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rojeto Trauma

Trauma e ViolênciaProjeto de Atenção Nacional ao Trauma


1) Introdução
O trauma é a principal causa de óbito nas primeiras 4
décadas de vida e representa um enorme e crescente
desafio ao País em termos sociais e econômicos. Os
acidentes e as violências no Brasil configuram um
problema de saúde pública de grande magnitude e
transcendência, que tem provocado forte impacto na
morbidade e na mortalidade da população.
Somos 180 milhões de brasileiros, sujeitos diariamente,
por inúmeros motivos, a toda espécie de traumas. Em
2004, foram computadas cerca de 150 mil mortes
decorrentes de traumatismos e estimativas indicam ao
redor de 800000 internações anuais (apenas nos
hospitais públicos). Apenas na cidade de São Paulo, o
Resgate e o SAMU responderam a 30000 chamados
decorrentes de algum evento relacionado a trauma. Os
custos econômicos envolvidos superam 9 bilhões
anualmente. Estamos lidando com um problema de saúde
pública e desta forma devemos enfrentar e propor
soluções. Para tal, passaremos a um estudo crítico dos
resultados encontrados frente a situação atual para que
efetivamente sejam efetuadas propostas que possam
contribuir de facto para promovermos uma melhor
qualidade de vida.
Diagnóstico atual
O sistema assistencial atualmente existente no Brasil, no
que tange ao doente traumatizado, não atende a
demanda de forma satisfatória, sendo fundamental que
ele seja analisado e reestruturado. O atendimento ao
doente traumatizado tem quatro componentes, o
atendimento pré-hospitalar, o atendimento hospitalar, a
reabilitação e a prevenção, que devem ter uma relação
íntima, recíproca e extremamente monitorada.
Embora tenhamos avançado em vários aspectos destes
componentes, é necessário termos uma visão clara da
situação atual, para podermos dar o passo seguinte.
Existem inúmeros aspectos que dificultam o fluxo ideal do
atendimento do doente traumatizado através do sistema
atualmente vigente, destacando-se aqui alguns:Serviços
de Resgate, prestados por Bombeiros, que funcionam
dentro de uma lógica de despacho, sem regulação
médica. Proliferaram pela insuficiência histórica da área
da saúde neste tipo de atuação.Duplicidade de acesso ao
sistema de atendimento pré-hospitalarConjunto de
referências e contra-referências subdimensionadas e
deficientes, pouco claras e freqüentemente
desrespeitadas,Distribuição inadequada da oferta de
serviços de urgência, agravada na medida em que se
caminha para o interior do País,Os leitos de terapia
intensiva são disputados pela urgência com o restante
dos serviços hospitalares, como por exemplo, os pós
operatórios de cirurgias eletivas,Os Pronto-Socorros dos
grandes hospitais, improvisam os leitos de terapia
intensiva necessários ao atendimento das urgências, nas
áreas de observação, Insuficiência da rede assistencial de
média complexidade, constituída pelos Pronto-Socorros
dos pequenos hospitais e por Unidades de Pronto
Atendimento, instaladas para dar vazão à demandas não
satisfeitas da atenção básica e portas hospitalares,
atuando, em geral, sem qualificação de recursos
humanos e materiais, e sem retaguarda diagnóstica;
Pacientes internados em macas: Escassa oferta de leitos
de observação e/ou retaguarda, perpetuando a presença
de grande número de macas nos exíguos espaços dos
pronto socorros dos hospitais; Desqualificação estrutural:
historicamente estruturadas para dar vazão a demandas
não satisfeitas da atenção primária e portas hospitalares,
são unidades que atuam, em geral, sem qualificação de
recursos humanos e materiais e sem retaguarda
diagnóstica.Pulverização de recursos econômicos,
materiais e humanos: Como citado anteriormente, devido
a infindável demanda de pacientes, é especialmente difícil
administrar os recursos que devem ser aplicados,
causando um custo excessivo sem controle adequado
dos resultados. Em outras palavras, os recursos devem
ser mais eficazmente aplicados.
2) Tratamento
Diante destes aspectos cabe aqui perguntar, o que pode
ser feito para melhorar o atendimento ao traumatizado? A
resposta não é simples e vários Países tentam responder
a esta indagação, muitos deles há várias décadas. Tendo
em vista a importância do tema e o impacto sobre a
sociedade, o debate foi intensificado, uniram-se esforços
e idéias, especialmente pelo encontro de várias
Sociedades Médicas, como intuito de aproximarmo-nos
das Políticas adotadas na Saúde, e passaremos a propor
algumas ações que irão efetivamente repercutir sobre o
atendimento ao traumatizado, razão final e única de
nossos esforços. O que nos respalda para propor
soluções é o domínio científico e a visão crítica que
possuímos, fruto da nossa posição de executores, pois
cabe a nós cuidar dos pacientes, e estamos certos que
podemos faze-lo com mais qualidade.
Não podemos deixar de ressaltar que a simples adoção
de modelos existentes em outros Países contribui para o
nosso insucesso, dadas as características da doença
Trauma, que tem incidência, etiologia e morbimortalidade
dependente da condição sócio-econômica, cultural e
médica de cada País, ou mesmo, de cada região.
Como comentamos anteriormente, existem 4
componentes que englobam o atendimento ao
traumatizado: o atendimento pré-hospitalar, o
atendimento hospitalar, a reabilitação e a prevenção.
Quando inserido dentro da Política de Atendimento às
Urgências, resolve-se apenas um dos seus componentes,
o atendimento pré-hospitalar, que é a porta de entrada do
sistema. O paciente não tem um fluxo definido após
adentrar ao Pronto-Socorro, ele se perde nas inúmeras
macas, ele disputa as vagas com os demais pacientes,
ele fica a mercês do destino.Caso haja limitação de
recursos, este doente se perde dentro das Centrais de
Regulação a procura de vagas e oferta de recursos mais
complexos.
Dentro deste contexto, a primeira ação objetiva a ser
tomada deve ser o reconhecimento por parte de todos os
Setores da sociedade, o aspecto conceitual citado:
Trauma é uma doença,
Outro aspecto que deve ser comentado é que os hospitais
que detém maior experiência e que formam a massa
crítica responsável pelos atendimentos de excelência em
trauma localizam-se na sua maior parte dentro dos
hospitais universitários. Porém a sua capacidade é
limitada e o número de traumatizados infelizmente não é
