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EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, TECNOLOGIA

E FORMAÇÃO DE PROFESSORES: ALGUMAS


REFLEXÕES
Faculdade Estadual de Ciências e Letras de Campo Mourão
Diretor - Antonio Carlos Aleixo
Vice-Diretor - Éder Rogério Stela

Editora da FECILCAM
Diretora - Ana Paula Colavite
Vice-diretora - Dalva Helena de Medeiros
Coordenadora Geral - Rosangela Maria Pontili
Coordenador Consultivo- Edson Noriyuki Yokoo

Conselho Editorial
Presidente - Ana Paula Colavite
Cristina Satiê de Oliveira Pátaro
Frank Antonio Mezzomo
Luciana Aparecida Bastos
Mário de Lima

Editora da FECILCAM
Av. Comendador Norberto Marcondes, 733
Campo Mourão - Paraná - CEP 87303-100
editorafecilcam@gmail.com
(44) 3518-1838
www.fecilcam.br/editora/
WILLIAN BELINE
NIELCE MENEGUELO LOBO DA COSTA
(Orgs)

EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, TECNOLOGIA


E FORMAÇÃO DE PROFESSORES: ALGUMAS
REFLEXÕES

Editora da FECILCAM
2010
Copyleft © 2010. É permitida, com autorização dos organizadores
Willian Beline e Nielce Meneguelo Lobo da Costa, a reprodução parcial
ou total desta obra e sua difusão por todos os meios eletrônicos para uso
pessoal do leitor, desde que não tenha fins comerciais.

Arte de Capa
Alemão
(alemaogod@hotmail.com)
Diagramação
Fernando Árthur de Medeiros Machado
(fernando_amm@hotmail.com)
Editoração e composição
Editora da FECILCAM
Revisão
Célio Escher
celiorevisor@gmail.com

B4315e Educação Matemática, Tecnologia e Formação de Professores:


algumas reflexões. / Organização de Willian Beline e Nielce
Meneguelo Lobo da Costa. Campo Mourão: Editora da
FECILCAM, 2010. 272 p.
15x21 cm

Vários Autores.
ISBN 978-85-88753-09-9

1. Matemática. 2. Tecnologia. 3. Formação de Professores.

CDD 370.71
Educação Matemática, Tecnologia e Formação de Professores: algumas
reflexões

Autores

Carlos Alves Rocha


Glaucia da Silva Brito
Maria Aparecida Mendes de Oliveira
Marcus Vinicius Maltempi
Marilena Bittar
Maurício Rosa
Mônica Karrer
Nielce Meneguelo Lobo da Costa
Rosana Figueiredo Salvi
Silmara Alexandra da Silva Vicente
Suely Scherer
Tânia Maria Mendonça Campos
Tatiani Garcia Neves
Willian Beline

Organizadores

Willian Beline
Nielce Meneguelo Lobo da Costa
In Memorian

Ivonélia Crescêncio da Purificação


Chateaubriand Nunes Amâncio
Ronaldo Marcos Martins
Renato Gomes Nogueira
Sumário

11 Prefácio
Maria Tereza Carneiro Soares

23 Apresentação
Nielce M. Lobo da Costa, Willian Beline e Suely Scherer

PARTE I - FORMAÇÃO DE PROFESSORES, TECNOLOGIAS E


INOVAÇÕES CURRICULARES EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA

31 Professores de Matemática e as Novas Tecnologias: medo e sedução


Ivonélia Crescêncio da Purificação, Tatiani Garcia Neves e Gláucia da Silva
Brito

59 A Formação de Professores nos Cursos de Licenciatura e a Tecnologia:


algumas reflexões
Carlos Alves Rocha

85 Reflexões sobre Tecnologia e Mediação Pedagógica na Formação do


Professor de Matemática
Nielce Meneguelo Lobo da Costa

117 Educação Bimodal no Curso de Pedagogia: Aprendizagens em Estatística


Aplicada à Educação
Suely Scherer
10 EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, TECNOLOGIA E FORMAÇÃO DE PROFESSORES

133 Professor de Matemática: Uma Proposta de Formação Continuada para


o Uso de Recursos Tecnológicos em sua Prática Pedagógica por meio da
Espiral de Capacitação
Willian Beline e Rosana Figueiredo Salvi

153 Prática docente de professores que ensinam Matemática com o uso do


software Cabri-Géomètre: o novo e o desafio
Ivonélia Crescêncio da Purificação

171 A formação de professores indígenas: reflexões sobre o currículo de


matemática numa perspectiva intercultural
Chateaubriand Nunes Amâncio, Ivonélia Crescêncio da Purificação, Renato
Gomes Nogueira e Maria Aparecida Mendes de Oliveira

PARTE II - TECNOLOGIAS DIGITAIS E O ENSINO E A


APRENDIZAGEM EM MATEMÁTICA

185 A Tecnologia Lúdico-Educativa como “Atriz” na Construção do


Conhecimento Matemático
Maurício Rosa e Marcus Vinicius Maltempi

215 A escolha do software educacional e a proposta pedagógica do professor:


estudo de alguns exemplos da Matemática.
Marilena Bittar

243 Função logarítmica: a utilização do software Winplot na exploração de


situações gráficas
Tânia Maria Mendonça Campos, Mônica Karrer e Silmara Alexandra da
Silva Vicente
Prefácio

Educação Matemática, Tecnologia e Formação


de Professores: algumas reflexões

Maria Tereza Carneiro Soares1


Universidade Federal do Paraná - UFPR

Quem somos nós, professores de Matemática, que ao assumirmos o


desafio de inovar nossas práticas pedagógicas, ao longo de nossa profissionali-
zação, aceitamos também nos aventurar para além das salas de aula da escola
básica e partilhar nossas crenças com nossos pares? O que temos a contar
sobre nossa própria qualificação e desenvolvimento profissional quando nos
dispomos a refletir sobre nossas peripécias no campo da pesquisa acadêmica
sobre o ensino na área da Educação Matemática, mais especificamente no que
tange à inovação dessa prática de ensino por meio da Tecnologia de Informação
e Comunicação, as tão propaladas TICs?
Prefaciar este livro que trata de temática contemporânea, com foco no
uso das Tecnologias de Informação e Comunicação na formação de professores,
escrito por autores marcados pela diversidade de seus percursos acadêmicos e
profissionais, é uma honra, mas principalmente um desafio.
Empreitada que não é somente prefaciar uma obra que congrega
textos intrigantes que trazem uma contribuição às perspectivas em foco, mas
principalmente a de homenagear, quatro dos autores (in memorian), uma
professora e três professores de Matemática, cujas trajetórias guardam muitas
semelhanças com boa parte dos professores de matemática brasileiros que

1
  mariteufpr@gmail.com
12 EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, TECNOLOGIA E FORMAÇÃO DE PROFESSORES

abraçaram a causa da Educação Matemática e o compromisso com uma escola


pública que garanta não só o acesso, mas a permanência e a superação das
condições desiguais da população brasileira, em todas as suas formas, ainda
prevalentes em nossa sociedade.
Ivonélia Crescêncio da Purificação, Chateaubriand Nunes Amâncio,
Renato Gomes Nogueira e Ronaldo Marcos Martins, deixaram além de
saudades aos familiares, alunos e pares, um legado digno daquilo que temos
entendido como sendo o significado do termo educador(a) matemático(a).
Identidade que os distingue devido, além de serem professores de
Matemática que transitaram da escola básica ao ensino na universidade e
ativos membros da Sociedade Brasileira de Educação Matemática, terem
marcado nossas vidas pela sua humanidade, gente simples e humilde em sua
aparência, mas grandiosa em seus propósitos de superar preconceitos dos mais
diversos matizes.
E talvez, exatamente por essa obstinação, alçaram vôos que nos
deixaram entusiasmados com sua capacidade de enfrentar a vida e esperançosos
por um país melhor. Portanto, ao dela saírem tão precocemente, deixaram não
um vazio, mas um sinalizador: o de não esmorecermos na luta para que todos
os que passarem pela escola em qualquer de seus níveis e modalidades, possam
conquistar a mesma liberdade que eles atingiram para traçar seus caminhos
e que se alguns vierem a ser professores de matemática, que possam sentir o
prazer que Ivonélia, Chateau, Renato e Ronaldo demonstravam ao conver-
sarem matemática com seus alunos.
Conquista que com certeza ecoou e que moveu seus parceiros mais
próximos a não pouparem esforços para a conclusão do presente livro, para
que aqueles que o lerem, possam ter uma pequena amostra do que os autores
solidariamente estavam construindo. Assim, a indicação dos capítulos mostrará
reflexões de formadores que se uniram pelo desejo de possibilitar aos profes-
sores dos diferentes níveis de escolarização, abordagens variadas da relação
entre Educação Matemática, Tecnologia e Formação de Professores.
Por imaginar que muitos dos que virão a ler os textos são ou serão
professores com trajetórias profissionais semelhantes a dos autores é que me
apropriei também da expressão “algumas reflexões”, utilizada no título desta
obra, e decidi trazer neste prefácio, um texto com reflexões elaboradas pela
autora in memorian, Ivonélia Crescêncio da Purificação, reconhecida como
Prefácio 13

idealizadora primeira desta obra que me coube prefaciar.


Trata-se de memorial por ela escrito por ocasião de um concurso
público para o ensino superior e a mim enviado para leitura, e que contem um
relato de seu desenvolvimento profissional vivido, em meio a conjunturas e
circunstâncias determinantes, e que em meu entendimento expressa conside-
rações que remetem aos temas abordados no livro.

Iniciei 1982, como professora da rede


minha vida profissional em
pública paranaense. Lecionava na cidade de Paranavaí em uma escola rural,
de sala multiseriada, na qual trabalhava com alunos da 1ª à 4ª série do
Ensino Fundamental.
Após este início, desenvolvi ao longo de minha trajetória profis-
sional, atividades pedagógicas com alunos do curso regular de 5ª à 8ª série
do agora denominado Ensino Fundamental, com alunos do então curso de
magistério e no ensino superior. Nessa trajetória, procurei entender a grande
“ojeriza” que muitos alunos demonstravam com a disciplina de matemática.
Com o objetivo de buscar novas formas de ensino-aprendizagem, comecei de
forma voluntária a desenvolver, de 1992 à 1998, atividades no laboratório
de informática educativa da UFPR2. Envolvera-me, enfim, com um grupo de
pessoas entusiasmadas e que, tanto quanto querer aprender muito desejavam
igualmente mudar a ação escolar. Achávamos que, utilizando as novas
tecnologias, mais especificamente o computador, obteríamos mudanças
significativas na aprendizagem dos alunos. Dessa forma, interessei-me muito
pelo ensino da matemática aliado ao uso da informática.
Neste percurso, realizamos atividades com crianças que apresentavam
dificuldades de aprendizagem, trabalhamos com crianças marginalizadas
e principalmente com alunos de escolas públicas que não tinham acesso a
laboratório de informática. O que mais chamou a atenção do grupo foi o
salto que esses alunos apresentavam em sua autoconfiança, no ânimo de
querer resolver uma situação apresentada e, principalmente, na troca que
realizavam com os colegas no interior do ambiente informatizado. Em nossas
reflexões, tanto individualmente, quanto em grupo, buscávamos discutir
quais os objetivos educacionais envolvidos, que conteúdos trabalhar, qual

2
  Universidade Federal do Paraná
14 EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, TECNOLOGIA E FORMAÇÃO DE PROFESSORES

a metodologia de trabalho e como avaliarmos o trabalho desenvolvido.


Em paralelo, trabalhei na formação de professores para a utilização
das novas tecnologias, no caso específico, para o uso do computador e de
softwares educativos. Entretanto, naquela época, não conseguia identi-
ficar mudanças na prática pedagógica dos professores, e me questionava se
realmente os alunos, ao utilizarem os softwares educativos, auferiam ali
algum aprendizado.
Assim, apesar de nesses cursos na área de tecnologia, que fiz e que
fui docente, um novo artefato didático estivesse sendo destacado e uma
reflexão sobre uma sociedade cada vez mais tecnológica fosse induzida, não
foi possível de forma prática realizar mudanças em sala de aula, devido
às condições de infraestrutura física em que se encontravam as escolas
públicas.
Uma questão, entretanto, me inquietava: quais as contribuições das
tecnologias, mais especificamente dos computadores, para a aprendizagem
de conceitos matemáticos?
Para pesquisar no mestrado parti da seguinte indagação: ao utili-
zarem o software Cabri-Géomètre em uma situação de ensino-aprendizagem,
os alunos avançariam no nível de compreensão de conceitos geométricos?
O trabalho objetivou analisar avanços do pensamento geométrico
de sujeitos ao utilizarem o software educacional Cabri-Géomètre. Tomei
como referencial teórico, além dos adotados na elaboração do software
Cabri, a teoria dos níveis de desenvolvimento do pensamento geométrico do
casal van Hiele. Esses autores identificaram níveis de pensamento geométrico
em alunos da escola básica e defenderam ser possível caracterizar e ordenar
esses níveis, como também desenvolver um encaminhamento metodológico
para avanço dos mesmos. Os níveis por eles apresentados foram: visuali-
zação, análise, dedução informal, dedução formal e rigor. E os cinco níveis
de aprendizagem, descritos por van Hiele, para elevação desses níveis foram:
informação, orientação guiada, explicitação, orientação e integração. A
pesquisa foi desenvolvida com sujeitos de uma escola pública, localizada
na cidade de Curitiba, onde cursavam a 8ª série do ensino fundamental. A
hipótese era que sujeitos, ao utilizarem o software Cabri-Géomètre em uma
situação de ensino-aprendizagem, avançariam do nível visual para o nível de
dedução informal, com base na teoria proposta pelos van Hiele, o que pode
Prefácio 15

ser confirmado somente para os sujeitos que já no pré-teste demonstravam


alta aquisição do nível 2, e assim puderam avançar para o nível 3.
Sobre minha ação docente, boas lembranças surgem em minha mente.
Lembro-me, inicialmente, do grupo de amigos-professores de matemática;
com quem realizei para os alunos, durante dois dias do mês de setembro, um
evento denominado Oficina da Matemática. Eu participava dessas oficinas
com entusiasmo de uma adolescente. Naquela ocasião, fomos entrevistados
pela Revista Nova Escola sobre as atividades que estávamos desenvolvendo
no Instituto de Educação do Paraná, localizado em Curitiba, onde eu
trabalhava. Aquele ano foi memorável para alunos e professores. Sentí-
amos que éramos importantes, pois, percebíamos que nesse tipo de trabalho
havia cooperação e colaboração de todos, tanto internamente à escola,
como também, da comunidade externa. Outra lembrança me remete à coor-
denação de informática educativa da SEED- PR, onde pudemos organizar o
primeiro encontro estadual de Informática Educativa.
Nesse mesmo período, trabalhei em uma escola particular de Curitiba
com a disciplina de matemática, onde pude com o grupo de professores da
mesma área, realizar um projeto de matemática, com atividades de resolução
de problemas, a partir de uma proposta para que os alunos tematizassem
suas indagações e preocupações com o contexto social.
Ainda durante o mestrado, comecei a trabalhar em um curso de
Pedagogia de uma instituição particular de Curitiba com a disciplina Tecno-
logias da Informação e Comunicação na Educação (TICE), desenvolvendo
um trabalho de formação, focando três eixos: Instrumental, Pedagógico
e Social. Ao explicitar esses eixos, apresentava a forma de conceber o
assunto e de trabalhar com os graduandos. Sem essa compreensão, defendo
que corremos o risco de não observar grandes clareiras de falta de signifi-
cado no meio desta vasta vegetação que é o conhecimento produzido pela
humanidade.
Durante essa disciplina, uma das tarefas foi a leitura e discussão do
livro de Educação Matemática Crítica de Ole Skovsmose, ocasião em que
as alunas elaboraram com base na proposta do autor um projeto que deno-
minamos “Auxílio para famílias em uma microssociedade3”. Após, discutirmos

3
  Pesquisa desenvolvida com alunos da Dinamarca na faixa etária de 14 e 15 anos,
16 EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, TECNOLOGIA E FORMAÇÃO DE PROFESSORES

sobre matemática crítica, foi solicitado aos alunos que dialogassem e


“criassem” uma família caracterizada por suas condições socio-econômicas.
Os alunos simularam famílias e apresentaram suas famílias fictícias, conver-
sando com a turma sobre as questões sociais envolvidas e a necessidade de
modelar matematicamente algumas das situações indicadas.
Nessa época, também realizei junto com a professora Dra. Sônia
Cristina Vermelho, a pesquisa intitulada “A Percepção dos Docentes
quanto ao uso da Informática na Educação”. Por um lado, havia discursos
proferidos por educadores que viam nas tecnologias a solução para todos
os problemas, fossem eles de indisciplina, de apreensão de conteúdos, de
compreensão da importância da educação e por outro, nos vimos diante de
educadores que estavam se qualificando no uso de tecnologias informáticas
com o uso do computador, por imposição externa à sua vontade e que viam
estes recursos como mais um “modismo” da educação.
Também no mesmo período, atuei como docente em curso de especia-
lização, oferecido pela Faculdade de Ciências e Letras de Campo Mourão
– PR (FECILCAM). Nele fui responsável pelas seguintes disciplinas: Ciên-
cias, tecnologia e o ensino de matemática; Códigos, linguagens e o ensino
de matemática; Didática da matemática; Ferramenta informática, ensino
de matemática e formação de professores e Tópicos de geometria métrica
e representação geométrica. Os alunos desses cursos eram em sua grande
maioria, professores de matemática que estavam em formação continuada
buscando inovar suas ações.
Na mesma época, participei do Cabri World - 99 na PUC – SP
onde apresentei dados parciais da pesquisa do mestrado em educação,
defendida naquele ano na UFPR. Ocasião em que pude trocar experiências
com pesquisadores daquela e outras instituições do país. Após a defesa
da dissertação (dezembro de 1999), apresentei os resultados finais no
EM2000 – L’enseignement des mathématiques, dans les pays francophones,
au XXè siècle, et ses perspectives pour le début du XXIè siècle, na Université
Grenoble – França que ocorreu de 15 a 17 de julho de 2000. Concomi-
tantemente, escrevi junto com minha orientadora do mestrado, prof. Dra.

em pediam aos alunos que fizessem uma família imaginária e depois distribuir uma
quantia entre elas.
Prefácio 17

Maria Tereza Carneiro Soares um artigo publicado na revista Teoria e


Prática da Educação. Maringá, v 4, n.º 8, 2001 p73-91. ISSN 1415-837X,
intitulado, Cabri-Géomètre e teoria van Hiele: possibilidades de avanços na
construção do conceito de quadriláteros.
Em 2000, retornei para minhas atividades na Secretaria de Educação
do Estado do Paraná – SEED, junto à coordenação pedagógica do
CETEPAR – Centro de Excelência em Tecnologia Educacional do Paraná.
Minha atuação no CETEPAR era assessorar os NTEs – Núcleos de Tecno-
logias na Educação, na capacitação de professores no uso da informática,
bem como na elaboração de projetos de capacitação em tecnologias para
professores em Faxinal do Céu, na então denominada Universidade do
Professor.
Mas, como expressa Paulo Freire, como um ser que se reconhece
inacabado e inconcluso e que apresenta inquietudes na busca de mudanças
na Educação, e em especial na Educação Matemática, procurei o caminho
do doutorado. Fiz doutorado na Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, no programa de Pós-Graduação em Educação: Currículo. A tese
Cabri-Géomètre na formacão continuada de professores das séries iniciais
do ensino fundamental: possibilidades e limites foi defendida e aprovada em
abril de 2005.
O objetivo daquela investigação foi identificar e analisar a recons-
trução de conceitos geométricos (quadriláteros) por professores das séries
iniciais do ensino fundamental que, com o uso do software Cabri-Géomètre,
desenvolviam um processo de reflexão sobre a própria aprendizagem e
sobre-para a prática pedagógica. O estudo foi estruturado na seguinte
seqüência: uma entrevista semi-estruturada; aplicação do teste de van
Hiele; entrevista estruturada usando o recurso do Paint Brush; encontros
com os pesquisados usando o software Cabri-Géomètre; realização de uma
atividade pelos professores com seus alunos usando o mesmo software;
diálogo com os professores sobre o trabalho realizado com a pesquisadora
no laboratório de informática da escola e sobre a prática realizada com
seus alunos usando o software Cabri-Géomètre no mesmo laboratório.
Este estudo embasou-se nos pressupostos teóricos oriundos de textos de
autores que tratam da reflexão na formação de professores, da tomada
de consciência da própria aprendizagem e dos registros de representação
18 EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, TECNOLOGIA E FORMAÇÃO DE PROFESSORES

semiótica na aprendizagem da Matemática, sendo possível a partir destes


textos, identificar categorias na análise dos dados coletados.
Os resultados evidenciaram que o uso do Cabri-Géomètre possibilitou
a reconstrução de conceitos geométricos (quadriláteros) em patamares
diferenciados para cada um dos professores participantes da pesquisa. Em
toda a investigação, os pesquisados apresentaram reflexões sobre-para
a prática pedagógica imbricada com a reconstrução dos conceitos. Esse
caminho se configurou na interação entre os pesquisados, o software
Cabri, o objeto geométrico e a pesquisadora. Constataram-se facilitadores
e obstaculizadores de ordem instrumental, conceitual e pedagógica que se
entrelaçaram em todo o processo de reconstrução de conceitos por meio do
uso do Cabri pelos professores em suas ações. Observou-se que o processo de
reconstrução de conceitos aliado à reestruturação da prática pedagógica
na formação de professores demanda um tempo prolongado e contínuo. Os
dados apontaram que, comparativamente aos participantes estreantes, os
professores que haviam participado de estudos colaborativos apresentaram
diferenças significativas com relação não só à reconstrução de conceitos,
ou à reflexão sobre-para a prática pedagógica, mas também ao esboçarem
indícios de atitudes que denotavam autonomia no encaminhamento didático
realizado.
Como parte do doutorado, realizei, no ano de
2003/2004, sob a
orientação do Prof. Dr. Gert Schubring, da Universidade de Bielefeld,
uma pesquisa com professores de matemática e áreas afins, que desenvolvem
suas atividades pedagógicas no Gymnasium, Hauptschule e Realschule,
objetivando identificar as concepções e usos da informática na educação
por esses professores.
O trabalho foi realizado na cidade de Mettmann no
estado de Nordrhein Westfalen, Alemanha. Uma das questões a destacar
na pesquisa realizada na Alemanha foi a de que, mesmo com avanços em
investimentos públicos em programas de Ausbildung4, 42% dos professores
que responderam o Fragebogen5 não passaram por nenhuma formação para
uso do computador na prática didática quer seja na formação inicial, quer

4
  Formação
5
  Questionário
Prefácio 19

na formação continuada. No questionário esclarecem que procuravam ser


autodidatas ou buscaram esclarecimentos em outros locais de instrução.
Isso confirma que a formação de professores é um processo lento, e que
necessita do comprometimento de todos os envolvidos com a educação. Tal
constatação é confirmada em minha experiência profissional e pessoal, o
que me fez inferir que os projetos educativos somente alcançarão o êxito
desejado quando a formação de professores posicionar-se como uma das
principais pautas dos programas de políticas educacionais.
Num processo inquietante de compreender a construção de
conceitos geométricos pelos graduandos, realizei em 2002 uma investigação
com alunos do curso de Pedagogia e Matemática que foi apresentada na
ANPED – SUL – 2002 – Florianópolis, cujo tema era: Pensamento Geomé-
trico dos Graduandos de Matemática e Pedagogia segundo a teoria Van
Hiele. Pude observar que o pensamento geométrico dos graduandos de
Pedagogia e Matemática, conservando as especificidades dos cursos, ainda
apresenta um baixo nível se levarmos em consideração as propostas curri-
culares quanto ao conteúdo de matemática de cada curso, isso, segundo o
referencial teórico adotado.
A busca constante pela compreensão do processo de construção e
reconstrução de conceitos, aliada a reflexões sobre a prática, levaram-me
a realizar em parceria com a profa. Dra. Maria Tereza Carneiro Soares
– UFPR uma pesquisa com professores das séries iniciais do ensino funda-
mental. Naquele trabalho, investigamos as reconstruções geométricas
que professores de matemática das séries iniciais do ensino fundamental,
em formação continuada, apresentam ao utilizarem recursos tecnológicos
do software Cabri – Géomètre e quais as implicações dessas reconstru-
ções geométricas em sua prática pedagógica. Observamos que as maiores
dificuldades manifestaram-se no desenvolvimento conceitual, podendo ser
distinguidas das habilidades com os recursos tecnológicos. Mesmo com
receio, os professores experimentaram em nossos encontros, um trabalho
com conceitos de geometria - simetria, inserido em um projeto maior com
o tema primavera e construção de Ikebana. Nesse processo, o computador
foi um recurso na ação e reconstrução conceitual de professores, alunos
e pesquisadoras. A noção de formação remete à idéia de um processo de
ensino-aprendizagem, em que o professor necessita refletir sobre sua estra-
20 EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, TECNOLOGIA E FORMAÇÃO DE PROFESSORES

tégia de aprendizagem e pensar sobre quais condições são favoráveis para


esse processo, centrado no crescimento do próprio professor, protagoni-
zando os seus projetos individuais e coletivos.
Alguns dos resultados dessa
investigação foram apresentados no CERME 3: Third Conference of the
European Society for Research in Mathematics Education que ocorreu de
28 de fevereiro a 3 de março de 2003 em Belaria, na Itália. Este trabalho,
também, mostrou algumas trilhas a serem percorridas na metodologia da
tese do meu doutorado.
No ano de 2003, em parceria com a profa. Dra. Glaucia da Silva
Brito da UFPR, lancei o livro Educação, professor e novas tecnologias:
em busca de uma conexão real, pela editora Protexto-Curitiba. Livro este,
resultante do desejo de divulgar publicamente nossas experiências teóricas
e práticas sobre a inserção das TICE no contexto educacional.
A trajetória até aqui descrita é o que me levou a me inscrever e
realizar o concurso para professor neste Setor de Educação na área/
disciplina Ensino Matemática e Didática. Entendo que a formação de
da
professores requer um “reconhecimento” de que o contexto escolar é cons-
tituído por seres humanos que necessitam refletir sobre o seu sentir, seu
pensar e seu agir, para alcançar uma mudança educacional, numa situação
de respeito ao diferente e comprometida com um projeto colaborativo de
transformação.
Acredito que a formação de professores necessita entrelaçar ações
que propiciem reflexões educativas, nas quais, interroguemos e tematizemos
as grandes finalidades da educação, que deslinde e procure dar conta do
emaranhado de problemas e antinomias que se colocam a quem queira pensar
seriamente as questões educativas; ações que propiciem a reflexão política
e institucional que interroguem o significado e as funções da instituição
escolar; e ações que propiciem a reflexão epistemológica e interdisciplinar
que suscite a consciência crítica do professor relativamente ao seu próprio
saber e lhe permita equacioná-lo na complexa situação atual de saberes.
Contudo, concordo com Shulman, ao argumentar que para se
ensinar, não basta ter uma grande capacidade de reflexão. É necessário
um conjunto de fatores, dentre eles conhecer o conteúdo a ser ensinado
e as formas de torná-lo mais compreensível e significativo aos alunos. Ou
seja, a reflexão e a tomada de consciência pelo professor sobre o próprio
Prefácio 21

caminho a ser seguido na reconstrução de conceitos matemáticos auxiliam


na identificação e valorização da trajetória de seus alunos na construção
do conhecimento.
Posso então objetivar algumas ações a serem desenvolvidas no
trabalho com os graduandos como: identificar o conhecimento matemático
como instrumento de compreensão e transformação da sociedade, histo-
ricamente construído e em permanente evolução; diferenciar os aspectos
quantitativos e qualitativos da matemática, criando, selecionando, organi-
zando e operacionalizando as informações para interpretá-las e avaliá-las
de forma crítica, sabendo apresentar estratégias e resultados utilizando
os conceitos e procedimentos possíveis; analisar os currículos e identificar
seus encaminhamentos pedagógicos, visando relacionar observações da
realidade com representações matemáticas e aos conceitos matemáticos;
elaborar atividades matemáticas de forma interdisciplinar; repensar sobre
a finalidade da avaliação em matemática, interpretando o erro na aprendi-
zagem escolar como uma forma de buscar o acerto.
Este é um campo, da Didática da Matemática, no qual se discute como
se dá o ensino e a aprendizagem dessa disciplina, que relações se estabelecem
na tríade aluno-professor-saber matemático, e quais variantes didáticas
interferem a cada momento do ensino-aprendizagem, pode entrelaçar e de
forma imbricada a orientação e operacionalização desta formação.
Nessa vertente, tenho interesse em dar continuidade a pesquisas
em Educação Matemática. Há muito por investigar na direção das possi-
bilidades e limites do uso dos recursos informatizados na educação, e no
momento pretendo investigar: quais os objetivos educacionais possíveis de
serem atingidos com o uso desses recursos? Que inovações curriculares,
metodológicas e formas de avaliação, esses recursos acarretam?
O processo de ensino-aprendizagem mediado por esta ferramenta
precisa ser mais compreendido. Essa é uma preocupação que continuará
balizando minhas ações profissionais futuras, como um ser que se reconhece
em processo e apresenta inquietudes na busca de possíveis caminhos.
22 EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, TECNOLOGIA E FORMAÇÃO DE PROFESSORES

Referências

FREIRE, P. educação e mudança. 20. ed. são paulo: cortez, 1994.


_________. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educa-
tiva. São Paulo : Ed. Paz e Terra, 1997. (22A. edição, 2002)

POMBO, O. Para um modelo reflexivo de formação de professores. Revista


Educação, vol. III, no. 2, dez. 1993. Departamento de Educação da Facul-
dade de Educação da Universidade de Lisboa.

SHULMAN, L. S. Those who understand: Knowledge growth in teaching.


Educational Researcher. V. 17, no. 1, 1986.
SKOVSMOSE, O. Educação matemática crítica: a questão da democracia.
Tradução de: Abigail Lins( caps. 1-4) e Jussara de Loiola Araújo (caps. 5).
Campinas: Ed, Papirus, 2001.

É a partir dessas considerações da autora (in memorian) que proponho


partilharmos do enorme desejo desse grupo de autores: o de que a Matemática
seja acessível a todos e de que o emprego das TICE ajude nessa direção.
Apresentação

Nielce Meneguelo Lobo da Costa


Willian Beline
Suely Scherer

Este livro...

Esta obra tem uma história peculiar: ela germinou a partir de uma
iniciativa da Profa. Ivonélia Crescêncio da Purificação (in memorian), que sonhou
lançar, pela Editora da Universidade Federal de Grande Dourados (UFGD),
um livro envolvendo o tema Formação de Professores em Matemática e o Uso
de Tecnologias.
Recém-chegada ao Departamento de Matemática da UFGD, com sua
característica vitalidade, começou a unir algumas pessoas, convidando-as e
“encomendando” artigos, os capítulos deste livro, em 2007.
Infelizmente, um acidente automobilístico no dia 7 de março de 2008
ceifou precocemente a vida da Profa. Ivonélia e dos professores Chateaubriand,
Ronaldo e Renato, todos da UFGD. Ao recebermos essa notícia entramos
em choque, ficamos abalados, pois pensávamos: “tão cedo e todos tendo tanto
a contribuir em diferentes espaços da sociedade”. A partir de então coube a
nós, Beline e Nielce, continuarmos o trabalho de organização iniciado pela
professora Ivonélia. Essa nossa empreitada foi então aceita por todos os autores
anteriormente convidados para participarem do livro.
Este livro também fez, porém, parte de outras histórias, planos e
encontros...
Outras histórias, planos e encontros...

Em 2001, Ivonélia, Nielce e Suely encontraram-se pela primeira vez.


Tudo começou ao serem selecionadas e iniciarem, na PUC-SP, o doutorado do
24 EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, TECNOLOGIA E FORMAÇÃO DE PROFESSORES

Programa de Pós-Graduação em Educação: Currículo, na linha de pesquisa em


Formação de Professores e Novas Tecnologias. O que as uniu? A proximidade
no que buscavam como formação, pesquisa e prática na área de Educação
Matemática. Éramos três professoras da área de matemática, pesquisadoras e
com práticas na área de tecnologias educacionais e formação de professores,
buscando aprofundamentos na área da Educação: currículo.
Em meio à correria do doutorado, quatro anos de ótimo convívio, com
estudos conjuntos na área de tecnologias e formação de professores, seminários,
leituras, sem esquecer, da alegria sempre... Após a finalização do doutorado,
muitos foram os planos traçados para produções e pesquisas conjuntas, parce-
rias futuras... Alguns foram realizados... Outros vamos realizando, mesmo com
a ausência de Ivonélia, como a organização deste livro.
Três histórias diferentes, três Estados diferentes (Santa Catarina,
Paraná e São Paulo), três universidades diferentes, tantos caminhos e descami-
nhos... Que se encontram e desencontram, que fazem histórias... Que deixam
histórias... Histórias que se constituem e que se cruzam a partir de objetivos
comuns entre sujeitos... Como o encontro dos autores que neste livro trazem
um pouco de suas histórias, suas pesquisas...

