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Jeremias 31:27-34
Contexto
nesta leitura com a ênfase na Aliança (p. ex., Deu. 5:2-3), na linguagem
do coração (p. ex., Deu. 4:29; cf. Jer. 29:13), e no assunto da fidelidade
devida a Deus baseada em amor e compromisso que ultrapassa a
restrição legal (p. ex., Deu. 6:4-9).
Contudo, como outras porções de Jeremias, especialmente dentro desta
seção do livro, os eruditos estão divididos sobre quais partes vêm do
próprio profeta e quais são interpretações posteriores da comunidade.
Afortunadamente, como naquelas outras passagens, não temos que de-
cidir estas questões para entender esta leitura dentro do contexto do
livro de Jeremias. Mesmo se um pouco deste material, ou até tudo isto,
vem da comunidade posterior como ele se refletiu no seu próprio futuro,
é claro que ele continuou abrindo a mensagem de Jeremias para a co-
munidade da fé durante e além do Exílio. Isto sugere que a autoridade
deste material não está em quem o escreveu, mas no que ele diz sobre
Deus que a comunidade entendeu ser a palavra de Deus (ver Revela-
ção e Inspiração da Escritura). É também porque podemos referir-nos a
este material em termos de "Jeremias disse" sem implicar nada de uma
forma ou de outra sobre a autoria, no nosso sentido moderno do termo.
Na interpretação ou leitura, isto também sugere que não importa qual a
origem destes capítulos, eles não podem ser retirados do seu contexto
dentro do livro de Jeremias sem fazer sério dano teológico a sua men-
sagem. É crucial que estes capítulos de esperança e promessa de um
novo futuro permaneçam direta e intimamente ligados canonicamente à
pregação precedente de Jeremias que proclamou juízo sobre o pecado
e chamou o povo a voltar para Deus. Não podemos tomá-los daquele
contexto, seja para cristianizá-los ou para resolver questões históricas
da origem e fontes do texto ou simplesmente falar sobre esperança e
renovação como um princípio abstrato, sem primeiro vê-los no contexto
deles que é de fato o clímax do ministério de 40 anos de Jeremias. Fa-
zer isso é arriscar-se a fazê-los dizer algo que a comunidade da fé que
os preservou nunca disse. E nos arriscaríamos a lançar as promessas
de Deus de um novo futuro para uma graça demasiado barata, que não
leva a sério os fins para os quais esta comunidade de fé experimentou
aquela graça. Como veremos, isto é um aspecto importante da mensa-
gem teológica deste texto.
O contexto histórico desta leitura foi um tempo trágico na história de Is-
rael. Desde a ascenção da Assíria em 745 a.C., os eventos mundiais ti-
nham girado fora do controle de Israel. Houve algumas poucas vezes
quando bons líderes israelitas e um vácuo na história mundial tinham
permitido à monarquia de Judá conservar um pouco de controle do seu
próprio destino (ver os reinos de Ezequias e Josias). Mas, na maior par-
te das vezes a pequenina nação tinha sido um mero penhor nas mãos
dos impérios maiores. Ferozmente independente e nacionalista, ainda
infeccionada por líderes débeis e vacilantes, Judá tinha jogado um jogo
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O Texto
21, 12:14-17, 24:6, 29:5, 31:40, 42:10). Aqui, pela primeira vez desde
aquela passagem inicial, todos os seis são usados em conjunto (cinco
foram usados em 18:7-9). Além disso, a metáfora de velar, usada na
narrativa de chamada inicial em uma visão simbólica para confirmar a
Jeremias que a palavra de Deus estava assegurada para ele (1:11-13),
é novamente retomada aqui (v. 28).
A combinação destas metáforas nesta leitura claramente assinala um
clímax teológico no livro. Não é tanto que os temas de plantar e edificar
sejam subitamente introduzidos na pregação de Jeremias, embora haja
certamente a sugestão de que sua mensagem se deslocará agora para
uma ênfase em edificar e plantar. É mais uma confissão teológica que
na história de Israel, como os israelitas enfrentaram a hora mais escura
que eles tinham experimentado desde a fuga como escravos do Egito, a
palavra de Deus desta vez é sobre o futuro e a esperança.
Não há nenhuma alegria expressada na calamidade iminente de Israel.
De fato, nas passagens posteriores Deus pede desculpas pelo Exílio (42
:10). Há uma visão realista da história aqui. Ainda, a mensagem de edi-
ficar e plantar vai muito além de qualquer futuro inerente a possibili-
dades históricas que alguém possa prever. É esta dimensão que é su-
blinhada pela referência ao Deus que "vela" pelo povo, tanto quanto Ele
tinha velado pela Sua palavra dada a Jeremias.