finito. A superlotação deste hospitais afeta o atendimento
do doente traumatizado e dos demais setores do
nosocômio. Por outro lado, a limitação de vagas,
caracterizando-o como um Centro de Referência
exclusivo já se mostrou insuficiente e ineficaz em outros
Países. Por esta razão, a segunda ação proposta é a
caracterização da necessidade de difundirmos o conceito
de Sistema de Trauma.
Um sistema de trauma é o resultado de um esforço
coordenado e organizado, em um área geográfica
definida para prover todos os cuidados necessários, para
todos pacientes traumatizados e que seja integrado com o
sistema de saúde público local. O verdadeiro valor do
sistema de trauma é a transição entre cada fase do
atendimento, integrando os recursos existentes para
atingir o melhor resultado possível. Os sistemas de
trauma devem ser regionalizados e devem oferecer os
cuidados necessários de acordo com as características
específicas da população, seja ela rural ou urbana.
Devem ainda identificar e enfatizar a prevenção dos
traumatismos, dentro do contexto da comunidade. Deve
permitir que todos os cidadãos, tenham acesso a um
cuidado adequado, rápido e coordenado, dentro de um
contexto de custo-benefício, em qualquer localidade.
2 a) Objetivos
O que se espera conseguir com a implantação do sistema
de trauma? A experiência obtida em outros Países nos
permite almejar:
Redução das mortes causadas por traumaRedução do
número e da gravidade dos inválidosAumentar o número
de anos de vida produtivosDiminuir os custos do
atendimento inicial e da reabilitaçãoReduzir a
responsabilidade que recai sobre a comunidade em dar
apoio aos incapacitadosDiminuir o impacto da doença
trauma na segunda vítima: famílias
2 b) Metas e Prazos
Em quanto tempo esperamos colher os resultados e quais
são estes resultados?Dados de literatura apontam para
os seguintes números em um prazo de 5 anos Redução
dos óbitos por trauma em 15%Redução dos acidentes
automobilísticos em 9%Redução das mortes evitáveis em
25%Redução dos custos hospitalares em 15%
2 c) Método de ação
Diante da complexidade do repasse dos recursos e da
dificuldade de caracterização da responsabilidade desta
ou daquela esfera de governo no Brasil e, considerando-
se a ingerência e os interesses políticos envolvidos no
tema, para que possamos oferecer uma resposta eficaz é
necessário um Planejamento Estratégico para
implantação desta conceitos, que em última analise,
visam oferecer uma melhor qualidade de vida. Os
resultados ideais só serão colhidos a longo prazo. Isto
precisa ser reconhecido.
2 c.1 )Ações a Curto-Prazo
Visando contemplar estes aspectos, somado ao fato de
que o trauma atinge todas esferas de governo, a ação
executiva inicial e imediata é a formação do Comitê
Nacional de Trauma, que será responsável pela
Implantação dos Sistemas de Trauma através do
planejamento supracitado. Parágrafo Único: Criação do
Comitê Nacional de Trauma, indicado pelas Sociedades
Médicas que assinam o documento em questão, em
composição com técnicos de carreira, com notório
conhecimento do tema.
Devem compor o comitê:Cirurgião especializado em
trauma NeurocirurgiãoOrtopedistaEpidemiologista
Enfermeira especializada em trauma.
Outro aspecto crítico que deve ser contemplado é a
necessidade de haver um caráter de continuidade deste
Comitê, para evitar ingerências políticas ou pontuais.
Além disto, o comitê deve possuir autoridade legal.
Do ponto de vista político-administrativo, isto deve ser
feito através de uma Portaria que faça um termo aditivo a
Política Nacional de Atenção às Urgências, denominado
Política Nacional de Atenção ao Trauma. Esta Portaria
deve inicialmente, através da força da lei, com dimensão
nacional:
1) O reconhecimento de que estamos vivenciando uma
Epidemia da doença Trauma no Brasil2) Tornar
obrigatório que os todas Unidades da Federação
implantem os chamados Sistemas de Trauma.3) Tornar o
óbito decorrente de traumatismo, de notificação
compulsória.4) Tornar obrigatório o Banco de dados em
Trauma em todas unidades da federação5) Considerando
o caráter único da doença trauma e que para seu
tratamento é necessário uma abordagem especializada, o
atendimento não pode ser realizado em qualquer serviço,
fato corrente nos dias atuais. Para tal devemos organizar
a rede hospitalar, que será credenciada para atendimento
a estes doentes, que deverá cumprir metas para que seja
reconhecida como tal e para que seja efetivamente
remunerada. Desta forma esperamos solucionar o
problema da pulverização de recursos e alcançar
melhores resultados. a. Deverá ser aberto edital para
credenciamento da rede de atendimento ao doente
traumatizado, nos seus diferentes níveis, evitando-se
obrigar este ou aquele hospital a prestar atendimento, e
por outro lado impedindo-se que o doente seja atendido
em local não credenciado.
Tarefas do Comitê Nacional de Trauma:
I. Delinear, a prevalência da doença trauma no Brasil em
todas seus aspectos quantitativos e qualitativos (por
exemplo, número e etiologia dos traumas como um todo,
das vítimas fatais, dos seqüelados) através da criação do
Banco de dados em TRAUMA, através de uma ficha de
registro nacional para traumatizados. Os critérios de
inclusão devem ser: todos os pacientes traumatizados
que evoluírem a óbito e todas as internações decorrentes
de traumatismos. II. Criar e implantar os Comitês
Regionais de Trauma, a. Auxiliar e orientar os Comitês
Regionais para a implantação dos Sistemas de TraumaIII.
Criar o Comitê de Óbito para os traumatizados IV. Criar a
Avaliação de Performance dos Serviços de Trauma
(etapa pré-hospitalar, hospitalar e pós-hospitalar). V.
Normatizar critérios de acesso aos Centros de Trauma
pelo sistema pré-hospitalar (Anexo I)VI. Categorização
dos Hospitais que atenderão os doentes traumatizados
(Anexo II)VII. Propor diretrizes do atendimento no âmbito
assistencial (elaboração de protocolos) VIII. Propor a
elaboração de normas e protocolos a serem adotados em
casos de desastres e catástrofes. IX. Categorizar os
profissionais médicos e não médicos necessários no
atendimento integral ao traumatizado X. Opinar em
relação aos investimentos e em relação aos custos
diretos e indiretos inerentes ao trauma e ao seu
atendimento apontando eventuais formas de diminuí-los
XI. Elaborar o conteúdo programático mínimo para a