O encontro dos autores deste livro

O encontro dos autores deste livro aconteceu a partir da intenção


maior de uma pesquisadora, Profa. Ivonélia Crescêncio da Purificação, que arti-
culou, com outros autores, um objetivo comum ao dela quanto às pesquisas em
formação de professores, quanto ao uso de tecnologias educacionais e quanto
à chamada educação matemática.
Esse encontro tornou possível este livro, organizado em duas partes: na
Primeira discute-se a Formação de Professores, Tecnologias e Inovações Curricu-
lares em Educação Matemática; e, na Segunda, as Tecnologias Digitais e o Ensino
e a Aprendizagem em Matemática são o foco principal dos três capítulos que a
integram. A seguir, apresentamos uma síntese dos dez capítulos que compõem
esta obra.
apresentação 25

Primeira Parte:  FORMAÇÃO DE PROFESSORES, TECNOLOGIAS E


INOVAÇÕES CURRICULARES EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA

No primeiro capítulo que compõe este livro, “Professores de Mate-


mática e as Novas Tecnologias: medo e sedução”, Ivonélia Crescêncio da
Purificação, Gláucia da Silva Brito e Tatiani Garcia Neves descrevem a primeira
etapa de uma pesquisa realizada com professores de matemática da rede muni-
cipal de ensino da região de Dourados - MS. São apresentadas reflexões de
um caminho investigativo sobre as tecnologias na educação e na educação
matemática, resgatando argumentos que consideram a formação de professores
de matemática para o uso das novas tecnologias como instrumento valioso na
transformação da sociedade.
Carlos Alves Rocha, em seu texto “A Formação de Professores nos
Cursos de Licenciatura e a Tecnologia: algumas reflexões”, traz reflexões
para a formação de professores por meio de uma discussão na qual apresenta
subsídios para discutir o uso de tecnologias educacionais nos cursos de licen-
ciatura, seja em disciplinas específicas ou em atividades propostas ao longo
do curso, independentemente de disciplina. Para o autor, essa reflexão tem
oportunizado encontrar uma diversidade de elementos que estão presentes na
relação da tecnologia com a sociedade, que intervêm e interferem nas ações
educacionais.
O texto de Nielce Meneguelo Lobo da Costa, “Reflexões sobre Tecnologia
e Mediação Pedagógica na Formação do Professor de Matemática”, discute a
temática da educação (inicial e continuada) de professores e suas relações com
as tecnologias. Para isso, a autora analisa os tipos de abordagens pedagógicas
de situações didáticas com uso de tecnologia e apresenta reflexões sobre trans-
formações necessárias nos processos educacionais e as consequências para
os processos formativos. Ao final algumas diretrizes para formação docente
com tecnologia e o conceito de mediação pedagógica são discutidos, assim
como a questão das relações entre homem e máquina e as transformações nas
interações com a presença da tecnologia.
Em “Educação Bimodal no Curso de Pedagogia: aprendizagens em
estatística aplicada à educação”, Suely Scherer apresenta a análise de processos
de reflexão e de aprendizagem que aconteceram na disciplina de estatística
aplicada à educação, em um curso de pedagogia. A análise é apresentada a
26 EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, TECNOLOGIA E FORMAÇÃO DE PROFESSORES

partir de registros de diálogos sobre conceitos matemáticos, entre a professora e


uma aluna em um ambiente virtual de aprendizagem. São identificadas atitudes
da aluna e da professora que podem favorecer a formação de professores que
ensinam ou ensinarão matemática em ambientes virtuais. 
No texto de Willian Beline e de Rosana Figueiredo Salvi, com título
“Professor de Matemática: uma proposta de formação continuada para o
uso de recursos tecnológicos em sua prática pedagógica por meio da Espiral
de Capacitação”, os autores nos apresentam uma proposta (proveniente da
dissertação de mestrado do primeiro autor) de encaminhamento quanto à
formação continuada de professores que ensinam matemática para a utilização
de recursos tecnológicos em sua prática pedagógica. Esse novo encaminha-
mento, nomeado pelos autores como Espiral de Capacitação, consiste em
dividir a formação dos professores quanto à utilização de recursos tecnológicos
em sua prática em sala de aula em três momentos inter-relacionados em forma
de uma espiral, numa formação constante de todos os participantes, sendo:
(i) formação contextualizada; (ii) prática em sala de aula e (iii) reflexão em
grupo.
Ivonélia Crescêncio da Purificação (in memorian), no texto “Prática
Docente de Professores que Ensinam Matemática com o Uso do Software
Cabri-Géomètre: o novo e o desafio”, busca analisar a prática de professores
das séries iniciais do ensino fundamental que, usando o software Cabri-
Géomètre, após um período de formação continuada com o mesmo programa,
desenvolvem ações metodológicas e reconstrução de conceitos, num processo
de reflexão sobre a própria aprendizagem e sobre/para a prática pedagógica. A
autora finaliza seu texto com a seguinte afirmação: Estamos convencidos de que
o processo reflexivo englobando a prática pedagógica passa por estar aberto a buscar
algo, a olhar, a aprender a usar uma nova ferramenta, com o intuito de que essa
apropriação proporcione inovações e mudanças no contexto escolar.
O texto “A Formação de Professores Indígenas: reflexões sobre o
currículo de matemática numa perspectiva intercultural”, de Chateaubriand
Nunes Amâncio (in memorian), Ivonélia Crescêncio da Purificação (in memorian),
Renato Gomes Nogueira (in memorian) e Maria Aparecida Mendes de Oliveira
apresentam reflexões sobre a presença da matemática nos currículos de
cursos de licenciatura indígenas. O estudo parte da análise de dois cursos de
licenciatura indígena, trazendo a importância da construção de um currículo
apresentação 27

em diálogo com as comunidades indígenas, e que contemple estudos sobre o


ensino e aprendizagem da matemática. 

Segunda Parte: TECNOLOGIAS DIGITAIS E O ENSINO E A APRENDI-


ZAGEM EM MATEMÁTICA

Maurício Rosa e Marcus Vinicius Maltempi, no capítulo “A Tecnologia Lúdico-


Educativa como ‘Atriz’ na Construção do Conhecimento Matemático”,
abordam a importância da articulação entre processos lúdicos e a tecnologia
digital, por meio da construção de jogos eletrônicos do tipo RPG (Role-Playing
Game) como possibilidade para o ensino e a aprendizagem de matemática. São
apresentados dados de uma pesquisa que aponta o software RPG Maker como
recurso que favorece a construção de jogos em uma abordagem construcio-
nista do uso de computadores, compreendendo a aprendizagem em coletivos
seres-humanos-com-mídias. Nesse sentido, o software é apontado como uma
tecnologia lúdico-educativa que possui recursos que podem favorecer a prática
educativa matemática.
No capítulo intitulado “A Escolha do Software Educacional e a Proposta Peda-
gógica do Professor: estudo de alguns exemplos da matemática”, de Marilena
Bittar, a autora nos apresenta contribuições para a discussão sobre a integração
de softwares educacionais e a prática pedagógica do professor, evidenciando
características técnicas e didáticas de alguns materiais e discutindo, mais
especificamente, possibilidades de uso de um deles, o Aplusix. Para tanto, a
autora faz, inicialmente, uma apresentação geral da informática na Educação,
em seguida apresenta alguns softwares destinados ao ensino de Matemática.
Ao final nos relata uma experiência realizada com um software de Álgebra em
uma escola de Campo Grande para ilustrar o estudo.
Tânia Maria Mendonça Campos, Mônica Karrer e Silmara Alexandra
da Silva Vicente, em seu texto “Função Logarítmica: a utilização do software
Winplot na exploração de situações gráficas”, apresentam um estudo sobre o
ensino e a aprendizagem de função logarítmica, tendo por base a teoria dos
registros de representação semiótica de Duval. Para isso, as autoras elaboraram
quatro atividades nas quais procuraram explorar conversões entre os registros
28 EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, TECNOLOGIA E FORMAÇÃO DE PROFESSORES

pouco usuais no ensino convencional, principalmente as seguintes: gráfico, da


língua natural escrita e algébrico. Tais atividades, aplicadas a futuros professores,
estudantes do curso de Licenciatura em Matemática, foram desenvolvidas nos
ambientes Winplot e papel & lápis, e são apresentados os resultados de duas
delas.
E aqui convidamos os leitores à leitura de cada um dos capítulos que
compõem esta obra, recortes da pesquisa desenvolvida na área de formação
de professores, educação matemática e tecnologias educacionais. Recortes
que traduzem o encontro entre pesquisadores, entre histórias... Que podem, a
partir de sua leitura, promover novos encontros, constituir novas histórias...

Boa Leitura! Que estes registros oportunizem reflexões, questiona-


mentos, novas práticas, pesquisas...

Abraços,

Beline, Nielce e Suely.


PARTE I

FORMAÇÃO DE PROFESSORES, TECNOLOGIAS


E INOVAÇÕES CURRICULARES EM EDUCAÇÃO
MATEMÁTICA
Educação Matemática, Tecnologia e Formação de Professores: Algumas Reflexões
pp 31-57
Copyleft 2010 by Willian Beline e Nielce Meneguelo Lobo da Costa (Orgs)
Editora da FECILCAM | Campo Mourão - PR | http:// www.fecilcam.br/editora

Capítulo 1

PROFESSORES DE MATEMÁTICA E AS
TECNOLOGIAS: MEDO E SEDUÇÃO

Ivonélia da Purificação1
Universidade Federal da Grande Dourados
Tatiani Garcia Neves2
Universidade Federal da Grande Dourados
Glaucia da Silva Brito3
Universidade Federal do Paraná

Resumo

Neste artigo descrevemos uma primeira etapa de uma pesquisa realizada com
professores de matemática da Rede Municipal de Ensino da região de Dourados MS.
Apresentamos reflexões de um caminho investigativo sobre as tecnologias na educação
e na educação matemática, resgatando argumentos que considera a formação de
professores de matemática para o uso das novas tecnologias como instrumento valioso
na transformação da sociedade. Destacamos a formação continuada realizada pelos
professores ao longo de seu desenvolvimento profissional, bem como a exploração e
o uso das tecnologias como ferramenta para o processo de ensino-aprendizagem. De
um modo geral, observamos nas etapas de realização desta pesquisa, que os professores
olham com receio o uso das tecnologias na educação não sentindo-se preparados para
utilizá-las com seus alunos.

Palavras-chave: Tecnologias a educação. Formação de professores. Educação


matemática.

1
  In memorian
2
  gntatiani@yahoo.com.br
3
  glaucia@ufpr.br
32 I. Purificação, t. g. nEVES e G. S. BRITO

Sociedade Tecnologizada4

No início do século XXI, constata-se que a sociedade contemporânea


produz e acolhe as inovações tecnológicas numa marcha vertiginosa, quer se
fale dos meios de comunicação de massa (televisão, rádio, jornais, revistas,
cinema), quer se pense nos instrumentos de trabalho (informatização, auto-
mação, robotização), nos serviços domésticos (eletrodomésticos cada vez mais
complexos), ou mesmo na indústria do lazer (jogos, brincadeiras eletrônicas).
Como explícita Kenski (2003), cada época corresponde a um domínio
de tecnologia, alterando a forma de o homem viver e conviver o presente,
reaver o passado e idear o futuro. Nesta nossa época, os avanços tecnológicos
provocam inúmeras transformações na sociedade, desde questões econômicas,
até a formação social e as questões culturais. Passa, também, por uma nova
ordem de comunicação. Caracteriza-se pela criação de novos valores, e pela
constituição de uma nova sociedade e de um novo homem.
Os mais influenciados pelas inovações tecnológicas neste início de
século são, certamente, os jovens, pois já nascem e crescem convivendo com
um mundo que, para muitos adultos, ainda é de novidades e, justamente por
isso, eles têm mais facilidade, para aprender e se acostumar a situações novas,
do que os adultos. Isso é enfatizado por Moran (2008), quando afirma que os
alunos estão prontos para o uso das tecnologias, no entanto os professores,
como mediadores, sentem insegurança frente a essa nova ferramenta de
ensino.
Assim como está acontecendo com as demais organizações, a educação
está sofrendo os impactos causados pelas mudanças advindas da inserção das
tecnologias no contexto escolar, o que acarreta exigências quanto à neces-
sidade de uma formação continuada dos professores. Neste momento todos
deverão (re)aprender a conhecer, a comunicar, a ensinar, isto é, (re)aprender
a integrar o humano, o tecnológico, o individual, o grupal e o social (BRITO;
PURIFICAÇÃO, 2008).

4
  Utilizamos este termo no sentindo que traz Bazin (1998), quando afirma que
uma sociedade poderá ser tecnologizada, mesmo sem a tecnologia fazer parte da
cultura das pessoas, pois podemos utilizar os mais diversos produtos da tecnologia,
sem que para isso tenhamos ou compreendamos o funcionamento dos mesmos
produtos.
Professores de Matemática e as Novas Tecnologias: medo e sedução 33

E a escola nesse contexto? Para Pretto (1999), a escola ainda se encontra


calcada no paradigma edificado por procedimentos dedutivos e lineares. Na
verdade, ela desconhece o substrato tecnológico do mundo contemporâneo.
A escola deverá, portanto, estar atenta às novas formas de aprender, propi-
ciadas pelas tecnologias da informação e comunicação, e criar novas formas de
ensinar, para não se tornar obsoleta. Para que ela não se torne obsoleta, Breede
(1996), citando Paulo Freire, aponta que a escola necessita estar inserida no
mundo contemporâneo, ou seja, deverá considerar os avanços tecnológicos.
Essa inserção passa pelo exame do contexto educacional, pela
compreensão das diferentes realidades sociais e sua interdependência, quer
se considere a implantação de projetos que incorporem as tecnologias, quer se
vislumbre a produção de programas, ou ainda se contemple a superação do que
já está sedimentado no contexto educacional considerando os cenários tecno-
lógico, informacional e informático. Esses cenários requerem novos hábitos,
uma nova gestão de conhecimento, nova forma de conceber, de armazenar e
de transmitir as informações, originando, assim, novas formas de simbolização
e de representação do conhecimento. Para tanto, o que se tem observado
são ações de ordem política e acadêmica de inserção dos computadores, nos
diferentes níveis de escolaridade.

Informática na Educação Brasileira

A informática na educação, tanto no Brasil quanto em outros países


(como França, Espanha, Portugal, Alemanha e Estados Unidos), insere-se
em ciclos ligados aos avanços tecnológicos e no “despertar” do conjunto das
políticas públicas de incentivos a programas educacionais (BRITO; PURIFI-
CAÇÃO, 2008, p. 55). O uso do computador tem ocorrido em movimentos de
estímulos coordenados por ações internacionais, visto que isso ocorre à medida
que há avanços de ordem científica, social, econômica e tecnológica
O movimento da informática na educação inicia-se nos anos 1970,
de forma mais abrangente no setor administrativo das escolas, por meio da
informatização da secretaria em que se buscava de fato a reestruturação admi-
nistrativa com investimentos em sistemas eletrônicos de informação e de gestão,
tanto nas instituições privadas quanto nas públicas. Além desse, como destaca
34 I. Purificação, t. g. nEVES e G. S. BRITO

Simão Neto (2002), os movimentos que compõem a informática educativa no


Brasil são: o programa Logo; a informática básica; os softwares educativos; a
internet; e a aprendizagem colaborativa com ambientes virtuais.
Brito e Purificação (2008, p. 70) apresentam um quadro que resume as
ações da política de informática educativa no Brasil.

Ano Ações
A Secretaria Especial de Informática (SEI) efetuou uma proposta
1979 para os setores educacional, agrícola, da saúde e industrial, visando à
viabilização de recursos compu­tacionais em suas atividades.
A SEI criou uma Comissão Especial de Educação para colher subsí-
1980 dios, visando gerar normas e diretrizes para a área de informática na
educação.

I Seminário Nacional de Informática na Educação (SEI, MEC,


CNPq) – Brasília.
Recomendações: as atividades da informática educativa devem
ser balizadas por valores culturais, sociopolíticos e pedagógicos da
realidade brasileira; os aspectos técnico-econômicos devem ser
1981 equacionados não em função das pressões de mercado, mas dos bene-
fícios socioeducacionais; não se deve considerar o uso dos recursos
computacionais como nova panaceia para enfrentar os problemas
de educação; deve haver a criação de projetos piloto de caráter
experimental com implantação limitada, objetivando a realização de
pesquisa sobre a utilização da informática no processo educacional.
Professores de Matemática e as Novas Tecnologias: medo e sedução 35

II Seminário Nacional de Informática Educativa (Salvador),


que contou com a participação de pesquisadores das áreas
de educação, de sociologia, de informática e de psicologia.
Recomendações: os núcleos de estudos devem ser vinculados às
universidades, com caráter interdisciplinar, priorizando o ensino
médio, não deixando de envolver outros grupos de ensino; os
1982 computadores devem funcionar como um meio auxiliar do
processo educacional, devendo se submeter aos fins da educação
e não determiná-los; o seu uso não deverá ser restrito a nenhuma
área de ensino; deve-se priorizar a formação do professor quanto
aos aspectos teóricos, participação em pesquisa e experimen-
tação, além do envolvimento com a tecnologia do computador e,
por fim, a tecnologia a ser utilizada deve ser de origem nacional.

Criação da CEIE – Comissão Especial de Informática na Educação,


ligada à SEI, à CSN e à Presidência da República. Dessa comissão faziam
parte membros do MEC, da SEI, do CNPq, da Finep e da Embratel,
que tinham como missão desenvolver discussões e implementar
ações para levar os computadores às escolas públicas brasileiras.
1983
Criação do projeto Educom – Educação com Computadores. Foi a
primeira ação oficial e concreta para levar os computadores até as
escolas públicas. Foram criados cinco centros piloto, responsáveis
pelo desenvolvimento de pesquisa e pela disseminação do uso dos
computadores no processo de ensino-aprendizagem.

Oficialização dos centros de estudo do projeto Educom, o qual


era composto pelas seguintes institui­ções: UFPE (Univ. Federal de
Pernambuco), UFRJ (Univ. Federal do Rio de Janeiro), UFMG (Univ.
1984 Federal de Minas Gerais), UFRGS (Univ. Federal do Rio Grande
do Sul) e Unicamp (Univ. Estadual de Campinas). Os recursos
financeiros para esse projeto eram oriundos do Finep, do Funtevê e
do CNPq.
36 I. Purificação, t. g. nEVES e G. S. BRITO

Criação do Comitê Assessor de Informática para Educação de Ensino


Fundamental e Médio (Caie/Seps), subordinado ao MEC, tendo como
objetivo definir os rumos da política nacional de informática educacional
a partir do Projeto Educom. As suas principais ações foram: realização
1986 de concursos nacionais de softwares educacionais; redação de um
e documento sobre a política por eles definida; implantação de Centros
1987 de Informática Educacional (CIEs) para atender cerca de 100.000
usuários, em convênio com as Secretarias Estaduais e Municipais
de Educação; definição e organização de cursos de formação de
professores dos ClEs e avaliação e reorientação do Projeto Educom.
Elaboração do Programa de Ação Imediata em Informática na
Educação, o qual teve, como uma das suas principais ações, a criação
de dois projetos: Projeto Formar, que visava à formação de recursos
humanos, e o Projeto Cied, que visava à implantação de Centros de
Informática e Educação. Além dessas duas ações, foram levantadas
as necessidades dos sistemas de ensino relacionadas à informática
1987 no ensino de 1º e 2º graus, foi elaborada a Política de Informática
Educativa para o período de 1987 a 1989 e, por fim, foi estimulada a
produção de softwares educativos. O Projeto Cied desenvolveu-se em
três linhas: Cies – Centros de Informática na Educação Superior, Cied
– Centros de Informática na Educação de 1º e 2º Graus e Especial;
Ciet – Centros de Informática na Educação Técnica.

Criação do Proinfo, projeto que visava à formação de NTEs (Núcleos


de Tecnologias Educacionais) em todos os Estados do país. Os
NTEs, num primeiro momento, foram formados por professores
que passaram por uma capacitação de pós-graduação referente à
1997
informática educacional. Atualmente existem diversos projetos
a
estaduais e municipais de Informática na Educação vinculados ao
2008
ProInfo/SEED/MEC.
Projeto UCA (um computador por aluno) é uma iniciativa do
governo federal que, desde 2005, investiga a possibilidade de adoção
de laptops nas escolas.
Fonte: BRITO, G. S.; PURIFICAÇÃO, I. Educação e novas tecnologias: um
repensar. 2. ed. Curitiba: IBPEX, PR.
Professores de Matemática e as Novas Tecnologias: medo e sedução 37

Concomitantemente a essas ações políticas, a formação dos profes-


sores para a utilização da informática no Brasil vem acontecendo, segundo
Valente (2000) e Moraes (1999), a partir de pesquisas pontuais nas universi-
dades, com a preocupação de buscar entender qual a melhor forma de utilizar
os recursos da informática e que tipo de mudanças pode ocorrer na escola,
principalmente no processo ensino-aprendizagem. Algumas questões sempre
se fazem presentes em nossas reflexões: Que cidadão está sendo formado nesse
mundo tecnológico? Qual o papel da escola nesse processo? Qual é o papel que
o professor deve desempenhar nesse momento?
Moura (2002) constatou, em suas pequisas, que a grande maioria dos
professores hoje atuantes pertence à geração pré-ícone/digital, ou seja, sua
formação inicial não contemplou, em termos de fundamentos e de práticas,
um trabalho com computadores no contexto escolar. Para a mesma autora,
o conhecimento “adquirido” em ambientes extraescolares, em cursos de
informática, seja por iniciativa pessoal ou mesmo com ajuda de outros, não é
suficiente para garantir-lhes o uso pedagógico desse instrumento.
Brito e Purificação (2008, p. 85) exemplificam, a partir de um estudo
realizado por Costa (1992), situações corriqueiras nas escolas em relação ao
uso dos laboratórios de informática:

[...] o uso da informática de forma descontextualizada do currículo,


já que, muitas vezes, o que se trabalha no laboratório de informática
não tem nenhuma relação com conteúdos trabalhados em sala de
aula; a sedução, evidenciada pela supervalorização dos recursos
informatizados, fazendo com que desapareçam outras atividades
educativas; o uso dos materiais informatizados sem a correspondente
e indispensável inovação metodológica; o medo da introdução
da tecnologia na escola que leva ao envolvimento de apenas um
pequeno grupo de professores, ou apenas um professor; a dificuldade
de acesso ao laboratório, dado que as chaves ficam sob a respon-
sabilidade de um professor “mais capacitado”; a circunstância do
professor ser convocado a trabalhar com seus alunos no laboratório
sem que ele possua uma formação eficiente, o que o torna um simples
executor de softwares prontos descontextualizados de um projeto
educacional.
38 I. Purificação, t. g. nEVES e G. S. BRITO

Essas situações corriqueiras apresentadas pelas autoras acima apontam


algumas contradições entre o discurso e a prática pedagógica nos ambientes
informatizados das escolas. Moura (2002) diz que essas contradições se devem
à falhas de três ordens nos cursos que se propõem a preparar os professores
para o uso do computador nas escolas: falha de propósito; falha de método;
falha de significação.
- falha de propósito: a autora identifica o fato de que a tecnologia é
apresentada como algo que simplesmente se deve aprender. Assim, em vez
de se compreendê-la, não se reflete de que forma os computadores poderão
auxiliar os professores no fazer pedagógico.
- falha de método: Moura menciona a circunstância de que os cursos
sobre tecnologias não deveriam se limitar apenas à aprendizagem progressiva
da informática, mas incluir o estudo das capacidades cognitivas envolvidas
na construção do conhecimento com auxílio das tecnologias de informação e
comunicação.
- falha de significação: a autora destaca que, em muitos cursos, se
promove apenas a capacitação para o uso. Em lugar disso, dever-se-ia privilegiar
a construção do sentido sobre esse uso e sobre suas aplicações nos processos
educativos.
Outra crítica formulada por estudiosos a respeito dos referidos cursos
lembra (PRETTO, 2001; BONILHA, 2002; MOURA, 2002). É que, nas
diretrizes dos documentos produzidos pelo MEC/SEED, os professores deve-
riam formar professores. Entretanto, esse trabalho está ainda incipiente e a
mesma situação se pode constatar no interior das escolas. Para os autores, os
professores capacitados não estão formando seus colegas de trabalho por falta
de organização da comunidade escolar, que parece não planejar suas atividades
de forma a dar condições para que os professores facilitadores desempenhem
seus papéis.
Os autores citados expressam que os cursos ora em andamento
não atendem às expectativas dos professores quanto ao uso pedagógico da
informática. No entender deles, o aprendizado de informática instrumental
é suficiente apenas para dar início ao trabalho na utilização dos recursos, mas
não o bastante para propiciar mudanças no contexto da prática pedagógica.
Assim, Valente (1993) ressalta que, em primeiro lugar, o uso da infor-
mática em educação não significa apenas a soma de informática e educação, mas
Professores de Matemática e as Novas Tecnologias: medo e sedução 39

a integração desses dois domínios. Em segundo lugar, como parte do processo


de formação, o profissional deve vivenciar situações em que a informática é
usada como recurso educacional a fim de compreender qual o seu papel como
educador nessas situações, e de descobrir qual é a metodologia mais adequada
a seu estilo de trabalho. As experiências têm mostrado o quanto são relevantes
as considerações apontadas por Valente para se obterem avanços no uso eficaz
da informática na educação matemática.
Cabe, então, perguntarmos: -- Como o professor tem se beneficiado,
em sua ação educacional, do uso da informática no processo ensino-aprendi-
zagem? -- Como está ocorrendo a formação continuada de professores para o
uso da informática na educação? São preocupações que perpassam a trajetória
profissional de todos os educadores envolvidos na formação de professores de
matemática.

Informática na Educação Matemática

Como já afirmamos anteriormente, uma das mais impactantes


características do século XXI é o desenvolvimento tecnológico (informação e
comunicação). Guajardo (2002) afirma que o professor de matemática neces-
sita entender que o recurso tecnológico, como todas as ferramentas produzidas
pelo ser humano, deve ser usado para construir progresso, combater iniqui-
dade e dar maiores oportunidades às novas gerações. Ele reconhece que o uso
superficial das tecnologias pode acarretar falsos benefícios no que concerne
às competências esperadas no processo educativo. Destaca o mesmo autor
que uma consciência não crítica dos que usam as tecnologias pode fazer com
que aumente a distância social e agrave a iniquidade do sistema educativo em
termos de qualidade do ensino e de oportunidades aos estudantes.
Acreditamos, portanto, que a formação do professor de matemática
necessita qualificá-lo como um “validador” crítico e exigente das tecnologias da
informação e comunicação, seja na variável da estrutura didática, seja no plano
de suas implicações sociais e psicológicas. Pesquisas em educação matemática
têm mostrado a relevância da informática na educação para aprendizagem
da matemática, como os trabalhos de Weigand e Weth (2002), que mostram
o potencial do uso do computador, e da internet, em atividades algébricas e
40 I. Purificação, t. g. nEVES e G. S. BRITO

geométricas. Neles, os autores afirmam que o computador na sala de aula é


um novo caminho no processo ensino-aprendizagem, que envolve conjunta-
mente um campo de aplicação, um domínio técnico, um domínio algorítmico
e a própria esfera social. Para o campo de aplicação, pode-se escolher desde
banco de dados até as especificidades de conteúdos matemáticos. No domínio
técnico, a circunstância envolve as funções e os sistemas do computador. No
domínio de algoritmos, percebe-se a análise e a descrição na resolução de um
problema. E, na esfera social, observam-se os efeitos de uma nova cultura,
também, em sala de aula.
Destacamos que o computador poderá ser um novo caminho no
processo ensino-aprendizagem desde que bem utilizado. Purificação confirmou
isso em duas pesquisas: quando investigou os avanços do pensamento geomé-
trico de alunos da 8ª Série do Ensino Fundamental ao utilizarem o software
educacional Cabri-Géomètre (1999) e na pesquisa com professores que
ensinam matemática usando o mesmo software, no qual se propôs identificar
e analisar a reconstrução de conceitos geométricos num processo de reflexão
sobre a própria aprendizagem e sobre/para a prática pedagógica (2005).
Concordamos, portanto, com Baldin (2002), quanto à ideia de que o
professor deverá estar preparado para analisar as potencialidades e as possibi-
lidades das tecnologias, bem como suas limitações. Para Baldin, uma formação
eficaz exige do professor, no mínimo, a percepção do uso das tecnologias de
acordo com uma escala de possibilidade e de adequação, algo que deve ser
levado em consideração, pois perceber as potencialidades do uso do compu-
tador em termos de avanços e de limites possibilita ao professor estabelecer, em
sua ação pedagógica, a medida do uso desse recurso.
Além disso, Chaachoua (2003) explicitou dois obstáculos que vêm
dificultando a integração do computador, quando o professor de matemática
tenta promover o seu uso na sala de aula:
- O professor que não tem referência ou experiência de aprendizagem
em conduzir atividades no ambiente informático hesita em usar o computador
e necessita, assim, de uma justificação a priori que lhe aponte as possibilidades
do uso do computador no ensino de matemática. Nesse caso, prevalece a
insegurança com essa ferramenta e o menor dinamismo no ensino.
- O segundo obstáculo está ligado aos efeitos da transposição infor-
mática. Os objetos do saber se modificam na relação didática e informática,
Professores de Matemática e as Novas Tecnologias: medo e sedução 41

ou seja, a introdução da informática na relação ensino-aprendizagem pode


modificar a relação entre aluno-professor-objeto matemático, na qual o
professor pode se deparar com situações em que o próprio saber matemático
é questionado. Assim, certas concepções de ensino podem ser obstáculos à
integração do recurso do computador.
Em síntese, o professor, ao necessitar da legitimidade educacional do
computador no processo ensino-aprendizagem, e ao apresentar dificuldades
em estabelecer links entre a transposição informática e o conhecimento
matemático, cria, dessa forma, obstáculos para o uso do computador em suas
atividades didáticas.
Isso conduz a pensar na própria aprendizagem do professor. Castro
Filho (2001) esboça preocupações relevantes quando expressa que, embora
reforçados por pesquisas, os programas educacionais em matemática nem
sempre têm chegado à sala de aula e, quando o fazem, sua utilização é
superficial e aquém das possibilidades dos programas. O problema está no
desenvolvimento conceitual, que se encontra separado das habilidades com
os recursos tecnológicos, levando, muitas vezes, ao uso do computador em
atividades desvinculadas da sala de aula e, até mesmo, à preparação dos profes-
sores com relação ao conteúdo matemático. O mesmo autor destaca, ainda,
que estudos têm revelado que professores do Ensino Fundamental e Médio
apresentam dificuldades na compreensão de importantes ideias matemáticas,
e, portanto, as tecnologias para o ensino da matemática poderão possibilitar o
desenvolvimento conceitual por parte do professor.

Trajetória da Investigação

Apresentamos, neste trabalho, dados de uma primeira etapa de inves-


tigação com professores do Ensino Fundamental da cidade de Dourados, do
Estado do Mato Grosso do Sul5, cujos objetivos são: investigar a formação
de professores de Matemática para o uso da informática a partir da formação

5
  Vale destacar que, em todo o território brasileiro, a política de colocar compu-
tadores nas escolas e a de formação de professores via Núcleo de Tecnologias
Educacionais (NTE) também se configura neste Estado da União.
42 I. Purificação, t. g. nEVES e G. S. BRITO

continuada nos NTEs; verificar como esses professores fazem uso dos recursos
informatizados no contexto escolar; identificar as facilidades e dificuldades para
essa inserção, bem como, os objetos matemáticos selecionados por eles para
fazer uso do recurso da informática; reconhecer que relações são estabelecidas
com as experiências ocorridas durante a formação inicial e continuada.
Neste trabalho buscamos identificar, descrever e analisar as respostas
dadas por 43 professores de Matemática do Ensino Fundamental de uma cidade
do Mato Grosso do Sul, a um questionário de 35 perguntas, com questões
abertas e fechadas e uma conversa em grupo, quanto ao uso das tecnologias
no processo educacional. A pesquisa foi divida em fases para coleta dos dados:
a) conversação com os participantes; b) aplicação de um questionário; c)
tabulação e análise do questionário; d) retorno ao grupo para apresentação
dos dados e discussão sobre os mesmos dados; e) seleção dos professores que
participaram de uma capacitação no NTE para continuidade da pesquisa; f)
entrevista com esses professores; g) observação da prática desses professores
com o uso da informática; h) discussão sobre a prática com os professores. Os
dados e as discussões aqui apresentadas referem-se às fases a, b, c, d, e.

Tecendo a Rede da Pesquisa

Como destacamos em todo o texto, ainda se configura neste início


de século, quanto ao uso das tecnologias da informação e comunicação na
educação, um diálogo intermitente entre a sedução e o medo. Da conversa
inicial com os professores, identificou-se que, com a chegada dos computa-
dores à escola, sentimentos contraditórios se apresentam claramente, como:
ansiedade, insegurança, alegria, incompreensão, curiosidade, desorientação,
ânimo, entre outros.
Observa-se a sedução pelo novo, por uma ferramenta que pode trazer
mudanças em suas ações didáticas, aliada a todo um movimento tanto interno
dos alunos como externo da sociedade, e conjugada aos programas educacio-
nais das Secretarias de Educação. Com a sedução, vem ao mesmo tempo o
medo do fracasso perante o novo, face à possibilidade do erro, não o erro do
aluno, mas do professor, e, consequentemente, a descoberta da necessidade
de se aprimorar o uso do computador nas escolas. Os professores admitem
Professores de Matemática e as Novas Tecnologias: medo e sedução 43

que possuem limitações quanto ao uso das tecnologias, porém, quando tentam
utilizá-las, a sedução pela nova ferramenta posta em suas mãos faz com que os
medos demonstrados anteriormente sejam superados e que busquem formação
face a esse novo modelo didático de ensino.
Uma das questões solicitadas aos professores foi: -- Sua escola tem
uma proposta pedagógica claramente definida? Você poderia explicar essa
proposta?

