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Escrever é como dirigir

Escrever é como dirigir, é criar trânsito, movimentar ideias da mente para o papel. E uma vez no papel,
após a ignição da primeira palavra, no primeiro parágrafo, deve-se desenvolver o percurso das ideias, dos
significados, ou seja, o local onde queremos chegar, o nosso objetivo.
Os veículos para a escrita são como os veículos para a locomoção das pessoas. Pode ser, por exemplo,
uma Ferrari, com hastes e pontas em metais cromados, corpo emborrachado - nossa elegante lapiseira (com
pneus de aro 0.5 ou 0.7); pode ser um fusquinha bem conservado - lápis bem apontadinho e pequeno de tanto
uso; pode ser também um carro surrado, específico para trabalhos difíceis - lápis do pensador - com uma das
extremidades mastigadas pelos dentes do pensamento; e, por fim, o carro flex, lápis versatilmente apontado nas
duas extremidades, que economizam tempo no posto de abastecimento – o apontador. Temos ainda, a máquina
de escrever, o computador e o celular, que poderiam ser associados ao trem-bala e ao avião.
Apesar de todos estes recursos, as pessoas dirigem e escrevem mal. No trânsito muitos morrem
diariamente neste Brasilzão de meu Deus, deixando saudades e uma triste lacuna na história de suas famílias. Já
no papel, muitos assassinam o português e as ideias, devido à falta de clareza, de coesão e do desuso das regras
gramaticais, que equivalem as nossas leis de trânsito. Escrever sem clareza é como dirigir de faróis apagados
em noite de blecaute sem saber para onde ir. Escrever sem coesão é como trafegar em labirintos de ruas sem
saídas. E não respeitar as regras gramaticais é como não respeitar as regras de trânsito, onde até poderíamos
associar a ortografia a um carro sem os equipamentos obrigatórios (cinto, extintor, por exemplo); já a sintaxe, o
uso da vírgula e a organização das orações e períodos dentro do texto poderiam ser relacionados à sinalização
de trânsito: a placa de “pare”, “proibido estacionar”, o semáforo e outras tantas regras ignoradas em nosso
cotidiano.
A escrita ainda nos possibilita outro transporte: a viagem no tempo. Uma fuga do presente através de
um saudoso pretérito fotográfico e perfeito, ou um longo pretérito intermitente, imperfeito por não ter fim, e
indefinido que ecoa sem pressa de acabar, ou ainda, um pretérito super-herói, que viria antes de qualquer
passado - mais-que-perfeito – salvando o presente e determinando o futuro. Também podemos descrever beijos
com gerúndios intermináveis (beijando, ando, ando), amor infinitivo em verbos transitivos e muitas outras
viagens. Mas as pessoas não dominam bem estas técnicas e é comum em um texto o passado brigar com o
presente e o futuro esquecer do passado. E assim, tanto jovens quanto adultos vão atropelando e arrastando as
palavras pelo papel sem muito saber para onde ir ou o que estão fazendo, e acabam, sem perceber, colocando
dinossauros em espaçonaves, astronautas em cavernas e palhaços em cemitérios.
E por que isto ocorre?
No trânsito, as pessoas passam por um ínfimo e insuficiente período de treinamento, depois realizam
uma prova de direção, recebendo ou não a tão sonhada carta de habilitação, para depois poderem dirigir (E que
Deus nos acuda!). Uns até dirigem, outros galopam pelas ruas, troteando, relinchando e dando coices, muitas
vezes mortais. A escrita, assim como o trânsito, também precisa de treinamento, um treinamento permanente: a
leitura e a própria escrita. É isso mesmo, minha gente! Aprender a escrever não é só na sala de aula. Aprender a
escrever se aprende escrevendo e insistindo. O professor orienta, instrui, redireciona rotas. Ele é o nosso
primeiro GPS, enquanto ainda não internalizamos o nosso. Entretanto, o ciclo de aprendizado efetivo só se
completa com a leitura, a escrita e a prática. Aprendeu algo novo, então aplique! Pesquisou, descobriu algo...
Aplique! Produza! É através do processo de tentativa e erro, tentativa e acerto, que evoluímos. Felizmente,
podemos treinar e aprender em um inofensivo rascunho, enquanto no trânsito, muitos treinam em um poste, em
uma batida (Que não é de morango!), muitas vezes, com vítimas fatais.
Quem não gosta de ler ou escrever é porque ainda não descobriu o prazer que isto dá: não engorda, não
engravida, não custa nada (apenas um investimento de tempo, concentração, reflexão e disciplina), promove o
bem-estar, posto que, ajuda-nos a desabafar ou a expressar opiniões e, ainda, liga-nos a outras pessoas,
propiciando contatos e amizades. Aliás, ler e escrever é importante e imprescindível, pois a vida mais cedo ou
mais tarde exigirá a nossa competência linguística, seja em um vestibular, concurso público, currículo,
requerimento, solicitação, vestibular, concurso público, notificação, entrevista para um emprego, vestibular,
concurso público, mudança de cargo, prova de proficiência e etc, etc, etc (Eu já mencionei vestibular e
concurso público?).
É preciso que valorizemos o prazer da leitura e da escrita fora dos portões da escola, caso contrário, o
aluno pensará que “isto é coisa de escola! Na escola eu faço e ponto!”. Os pais têm que colocar o volante nas
mãos do filho e dizer “Abre! Vire a página! Me conte o que entendeu!”. Mas não sejamos hipócritas! Os filhos
são o reflexo dos pais. Se um filho não ver o pai ou mãe lendo, não adianta exigir que ele leia como um crítico
ou escreva como José Saramago. Estamos falando aqui de uma educação sutil e sensível, que não apenas cria
bons hábitos, mas transforma as pessoas. E a transformação começa dentro de casa, pelo exemplo. Leia para o
seu filho, leia com ele! Comente as obras, peça para ele comentar. Leve-o a eventos que explorem o universo
literário, cultural e artístico (E não me venha com este papo de que não tem tempo! Teve tempo para fazer um
filho, tem que ter tempo para cuidar dele! E cuidar direito!). Dinheiro também não é problema: temos
bibliotecas, o SESI, o SESC, a prefeitura municipal com maravilhosas atrações culturais gratuitas (Eu disse
gratuitas!).
Valorizar a leitura e a escrita exige dedicação de todos os personagens desta história: educadores, pais,
alunos, a comunidade, enfim, todos. Só com o envolvimento de todos (repito com redundância assumida este
termo!) é que poderemos delegar às gerações futuras a carteira de habilitação efetiva e permanente para o seu
desenvolvimento profissional e o pleno exercício de seus direitos e deveres, ou seja a consolidação consciente
de sua cidadania. A direção da educação e o volante do futuro estão em nossas mãos. Que todos sejamos ótimos
condutores, sem estacionar ou retroceder frente às lombadas e quebra-molas desta estrada pela qual percorre o
amanhã.

André Luiz Raphael (Profirmeza)


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