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O manuscrito P. Eleph.

1
Um contrato de casamento

Apresentação
Nós, cidadãos do século XXI, costumamos pensar que estamos em tudo mais evoluídos
em relação aos povos antigos. No presente manuscrito, porém, temos um exemplo de quão
avançado era o direito na polis grega. Aparentemente, em determinados aspectos, era tão
sofisticado quanto o nosso.

Data: c. 310 a.C. (ago-set)


Data de descoberta: 12/02/1906
Local: Elephantine
Tamanho: 40 x 35 cm
Publicação: Otto Rubensohn, 1907
Inventário: P. Berlin 13500 ou P. Elephantine 1
Assunto: Contrato de casamento

Transcrição:
Colchetes [] são usados para indicar palavras restauradas no texto, que foram destruídas
por dano no papiro. Parênteses () indicam palavras abreviadas ou representadas por símbolos
que aqui virão escritas por extenso.
O itálico é usado em palavras que não estão presentes no original, mas são necessárias
na tradução para o português, para fins de compreensão.
O texto mantém a grafia original. Quando alguma palavra apresenta erro ortográfico,
sua grafia correta é sugerida no aparato (notas de rodapé).

Linha 1: Alexandrou tou Alexandrou basileuontov etei ebdomwi Ptolemaiou


satrapeuontov etei tessare-
Linha 2: tessareskaidekatwi1 mhnov Diou. Suggrafh sunoikisiav Hrakleidou
kai Dhmhtriav. Lambanei Hrakleidhv
Linha 3: Dhmhtrian Kwian gunaika gnhsian para tou patrov Leptinou Kwiou kai
thv mhtrov Filwtidov eleuqerov
Linha 4: eleuqeran prosferomenhn eimatismon2 kai kosmon (dracmav) a,
parecetw de Hrakleidhv Dhmhtriai
Linha 5: osa proshkei gunaiki eleuqerai panta, einai de hmav kata tauto3 opou
an dokhi ariston einai bouleuomenoiv koinhi
Linha 6: Boulhei Leptinhi kai Hrakleidhei. Eian4 de ti kakotecnousa aliskhtai
epi aiscunhi tou androv Hrakleidou Dhmhtria,
Linha 7: steresqw wm5 proshnegkato pantwn, epideixatw de Hrakleidhv oti an
egkalhi Dhmhtriai enantion andrwn triwn,
Linha 8: ouv an dokimazwsin amfoteroi. Mh exestw de Hrakleidhi gunaika
allhn epeisagesqai ef ubrei Dhmhtriav mhde
Linha 9: teknopoieisqai ex allhv gunaikov mhde kakotecnein mhden pareuresei
mhdemiai Hrakleidhn eiv Dhmhtrian?
Linha 10: eian de ti pown6 toutwn aliskhtai Hrakleidhv kai epideixhi Dhmhtria
enantion andrwn triwn, ouv an dokimazwsin

1
tessareskaidekatwi = skaidekatwi.
2
eimatismon = imatismon.
3
tauto = to auto.
4
eian = ean. Idem linha 10.
5
wm = wn.
6
pown = poiwn.
Linha 11: amfoteroi, apodotw Hrakleidhv Dhmhtriai thm7 fernhn hn proshnegkato
(dracmav) a, kai prosapoteisatw arguri-
Linha 12: ou Alexandreiou (dracmav) a. H de praxiv estw kaqaper eg8 dikhv kata
nomou telov ecoushv Dhmhtriai kai toiv meta
Linha 13: Dhmhtriav prassousin ek te autou Hrakleidou kai twn Hrakleidou
pantwn kai eggaiwn kai nautikwn. H de suggrafh
Linha 14: hde kuria estw panthi pantwv wv ekei tou sunallagmatov gegenhmenou,
opou an epegferhi Hrakleidhv kata
Linha 15: Dhmhtriav h Dhmhtria te kai toi meta Dhmhtriav prassontev
epegferwsin kata Hrakleidou. Kurioi de estwsan 9Hraklei-
Linha 16: dhv kai Dhmhtria kai tav suggrafav autoi tav autwn fulassontev kai
epegferontev kat allhlwv10. Marterev11
Linha 17: Klewn Gelwiov Antikrathv Thmnithv Lusiv Thmnithv Dionusiov Thmnithv
Aristomacov Kurhnaiov Aristodikov
Linha 18: Kwiov