Gráfico 1: Proposta Pedagógica


Proposta pedagógica

14%
Sim - a proposta esta
42% sendo reformulada
Não - sem justificativa

Não respondeu
44%

Os dados apontam para a constatação de que um grupo significativo


não conhece a proposta pedagógica da escola. Isso, para alguns teóricos, é
um indício da não compreensão das relações educacionais que envolvem o
contexto escolar, pois o professor, além de educador, no âmbito escolar é um
integrante da equipe pedagógica da escola. Assim sendo, deve interagir com
o grupo, envolvendo-se nos debates acerca das situações pelas quais a escola
está associada. Logo, o não conhecimento da proposta pedagógica é um indi-
cativo da não competência frente às atividades que fazem parte de sua vida
profissional.
Quando se perguntou qual a formação que eles tinham para o uso da
informática na Educação, mesmo depois de 10 anos do PROINFO, verifica-se
ainda que 48% dos entrevistados ainda não tiveram uma formação para o uso
da informática na educação. Há que se destacar que o despertar das univer-
sidades brasileiras, à inserção curricular de uma disciplina que trate dessa
questão, inicia no final dos anos 1990 e muitos dos professores que atuam nas
44 I. Purificação, t. g. nEVES e G. S. BRITO

escolas possuem uma fragilidade de formação nesse campo. Apenas 47% dos
entrevistados já tiveram algum tipo de formação para o uso da informática na
escola, no entanto não exploramos que tipo de cursos foram esses.

Gráfico 2: Formação para o uso da informática na educação


Formação para o uso da informática na Educação

5%

47% Não respondeu


Não
Sim
48%

Ao serem questionarmos se a escola disponibiliza recursos tecnológicos


(vídeo, retroprojetor, TV, computador), para uso com os alunos e se os utilizam
(informando quais são), veja-se, abaixo, o que obtivemos como resposta:
Sim: Vídeo (40), Retroprojetor (32), TV (38), Computador (22),
DVD (3)

Gráfico 3: Recursos tecnológicos disponíveis


Recursos Tecnológicos Disponíveis

2%
16%
30%
Vídeo
Retroprojetor
TV
Computador
28% DVD
24%
Professores de Matemática e as Novas Tecnologias: medo e sedução 45

Quanto a essa resposta, podemos nos perguntar se, de fato, são utili-
zados esses recursos na sala de aula com o aluno, observado antes a falta de
formação frente ao uso da informática ou se essas ferramentas servem apenas
como um disfarce frente às exigências ora impostas pelo diretor em executar
projetos com os alunos fazendo uso das mesmas ferramentas.
Segundo Brito e Purificação (2008), para que as tecnologias não se
constituam apenas em uma novidade e não se prestem ao disfarce dos reais
problemas existentes, julgam conveniente que os professores compreendam
e aceitem que, atualmente, as mudanças nos proporcionam os instrumentos
necessários para respondermos à exigência quantitativa e qualitativa de
educação que ela mesma provoca. O que precisamos saber é como reconhecer
essas tecnologias e adaptá-las às nossas finalidades educacionais.
É possível que, dessa maneira, o professor, ao reconhecer o verdadeiro
significado da utilização de uma ferramenta tecnológica, ele quebre o para-
digma existente em seu interior de que é preciso obter status perante os seus
colegas e adquira uma formação para o uso adequado das novas tecnologias
em sua didática de ensino.
Vamos nos limitar à solicitada resposta da questão seguinte: -- Você
usa recursos tecnológicos normalmente em suas aulas? Se sim, quais?

Gráfico 4: Recursos tecnológicos em sala de aula


Recursos Tecnológicos em sala de aula

2%
42% Sim
Não
56% Não respondeu
46 I. Purificação, t. g. nEVES e G. S. BRITO

Estima-se que, na percentagem acima, temos uma parcela significativa


de profissionais da educação que utilizam recursos tecnológicos em sala de
aula. Daí é notório que, mesmo o profissional não conhecendo, em sua grande
maioria, o projeto pedagógico de sua escola, possui em seu intelecto a neces-
sidade de integrar em seu cotidiano as diversidades tecnológicas que estão
surgindo ao sujeito-aluno lançado à sociedade.
Logo, segundo Ponte (2002), no presente, as tecnologias de infor-
mação e comunicação constituem uma das principais forças geradoras de
dinâmica social, pondo à disposição dos cidadãos uma massa extraordinária
de informação, criando novos serviços e abrindo novas possibilidades de parti-
cipação na vida social. A escola e os professores se veem perante o desafio de
desenvolver, nos jovens, a capacidade de lidar de forma crítica e pertinente
com esse importante recurso.

Gráfico 5: Recursos tecnológicos utilizados


Recursos Tecnológicos Utilizados

28% TV e Vídeo
44%
Computador
Retroprojetor
6%
Não respondeu
22%

Os recursos TV e vídeo são ainda, no século XXI, os mais utilizados


pelos profissionais da educação. Tal fato é decorrente de alguns fatores, dentre
os quais: facilidade na aquisição desses recursos, que agora se tornam mais
acessíveis à escola; facilidade no manuseio; não são necessárias instruções mais
detalhadas acerca do uso dos mesmos recursos; já no caso do computador,
além de técnicos para a sala de informática na escola, são necessários também
investimentos na formação dos professores, dentre outros investimentos.
Mesmo assim, 22% dos entrevistados afirmam utilizar o computador. Observa-
Professores de Matemática e as Novas Tecnologias: medo e sedução 47

se, no entanto, que uma grande parcela dos entrevistados não conhece alguns
softwares educacionais básicos para o ensino de algumas disciplinas, conforme
tomemos, por exemplo, a disciplina de Matemática a ser focada na questão
seguinte.
Parece relevante ressaltar, neste momento, o que seria um software
educacional. Para Brito e Purificação (2008), um software é considerado
educacional quando é desenvolvido para atender aos objetivos educacionais
preestabelecidos, sendo que a qualidade técnica se subordina às determina-
ções de ordem pedagógica que orientam seu desenvolvimento. Assim, talvez
possamos definir com um pouco de clareza um software como sendo um
programa educacional capaz de levar ao professor e aos alunos uma nova
maneira de compreender os conteúdos, voltado para o desenvolvimento da
proposta curricular.
Entretanto, pode-se pensar que um software é um programa. Assim,
é provável que, em todos os micros nas salas de informática, os programas
comerciais que já existem em grande quantidade (processadores de textos,
gerenciadores de banco de dados, planilhas eletrônicas, etc.), talvez sejam os
mais utilizados, uma vez que eles se encontram instalados em todas as máquinas.
Ocorre, porém, que, ao solicitarmos a resposta da questão seguinte: -- Quais
são os softwares que são usados nos laboratórios de informática?, obtivemos os
dados seguintes:

Gráfico 6: Softwares utilizados no Laboratório


Softwares utilizados no Laboratório
2% Cabri

2%
Cabri, Pow er Point
10% 2%

2% Cabri, Excel

Cabri, Paint, Word,


Pow er Point
82% Cabri, Paint, Word,
Pow er Point, Excel
Não respondeu
48 I. Purificação, t. g. nEVES e G. S. BRITO

No caso do software Cabri-Géomètre, que é um software educativo para


construção de conceitos geométricos, desenvolvido pela Universidade Joseph
Fourier de Grenoble – França, programa pelo qual se possibilita trabalhar as
relações geométricas de forma interativa e compreender suas invariantes com
movimentação em diferentes posições da tela, o percentual de uso entre os
professores que responderam utilizar algum tipo de software no laboratório de
informática é maior que os convencionais utilitários (como o Paint, o Word, o
Power Point, o Excel).
Por razões evidentes, temos aqui a marca da resistência na utilização de
qualquer tipo de programa educacional, visto o enorme percentual de entrevis-
tados que não responderam à questão. Todavia, quando questionamos em qual
disciplina eles utilizam o software, fica claro que, pelo fato de a totalidade dos
entrevistados serem professores de Matemática, apenas 17% responderam que
usam em sua disciplina, isso é um fato relevante, observado-se, mais uma vez,
a falta de iniciativa em buscar alternativas para ações didáticas mais concretas
e reais ao cotidiano do aluno.

Gráfico 7: Disciplina na qual utiliza o software


Disciplina na qual utiliza o softw are

Matemática
12% especificamente
5% geometria
Matemática

Não respondeu
83%

Seria mais pertinente avaliar então as relações entre os conteúdos


trabalhados e os softwares a serem utilizados? Ora, fazer essa relação tornaria
o processo didático de mudança no ensino da Matemática um tanto quanto
fácil, pois, até o momento, no que se pode observar no gráfico acima, é que, da
parcela correspondente à disciplina em discussão, o que se tem é uma especifi-
Professores de Matemática e as Novas Tecnologias: medo e sedução 49

cidade voltada para os conteúdos relacionados à Geometria.


Em algumas questões levantadas por Costa (1992) temos, no entanto,
que “[...] o trabalho do professor é desqualificado, ou seja, ele passa a ser um
mero ‘executor’ de ‘pacotes’ de softwares.” Brito e Purificação (2008) comentam
que, muitas vezes, dentro da capacitação de 20 horas, o professor aprende a
utilizar somente um software ou aqueles softwares que foram vendidos junto
com os equipamentos e, com seus alunos, o professor acaba repetindo somente
aquilo que aprendeu e, com frequência, tem medo de inovar.
É possível que tal situação aconteça se levarmos em consideração as
dificuldades encontradas com o uso dos softwares. Assim, levantou-se mais a
seguinte questão: -- Se você usou o software, encontrou alguma dificuldade?
Qual? Seria prejudicial para uso em aula? (exemplo: com alta exigência do
computador ou programa limitado).

Gráfico 8: Dificuldades encontradas com o uso dos softwares


Dificuldades encontradas com o uso dos softwares

40 37
35
30
25
20
15
10 6
5
0
Sim - limitações: poucos computadores, Não respondeu
programas em língua inglesa e tempo de
uso restrito.

Diante dessa questão, obtivemos respostas informando limitações


reais ao olhar dos entrevistados, valendo ressaltar que muitas das escolas que
estão sendo informatizadas obtiveram suas máquinas através de recursos da
APM (Associação de Pais e Mestres) e através de parcerias com instituições
financiadoras. Muitas escolas, por não disporem de repasses financeiros para
essa inovação, não dispõem de recursos para adquirir softwares educacionais,
50 I. Purificação, t. g. nEVES e G. S. BRITO

até por esses sofwares integrarrem pacotes com preços inacessíveis.


Decorre que a solução encontrada pelos professores/escola é que, para
a utilização de tal ferramenta, limitem-se ao uso restrito de 15 minutos, como
ocorre, por exemplo, com o software Cabri, disponibilizado em sites de busca.
Não houve, entretanto, resposta que apontasse para uma possível interferência
prejudicial com o uso em sala de aula. O uso pode-se tornar nocivo, sim,
quando é mal utilizado por aquele que esteja transpondo a outros o seu uso.
Vejamos agora uma questão relevante: -- Qual é o conteúdo matemá-
tico ideal para o ensino usando software? -- Qual é o conteúdo matemático que
perde o significado e o que fica em segundo plano para o uso com software?

Gráfico 9: Conteúdo X utilização do software


Conteúdo x Utilização do softw are

Todos os
9% 5% conteúdos
Geometria

86% Não respondeu

Observemos, nas respostas obtidas, que 9% dos pesquisados, ao respon-


derem que em todos os conteúdos os softwares podem ser utilizados, não devem
estar instruídos face aos cuidados que um software necessita para ser manuseado.
Não é necessário apenas que o professor acompanhe seus alunos ao laboratório
e os apresente ao software, reproduzindo, de modo sistemático e repetitivo com
exercícios, o conteúdo que havia sido trabalhado anteriormente em sala de
aula. Vai além das necessidades cognitivas do saber transferir. Deve-se saber
integrar o aluno ao novo e instruir a construção da atividade ora proposta.
É preciso incentivo para que os alunos possam relacionar os conceitos aos
objetivos buscados em cada exercício. Para isso, é necessário que, nas escolas
que possuem um professor responsável pelo laboratório, o professor da sala de
aula, ao planejar levar seus alunos a esse novo ambiente, organize seu projeto
juntamente com o professor ou responsável pelo laboratório.
Professores de Matemática e as Novas Tecnologias: medo e sedução 51

Isso deve ocorrer, pois, conhecendo a euforia dos alunos frente às


máquinas, acabam por não ter curiosidade sobre o porquê de o professor tê-los
levado até lá, mas, sim, pelo interesse em utilizar o computador para jogar, para
acessar chats, orkut, etc., desempenhando algo mais interessante a eles do que
a continuidade do conteúdo iniciado em sala de aula.
Em decorrência disso, elaboramos ainda a seguinte questão aos profes-
sores: -- Você discute com o professor do laboratório quais as atividades que
serão desenvolvidas com os alunos? Comente como acontece essa interação.

Gráfico 10: Diálogo com professor do laboratório


Diálogo com professor do laboratório

5%
16%
Sim, sem justif icativa
Não, sem justif icativa
Não respondeu
79%

Note que é inusitado o fato de que há ainda, dentro da escola, falta de


diálogo entre os professores frente à elaboração e à execução de projetos que
possam desenvolver a capacidade de integrar o aluno às inovações tecnológicas
emergentes e necessárias ao lançá-los na sociedade.
Todavia, o professor de Matemática, ao levar seus alunos ao laboratório
de informática, acaba por desenvolver um projeto único trabalhando apenas
um conteúdo específico. Na tabela abaixo podemos constatar que as atividades
propostas se voltam ao ensino da Geometria. Entretanto, desenvolve-se ainda
como metodologia do uso da informatização, a internet como fonte de buscas
de pesquisas acerca da História da Matemática, por exemplo, geralmente
introduzida antes de cada capítulo pelos livros didáticos. Incontestavelmente,
o percentual de outras atividades realizadas pelo professor com os alunos, não
estando associada a um conteúdo específico, se dá pelo fato de algumas escolas
desenvolverem projetos focando a interdisciplinaridade.
52 I. Purificação, t. g. nEVES e G. S. BRITO

Gráfico 11: Atividades X Alunos


Atividades x Alunos
Atividades
relacionadas à
Geometria
Resolução de 7%
9%
Exercícios
16%
Outros
68%

Não respondeu

Precisamos agora verificar se os professores utilizam outros recursos


alternativos nas atividades com os alunos em sua didática de ensino. Obser-
vemos o gráfico abaixo.

Gráfico 12: Recursos alternativos nas atividades


Recursos alternativos nas atividades
Livro didático

Livro didático, Paradidático

Livro didático, Paradidático, Material


próprio
Livro didático, Paradidático, Material
16% 12%
próprio, Internet
Livro didático, Material próprio
9%
2%
Livro didático, Material próprio,
9% Internet
Livro didático, Material próprio,
2% 19% Outros
Livro didático, Outros
5%
Livro didático, Paradidático, Material
2%
2% 22% próprio, Outros
Todos os citados anteriormente

Não respondeu
Professores de Matemática e as Novas Tecnologias: medo e sedução 53

Vale ressaltar que o livro didático, o paradidático, o material próprio, a


internet, dentre outros, fazem parte da rotina da didática escolar, e a soma de
todos esses recursos deveriam resultar na ação colaboradora de implantação de
projetos que renovem o sistema educacional.
Uma questão interessante, que aqui apresentamos, é em relação ao
tempo de uso da informática com os alunos. O que a estatística nos apresenta
é que, com a implementação dos computadores nas escolas por volta de quatro
anos atrás, temos ainda um percentual muito baixo de uso da informática pelos
profissionais da educação. Ocorre que muitas escolas dependem de orientações
e de aprovações advindas dos órgãos competentes, e elas, por sua vez, não
possuindo autorização, ficam com seus laboratórios lacrados.

Gráfico 13: Tempo de uso da informática


Tem po de uso da Inform ática

7% 2%
2 anos
3 anos
não utiliza
91%

Outro fato é o que abordamos no transcorrer do texto, ou seja, a falta


de formação continuada do educador. Sempre vale lembrar que a sociedade está
passando por modificações e qualquer profissional deve estar apto à aceitação
dessas modificações e acolher de maneira a seduzir-se pelo novo, buscando a
conquista de um modelo didático ideal aos padrões educacionais.
54 I. Purificação, t. g. nEVES e G. S. BRITO

Considerações Finais

Sabemos que o medo e a sedução diante da inovação estão entre-


laçados em ações educacionais com o uso das tecnologias e apresentam-se
nas situações anteriormente citadas. Isso é esclarecido por Japiassu (2001,
p. 141) ao expressar que “[...] vivemos uma época de inquietude, na qual, a
crise econômica, a desestabilização das sociedades tradicionais e as rápidas
mudanças tecnológicas produzem medo e angústia diante do futuro”. O
processo de aprender é complexo, mas, se tivermos, enquanto educadores,
motivação, que é interna, e nos dispusermos a criar incentivos, circunstâncias
que levem no mínimo a uma dialogicidade, a uma reflexão, poderemos chegar
a mudanças, talvez não na sua totalidade desejada, mas, com certeza, a um
ponto que naturalmente leve o ser o de buscar sempre a aprendizagem a longo
da vida.
Instiga-nos a motivação a estar comprometido com ações educacionais,
tecidas nas inquietações apontadas anteriormente, com o intuito de sempre
aprender mais e transformar a prática pedagógica e assim indagar: quais são
os objetivos educacionais possíveis de serem atingidos com o uso dos recursos
tecnológicos no ensino-aprendizagem da matemática. Cabe perguntar: -- Que
inovações curriculares, metodológicas e formas de avaliação esses recursos
acarretam?
Acreditamos que investigar, pensar, refletir, analisar, discutir repre-
sentam o grande desafio que se apresenta aos educadores matemáticos do
novo século, pois a educação é aquela que deve proporcionar a formação para
a cooperação, para a relação harmoniosa entre os seres que habitam o nosso
planeta, em que não cabem mais arbitrariedades de opiniões, nem a linearidade
de pensamento, nem um único caminho a ser trilhado, nem a competição
exacerbada. Recorrer a uma nova forma de integrar e interagir as tecnologias
as relações humanas, buscando a formação de um sujeito para um mundo
em transformação, no mínimo é possibilitar a visão de um mundo em que as
informações chegam sobre diferentes óticas, e cabe ao insubstituível professor
a análise junto com seu aluno de um descortinar de “verdades”.
A partir do exposto acima, fica-nos faltando ainda uma segunda parte
desta investigação: f) entrevista com esses professores; g) observação da prática
desses professores com o uso da informática; h) discussão sobre a prática com
Professores de Matemática e as Novas Tecnologias: medo e sedução 55

os professores, mas já podemos constatar, com essa primeira etapa da pesquisa,


que o medo e a sedução se fazem presentes pela inovação por parte dos profes-
sores de matemática em todos os níveis de ação educativa.
Nessa vertente, constatamos também que a maioria dos professores
pesquisado apresentou um discurso progressista para a informática na
educação. O mesmo progresso, porém, não acontece na prática pedagógica.
Isso já foi constatado em pesquisa reaizada anteriormente por Purificação e
Vermelho (2000), o que vem confirmar a necessidade de pesquisas a respeito
da formação de professores de matemática mediada pelas novas tecnologias
da informação e da comunicação, para analisar onde nasce tal discrepância e
planejar os cursos de formação continuada para os professores de matemática
que já estão na escola.

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pp 59-84
Copyleft 2010 by Willian Beline e Nielce Meneguelo Lobo da Costa (Orgs)
Editora da FECILCAM | Campo Mourão - PR | http:// www.fecilcam.br/editora

Capítulo 2

A FORMAÇÃO DE PROFESSORES NOS CURSOS DE


LICENCIATURA E A TECNOLOGIA:
ALGUMAS REFLEXÕES1

Carlos Alves Rocha2


Pedagogia e NUPPEI/UTP

Resumo

O objetivo deste texto é trazer à formação de professores uma discussão que possa
apresentar subsídios para a disciplina que lida com a tecnologia ou para as atividades
em que ela está envolvida nos cursos de licenciatura. Faz parte de uma reflexão feita
durante pesquisa que tem como foco a formação de professores mediada pela tecnologia.
Essa reflexão tem oportunizado encontrar uma diversidade de elementos que estão
presentes na relação da tecnologia com a sociedade, que intervêm e interferem nas
ações educacionais. A pesquisa tem apresentado subsídios para perceber que o desen-
volvimento tecnológico tem forte participação na sociedade, interferindo em todas as
atividades profissionais no que diz respeito às ecologias ambiental, social, da subjetivi-
dade humana (mental) e cognitiva. Essa percepção se faz necessária para a organização
do trabalho pedagógico no que diz respeito à educação e ao conhecimento.

Palavras-chave: Formação. Conhecimento. Ecologia. Educação e tecnologia.

1
  As ideias deste texto foram apresentadas numa comunicação oral no VIII Peda-
gogia em Debate e III Colóquio Nacional de Formação de Professores, realizado
pela Universidade Tuiuti do Paraná (UTP), de 3 a 5 de setembro de 2008.
2
  E-mail: rocha_karlo@yahoo.com.br ou carlos.rocha@utp.br
60 C. A. ROCHA

1. Introdução

As atividades de formação de professores nos cursos de licenciatura


estão expostas às mais variadas interações com sistemas sociais, políticos e
econômicos, recebendo deles algumas intervenções que se refletem em muitas
ações dos cursos. A percepção dessas intervenções na formação se torna um
elemento de importante atenção para um curso de licenciatura. Isto ocorre,
tendo em vista as interferências observadas nos currículos dos cursos, nos
conteúdos das disciplinas, na definição dos pressupostos pedagógicos, etc.,
sendo a formação de professores afetada e influenciada pelas ocorrências
sociais, políticas e econômicas.
As transformações científicas e tecnológicas do último século têm
exigido adaptações e modificações em várias atividades e setores produtivos,
trazendo aos profissionais que lidam com a formação de outros um olhar dife-
rente ao que vinha sendo feito em relação a isso. Isso se deu, principalmente,
pelo advento de novas técnicas, de novas profissões e de interesses que devem
ser considerados no ato formativo.
Essa intervenção que os novos tempos apresentam advinda do desen-
volvimento da tecnologia não é de hoje e nem ocorre por acaso. Silva Filho
(2001) chama a atenção para o que era ofertado no passado pelos educadores
e as necessidades da demanda dos empresários, dizendo que havia conflitos
entre essas duas realidades. Explicando melhor esse argumento, diz ele:

A escola única com qualidade igual para todos não era necessária,
pois na primeira etapa do processo de industrialização foi possível
a países como o nosso estabelecer um parque industrial razoável
contando com uma base estreita de mão-de-obra qualificada,
somada a um contingente enorme de trabalhadores pouco educados
e mal preparados para enfrentar desafios mais complexos. (SILVA
FILHO, 2001, p. 87).

Hoje, continua Silva Filho, é outra a realidade que encontramos.


Para ele, as altas tecnologias de produção e informação predominam, fazendo
com que os países se preocupem com o seu sistema educacional, se quiserem
ser competitivos no mercado internacional. O esforço que é feito por esses
países é para atingir a totalidade de sua população com um ensino de boa
A Formação de Professores nos Cursos de Licenciatura e a Tecnologia 61

qualidade, que tenha repercussão no mercado. Desta forma, cita ele, “[...] na
maioria dos países europeus, foi preciso um século para que se atingisse essa
performance, no Japão 70, na Coréia e Taiwan menos de 30 e em Cingapura
menos de 20” (SILVA FILHO, 2001, p. 87).
Dessa forma, percebemos que a educação sofre, ao longo do tempo,
interferências do contexto sociopolítico e econômico. A história das reformas
educacionais brasileiras tem mostrado isso, pois, estudando as motivações que
levaram às definições das Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
desde os anos 60 do século XX, encontramos interesses diferentes do que
somente aqueles que visam melhorar o ensino para que todos tenham acesso.
Os interesses são outros e todos apontam para o mercado ou para aqueles
ligados à economia e ao capital. Uma investigação na educação, para identificar
o eixo principal em torno do qual acontecem as ações educativas, mostrará as
inter-relações e as interferências que os interesses econômicos e capitalistas,
por intermédio do trabalho e da tecnologia, têm no ambiente educacional.
Chamando ainda a atenção sobre a interferência do contexto
na educação, Silva Filho aborda a necessidade de o indivíduo saber ler e se
expressar, interpretar a realidade, lidar com conceitos científicos e matemá-
ticos, trabalhar em grupo, resolver problemas complexos, entender e usar a
tecnologia, se quiser se integrar ao contexto da época e à atividade econômica
(SILVA FILHO, 2001).
Isso pode ser considerado como pressão que o indivíduo sofre vinda
do contexto social e econômico, fazendo com que ele busque na educação
saída para se firmar no mercado. A educação, diante dessa demanda, tem que
ter um currículo que atenda às necessidades apontadas por Silva Filho. Nesse
sentido, muitas atividades foram feitas, mas temos percebido que as soluções
que a educação buscou foram, na sua grande maioria, influenciadas pelas
intenções dos interesses momentâneos do capital, reforçadas pelo advento das
necessidades que os avanços científicos e tecnológicos geraram para a socie-
dade, que, na grande maioria, é consumista, individualista e preocupada mais
em manter o status quo que lhe garante a sobrevivência.
Dessa forma, as ações de formação de professores são ditadas por
essa demanda do contexto, que interfere na ação educacional. O que não pode
ocorrer é que essa interferência aconteça em detrimento da integridade do
ser humano em seus aspectos ambientais, sociais, mentais e políticos, porque,
62 C. A. ROCHA

se isso acontecer, poderá trazer prejuízos às pessoas, apresentando elementos


motivadores e fortalecedores da exclusão social de muitos. As instituições que
estão a serviço dessa pressão que vem do capital internacional globalizado
tendem a desenvolver ações e produtos que cada vez mais alijam os pobres
e os miseráveis do processo de aquisição de uma educação que seja capaz de
torná-los cidadãos críticos e participativos de todas as riquezas de um povo.
Ressalto aqui a influência do conservadorismo neoliberal, que dita as
normas de convivência das ações sociais, inclusive aquelas que dizem respeito
à educação. Nesse sentido, é perfeitamente perceptível essa influência nas
atitudes, nos gestos e nas ações dos formadores de professores, embora muitos
contestem e digam que não estão agindo em conformidade com os pressu-
postos do capitalismo. Este é competente nos meios e nas pessoas, fazendo
com que não enxerguem o que não é aparente, dando a impressão de que essa
exploração capitalista já é passado. Nesse sentido, Frigotto (2005) aponta para
o fato de a globalização do capitalismo atual significar historicamente um uso
abusivo de processos de exploração, de alienação, de exclusão e de violência,
com uma “[...] produção de desertos econômicos e humanos, os conceitos
de pós-industrial, pós-classista, pós-moderno, sociedade do conhecimento,
surgimento do cognitariado, dão a entender que a estrutura de exploração
capitalista foi superada, sem que se tenham superado as relações capitalistas”
(FRIGOTTO, 2005, p. 81).
Esse argumento nos faz compreender que as relações capitalistas
continuam muito fortes e presentes com suas influências, embora uma série de
novos conceitos tenha sido veiculada na sociedade dando uma falsa impressão
da superação da interferência do capital na vida de todos. A globalização
do capital, ao atravessar fronteiras sob o comando de determinadas nações
ou instituições e tratados internacionais, tem exacerbado os processos de
exploração e de alienação de povos e de nações, aumentando cada vez mais o
contingente dos excluídos das benesses do capital e da renda nacional que, de
direito, lhes pertence.
Há uma intencionalidade que emana dos interesses do capital
internacional e que fortalece a exclusão. Um exemplo disso está no seguinte
fato. Em um seminário sobre trabalho e educação em 1992, Nassim Mehedff,
então Chefe de Assessoria de Planejamento Estratégico Nacional do Senai e
Vice-Presidente para a América do Sul da “International Vocational Education
A Formação de Professores nos Cursos de Licenciatura e a Tecnologia 63

and Trainning Association”3, comentou sobre sua experiência como técnico do


BID, explanando sobre uma discussão que teve lá para análise de um projeto
de melhoramento da USP. Nessa discussão, um dos diretores, representante
dos Estados Unidos, manifestou-se contra o pedido alegando que “[...] consi-
derava que as ajudas internacionais ao Brasil e à América Latina não deveriam
ultrapassar, de nenhuma forma, o ensino básico. Esta deveria ser a prioridade
fundamental” (MEHEDFF, 2001, p. 143). Continuando, o autor diz que os
presentes perguntavam entre si porque priorizar o ensino básico e excluir os
demais, quando a resposta que surgiu foi a seguinte: “[...] existe um nível de
mercado internacional, estabelecido [...] de tal forma que a determinados
grupos de países cabe, para sua realização democrática, um determinado nível
de escolaridade da população” (MEHEDFF, 2001, p. 144).
Esse argumento, embora tenha sido inicialmente elaborado em 1992,
estava sendo publicado e disseminado no início deste novo século (2001).
Nele percebemos, claramente, as intenções do capital em relação à educação
e que está muito presente o interesse em ditar as normas para que ela organize
as suas atividades. Esse ideal fica muito visível quando as instituições que
estão a serviço dos interesses capitalistas apresentam, com as mais variadas
sutilezas, determinados elementos e produções para o consumo de muitos. Isso
ocorre com a tecnologia, principalmente aquela que lida com a informação e
a comunicação.
Essa é uma discussão importante na formação de professores, para
estimular um debate que faça com que os futuros professores possam perceber
e compreender as relações das tecnologias com os interesses que as dinamizam.
Isso se faz necessário para que não sejam meros reprodutores de suas ideias,
mas possam desenvolver um senso crítico comprometido com os valores éticos,
morais e políticos que formam um povo, com responsabilidades na justa e equâ-
nime partilha dos bens coletivos e sociais. Nesse sentido, é muito importante
que as discussões levem a temas como a exclusão digital e social, as causas e as
consequências desses fenômenos, tentando entender as razões que muitos têm
para se preocuparem com tal assunto hoje em dia.
Muitas dessas preocupações são feitas em nome de uma responsabi-

3
  Nota do autor: Esses dados sobre Nassim Mehedff encontram-se na 7ª edição do
livro (2001) em que está inserido o artigo, cuja 1ª edição é de 1994.
64 C. A. ROCHA

lidade social, apregoada como uma das finalidades essenciais de uma empresa,
principalmente se ela quiser obter algumas benesses do mercado e dos órgãos
financeiros, governamentais e outros. Muitas pessoas e instituições estão
criando e incentivando atividades de inclusão, com leis, projetos e programas
que se preocupam com aqueles que são excluídos, principalmente por causa
de sua deficiência ou falta de escolaridade. Essas ações ocorrem não porque
querem fazer o bem, mas para lhes garantir uma visibilidade que lhes dê vida
ativa no mercado, garantindo-lhes o lucro. É claro que, nesse meio, há ações
sérias e comprometidas verdadeiramente com a inclusão dos excluídos de
qualquer ação social. Por isso que, nas atividades formativas de professores, é
importante ocorrerem ações de estudos e pesquisas com o intuito de possibilitar
aos profissionais da educação o desenvolvimento de um senso crítico, de tal
forma que possa distinguir uma coisa da outra.
Para esse fim, que fique claro, inicialmente, que a tecnologia não é
neutra, descomprometida, mas está também a serviço do consumismo desen-
freado, dos interesses camuflados de progresso, dos lucros a qualquer preço,
da promoção de poucos em detrimento de muitos. Essa tecnologia, quando se
trata da informação e da comunicação, também está recheada de interesses,
que devem ser desvelados, revelados e revestidos, na educação, quando esta
a utiliza, dos valores éticos e morais que garantam ao indivíduo se perceber
coletivo e com responsabilidades no grupo a que pertence.
Por isso este artigo tem o objetivo de apresentar subsídios para que
a ação de formação de professores, tanto inicial como continuada, tenha uma
preocupação em compreender e perceber a responsabilidade das tecnologias
no complexo das relações do ser humano com o ambiente circundante. Da
mesma forma, a relação dele com a sua própria subjetividade e com os outros
socialmente, no intuito de discutir e procurar saídas para a inclusão social
de todos, em tudo aquilo que um cidadão deve possuir para sua integridade
individual, social e política.

2. Tecnologia e suas Relações

Para melhor compreender, é importante que conheçamos o conceito


de tecnologia. A etimologia da palavra é originária do grego technología, que é a
junção de téchne (arte) mais lógos (tratado) (CUNHA, 1982). Trata-se de todo
A Formação de Professores nos Cursos de Licenciatura e a Tecnologia 65

o conhecimento a respeito de uma arte ou ofício. Encontramos uma explicação


mais detalhada em Corrêa, que diz:

Tecnologia pode ser definida, genericamente, como um conjunto de


conhecimentos e informações organizados, provenientes de fontes
diversas como descobertas científicas e invenções, obtidos através
de diferentes métodos e utilizados na produção de bens e serviços.
Na sociedade capitalista, tecnologia caracteriza-se por ser um tipo
específico de conhecimento com propriedades que o tornam apto
a, uma vez aplicado ao capital, imprimir determinado ritmo à sua
valorização. (CORRÊA, 1997, p. 250).

