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João Ruivo (www.rvj.

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A Escola pública e o Estado democrático


A democracia parlamentar e a escola de massas, que convergiu na escola pública,
constituíram-se como dois dos grandes mitos ideológicos forjados no seio das mais
avançadas sociedades industriais do século passado.
À primeira era conferida a missão de criar uma sociedade fraterna, totalmente baseada
na igualdade dos cidadãos. Á segunda foi pedido que também ela se democratizasse,
abrindo as suas portas a todas as crianças e jovens que a quisessem frequentar.
São, ainda hoje, dois projectos de uma generosidade indiscutível e que, apesar das
fragilidades com que muitas vezes se defrontam, não encontraram ainda melhor
alternativa, no respeito pela liberdade de escolha e no pleno exercício da cidadania.
Porém, temos que admitir que a democracia parlamentar não impediu que a riqueza se
concentrasse em cada vez menos mãos e que o fosso entre os mais ricos e os pobres
fosse cada vez maior. Como não conseguiu erradicar a maior das chagas sociais que nos
envergonha: a da exclusão social, que engrossa a fileira dos que têm fome, dos que não
têm abrigo, dos que não têm direito à saúde e dos que viram negado o direito a um
trabalho.
E também temos que reconhecer que a escola de massas, a verdadeira escola pública,
ainda não conseguiu que a igualdade do acesso se transformasse numa igualdade de
sucesso; assim como tarda a que a escolaridade seja por todos vista como um valor de
promoção social e de meritocracia.
O professor, que é simultaneamente cidadão e educador, vê-se confrontado, nesta
segunda década do século XXI, com esse duplo dilema: o de ajudar a construir uma
sociedade mais justa e o de erguer uma escola gratificante para quantos nela trabalham e
nela se revêem: alunos, docentes, funcionários, pais e membros da comunidade local.
Confrontados entre o desejo de realizar cada vez mais e a míngua dos resultados
alcançados, sentem frustrados e menorizados na sua profissionalidade. Sentem-se assim,
não por incúria, mas porque são profissionais responsáveis e de dedicação para lá dos
limites do imaginável.
Mas sentem-se assim também porque tardam em perceber que o seu desencanto é a
medida resultante de uma indirecta e subjectiva avaliação das políticas educativas e dos
responsáveis da educação que as protagonizaram.
Os professores são intelectuais livres. É certo. Mas num aparelho de Estado
centralizador, como o é o nosso, também são chamados a serem dóceis funcionários
executores de medidas de política educativa, das quais por vezes discordam e para as
quais só episodicamente são chamados a opinar.
Daí resulta um estranho equívoco: muitos docentes assumem como derrota profissional
a falência desta ou daquela medida de governo. Entendem que foram o problema,
quando, de facto, os normativos burocrático-administrativos não os deixaram ir em
busca da solução.
Se querem que os professores assumam, em plenitude, toda a responsabilidade do que
ocorre na escola, então revela-se indispensável que eles a si chamem a gestão integral
dos destinos das instituições educativas. Não há responsabilidade total sem completa
autonomia. Não deve ser exigida a prestação de contas a quem não foi autor dos
objectivos a contratualizar e da missão a cumprir.
Por isso, antes de se julgar e avaliar os professores, antes de julgar e divulgar o ranking
das escolas, urge avaliar e classificar as medidas educativas que estes e aquelas foram
obrigados a protagonizar, muita das vezes contra natura.
O Estado e as famílias demitem-se todos os dias de objectivos educativos que só a eles
deviam ser remetidos e dos quais contratual e socialmente se responsabilizaram.
Alguns jovens são levados a acreditar que a escola é terra de ninguém. Onde a ética e a
deontologia fica à porta da sala de aula e onde todo o individualismo exacerbado pode
substituir o trabalho honesto e colaborativo.
Muitos professores são apanhados em curvas mais apertadas da sua profissão porque
são induzidos a julgar que foram formados para serem exclusivamente gestores de
conflitos numa arena que, em algumas escolas, resvala o limite do bom senso e da
decência.
O Estado e as famílias pedem à Escola que os substituam. E apontam o dedo acusador
quando a máquina falha por excesso de carga profissional, emocional ou administrativa.
Assim não! É que mais cedo do que a razão aconselharia talvez haja muitos professores
que já tenham percebido que mais vale pronto recusar que falso prometer.

João Ruivo
jruivo@almada.ipiaget.org

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