formação do médico, da enfermeira e dos demais
profissionais envolvidos no atendimento ao traumatizado
(graduação) XII. Propor estratégias voltadas para a
prevenção. XIII. Propor estratégias para a reabilitação das
vítimasXIV. Discutir mecanismos para financiamento do
custeio para combater a doença TRAUMA.
Tarefas dos Comitês Regionais de Trauma:
a. Implantação dos Sistemas de Trauma, incluindo-se
aqui o número de hospitais, em cada nível necessário,
para cada região, de acordo com a incidência de
traumatizados em cada área. Em função dos números
obtidos, deve-se organizar a rede prevendo-se para cada
1,5 milhão de habitantes:a) 1 Centro de Trauma terciário
b) 2 Centros Secundários nesta mesma áreac) 4
Unidades de Trauma
Parágrafo 1o: É necessário 1 Centro de reabilitação para
cada Sistema Regional e 1 Centro Auxiliar para
recuperação de doentes crônicos
Parágrafo 2o: Cada sistema de trauma deve ter um
hospital que exerça liderança sobre o sistema (Centro
terciário). É inadequado haver mais de uma liderança no
mesmo sistema. Uma alternativa nestas eventualidades
pode ser alcançada através da alternância do líder.
b. Fiscalizar a gestão e os resultados de cada Sistema
implantado
Tarefas dos Comitês Municipais de Trauma:
Implantação do Banco de DadosAnálise periódica dos
resultados (Avaliação de Performance e Óbitos)Identificar
fatores causais e medidas que podem ser efetuadas para
prevençãoFiscalizar a gestão de cada Hospital da rede do
Município e da atenção pré-hospitalar Representar o
gestor (secretário de saúde) no controle do sistema. Por
exemplo, caso haja descumprimento na responsabilidade
pré-estabelecida e pactuada o comitê deve ser notificado
e tomar providências para reorganiza-lo.
Parágrafo Único: Os comitês regionais e municipais
devem ser constituídos do mesmo modo citado
anteriormente, ou seja, com indicação técnica pelas
sociedades médicas em questão, respeitando os 4
componentes do sistema de trauma,sendo necessário
que a composição do grupo nesta esfera deve incluir:A.
Atenção pré-hospitalar (Médico e Enfermeira)B. Atenção
hospitalar (Cirurgião, Intensivista, Neurocirurgião e
Ortopedista, Enfermagem)C. Atenção pós-hospitalar
(Fisiatra)D. Prevenção (Membros da Defesa Civil ou da
Polícia Militar)E. Epidemiologista
ANEXO I
ATENÇÃO PRÉ-HOSPITALAR
A triagem adequada é o dado mais significativo de um
bom sistema de trauma, sendo fundamental para atingir
resultados satisfatórios no atendimento ao doente. O
objetivo de cada sistema é alocar as necessidades dos
pacientes na categoria hospitalar adequada. Em outras
palavras, o dado mais importante é que o doente certo
esteja no lugar certo, na hora certa, no menor espaço de
tempo possível.
Deve-se instituir o conceito da necessidade do pré-
acionamento, ou seja, o hospital que irá receber o doente
deve ser notificado, tão logo seja possível para que ocorra
ativação da estrutura interna do hospital para absorção da
vítima. Para tal, os hospitais devem ser contemplados
com sistemas de comunicação que possibilitem esta
ação.Outro aspecto importante é o conceito de sub-
triagem e supertriagem. Estima-se que um sistema
razoável deva ter 5 a 10% de sub-triagem e ao redor de
50% de supertriagem.
Algoritmo de decisão pré-hospitalar para transporte para
Centro de Trauma
1- Características fisiológicas Glasgow < 14PASistólica <
90FR < 10 ou > 29RTS < 11
2- Características anatômicas das lesõesLesões
penetrantes em cabeça, pescoço, tronco ou extremidades
(proximais ao joelho e cotovelo)Tórax flácidoTrauma
associado a queimaduras2 ou mais fraturas de ossos
longosFratura de baciaFratura de crânioLesão
neurológica (paralisia)Amputação proximal ao punho ou
tornozeloQueimaduras (ver anexo)
3- Mecanismo de traumaEjeção do veículoÓbito na cena
Tempo de extricação > 20 minutosQueda > 6 metros
Acidente de carro > 70 Km/ hAcidente de motococleta >
40 km/h
4- Outras situaçõesIdade < 2 ou > 65 e co-morbidades
significativas
ANEXO II
Caracterização e funções dos hospitais
Hospital Primário
Deve servir ao atendimento inicial do doente
traumatizado, em geral de menor gravidade, ou na
eventualidade de ter servido de suporte ao atendimento
pré-hospitalar, em áreas distantes, para estabilização do
doente. Quando houver necessidade de transferência,
deve haver acordos prévios com os hospitais que compõe
o sistema.Deve ter programas de educação e prevenção
destinados a médicos, enfermeiras e demais
profissionais.
Hospital Secundário
Existem 2 possibilidades de atuação desta categoria de
hospital. A primeira, diz respeito a uma ação conjunta
com o hospital terciário do sistema, quando se trata de
grandes cidades e elevada densidade populacional.
Funcionaria numa ação de cooperação para otimizar os
recursos. A segunda, diz respeito a uma ação de
liderança deste hospital, em virtude da inexistência de
hospital terciário geograficamente acessível, em uma área
de baixa densidade populacional.
Em quaisquer situações, o hospital secundário deve
possuir Diretor de Trauma e Enfermeira de Trauma, com
o intuito de selecionar as equipes e a habilitação das
mesmas para compor o grupo de Trauma. Além disso
deve dispor de :Acompanhamento horizontalComitê de
ÓbitosAvaliação de performance (hospital e individual)
Hospital Terciário
Deve servir a grandes cidades com elevada densidade
populacional. Deve ter capacidade de absorver 100
pacientes /mês, sendo que cerca de 20 a 30% serão
graves (ISS > 16).Deve possuir:Diretor de Trauma
Enfermeira de TraumaAcompanhamento horizontalComitê
de Óbitos,Avaliação de performance (hospital e individual)
Programa de Educação ContinuadaAtividades de
PesquisasEnfoque em prevenção24 horas (equipes
completas para realizar procedimentos)
O hospital terciário líder de cada sistema pode ser
responsável pelo treinamento dos médicos, das
enfermeiras e dos demais profissionais de saúde
envolvidos no atendimento ao doente trauamatizado.
Fluxo de pacientes no Sistema de Trauma
Uma vez inserido no sistema de trauma, o doente sai de
um hospital de maior complexidade para um de menor
apenas se houver capacitação técnica e de recursos, o
que pé absoluta exceção se não houver erro de
avaliação. Como regra, o doente deve avançar dentro do
sistema. Deve haver dentro sistema de trauma, uma pré-
concordância a respeito dos critérios de transferência
entre os hospitais que compõe a rede