Tomando esses argumentos, podemos entender que a tecnologia é


uma palavra que, em si, agrega uma interdisciplinaridade. Ela se apresenta
como um complexo de conhecimentos e de informações das mais variadas
ciências e disciplinas que se interconectam para gerar um produto, desenvolvê-
lo e dinamizá-lo, dando-lhe uma peculiaridade. Muitas vezes chamamos de
tecnologia as máquinas, os equipamentos ou determinados produtos que têm
uma técnica sofisticada, reduzindo o termo a um objeto e, muitas vezes, esque-
cendo que ele é um complexo de vários conceitos.
Tajra apresenta a tecnologia como todo o conjunto de conhecimentos
e de informações que geraram, ou geram, qualquer tipo de produto, seja ele
um bem ou um serviço, ou tenha uma técnica simples ou bastante complexa
(TAJRA, 2002).
Esses conceitos apresentados são complementares e os tomamos
como base para dinamizar esta discussão. Por essa razão, quando se trata de
tecnologia na educação, a preocupação dos formadores não deve ser somente
com a tecnologia digital e eletrônica, ou seja, somente o que diz respeito ao
computador, como costumeiramente encontramos nos cursos de licenciatura.
Também é importante dar atenção a tudo o que envolve a tecnologia da mídia
imagética ou visual, da sonora, da escrita, da gestual e simbólica em todos
os sentidos. Por isso que não devemos descartar discussões e atividades que
envolvam o rádio, a televisão, o cinema e o vídeo, o teatro, o jornal, a pintura
e a arte em geral, a música e o som em suas nuances. Isso deve ser objeto
de atenção sempre com o enfoque de entender as relações dessas tecnologias
com a educação, suas influências e interferências, fazendo com que elas sejam
66 C. A. ROCHA

instrumentos para dinamizar o processo de ensino e aprendizagem. Mesmo que


elas não tenham sido criadas com um fim formativo, mas, à revelia dos meios
educacionais, elas têm uma importante participação na educação de muitos.
O exposto anteriormente mostra que a tecnologia está diretamente
relacionada com o conhecimento, principalmente com aquele que é construído
e transmitido na escola. As ações pedagógicas do processo ensino-aprendi-
zagem são constantemente mediadas pela tecnologia, quaisquer que sejam
elas. Encontram-se tanto aquelas tradicionais como os livros, os cadernos, o
giz, o quadro, como as chamadas novas tecnologias, como o computador e a
internet, que passaram a fazer parte da vida escolar.
Esse relacionamento entre tecnologia e conhecimento é muito
presente e visível, pois um vai buscar no outro o que precisa para ser cons-
truído ou para armazenar e perpetuar a sua constituição ou produção. Para
tanto, há a intermediação da educação, que lhes dá os instrumentos e é o meio
para o desenvolvimento cognitivo, social e cultural dos indivíduos que irão
continuar gerando e dinamizando tanto o conhecimento como a tecnologia.
“É a educação que inspira a tecnologia para a aventura de criar, inventar e
projetar nossos bens fugindo aos riscos de facilmente comprá-los. Educação e
tecnologia juntas para construir o mundo real sem as visões maravilhosas de
um futuro tecnológico utópico e sem problemas” (BASTOS, 1997, p. 7). Essa
ligação da educação com a tecnologia mostra, portanto, visivelmente, que essa
última, por intermediação da primeira, tem um perceptível laço com o saber,
com o conhecimento.
Advogo uma amplitude maior para a participação da tecnologia
na educação, pois, muitas vezes, são deixados de lado determinados tipos e é
assumida apenas uma tecnologia de informação e comunicação, como é o caso
do computador. Isso se dá apenas, muitas vezes, naquilo que o computador tem
de possibilidades para instrumentalizar o indivíduo no seu mister profissional,
esquecendo-se de mostrar o sistema relacional dele com as outras tecnologias,
saberes, culturas e interesses. Igualmente, devemos apresentar aquilo que
historicamente foi construído e que as tecnologias em uso têm de revelado
ou camuflado e que atinge os indivíduos. Fazendo assim, a intenção é tirar a
passividade dos envolvidos em uma formação de professores diante daquilo
que as tecnologias constroem e apresentam como verdade de uma forma unidi-
recional. É o que muitas vezes vemos nos meios formados por tecnologias de
A Formação de Professores nos Cursos de Licenciatura e a Tecnologia 67

informação e comunicação, que apresentam suas ideias em produtos impressos,


visuais ou outros e são absorvidos sem nenhum tratamento educacional e
são tidos como verdades. Por esta razão devemos possibilitar, pelo menos na
educação e na formação de professores, uma interação dos envolvidos através
de práticas criativas e comprometidas com o bem comum, de forma que o
indivíduo desenvolva uma crítica que faça com que ele busque uma interação
maior com essas tecnologias fora do ambiente escolar.
Outra questão a ser discutida na relação da tecnologia com a
educação é a que diz respeito aos impactos dela na sociedade e na vida das
pessoas. De acordo com Citelli (2000), há um acelerado desenvolvimento
tecnológico que tem trazido alterações nas formas de aprender e sentir o
mundo circundante. Isso tem acarretado muitas mudanças e ingerências nas
mais variadas instituições, fazendo com que elas reajam a essas novas formas
de produzir e fazer circular as informações. O mercado financeiro não fica
indiferente às oscilações dos índices que circulam no mercado apresentados
pela telemática, diariamente. A Igreja não fica quieta diante do que a mídia
veicula com relação à moral e aos costumes. Os políticos reagem às notícias
sobre as suas ações em cargos executivos ou legislativos culpando a imprensa
como difamadora de seus atos e tentam manipulá-la ou impedi-la de atuar. E
a escola, como reage?
Responde Citelli: “Talvez o termo descompasso seja o mais adequado
para designar a situação presente vivida pelas escolas dos ciclos fundamental e
médio diante dos meios de comunicação e das novas tecnologias” (CITELLI,
2000, p. 21). Acrescento a isso o que ocorre no ensino superior, pois há um
“desencontro entre o discurso didático-pedagógico estrito e as linguagens insti-
tucionalmente não-escolares” (CITELLI, 2000, p. 21). Isso ocorre em todos os
níveis de ensino, considerando-se como “linguagens institucionalmente não-
escolares” o que chega à escola pelos mais variados meios de comunicação,
como a publicidade, as músicas, os programas de televisão, de rádio, os jogos,
a internet, etc.
Citelli chama ainda a atenção para o discurso pedagógico, que se
ocupa apenas com as ações da sala de aula, dizendo que esta é a única natureza
da retórica escolar. Acrescenta ele que as outras linguagens pressionam por
fora dessa natureza e chegam à escola pela fala dos alunos e pelas conversas dos
professores, circulando nas salas de aula e nas reuniões, nos pátios e em outras
68 C. A. ROCHA

dependências, tendo uma existência subterrânea (CITELLI, 2000).


Isso ocorre na educação em geral, que parece ignorar tudo isso,
ou porque quer, ou por desconhecer o alcance dessas linguagens na vida das
pessoas. Isso acontece principalmente quando leva informações para mediar
os processos educativos formais e não formais, mostrando desconhecer que
também há outros agentes, além da escola, que transmitem informação e
conhecimento.
Essas linguagens vindas de fora podem ser excelentes instrumentos
de mediação pedagógica, bastando para isso que a educação e os seus agentes
passem a conhecer e usar os recursos que as tecnologias oferecem. Isso precisa
ser feito não permitindo que elas sejam o centro da ação, nem que perma-
neçam na educação desvinculadas do processo educacional, mas que sejam
partícipes de muitas relações conscientes, responsáveis e consequentes. Para
isso, é necessário que haja uma interlocução constante entre as várias tecno-
logias e a educação, de forma que cada interlocutor desempenhe o seu papel,
com o fim de dinamizar o processo de ensino e aprendizagem, de atualizá-lo
e de contextualizá-lo socialmente, mostrando que a educação está a par e é
participante das ações dinâmicas e transformadoras da sociedade.
Por isso é importante saber que,

Mídia e escola são dois espaços públicos, instâncias de socialização


e de aprendizado social. Ambas exigem ritualização, produzindo
efeitos a curto, médio e longo prazos. Fornecem informação imediata
e de uso imediato e constroem um universo simbólico estruturado
por referenciais de apreciação da realidade. Ambas impõem regras
de comportamento social e regras de classificação do mundo social.
(BARROS FILHO, 1999, p. 26)

No argumento acima, a mídia referida é uma tecnologia de infor-


mação e comunicação. Entre ela e a escola é importante estabelecer o que
pertence a uma e o que pertence à outra e descobrir as inter-relações. Isso é
uma tarefa de que a escola não pode prescindir, pois poderá estar perdendo
uma excelente oportunidade de integração e de atualização da educação junto
aos meios de comunicação e informação, ao deixar de lado e não considerar
tais relações. Nesse sentido, deve buscar recursos metodológicos que possam
A Formação de Professores nos Cursos de Licenciatura e a Tecnologia 69

adequadamente permitir que a mídia, em todas as suas variações, seja também


um instrumento educacional eficiente.
Uma importante influência midiática na sociedade e, por conse-
guinte, na educação, é o que nos meios de comunicação é chamado de agenda
setting. “É a hipótese segundo a qual a agenda temática dos meios de comu-
nicação impõe os temas de discussão social. Em outras palavras: as pessoas,
nas suas comunicações interpessoais, discutem prioritariamente sobre os temas
abordados pelos meios de comunicação” (BARROS FILHO, 1999, p. 10).
Isso que ocorre na mídia, isso a escola tem que saber e perceber o
alcance dessa influência tanto positiva como negativamente no âmbito da
educação. Isso poderá levar à verificação de que “[...] cada receptor, antes
de comentar o que viu, ouviu ou leu, marca o produto da mídia com a sua
subjetividade. Torna-se um co-autor. Portanto, a incidência da recepção de
cada um na agenda do grupo social é evidente” (BARROS FILHO, 1999, p.
11). Dessa forma, há uma quantidade de situações que podem enriquecer o
processo ensino-aprendizagem, quando utilizamos alguns momentos de grandes
e polêmicos temas veiculados e difundidos pela mídia. Isso é muito importante
para entender as mais variadas relações que permeiam a sociedade, o jogo de
poder implícito nos argumentos das pessoas e instituições em destaque e os
consequentes desdobramentos que irão repercutir nas ações escolares.
Barros Filho nos apresenta ainda o seguinte:

A hipótese do agenda setting, por impor os temas a serem tratados


pelo público, tem desdobramentos. “Estabelece prioridades, hierar-
quiza os acontecimentos, legitima e ordena os temas de discussão”.
A constatação empírica desse fenômeno é bastante simples. Basta
ouvir as conversas pela manhã, nos botecos, nos locais de trabalho,
nas padarias, nas salas de espera, nos salões de beleza, nas escolas, etc.
Aliás, é bastante lógico que as pessoas não tenham opinião formada
sobre um número muito grande de assuntos. A especialização
crescente colabora para isto. A mídia e, em particular, a televisão
lhes fornece esta opinião de maneira clara, simples, fácil de digerir e
simples de regurgitar. (BARROS FILHO, 1999, p. 12)

Em relação a isso, a escola pode muito bem interferir, quando dire-


ciona a discussão para desvelar os interesses que há por trás dos temas em
70 C. A. ROCHA

discussão, bem como fazer com que os envolvidos no processo educacional


possam perceber a dinâmica do conhecimento que a inteligência coletiva
gera, numa constante evolução ou involução dos saberes sistematizados e
socializados.
Logo, educação e tecnologias da informação e da comunicação têm
muito o que contribuir uma com a outra, sendo isso o que foi exposto até aqui
apenas uma mostra que justifica a inter-relação entre ambas.

3. Tecnologia, Conhecimento e Educação

Trazer para este momento uma discussão sobre ecologia parece


um desatino. O que ocorre é que a maioria das pessoas só entende ecologia
quando se refere às relações que ocorrem no ambiente quando estão envol-
vidos aspectos da natureza em relação aos desequilíbrios biológicos, físicos ou
biosféricos. Esse é um tipo de ecologia, a ambiental ou biosférica, mas o que se
quer discutir é também em relação a outros dois registros ecológicos: o social e
o da subjetividade humana ou mental.
Entendendo ecologia como o estudo das relações que os organismos
têm com o ambiente, quer seja ele biosférico, social ou mental, é importante,
nesta discussão, perceber as várias relações que ocorrem na vida humana e a
repercussão que isso tem na educação.
Guatari (2004), em seu livro “As Três Ecologias”, traz uma discussão
sobre o desenvolvimento tecnológico e sua ingerência na vida de todos,
salientando os desequilíbrios e as catástrofes que têm trazido muito prejuízo
a todos. Para um desenvolvimento equilibrado, ele advoga uma articulação
ético-política, que ele chama de ecosofia, entre as ecologias ambientais, sociais
e da subjetividade humana.
Trazendo essa discussão para a educação é possível entender o que
isso significa, uma vez que, no espaço educacional, há as condições necessárias
para uma análise criteriosa. Como condições, podemos citar: a aborgadem
histórica de alguns conteúdos curriculares, a contextualização de temas em
algumas disciplinas, a fundamentação filosófica, política, social, científica e
econômica de alguns assuntos, principalmente no seio dos cursos de formação
de professores de qualquer natureza. Isso abre um leque de possibilidades
A Formação de Professores nos Cursos de Licenciatura e a Tecnologia 71

para penetrar nos meandros das relações que envolvem a sociedade. Com os
recursos metodológicos que a educação sabe trabalhar é possível conhecer
essas possibilidades, pois há disciplinas no contexto escolar que buscam
compreender os conceitos que envolvem todas as relações humanas, desde
os planos biológico, físico, biosférico, até aqueles voltados para a sociologia,
a antropologia, a psicologia e outras que se interconectam, possibilitando
adentrar no conhecimento das relações sociais e mentais. Esse ferramental
a educação tem e pode muito bem fazer essa articulação ético-política que
Guatari apresenta, através de uma inter- e transdisciplinaridade que envolve
compromissos, responsabilidades, consequências, principalmente nos aspectos
que dizem respeito à vida saudável da coletividade e dos indivíduos.
Contribui para esse discurso o que diz Pierre Lévy, quando discute
sobre o desenvolvimento da inteligência. “A inteligência ou a cognição são
o resultado de redes complexas onde interage um grande número de atores
humanos, biológicos e técnicos” (LÉVY, 1993, p. 135). Conforme ele, não é
uma ação isolada, pessoal, mas há interação de muitos elementos que contri-
buem para esse desenvolvimento, não descartando uma grande e necessária
interferência individual. Diz ainda Lévy:

Não sou “eu” que sou inteligente, mas “eu” com o grupo humano
do qual sou membro, com minha língua, com toda uma herança
de métodos e tecnologias intelectuais (dentre as quais, o uso da
escrita). Para citar apenas três elementos entre milhares de outros,
sem o acesso às bibliotecas públicas, a prática em vários programas
bastante úteis e numerosas conversas com os amigos, aquele que
assina este texto não teria sido capaz de redigi-lo. Fora da coletivi-
dade, desprovido de tecnológicas intelectuais, “eu” não pensaria. O
pretenso sujeito inteligente nada mais é que um dos micro atores de
uma ecologia cognitiva que o engloba e restringe. (LÉVY, 1993, p.
135).

Esse argumento nos leva a perceber que, para o desenvolvimento da


inteligência, não se pode prescindir das relações com a coletividade, pois uma
pessoa não pode depender somente de seus atributos individuais. É necessária
uma constante interação entre os indivíduos entre si, e entre eles e os ambientes
que os circundam, com todas as técnicas envolvidas no processo de aquisição
72 C. A. ROCHA

do conhecimento. Isso é o que Lévy chama de ecologia cognitiva. Portanto, “a


ecologia cognitiva é o estudo das dimensões técnicas e coletivas da cognição”
(LÉVY, 1993, p. 137).
Em seu livro “O Paradigma Educacional Emergente” (1997), Maria
Cândida Moraes apresenta argumentos que mostram uma “era de relações”, na
qual a sociedade tão bem hoje se embrenha em seus meandros. As tecnologias
da informação e da comunicação trouxeram um verdadeiro labirinto de possi-
bilidades em relação ao qual muitos não estão sabendo como se relacionar com
ele. É papel da escola dar a essas pessoas instrumentos para que elas possam
compreender e interagir com o meio que as circunda, possibilitando uma
ecosofia4 que leve à formação integral do cidadão.
Já em seu livro “Pensamento Eco-Sistêmico: educação, aprendizagem
e cidadania no século XXI” (2004), a mesma autora traz à discussão a necessi-
dade de tomar consciência de que as relações fundamentais com a vida, com
a natureza, com o outro e com o cosmo dependem da maneira de conhecer,
de pensar, de aprender, ou seja, da maneira de ser, de viver/conviver de uma
pessoa. Moraes salienta sobre os problemas ecológicos em todos os sentidos,
relacionando com o desenvolvimento tecnológico e suas implicações e com
as questões relacionadas à cidadania planetária e ao aumento da violência e
pergunta: “Será que a tecnologia não poderia também estar a serviço da paz?
Será que desenvolvimento científico-tecnológico e paz são incompatíveis?”
(MORAES, 2004, p. 13).
Tentando responder a esse questionamento, a autora vai buscar na
Teoria Autopoiética (de Maturana e Varela), no Pensamento Sistêmico (de
Erwin Laszlo) e na Teoria da Complexidade (de Edgar Morin) respostas para
descobrir novos horizontes, buscar saídas e, principalmente, mostrar à escola
pistas para interagir com essa situação. Ela ainda questiona:

Como pensar a sociedade, o indivíduo e a natureza sem reconhecer


a complementaridade desses processos? Será possível continuar
pensando o que é inter-relacionado a partir de modelos que rompem
relações? Será possível pensar fenômenos complexos com teorias ou
princípios simplificadores e mutiladores da realidade? Como compre-

4
  Nota do autor: Ecosofia é um termo que foi explicado no terceiro parágrafo do
tópico 3 (Tecnologia, Conhecimento e Educação) deste capítulo.
A Formação de Professores nos Cursos de Licenciatura e a Tecnologia 73

ender a complexidade do real sem ter um pensamento complexo,


dialógico, inter e transdiciplinar? (MORAES, 2004, p.15).

Essa discussão tem que ir para o interior da educação em todos os


níveis, dentro das proporções que dizem respeito a cada um. Não se pode
abdicar dessa discussão e deixar que apenas os pesquisadores e estudiosos
lidem com essas questões. Vemos determinadas pessoas na sociedade e também
na educação com uma postura que demonstra desinteresse por esse tipo de
assunto. Essa postura, na educação, pode ajudar a perpetuar as desigualdades
e dificultar as grandes transformações sociais tão necessárias na sociedade para
possibilitar a inclusão social de todos os excluídos em tudo o que têm direito.
Em relação a tudo isso, observamos que na inclusão social há uma
teia de relações em torno de todos os envolvidos e por isso perguntamos: --
Por que não discutir e conhecer a complexidade do real referida por Moraes
na citação anterior, a partir da teoria da complexidade de Edgar Morin nas
atividades de formação de professores e buscar nela subsídios para entender e
conviver com essa teia de relações que circunda a todos? Para saber um pouco
sobre essa teoria, diz Morin:

O que é a complexidade? A um primeiro olhar, a complexidade é


um tecido (complexus: o que é tecido junto) de constituintes hetero-
gêneas inseparavelmente associadas: ela coloca o paradoxo do uno
e do múltiplo. Num segundo momento, a complexidade é efetiva-
mente o tecido de acontecimentos, ações, interações, retroações,
determinações, acasos, que constituem nosso mundo fenomênico.
Mas então a complexidade se apresenta com os traços inquietantes
do emaranhado, do inextricável, da desordem, da ambigüidade, da
incerteza... Por isso o conhecimento necessita ordenar os fenômenos
rechaçando a desordem, afastar o incerto, isto é, selecionar os
elementos da ordem e certeza, precisar, clarificar, distinguir, hierar-
quizar... Mas tais operações, necessárias à inteligibilidade, correm o
risco de provocar a cegueira, se elas eliminam os outros aspectos do
complexus; e efetivamente, como eu o indiquei, elas nos deixaram
cegos. (MORIN, 2005, p. 13).

Para entender melhor essa teoria e vivenciá-la conscientemente nas


74 C. A. ROCHA

atividades educacionais, é necessário um modelo de educação que possibilite


o desenvolvimento do ser humano na sua integralidade, formando e desenvol-
vendo valores necessários à cidadania. Esse modelo existe e sua complexidade
é formada de elementos presentes em muitas ações educacionais, faltando
apenas interconectá-los num colaborativo processo de construção social. É
Moraes que nos leva a refletir sobre isso, quando diz o que significa oferecer
uma educação ancorada em determinados valores. Diz ela:

Significa o oferecimento de uma educação voltada para a formação


integral do indivíduo, para o desenvolvimento da sua inteligência, do
seu pensamento, da sua consciência e do seu espírito, capacitando-
o para viver numa sociedade pluralista em permanente processo
de transformação. Isso implica, além das dimensões cognitiva e
instrumental, o trabalho, também, da intuição, da criatividade, da
responsabilidade social, juntamente com os componentes éticos,
afetivos, físicos e espirituais. Para tanto, a educação deverá oferecer
instrumentos e condições que ajudem o aluno a aprender a aprender,
a aprender a pensar, a conviver e a amar. Uma educação que o ajude
a formular hipóteses, construir caminhos, tomar decisões, tanto no
plano individual quanto no plano coletivo. (MORAES, 1997, p.
211).

Esse é um modelo que se considera condizente com a realidade


circundante e suficiente para ajudar o ser humano na sua vida de forma inte-
gral. Não ficar limitado apenas aos aspectos que dizem respeito à cognição, mas
estabelecer e identificar as relações envolvidas também nas ecologias sociais
e ambientais, em consonância com aquelas que envolvem a subjetividade
humana ou mental.
Toda essa discussão deve ocorrer na formação de professores e
culminar com um projeto ético-político que envolva todas as ecologias nesse
texto apresentadas, sob pena de a educação perder as oportunidades de inte-
ração e de participação consciente e responsável da vida da coletividade. É
um espaço que a educação deve ocupar e mostrar que nele pode interferir,
sem abrir mão da participação e da integração com as demais instâncias que
compõem a sociedade, quer no plano político-administrativo, quer no econô-
mico ou no social, enfim, em todas aquelas que compõem uma coletividade. A
A Formação de Professores nos Cursos de Licenciatura e a Tecnologia 75

educação sozinha não é a panaceia para resolver os problemas sociais criados


com a participação de todos. Dizer que a educação é a solução para os graves
problemas da sociedade sozinha é desconhecer ou escamotear as múltiplas
relações que envolvem uma coletividade, ou seja, as ecologias que permeiam a
vida humana em todos os sentidos.
Tudo isso envolve a participação do conhecimento e da tecnologia,
e nesses novos tempos de comunicação em rede alguns pesquisadores estão
apresentando um novo modelo de representação do conhecimento. Esse
conhecimento, até então, é apresentado pela imagem de uma árvore, pois
é tido “[...] como a imagem do pensamento e do conhecimento no mundo
ocidental, a forma clássica de reflexão a que até uma disciplina ‘avançada’
como a lingüística retém como imagem de base’” (KENSKI, 2006, p. 39).
Encontramos esse argumento no trabalho de Kenski (2006), quando
ela comenta sobre um outro de Deleuze e de Guatari (1995) sobre a imagem
utilizada para representar o pensamento e o conhecimento ocidental. Conti-
nuando o argumento acima para explicar a imagem da árvore, diz Kenski:

Segundo os autores, prevalece nesse tipo de pensamento a lógica


binária que predomina em múltiplas áreas do conhecimento, como
a psicanálise, o estruturalismo e até a informática. Ou seja, um
“tronco” simbolicamente se refere a um segmento específico do
saber e que se desdobra em ramos específicos, que em geral não se
relacionam e que se ligam exclusivamente com a idéia central (raiz e
tronco) do conhecimento. (KENSKI, 2006, p. 39).

Essa representação do conhecimento dominou o pensamento


ocidental, pois vemos várias ciências utilizando esse modelo para apresentar as
suas estruturas. Na continuidade de seus argumentos, Kenski apresenta mais
elementos para justificar o uso da árvore para essa representação, chegando
ao ponto de se referir ao momento atual do conhecimento humano. Ainda
baseando-se em Deleuze e em Guatari para apresentar um novo modelo de
representação, diz Kenski:

A proposta de Deleuze e Guatari para o atual estágio do conhecimento


humano, em que a difusão da multiplicidade de conhecimentos
intercambiáveis, oriundos das mais diversas áreas, prolifera por
76 C. A. ROCHA

meio das novas tecnologias de comunicação e sobretudo nas redes,


é a de compreensão da “imagem do mundo” em forma de rizoma.
(KENSKI, 2006, p. 41).

Como vimos, a comunicação em rede propicia ao mundo múlti-


plos conhecimentos que são trocados ao longo da rede, com possibilidades
de surgimento de novos conhecimentos oriundos daqueles que chegaram a
um determinado ponto e foram alterados. O rizoma é uma vegetação rasteira,
subterrânea, diferenciando-se dos outros tipos de caules e raízes, que se fixa
em alguns pontos por novas raízes que surgem e dão origem a novos caules,
nos quais a seiva é distribuída. Assim como o rizoma, a via que forma as redes
se conecta a alguns pontos, disseminando e processando o conhecimento ao
longo do caminho e recebendo novos que surgem em consequência. Nesse
sentido, diz Kenski: “[...] o conhecimento rizomático teria como caracterís-
ticas os princípios de conexão e de heterogeneidade” (2006, p. 41), o que
possibilita as mais variadas ocorrências, pois “[...] no rizoma conectam-se
cadeias semióticas, organizações de poder, ocorrências artísticas, científicas,
lutas sociais. Não existe um ponto central, escalas de importância ou tipologia
ideal” (KENSKI, 2006, p. 41).
Isso é um contraponto ao conhecimento arborescente, que se apre-
senta espacialmente articulado numa estrutura contínua, cujos desdobramentos
são estabelecidos hierarquicamente em campos específicos, todos ligados a um
eixo principal. Esse modelo, de árvore, não admite a multiplicidade de relações
que o novo, rizoma, permite.
Essa estruturação que representa o mundo hoje só foi possibilitada
pelo advento das novas tecnologias, que dinamizou as redes de informação
e de comunicação, com uma difusão rápida do conhecimento, que se altera
numa velocidade muito maior comparada à de outros tempos passados.
O conhecimento e a tecnologia convivem, portanto, em uma imbri-
cada teia de relações que os constroem, complementam e dinamizam. Não
há como deixar de lado essa convivência, pois o conhecimento, através das
várias ciências, tem o suporte para a construção da tecnologia, que, uma vez
desenvolvida, poderá possibilitar novas construções e desenvolvimento no
plano dos saberes científicos e tecnológicos. Muitas novas profissões, novas
condutas, alterações na ética e na moral, novos tipos de relacionamentos e
A Formação de Professores nos Cursos de Licenciatura e a Tecnologia 77

consequências têm surgido a cada dia, motivados por esses novos saberes. A
educação não pode ficar de fora disso, pois deve dar aos envolvidos no processo
educacional tudo o que for necessário para viver esses novos tempos.

4. Algumas Considerações

Todos esses argumentos apresentados anteriormente servem de


reflexão para revermos como a educação lida com a tecnologia e os seus
consequentes recursos, produções e influências. Advogo a necessidade de
revermos o conteúdo da disciplina, levando em consideração a abordagem
aqui apresentada.
O atual contexto que dinamiza um crescente desenvolvimento
científico e tecnológico é um ponto por demais importante e que não deve
ser deixado de lado nos currículos dos cursos de formação de professores das
instituições de ensino superior. Temos empiricamente observado, na grande
maioria das vezes, que apenas os profissionais que estão diretamente ligados a
essa temática é que defendem e advogam a permanência e a dinamização da
tecnologia como disciplina ou como temática de discussão nos cursos. Este é
um ponto que carece ainda de uma pesquisa que comprove ou refute o que a
experiência tem mostrado. Como apresentado ao longo do texto, o complexo
de relações que a tecnologia tem com o conhecimento forma um sistema
relacional que envolve várias áreas do saber organizado e difundido na e pela
educação, tornando a tecnologia um importante aliado.
Para esse fim, é necessário revermos a nossa postura diante da prática
pedagógica que, em determinadas ocasiões e meios, teima em ser conservadora,
repetitiva e sem nenhuma crítica diante dos atuais acontecimentos. Por essa
razão, a nossa preocupação precisa passar pela compreensão das ocorrências da
economia globalizada em vigor entre as nações, bem como o desenvolvimento
dos meios de informação e comunicação e o impacto causado na sociedade e
as possíveis influências e interferências na educação.
Toda essa temática precisa ser considerada nas atividades de formação
inicial e continuada de professores e demais profissionais da educação de qual-
quer área ou saber. Nesse sentido, se uma instituição de formação de professores
considerar importante que haja uma disciplina que agregue essa discussão em
78 C. A. ROCHA

seu conteúdo curricular, é interessante, em sua denominação, dar um enfoque


sobre a tecnologia, que será o ponto de partida para essas discussões. Caso
a instituição opte por não ter uma disciplina com essas características, esses
temas devem estar presentes na formação de professores.
Outra questão que devemos considerar é o fato de as escolas, por
conta de uma legislação e de programas governamentais, terem assumido o
compromisso de proceder à inclusão de pessoas deficientes nas atividades de
ensino e aprendizagem. Para esse fim, muitas delas se sentem despreparadas.
Não tendo participado das discussões sobre essa temática, por isso a escola
não pode compreender as razões para incluir os que a procuram com alguma
deficiência. A saída é fazer resistência ou, se for obrigada, fazer de qualquer
jeito.
Nessa discussão sobre inclusão da pessoa deficiente na escola é
importante saber o papel da tecnologia nesse processo. Há as chamadas tecno-
logias assistivas5, que servem de instrumentos para auxiliar o deficiente nas
suas relações com as pessoas e com a sociedade. Essas tecnologias podem ser
um dos aliados, dentre outros, que podem favorecer uma inclusão consciente,
comprometida, séria e consequente, mas não podem prescindir de um plane-
jamento estratégico adequado, real e conhecedor das múltiplas relações que
envolvem o problema.
Um desses planejamentos é o que leva a um trabalho multidisciplinar
que envolve a participação dos mais variados profissionais, desde o professor,
o coordenador pedagógico, passando pela família, pelas autoridades, pelos
terapeutas, pelo arquiteto e por outros profissionais ligados à área. É claro que
existe uma questão estrutural e administrativa que deve ser atendida, como
por exemplo, quem é responsável por esses profissionais e os acompanha, mas,
naturalmente, esses profissionais já devem estar envolvidos pela família, pelas
instituições públicas ou privadas, ou por outros meios, sem acarretar maiores
ônus senão o que normalmente já ocorre. O importante é esse comprometi-
mento comum, pois, muitas vezes, a ação de acolhimento e a permanência

5
  Tecnologia assistiva é “[...] tecnologia destinada a dar suporte (mecânico, elétrico,
eletrônico, computadorizado etc.) a pessoas com deficiência física, visual, audi-
tiva, mental ou múltipla”. (SASSAKI, 1996, p.1).
A Formação de Professores nos Cursos de Licenciatura e a Tecnologia 79

do indivíduo deficiente passa por adaptações de espaço, de mobiliários, de


equipamentos, de pessoas e de programas, que equilibradamente irão atender
ao deficiente que chega e aos demais que já estão lá.
Muitas vezes o que se vê são duas situações características: ou se
dá uma atenção demasiada ao deficiente e exclui os demais, ou o deficiente é
ignorado e continua a atenção aos demais como sempre se fez, com o incluído
apenas de corpo presente. Nesse sentido, a tecnologia pode ser o diferencial,
quando se faz uma avaliação prévia para se saber o impacto e todas as relações
envolvidas no processo de inclusão, considerando não somente o ambiente
nos aspectos físicos espaciais e instrumentais, mas a socialização entre os
indivíduos e as implicações que dizem respeito à coletividade, não esquecendo
dos aspectos que envolvem a subjetividade de todos, mental e cognitivamente
falando.
Dessa forma se dá uma atenção aos equipamentos, aos mobiliários,
aos recursos de comunicação e à informação, às adaptações espaciais e estru-
turais, às próteses, às órteses, etc. Da mesma forma, também é dada atenção
à escrita, aos gestos, às sinalizações, às verbalizações, às simbologias, etc.,
bem como à organização por meio de projetos, de planos, de estratégias, de
procedimentos, de aulas, etc. Isto até aqui apresentado para o atendimento à
pessoa deficiente na escola deve ser tema também nos cursos de formação de
professores para qualquer área do conhecimento, como Educação Matemática,
Pedagogia, Geografia, etc.
No que diz respeito à inclusão na escola e na sociedade, o que se
advoga é que a preocupação não fique restrita apenas às pessoas deficientes,
mas que seja mais ampla, sem discriminar ninguém por nenhuma razão, dando
acesso a todos à educação a que têm direito. Para esse fim, as políticas públicas
e institucionais precisam caracterizar as suas ações, de modo a atender a todos
os que procuram a escola e são excluídos, quer seja por razões raciais, ou de
gênero, ou de idade, ou de opção sexual, ou de religião, ou de poder aquisitivo,
enfim, qualquer que seja o motivo. Nesse sentido, um aliado importante para
essa promoção é a tecnologia da informação e da comunicação, que pode
possibilitar um acesso universal e democrático à educação em todos os níveis.
É a razão maior para se desenvolver tanto um trabalho presencial como a
distância, utilizando os recursos da tecnologia em rede para a comunicação, a
interação e o acesso.
80 C. A. ROCHA

