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Expressões e imagens eclesiais no Evangelho de São João

Ir. Thiago Cristino, fmi – Estudante de Teologia.

Propomo-nos de fazer um ensaio sobre os símbolos sugestivos que ilustram a dimensão


comunitária da eclesiologia joanina. Ainda que o autor sagrado acentue a questão da fé no seu
aspectos pessoal, tenhamos presente que o elemento comunitário jamais é descartado. Para São João
tais imagens servem para mostrar que uma realização existencial com Cristo sem a Igreja é
impensável, “porque sem mim nada podeis fazer” (Jo 15,5). Desse modo, a comunidade é
impensável sem uma coordenada transcendente.

I. Características da comunidade de Jesus de Nazaré

A) A Esposa do Messias (3,27-30): é uma comunidade de caráter nupcial, que é bem


acentuado por João, o Batista quando diz: “Quem tem a esposa é o esposo; mas o amigo do esposo,
que está ao seu lado e o ouve, muito se alegra com a voz do esposo” (v. 29). Aqui fica mais claro o
papel de João Batista em relação a Jesus. Este é o esposo messiânico e a comunidade escatológica é
a esposa de Cristo. Tal imagem é empregada no Primeiro Testamento para descrever a relação do
Rei com seu Povo, por exemplo, Aquitofel promete a Absalão levar todo o povo para ele, como
vem a esposa ao seu esposo (2Sm 17,3). Segundo a tese de P. Proulx e L. Alonso Schökel o
“desatar a correia da sandália” de Jo 1,27 seria um traço do direito matrimonial hebraico relativo ao
levirato1. Neste sentido João Batista não é digno de apropriar-se do papel de “Esposo” da nova
Aliança.
B) O rebanho de Cristo (10,1-18): Neste capítulo Jesus fala diversas vezes deu suas
ovelhas, quando se apresdenta como Porta (vv. 7-10), como Bom Pastor (vv.11-18), mas também
no polêmico discurso sobre a incredulidade dos judeus, que não pertencem ao rebanho de Cristo
(vv.22-30). Tal atividade de Jesus-pastor tende a instituir um novo Israel espiritual, cuja nota
distinta é a escuta da sua palavra (v.3). Se num primeiro momento as ovelhas ouvem a sua voz,
designando uma atenção inicial, no v.16 a tendência é a transformação da vida pela palavra numa
adesão total e sem reservas a Cristo, num caminho constante de aprofundamento de fé. Assim
lemos: “Tenho ainda outras ovelhas que não são deste aprisco: é preciso que eu as conduza. Elas
ouvirão (akousousin) a minha voz, e haverá um só rebanho, um só pastor”. A pertença ao único
rebanho de Cristo é decretada pela acolhimento e re-conhecimento (ginoskein) de Jesus como
Messias e Filho de Deus. Tal conhecimento não é tanto um saber intelectual, mas um saber a partir
da experiência do encontro com Cristo, isto é, que possibilita uma intimidade e comunhão de vida.
Essa imagem joanina evoca a temática eclesial do Primeiro Testamento, segundo a qual Israel é o
rebanho do Senhor, que reune, cuida,reconduz, busca (Cf. Is 63, 12-14; Ez 34,11.23-25). Para São
João não é concebível pensar Cristo-pastor sem o seu rebanho e vice-versa.
C) O povo de Deus (11,50-52;18,14): Para sustentar essa fundamentação nos
reportaremos à Profecia – termo insistido por João – do Sumo sacerdote Caifás: “Jesus deve morrer
pelo povo (laos), para que não pereça toda a nação (ethnos). O primeiro vocábulo indicava o povo,
eleito e santo. Já o segundo significava a estrtutura étnica e política deste povo santo. Assim, temos
que Jesus não morre apenas pela nação judaica, mas por aqueles que têm outra procedência e que
estão dispersos, isto é judeus e gentios. Tal Povo, novo e único, se formará com a morte de Jesus.
Neste sentido a morte de Jesus é compreendida pelo evangelista em chave soteriológica (morrer
para), porque é através deste feito que, Nele, é estabelecida a plena comunhão com o Pai e,
consequentemente, tem-se início a unidade da Igreja, novo povo de Deus e rebanho de Cristo.