Cada universo de dez mil habitantes em Angola tem dezasseis


enfermeiros, de acordo com a revelação do ministro da Saúde,
Ruben Sicato, em entrevista ao Jornal de Angola. O governante
considera o número aceitável, se se tiver em conta a desproporção,
já que existem cidades com mais enfermeiros do que outras. Em
relação ao número de médicos, segundo ainda Sicato, há 0,8 para
cada dez mil habitantes. O sector da Saúde tem 67 mil
trabalhadores, divididos em regime geral e especial. Sicato apontou
ainda dez grandes obras de reabilitação a nível da Saúde, feitas
desde que Angola alcançou a paz. Mostrou como exemplos os
hospitais Josina Machel, Pediátrico de Luanda e a Maternidade
Lucrécia Paím.

Jornal de AngolaSenhor ministro, qual é a abrangência


do plano do Governo para a construção e reabilitação
dos hospitais a nível do país?

Anastácio Rubén Sicato: Dentro do nosso ministério temos duas


áreas que estão mais viradas para esta problemática. Em primeiro
lugar, temos o Gabinete do Plano, que é um sector que absorve
tudo que tenha que ver com investimentos públicos. Depois, temos
a Direcção Nacional de Recursos Humanos, que vai depois
assegurar uma reabilitação funcional, isto é, uma reabilitação que
faça com que, a partir do momento em que o edifício abra as portas
ao público, haja condições mínimas de atendimento para os nossos
utentes, porque existe o risco de um empreendimento desta
natureza abrir e depois não haver condições e as pessoas terem que
esperar meses e meses. Queremos de facto evitar isso. Também
queremos dizer que temos, neste momento, engajadas três linhas
de crédito no acompanhamento e concretização das grandes obras
a que o Ministério da Saúde tem sido chamado. São as linhas de
crédito da China, de Portugal e Espanha. Neste momento, estas são
as três grandes linhas que têm estado a absorver a nossa atenção.

JA: Pode falar em números que comportam tais linhas


de crédito?

ARS: Em termos financeiros, de 2005 a 2007, houve um


engajamento de 360 milhões de dólares, distribuídos pelas três
linhas de crédito que acabámos de enumerar. Também é bom dizer
que qualquer que seja a obra, antes de ela iniciar, o Governo
angolano tem que dar a sua contribuição, ou seja, a quota parte,
que é de 15 por cento do valor da obra. A obra só inicia depois que
o Governo angolano dá esse montante. Estas obras implicam
projectos, estudos e, em todas elas, há sempre uma terceira
empresa que tem que tomar conta da fiscalização. Em termos de
montante, o projecto e o estudo abarca cerca de cinco por cento do
valor global das obras. A fiscalização também custa cerca de cinco
por cento das obras. Penso que é importante referir, para o vosso
conhecimento e não só, que, há um tempo para cá, o Ministério da
Saúde está a adoptar uma política de ligação entre a obra e o
equipamento. Queremos evitar que a obra termine e a unidade
fique vazia, sem o equipamento de que precisa. Por isso é que, para
a maioria das obras que existem neste momento, nós temos já
equacionadas a verba que vai ser utilizada para a compra do
equipamento que vem pelas mesmas linhas de crédito atrás
referenciadas. Isso quer dizer que dos 360 milhões de dólares
inclui, também, o montante daquilo que se pretende em termos de
equipamentos. Gostaríamos de referir ainda que esta reabilitação
tem como objectivo, como é natural, a prestação de serviços que o
nosso ministério e o Governo no seu todo estão a dar à nossa
população. O que nós pretendemos é que haja muito mais utentes
a terem acesso aos nossos serviços. Por outro lado, que haja uma
atenção diferenciada e especializada, porque, se as pessoas forem
para as nossas unidades e encontrarem condições semelhantes
àquelas que tinham antes da reabilitação, em termos de ganhos
qualitativos não é algo de notável aos olhos da nossa fiscalização. É
assim que o Governo tem uma série de projectos de especialização
para os nossos recursos humanos, para que eles possam estar em
condições de melhorar a qualidade dos serviços a serem prestados .