Para isso, é necessário um projeto pedagógico consciente e compro-


metido com o bem comum, baseado num planejamento que leva em conta as
relações da educação com os vários meios em que está inserida, quer seja um
meio ambiental, social, mental ou cognitivo. Nessa perspectiva, as ações devem
convergir para uma educação que se preocupe com uma sustentabilidade
responsável, seriamente envolvida e comprometida com um desenvolvimento
individual e coletivo, que respeite o ser humano e a natureza em todas as
relações necessárias.
Com toda essa argumentação, percebemos que a educação participa
de um sistema de relações muito complexo e não pode ficar presa apenas a
algumas delas. Nesse sentido, a formação de professores passa por uma discussão
que requer uma atenção toda especial de quem trabalha hoje com essa área nas
instituições de ensino superior, pois o foco das atenções está numa complexa
temática que envolve todo o contexto escolar. Essa complexidade exige, dos
formadores, constantes atualizações, uma pesquisa comprometida com as
transformações sociais, científicas e tecnológicas e uma percepção clara de que
se vivem mudanças paradigmáticas significativas.
Tendo em vista tal perspectiva, os cursos de formação de professores,
como os ligados à Educação Matemática, devem procurar compreender os
rumos dos acontecimentos de hoje, identificando as formas de suas interferên-
cias e participações, para gerar elementos que possam constituir o arcabouço
de informações e conhecimentos dos seus conteúdos curriculares.
É esse nível de aprofundamento que qualquer formação de profes-
sores deve atingir e levar essas ideias para o centro das discussões, pois a
primeira coisa que um curso de formação deve compreender é o seu próprio
padrão de organização. Isso é necessário para entender as relações envolvidas,
suas ingerências e importâncias, a fim de determinar os rumos da ação e saber
como agir na hora de corrigir desvios. Isso, também, para estimular os alunos
a uma prática condizente com esses princípios, de forma que possam definir e
planejar a vida profissional futura.
Uma preocupação importante nesse momento da discussão é com
um aspecto do papel que as tecnologias têm na educação e, em consequência,
no currículo da formação. Cada tecnologia que se apresenta hoje como nova
e necessária à vida de todos chega à sociedade sem a participação das pessoas,
à revelia de seus interesses e necessidades, mas que é imposta de forma que
A Formação de Professores nos Cursos de Licenciatura e a Tecnologia 81

os indivíduos a assumam como indispensável e, portanto, necessária. Dessa


forma, cada nova tecnologia passa a fazer parte da vida das pessoas, abrindo-
lhes novas oportunidades, novos meios de comunicação, levando-as a criarem
novos conhecimentos e o desenvolvimento da ciência, com a alteração de
alguns conceitos em determinados momentos. Um deles é o conceito de tempo,
que permite às pessoas uma comunicação síncrona (em tempo real, on-line) ou
assíncrona (em tempo não real, off-line), o que lhe dá mais possibilidades de
interação e, com a grande disseminação geográfica dessas possibilidades, um
acesso a um número maior de pessoas em vários lugares do mundo.
Ao mesmo tempo em que isso aproximou pessoas geograficamente
distantes, tornou uma grande maioria delas dependentes ou usuárias frequentes
das tecnologias de comunicação a distância, como também dos serviços e
dos entretenimentos, fazendo com que o uso dessas novas tecnologias ocupe
grande parte de seus tempos. Na contramão disso, as relações de vizinhança
física diminuíram, a ponto de, nos grandes centros, as pessoas serem vizinhas e
estranhas. Esse é um exemplo, dentre muitos outros, de um fenômeno de uma
ecologia social que também deve ser preocupação nos cursos de formação.
Não podemos nos esquecer das consequências que atingem o indivíduo na sua
relação consigo mesmo, no conhecimento do seu eu interior, no uso de hábitos
e de costumes isolados e subjetivos que alteram o comportamento, em detri-
mento de uma vida social saudável e comprometida com o bem comum. Tudo
isso que está ligado à ecologia da subjetividade humana ou mental também
deve ser tema na formação de professores.
Também é assunto, para discussões e enriquecimento do debate em
relação à presença da tecnologia na educação e na formação, tudo o que diz
respeito ao consumismo desenfreado, acrítico, supérfluo, em que as aquisições
de hoje são feitas com vistas já nos lançamentos futuros, na troca que têm que
fazer algum tempo depois. Isso tem trazido um resíduo tecnológico que causa
alguns impactos no ambiente, na sociedade e na própria vida das pessoas.
Isso novamente é um exemplo da necessidade de articulação das ecologias
ambiental, social e da subjetividade humana (mental). Em consequência disso,
a obsolescência dos produtos ocorre muito rapidamente, ao ponto de algumas
tecnologias já trazerem embutidas, nos seus preços, a durabilidade de suas
vidas úteis. Antes de isso ocorrer, o custo de um produto era calculado a partir
do valor material utilizado e da mão de obra usada para a confecção. Hoje há
82 C. A. ROCHA

uma série de valores agregados, que vão desde o descarte rápido do produto
até a propaganda futura e tudo o que lhe diz respeito, como grife, destinatários,
etc. Isso é uma das consequências que a modernidade e o avanço tecnológico
trouxeram.
Outra questão a se considerar é a que diz respeito às alterações na
moral e na ética. Os avanços da biotecnologia têm trazido à baila algumas
discussões que envolvem a ciência, por exemplo, no caso dos transplantes, na
clonagem de células e de seres vivos, no uso das células-tronco, no conheci-
mento do código genético (Projeto Genoma), na questão dos transgênicos,
entre outros. Isso tem alterado as formas de entender e de tratar alguns
assuntos, sendo necessárias, muitas vezes, mudanças nas leis. Tudo isso tem
feito prosperar uma ciência nova, a bioética, que tenta explicar e preencher
o vazio das compreensões que se tem que ter desses fenômenos dos novos
tempos.
Percebemos, com tudo isso, que é muito complexa a ligação da
tecnologia com a sociedade e a vida e, em consequência, com a educação. Há
um grande desenvolvimento científico e tecnológico que afeta a vida de todos,
criando novos conceitos, novos comportamentos, fenômenos os mais variados,
situações novas que requerem estudos, pesquisas, adaptação de currículos,
metodologias e uma série de elementos de caráter pedagógico e educativo.
Como todos esses pontos apresentados em toda a argumentação
do texto têm uma grande importância na formação dos professores para a
Educação Matemática e qualquer outra área do saber, é que se coloca a neces-
sidade de não se restringir o conteúdo da disciplina apenas às tecnologias da
informação e da comunicação. Que a disciplina tenha, porém, um novo olhar
e os currículos possibilitem ir mais além, tendo em vista o sistema de relações
que a tecnologia tem com a formação dos profissionais, formando um grande
leque de possibilidades e de necessidades de atenção em relação às suas futuras
ações. Que, além de ter momentos de instrumentalizar o futuro professor em
relação às tecnologias da informação e da comunicação, haja também uma
atenção a outras tecnologias, novas ou não, desvelando os elementos impor-
tantes na rede de relações que têm implicações diretas ou indiretas com a
formação, dando-lhes uma roupagem educacional sistêmica, equilibrada e
consequente. Essa atenção se dá em vista das interferências da tecnologia nas
ecologias ambiental, social e da subjetividade humana, envolvendo totalmente
A Formação de Professores nos Cursos de Licenciatura e a Tecnologia 83

o ser humano em sua relação com a natureza e a vida, com os outros seres e
consigo mesmo, numa dialética constante que forma a dinâmica da vida em
todos os níveis: material, mental e espiritual.
O enfoque da disciplina ou das discussões num curso de formação
de professores precisa, portanto, mudar e levar em conta as conotações até
aqui apresentadas, com o seu conteúdo indo muito além dos aspectos de
instrumentalização do aluno para a sua futura profissão. É importante rever o
próprio título da disciplina, que considere tanto a instrumentalização, quanto
todas essas relações da tecnologia com o indivíduo, a educação, a sociedade
e a natureza. Dessa forma, a formação terá uma preocupação e uma prática
que incentivem os futuros profissionais a uma participação maior no sistema
de relações que envolve a sociedade, a política, a economia, o trabalho e seus
atributos, inserida num contexto atualizado e comprometido com um desenvol-
vimento sustentável equânime na partilha dos bens coletivos e individuais.

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Educação Matemática, Tecnologia e Formação de Professores: Algumas Reflexões
pp 85-116
Copyleft 2010 by Willian Beline e Nielce Meneguelo Lobo da Costa (Orgs)
Editora da FECILCAM | Campo Mourão - PR | http:// www.fecilcam.br/editora

Capítulo 3

REFLEXÕES SOBRE TECNOLOGIA E MEDIAÇÃO


PEDAGÓGICA NA FORMAÇÃO DO
PROFESSOR DE MATEMÁTICA1

Nielce Meneguelo Lobo da Costa2


UNIBAN BRASIL

Resumo

Neste capítulo apresento reflexões sobre a temática da educação (inicial e continuada)


de professores de Matemática e suas relações com as tecnologias. Inicio refletindo
sobre o contexto social e a Escola que queremos. Considerando o ideal a se atingir,
apresento reflexões sobre as transformações necessárias nos processos educacionais e
as consequências para os processos formativos. Discuto, na sequência, o conceito de
desenvolvimento profissional docente e as possibilidades de sua promoção. Analiso
os tipos de abordagens pedagógicas de situações didáticas nas quais a tecnologia está
presente e as formas de conceber o ensino e a aprendizagem com e na presença de
tecnologia. Algumas diretrizes para a formação docente com tecnologia e o conceito
de mediação pedagógica são os temas seguintes. Finalizando, as relações entre homem
e máquina e as transformações nas interações na presença da tecnologia são discutidas
e as conclusões apresentadas.

Palavras-chave: Formação docente. Mediação pedagógica. Desenvolvimento profis-


sional. Tecnologia educacional.

1
  Esse artigo é um recorte, que toma por base a pesquisa feita em tese de doutora-
mento intitulada “Formação de Professores para o Ensino de Matemática com
a Informática Integrada à Prática Pedagógica: exploração e análise de dados em
bancos computacionais”. PUCSP, 2004.
2
  nielce.lobo@gmail.com
86 N. M. L. Costa

Introdução

Apresento, neste capítulo, reflexões sobre formação docente e suas


relações com as tecnologias. Inicio refletindo sobre o cenário educacional: o
contexto social e a Escola que queremos; especialmente porque as propostas
e ações de formação são influenciadas por características dos grupos sociais.
Considerando o ideal a se atingir de uma escola geradora de conhecimentos e
que promova oportunidades de aprendizagem para todos os alunos, apresento
reflexões sobre as transformações necessárias nos processos educacionais e
as consequências para os processos formativos, defendendo a ideia de que a
formação docente é um processo de aprendizagem que ocorre num continuum,
ao longo de toda a vida.
Um conceito central na pesquisa em formação docente é o de desen-
volvimento profissional e, por essa razão, abordo, neste capítulo, o que significa,
na docência, se desenvolver profissionalmente e como processos formativos
podem contribuir para impulsionar o desenvolvimento profissional do docente.
Estabeleço, na sequência, possíveis ligações entre TICs e as possibilidades de
desenvolvimento profissional, refletindo sobre o uso didático da tecnologia e
as competências docentes necessárias para tanto. Outro ponto para reflexão
aqui discutido é o das abordagens pedagógicas de situações didáticas nas quais
a tecnologia está presente e as formas de se conceber o ensino e a aprendizagem
com e na presença de tecnologia. Ainda que superficialmente, analiso-as, assim
como algumas diretrizes da formação docente para o uso da tecnologia em
Educação, consideradas a partir de resultados de pesquisas da área.
Considerando que ensinar e aprender com tecnologia pressupõe
modificações nas interações, no gerenciamento, na estruturação e no planeja-
mento das situações didáticas – incluindo transformações nos procedimentos
de avaliação educacional – entende-se que um conceito central na formação
profissional é o da mediação pedagógica. Discuto o conceito, e suas caracterís-
ticas, e argumento que a mediação pedagógica deve ser entendida como sendo
um processo comunicacional no qual educador e educando desenvolvem uma
relação dialógica em que ambos são coautores da produção do saber.
A mediação pedagógica pode ter nos recursos tecnológicos uma
importante ferramenta - essa é a questão que ocupa a parte final do texto, que
aborda as relações entre homem e máquina e as transformações nas interações
que ocorrem com a presença da tecnologia.
Reflexões sobre Tecnologia e Mediação Pedagógica ... 87

Formação de Professores

A formação de educadores não é autônoma. Ao contrário, ela está


inserida em um contexto histórico e político, de forma que a sua orientação
depende do conceito de Escola para determinada sociedade e, além disso,
depende também do que está sendo adotado como modelo de ensino e qual
é o currículo dominante de cada período histórico. Neste texto parto do
pressuposto de que a Escola é uma comunidade de aprendizagem que abriga
alunos oriundos de diferentes substratos étnicos e sociais e que se caracteriza
por ser um local não simplesmente de acesso à informação, mas de geração de
conhecimento.
A Escola, assim entendida, requer um professor que esteja disposto a
aprender e ensinar. Insisto, é importante que ele seja um ávido aprendiz, tenha
a capacidade de perceber as necessidades do contexto, domine os conteúdos
de sua área específica e possa adaptá-los aos diversos tipos de aluno presentes
nessa Escola, que é democratizada e voltada para todos. Em relação ao
conteúdo programático a ser desenvolvido com os alunos, deve ser visto pelos
educadores como um meio e não um fim em si mesmo, ou seja, está presente
não para ser reproduzido fielmente pelo aprendiz e devolvido ao professor, mas
para ser utilizado por alunos e professores a fim de que, juntos, possam desen-
volver novos conhecimentos. A Escola, a partir desse movimento de docentes
e discentes, passa a ser uma organização aprendiz, transformando-se em um
local não apenas de transmissão, mas de geração de conhecimentos.
A atual configuração social – que tem sido denominada de pós-
modernidade – está ligada a uma era de instabilidade generalizada, na qual até
as verdades científicas são provisórias. Isso é, trata-se de uma sociedade que
evoluiu de industrial (na qual os bens de produção eram fundamentais) para
uma sociedade voltada ao conhecimento (na qual a grande riqueza está na
informação e em suas interpretações). As habilidades e as competências que esta
sociedade pós-moderna exige do cidadão não podem ser desenvolvidas apenas
pela forma tradicional de ensino, com o aluno reproduzindo os ensinamentos
do professor e sendo avaliado por provas de verificação de conhecimento de
conteúdo. Nesta nova sociedade, o saber ocupa lugar central. Tal posição, que
era anteriormente ocupada (na sociedade industrial) pelo capital, pela mão
de obra ou por meios de produção, atualmente é ocupada pelo conhecimento
88 N. M. L. Costa

em ação. Agrega-se valor às ideias do indivíduo, à capacidade de inovar, de


adaptar os conhecimentos obtidos para utilizá-los em situações práticas, e se
valoriza a habilidade de trabalhar em equipes e de construir coletivamente
soluções dos problemas profissionais (HARGREAVES, 1995).
Se antes o importante era “aprender para trabalhar”, hoje é o “aprender
a aprender sempre”, porque os conhecimentos aprendidos anteriormente nem
sempre conseguem dar conta das novas situações sociais. Assim, é preciso uma
aprendizagem permanente.
Infelizmente existe uma enorme discrepância entre a atual Educação
e as exigências da sociedade pós-moderna, que se apresenta como usuária
de tecnologias cada vez mais avançadas. Isso leva a um “atraso cultural”,
que, resultante da imobilidade e da rigidez das instituições responsáveis pela
Educação conferida às novas gerações, contrasta com a rapidez das mudanças
sociais (ALONSO, 1999).
Transformações substanciais são necessárias na forma de promover
a Educação, e isso atinge a estrutura da Escola, a construção do currículo,
a formação de professores e, também, os processos avaliativos. Como alerta
Alonso (1999, p. 31):

As mudanças necessárias não são tão simples e superficiais, como


a utilização de recursos didáticos mais modernos ou a inclusão de
disciplinas no currículo, ao contrário, envolvem revisão de conceitos,
das bases em que se assenta o ensino e a aprendizagem, da tomada
de consciência das novas responsabilidades do educador frente aos
desafios da “nova era”. Tudo isso requer atitudes amadurecidas que
predisponham os profissionais para a mudança.

Segundo Masetto (1999), existe controvérsia entre os estudiosos


quanto à determinação de quais seriam as mudanças educacionais necessárias.
São, porém, unânimes em concordar com a urgência dessas mudanças e os
seguintes pontos são amplamente aceitos:

• O conflito constitui elemento necessário à mudança;


• Os professores são a chave da mudança, eles são aprendizes sociais,
e não técnicos; é importante a sua vontade de mudar, bem como a
sua capacidade de enfrentar a mudança e efetivá-la;
Reflexões sobre Tecnologia e Mediação Pedagógica ... 89

• Os instrumentos políticos e administrativos utilizados para a mudança


devem ser coerentes, mesmo porque o professor questiona o caráter
prático da mudança. (HARGREAVES, 1995 apud MASETTO,
1999, p. 22).

Se os professores são fundamentais para a mudança, a formação de


professores deve ser concebida como um processo de desenvolvimento para a
vida toda, com a licenciatura sendo apenas a fase inicial dessa formação, que deve
continuar ao longo de toda a carreira profissional. O processo de formação não
pode ser somente entendido como orientado para preparação técnica, mas voltado
para a mudança, de modo que se possa lidar com as incertezas, as instabilidades
e as transformações que caracterizam os tempos atuais. Como explica Imbernón
(2000, p. 15):

A formação assume um papel que transcende o ensino que pretende


uma mera atualização científica, pedagógica e didática, e se trans-
forma na possibilidade de criar espaços de participação, reflexão e
formação para que as pessoas aprendam e se adaptem para poder
conviver com a mudança e a incerteza. Enfatiza-se mais a aprendi-
zagem das pessoas e as maneiras de torná-la possível que o ensino
e o fato de alguém [supondo-se a ignorância do outro] esclarecer e
servir de formador ou formadora.

Esse tipo de processo formativo inclui percepção e análise crítica do


papel profissional do professor, visando à ruptura com ideologias impostas,
com o conformismo, com a inércia e a alienação profissional. O objetivo é o
desenvolvimento da capacidade de interação, de convivência e de entendi-
mento da cultura do outro. Para tanto, Imbernón (ibidem) propõe que sejam
desenvolvidas capacidades reflexivas em grupo, uma vez que elas auxiliam na
construção da autonomia profissional compartilhada e facilitam a geração de
conhecimentos em diálogo com o contexto. Ele argumenta que os professores,
quando isolados, têm menor poder de ação e são mais susceptíveis ao entorno
político, econômico e social. Imbernón (ibidem, p. 16) recomenda também
que as formações se desenvolvam na escola porque:
90 N. M. L. Costa

[...] a aquisição de conhecimentos por parte do professor está


intimamente ligada à prática e condicionada pela organização da
instituição educacional em que esta é exercida. [...] Como a prática
educativa é pessoal e contextual, precisa de uma formação que
parta de suas situações problemáticas em um determinado contexto
prático.

Outro ponto fundamental a considerar, quanto à aprendizagem dos


professores sobre os novos papéis educacionais que irão desempenhar, é que
esses profissionais não tiveram modelos desse tipo de atuação quando eram
alunos. Em vista disso, em formações continuadas é necessário que sejam
promovidas situações nas quais eles possam se comportar novamente como
aprendizes e assim ressignificar os conteúdos que ensinam. No dia a dia da
sala de aula, é comum que repliquem os modelos nos quais foram formados,
ou seja, que adotem uma prática pedagógica centrada em aulas expositivas,
e que apresentem como inovação apenas seminários e trabalhos em grupo,
para os quais geralmente fornecem pouca ou nenhuma orientação aos alunos
(MASETTO, 2000).
A formação do docente é um processo de aprendizagem que ocorre
num continuum, ao longo de toda a vida. Isso não significa apenas fazer com
que voltem a se comportar como aprendizes, mas induzi-los a um constante
processo de elaboração e de reelaboração conceitual do conteúdo, integrando
esse processo ao saber da experiência docente – se o professor pretende levar
um assunto para a sala de aula, ele precisará construir procedimentos pedagó-
gicos para seus alunos; assim, sua postura é, a priori, diferente da de um simples
aprendiz – e, também, articulando-o à constituição de um juízo de valor, uma
vez que, se o professor não acredita que o conteúdo é importante para o aluno,
ele resiste a abordá-lo, mesmo que tal assunto esteja incluído no currículo
escolar.

Formação, Desenvolvimento Profissional e Tecnologia

A reflexão sobre formação de professores engloba a discussão sobre quais


são os pontos fundamentais para que ela contribua para o desenvolvimento
profissional. Antes, ainda, envolve discutir o que se entende por desenvolvimento
Reflexões sobre Tecnologia e Mediação Pedagógica ... 91

profissional docente.
Diversos autores têm analisado esse conceito; seguirei Ponte (1997),
que o define como sendo:

[...] um processo de crescimento na sua competência em termos de


práticas lectivas e não lectivas, no autocontrolo da sua actividade
como educador e como elemento activo da organização escolar. O
desenvolvimento profissional diz assim respeito aos aspectos ligados
à didáctica, mas também à acção educativa mais geral, aos aspectos
pessoais e relacionais e de interacção com os outros professores e
com a comunidade extra-escolar. (p. 44).

Esse processo ocorre principalmente a partir de decisões próprias do


professor, por ser ele quem resolve o que quer fazer e do que pretende parti-
cipar. Isso significa que o professor é considerado sujeito de sua formação, pela
qual é responsável. Ponte (1998) enfatiza, contudo, que contextos que levem
a procedimentos colaborativos nas escolas tendem a favorecer o desenvolvi-
mento profissional pelas oportunidades de interação do professor com seus
parceiros. As interações levam-no a trocar experiências e a obter informações,
além de obter apoio para suas ações.
Ponte (ibidem) considera os seguintes pontos como fundamentais para
a reflexão sobre o desenvolvimento docente:

1. A profissão docente exige o desenvolvimento profissional ao longo


de toda a carreira.
2. A formação “formal” (inicial, contínua, especializada e avançada) é
um suporte fundamental do desenvolvimento profissional.
3. O desenvolvimento profissional é favorecido por contextos colabora-
tivos (institucionais, associativos, formais ou informais).
4. O desenvolvimento profissional de cada professor é, no essencial, da
sua responsabilidade.
5. O desenvolvimento profissional visa tornar os professores mais aptos
a conduzir um ensino da Matemática adaptado às necessidades e
interesses de cada aluno e a contribuir para melhorar as instituições
educativas, realizando-se pessoal e profissionalmente.
6. O conhecimento profissional envolve diversos domínios, como a
Matemática, o currículo, o aluno, a aprendizagem, a instrução, o
92 N. M. L. Costa

contexto de trabalho e o autoconhecimento.


7. A chave da competência profissional é a capacidade de equacionar e
resolver problemas da prática profissional.
8. O trabalho investigativo em questões relativas à prática profissional
é fundamental para o desenvolvimento profissional do professor.
9. Às instituições de formação cabe fornecer oportunidades diversas
de formação, procurando adequar a sua oferta às necessidades dos
professores.

Enfatizo que, para o autor, é o próprio professor o grande responsável


pelo seu desenvolvimento profissional, uma vez que esse é um processo que
ocorre de “dentro para fora” do indivíduo, contudo ele é favorecido por
contextos colaborativos de trabalho docente e impulsionado por processos
formativos adequados às demandas dos docentes. Quanto ao professor de
Matemática, inclui o conhecimento das especificidades da área e, além disso,
a aptidão em adaptar o ensino – privilegiando as diversas formas e hábitos
de pensamento característicos do saber matemático – adequando-o para que
esteja acessível aos seus alunos.
Sobre desenvolvimento profissional, acrescento ainda, concordando
com Gonçalves (2000), que ele compreende: o desenvolvimento pessoal – que
é o resultado de um processo de crescimento individual; a profissionalização
– resultado de um processo de desenvolvimento de competências na prática
didática; e a socialização profissional – resultado da adaptação do professor ao
seu meio, tanto em termos normativos como interativos.
Refletindo sobre formação docente e tecnologia, parto do pressuposto
de que as Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs)3, quando usadas,
interferem no processo educacional e que o mesmo ocorre quando estão
presentes nos processos formativos de docentes, isto é, elas interferem na
aprendizagem profissional , além de fornecer ao professor modelos e possibili-
dades didáticas.
Quanto às formações docentes com e para o uso de tecnologias é

3
  As TICs são as tecnologias de processamento, de armazenamento e de pesquisa de
informação; de controle e automatização de máquinas, ferramentas e processos;
e de comunicação, transmissão e circulação da informação realizada por compu-
tador (COELHO, 1986).
Reflexões sobre Tecnologia e Mediação Pedagógica ... 93

importante salientar que:


(1) Na Escola, as tecnologias podem beneficiar professores e alunos
quando usadas como ferramenta para as atividades, para o desenvolvimento
de projetos e para a criação de condições que permitam uma participação
mais ativa do aluno na aprendizagem. O uso das tecnologias, por si só, não
garante, contudo, um ensino inovador, pois elas também podem reproduzir
processos formais e repetitivos de aprendizagem. O domínio tecnológico não
significa necessariamente utilização com naturalidade, desembaraço e espírito
crítico. Para assim ser, é preciso que haja uma interiorização das possibilidades
e uma identificação entre as intenções do usuário e as potencialidades a seu
dispor. Ou seja, é necessário que exista uma identificação cultural e que, além
disso, o professor vislumbre a possibilidade de obter algum ganho no seu fazer
pedagógico (PONTE, 1992).
(2) Não é necessário que o professor seja um especialista em tecno-
logia, mas é interessante que ele a conheça e domine, de modo a utilizá-la
numa perspectiva crítica. Para fazer uso adequado dos recursos tecnológicos e
para facilitar o desenvolvimento das sequências didáticas, é importante que o
professor conheça o modo de operação da técnica (comandos, funções, lingua-
gens, etc.), de forma a explorar suas possibilidades e identificar as limitações.
Também é necessário desenvolver a percepção das consequências do uso da
tecnologia nos modos de pensar, de ser e de sentir dos alunos.
(3) Em relação ao uso da tecnologia, os professores tomam diversas
atitudes: podem assumir uma atitude de desconfiança, mal-estar e desdém, ou
podem não identificar como tirar proveito pedagógico dessa tecnologia, ou,
ainda, só integrá-la na vida pessoal e não na profissional; podem, igualmente,
utilizar a tecnologia na sala de aula sem que isso afete o modo de participação
dos alunos; ou, por último, podem procurar explorar novas possibilidades
tecnológicas e didático-pedagógicas, enfrentando muitas dificuldades e encon-
trando novos caminhos.

(4) O uso da tecnologia, e, em particular, do computador na Educação,


pode ser considerado uma inovação e, como toda inovação, ela só será integrada
à prática profissional após um processo longo de apropriação e de utilização
frequente em situações diversificadas. O processo de integração envolve
aspectos tecnológicos, pedagógicos e, também, de gestão. Além de dominar a
94 N. M. L. Costa

tecnologia e de conhecer os softwares disponíveis, é necessário incorporá-los


ao currículo e, ainda, articular os setores administrativos e pedagógicos, para
superar as mais diversas limitações existentes nas escolas.
(5) A relação professor-aluno pode ser profundamente alterada pelo
uso do computador e da tecnologia, porque com computadores as situações
didáticas deixam de ser totalmente previsíveis e, muitas vezes, o professor
estará diante de perspectivas inéditas de análise do problema tratado, para as
quais não terá respostas prontas. Essas situações exigem reflexão e pesquisa e
implicam uma mudança na forma de exercer a docência, visto que o professor
deixa de ser aquele que conhece tudo e passa a assumir o papel de orien-
tador, de pesquisador e de parceiro do aluno no processo de construção do
conhecimento.
(6) Além de modificar a relação professor-aluno e aluno-aluno,
a tecnologia pode afetar o relacionamento do professor com seus pares e
também com o saber, em virtude das possibilidades de trabalho colaborativo,
via internet ou demais ambientes virtuais, e como resultado da facilidade e da
rapidez de acesso às informações e às atualizações em sua área específica.
(7) As Diretrizes de formação de professores (BRASIL, 2001) enfa-
tizam a questão das competências do professor. Por esse motivo, é importante
refletir sobre quais são tais competências para o uso didático da tecnologia.
Segundo Perrenoud (2000), são quatro os pontos básicos nessa área:
utilizar editores de textos; explorar as potencialidades didáticas dos programas;
comunicar-se a distância por meio da telemática; e utilizar as ferramentas da
multimídia. O uso de editores de textos refere-se à competência de lidar com
os documentos digitais, de modo a os situar, selecionar, integrar documentos
de diversas fontes, conciliar e disponibilizar para o aluno. A exploração das
potencialidades didáticas dos programas envolve a capacidade de utilização
das ferramentas a partir dos objetivos do ensino. Comunicar-se a distância
por meio da telemática envolve o uso de redes diversas, de correio eletrônico,
internet, ferramentas de ensino a distância e demais meios, tais como os instru-
mentos de busca e grupos virtuais de discussão para trocas de informações,
pesquisas, etc. A utilização de ferramentas de multimídia no ensino engloba
a competência no uso de recursos, do CD-ROM a animações ou simulações,
integrados às atividades didáticas. Naturalmente, integrar não é justapor, mas
articular, estabelecer conexões e fazer uso pedagógico proveitoso – no sentido
Reflexões sobre Tecnologia e Mediação Pedagógica ... 95

de construir conhecimento – para si e para o aluno.


Acredito que esse esquema construído por Perrenoud (ibidem) pode
ser útil para operacionalizar ações nos projetos de formação com tecnologia,
pois fornece alguns indicadores para desenhá-los.
Salientadas as questões acima, é importante considerar ainda que,
entre os autores e pesquisadores, existe consenso quanto à importância de
se discutir, nos projetos de formação de professores, a abordagem pedagógica
adotada para situações em que a tecnologia e, em particular, o computador,
está presente nos processos educativos. Considera-se como sendo duas as
abordagens: a instrucionista e a construcionista. Na primeira considera-se o
computador como um instrumento para tornar o processo de transmissão de
informações mais eficiente e provocar um aprimoramento nas técnicas de
ensino. Na abordagem construcionista considera-se o computador como uma
ferramenta a ser tutorada pelo aluno para a construção do conhecimento, a
partir de suas ações (VALENTE, 1997).
O escopo dessas abordagens, para a tecnologia educacional, remete
diretamente à discussão dos conceitos de ensino e de aprendizagem e ao
debate acerca do papel do professor. O conceito de ensino, tradicionalmente,
está vinculado a um sujeito, o professor, que transmite o conhecimento; e o
conceito de aprendizagem está ligado a outro sujeito, o aluno, que adquire
conhecimento.
Segundo Valente (1997), o termo ensino se origina de “insignare”,
palavra latina que significa “transmissão de conhecimento, de informação ou de
esclarecimentos úteis ou indispensáveis à Educação e à instrução”4.. No paradigma
tradicional de Educação, a prioridade está no ensino, nas informações que são
“transmitidas” pelo professor ao aluno, e o processo se desenvolve de modo
unidirecional: parte do professor (emissor das informações) e se dirige aos
alunos (receptores). Como afirma Valente (ibidem):

[...] o conhecimento gerado pela humanidade é compilado, classifi-


cado, hierarquizado de acordo com o grau de dificuldade e ministrado

4
  Os conceitos de informação e conhecimento são distintos. A informação é “exterior
ao sujeito e de ordem social”, o conhecimento é “integrado ao sujeito e de ordem pessoal”
(LEGROUX, 1981 apud ALTET, 2001, p. 28).
96 N. M. L. Costa

ao aluno a partir do nível mais fácil para o mais difícil. Essa concepção
de Educação é baseada no modelo empirista e assume que a retenção
do conhecimento se dá como conseqüência da contigüidade e da
freqüência com que ele é transmitido. Se o professor se esmera na
preparação e na transmissão do conhecimento ao aluno, e se o aluno
realiza um bom trabalho na memorização desse conhecimento, está
garantido o sucesso do processo de ensino. (p. 20).

Esse tipo de ensino não é o que mais interessa no atual contexto social,
pois desenvolver a capacidade de memorização de informações não satisfaz
nem significa ensino bem-sucedido. Quando a tecnologia se incorpora ao
processo educacional, o objetivo não está no aprimoramento das técnicas de
transmissão de conteúdos, mas no desenvolvimento de novas metodologias,
que a transformem em aliada do professor na criação de ambientes de aprendi-
zagem. Para Valente (1993, p. 6): “A verdadeira função do aparato educacional
não deve ser a de ensinar, mas sim a de criar condições de aprendizagem. O
professor deve deixar de ser o repassador do conteúdo [...] e passar a ser o criador
de ambientes de aprendizagem e o facilitador do processo de desenvolvimento
intelectual do aluno”.
Valente (1993a, p. 42) esclarece que essa é uma maneira diferente de
conceber os processos de ensino e de aprendizagem:

[...] o computador deve ser utilizado como um catalisador de uma


mudança do paradigma educacional. Um novo paradigma que
promove a aprendizagem ao invés do ensino, que coloca o controle
do processo de aprendizagem nas mãos do aprendiz, e que auxilia o
professor a entender que a Educação não é somente a transferência
de conhecimento, mas um processo de construção do conhecimento
pelo aluno, como produto do seu próprio engajamento intelectual
ou do aluno como um todo. O que está sendo proposto é uma nova
abordagem educacional que muda o paradigma pedagógico do
instrucionismo para o construcionismo.