Tradução:
No sétimo ano do reinado de Alexandre, filho de Alexandre, o décimo quarto ano da
satrapia de Ptolomeu, o mês Dios12.
Contrato de casamento entre Heráclides e Demétria.
Heráclides toma Demétria de Cos como esposa legítima com o consentimento de seu pai
Leptines de Cos e sua mãe Philotis, ambas as partes sendo livres, e a esposa trazendo roupas e
adornos no valor de 1000 dracmas, e Heráclides provê para Demétria todas as coisas que são
devidas a uma esposa livre.
Dizem: “Para que possamos viver juntos da forma que melhor pareça para Leptines e
Heráclides em comum acordo”.
Contudo, se Demétria fizer algo danoso à reputação de seu marido Heráclides, ela será
privada de todas as coisas que trouxe, e será permitido a Heráclides provar a sua acusação
contra Demétria perante três homens, com a aprovação de ambos.
Também não será permitido a Heráclides trazer outra mulher para insulto de Demétria,
nem gerar uma criança de outra mulher, nem deverá Heráclides praticar qualquer malefício a
Demétria sob nenhum pretexto.
E se Heráclides fizer alguma destas coisas e Demétria puder provar na presença de três
homens, com a aprovação de ambos, deverá Heráclides indenizar Demétria com o dote que ela
trouxe no valor de 1000 dracmas, e pagará um adicional de 1000 moedas de Alexandre13.
E que a prática do direito esteja de acordo com a justiça legal para Demétria e aqueles
que agem com Demétria ou Heráclides e todos os amigos de Heráclides tanto em terra quanto
no mar.
E que este contrato seja válido sob qualquer circunstância, tanto quando Heráclides
trouxer a este lugar acusação contra Demétria ou quando Demétria e aqueles que com ela

7
thm = thn.
8
eg = en.
9
estwsan = esqwsan.
10
allhlwv = allhlwn.
11
marterev = marturev.
12
O Mês Dios equivale ao período de 29 de Agosto a 27 de Setembro.
13
As moedas de Alexandre eram de prata e possuíam a efígie de Alexandre, o Grande, cunhada nelas.
agem14 trouxer acusação contra Heráclides. E que Heráclides e Demétria desfrutem de iguais
direitos na preservação de seus contratos e ao trazerem acusações um contra o outro.
Testemunhas: Cleon de Gela, Anticrates de Temnos, Lysis de Temnos, Dionísio de
Temnos, Aristomaco de Cyrene e Aristódico de Cos.

Comentário
Observa-se neste contrato de casamento um teor humanista, um senso de igualdade
entre homem e mulher que até hoje não se encontra em algumas regiões do mundo. Aqui, a
esposa que infringe o contrato deve indenizar o marido e o marido deve igualmente reparar o
erro que cometer contra a esposa.
Ciente da tendência do sexo masculino em recorrer à violência física, o contrato adverte
quanto à conduta do marido que não deverá “praticar qualquer malefício a Demétria sob
nenhum pretexto”.
A estrutura jurídica é semelhante à nossa. Há testemunhas para ambas as partes, tanto a
assinar o contrato como na ocasião de algum litígio. “E que Heráclides e Demétria desfrutem
de iguais direitos na preservação de seus contratos e ao trazerem acusações um contra o outro”.
Obviamente, há certas peculiaridades que já não nos são familiares. O documento faz
questão de notar que o casal é formado por cidadãos livres, pois, na sociedade Greco-romana,
exitiam livres e escravos, e ainda os libertos, que já foram escravos, mas se tornaram livres.

Bibliografia

MILLIGAN, George. Selections from the Greek Papyri. The University of Cambridge Press,
1910.

Publicação: Sadas Editora


sadaseditora@hotmail.com
www.scribd.com/SadasEditora
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14
Ou seja, as testemunhas que depõem no processo judicial.

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