JA: Como é que estamos em relação a números de técnicos já


formados ?
ARS: Relativamente aos recursos humanos, gostaria de referir que,
no global, nós temos cerca de 67 mil trabalhadores. Temos este
número repartido em dois. De um lado, aqueles que estão naquilo
que se chama o regime geral dos trabalhadores e o pessoal auxiliar.
Isso dá uma população de cerca de 33.299 quadros. Depois, temos
técnicos de saúde que estão vinculados ao regime especial, isto é,
regime especial da Saúde. Aqui, temos cerca de 33.779. Se formos a
comparar os dois números, estamos repartidos em 50 por cento de
um lado e 50 por cento do outro, com um ligeiro aumento para
aqueles que estão no regime especial que dá uma percentagem de
50.3 por cento. Agora dentro do regime especial há as diversas
especialidades. Temos mil e 527 médicos e 27.465 enfermeiros.
Temos quatro mil e 687 técnicos de diagnostico e terapêutica.
Quanto à sua dispersão, nós temos que ver qual é a relação entre o
técnico e a população. Então, em médicos, aquele número que nós
referimos, se considerarmos Angola como tendo uma população de
cerca de 17 milhões, isso vai dar 0,8 médicos por 10 mil habitantes.
Esse é um número baixo. O país tem que trabalhar para que o
número possa aumentar. Nesta altura, poderemos dizer que
estamos melhor cobertos em termos de quadros da Saúde. Em
relação a enfermeiros, em função do número que avançamos para
a população que estimamos, o país tem 16 enfermeiros para cada
10 mil habitantes.

JA: O número de enfermeiros já é aceitável?

ARS: É já um número aceitável. Mas aqui se coloca já o problema


da desproporção. Há cidades que têm muitos mais enfermeiros do
que outras. Há municípios que estão melhor servidos do que
outros. Por isso, precisamos de definir políticas e estratégias que
atraiam o pessoal da Saúde para aquelas áreas onde há menos
técnicos de saúde. Em relação aos técnicos de terapêutica e
diagnóstico, temos uma distribuição de 2,8 para cada 10 mil
habitantes, o que também é pouco. Para lá do número que nós
temos estado a referir, queremos agora apostar muito mais na
qualidade, quer a nível dos generalistas, quer a nível dos
especialistas. Pois, este é um problema muito sério quando nos
atemos a analisar a qualidade dos serviços dos nossos hospitais,
porque, desde o pessoal administrativo ao pessoal técnico, temos
sempre muito que se lhe diga. E nós, a nível do Ministério da
Saúde, recebemos sempre muitas queixas em como nem sempre o
nosso pessoal está à altura. Há muitas razões para isso. É verdade
que não é todo o pessoal, como é natural, mas, às vezes, há um ou
outro que tem uma atitude não muito positiva. Assim, o Ministério
da Saúde está atento a qualquer queixa que surja. Investigamos e
procuramos, a partir dali, encontrar soluções gerais que não só
cuidem daquele caso concreto, mas doutras situações que resultam
em críticas, muitas vezes, bastante justas.

JA: Diante deste quadro, cheio de carências, que solução imediata


para a formação eficaz de mais especialistas ?

ARS: Quanto às especialidades, como sabe, temos a Junta Nacional


de Saúde que gasta bastante dinheiro. Só no ano passado foram
gastos cerca de 20 milhões de dólares. É um dinheiro que
poderíamos utilizar para outro tipo de empreendimento, mas que
somos obrigados a gastar para mandar pacientes para o exterior.
Podemos dizer que, das pessoas verdadeiramente necessitadas, a
maioria não chega sequer a sair, por razões burocráticas, muitas
vezes, e, outras vezes, por desconhecimento das próprias pessoas.
E outras vezes ainda porque o nosso mecanismo não envia a
pessoa até aonde ela devia estar. E, também, por razões
financeiras, ficamos, muitas vezes, incapacitados de ter os doentes
lá fora ao abrigo da Junta Nacional de Saúde. Temos outro
problema ainda de que muitos pacientes que saem, ou fazem-no
fora do tempo útil.

JA: Alguns até acabam por morrer no país sem sequer beneficiar
da junta médica de que precisavam. Não há mecanismos para dar
maior celeridade, sobretudo para aqueles casos pontuais

ARS: Quer dizer que, em muitos casos, a doença podia ter uma
solução ideal se o paciente saísse um ano antes. Vejam, por
exemplo, o caso de pessoas que têm doenças malignas. A doença
vai progredindo e, muitas vezes, o diagnóstico até foi feito cedo,
mas acabam por ter dificuldades. Então, somos obrigados a criar
programas de especialização dos nossos técnicos para podermos
estar à altura de reduzir o peso que a Junta Nacional da Saúde tem
no Orçamento Geral do Estado (OGE). Daí que nasceu o programa
do Governo chamado “Melhoria de Assistência Médica” que os
hospitais nacionais e provinciais têm estado a dar. Nós temos,
depois, programas concretos de especialização em certos domínios,
nomeadamente a Neufrologia, a qual está acoplada à Hemodiálise
e os Cuidados Intensivos, que é uma especialidade vital para a
assistência das pessoas em situação crítica, pelo que temos um
programa que já está prestes a ser activado. Temos a Oftalmologia,
numa parceria com a República de Cuba e, também, com o Reino
de Espanha. Estamos, neste momento, a trabalhar e a estudar
formas de intervir noutras especialidades, nomeadamente, a
Cardiologia, a Gastrienterologia e a Urologia. Só para dizer aquelas
que, neste momento, nos ocorre.

JA: Dentro do programa de reabilitação, reconstrução e


apetrechamento dos hospitais que localidades vão beneficiar dos
serviços que enumerou ?

ARS: Desde que Angola está em clima de paz, foram feitas dez
grandes obras de reabilitação a nível da Saúde. Podemos falar dos
hospitais Josina Machel, Pediátrico de Luanda e da Maternidade
Lucrécia Paím. Está ainda em fase de conclusão mais cinco grandes
obras. Temos ainda obras que foram iniciadas de raiz. Nesta
vertente, em fase de conclusão, temos 18 grandes obras. Temos,
também, obras que já foram concluídas. Por exemplo, o Instituto
Nacional de Luta contra a Sida, o Centro de Saúde da Carreira de
Tiro, em Malanje, e as obras que estão no mapa que nós temos.
Temos ainda obras que acabaram de ser iniciadas nos últimos
meses, como as dos hospitais municipais de Viana, Cacuaco e de
Camabatela (Kwanza-Norte). A par disso, cada governo provincial
está também a reabilitar as unidades de menor dimensão como,
por exemplo, centros de saúde, postos de saúde e hospitais
municipais. E o número de estruturas que, neste momento, estes
governos construíram ou estão em fase de construção ultrapassa
de longe estes números. Avaliamos que, pelo menos, deve ser cinco
vezes mais do que o número que acabámos de referir. Neste
momento, o ministério tem equipas que estão em circulação em
diversas províncias para conferir obra por obra para ver quais são
as obras que estão definitivamente concluídas, as que estão
exactamente em construção e as que estão em reabilitação.