Compreender, aceitar, assimilar e assumir esse novo paradigma não é


simples para um contingente de professores que foi educado e se formou em
uma época em que os recursos tecnológicos disponíveis eram outros. Significa
que é necessário redefinir o papel do professor, deslocando o foco do processo
Reflexões sobre Tecnologia e Mediação Pedagógica ... 97

educacional, da figura solitária do professor para a do aluno, e mediar o processo


para que se forme um sistema professor-aluno em sintonia com a proposta de
aprendizagem construcionista.
Como afirmam Perez e Castillo (1999, p. 43):

Quando a proposta educacional é centrada na aprendizagem (auto-


aprendizagem e interaprendizagem) e não no ensino, o protagonista
do processo se desloca do docente para o educando, e abre-se
caminho para que o ato educativo seja entendido como construção
de conhecimento, intercâmbio de experiências e criação de novas
formas. Esse novo protagonista, por meio do fazer educativo, se
apropria da história e da cultura.5

Uma vez mudado o foco, tanto professores quanto alunos devem estar
num constante processo de aprender a aprender. É inegável que estamos diante
de uma nova linguagem comunicacional, que é a digital, e é necessário que ela
seja incorporada às normalmente usadas nos processos pedagógicos (a oral e
a escrita). Além das habilidades consideradas essenciais – expressão verbal,
escrita e raciocínio matemático –, é preciso desenvolver, nos alunos e nos
professores, novos talentos, tais como a fluência tecnológica e a capacidade
de resolução de problemas, e estimular os chamados três “Cs” – comunicação,
colaboração e criatividade (BEHRENS, 2000), ou seja, as competências em se
comunicar, desenvolver atividades de forma colaborativa e ser criativo no
contexto de atuação.
Processos de formação dos docentes, para o uso do computador em
Educação, nesse paradigma, devem ser desenvolvidos, segundo Almeida (1997,
p. 199):

5
  En la medida en que una propuesta se centra en el aprendizaje (autoaprendizaje e
interaprendizaje) y no en la enseñanza, el rol protagónico del proceso se desplaza
del docente al educando. Este solo hecho abre el camino al acto educativo,
entendido como construcción de conocimientos, intercambio de experiencias,
creación de formas nuevas. Y es precisamente ese protagonismo, ese quehacer
educativo, el que permite una apropiación de la historia y de la cultura. (PEREZ
E CASTILLO, 1999, p. 43 apud MASETTO, 2000, p. 141).
98 N. M. L. Costa

[...] através da integração entre áreas de conhecimento distintas


tais como teorias de aprendizagem e desenvolvimento, metodologia
da pesquisa científica, domínio do computador, outros conceitos
embutidos nos estudos em desenvolvimento, etc. Tais conheci-
mentos são mobilizados em explorações do computador nas quais
o ciclo descrição-execução-reflexão-depuração6 é aplicado, sendo
analisadas as perspectivas pedagógicas subjacentes aos softwares
explorados e as implicações de sua utilização na prática e na inves-
tigação pedagógica.

O uso da Informática, na visão construcionista, tem por objetivo a trans-


formação do processo educacional por meio do estabelecimento de ambientes
de aprendizagem ativa, cuja concepção possibilite investigações e explorações
nas quais os erros do aprendiz não se tornam motivo para punição, mas sejam
vistos como uma etapa do processo de construção do conhecimento. Como
esclarece Almeida (1996a, p. 164):

O professor que trabalha na Educação com a Informática há que


desenvolver na relação aluno-computador uma mediação pedagó-
gica que se explicite em atitudes que intervenham para promover
o pensamento do aluno, implementar seus projetos sem apontar
soluções, ajudando assim o aprendiz a entender, analisar, testar e
corrigir erros.

Nesse processo de construção do conhecimento, pressupõe-se não só


a existência do estabelecimento de hipóteses, como a do teste da veracidade
dessas hipóteses, da análise das estratégias dos alunos em identificar as que
levaram ao sucesso e em corrigir as que levaram ao fracasso. Também está
incluída, nesse processo de construção, a procura dos caminhos mais curtos ou
mais adequados para a resolução dos problemas. Essa otimização das estraté-
gias e dos procedimentos se traduz pelo conceito de depuração ou “debbuging”
(ALMEIDA, 1999).
Para auxiliar o professor a desempenhar esse tipo de trabalho docente,
Almeida (1997) recomenda que, nos processos formativos:

6
  O ciclo descrição-execução-reflexão-depuração será detalhado na próxima
seção.
Reflexões sobre Tecnologia e Mediação Pedagógica ... 99

Deve-se proporcionar ao professor em formação a participação em


experiências onde o computador é empregado como ferramenta
educacional, participação esta, onde num primeiro momento, sua
ação se dá sob a forma de observação do processo para posterior-
mente analisar a experiência com o grupo em formação (formandos
e formadores). Num outro momento, o professor em formação atua
como mediador do processo e, ao mesmo tempo, como observador
da própria atuação descrevendo o que faz nas atividades, para em
seguida analisá-la e avaliá-la individualmente e também junto ao
grupo de formação. (p. 200).

Almeida (1996), em sua dissertação de mestrado, propôs um conjunto


de diretrizes para a estruturação de programas de formação caudatários da
perspectiva construcionista. Ela considerou que, embora essas diretrizes não
devam ser entendidas como regras rígidas a adotar, elas são essenciais e podem
auxiliar na organização de propostas de formação. São as seguintes as mencio-
nadas diretrizes:

 aplicação do ciclo descrição-execução-reflexão-depuração na


formação;
 uso do computador como forma de reflexão na ação e sobre a
ação;
 depuração das ações pela análise e correção de erros, estratégias e
conceitos;
 construcionismo e interdisciplinaridade como prática em todas as
disciplinas;
 desenvolvimento de projetos (descrição, implantação, reflexão e
depuração);

domínio do computador: desenvolvimento da autonomia em sua
utilização e de conhecimentos sobre o objeto (hardware/software);

compreensão das práticas pedagógicas, com o computador, articu-
lando teoria e prática;

quadro docente composto por profissionais de atuação coerente com
a perspectiva construcionista;
 avaliação processual de: formandos, formadores e estrutura de
formação;
 ações de formação estruturadas na articulação formação, pesquisa
100 N. M. L. Costa

e ação;

definição ou adaptação de normas regimentais e administrativas às
características das ações de formação;
 perspectiva de formação continuada.

No caso específico da Educação Matemática, diversos pesquisadores,


tais como Confrey (1992) e Miskulin (1999), consideram que a aprendizagem
de conceitos matemáticos tem sido influenciada pela utilização de computa-
dores e softwares educativos. Entretanto, na maioria das escolas, a tecnologia
tem sido pouco explorada na prática pedagógica ou, então, quando o é, as
possibilidades dos softwares à disposição dos docentes não são adequadamente
aproveitadas. Talvez seja a vigência dessa situação – como salientou Castro-
Filho (2000) – que justifique a preocupação prioritária, de muitos dos programas
de formação de professores, com o desenvolvimento das habilidades de uso do
computador e dos programas, ainda que dissociadas do contexto específico
das disciplinas de atuação dos docentes. Como consequência, as habilidades
conceituais, de um lado, e as tecnológicas, de outro, têm sido desenvolvidas em
programas distintos de educação continuada. Todavia, contrariamente a isso, o
aprendizado das tecnologias deve acompanhar e favorecer o desenvolvimento
conceitual por parte do professor, ou seja, o computador e os programas devem
ser vistos como “objetos-para-pensar-com” postos à disposição do professor,
como dizia Papert (1985).

Mediação Pedagógica e Tecnologia

Antes de discutir mediação pedagógica apresento o conceito de


mediação da aprendizagem, que, na literatura, surge na teoria sociointeracio-
nista de Vygotsky. O homem, nessa teoria, é visto como um ser sócio-histórico
cujo desenvolvimento mental ocorre por um processo de apropriação da expe-
riência cultural de sua espécie. Os aspectos sociais e biológicos dos humanos
estão interligados e o indivíduo se transforma cultural e organicamente
quando interage com os grupos sociais, ele é historicamente determinado e é
também determinante da história, ou seja, é o homem que produz o meio e, ao
produzi-lo, se produz. Ao internalizar a cultura, ele reconstrói a realidade e a
Reflexões sobre Tecnologia e Mediação Pedagógica ... 101

reinterpreta, representando mentalmente para si o meio em que vive.


A mediação caracteriza as relações entre o homem e o mundo e entre
os próprios homens e ocorre por meio dos instrumentos físicos e dos signos.
Os instrumentos auxiliam as ações sobre os objetos, e os signos as atividades
psíquicas.
A influência entre o homem e o meio físico-social, para Vygotsky, ocorre
de forma recíproca, o que significa que o homem transforma o meio e é por ele
transformado. Essa interação homem-mundo é mediada pelo uso dos instru-
mentos físicos e dos signos disponíveis na cultura. Os instrumentos físicos são
os utilizados nas atividades cotidianas, por exemplo, um martelo, uma escada,
um carro, etc.; e os signos são os sistemas simbólicos, tais como as diversas
linguagens – as línguas orais, maternas e estrangeiras, e a escrita – universo ao
qual se podem hoje acrescentar as linguagens de programação, as notas musi-
cais, o sistema de numeração, os símbolos matemáticos, etc. Os signos atuam
no nível psíquico e sua internalização provoca uma série de transformações na
consciência do indivíduo, modificando sua visão da realidade e de si próprio.
As linguagens constituem o sistema simbólico básico humano, originando-se a
partir da necessidade de comunicação, tanto para a convivência, quanto para
o desenvolvimento conjunto do trabalho. As linguagens, para o indivíduo,
se prestam à organização das ideias e pensamentos, possibilitando que sejam
expressos e, assim, disponibilizados aos demais elementos do grupo social.
Segundo Vygotsky, a aprendizagem é o que determina o desenvolvi-
mento cognitivo: “O aprendizado é um aspecto necessário e universal do processo
de desenvolvimento das funções psicológicas culturalmente organizadas e especifica-
mente humanas” (VYGOTSKY, 1984, p. 101). Os dois processos, aprendizado e
desenvolvimento, são interligados e ocorrem graças às interações do indivíduo
com o meio. O desenvolvimento do homem depende do aprendizado que
ocorre durante as interações com os outros indivíduos e os instrumentos. Tal
aprendizado não é, contudo, unilateral, mas recíproco. Isto é, ao aprender, o
indivíduo também “ensina” e interfere no grupo. Os dois processos, aprendi-
zado e desenvolvimento, de origem genética e natureza distinta, acontecem
simultaneamente e são interdependentes.
Aprendizado e desenvolvimento se dão por meio da evolução das
funções psicológicas superiores do indivíduo, que são as ligadas aos mecanismos
intencionais, tais como atenção voluntária, controle do comportamento,
102 N. M. L. Costa

memorização, formação de conceitos, pensamento abstrato, raciocínio


dedutivo, capacidade de planejamento, etc. As funções superiores se desen-
volvem durante as relações sociais, a partir, principalmente, da aquisição das
linguagens.
O desenvolvimento e a internalização dos processos culturais ocorrem
primeiro no nível social-interpsicológico – pela interação com o meio – e, depois,
no nível individual-intrapsicológico – no interior do indivíduo. É do fluxo entre
interior e exterior que as ações mentais e o aprendizado se desenvolvem, na
direção do social para o individual. A aprendizagem impulsiona o desenvolvi-
mento e este produz novas possibilidades de aprendizagem.
No movimento entre o nível interpessoal e o intrapessoal está a zona
de desenvolvimento proximal (z.d.p.), definida por Vygotsky (1984) como
sendo “a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar
pela solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial,
determinado pela solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colabo-
ração com companheiros mais capazes” (p. 97). Ela define as funções superiores
ainda não amadurecidas, mas presentes no indivíduo, essas “funções poderiam
ser chamadas ‘brotos’ ou ‘flores’ do desenvolvimento...” (VYGOTSKY, 1984, p.
97). A colaboração e o papel do mediador, que pode ser uma pessoa ou um
instrumento da cultura agindo na z.d.p. do indivíduo, são fundamentais para o
amadurecimento das funções superiores humanas.
A mediação é entendida como o processo de intervenção de um
agente intermediário, de forma que a relação entre o sujeito e o objeto deixa
de ser direta. Em particular, no processo educacional, as interações mais ricas
são as estabelecidas entre pessoas com diferentes níveis de experiências. O
professor, os outros alunos e os instrumentos são tanto mais eficientes quanto
mais próximos agirem da z.d.p. do aprendiz.
A partir dessas reflexões sobre mediação da aprendizagem passo a
conceituar mediação pedagógica. Nesse texto sigo os autores Perez e Castillo
(1999) e Masetto (2000), para os quais mediação pedagógica significa tanto
a forma de apresentar e de tratar um conteúdo quanto a postura de quem o
apresenta e inclui também o modo de se estabelecer o relacionamento entre
os alunos. A mediação pedagógica liga-se à atitude e ao comportamento do
professor que se coloca como interlocutor, como incentivador ou como moti-
vador do aluno para o aprendizado.
Reflexões sobre Tecnologia e Mediação Pedagógica ... 103

Nas palavras de Masetto (2000, p. 144–5), o professor mediador “[...]


se apresenta com a disposição de ser uma ponte entre o aprendiz e sua apren-
dizagem – não uma ponte estática, mas uma ponte rolante, que ativamente
colabora para que o aprendiz chegue aos seus objetivos”.
Considerando que as tecnologias de informação e comunicação podem
viabilizar para os indivíduos o acesso às informações mais diversas dos quatro
cantos do mundo, a aprendizagem torna-se possível hoje de uma forma nunca
antes sonhada na história da humanidade. Abrem-se possibilidades inovadoras
para o ensino, porque o professor pode estar em contato com seus alunos fora
do espaço restrito da sala de aula, rompendo a barreira de tempo e espaço. Tais
opções impelem os educadores para a busca de metodologias que otimizem
as aulas presenciais, de forma que os momentos nos quais professor e alunos
estão juntos sejam importantes e significativos, e, como desdobramento, a
comunicação seja intensificada entre eles nos períodos não presenciais.
Segundo Perez e Castillo (1999): “A mediação pedagógica busca abrir
um caminho a novas relações do estudante: com os materiais, com o próprio
contexto, com outros textos, com seus companheiros de aprendizagem,
incluído o professor, consigo mesmo e com o seu futuro.” (p. 10). Os autores
chamam a atenção para a visão da mediação pedagógica como um processo que
inclui tanto o professor quanto o aluno, além dos instrumentos e dos materiais
diversos usados para estabelecer a comunicação.
O professor como mediador deve estar centrado prioritariamente na
aprendizagem e empreender ações em parceria com os estudantes. É evidente
que, no grupo, o seu papel é diferente do desempenhado pelo aluno, ou seja,
o professor deve dominar profundamente o conteúdo para apresentar contri-
buições. Ele, contudo, também pode atuar como pesquisador nos assuntos
envolvidos na atividade. Não tendo necessariamente todas as respostas para
as situações nela envolvidas, ele deve ser criativo e ter disponibilidade para
o diálogo, de forma a promover a comunicação e desencadear o processo de
aprendizagem.
Para exercer a mediação da aprendizagem, na perspectiva desses
autores, é necessário que o professor desenvolva novas atitudes e que, além
disso, haja uma mudança também no papel do aluno. O aluno precisa ser um
aprendiz ativo e participante, e, se o hábito deste é o de apresentar uma postura
passiva, é importante promover uma mudança de mentalidade e de postura, de
104 N. M. L. Costa

tal modo que ele trabalhe individualmente para aprender e, em grupo, para
colaborar na aprendizagem. O professor e os estudantes devem ser considerados
como parceiros, ou seja, deve-se desenvolver o senso de corresponsabilidade.
Quanto ao docente, ele deve sair da posição de conhecedor absoluto do tema
em estudo e lançar-se no processo de construção de conhecimento pondo-se
em contato direto com seus alunos e, se necessário, pesquisando com eles.
Naturalmente, esses novos papéis a desempenhar podem gerar descon-
forto e insegurança tanto para o professor quanto para o aluno. É, contudo,
interessante assinalar que, nesse processo, o professor se aproxima dos alunos,
passa do papel de autoridade inconteste do saber para o de mediador entre
o aluno e o saber, e, em determinadas situações, aprende durante o próprio
processo de ensino. Quanto ao aluno, ele deixa de receber as respostas prontas
e passa a conduzir a própria aprendizagem.
É preciso considerar, ao planejar ações de formação do professor
mediador, que o objetivo principal passa a ser o desenvolvimento do processo
de aprendizagem, e que isso exige a utilização de novas metodologias didáticas
para promover a interação, a pesquisa, o debate e o diálogo. Nesse sentido, é
necessário que o professor acredite na capacidade do aluno, quer para aprender,
quer para orientar-se em sua própria aprendizagem.
Segundo Masetto (2000), na mediação pedagógica deve-se: dialogar
sempre e considerar as necessidades momentâneas do mediado e a dinâmica de
cada atividade; trocar experiências, debater dúvidas e lançar questões nortea-
doras; desencadear e incentivar reflexões; garantir a dinâmica do processo de
aprendizagem; propor situações-problema e desafios; relacionar a aprendizagem
com a sociedade; orientar o aprendiz em suas dificuldades e colocá-lo diante de
situações éticas, sociais e profissionais; incentivar a crítica e a comprovação da
validade das informações obtidas.
O autor salienta que a metodologia escolhida, assim como a avaliação
da aprendizagem, são partes integrantes do processo de mediação pedagógica.
O método de trabalho pode contemplar diversas técnicas, quer as tradicionais
quer as inovadoras, mas deve escolhê-las sempre tendo em vista os princípios
ético-pedagógicos do professor e os objetivos visados. Quanto ao processo de
avaliação, ele deve ser integrado ao processo de aprendizagem e apresentar como
característica a diversidade e a continuidade, isto é, deve ser variado e perpassar
todo o processo de aprendizagem, e não apenas espelhar momentos particulares.
Reflexões sobre Tecnologia e Mediação Pedagógica ... 105

A avaliação tem o propósito de nortear o trabalho pedagógico fornecendo feed-


back sobre a evolução da aprendizagem e, para o aluno, deve ser motivadora e
auxiliá-lo na construção do conhecimento.
A mediação, segundo os autores acima discutidos, está calcada na
descrição explícita dos papéis, tanto do mediador quanto do mediado e dos
objetos mediadores. Outro importante enfoque para a mediação, que comple-
menta essas reflexões, vem de biólogos como Maturana e Varela, que definem
a mediação pedagógica como sendo sistêmica.
Para Maturana e Varela (1995), a mediação é um processo comuni-
cacional caracterizado pela formação de um sistema que inclui o professor, o
aluno e os objetos. Esse sistema é estruturalmente acoplado e nele ocorrem
processos de adaptação, aprendizagem e desenvolvimento. Na visão sistêmica
e autopoiética7, pressupõe-se a existência de influências recíprocas na relação
professor-aluno. De acordo com esse enfoque, cada um dos elementos envol-
vidos na mediação intervém sobre o outro e cada qual vem a ser o meio para a
autoconstrução e para a aprendizagem do outro.
O significado e o propósito da mediação pedagógica estão no fluxo das
interações, nas conversações que se estabelecem e nos processos reflexivos que
se desenvolvem nesse diálogo. O mediador, a fim de alcançar seus objetivos,
usa o processo reflexivo para identificar o que ocorre consigo mesmo e com o
outro, e para orientar a sua prática pedagógica aprimorando a qualidade do
diálogo. Além do diálogo externo, ele desenvolve um diálogo interno que o
ajuda na compreensão da situação e de sua própria prática.
Como definiram Maturana e Bloch: “A ação e reflexão devem vir
juntas, entrelaçadas, modulando-se recursivamente no viver. A reflexão altera
o curso do fazer e coloca a atenção do ‘fazedor’ no âmbito da ética onde este não
pode deixar de ser consciente de sua responsabilidade em seu fazer” (1996 apud
MORAES, 2000, p. 2).
A partir das reflexões postas acima, concluo que a mediação pedagó-

7
  Autopoiese é a auto-organização criativa do ser. Segundo Maturana e Varela
(1995): “[...] a característica mais marcante de um sistema autopoético é que
ele se levanta por seus próprios cordões e se constitui como distinto do meio
circundante mediante sua própria dinâmica, de modo que ambas as coisas são
inseparáveis produzindo-se continuamente a si mesmas (p. 87).
106 N. M. L. Costa

gica, na perspectiva dos autores citados, se distancia completamente da figura


do professor que se preocupa em recitar conteúdos para um aluno passivo. Na
verdade, a mediação pedagógica concebida por eles apresenta uma caracte-
rística que os unifica; para todos eles a mediação pedagógica é vista como um
processo no qual educador e educando desenvolvem uma relação dialógica em
que ambos são coautores da produção do saber.
A mediação pedagógica e a interação estão profundamente interli-
gadas. A mediação se desenvolve a partir das interações entre os elementos
envolvidos no processo de aprendizagem. Para que as interações aconteçam,
é necessária uma estrutura flexível e recursiva que favoreça o processo de
reconstrução e ressignificação da realidade.

Tecnologia: ferramenta para a mediação pedagógica

A tecnologia e, em particular, o computador, uma vez presente


no ambiente de aprendizagem, não é neutra. Ela interfere no processo de
ensino e de aprendizagem e exerce uma influência que deve ser considerada
e investigada. Diversos pesquisadores, como Turkle (1989, 1997), Santaella
(1997), Valente (1993), Taylor (1980), Carvalho. (2000), entre outros, têm se
dedicado ao estudo das relações entre humanos e computadores e ao estudo
da comunicação mediatizada8 pelo computador, que tem sido designada de
“computer mediation”.
O uso dos computadores pessoais começou a se difundir a partir do final
dos anos 1970, inicialmente entre os “experts” em programação, isto é, profis-
sionais técnicos e pesquisadores da área de Inteligência Artificial. Ao longo da
década de 1980, os computadores se popularizaram graças à diminuição do custo,
atingindo outros profissionais até alcançar o público em geral. Nesse panorama,
um novo tipo de indivíduo entra em cena, ou seja, há “[...] o surgimento da
categoria dos usuários – os cidadãos comuns9, que passam a interagir com os

8
  A expressão “comunicação mediatizada” é usada por Belloni (1999) para designar
os elementos por meio dos quais ocorre a mediação; por exemplo, pode ser o
telefone, o computador, etc.
9
  Os “cidadãos comuns” sobre os quais o autor se refere são, nesse contexto, os não
Reflexões sobre Tecnologia e Mediação Pedagógica ... 107

computadores [...]” e ocorre, paralelamente a esse fato, “[...] o desenvolvimento


dos ambientes simulados, propiciadores de alta interatividade entre humanos
e máquinas” (CARVALHO, ibidem, p. 20). Começa assim um novo tipo de
relação entre o homem e as máquinas.
Segundo Carvalho (ibidem) – que estudou a interação entre humanos
e computadores –, a relação entre eles é peculiar, não tendo paralelo com
qualquer outra relação existente entre homens e artefatos tecnológicos
anteriores. Carvalho, embasado em Lyman, afirma que os computadores
provocam, em humanos, reações emocionais, e argumenta que, embora os
computadores sejam máquinas, as respostas produzidas por eles vão além do
que os sujeitos esperam de objetos mecânicos, de tal forma que, entre a pessoa
e o “seu” computador é estabelecida uma relação particular, como se este
último fosse uma companhia para ela. Embora computadores sejam máquinas,
eles respondem de uma maneira mais que mecânica; nas palavras de Lyman
(1997): “[Computadores] são uma espécie de outro, se não são totalmente
um ‘eu’”. (p. 120 apud CARVALHO, 2000, p. 23). Tal percepção sugere um
relacionamento entre homem e máquina muitas vezes próximo da relação
entre humanos.
Para os autores citados acima, com os quais concordo, o computador
interfere no ser humano de uma estranha forma. Afetando mais que a parte
cognitiva, ele age também no emocional e pode modificar procedimentos e
ações humanas.
Para analisar a relação entre homens e computadores, é importante
discutir a posição ocupada pelo computador na cultura atual. Carvalho
(2000), apoiando-se em Santaella, apresenta uma análise da evolução tecno-
lógica, acompanhada da relação homem-máquina. Os artefatos tecnológicos
são separados por Santaella em três níveis: o primeiro é o das máquinas
musculares, o segundo é o das sensórias, e o último, das máquinas cerebrais.
Máquinas musculares são as que substituem a força física do homem e meca-
nizam a locomoção, tais como a catapulta, o macaco hidráulico e a máquina a
vapor; sensórias são as máquinas que “funcionam como extensões dos sentidos
humanos especializados, quer dizer, extensões do olho e do ouvido de que a

especialistas em tecnologia, grupo que exclui os programadores, os hackers, os


analistas e outros profissionais técnicos.
108 N. M. L. Costa

câmera fotográfica foi inaugural” (SANTAELLA, 1997 apud CARVALHO,


2000, p. 25); e a metáfora de “máquinas cerebrais” foi escolhida para designar
os computadores.
Santaella explica que as máquinas musculares auxiliam o homem ao
intensificar sua força, facilitar a movimentação e aumentar a precisão durante
a realização de diversas tarefas. Já as máquinas sensórias produzem imagens e
sons, funcionando como se elas dilatassem o alcance dos sentidos humanos.
No último nível de evolução estão os computadores, que são como máquinas
cerebrais, porque eles simulam e imitam os processos mentais humanos,
processando símbolos. Além disso, os computadores apresentam a importante
característica de poderem se justapor às máquinas anteriores. “Eles se acoplam
às máquinas sensórias – que continuam a produzir e reproduzir símbolos...
– e passam a funcionar como manipuladores de símbolos. Em larga medida,
acoplam-se também às máquinas musculares e, nos processos fabris, passam
a comandar um tipo específico de artifício, os robôs, na produção de outras
máquinas” (CARVALHO, 2000, p. 27).
Esse terceiro nível de evolução das máquinas configura, para Santaella
(1997, p. 40-41), um novo tipo de humanidade:

Cada vez mais a comunicação com a máquina [...] foi substituída


por processos de interação intuitivos, metafóricos e sensório-
motores, em agenciamentos informáticos amáveis, imbricados e
integrados aos sistemas de sensibilidade e cognição humana. Enfim,
o próprio computador, no seu processo evolutivo, foi gradativamente
humanizando-se, [...] até ao ponto de podermos falar num processo
de co-evolução entre o homem e os agenciamentos informáticos,
capazes de criar um novo tipo de coletividade, não mais estrita-
mente humana, mas híbrida, pós-humana, cujas fronteiras estão
em permanente redefinição. É justamente esse novo ecossistema
sensório-cognitivo que está lançando novas bases para repensar a
robótica, não mais como máquinas que trabalham para o homem,
mas como a emergência de um novo tipo de humanidade.

Importante contribuição para o entendimento das relações entre os


humanos e as máquinas vem dos estudos de Turkle (1989), segundo a qual
não existe analogia entre o trabalho realizado com computadores e qualquer
outro artefato ou processo tecnológico anterior. Para ela, como para Papert, os
Reflexões sobre Tecnologia e Mediação Pedagógica ... 109

computadores são “objetos-com-os-quais-pensar”10, isto é, podem auxiliar no


desenvolvimento dos processos mentais e, ao mesmo tempo, afetam o modo
de pensar dos indivíduos e o que eles pensam sobre si próprios. Ela argumenta
que o computador pessoal funciona como um meio projetivo para o sujeito,
que passa a vê-lo como um outro ser, que invade sua vida social e afeta seu
desenvolvimento psicológico. Turkle (1989) considera o computador como
“[...] uma ‘máquina psicológica’, não exatamente porque se possa dizer que
ele tem uma psicologia, mas porque ele influencia como pensamos sobre nós
próprios” (apud CARVALHO, 2000, p. 33).
A partir das reflexões sobre as relações entre humanos e máquinas,
vale refletir sobre o papel da tecnologia e, em particular, do computador
na escola. Segundo Valente (1993a), com o computador na Escola pode-se
ensinar computação ou os mais diversificados assuntos. Se o objeto de estudo
é o próprio computador, o ensino visa levar o aluno a adquirir conhecimentos,
tais como: as características e o funcionamento da máquina, as diversas
linguagens de programação, etc. Na outra perspectiva, que é a da Informática
Educativa, o que se pretende é desenvolver o ensino em geral, não só o da
computação. Neste último caso, a máquina é entendida como meio para o
aluno obter informações, adquirir conceitos e construir conhecimentos nas
mais diferentes áreas.
Valente classifica os softwares educativos, usados nesta última abor-
dagem, em dois tipos: aqueles a partir dos quais o computador “ensina” o aluno,
ou, ao contrário, aplicativos a partir dos quais o aluno “ensina” o computador,
isto é, softwares que permitem ao aluno instruir o computador. No primeiro tipo,
o computador é visto como “máquina de ensinar”. A perspectiva educacional
é a de instruir o aprendiz com o auxílio do computador, e a fundamentação
teórica encontra-se nos métodos de instrução programada, nos quais, em vez
do livro, do papel e do lápis, usa-se o computador. No segundo caso, quando
o aluno “ensina” o computador, é preciso que esse aluno use uma linguagem
de programação, crie e manipule bancos de dados, ou use um processador de
textos ou, então, um outro ambiente que auxilie o usuário na resolução de
problemas, na criação de desenhos, esquemas, etc. O computador desempenha
o papel de uma “ferramenta para ensinar”.

10
  Objects-to-think-with.
110 N. M. L. Costa

Outra classificação é a clássica de Taylor (1980 apud VALENTE,


1993a), que considera três tipos básicos de softwares educativos: tutorial
(“tutor”) – software que instrui o aluno; tutorado (“tutee”) – software que
permite ao aluno instruir o computador; e ferramenta (“tool”) – software com
o qual o aluno manipula a informação.
Valente (1999a, p. 108) alerta os educadores sobre a escolha de
programas computacionais que transmitem as informações. Para ele os
tutoriais e os recursos multimídia que já vêm prontos são os menos efetivos
para promover a compreensão do que o aprendiz faz, ao passo que softwares
abertos, “[...] que permitem ao aluno realizar tarefas e resolver problemas,
como as linguagens de programação, os sistemas de autoria para a construção
de multimídia, os processadores de texto, podem contribuir para o processo de
conceituação e o desenvolvimento de habilidades importantes [...]” (ibidem,
p. 108).
De acordo com Valente (1993, p. 5), o uso do computador interessa no
ensino para “[...] ser uma ferramenta de complementação, aperfeiçoamento e
de possível mudança na qualidade de ensino” Ele alerta que o computador pode
propiciar as condições para que os alunos exercitem a capacidade de procurar
e selecionar informações, resolver problemas e aprender independentemente.
Valente considera que softwares para manipulação de dados, confecção e trans-
formação de gráficos, sistemas de autoria e calculadores numéricos podem ser
usados por alunos e professores para a construção do conhecimento: “Talvez
constituam uma das maiores fontes de mudança do ensino e do processo de
manipular informação.” (1993a, p. 11).
Quando o aluno “ensina” o computador, ele necessita representar
suas ideias. Por exemplo, ao programar é preciso descrever os procedimentos
por meio de uma linguagem específica (LOGO, BASIC, etc.). Feito isso, o
computador irá executar o que foi descrito pelo aluno e expor o resultado.
A partir desse feedback, o aluno reflete e detecta se o produto foi o esperado
por ele. Caso não seja, o aprendiz pode depurar seu raciocínio, isto é, analisar
sua descrição, reformular as ideias, desenvolver novas estratégias ou buscar
informações complementares. A partir dessa depuração, pode reestruturar
seu programa agregando suas descobertas e recomeçando, desse modo, todo
o processo. Forma-se, assim, um ciclo, que foi descrito por Valente como ciclo
da descrição-execução-reflexão-depuração. Nesse tipo de processo, o aluno “[...]
Reflexões sobre Tecnologia e Mediação Pedagógica ... 111

está criando suas próprias soluções, está pensando e aprendendo sobre como
buscar e usar novas informações (aprendendo a aprender)” (1997, p. 3). As
descrições do aluno são todas registradas na programação, e esses registros
podem auxiliar a aprimorar o raciocínio, porque eles permitem a recuperação
de cada uma das etapas e possibilitam a discussão das estratégias usadas e a
reflexão sobre as formas de pensamento empregadas (pensar sobre o pensar).
Valente argumenta que: “O computador para ser efetivo no processo
de desenvolvimento da capacidade de criar e pensar não pode ser inserido
na Educação como uma máquina de ensinar [...], deve ser usado como uma
ferramenta que facilita a descrição, a reflexão e a depuração de idéias”. (1993b,
p. 42). Partindo dessa argumentação, ele acrescenta que “os tutoriais e demais
softwares que promovem o ensino [pressupõem] que a tarefa do professor é
passível de ser totalmente desempenhada pelo computador e, talvez, com
muito mais eficiência” (1997, p. 2). Esse tipo de ensino, efetuado apenas via
transmissão de informações, não produz, contudo, o profissional/aprendiz que
se deseja hoje, tópico que já foi objeto de discussão neste capítulo. Para Valente,
as indispensáveis competências e atitudes a desenvolver nos alunos não podem
ser apenas transmitidas. Antes, precisam ser construídas de forma individual
e devem “[...] ser fruto de um processo educacional em que o aluno vivencie
situações que lhe permitam construir e desenvolver essas competências. E o
computador pode ser um importante aliado nesse processo” (ibidem, p. 2).
Para além dessa aliança, e a despeito de a forma mais eficiente para a
aprendizagem ser o uso de softwares que funcionem como ferramenta, é impor-
tante salientar que ”[...] o ciclo descrever-executar-refletir-depurar-descrever
não se realiza simplesmente posicionando-se o aprendiz diante do computador.
A interação aluno-computador necessita da mediação de um profissional – o
agente de aprendizagem – que tenha conhecimento do significado do processo
de aprender por intermédio da construção do conhecimento” (VALENTE,
1999a, p. 109).
112 N. M. L. Costa

Considerações Finais

A partir das reflexões feitas nesse texto, enfatizo características dos


processos de formação de professores com e para o uso de tecnologia educa-
cional, com o objetivo de sugerir discussões sobre o tema e proposições de
futuras pesquisas.
Considerando a Escola entendida como uma comunidade de aprendi-
zagem, ou seja, um local de geração de conhecimento, é importante que: (1) a
formação, sempre que possível, seja desenvolvida na escola levando em conta
o contexto escolar, isto é, seja desenhado para atender necessidades específicas
da particular comunidade; (2) ocorra em períodos contínuos e prolongados de
tempo; (3) os recursos tecnológicos sejam usados de forma integrada a outros
recursos educacionais e em todas as etapas do processo formativo.
Para que o desenvolvimento profissional docente seja impulsionado
e para que as transformações nas práticas didáticas do professor ocorram,
acredito ser fundamental, assim como aponta Schon, que se promova, nos
processos formativos, a reflexão na e sobre a prática. Ela pode legitimar ou
refutar teorias, crenças e conhecimentos. A reflexão envolve inferências,
generalizações, analogias e avaliações, e pode conduzir a uma validação das
aprendizagens anteriores. Assim, por meio da reflexão, o professor analisa se
seus conceitos são funcionais e se se adaptam à prática. É válido que ele reflita
tanto sobre a própria prática, como sobre a dos demais e que tenha a possibili-
dade de discutir e de trocar ideias com outros docentes de seu grupo.
Finalizando, considero que a incorporação e a reconfiguração das
práticas didáticas demandam tempo, espaço mental e requerem a existência
de oportunidades favoráveis à evolução profissional. Assim sendo, concluo ser
fundamental, nos processos formativos, o desenvolvimento de conhecimentos
pedagógicos e específicos, o que envolve discutir, nos processos formativos,
pelos menos em parte, os seguintes temas: processo de aprendizagem dos
alunos; ensino para alunos diversos; organização e gestão da classe; conteúdos
a ensinar; tecnologia educacional; e envolvimento dos pais e da comunidade
tanto na Escola quanto no processo de aprendizagem dos alunos.
Reflexões sobre Tecnologia e Mediação Pedagógica ... 113

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Educação Matemática, Tecnologia e Formação de Professores: Algumas Reflexões
pp 117-132
Copyleft 2010 by Willian Beline e Nielce Meneguelo Lobo da Costa (Orgs)
Editora da FECILCAM | Campo Mourão - PR | http:// www.fecilcam.br/editora

Capítulo 4

EDUCAÇÃO BIMODAL NO CURSO DE PEDAGOGIA:


APRENDIZAGENS EM ESTATÍSTICA APLICADA À
EDUCAÇÃO

Suely Scherer1
Centro Universitário de Jaraguá do Sul – UNERJ
Universidade Federal do Paraná – UFPR

Resumo

Este artigo apresenta um processo de formação inicial de professores na disciplina de


Estatística Aplicada à Educação, no curso de Pedagogia de um Centro Universitário de
Santa Catarina, que aconteceu em formato bimodal – parte presencial e parte virtual.
Apresenta-se a estruturação e os movimentos da disciplina, analisando atitudes da
professora e de uma aluna ao longo do processo de ensino e aprendizagem. Ao fazer
a análise de alguns movimentos de aprendizagem registrados no ambiente virtual da
disciplina, são identificadas atitudes da aluna e da professora que favorecem a formação
inicial de professores que ensinam ou que irão ensinar matemática.

