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O futuro da TI e a TI do futuro
Rodolfo Araújo (undefined) 09/12/2010
Em seu novo livro, Nassim Taleb usa o mito grego da Cama de Procusto - que fazia com
que seus hóspedes ficassem do exato tamanho da sua cama, seja esticando-os ou cortando
suas pernas - para descrever algumas aberrações corporativas do mundo moderno. Você
acha que a indústria de TI funciona assim?
Acho que em alguns casos sim. O que é estranho nas empresas de TI é que elas usam uma
abordagem oposta, tentando customizar tudo, de forma a poderem cobrar mais por isso.
Então é o problema oposto, vendendo uma solução única para cada companhia, em vez de
perceber que muita coisa pode ser padronizada. Talvez o mais correto seja dizer que eles
fazem uma cama específica para cada cliente, em vez de fazer um padrão que seja mais
barato para todos.
Seu livro Does IT Matter? provocou reações furiosas da comunidade de TI. Isso já passou
ou ainda dói? As empresas de TI conseguiram ver o lado positivo da crítica e reinventar
seus negócios, como você previu ou sugeriu?
Não acho que ainda doa. A reação mais significativa veio de empresas de TI e não de CIOs.
E se você notar o que houve desde então, muitos dos temas aos quais me referi no livro
tornaram-se realidades. As empresas de TI já assumiram hardware e os softwares mais
básicos como commodities e agora estão se redirecionando para serviços mais específicos.
Desde 2004, quando o livro foi lançado, muitas empresas de TI passaram a se comportar da
forma como eu previra.
Foi muito difícil para empresas que vendiam produtos com margens elevadas perceber que
o que comercializavam havia sido padronizado. Mas isso é o que acontece com tecnologia:
as coisas se tornam genéricas e você precisa descobrir novas maneiras de fazer dinheiro.
Como, por exemplo, acrescentar uma nova camada de serviços personalizados àquilo que já
foi padronizado. SalesForce e os serviços de infra-estrutura de TI da Amazon são bons
exemplos disso.
Você acha que eles tinham noção da forma como tratavam o mercado? Acha que ainda
estariam fazendo tudo da mesma forma se alguém não tivesse chamado a atenção para isso?
Eles teriam que mudar, não porque eu ou qualquer outra pessoa disse que era preciso, mas
porque seus clientes já estavam começando a mudar. Eles passaram a pensar: "Eu não
preciso do melhor computador do mundo, mas de algo que faça o serviço de que preciso".
Em The Shallows você sugere que novas tecnologias estão mudando a nossa forma de
pensar. Ao mesmo tempo, autores da Economia Comportamental detectaram mudanças nos
padrões de motivação das pessoas. Você acha que essas duas tendências podem estar
relacionadas de alguma forma?
Acho que sim, deve haver uma relação. Quando a nossa atenção é despedaçada fica mais
difícil encontrar maneiras efetivas de oferecer um elemento motivacional, encorajar o
pensamento criativo. E se você não consegue se focar em algo, não consegue se motivar.
Então deve haver sim uma relação sim.
Que tipo de conselho você daria a pais cujos filhos estão começando a ter contato com as
novas tecnologias?
Particularmente para crianças pequenas, eu poria restrições no tempo que eles podem
passar usando computadores e seria muito cuidadoso em dar um telefone celular para uma
criança pequena. Há uma explosão no uso de SMS por crianças nos EUA e creio que essa
distração perpétua pode ser prejudicial ao desenvolvimento da concentração de uma
criança. Então acho que o caminho é por restrições no acesso a essas tecnologias.
Existe alguma regra para determinar uma divisão ótima entre o tempo que se gasta lendo
livros ou consumindo outras mídias?
Não acho que haja uma regra específica. Deve haver apenas o equilíbrio. Não há nada
errado em fazer várias coisas ao mesmo tempo, usar SMS ou navegar na Internet. Isso só
começa a se tornar um problema quando se deixa o resto todo de lado. A pessoa não
disponibiliza nenhum tempo para se concentrar na leitura, conversar sem ser interrompido.
O importante é manter o equilíbrio e ter certeza de exercitar o lado mais contemplativo do
seu cérebro. Porque se você não exercitar isso, você simplesmente perderá estas
habilidades.
Quando escrevi uma resenha sobre The Shalows, muitos das pessoas que comentaram
negaram que tivessem alguma perda de concentração por causa da Internet. Este tipo de
negação é comum?
Sim, como você pode imaginar há reações de todos os tipos. Há os que me agradecem
dizendo "obrigado pela descrição no livro, porque eu também me sinto assim" e também há
os que dizem "isso é exagero, não acontece comigo".