JA: Estas obras, nas províncias, estão a utilizar os 360 milhões de


dólares de que o senhor ministro falou?

ARS: Não. Este valor não inclui o montante gasto pelas províncias,
porque os governos provinciais têm um plano de investimento
público previsto nos seus orçamentos e de incidência provincial.
De todas as maneiras, nós queremos uma reabilitação funcional.
Para lá do edifício, tem de haver pessoal qualificado que responda
às solicitações dos utentes. Este é um trabalho que está a ser feito e
que levará o seu tempo. Mas o Ministério da Saúde não vai desistir
de fazer isso.

JA: Aproveitando esta deixa da funcionalidade, temos lido e ouvido


muitas queixas que têm a ver com os hospitais já reabilitados em
Luanda, particularmente o Hospital Geral de Luanda (HGL). Que
comentário tem a fazer?

ARS: De facto temos recebido muitas queixas. Inclusive, tivemos


um paciente que nos dirigiu uma queixa, pedindo mesmo uma
averiguação sobre aquilo que se tem passado. Nós temos estado em
contacto com a direcção do Hospital Geral de Luanda, já que o
Ministério da Saúde tem todo o interesse de que aquela situação
seja ultrapassada. Há queixas no sentido de que, às vezes, há uma
superlotação. O que tem acontecido é que, quando nós enviamos
equipas para lá, nem sempre confirmamos isso. Outras vezes, há
queixas em relação ao atendimento. Mas, quando pedimos provas
de situações concretas, são poucas. As pessoas vêm e dizem o que
se passou e quando investigamos nunca coincide com aquilo que os
pacientes dizem. O que nós queremos é trabalhar para que esse
tipo de situações seja sanado.

JA: Ainda em relação ao Hospital Geral de Luanda, por altura do


desmoronamento do edifício da DNIC, constatou-se que a morgue
desse hospital é pequena demais. Quando ele foi projectado, não se
olhou para esse pormenor?

ARS: De facto, esta é uma das limitações de Luanda. Temos que


reconhecer que uma cidade como Luanda, com cerca de cinco
milhões de habitantes, deveria ter muito mais espaços para a
conservação de corpos. O Ministério da Saúde reconhece que isso
deveria ser melhor acautelado. Agora, não temos outra solução
senão procurarmos uma alternativa, ou seja, construir espaços que
sirvam a população da cidade.

JA: Que participação o Ministério da Saúde tem na reabilitação dos


centros médicos espalhados pelos bairros?

ARS: Os centros periféricos, que estão adstritos às administrações


municipais, são regra geral da competência dos governos
provinciais, excepto quando se trata de uma unidade de uma certa
dimensão ou então se houver um acordo entre o governo da
província para que aquela obra fique na jurisdição do Ministério da
Saúde.
JA: O que é que o Ministério da Saúde está a fazer para acabar com
o aglomerado de pessoas à frente dos hospitais?

ARS: Bem, as pessoas ficam ali também por causa do hábito


cultural. Mas nós precisamos de dar confiança ao nosso doente. É
um trabalho que as direcções dos hospitais, em primeiro lugar, têm
de assumir como sendo algo da sua responsabilidade. E depois,
quem estiver directamente em contacto com o doente tem de dar a
sua quota a parte, nomeadamente, os médicos e enfermeiros, para
que as pessoas que estejam internadas se sintam em segurança. O
problema é que uma boa parte, não sei qual é a percentagem, das
pessoas que estão à volta das unidades sanitárias ficam ali para
apoiar o seu doente. O que acontece muitas vezes é que são
familiares cujas casas estão próximas. Mas eles estão lá para mais
rápida e directamente saberem da situação do seu familiar. Depois,
temos a situação de pessoas que andam à volta dos hospitais por
razões financeiras e ainda outras que fazem negócios, etc, etc. Acho
que é uma situação com várias causas, mas o Ministério da Saúde
tem de se ocupar daquilo que o diz respeito e depois encontrar
outros organismos que façam com que os nossos compatriotas não
precisem de ficar ali nessas unidades.

JA: Essas pessoas defendem-se dizendo que permanecem nestas


unidades porque, para além de se preocuparem com o estado de
saúde dos seus, ficam à espera que o pessoal médico diga que
devem comprar esse ou aquele medicamento sob alegação de que
não existem em t

ARS: Também é verdade. Embora hoje a falta real de


medicamentos já seja um problema menor. O que acontece, muitas
vezes, é que há pessoas que ainda fazem uma má prática da
profissão. Há trabalhadores da Saúde que têm os medicamentos,
têm tudo aquilo de que o paciente precisa, mas procuram todo o
tipo de artifícios para tirar algum dinheiro aos nossos pacientes. E
depois ele diz “bem, se me der algum dinheiro, vou arranjar”. Na
realidade, o que ele vai arranjar é aquilo que o hospital já tinha.
Isso é mau. Recentemente, aconteceu um caso concreto num
hospital, em que eu próprio fui contactado por uma paciente que
me disse “eu estou aqui, não encontro isso e gostaria que me
arranjasse a partir do Ministério da Saúde.” Eu disse para ela “não,
aquela unidade, com certeza, tem que ter aquilo.” Então, telefonei
para o director do hospital para saber se aquela unidade tinha ou
não aquele artigo que estava a ser solicitado pela paciente. Ele
disse-me que tinha e eu pus aquela pessoa em contacto com o
director que me confirmou que o seu trabalhador estava a fazer uso
indevido daquele medicamento. Portanto, há, também, aqui a
necessidade de uma espécie de marketing. Os directores dos
hospitais deviam aparecer mais junto da imprensa para dizer o que
têm na realidade, inclusive até, o que têm em termos de capacidade
de resposta às solicitações, independentemente do aspecto
logístico. Por exemplo, consultas de medicina, as pessoas têm de
saber que o hospital tal está em condições de receber doentes para
aquela consulta. Mas, não bastará dizer isso. Tem também de
informar que a via para se chegar até à consulta é através do sector
tal. Há uma necessidade de marketing. Eu acho que o ministério
tem que estimular os directores a fazerem isso.