A terceira metáfora é de fato uma referência a um provérbio (v. 29) que
observa, de uma perspectiva diferente, que os pecados dos pais são vi-
sitados sobre os filhos (Êxo. 20:5, Deu. 5:9). Isto não é uma formulação
legal, mas uma observação sobre a vida, como as conseqüências de
certo comportamento, do pecado, se realizam em gerações sucessivas.
A nossa moderna experiência com bebês dependentes de “crack” e
comportamento abusivo, para usar apenas dois exemplos, mais do que
confirma a verdade do provérbio na vida. Mas aquele modo de pensar é
desafiado aqui, pelo menos no que se aplicava à situação do exílio.
É fácil imaginar o desespero que pode ter surgido devido a pregação de
Jeremias ao coração. Ele tinha estado proclamando que a destruição da
nação era devido aos pecados dos pais e à recusa do povo durante o
período de várias gerações de se arrepender realmente e voltar para
Deus. Ele tinha até concluído que o povo estava tão acostumado a pe-
car que eles não só não se modificariam, mas não podiam modificar-se
(p. ex., 13:23).
Se acreditassem nele, e eles creriam, depois que a cidade foi destruída,
então o desespero viria para mostrar que Jeremias estava certo na ava-
liação que fizera deles de que eles tinham pouca esperança de tornar-se
o Povo de Deus. Mesmo se houvesse futuro, o que poderia impedir de
acontecer a mesma coisa novamente? Se as conseqüências dos peca-
dos dos pais, e dos seus próprios pecados, viesse sobre eles no futuro,
que esperança eles poderiam ter de serem alguma vez fiéis a Deus na-
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"conhecer" em hebraico pode ser usada até para designar relações se-
xuais íntimas entre o marido e a esposa (p. ex., Gên. 4:1).
Os israelitas vieram a "conhecer" Deus no Êxodo por causa do que Ele
fez (Êxo. 6:6-7). Ainda, eles tinham chegado de alguma forma ao ponto
onde eles mais conheciam a Deus (Jer. 4:22, Isa. 1:3). Agora eles en-
frentavam o fim da nação que tinha surgido em consequência do Êxodo.
E ainda, Deus não os abandonou como Seu povo. Ele tinha prometido
que agiria outra vez na sua história para que eles pudessem novamente
conhecer a Deus!
Aqui está o novo elemento desta Nova Aliança que ultrapassa a Aliança
do Sinai, que se seguiu ao Êxodo. O Êxodo definiu a Deus como um
Deus que ouve o clamor de escravos oprimidos, que está disposto a
escolher e a criar para Si mesmo um povo e dar-lhe uma missão no
Mundo. Mas o retorno do exílio iria até mesmo além. Isso revelaria um
Deus que é capaz de ser compassivo e gracioso até com Seu próprio
povo que o rejeitara. Ele é o Deus da segunda chance, que está dis-
posto a comprometer-se com este povo apesar do pecado, da rebelião e
do egocentrismo deles. Onde a graça e a compaixão pelos escravos
oprimidos e a fidelidade às promessas feitas aos pais marcaram o Êxo-
do, o perdão, incondicional e não-qualificado, é o novo elemento aqui
que vai além da relação estabelecida no Êxodo.
É esta revelação de Deus como Aquele que está disposto a dar ao povo
uma segunda chance, após o fracasso abismal deles, que se tornaria a
base da Nova Aliança. É esta dimensão de Deus que escreverá a lei nos
seus corações e os chamará a responder. Aqui há expectativa de que tal
clemência e tal graça que oferecem uma segunda chance, mesmo quan-
do não é merecida, resultarão em uma vontade de serem fiéis a Deus. A
meta consiste em que o povo estaria disposto e estaria ansioso por se-
guir a Torah, porque eles terão decidido de coração responder a este
Deus de graça e perdão. [Responder, aqui, no sentido de obedecer.]
Naturalmente, há muito mais para ser dito sobre a natureza da sua res-
posta. Esta não é uma perspectiva antinomista que substitui a necessi-
dade de observar a Torah por um perdão não-qualificado que não está
relacionado com as ações. Ainda existem as consequências do pecado.
E eles ainda teriam de responder em uma fidelidade que levasse a To-
rah a sério como a vontade de Deus para a humanidade. Não há ne-
nhum abandono das instruções de Deus aqui, tanto quanto não houve
nenhuma tentativa de Jesus em fazer assim (Mat. 5:17) nem por Paulo
(Rom. 8:4). O assunto aqui é com o motivo e a intenção do coração que
lhes permitiria ser fiéis a Deus pela obediência à Torah.