No livro você diz que as empresas de Internet dividem a nossa atenção para que possam
colocar mais coisas dentro dela. É a velha máxima militar de "dividir para conquistar"?
Não acho que isso seja consciente. Mas se você olhar empresas como Google e Facebook,
eles têm vantagens econômicas no despedaçamento da nossa atenção e em nossa mania de
ser multitask. Deste modo eles têm mais oportunidades de exibir anúncios, coletar
informações e saber mais sobre nós. Acho que muitas das companhias de Internet têm
interesse econômico em nos manter distraídos e nos bombardear com pequenos pedaços de
informações. Então acho que devemos ser mais conscientes destas influências sobre o
funcionamento da nossa mente.
Décadas atrás, quando concebeu-se o hipertexto, ele foi celebrado como uma ótima
ferramenta para melhorar o aprendizado. Só que hoje as evidências mostram que isso não
aconteceu realmente. O que deu errado?
O hipertexto nos proporcionou uma forma de navegar entre pequenos pedaços de
informação interconectados - e foi isso que deixou os educadores empolgados. Estudantes
seriam capazes de rapidamente comparar diferentes pontos-de-vista e assim por diante.
Mas o que eles não perceberam foi que os hyperlinks constantemente interrompem a nossa
atenção. O resultado disso é que se você não consegue se concentrar, você não consegue
apreender o que acabou de ler. A forma como você capta a informação é crucial para
determinar o quanto dela você consegue lembrar ou entender e o quanto você aprende. Esse
tipo de ruptura da atenção que o hipertexto causa foi um tiro pela culatra, que piorou a
nossa habilidade em aprender.
O seu cérebro precisa parar, mesmo que por um breve instante, para decidir se clica naquele
link ou não. "Este link é importante ou não? Como isso se relaciona com o que estou
lendo?" Mesmo independentemente de você clicar ou não, o hyperlink tem uma
característica que leva a desatenção. O processo decisório de clicar ou não interfere com a
interpretação e entendimento daquilo que você está lendo.
Esses revéses da tecnologia não poderiam ter sido antecipados antes de começarmos a usá-
las?
Quando chega uma nova tecnologia, as pessoas focam nos benefícios práticos imediatos.
Poder conversar com três pessoas ao mesmo tempo e encontrar as informações necessárias
de forma rápida, foram benefícios que encantaram e levaram a ignorar qualquer
consideração com relação aos seus malefícios. Levou algum tempo para que as pessoas
começassem a questionar as consequências da tecnologia. Então é possível que tivesse sido
capaz de antecipar estes problemas, mas ninguém prestaria atenção aos alertas.
Você acha justo comparar a ânsia em estar conectado com o vício em drogas?
Não gosto de rotular essas coisas como vício, porque são bem diferentes. Por outro lado, já
ficou bem claro que os seres humanos adoram ter novas informações. Pelos nossos hábitos
pessoais e vendo como as pessoas agem, você pode dizer que há algo de impulsividade no
uso da tecnologia e uma dificuldade em parar de buscar novas informações.
Não conseguimos parar e pensar sobre o que já encontramos e somos tomados por esse
desejo de continuar vendo o que está acontecendo, clicando e lendo emails. Então há um
lado viciante no uso de compoutadores e telefones.
Alguma recomendação final para os que foram capturados pela Rede - além de ler o seu
livro?
O importante é ser consciente sobre a forma como você usa a tecnologia e como ela
influencia o seu pensamento. Se você tiver consciência disto, então estará numa posição de
fazer escolhas mais razoáveis de forma a se disciplinar melhor. Se você usar a tecnologia de
forma inconsciente, então terá problemas.
Sua palestra será sobre a nova tendência de cloud computing e como isso pode ajudar a
resolver problemas antes intratáveis. Além do poder somado de tantos computadores, há
mais pesquisadores pensando juntos. Você acha que quanto mais força bruta, mais os
pesquisadores precisam se esforçar ou é o contrário?
Acho que quanto mais poderosos os computadores, maior o risco de acharmos que eles são
inteligentes. Vão confiar nos computadores para resolver problemas E acho que isso é
perigoso. Quando falando de mastigar números e este tipo de pesquisa, haverá uma
explosão de inovações com este enorme poder de processamento tão barato e disponível.
Mas há outros casos onde apenas os seres humanos conseguem pensar em novas
possibilidades, enquanto que os computadores só farão aquilo que foram programados para
fazer. então precisamos lembrar que quando se trata de grandes ideias, de descobrir os
problemas nos quais os computadores podem ser aproveitados, isto ainda depende de
pessoas inteligentes. Pessoas que consigam prestar atenção.