JA: Senhor ministro, o Centro de Reabilitação Física, que se


apresenta como um monstro adormecido, está incluído neste
programa de reabilitações?

ARS: Sim. O programa também envolve o Centro de Reabilitação


Física. Neste momento, este centro tem até um programa que vai
permitir a criação de um certo tipo de internamento para um certo
tipo de doentes. Por incrível que possa parecer, nós levamos alguns
doentes por junta médica para fazer reabilitação física quando nós
bem podíamos fazer aqui. Os responsáveis do Centro de
Reabilitação Física, ainda há quatro meses, fizeram uma viagem a
um certo país para colher algumas experiências. O Ministério da
Saúde entende que é possível optimizar ainda mais o trabalho que
temos estado a fazer. Há muitos trabalhadores do Centro de
Reabilitação Física que nos pedem audiências, em privado,
justamente para reclamar mais actividade. Nós estamos cientes de
que, com aquilo que o centro está a fazer neste momento, pode
realmente melhorar. Então, vai ter que ter um pouco mais de
valências.

JA: Ainda aparecem nos hospitais de referência casos que


poderiam ser tratados na periferia. Não há uma orientação do
Ministério no sentido de cortar essa tendência?

ARS: Existe uma orientação; existe um desejo da parte do


Ministério da Saúde, da parte do pessoal da Saúde, para que a
assistência médica esteja o mais próximo do local de residência do
paciente. Veja o caso concreto da assistência materna. O que é que
está a acontecer? Há duas ou três maternidades em Luanda que
estão sob uma pressão terrível. Vou dar o exemplo concreto da
Maternidade Augusto Ngangula. Esta maternidade recebe
grávidas, em fase de trabalho de parto, que vêm da periferia
distante de Luanda e que passam por outras unidades que também
podiam fazer assistência. Mas elas preferem ir para a Maternidade
Augusto Ngangula. Eu próprio tenho estado a perguntar-me “o que
é que se está a passar?” É possível que algumas das parturientes
coloquem o problema da qualidade do serviço prestado. Acham
que uma certa unidade não está em condições de o fazer e, então,
preferem ir para uma outra maternidade. A Maternidade Augusto
Ngangula está, neste momento, a fazer mais de 40 ou 50
partos/dia. Isso é terrível!

JA: Face à realidade, o que fazer?

ARS: Acho que aqui era preciso, numa parceria com a Direcção
Provincial da Saúde, que encontrássemos fórmulas de
desconcentração de assistência para outros locais, contando
também com a pediatria. Há muitas crianças que “saltam” certas
unidades, também com serviços de pediatria, e vão sobrecarregar o
Hospital Pediátrico de Luanda. Felizmente, neste momento, ja
existe um Banco de Urgências para crianças no Hospital Américo
Boavida, que está a aliviar, e muito, a carência que se fazia sentir
nesse aspecto. Assim, é possível aquele hospital receber mais
crianças e aliviar o peso que o Hospital Pediátrico de Luanda está a
ter. Isso também reduz a mortalidade .

JA: O Hospital Esperança, face à demanda, tornou-se pequeno


para atender os pacientes que procuram pelo seu serviço. Que
alternativa se pretende encontrar?

ARS: O Hospital Esperança é um hospital exemplar, é um hospital


pioneiro. Mas, agora, o Ministério da Saúde tem estratégias de
incorporação dos serviços de luta contra o VIH nos grandes
hospitais que existem. Todos os hospitais têm de ter um serviço de
infecciologia. Num serviço como este deve existir pessoal de saúde
apropriado para apoiar esses doentes. O Instituto Nacional de Luta
contra a Sida tem oferecido assistência em termos de formação e
treino dos médicos que estão nessas unidades. Espero que, nos
próximos meses, isso venha a ser uma realidad

JA: Como pensa que se deviam evitar mortes por cólera ou


malária?

ARS: Os grandes problemas mantêm-se no nosso país. E eles


encerram-se nas chamadas grandes endemias. A tuberculose, a
malária e a infecção pelo VIH constituem o principal problema de
saúde pública no nosso país. Depois disso, temos as tais epidemias
que vão surgindo de uma forma mais ou menos esporádica.
Infelizmente, em certas zonas, têm estado a eternizar-se. Aqui,
temos o caso concreto da cólera. Depois, ainda temos o problema
de certas doenças que são prevenidas pela vacinação,
nomeadamente, o tétano, o sarampo, a tosse convulsa e a febre
amarela. Estas doenças não deveríamos ter mais porque existem
vacinas. É preciso trabalhar para que as taxas de cobertura façam
com que deixemos de ter estas doenças. Por fim, temos o problema
da raiva. Passamos a ter muitos casos de animais domésticos com
esta doença e que passaram a criar problemas ao homem. Temos
casos em várias províncias, nomeadamente, as do centro de
Angola, como Huambo, Bié e Benguela. Estes são problemas muito
sérios que o nosso painel epidemiológico apresenta. Para
completar este cenário, temos as doenças crónicas relacionadas
com a tensão arterial, diabetes e as doenças malignas.

JA: O Ministério da Saúde tem estratégias para cada uma dessas


doenças?