Palavras-chave: Educação bimodal. Formação inicial de professores. Estatística.

1
  susche@gmail.com
118 S. SCHERER

1. Introdução

Ao planejar e agir na formação de professores não podemos mais pensar
apenas em momentos presenciais. Entende-se que é necessário contemplar as
possibilidades de processos de ensino e aprendizagem a distância e realizados
em ambientes virtuais de aprendizagem que se utilizam de internet. Ou seja, é
necessário pensarmos em processos de educação bimodal – parte presencial e
parte a distância. Assim, fazendo um recorte da minha pesquisa de doutorado
(SCHERER, 2005), irei analisar, neste artigo, movimentos de comunicação
e de aprendizagem presentes no desenvolvimento da disciplina de Estatística
Aplicada à Educação, do curso de Pedagogia (habitação em educação infantil
e séries iniciais do ensino fundamental) de um Centro Universitário de Santa
Catarina. Os sujeitos da pesquisa sou eu (professora da disciplina) e um grupo
de acadêmicas do curso, formandas de 2006.
Os registros usados para análise foram copiados de espaços virtuais
que constituíam o ambiente virtual da disciplina: fóruns, espaço de projetos
e webfólios (diários de bordo dos alunos). A análise apresentada neste artigo
aborda a organização da disciplina no formato de educação bimodal e os
movimentos de comunicação e aprendizagem dos sujeitos envolvidos nesse
processo. São identificadas atitudes da professora e das alunas que favoreceram
a aprendizagem das alunas (futuras professoras que ensinarão matemática), na
disciplina de Estatística Aplicada à Educação.
O artigo aponta movimentos importantes para a formação inicial
de professores que ensinam/ensinarão matemática, identificando atitudes da
professora (eu) e especialmente de uma acadêmica. A escolha da acadêmica
foi realizada pelo fato de ela ser silenciosa em espaço presencial e comunicativa
em ambiente virtual.

2. Educação Bimodal e a Disciplina de Estatística Aplicada à Educação

A disciplina de Estatística Aplicada à Educação, no curso de Pedagogia


do Centro Universitário que foi o locus da pesquisa, é desenhada em torno de
uma problemática coletiva, escolhida no primeiro dia de aula. Esse problema
de pesquisa é o norteador das discussões de conceitos, dos procedimentos e
Educação Bimodal no Curso de Pedagogia 119

das atitudes da Estatística. Como a problemática é escolhida pelos alunos, a


partir de discussões em pequenos grupos, e, ao final, pela turma de alunos, a
necessidade e o desejo de aprender são motivos que movimentam o processo
de aprendizagem da maioria dos alunos do grupo. No encaminhamento do
estudo da problemática de pesquisa, os alunos, em parceria com a professora,
definem objetivos e metodologias, além de elegerem um índice de conteúdos a
serem estudados para obterem algumas respostas à problemática levantada.
Durante o desenvolvimento da pesquisa a partir da problemática defi-
nida, como professora, orientei as alunas, questionando, propondo, trazendo
novas informações sobre a temática em estudo, e planejando ações que possi-
bilitassem a construção de conceitos, procedimentos e atitudes relacionadas
à Estatística. Assim, os alunos podem aprender esses conceitos estatísticos
de forma contextualizada, pois necessitam construir esses conceitos para
conseguir resolver a problemática escolhida. Por esse motivo, ao escolherem
a problemática a ser discutida durante o semestre letivo, sugere-se que eles
pensem em uma temática que necessite do levantamento de dados junto a
uma população específica, ou seja, que desencadeie uma pesquisa pelo método
estatístico.
E, assim, a partir da problemática escolhida, são vivenciados os encon-
tros da disciplina, oportunizando que as alunas possam responder à questão
que levantaram em parceria comigo. É importante lembrar que, ao mesmo
tempo em que os conteúdos da Estatística são discutidos, são oportunizadas
reflexões sobre o ensino e a aprendizagem de conceitos estatísticos nas escolas,
e a aprendizagem de conceitos, procedimentos e atitudes em relação à proble-
mática proposta pelo grupo.
Ao propor esse processo, tenho por objetivo possibilitar a esses alunos,
futuros professores de matemática, vivenciarem um processo diferente dos
vividos por eles nas escolas de Educação Básica, os quais, em sua maioria,
representam a educação bancária anunciada por Paulo Freire (2001). Esse
processo possibilita iniciar uma discussão sobre como pode ser o trabalho com
Estatística, e com a Matemática como um todo, na escola, junto aos alunos de
Educação Infantil e Séries Iniciais. Afinal, eles são professores em formação
inicial, que ensinam ou ensinarão matemática.
O que se espera é que esses professores em formação, ao vivenciarem
um processo de aprendizagem de conceitos matemáticos que possui uma
120 S. SCHERER

“forma” diferente daquela que viveram como alunos do Ensino Fundamental


e Médio, possam compreender, sentir e ensinar matemática de forma mais
contextualizada, interdisciplinar e significativa. Afinal, pesquisas como a de
Silva (2001) mostram que os futuros professores tendem a “copiar” as aulas de
seus professores formadores, daí a responsabilidade de pensarmos em propostas
de formação preocupadas com a qualidade da educação matemática, compre-
endida em seu sentido problematizador e ecologizador. Para Morin (2001),
ecologizar uma disciplina é considerar o contexto da disciplina, inclusive as
condições culturais e sociais, observando em que meio ela nasceu, levantou
problemas, ficou esclerosada e transformou-se.
O sentido ecologizador impede a fragmentação dos saberes, apre-
endendo o complexo, e evitando o pensamento simplificador. É importante
considerar esse aspecto na formação de professores, afinal, na maioria das
vezes, os modelos de ensino e de aprendizagem que os professores em formação
conhecem são centrados no professor, na repetição de fórmulas e de algoritmos,
no medo e na ação cômoda do não pensar, fragmentada e fechada em si. Daí
o grande desafio de ser formadora de professores que ensinam/ensinarão
matemática.
O processo de ensino e de aprendizagem vivido por um grupo de 38
alunas e por mim, desde o ano de 2004, é organizado e implementado em
diferentes espaços: momentos presenciais, ambiente virtual de aprendizagem
e material impresso (SCHERER, 2004). Assim, ocorreu que, em 2004, a disci-
plina se desenvolveu 35,29% na modalidade a distância, ou seja, foi oferecida
a Educação Bimodal. Isso foi possível porque os 20% sobre a carga horária
total do curso, permitidos para essa modalidade pelo MEC (Portaria nº 4.059,
de 10 de dezembro de 2004), não foram usados em sua totalidade pelas demais
disciplinas. Assim, ao todo foram 17 (dezessete) encontros na disciplina, sendo
11 (onze) realizados presencialmente e 6 (seis) realizados a distância. Pode-se
observar a sequência da distribuição das aulas do semestre no esquema a
seguir, considerando P-momentos presenciais, e V-momentos na modalidade
de EaD:
Educação Bimodal no Curso de Pedagogia 121

Figura 1 - Distribuição das aulas segundo a modalidade em que foram


trabalhadas.
No ambiente virtual da disciplina, criado em linguagem HTML para
os encontros a distância, foram disponibilizados espaços coletivos de estudos
-- fóruns e produções --, e espaços individuais de produção e orientação
-- os webfólios --, onde se discutiam, individual e coletivamente, conceitos
e processos da disciplina. É importante destacar que, ao elaborarmos uma
proposta de Educação Bimodal, são várias as possibilidades e as tecnologias
que podemos estar incorporando ao processo de ensino e de aprendizagem,
pois a cada instante surgem novas tecnologias de informação e comunicação,
viabilizando a comunicação via textos, imagens e/ou sons, seja de pontos fixos
ou de móveis.
Para a criação de ambientes virtuais de aprendizagem, não podemos
esquecer de considerar todas as possibilidades trazidas pela web 2.0, como os
espaços de wikis, blogs, orkut, dentre outras possibilidades. E, ao considerar
essas possibilidades, precisamos atentar para a disponibilização de materiais
em diferentes linguagens, como imagens, textos escritos, áudios, vídeos...
disponíveis nos espaços da Internet.
Instituição e professor podem, portanto, fazer as suas escolhas
considerando o que há disponível e está acessível, tanto ao professor quanto
aos alunos. O que se torna imprescindível, no entanto, é o cuidado com a
educação que se propõe, o movimento de aprendizagem que é favorecido, a
atitude do professor como orientador/problematizador, pois não há tecnologia
que substitua o professor.

3. Atitude e Ações do Educador na Educação Bimodal

Nos diferentes espaços presenciais e virtuais de aprendizagem, os


alunos têm a possibilidade de aprender e ensinar, e o professor também.
Alguns movimentos na disciplina de Estatística Aplicada à Educação, como os
dos processos vividos nos webfólios individuais e fóruns, no ambiente virtual,
e os movimentos gerados nos ambientes presenciais, possibilitaram que eu
122 S. SCHERER

compreendesse a forma como as alunas estavam aprendendo, refletindo e


tomando consciência de conceitos, procedimentos e atitudes relacionados à
educação estatística. Ao contemplar os movimentos registrados pelas alunas
no ambiente virtual, foi possível compreendê-las e apreendendo as suas formas
de aprender, podendo desafiá-las para novas aprendizagens. Podemos observar
isso em alguns recortes de registros no ambiente virtual da disciplina, como o
que segue:

Oi, H.H.B.! Gostei da tua explicação. Mas, será que como cada 1% vale 0,3, e não teríamos
que pegar 20 x 0,3 ao invés de 0,3 x 20? Lembras do que discutíamos em sala? Veja também
no fórum sobre porcentagem, esta discussão está por lá. Outro problema, como explicarias
a questão: De 40 morangos que estavam na caixa que comprei, 8 estavam podres. Qual o
percentual de morangos da caixa que estavam podres? E bons? Aguardo novidades... Bjs.
Suely (Intervenção da professora em um webfólio de aluna).

Ao contemplar, “ad-miramos”, segundo Freire (1992), vemos de


“dentro” e, desse “interior”, separamos o que observamos em suas partes e
voltamos a “ad-mirar” o todo, apropriando-nos do contexto, inserindo-nos
nele. O movimento de “ad-mirar” é um ato de conhecer, de compreender, de
leitura da palavra, do texto, do contexto, e do mundo. É um movimento que
objetiva a mudança pelo ato de conhecer, compreender e questionar. Nesse
sentido, temos de falar da atitude do professor, que caracterizo como sendo a
de habitante, visitante ou transeunte.
O professor que é habitante dos ambientes contempla, propõe,
articula, comunica e questiona. Ao questionar, conectado aos movimentos
de aprendizagem do grupo, o professor considera as certezas provisórias dos
alunos, seus conhecimentos prévios, suas histórias, a sua inteireza.

É a integração entre o sentir e o pensar que permitirá ao professor


educar visando à restauração da inteireza no sentido de colaborar
para a construção do ser humano como templo da inteireza, onde
pensamentos, emoções e sentimentos estejam em constante diálogo.
(MORAES, 2003, p. 128).

Se, porém, o professor é apenas visitante da aula que coordena, nem


sempre chega no momento adequado com a questão que desequilibra o aluno
Educação Bimodal no Curso de Pedagogia 123

em suas certezas. E, sendo transeunte, dificilmente questiona ou se posiciona,


prefere a não diretividade descompromissada, pautada na epistemologia
apriorista, detalhada por Becker (2001).
A pergunta que caracteriza o movimento de habitar do professor exige
a compreensão e a leitura atenta do grupo de estudantes ou de um aluno em
particular: no presencial, a leitura de seus olhares, seus movimentos corporais,
sinestésicos, a fala, os tempos e espaços usados; no virtual, a leitura de sua fala/
pensamento escrito, sua interação com os colegas e conhecimento. Essa leitura
atenta possibilita ao professor habitante da aula perceber os movimentos de
cada aluno em relação ao conhecimento de um objeto de estudo: seu interesse,
suas certezas, suas dúvidas... e, com essas informações, não descartando nada,
questiona, faz a pergunta que desafia o estudante para novas buscas, para a
reflexão, para a aprendizagem. Uma acadêmica confirma a importância dessa
atitude em outro registro no ambiente virtual da disciplina:

12/05/2004- Penso que seja a última vez que eu escreverei aqui, gostei muito de participar
do webfólio, foi um pouco diferente do que da 1ª fase, na minha opinião desse semestre foi
melhor, pois você questinou mais, estava em cima toda hora...um exemplo é da porcentagem,
se você não fizesse tanta pergunta, quem sabe eu não teria aprendido tanto porcentagem como
aprendi este semestre. Obrigada!!!! Beijos, H.H.B.!!!

Nesse processo, o professor aprende com o aluno, ao apreendê-lo.

O professor que não “aprende” seu aluno não adquire legitimidade


para ensinar. [...] O que o professor pode aprender de seus alunos?
Mais do que dados objetivos da cultura (conteúdo), o professor
precisa aprender o “universo cognitivo” (forma ou estrutura) do
aluno, seus conceitos espontâneos. Precisa construir noções do
alcance e dos limites da capacidade cognitiva do aluno. (BECKER,
2001, p. 85).

A escolha de sermos, como educadores, habitantes, visitantes ou


transeuntes nos é dada a cada início de disciplina ou curso. Cabe a nós conhe-
cermos as consequências dessas escolhas, responsabilizando-nos por cada ato,
por cada momento, por cada decisão, considerando a possibilidade de erros, de
omissões e de equívocos. Afinal, sendo habitantes, também somos humanos,
124 S. SCHERER

portanto, inacabados, o que nos possibilita continuar aprendendo, vivendo e


existindo.
O movimento de articulação entre os espaços também foi percebido
em diferentes momentos da disciplina de Estatística Aplicada à Educação.
A cada momento presencial, as acadêmicas foram desafiadas a refletir sobre
os seus processos de aprendizagem no ambiente virtual e vice-versa, sempre
usando diferentes linguagens. Esses desafios consistiram em movimentos de
uso da linguagem oral, outros em que as alunas usavam a linguagem oral,
escrita e/ou iconográfica.
No movimento da comunicação oral nos encontros presenciais, as
alunas eram questionadas pelas demais colegas e por mim. Eu as questionava
a partir do que já conhecia delas em seus movimentos de escrita no ambiente
virtual, desafiando-as a refletirem e usarem, além da linguagem falada, a
linguagem escrita, iconográfica e corporal, para expressarem o pensamento,
a operação mental que usavam ao buscar uma resposta aos seus problemas. O
desafio de terem de explicar por texto, fala e imagem, sem voltar a manipular
algum material que usavam, oportunizou a elas o enfrentamento de uma nova
dificuldade: a de iniciarem uma abstração. Segundo Becker (2001, p. 57),

[...] uma abstração, empírica e reflexionante ao mesmo tempo, que


poderá, ou não, demandar abstrações pseudo-empíricas e chegar, ou
não, a abstrações refletidas. O desenvolvimento do conhecimento
que, segundo Piaget, embasa toda a aprendizagem, ocorre neste
nível, e não no mero nível da prática. [...] Uma pessoa pode atra-
vessar sua vida repetindo tarefas práticas, com grande habilidade,
mas sem mostrar progresso significativo no conhecimento.

O fato de desafiar os alunos para refletirem não implica que eles atinjam
a abstração, mas o professor habitante está sempre planejando ações para
compreender o processo de aprendizagem do aluno, desafiando para que ele
avance. No momento da socialização, da exploração da linguagem oral, muitas
alunas expressaram a forma como estavam pensando o problema, outras perma-
neciam em silêncio, talvez pensando e operando2 sobre a questão, ou não.

2
  Operações, segundo Piaget (1973), qualitativas ou métricas, de correspondência,
reciprocidade ou complementaridade.
Educação Bimodal no Curso de Pedagogia 125

A partir desse movimento presencial fomos para um novo encontro


virtual, onde acompanhei, a partir de nossas intervenções, o processo de apren-
dizagem de cada aluna. Nem sempre em um encontro presencial é possível
compreender a forma de pensar de cada aluna, mas nos ambientes virtuais,
em tempos diferidos, o acompanhamento do professor pode ser mais próximo,
propondo ações, questionando individual e coletivamente, construindo
continuadamente, para propor o novo encontro presencial. E, nessa atitude,
habitando espaços presenciais e virtuais da formação inicial de professores,
propondo ações para que eles possam (re)significar a educação matemática
em um sentido mais contextualizado, ecologizador, problematizador e eman-
cipatório, com diferentes linguagens, que penso encontrar um caminho para
continuar formando professores que ensinam matemática.

4. Atitude e Ações do Aluno na Educação Bimodal

Pensar a formação inicial de professores implica pensar em atitudes do


professor, mas também em atitudes dos alunos, pois, como afirma Freire (2001,
p. 84), a educação autêntica “[...] não se faz de ‘A’ para ‘B’ ou de ‘A’ sobre
‘B’, mas de ‘A’ com ‘B’, mediatizados pelo mundo. Mundo que impressiona e
desafia a uns e a outros, originando visões ou pontos de vista sobre ele.” Assim,
para dialogar sobre a importância da atitude do aluno, apresento recortes do
movimento de uma aluna habitante do grupo investigado. Escolhi o processo
da aluna J.V., sendo ela uma aluna, conforme Pallof e Pratt (2002), considerada
quieta na sala de aula presencial, mas barulhenta na sala de aula virtual. Daí a
importância de uma educação bimodal.
Desde o primeiro momento virtual, essa aluna mostrou-se aberta ao
processo de aprendizagem em ambientes virtuais, o que favoreceu o fluir de
sua movimentação em relação ao ensino e à aprendizagem, pois nos primeiros
encontros presenciais expressava-se oralmente apenas quando era solicitada,
ficando quase sempre em “silêncio”. Esse silêncio, que pode ser participação,
dificulta compreendermos o processo de aprendizagem dos alunos, pois,
quanto mais linguagens eles usarem para expressar suas certezas, mais podemos
intervir, orientar, propor... Mas, como ela era “barulhenta” no virtual, consegui
acompanhar melhor o seu processo de aprendizagem.
126 S. SCHERER

Em uma primeira agenda de ações para encontros virtuais, eu havia


deixado a seguinte questão para os alunos pensarem e apresentarem processos
e solução: “Se o preço de uma calça é R$ 30,00, com 20% de desconto, quanto
pagarei pela calça?”. O objetivo era que as alunas tentassem resolver a questão
a partir de seus conhecimentos prévios, e a aluna J.V. respondeu da seguinte
maneira:

Em relação a segunda questão acho que eu não saberia calcular a porcentagem sem a ajuda
de uma calculadora. Eu lembro de quando aprendi porcentagem na escola, eu entendi muito
bem o assunto, porém não vi utilidade nele e acabei esquecendo. J.V.

Ao final do semestre, eu a questionei novamente sobre a questão da


agenda e ela respondeu da seguinte forma:

Para descobrir o valor do desconto primeiramente preciso saber quanto vale 1% de R$30,00.
Para isso eu divido o valor da calça por 100%, que é igual a 0,3, ou seja 1% de R$30,00 é
R$0,3. Como eu quero descobrir o valor de 20% eu multiplico o 1%, que é 0,3, por 20 que
é igual a 6. Então, o desconto da calça será de R$6,00. J.V.

O que se percebe é que há indícios de que houve aprendizagem. Mas,


como foi o processo de comunicação e aprendizagem dessa aluna até chegar a
esse momento? Ela se comunicou no ambiente virtual como alguém que habita
a casa, o ambiente, falando de si e de seu processo, querendo apreender, sem
receios. Os hipertextos que ela fez a cada movimento, o questionar permanente
e a reflexão ficaram registrados em vários espaços no ambiente virtual. Para
que possamos compreender os seus processos de reflexão, trago alguns recortes
de registros da aluna em diferentes momentos e espaços da disciplina:

Quando penso em situações para explorar com alunos, penso logo em coisas de criança. Por
exemplo: Desenho animado, qual criança não gosta disso. Podemos fazer uma pesquisa na
sala de qual desenho cada criança assiste e faxer um levantamento no quadro de quantos
votos teve cada desenho. [...] Enfim, são várias as possilbilidades. Enquanto escrevo essa
contribuição, me imagino na sala fazendo esses exercícios com os aluno. J.V.

É impressionante como podemos mudar a forma de pensar de uma criança somente com uma
atividade como essa. As vezes eu paro e me imagino em uma sala de aula... Será que eu vou
Educação Bimodal no Curso de Pedagogia 127

conseguir colocar o que estou aprendendo em prática? J.V.

Professora, sei que não sou uma aluna muito participativa em sala, mas quando realmente
tenho alguma dúvida ou alguma colocação para fazer eu faço. Estou tentando menlhorar,
pois sou muito insegura na hora de “falar em público”. J.V.

Nesse último registro confirma-se o que afirmei inicialmente sobre a


linguagem do silêncio que ela utiliza em sala de aula. Esse registro confirma o
que percebia ao contemplar os seus movimentos nos dois espaços de aprendi-
zagem, ou seja, que ela os habitava, usando diferentes linguagens para fazer
suas aprendizagens. A importância da Educação Bimodal nesse exemplo está
no fato de que, ao ler e contemplar os seus movimentos no ambiente virtual,
eu a compreendia mais nos momentos presenciais, compreendendo os seus
movimentos de corpo, a sua expressão facial, o seu olhar de habitante. Na
articulação entre os dois ambientes, é possível concluir que, se ela não habi-
tasse o ambiente presencial, não poderia habitar o virtual, pois eles estavam
articulados, imbricados.
Aos poucos, por habitar o ambiente virtual, ela foi adquirindo a
segurança que precisava para usar a linguagem oral nos ambientes presen-
ciais, pois ela já o habitava. Ela quis habitá-lo desde o início, e essa postura
facilitou todo o seu processo de aprendizagem. O fato de ela estar aberta e
habitar os ambientes de aprendizagem não significa que ela não tenha passado
por momentos de confusão, de desequilíbrio, de contradição. Vejamos dois
momentos desses registrados no ambiente virtual da disciplina:

...não estou conseguindo nem acompanhar os fóruns direito, mas vou falar um pouco de mim.
Estou um pouco confusa quanto à questão do arredondamento, todas as vezes que eu leio as
contribuições fico confusa, depois entendo de novo e quando leio novamente me confundo.
(nossa que confusão...) um fato interessante que aconteceu comigo hoje foi quando dei a
minha contribuição no fórum de População e Amostragem. Eu quis dar um exemplo e na
hora de explicar não conseguia calcular a porcentagem nem com a ajuda da calculadora. [..]
Só consegui resolver essa questão com a ajuda da famosa “regra de três”, mas não o porquê
de utilizar ela.... J.V.

Hoje eu estava vendo algumas contribuições do fórum e tive a impressão que a nossa turma
não gosta muito de pensar. Comparei o nº de contribuições dos fóruns de População e
128 S. SCHERER

Amostragem e Arredondamento de dados... No 1º tem 12 páginas e contribuições mais


curtas. Já o segundo tem 9 páginas e contribuições mais longas. Minha conclusão é que
no fórum onde temos que formular contribuições e colocar a nossa opinião (População e
Amostragem) os alunos, não todos, contribuiram menos vezes ou nem contribuiram. No
outro (Arredondamento de dados), onde tinhamos que resolver contas e explicar o que todos
já tinham explicado houve mais contribuições, afinal era só usar a norma e explicar o que já
estava claro no texto. J.V.

A comunicação e as aprendizagens da aluna J.V. foram acontecendo


em diferentes espaços, virtuais e presenciais. E a ação comunicativa da aluna,
na busca do entendimento mútuo, nos movimentos de cooperação e colabo-
ração, ficou registrada em diferentes fóruns virtuais, como apresento a seguir:

Pelo que percebi, a T.H. quis colocar um exemplo de arredondamento com o nº 5 a ser
abonado, mas para isso acontecer temos que arredondar o nº 45,850505 para somente 1
casa decimal. [...] Aproveito para colocar outro exemplo, pois percebi que muita gente ainda
está com dúvida quanto ao arredondamento:92,62450 arredondando para 3 casas decimais..
J.V.

F.R. Também fico meio confusa, quando penso que sei tudo, vejo que não sei quase nada(Ainda
bem...), mas vou tentar esclarecer sua dúvida: Eu comprei um vestido que custa R$90,00,
paguei a vista e ganhei 5% de desconto. Pego o valor do vestido e divido por cem: 90:100=
0,9... Se eu quero saber o valor de 6% eu multiplico o resultado por 6: 0,9x6=5,4... Então,
o desconto que tive foi de R$5,40... Se eu quisesse calcular 12% do valor, multiplicaria por
12...e assim por diante. Não sei se te ajudou...Espero que sim...Beijos. J.V.

Quanto estatística descritiva e inferencial, ainda estou com um pouco de dúvida. Tentei
pesquisar na internet, mas não consegui encontrar algo que me esclarecesse. Será que alguém
podia me ajudar? Eu lí as contribuições, mas ainda não ficou bem claro. J.V.

Esses registros mostram alguns movimentos da aluna J.V. São recortes


que caracterizam uma parte da sua comunicação e aprendizagem no ambiente
virtual, em espaços de produção coletiva. No momento final da disciplina
percebeu-se que ela havia construído a ideia de se trabalhar com mais mate-
riais com as crianças na disciplina, percebendo a necessidade do lúdico e de
instrumentos de medida. Vamos comparar a proposta da aluna no início do
semestre com a sua proposta ao final do semestre:
Educação Bimodal no Curso de Pedagogia 129

10/03 - Em sala de aula, ensinaria estatística atraves dos próprois alunos. Ex.: Calcular
a porcentagem de meninos e meninas na sala, ou de morenos, loiros ou negros... Por fim,
os materiais importantes para ensinar conceitos e construir gráficos seriam: um tema da
realidade e do interesse deles, muita imaginação e muita atenção dos alunos. J.V.

11/06 - Acho que todo tipo de material é válido(reciclável, sucata...). Para ensinar esta-
tística às crianças precisamos de vários materiais, assim, podemos trabalhar no “concreto”
e trabalhar com o lúdico delas. Também deve-se começar trabalhar com os instrumentos
matemáticos(régua, compasso...), para a criança começar a ter uma noção de espaço. O
material não é o mais importante. O que importa de que forma iremos trabalhar com esse
material. [...]É muito importante as crianças estudarem as tabelas e gráficos pois há um
monte de informações e ela tem que saber interpretá-las. J.V.

O processo de ensino e de aprendizagem que a aluna vivenciou nas


aulas da disciplina de Estatística Aplicada à Educação parecem ter contribuído
para essa mudança em relação às suas certezas. Assim, percebemos que o
movimento de construção de novas certezas é um movimento possível para
os alunos que habitam os ambientes presenciais e virtuais, em um processo de
educação bimodal.

5. Considerações Finais: formando professores que ensinam matemática

Os movimentos de aprendizagem no processo de Educação Bimodal


na disciplina de Estatística Aplicada à Educação possibilitam a aprendizagem
pensada com Piaget, que implica consciência, conforme Becker (1997),
muito além de uma aprendizagem prática, uma aprendizagem por tomadas
de consciência e, conforme Freire, uma aprendizagem mediante liberdade e
conscientização. Para Becker, a tomada de consciência piagetiana é necessária
para a conscientização freireana, pois esta não é possível sem a reversibilidade
conceptual. E a conscientização freireana não se reduz à tomada de consciência
piagetiana, pois acrescenta-lhe elementos como o compromisso histórico de
transformação da sociedade.
E, neste processo de Educação Bimodal que anunciei brevemente neste
artigo, percebo a importância da atitude de alunos e de professores habitantes
em espaços educativos e de formação. E, apesar de o tempo do professor não
130 S. SCHERER

se reduzir ao tempo de uma aula, podemos afirmar que, a depender da atitude


e da formação do professor, ele pode favorecer a aprendizagem dos alunos, mas
eles também precisam ser habitantes dos espaços educativos.
Diferentemente de uma proposta apenas presencial, o professor
habitante da educação bimodal acompanha os alunos individualmente e
coletivamente nos ambientes presenciais e virtuais e, nestes últimos, precisa
de mais tempo para intervir, refletir, sugerir e questionar. Ao afirmar que o
professor precisa de mais tempo ao usar a EaD, estou falando de uma Educação
Bimodal que não massifica, mas que individualiza, que propõe e se preocupa
com a aprendizagem e emancipação dos alunos. Para esta Educação Bimodal,
é preciso formar mais professores e gestores, rompendo com a certeza de uma
EaD apenas massificada e sedimentada na leitura de materiais e na resolução
de atividades, sem educação, limitando o aluno a fazer autoestudos.
Nesse sentido, é preciso falar do sentido que se deu à disciplina. Ou
seja, a matemática é valorizada a partir do diálogo entre o pensamento mate-
mático e o desenvolvimento dos conhecimentos científicos. Ela é ao mesmo
tempo aberta e fechada, metadisciplinar:

[...] o termo [metadisciplinar] meta significando ultrapassar e


conservar. Não se pode demolir o que as disciplinas criaram; não
se pode romper todo o fechamento: há o problema da disciplina, o
problema da ciência, bem como o problema da vida; é preciso que
uma disciplina seja, ao mesmo tempo, aberta e fechada. (MORIN,
2001, p. 115).

Podemos afirmar ainda, ao trazer Morin (2001), que a disciplina de


Estatística Aplicada à Educação foi ecologizada. Ao ecologizar uma disciplina,
a prática docente jamais se limita ao ensino de puras técnicas ou conteúdos,
exercendo a compreensão crítica da realidade em que os alunos vivem. Freire
(1998, p. 62) complementa essa ideia...

[...] ensinar matemática é, antes de mais nada, ensinar a “pensar


matematicamente”, a fazer uma leitura matemática do mundo e de
si mesma. É uma forma de ampliar a possibilidade de comunicação e
expressão, contribuindo para a interação social, se pensada interdis-
ciplinarmente. É sobretudo compreender que a matemática é outra
Educação Bimodal no Curso de Pedagogia 131

modalidade de linguagem, que necessita de linguagem convencional


bem articulada para se fazer compreendida e assimilada e que o
mundo atual já exige de todos uma certa cultura matemática.

Esse é o sentido que a disciplina ganha no movimento de formação


proposta neste artigo. E alguns elementos essenciais desta proposta de formação
de professores são: as atitudes do educador ou educadora, identificadas como
relevantes para aprendizagens e reflexões em uma proposta de Educação
Bimodal; e a atitude dos alunos e alunas frente ao processo de aprendizagens e
comunicações nos espaços e processos de Educação Bimodal. Mas que atitudes
são essas? Que ações são estas? Que espaços são esses? A partir destas questões
e de tantas outras, quando pensamos na formação de professores que ensinam
ou ensinarão matemática, é preciso reconhecer-se como habitante, visitante
ou transeunte de espaços e de movimentos de educação matemática.
O desafio do educador e educadora está em conseguir habitar e arti-
cular, ao mesmo tempo, vários espaços e saberes, “ad-mirando” e apreendendo
cada movimento do educando, aprendendo consigo mesmo, com o outro,
com o meio e com as diferentes histórias, transformando e transformando-se
continuamente, não de forma linear, mas hipertextual e complexa.

Referências

BECKER, Fernando. Da ação à operação: o caminho da aprendizagem em J.


