebi que estava tendo problemas em me concentrar. Quando eu sentava para ler
um livro percebia que a minha mente queria funcionar da mesma maneira que faz quando
estou online. Meu cérebro não queria pensar de uma forma linear e concentrada. Ele queria
saltar entre pequenos pedações de informação, checar emails ou outras fontes de
mensagens. Isso foi o clique para o livro, então comecei a fazer pesquisas sobre
neuroplasticidade e os efeitos da tecnologia.

Mas como você conseguiu se concentrar, então, para escrever um livro?


Eu não precisei me isolar completamente. Continuei a usar a Internet para pesquisas
básicas, mas reduzi a minha dependência da Internet. Eu cancelei minhas contas do
Facebook e do Twitter, não usava o celular quando estava em casa e não acessava email
enquanto escrevia. Eu continuo a usar a Internet no que ela é boa - que é encontrar
informações importantes, coisas que possam ser úteis para aquilo em que estou trabalhando.
Mas normalmente gosto de imprimir os artigos para ler em lugares mais calmos. E não
demorou muito até eu perceber que a minha atenção havia voltado ao normal.
Você costuma conversar sobre o tema com seus amigos e familiares que não leram o livro?
Isso já está se tornando uma preocupação comum às pessoas, que sentem que perdem o
controle sobre suas mentes. Percebem que a tecnologia exerce um controle muito grande
sobre suas vidas. Já vejo gente que desliga sua conexão com a Internet nos fins de semana.

No livro você diz que as empresas de Internet dividem a nossa atenção para que possam
colocar mais coisas dentro dela. É a velha máxima militar de "dividir para conquistar"?
Não acho que isso seja consciente. Mas se você olhar empresas como Google e Facebook,
eles têm vantagens econômicas no despedaçamento da nossa atenção e em nossa mania de
ser multitask. Deste modo eles têm mais oportunidades de exibir anúncios, coletar
informações e saber mais sobre nós. Acho que muitas das companhias de Internet têm
interesse econômico em nos manter distraídos e nos bombardear com pequenos pedaços de
informações. Então acho que devemos ser mais conscientes destas influências sobre o
funcionamento da nossa mente.

Décadas atrás, quando concebeu-se o hipertexto, ele foi celebrado como uma ótima
ferramenta para melhorar o aprendizado. Só que hoje as evidências mostram que isso não
aconteceu realmente. O que deu errado?
O hipertexto nos proporcionou uma forma de navegar entre pequenos pedaços de
informação interconectados - e foi isso que deixou os educadores empolgados. Estudantes
seriam capazes de rapidamente comparar diferentes pontos-de-vista e assim por diante.
Mas o que eles não perceberam foi que os hyperlinks constantemente interrompem a nossa
atenção. O resultado disso é que se você não consegue se concentrar, você não consegue
apreender o que acabou de ler. A forma como você capta a informação é crucial para
determinar o quanto dela você consegue lembrar ou entender e o quanto você aprende. Esse
tipo de ruptura da atenção que o hipertexto causa foi um tiro pela culatra, que piorou a
nossa habilidade em aprender.
O seu cérebro precisa parar, mesmo que por um breve instante, para decidir se clica naquele
link ou não. "Este link é importante ou não? Como isso se relaciona com o que estou
lendo?" Mesmo independentemente de você clicar ou não, o hyperlink tem uma
característica que leva a desatenção. O processo decisório de clicar ou não interfere com a
interpretação e entendimento daquilo que você está lendo.

Como as escolas podem contornar o problema da falta de atenção das crianças e o


desinteresse pelas aulas?
Penso que as escolas precisam ser mais céticas com relação à tecnologia em geral - e os
pais também. Isso não é o mesmo que dizer que os computadores não têm o seu papel na
educação, eu acho que eles têm. As escolas precisam entender que há meios de usar o
cérebro que não devem ser intermediados pela tecnologia. Os livros impressos têm o seu
papel. As palestras e as conversas também têm os seus papéis. Recentemente temos
pensado nas escolas em termos de tecnologias e isso é perigoso.

Esses revéses da tecnologia não poderiam ter sido antecipados antes de começarmos a usá-
las?
Quando chega uma nova tecnologia, as pessoas focam nos benefícios práticos imediatos.
Poder conversar com três pessoas ao mesmo tempo e encontrar as informações necessárias
de forma rápida, foram benefícios que encantaram e levaram a ignorar qualquer
consideração com relação aos seus malefícios. Levou algum tempo para que as pessoas
começassem a questionar as consequências da tecnologia. Então é possível que tivesse sido
capaz de antecipar estes problemas, mas ninguém prestaria atenção aos alertas.

Você acha que os escritores estão fadados à extinção?


Acho que não. Porque o valor de ler e extrair informação de um texto escrito é tão grande
que não acabará. O que acontece é que a forma como escrevemos muda. Nós assumimos
que o leitor não presta atenção, então você muda em direção a ideias mais simples, você
quebra as coisas, simplifica os argumentos. O modo como escrevemos mudará. Não acho
que as pessoas vão parar de escrever ou de ler.

Você acha justo comparar a ânsia em estar conectado com o vício em drogas?
Não gosto de rotular essas coisas como vício, porque são bem diferentes. Por outro lado, já
ficou bem claro que os seres humanos adoram ter novas informações. Pelos nossos hábitos
pessoais e vendo como as pessoas agem, você pode dizer que há algo de impulsividade no
uso da tecnologia e uma dificuldade em parar de buscar novas informações.
Não conseguimos parar e pensar sobre o que já encontramos e somos tomados por esse
desejo de continuar vendo o que está acontecendo, clicando e lendo emails. Então há um
lado viciante no uso de compoutadores e telefones.

Alguma recomendação final para os que foram capturados pela Rede - além de ler o seu
livro?
O importante é ser consciente sobre a forma como você usa a tecnologia e como ela
influencia o seu pensamento. Se você tiver consciência disto, então estará numa posição de
fazer escolhas mais razoáveis de forma a se disciplinar melhor. Se você usar a tecnologia de
forma inconsciente, então terá problemas.
Sua palestra será sobre a nova tendência de cloud computing e como isso pode ajudar a
resolver problemas antes intratáveis. Além do poder somado de tantos computadores, há
mais pesquisadores pensando juntos. Você acha que quanto mais força bruta, mais os
pesquisadores precisam se esforçar ou é o contrário?
Acho que quanto mais poderosos os computadores, maior o risco de acharmos que eles são
inteligentes. Vão confiar nos computadores para resolver problemas E acho que isso é
perigoso. Quando falando de mastigar números e este tipo de pesquisa, haverá uma
explosão de inovações com este enorme poder de processamento tão barato e disponível.
Mas há outros casos onde apenas os seres humanos conseguem pensar em novas
possibilidades, enquanto que os computadores só farão aquilo que foram programados para
fazer. então precisamos lembrar que quando se trata de grandes ideias, de descobrir os
problemas nos quais os computadores podem ser aproveitados, isto ainda depende de
pessoas inteligentes. Pessoas que consigam prestar atenção.

Conheça o blog O Líder Acidental, de Rodolfo Araújo

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