ARS: Sim, para qualquer uma destas doenças, o Ministério da


Saúde tem uma estratégia que já está a ser aplicada. Por exemplo,
o caso da malária, o ministério tem em estudo, com a ajuda de
alguns parceiros, projectos que nos permitam dizer, mais cedo ou
mais tarde, que é possível termos a malária erradicada do nosso
país. E a nossa ambição tem que subir um pouco mais, para
começarmos a falar de erradicação. Esta agora é a receita que se
está a utilizar em África. Isso é possível utilizando certo tipo de
táctica e técnicas que já provaram ser eficazes. Se toda a gente
tivesse mosquiteiros, teríamos muito menos malária, porque os
mosquitos encontrariam uma barreira e teriam dificuldades de
transmitir a doença de um indivíduo para o outro. Por outro lado,
estes mosquitos, quando entram para um mosquiteiro impregnado
com insecticida, depois acabam por morrer. Esta é uma medida de
saúde pública que muito se utiliza. Neste momento, infelizmente,
nós só estamos a distribuir mosquiteiros para os grupos de maior
risco: as crianças e as mulheres grávidas. Mas queremos utilizar
uma estratégia que envolva toda a população do país. Uma outra
estratégia passa por um combate das larvas. Veja que ainda temos
situações em que as regras básicas aprovadas e que são eficazes
não estão a ser implementadas. É o caso da mulher grávida que
precisa de fazer profilaxia da malária e não a faz. Ainda temos
casos de malária em mulheres grávidas no nosso país. Quando nós
temos medicamentos para dar a estas mulheres, cuja toma deve ser
directa, e nós ainda não estamos a aplicar isso. Para nós
aumentarmos esta prática, implica uma capacidade inovativa. Se
nós pudéssemos fazer com que o técnico chegasse lá, entregasse os
medicamentos e fizesse a toma directa, nós teríamos baixado
muito a morte materna. O Ministério da Saúde está agora a
trabalhar, numa parceria com vários outros sectores, para criar
agentes comunitários de saúde, porque o ministério não chegará lá
com os técnicos que tem. Então, se em cada comunidade houver
agentes da mesma comunidade, que tenham uma linguagem mais
próxima e entendida pela própria comunidade, vamos ter melhores
condições para combater a malária no país.

JA: A reabilitação e construção de hospitais, também contempla o


seu apetrechamento com equipamento de última geração?

ARS: Este projecto de reabilitação e construção só estará concluído


quando as unidades estiverem equipadas. Hoje, já não faz sentido
utilizarmos equipamentos que não sejam de ponta. É que, quando
os nosso colegas médicos, vierem visitar-nos, têm que se sentir à-
vontade com aquilo que nós teremos para os oferecer. Temos que
ter equipamento adequado à realidade médica internacional.

JA: Foi anunciado o serviço de cirurgia plástica em Angola. Será


que ela terá mais a componente de reconstituição do que de
estética?

ARS: Exactamente. Nós podemos aproveitar a cirurgia plástica de


várias formas. Nós, em primeiro lugar, estamos a mandar para fora
muitos pacientes por razões de cirurgia plástica. E nós ficamos
numa situação muito incómoda quando uma pessoa, por qualquer
razão, teve uma queimadura no rosto, no peito ou no braço, e acha
que merece ter uma melhor aparência. E merece, de facto! Então,
vem ter connosco, pede-nos e nós temos que dizer sim ou não, em
função das nossas possibilidades no momento. Nós, durante algum
tempo, mandávamos para a África do Sul, mas (agora deixou-se de
enviar). Não sei o que foi que aconteceu. Acho que foram os
próprios sul-africanos que preferiram rejeitar esse tipo de cirurgia
porque é muito demorado e o seu tratamento é prolongado no
tempo. Comportava vários testes operatórios para realmente a
pessoa ficar bem. Então, nós achamos que devemos embarcar por
este caminho. Por outro lado, há patologias congénitas que são do
foro da cirurgia plástica. Por exemplo, o caso do lábio luperino, que
é aquela situação em que a pessoa nasce com a boca ligada ao
nariz, e ainda temos um problema muito sério que é o dos
queimados. Nós temos, em Luanda, o Hospital Neves Bendinha.

JA: Nesse hospital, vocacionado para o atendimento de


queimados, a taxa de mortalidade é alta...

ARS: Sim, a taxa de mortalidade é alta. Isso quer dizer que nós
temos que ter condições ideais para receber os queimados. Nos
diversos hospitais da nossa cidade tem de ter camas reservadas
para queimados, pelo menos os hospitais com serviços de
urgências. E é possível organizar isso. Mas o apoio médico aos
doentes queimados é algo muito importante. Depois, nós não
temos médicos em quantidade que possam fazer funcionar o
serviço de cirurgia plástica no nosso país. Então, temos uma
parceria com uma equipa portuguesa, que tem um projecto de
prestação de serviços, no sentido em que recebe, vê e trata dos
doentes. Este projecto é extensivo à formação do pessoal angolano,
isto é, de médicos e enfermeiros que estiverem a trabalhar com
eles. Estarão lá, não só para os ver fazer, mas também para fazer. É
um projecto de formação de três anos. Depois, esses técnicos
formados ficam em condições de formar outros médicos. O nosso
país estará em condições de se transformar num centro de
formação de médicos em cirurgia plástica. Devo dizer que isso é
apenas um exemplo. Temos um programa de cuidados intensivos,
que é outra coisa muito, mas muito útil. Nós temos tido
dificuldades, principalmente quando queremos evacuar doentes
para o estrangeiro, porque os cuidados intensivos são coisa
caríssima. Por isso existe esse programa que vamos dar início
brevemente, e pensamos que ele vai iniciar com a prestação de
serviço e com a formação. Este programa vai comportar etapas
intercaladas com a ida do pessoal a algumas unidades no exterior.

JA: Perfil

1. ARS: Nome: Anastácio Rubén Sicato


2. Filiação: Ernesto Jaime Sicato e Ester Rosa Pinho
3. Data de nascimento: 8/ 11/56
4. Naturalidade: Cuemba (Bié)
5. Função: Ministro da Saúde
6. Profissão: Médico
7. Especialidade: Hematologia
8. Estado Civil: Casado
9. Filhos: 3
10. Religião: Cristã
11. Passatempo: Leitura e música
12. Comida preferida: Peixe seco com kizaca e funji.
13. Sonho: Que Angola pudesse se afirmar verdadeiramente como um Estado
democrático de direito
Jornal de Angola na grande...Rosalina Mateta

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