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Debesse (1946) é um dos autores que mais claramente marca essa posição naturalista e
universal ao propor uma essência adolescente. Para o autor, a adolescência não é ima
simples transição entre a infância e a idade adulta: ela possui uma mentalidade própria
com um psiquismo característico dessa fase. Chega a afirmar que é
erro pensar que a juventude muda conforme as épocas [ ] acreditar que ela se identifica
com sucessivos vestuários de empréstimo e que cada geração tem sua juventude é uma
ilusão de moralista amador e\apressado [ ] por detrás do aspecto da juventude existe a
juventude eterna, notavelmente idêntica a si própria no decurso dos século (p. 15-16).
Apesar de enfatizarem que “toda a adolescência leva, além do selo individual, o selo de
“meio cultural e histórico” (Aberastury, 1981, p.28), ambos acabam incorrendo ao
artifício de condicionar a realidade biopsicossocial a circunstâncias interiores ao
afirmarem uma “crise essencial da adolescência” (p.10). Além disso, Knobel parte de
pressupostos de que “o adolescente passa por desequilíbrios e instabilidades extremas”
(p.9) e que o “adolescente apresenta uma vulnerabilidade especial para assimilar os
impactos projetivos de pais, irmãos, amigos e de toda a sociedade” (p.11). Esses
desequilíbrios e instabilidades extremas e essa vulnerabilidade especial é o que
colocamos em dúvida. Essas características, colocadas como inerentes ao jovem, é que
nos incomodam. Elas pressupõem uma crise preexistente ao adolescente. Essa tradição
que considera a adolescência como uma fase crítica é que colocamos em questão e que
deveria ser mais bem discutida. Estaremos aqui refletindo sobre a concepção de
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adolescência da qual a psicologia tradicional se apropriou e que marca esse período de
maneira universalizante, naturalizante e crítica.
Apesar de estudos antropológicos, que desde Margareth Mead (1945) têm questionado a
universalidade dos conflitos adolescentes, a psicologia insiste em negligenciar a
inserção histórica do jovem e suas condições objetivas de vida. Ao supor uma igualdade
de oportunidades entre todos os adolescentes, a psicologia que se encontra presente nos
manuais de Psicologia do Desenvolvimento dissimula, oculta e legitima as
desigualdades presentes nas relações sociais, situa a responsabilidade de suas ações no
próprio jovem: se ideologiza (Bock, 1997; Climaco, 1991).
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a noção de crise permite dar a idéia de um desarranjo, pois a ‘harmonia’ é pressuposta
como sendo de direito. [ ]. A ‘crise’ serve assim, para opor uma ordem ideal a uma
desordem real, na qual a norma ou a lei é contrariada pelo acontecimento. [ ] Na
concepção de adolescência, essa leitura faz sentido, na medida em que dentro da
evolução referida, a crise é apresentada como um desvio ou perigo do curso natural do
desenvolvimento que deve ser cuidado para a retomada da ordem natural [social] (p.72).
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como modelo: são pouco politizados e estão alienados das questões sociais; valorizam o
estudo como forma de ascensão, mas não gostam de estudar; encaram o trabalho como
outra forma de ascensão (particularmente os jovens de classe menos favorecida) e
seguem uma ideologia do esforço pessoal, não tendo uma consciência muito crítica da
sua condição social; são extremamente consumistas ou desejam consumir, mesmo
quando não têm condições para isso e apresentam problemas, principalmente nas áreas e
relações amorosas ou de outros vínculos, apresentando sinais de solidão. Apesar de
algumas referências às condições socioeconômicas e de classe, os profissionais não
enfatizam essas características ao falar sobre o mundo adolescente.
Temos buscado uma saída teórica que supere a visão naturalizante e patologizante da
adolescência presente na Psicologia. Uma saída que supere a visão de homem, baseada
na ideologia liberal, que vê o homem como autônomo, livre e capaz de se
autodeterminar. Que, resumidamente, vê a adolescência como uma fase natural do
desenvolvimento, apontando nela características naturais como rebeldia, desequilíbrios
e instabilidades, lutas e crises de identidades, instabilidade de afetos, busca de si
mesmo, tendência grupal, necessidade de fantasiar, crises religiosas, flutuações de
humor e contradições sucessivas. Enfim, um conjunto de características que têm sido
tomadas como uma síndrome normal da adolescência (Aberastury & Knobel, 1981).
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Dessa forma, consideramos que a adolescência é criada historicamente pelo homem,
enquanto representação e enquanto fato social e psicológico. É constituída como
significado na cultura, na linguagem que permeia as relações sociais. Fatos sociais
surgem nas relações e os homens atribuem significados a esses fatos. Definem, criam
conceitos que representam esses fatos. São marcas corporais, são necessidades que
surgem, são novas formas de vida decorrentes de condições econômicas, são condições
fisiológicas, são descobertas científicas, são instrumentos que trazem novas habilidades
e capacidades para o homem. Quando definimos a adolescência como isso ou aquilo,
estamos constituindo significações (interpretando a realidade), a partir de realidades
sociais e de marcas que serão referências para a constituição dos sujeitos.
Da mesma forma, o jovem não é algo por natureza. São características que surgem nas
relações sociais, em um processo no qual o jovem se coloca inteiro, com suas
características pessoais e seu corpo. Como parceiro social, está ali, com suas
características que são interpretadas nessas relações, tendo um modelo para sua
construção pessoal. É importante frisar que o subjetivo não é igual ao social. Há um
trabalho de construção realizado pelo indivíduo e há um mundo psíquico de origem
social, mas que possui uma dinâmica e uma estrutura própria. Esse mundo psíquico está
constituído por configurações pessoais, nas quais significações e afetos se mesclam para
dar um sentido às experiências do indivíduo. Os elementos desse mundo psíquico vêm
do mundo social (atividades do homem e linguagem), mas não são idênticos a ele.
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E como foi construída historicamente a adolescência? Clímaco (1991) considera que, na
sociedade moderna, o trabalho, com sua sofisticação tecnológica, passou a exigir um
tempo prolongado de formação adquirida na escola. Além disso, o desemprego crônico /
estrutural da sociedade capitalista trouxe a exigência de retardar o ingresso dos jovens
no mercado e aumentar os requisitos para esse ingresso. A ciência, por outro lado,
resolveu muitos problemas do homem e ele teve a sua vida prolongada, o que trouxe
desafios para a sociedade em termos de mercado de trabalho e formas de sobrevivência.
Estavam dadas as condições para que se mantivesse a criança mais tempo sob a tutela
dos pais, sem ingressar no mercado de trabalho. Mantê-las na escola foi a solução. A
extensão do período escolar, o distanciamento dos pais e da família, a aproximação de
um grupo de iguais foram as conseqüências dessas exigências sociais. A sociedade
assiste, então, à criação de um novo grupo social com padrão coletivo de
comportamento – a juventude / a adolescência. Outro fator importante é que a
adolescência pode ser entendida também como forma de justificativa da burguesia para
manter seus filhos longe do trabalho.
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Apesar de não haver um consenso na literatura a respeito do papel social dos meios de
comunicação, há uma tendência geral de reconhecer que eles devem ser considerados.
Intencionalmente, ou não, as informações veiculadas afetam com algum grau a visão de
mundo, e de si mesmo, que o jovem constrói.
Referências
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Dissertaçào de Mestrado não publicada. Curso de Pós-Graduação em Ciências Sociais
(Antropologia). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo - SP.