Esta leitura proclama que Deus agiria na história além do exílio de tal
forma que o povo viria novamente a conhecer que Deus é Deus, e no
conhecimento seriam capazes mais uma vez de responder a Ele em
fidelidade. Aquela ação seria a realidade concreta do regresso à terra e
da reedificação da cidade. Aqui está o coração da Nova Aliança, funda-
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Caminhos da Pregação
pista que o pecado tinha deixado nas histórias bíblicas desde Caim e
Abel, do Dilúvio a Abraão, de Moisés a Davi, ao relato do Cronista sobre
a conversão de Manassés. As ações de Deus na história tinham sido
marcadas por uma vontade de perdoar e mover-se para além do peca-
do.
Ainda, este caso foi diferente. Foi o próprio povo escolhido de Deus, que
Ele tinha criado no mundo para ser Seu povo, que ele tinha chamado a
viver uma vida que refletisse quem Ele era como Deus deles, e eles ti-
nham falhado. Não uma vez, mas através de séculos. Não havia ne-
nhum precedente para ser aplicado nesta ocasião. Então, não havia
nenhuma garantia de que Deus ainda seria gracioso e perdoador. Com
o relacionamento entre Deus e Seu povo quebrado tão pessimamente,
não havia nenhuma razão para acreditar que haveria algo que pudesse
restaurá-lo.
E ainda, a natureza de Deus como um Deus que está disposto a não
medir esforços para restaurar aquele relacionamento é claramente pro-
clamada aqui. O perdão de Deus é dado simplesmente da perspectiva
de começar [do zero] novamente. Não há nenhuma punição que seja
suficiente, nenhuma penitência que seja apropriada, nenhum esforço
que possa realizar o que Deus ofereceu gratuitamente a este povo.
Ainda haverá exílio. As consequências do pecado virão. Mas há um
perdão que espera no meio do exílio e que não vem por causa do exílio.
Este perdão vem simplesmente porque Deus decidiu oferecê-lo, sem
pré-requisitos e sem condição prévia. A escolha de Deus para estes
pecadores não é nada mais do que simplesmente dizer: "Eu perdoarei".
E aquele perdão cria novidade nas vidas das pessoas, até haver uma
transformação de seus corações. É Jeremias quem tinha proclamado
antes quão radical esta novidade pode ser. Por anos ele tinha descrito
os pecados do povo na mais vil, às vezes até na linguagem mais vulgar
imaginável, comparando-os com uma prostituta que oferece o seu co-
mércio nas ruas. E depois, Jeremias pode mudar e falar do Israel res-
taurado por Deus como uma virgem (31:4, 21). Esse é o tipo de novida-
de que Deus traz!
Isto não significa que Deus aprova o pecado, ou que o pecado não é um
assunto sério. O pecado realmente traz o exílio. Mas o exílio não é o fim.
O pecado e o fracasso não descarrilam os propósitos de Deus de man-
ter um relacionamento com Seu povo. O pecado é destrutivo, mas não
está além da capacidade de Deus! Estas pessoas não foram tranca-
das num futuro fechado por causa do pecado. O pecado não tem a
palavra final, porque Deus é Deus!
Há necessidade de cuidarmos, aqui, para não aplicarmos este texto de-
masiado facilmente ao nosso modo individualista moderno de pensar e
supormos que só se aplica diretamente a nós em nível pessoal. Seria
fazer mau uso do texto. Mas há certamente algo que aprendemos sobre
Deus aqui que sugere, só pela analogia, que ele é o tipo de Deus que
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“Porquanto o que era impossível à lei, visto como estava enferma pela
carne, Deus, enviando o seu Filho em semelhança da carne do pecado,
pelo pecado condenou o pecado na carne; para que a justiça da lei se
cumprisse em nós, que não andamos segundo a carne, mas segundo o
Espírito.” - Almeida Revista e Corrigida, SBB, 1969.
Isto é outra expressão das distâncias que Deus percorreria para recon-
ciliar consigo mesmo uma humanidade teimosa que não pode fazer na-
da por si própria para merecer o amor de Deus. E a solução de Deus
para realizar a reconciliação na história humana é ser o seu Deus, na
expectativa de que a resposta das pessoas também seja construir suas
próprias histórias através de corações mudados e de vidas mudadas,
permitindo que o perdão as transforme de dentro para fora.
Daqui, não é tão difícil ver que os fundamentos foram colocados para
entendermos a expressão posterior da mesma natureza e do caráter de
Deus na Encarnação, com as mesmas expectativas. Não temos que
abolir o Velho Testamento ou a tradição judaica que se desenvol-
veu depois do exílio para fazer essa conexão. Só temos de aceitar
como cris-tãos que em Jesus testemunhamos de novo o mesmo Deus
trabalhan-do novamente na história, revelando-se como um Deus que
não está disposto a aceitar que alguém pereça, mas que todas as
pessoas de-vem ser reconciliadas com Ele. E já sabemos quão longe
Ele foi para assegurar-se de que entendemos que o perdão está
disponível para nós.