1
Do latim Levir, cunhado. O cunhado deve tomar por esposa a mulher do seu irmão, caso venha a falecer sem deixar
herdeiro, no intuito de propagar a descendência e o nome do falecido. Caso o cunhado não queira desposar sua cunhada,
ela lhe tiraria a sandália, um rito de privação de posse, demonstrando neste caso que a mulher permanecesse com a
posse dos bens de seu marido. (Cf. Dt 25,5-10; Gn 38; Rt 4).
D) A videira e os ramos (15,1-8): Esta é tipicamente joanina. O evangelista
provalmente se apoia numa tradição veterotestamentária, na qual Israel é contemplado sob a
imagem da ‘vinha’ (Cf. Os 10,1; Jr 2,21; 5,10; Ez 15,1-6). Segundo Is 5,1-7, a casa de Israel é a
vinha do Senhor dos exércitos. Pois bem, quando João adota esta imagem para referir-se à
comunidade de Jesus, ele realiza uma mudança fundamental: a videira não é a representação de
Israel, mas é símbolo do próprio Cristo, Filho e revelador do Pai. A figura dos ‘ramos’designa a
comunidade salvífica, que é fundada pela ‘videira verdadeira’, Jesus, em íntima comunhão de vida
com Ele e Nele. Assim está descrito no v.5: “Eu sou a videira e vós os ramos. Aquele que
permanece em mime eu nele produz muito fruto; porque sem mim nada podeis fazer”. Trata-se,
portanto, de um relacionamento de confiança e fidelidade recíproca que existe entre Ele e os seus. A
Igreja não pode constituir uma entidade distinta de Cristo. Uma comunidade que não permaneça
unida a Jesus está condenada à esterelidade absoluta. Enquanto João apela para a imagem da
‘videira e ramos’, Paulo realça o caráter ‘corpo de Cristo’. Ainda que ambos autores busquem uma
união orgânica entre a comunidade de Cristo, o primeiro insiste na união vital, necessária e
duradoura a Cristo; já o segundo apela para a relação que os membros têm entre si, mediante os
vários carismas que distinguem os cristãos (Cf. 1Cor 12).
E) A túnica inconsútil (19, 23-24): os soldados repartem entre si as vestes e sorteiam
a túnica de Cristo, que está crucificado. João fornece uma descrição pormenorizada da túnica, isto
se deve ao fato de ela simbolizar a unidade da Igreja. O verbo (schízein – cindir) empregado para
designar divisão,repartição das vestes, tem sua raíz no substantivo (schísma – cisma). Na literatura
bíblica, a veste rasgada era símbolo corrente de cisão ou separação do povo de Deus. Por exemplo,
com a morte do rei Salomão, em 932 a.C. aconteceu um cisma entre as tribos do norte com as do
sul. O profeta Aías rasgou o manto em doze pedaços (1Rs 11-2931). Num primeiro momento o que
é posto em destaque a ideia de ‘parte’ e ‘divisão’. Já num segundo momento, João insiste na túnica
inconsútil e que não foi dividida. Tal tensão dialética entre a partilha das vestes e integridade da
túnica levam a crer que o povo está dividido, especialmente diante de Jesus; na hora messiânica,
porém, a unidade será realizada pelo congregamento de todos no meonte Sião. Os ‘filhos dispersos’
serão reconduzidos em torno da cruz de Jesus, pois a Igreja nasce do Calvário2. A unidade do povo
messiânico se realiza na mãe de Jesus e no Discípulo amado junto à cruz (vv. 25-27)
F) A rede ‘indivisa’ de Pedro (21, 1-14): É certo que a ideia de universalidade está
subjacente na perspectiva ‘eclesiástica’ de todo o capítulo. Jesus ressuscitado faz de Pedro o
‘pastor’ de ‘seu’ rebanho, o chefe da comunidade dos seus discípulos. Nota-se a presença de uma só
rede, mas também o detalhe de que ela (rede) não de divide, não se rompe. A rede se converte num
símbolo do Igreja universal que nasceu como fruto da obra salvífica de Cristo (Morte e
Ressurreição – Cf. 12,24.32); a Igreja de Cristo será sempre una, ainda que seja composta por
homens de todas as nacionalidades do mundo (unidade na diversidade). Nos vv. 6 e 11 é mais
explícito quando Jesus diz: “‘lançai a rede à direita do barco e achareis’. Lançaram, então, e não
tinham mais força para puxá-la, por causa da quantidade de peixes.(...)Simão Pedro subiu à barca e
arrastou a rede para a praia. Ela estava cheia de, com cento e cinquenta e três peixes grandes,
apesar de serem tantos, a rede não se rompeu (não se dividiu)”. Ao contrário dos outros discípulos
(juntos), Pedro (sozinho) consegue arrastar (helkein) a rede. O verbo designa atração cristológica
(12,32;6,44)3. Ora, neste capítulo é Pedro quem assume a tarefa da atração cristológica, significando
o seu primado em relação à comunidade, depois de retornar à fé que havia perdido precedentemente
(vv.15-19).

II. A Igreja e o Mundo (15, 18-21;16,20)

2
“A Igreja que nasce do Mistério da Redenção na Cruz de Cristo tem o dever de procurar o encontro com o ser humano
de modo particular no caminho do seu sofrimento” (João Paulo II, Carta Encíclica Salvifici Doloris, nº 3).
3
É Cristo quem atrai todo homem e todas as coisas para si. Ninguém pode vir a mim se o Pai, que me enviou, não o
atrair.
Na literatura joanina a contraposição entre Igreja (grupo de discípulos) e Mundo
(concepção ético-religiosa) é uma constante. Isto posto uma questão faz-se necessária: que relação
existe entre a Igreja e o mundo? Porém, antes de mais nada precisamos entender o termo kosmos em
João.
a) Numa primeira leitura encontramos o ‘mundo’ como a obra da criação, céus e terra;
b) O segundo significado é o ‘mundo’ enquanto morada dos homens e o cenário da
história humana;
c) No terceiro significado, o ‘mundo’ indica o conjuto dos homens incrédulos que não
reconhecem Jesus como Filho de Deus e Salvador universal dos homens – Sinédrio.
Enquanto potência maléfica o ‘mundo’ se identifica com o diabolos;

Na literatura joanina a concepção de ‘mundo’ mais utilizada é aquela em seu aspecto


ético-religioso como força demoníaca que se opoe ferrenhamente a Jesus e àqueles que Nele creem.
E é neste contexto que a comunidade de Jesus é chamada a caminhar na luz (14,6), deixar os
caminho das trevas (8,12;11,9s; 12,35) e a assumir diversas tarefas em suas relações com o mundo,
ou seja, a comunidade está no ‘mundo’ para uma missão: conhecer, acolher e observar a Palavra
do Pai, pelo Filho Jesus, o Revelador do Pai, através do anúncio da Palavra feita VIDA na vida do
homem, e por isso não pode se confundir com este ‘mundo’, que só é vencido mediante a Fé em
Cristo (Jo 17,14-18) e a prática do amor (1Jo 5,3.18-20). Todavia, é no capítulo 17, na oração
sacerdotal de Cristo, encontramos enfaticamente a dimensão missionária da Igreja que está aberta
para continuar e expandir a revelação de Cristo e sua obra salvífica, mediante a fidelidade, sem a
qual a comunidade torna-se estério.
A missão assumida nestes termos produz efeitos (17,20-26) como: Por meio da
proclamação da Palavra o homem crê em Cristo, que liberta e salva (v.20); a unidade com Deus e
com os irmãos (vv. 21.23) e o dom do ágape (v.26). Jesus ora para que se realizem entre os
discípulos os mesmos sentimentos entre o Pai e o Filho; contemplação da glória de Deus (v.24), isto
é, estar com Cristo (Fl 1,23) numa intimidade profunda com Deus, na ‘vida eterna: que eles te
conheçam a ti’ (v.3) que já começa . embrionariamente hic et nunc depois da entrega total ao Pai.
Enfim, ao pretender conduzir os homens a Jesus, a comunidade se revela como presença
soteriológica no e para o mundo.

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