Piaget e P. Freire. 2. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 1997. 160 p.
______. Educação e construção do conhecimento. Porto Alegre, RS: Artmed
Editora, 2001. 125 p.
FREIRE, Paulo. Extensão ou comunicação? 10. ed. Tradução: Rosisca Darcy
de Oliveira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. 93 p.
______. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 7.
ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998. 163 p.
______. Pedagogia do oprimido. 31. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2001.
184 p.
132 S. SCHERER

MORAES, Maria Cândida. Educar na biologia do amor e da solidariedade.


Petrópolis, RJ: Vozes, 2003. 291 p.
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mento. 3. ed. Tradução: Eloá Jacobina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001.
128 p.
PALLOF, Rena M.; PRATT, Keith. Construindo comunidades de apren-
dizagem no ciberespaço: estratégias eficientes para salas de aula on-line.
Tradução: Vinícios Figueira. Porto Alegre, RS: Artmed, 2002. 248 p.
PIAGET, Jean. Estudos sociológicos. Tradução: Reginaldo Di Piero. Rio de
Janeiro: Forense, 1973. 231 p.
SILVA, M.T. Relação entre formação e prática pedagógica de matemática do
professor do curso de magistério das séries iniciais do ensino fundamental.
Dissertação de Mestrado em Educação. Orientadora Lícia S.L. Maia. Recife:
Universidade Federal de Pernambuco, 2001.
SCHERER, Suely. Estatística aplicada à educação. Jaraguá do Sul, SC:
UNERJ, 2004. 73 p.
______. (2005) Uma estética possível para a educação bimodal: aprendi-
zagem e comunicação em ambientes presenciais e virtuais (Uma experiência
em Estatística Aplicada à Educação), São Paulo, PUC, Tese de Doutorado,
Programa de Pós-Graduação em Educação: Currículo, Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo.
Educação Matemática, Tecnologia e Formação de Professores: Algumas Reflexões
pp 133-152
Copyleft 2010 by Willian Beline e Nielce Meneguelo Lobo da Costa (Orgs)
Editora da FECILCAM | Campo Mourão - PR | http:// www.fecilcam.br/editora

Capítulo 5

PROFESSOR DE MATEMÁTICA: UMA PROPOSTA


DE FORMAÇÃO CONTINUADA PARA O USO DE
RECURSOS TECNOLÓGICOS EM SUA PRÁTICA
PEDAGÓGICA POR MEIO DA ESPIRAL DE
CAPACITAÇÃO1

Willian Beline2
Faculdade Estadual de Ciências e Letras de Campo Mourão – FECILCAM
Rosana Figueiredo Salvi3
Universidade Estadual de Londrina - UEL

Resumo

Este texto tem por objetivo apresentar uma proposta de encaminhamento quanto à
formação continuada de professores da Educação Básica que ensinam Matemática
para a utilização dos recursos tecnológicos em sua prática pedagógica. Esta proposta
vai ao encontro dos processos de educação continuada desenvolvidos pelos Asses-
sores Pedagógicos das CRTEs (Coordenações Regionais de Tecnologia na Educação)

1
  Uma versão preliminar deste texto foi publicada e apresentada no IX ENEM -
Encontro Nacional de Educação Matemática, Belo Horizonte - MG, 18 a 21 de
julho. Ver: Beline e Salvi (2007).
2
  wbeline@gmail.com
3
  salvi@uel.br
134 W. BELINE e R. F. SALVI

do Estado do Paraná. Este novo encaminhamento, por nós intitulado de Espiral de


Capacitação, consiste basicamente em dividir a  formação  dos professores quanto à
utilização de recursos tecnológicos em sua prática em sala de aula em três momentos
inter-relacionados em forma de uma espiral, numa formação constante de todos os
participantes, sendo: (i) formação contextualizada; (ii) prática em sala de aula e (iii)
reflexão em grupo. Todos esses três momentos têm como pano de fundo um assesso-
ramento on-line constante dos Assessores Pedagógicos, na medida em que os mesmos
assessores não têm condições, logística e humana, de estarem presencialmente a todo
instante com os professores nas escolas.

Palavras-chave: Ciclo e espiral de aprendizagem. Espiral de capacitação. Tecnologias


de Informação e Comunicação. Formação de professores em Matemática. GEMTIC.

1. Introdução

Neste capítulo apresentamos um dos resultados da dissertação de


mestrado do primeiro autor deste texto (BELINE, 2006), na qual foram
pesquisados os processos formativos realizados pelos Assessores Pedagógicos
das CRTEs (Coordenações Regionais de Tecnologia na Educação) do Estado
do Paraná, aqui denominadas “capacitações”. O objetivo da pesquisa de Beline
(2006) foi apresentar aspectos históricos da Informática na Educação (IE) do
Estado do PR, seus avanços bem como as contradições entre a proposta e
implementação da IE no PR, trazendo ao final algumas propostas. Dentre
elas, apresentamos, no presente capítulo, um novo encaminhamento para a
formação de professores quanto à utilização dos recursos tecnológicos em sala
de aula, em particular os que envolvam o professor de Matemática.
Passaremos a tratar, na próxima seção, do referencial teórico que
fundamenta nossa proposta de encaminhamento para as capacitações. Na
seção 3, tal proposta é apresentada. Por fim, apresentamos algumas conside-
rações finais.

2. Espiral da Aprendizagem e as TIC

O ciclo de aprendizagem apresentado em Valente (1993, 1999b),


descrição-execução-reflexão-depuração, segundo Valente (2002, p. 17), “[...] foi
Professor de Matemática: Uma Proposta de Formação Continuada ... 135

bastante útil para entender como o computador pode auxiliar a construção


de novos conhecimentos”. Os avanços computacionais aliados a uma melhor
compreensão sobre a construção do conhecimento têm, no entanto, mostrado
que a ideia de ciclo de aprendizagem não “[...] capta a essência do que acontece
na relação aprendiz-computador” (VALENTE, 2007, p. 17). Diante disso, o
referido autor nos apresenta outra forma de conceber a aprendizagem nesse
cenário, intitulado por ele de Espiral de Aprendizagem.
Antes de tratar do assunto espiral de aprendizagem, vamos tratar do
ciclo de aprendizagem.
Valente (1993a) aprimora a discussão sobre a formação de professores
para trabalhar com Informática na Educação, introduzindo um esquema
a partir do qual as tarefas com computadores devem orientar-se pelo ciclo
descrição-execução-reflexão-depuração. Esse ciclo de atividades pretende possi-
bilitar ao professor um processo de reflexão sobre o que está sendo trabalhado
(ABRANCHES, 2006).
Almeida (1996), ao discutir as origens do ciclo de aprendizagem,
argumenta que a linguagem Logo4, desenvolvida por Seymor Papert para
dar suporte às atividades em sala apoiadas em computadores, é a linguagem
que melhor se adapta à abordagem construcionista5, pois ela “visa uma ação
reflexiva” (p. 25). Comenta ainda que outras linguagens de programação ou
até outros programas podem ser utilizados, no entanto eles oferecem maior
dificuldade em se trabalhar numa perspectiva construcionista, bem como não
deixam muito claro o processo de desenvolvimento do aluno.
Várias ações ocorrem em termos do ciclo de aprendizagem, como:
descrição-execução-reflexão-depuração. Passaremos a descrever  esses itens  a
seguir.

4
  Logo é uma linguagem de programação interpretada, voltada principalmente para
crianças e aprendizes em programação. Logo implementa, em certos aspectos, a
filosofia construtivista, segundo a interpretação de Seymour Papert, cocriador
da linguagem junto com Wally Feurzeig. Seymour Papert, matemático, trabalhou
com Piaget, daí a ideia da filosofia construtivista, é cofundador do Media Lab no
MIT. (Fonte: pt.wikipedia.org/wiki/Logo).
5
  Papert denominou de construcionista a abordagem pela qual o aprendiz constrói,
por intermédio do computador, o seu próprio conhecimento.
136 W. BELINE e R. F. SALVI

• Descrição da resolução do problema em termos da linguagem de progra-


mação: o aluno utiliza sua estrutura cognitiva (conceitos envolvidos
no problema, estratégias de aplicação dos conceitos, conceitos sobre a
linguagem de programação, etc.) para explicar e representar todos os
passos da resolução do problema em termos da linguagem de progra-
mação. Ao tratar do ciclo de aprendizagem, Maltempi (2004) explica
que este começa por meio de um projeto que o aprendiz deseja imple-
mentar. “As idéias que concretizam o projeto devem ser passadas para
o computador na forma de uma seqüência de comandos da linguagem
de programação, que representa a descrição da solução do problema”
(MALTEMPI, 2004, p. 270).
• Execução dessa descrição pelo computador: após o aluno ter feito a descrição
passo a passo do problema, utilizando a linguagem de programação Logo,
o computador executa tal sequência de comandos, apresentando na tela
o resultado. Segundo Valente (1999b, p. 93), tal execução “[...] fornece
um feedback fiel e imediato, desprovido de qualquer animosidade6 ou
afetividade que possa haver entre o aluno e o computador”.
• Reflexão sobre o que foi produzido pelo computador: ao verificar o resultado
exibido pelo computador, o aluno se depara com duas possibilidades. Na
primeira, quando o resultado esperado corresponde às suas expectativas,
“[...] ele não modifica seu procedimento porque as suas idéias iniciais
sobre a resolução daquele problema correspondem aos resultados
apresentados pelo computador” (VALENTE, 1999a, p. 94), e então
o problema está resolvido. Na segunda, quando o resultado fornecido
pelo computador não corresponde ao esperado, o aluno precisa “[...]
rever o processo de representação da solução do problema (debugging)”
(MALTEMPI, 2004, p. 271).
• Depuração dos conhecimentos por intermédio da busca de novas informações
ou do pensar: a depuração é o momento de o aluno rever o processo
de representação da solução do problema, algo que não está de acordo
com o que se esperava. De acordo com Maltempi (2004), a depuração
pode ser “[...] em termos da lógica (estratégia) empregada na solução,
de conceitos sobre comandos da linguagem de programação, ou sobre
algum conteúdo envolvido no problema em questão” (p. 271).

6
  Aversão persistente; má vontade (Dicionário Aurélio).
Professor de Matemática: Uma Proposta de Formação Continuada ... 137

A depuração é facilitada pela existência do programa (seqüência de


comandos), pois este contém a descrição das idéias do aprendiz em
termos de uma linguagem precisa e formal. Após depurar o programa,
uma nova descrição é gerada e o ciclo descrição-execução-reflexão-
depuração se repete em um novo nível até que o aprendiz esteja
satisfeito com o resultado obtido. (MALTEMPI, 2004, p. 271).

Um fator fundamental na depuração é a análise do erro, porque é a


partir do erro que o processo de depuração começa a ser desencadeado. Esse
processo, segundo Maltempi (2004), “[...] está intimamente relacionado com
a construção de conhecimento, pois atua como um motor que desequilibra
e leva o aprendiz a procurar conceitos e estratégias para melhorar o que já
conhece” (p. 272).
A ideia de ciclo foi desenvolvida, segundo Valente (2002), analisando
as ações que o aluno realiza quando programa o computador. Esse autor
ressalta que tal ideia pode ser utilizada para se entender o papel de outros tipos
de softwares na construção de conhecimento, como processadores de textos,
planilhas eletrônicas, internet, bem como softwares educacionais, no entanto,
“[...] como mecanismo para explicar o que ocorre na mente do aprendiz na
interação com o computador, a idéia de ciclo é limitada” (VALENTE, 2002,
p. 27).

As ações podem ser cíclicas e repetitivas, mas a cada realização de


um ciclo, as construções são sempre crescentes. Mesmo errando
e não atingindo um resultado de sucesso, o aprendiz está obtendo
informações que são úteis na construção de conhecimento. Na
verdade, terminado um ciclo, o pensamento nunca é igual ao que
se encontrava no início de sua realização. Assim, a idéia mais
adequada para explicar o processo mental dessa aprendizagem é
a de espiral. (VALENTE, 2002, p. 27, grifo nosso).

Valente (2002) afirma que a concepção de ciclo de aprendizagem sugere


que os conhecimentos “não poderiam crescer e estariam sendo repetidos, em
círculo”, pois o ciclo tem em si “[...] a idéia de repetição, de periodicidade, de
uma certa ordem, de fechamento, com pontos de início e fim coincidentes”
(VALENTE, 2002, p. 28). Assim, a ideia de espiral (Figura 1), ao invés de ciclo,
138 W. BELINE e R. F. SALVI

para se explicar a construção do conhecimento, que cresce continuamente, é


mais adequada de acordo com o mesmo autor.

Figura 1 – Espiral da aprendizagem que ocorre na interação aprendiz-


computador
Fonte: Maltempi (2004, p. 271)

Embora se tenha a ideia de que tudo acontece de maneira sequencial e


independente, de acordo com Valente (2002), na prática, as ações que ocorrem
na espiral (Figura 1) podem ocorrer simultaneamente. “Essa separação é feita
para compreender o papel de cada uma dessas ações no processo de construção
de conhecimento” (VALENTE, 2002, p. 30).
Professor de Matemática: Uma Proposta de Formação Continuada ... 139

3. Uma Proposta de Encaminhamento para os Processos de Formação


Continuada de Professores que Ensinam Matemática

Algo que sempre nos chamou a atenção, e isso se tornou mais percep-
tível nas visitas às escolas e nas conversas com os professores da rede pública
estadual do Paraná, é a não utilização dos laboratórios de informática por
muitas escolas que os possuem.
Diante disso, ao realizarmos as entrevistas com os Assessores Pedagó-
gicos, procuramos averiguar se isso também acontecia nas escolas em que eles
assessoravam7.
Ao serem questionados8 sobre a utilização, por parte dos professores,
dos laboratórios, recebemos as mais variadas respostas, conforme Beline
(2006).

Não usam porque não tem. Teve professor que terminou curso
recentemente com a gente aqui, em Abril [2006], e que já pediu
“posso trazer meus alunos aqui? Tem como trazer?”, e teve outros
que vieram de municípios distantes que disseram “há, mas que pena
que eu não vou conseguir usar isso com meu aluno, porque não tem
máquina na minha escola”. “Há, mas tem jeito de instalar isso aqui
no meu computador em casa?” (Entrevista 5, p. 4, grifo nosso).

Como eu participei muito tempo das capacitações, 8 anos, então


teve ciclos. Muitos usaram, daí os computadores sucatearam e não
teve como continuar por falta de um controle desses laboratórios,
as máquinas entram em desuso muito rápido, porque não tendo
controle o aluno leva o mouse embora, leva a bolinha [a bolinha
do mouse], quebra computador, então eu acho que a figura do
laboratorista lá para cuidar desse patrimônio contribuiu para isso
aí. Em muitos casos os diretores não davam muita importância para
o uso do laboratório e passava sete chaves e só se o cara fizesse um

7
  Cada Assessor Pedagógico tem sob sua responsabilidade algo em torno de 10
escolas para fazer atendimento. Este é composto basicamente de assessoria aos
professores da escola.
8
  Instrumento 3, questão 11.
140 W. BELINE e R. F. SALVI

relatório para o cara usar, então em alguns casos os computadores


estavam lá perfeitos, mas ninguém usava (Entrevista 11, p. 3).

O que a gente tem acompanhado, dos professores, é que a maioria


deles não tem feito (Entrevista 10, p. 3, grifo nosso).

Percebemos que, dentre os sete Assessores entrevistados, alguns nos


disseram que um dos motivos para a não utilização dos laboratórios é a falta de
computadores. Ocorre, no entanto, que, em uma das escolas em que estivemos
trabalhando na cidade de Campo Mourão - PR, que possui laboratório em bom
estado, os professores também não o utilizam, mesmo esses professores tendo
participado das capacitações9 na CRTE.

Tem professores que foram capacitados várias vezes, foram e


voltaram e não aconteceu nada (Entrevista 9, p. 5, grifo nosso).

[E eles comentam o porquê de não fazerem cursos com vocês?]. Muitos


comentam que a dificuldade de realmente se levar os alunos para o
laboratório, já que fica um pouco difícil, às vezes um professor com
40 alunos na sala e tem um laboratório com 10 máquinas, e dessas
10, às vezes tem duas, três que não funcionam, certo? Então, fica
um pouco difícil. Outros, mesmo tendo passado por capacitações,
não se sentem em condições de levar os alunos, porque, pelo menos
eu penso que para o professor levar o aluno, primeiro ele tem que
saber o que está fazendo, tem que saber o conteúdo realmente. Isso
não fica, acho que não fica dúvida que o professor, se é professor é
porque ele tem condição de estar ali. Mas, esse conteúdo tem que
ser associado à tecnologia, e para isso o professor tem que estar bem
preparado. E ele não se encontra, ele não está em condição de fazer
isso ainda (Entrevista 10, p. 3, grifo nosso).

Diante disso, o que apresentamos nesta seção é outro encaminhamento


para os processos formativos que as CRTEs têm realizado com os professores

9
  O termo capacitação refere-se aos cursos e oficinas que as CRTEs ministram em
Informática na Educação para os professores da rede pública estadual.
Professor de Matemática: Uma Proposta de Formação Continuada ... 141

estaduais. Uma proposta que coloque o professor como sujeito ativo em seu
processo de construção de conhecimento, assim como valorize o assessora-
mento prestado pelos Assessores Pedagógicos nas escolas.
Para fundamentar esse novo encaminhamento nos pautamos nas
seguintes teorias: ciclo de aprendizagem e da espiral de aprendizagem apoiados
em Valente (2002; 2005) e Almeida (1996); do profissional reflexivo apresen-
tado por Schön (1995) e do trabalho colaborativo tratado por Boavida e Ponte
(2002).
Antes de apresentarmos tal encaminhamento, gostaríamos de eviden-
ciar, num primeiro momento, os passos por nós percorridos para se chegar
ao que iremos apresentar como proposta metodológica para as capacitações
ministradas pelas CRTEs.
Em 2005, ao participarmos da disciplina intitulada Modelagem
Matemática e suas perspectivas na Educação Matemática, no Programa de Pós-
Graduação em Ensino de Ciências e Educação Matemática da Universidade
Estadual de Londrina (UEL), estudamos um assunto que tratava das atividades
em Modelagem Matemática em sala de aula que poderiam ser abordadas em
três momentos (DIAS, 2005, p. 41-2):

• num primeiro momento são abordadas com todos os alunos


situações em que está em estudo a dedução, a análise e a
utilização de um modelo matemático a partir de uma situação
problema já estabelecida e apresentada pelo professor. Nesse
momento, a formulação de hipóteses e a investigação do
problema, que resulta na dedução do modelo, são realizadas
em conjunto com todos os alunos e professor;
• posteriormente, uma situação problema já reconhecida, junta-
mente com um conjunto de informações, pode ser sugerida
pelo professor à classe e os alunos, divididos em grupo, realizam
a formulação das hipóteses simplificadoras e a dedução do
modelo durante a investigação e, a seguir, validam o modelo
encontrado;
• finalmente os alunos, organizados em grupos, são incentivados
a conduzir um processo de modelagem a partir de um problema
escolhido por eles, devidamente assessorados pelo professor.
142 W. BELINE e R. F. SALVI

De acordo ainda com Dias (2005), tal encaminhamento para as ativi-


dades de modelagem tem se mostrado “bastante adequado na prática de sala de
aula em diferentes níveis de ensino e proporciona ao aluno uma compreensão
do processo de modelagem, da resolução de problema em estudo e a reflexão
sobre as soluções encontradas” (p. 42).
Ao estudarmos tal assunto, no segundo semestre de 2005, começamos
a imaginar se essas etapas, ou momentos, conforme trata a autora, não poderiam
ser pensados na formação dos professores na utilização das TIC.
De acordo com o Assessor Pedagógico 5, ao fazer um relato histó-
rico quanto aos encaminhamentos dados às capacitações, hoje os cursos são
realizados de maneira muito rápida, ou seja, cursos de pouca duração. “[...]
depois virou um cursinho wallita, que é o que eu chamo... Ai vai lá e vê mais ou
menos tudo, como eu sempre brinco, o Flash, flash disso, flash daquilo, é isso,
é aquilo” (Entrevista 10, p. 2).
Diante disso, da pouca eficácia das capacitações realizadas pelas
CRTEs, no que diz respeito à apropriação dos professores quanto aos recursos
tecnológicos em sua prática de sala de aula, bem como da não utilização10 por
esses mesmos professores dos laboratórios de informática das escolas, pensamos
que essas capacitações deveriam ser feitas seguindo três momentos, de que
trataremos a seguir.

3.1. Primeiro Momento: Formação Contextualizada

De acordo com Almeida (2000), nesse tipo de formação, o eixo


norteador é a escola. Ressalta ainda que o professor se torna um investigador
da própria prática, o que vai ao encontro do que é apresentado por Nóvoa
(1995) ao afirmar que “[...] a troca de experiências e a partilha de saberes
consolidam espaços de formação mútua, nos quais cada professor é chamado a
desempenhar, simultaneamente, o papel de formador e formando” (p. 26).

10
  Alguns Assessores nos disseram que os professores não utilizam os laboratórios
porque não os têm em suas respectivas escolas. Existem, no entanto, como já
comentamos anteriormente, escolas que, mesmo possuindo esses laboratórios,
não o têm utilizado com seus alunos.
Professor de Matemática: Uma Proposta de Formação Continuada ... 143

O professor é um investigador reflexivo da própria prática, cuja


formação ocorre na práxis, favorecendo mudanças pessoais, profis-
sionais e, por conseguinte, na prática pedagógica. A formação é
contextualizada nas experiências, conhecimentos e práticas do
professor, que tem a oportunidade de rever e relembrar sua prática,
colocando-a como foco da própria formação. (ALMEIDA, 2000, p.
109).

Ainda, Valente e Almeida (1997) afirmam que “[...] as experiências


de implantação da informática na escola têm mostrado que a formação de
professores é fundamental”. Desse modo, acreditamos que o trabalho desen-
volvido pelos Assessores Pedagógicos das CRTEs seja de extrema importância.
Esses mesmos autores alertam, no entanto, para o fato de que a inserção da
informática na educação envolve muito mais do que somente cursos para os
professores.

[...] a implantação da informática na escola envolve muito mais


do que prover o professor com conhecimento sobre computadores
ou metodologias de como usar o computador na sua respectiva
disciplina. Existem outras barreiras que nem o professor nem a admi-
nistração da escola conseguem vencer sem o auxílio de especialistas
na área. Por exemplo, dificuldades de ordem administrativa sobre
como viabilizar a presença dos professores nas diferentes atividades
do curso ou problemas de ordem pedagógica: escolher um assunto
do currículo para ser desenvolvido com ou sem o auxílio do compu-
tador. (VALENTE; ALMEIDA, 1997).

Pensamos que, além do locus escolar ser importante para se capacitar


os professores para a utilização das TIC com seus alunos, seja necessária uma
cuidadosa análise do que será trabalhado com os professores em cursos de
capacitação como apontam esses mesmos autores.

[...] os assuntos desenvolvidos durante o curso devem ser escolhidos


pelos professores de acordo com o currículo e a abordagem pedagó-
gica adotadas pela sua escola. É o contexto da escola, a prática dos
professores e a presença dos seus alunos que determinam o que
144 W. BELINE e R. F. SALVI

vai ser trabalhado pelo professor do curso. O curso de formação


deixa de ser uma simples oportunidade de passagem de informação
para ser a vivência de uma experiência que contextualiza o conhe-
cimento que o professor constrói. (VALENTE; ALMEIDA, 1997,
grifo nosso).

Deste modo acreditamos que os cursos de capacitação sejam impor-


tantes, pois, como apresentaram os Assessores Pedagógicos entrevistados,
muitos são os professores que não sabem lidar com os recursos informáticos.

Sem o envolvimento de professores não é possível pensar na inserção


de TIC na escola e, sem formação, esse envolvimento não acon-
tece. Este fato já é reconhecido por aqueles que atuam nessa área
e, em vista disso, existem diversas ações de universidades e órgãos
governamentais que privilegiam o professor. (PENTEADO, 2004, p.
285, grifo nosso).

3.2. Segundo Momento: Prática em Sala

Poucos são os professores que, após participarem de cursos de capaci-


tação para a utilização das TIC, utilizam em sua prática pedagógica tais recursos.
Apresentamos a seguir algumas respostas11 dos Assessores Pedagógicos sobre
a utilização dos laboratórios de informática pelos professores com seus alunos
após participarem de alguma capacitação nas CRTEs.

O que a gente tem acompanhado, dos professores, é que a maioria


deles não tem feito (Entrevista 10, Assessor Pedagógico 6, p. 3).

Olha, hoje [2006], dá para dizer que as escolas que têm computadores
que funcionam e que foram capacitados, estão utilizando, que no
todo aqui em nossa cidade em torno de 5,5% das escolas. Algumas
não se utilizam, algum professor ou outro que utiliza (Entrevista 9,
Assessor Pedagógico 5, p. 5).

11
  Instrumento 3, questão nº 11.
Professor de Matemática: Uma Proposta de Formação Continuada ... 145

Não usam, não têm usado. A escola não tem os computadores e o


professor, a carga horária dele, e ele não tem essa capacidade de estar
utilizando o computador como ferramenta pedagógica (Entrevista 8,
Assessor Pedagógico 4, p. 3).

Algo que recomendamos, para amenizar tal problema, seria que, logo
após a realização das capacitações, o Assessor Pedagógico acompanhasse os
professores participantes em suas primeiras incursões nos laboratórios com
seus respectivos alunos. Professores sentem medo de ir para os laboratórios
sozinhos, pois como menciona Penteado-Silva (1997), eles adentram na
chamada zona de risco12. A figura do Assessor Pedagógico, nesses primeiros
contatos do professor com o laboratório de informática em suas aulas, é muito
importante para uma maior utilização desses laboratórios nas escolas.

Ninguém há de discordar da dificuldade que é lidar sozinho com


mudanças e inovações pedagógicas. Além de formação sobre como
lidar com as máquinas, o professor precisa ter com quem discutir o
que acontece na prática. (PENTEADO, 2004, p. 285, grifo nosso).

Sabemos das dificuldades quanto às distâncias entre as CRTEs e as


escolas, pois algumas escolas distam até 120 km das CRTEs, como é o caso da
CRTE de Campo Mourão. Nesse momento a parceria CRTE / NRE (Núcleo
Regional de Educação) é muito importante quanto à utilização dos veículos do
NRE, bem como da ajuda de custo dessas viagens para os Assessores.

3.3. Terceiro Momento: Reflexão em Grupo

Sicchieri (2004), ao apontar algumas relações quanto à utilização das


TIC pelos professores, afirma que “[...] na relação com seus colegas de trabalho,
pela utilização das TIC se tratar de uma experiência nova, é importante que o

12
  Caminhos que levam a incertezas e imprevisibilidade, nos quais é preciso avaliar
constantemente as consequências das ações propostas (BORBA; PENTEADO,
2001).
146 W. BELINE e R. F. SALVI

professor converse e troque idéias” (p. 29, grifo nosso). Acreditamos que esse
conversar e trocar ideias deva ser dirigido pela dinâmica do trabalho colabora-
tivo, conforme apontam Boavida e Ponte (2002).
Penteado (2004), ao tratar de capacitações em que professores somente
participam de cursos de curta duração (30 a 40 horas), ressalta que, nesse
modelo, a interação entre a turma é muito pequena e que esses cursos não
suprem às necessidades dos participantes.

Em geral são cursos com duração média de 30 horas que não


garantem, após sua conclusão, uma continuidade na interação entre
a turma. Isso supre somente parte da necessidade dos professores.
Eles passam a conhecer alguns softwares e possíveis formas de utilizá-
los em atividades didáticas. Mas muitas questões surgem quando
retornam para a sua escola e tentam colocar em prática aquilo que
estudaram no curso e, em geral, não há com quem conversar sobre
o assunto. (PENTEADO, 2004, p. 285-6, grifo nosso).

Como aponta Almeida (2000b), a formação contextualizada não deve


acontecer de maneira desvinculada do local em que o professor desenvolve sua
prática. Além disso, para essa autora, essa formação deve oferecer condições
para que o professor possa refletir antes, durante e após a ação, conforme a ideia
proposta por Schon (1995).
De acordo com Perez (1999), “[...] o processo de reflexão sobre a
prática proposto por Schon (1995, p. 83) explicita duas maneiras de como
o conhecimento em ação é desenvolvido e adquirido: a reflexão na ação e a
reflexão sobre a ação” (p. 273).
Perez (1999, p. 273) sintetiza as ideias de Schon quanto às duas
maneiras de desenvolvimento do conhecimento.

Reflexão na ação: é a que ocorre simultaneamente à prática, na


interação com as experiências, permitindo ao professor dialogar com
a situação, elaborar um diagnóstico rápido, improvisar e tomar deci-
sões diante da ambiguidade, do inesperado das condições efetivas
do momento.
Reflexão sobre a ação: refere-se ao pensamento deliberado e sistemá-
tico, ocorrendo após a ação, quando o professor faz uma pausa para
Professor de Matemática: Uma Proposta de Formação Continuada ... 147

refletir sobre o que acredita ter acontecido em situações vividas em


sua prática.

Desse modo, acreditamos que a reflexão não deva acontecer apenas no


terceiro momento, mas que ela deva permear todos os momentos, num processo
de ir e vir em que, nesse terceiro momento, os professores possam compartilhar
suas dúvidas, angústias e os resultados obtidos com a utilização das TIC em
sala de aula.

3.4. Ciclo e Espiral de Aprendizagem neste Novo Encaminhamento das


Capacitações

As preocupações quanto ao encaminhamento dado às capacitações,


como apontamos anteriormente, nos fizeram repensar como elas se têm dado
na prática com os professores. Diante disso, propusemos um novo encami-
nhamento para as capacitações subdivido em três momentos: (i) formação
contextualizada; (ii) prática em sala e (iii) reflexão em grupo.
Outro problema emerge, no entanto, nessa nova maneira de conduzir
os cursos realizados pelos Assessores Pedagógicos das CRTEs: A passagem,
pelo professor participante dos cursos envolvendo as TIC, uma única vez pelos três
momentos apresentados, não nos parece ser suficiente e se configura num processo
de formação continuada.
Diante desse novo problema, procuramos por referenciais teóricos
que nos ajudassem a pensar sobre o assunto. Encontramos a teoria do ciclo de
aprendizagem proposta por Valente (2002; 2005).
A proposta inicial era de que os três momentos fossem em forma de
ciclo, em que os professores passassem pelo 1º, pelo 2º e pelo 3º momento, mas
que voltassem ao primeiro.
Ocorre. no entanto, que outro problema se apresenta quando nos
perguntamos: A formação contextualizada (1º momento), na primeira passagem do
professor pelo ciclo, é igual à segunda formação contextualizada, quando da segunda
passagem do professor pelo ciclo? Nesse momento acreditamos que a teoria do
ciclo de aprendizagem não dá conta de responder a esse questionamento, pois,
de acordo com Valente (2002, p. 27), essa teoria “[...] não capta a essência do
que acontece na relação aprendiz-computador”. Assim, entende-se que a ideia
148 W. BELINE e R. F. SALVI

da espiral seja mais adequada, pois, “[...] terminado um ciclo, o pensamento


nunca é igual ao que se encontrava no início de sua utilização” (VALENTE,
2002, p. 27).
Do mesmo modo, a Formação Contextualizada realizada no primeiro
momento não será igual à segunda, nem igual à terceira, e assim sucessiva-
mente. O mesmo ocorre com os momentos 2 (Prática em Sala) e 3 (Reflexão),
que sempre sofrerão alterações em cada passagem pelo ciclo.
Desse modo, pensamos que os três momentos propostos sejam melhor
representados na forma de uma espiral, conforme a Figura 2.

Figura 2 – Espiral de Capacitação


Fonte: Figura elaborada a partir de Valente (2005, p. 71)
Professor de Matemática: Uma Proposta de Formação Continuada ... 149

Acreditamos que toda essa dinâmica das capa-


citações deva ser apresentada de maneira clara e
objetiva para os professores no ato da divulgação dos cursos de capacitação
e que ela seja sempre relembrada em todos os momentos das capacitações.

4. Considerações Finais

Ao iniciar a pesquisa, várias eram as nossas intenções, questiona-


mentos, objetivos, enfim, queríamos, literalmente, “abraçar o mundo”. Com
o passar do tempo, feitas as disciplinas do mestrado e com o início da coleta
dos dados, percebemos que deveríamos delimitar a pesquisa, pois do muito que
gostaríamos de fazer, nem tudo seria possível.
O interesse pelos avanços e pelas contradições sobre a Informática na
Educação (IE) no Estado do Paraná crescia cada vez mais e se tornou mais forte
a partir do momento em que começamos a trabalhar em uma CRTE. Também
crescia o desejo de proporcionar mudanças no que estava posto até então, pois
diversos eram os problemas encontrados tanto na metodologia de trabalho,
como na falta de clareza quanto aos pressupostos que deveriam sustentá-la.
No decorrer das entrevistas, das leituras dos documentos oficiais, das parti-
cipações em eventos organizados pela Coordenação Estadual de Tecnologia
na Educação (CETE) em Curitiba – PR, começamos a questionar se não
teríamos condições de propor mudanças na maneira como a Informática na
Educação era conduzida no Estado. Chegamos à conclusão de que mudanças
em âmbito de Paraná não poderiam ser feitas, pois elas não nos cabem, mas
que poderíamos tecer algumas propostas baseadas nos problemas apresentados
no decorrer da pesquisa.
Acreditamos que as mudanças aqui sugeridas quanto às capacitações
não sejam tão triviais e que exijam tempo e muita discussão em todo o Estado.
Pensamos, no entanto, que sejam importantes mudanças para se garantir
uma utilização mais efetiva dos laboratórios de informática das escolas pelos
professores com seus alunos, pois, como afirma a professora Elizabeth Almeida,
“[...] dentre os recursos tecnológicos que adentram os espaços escolares, o
computador é o que se apresenta com maior potencial para provocar mudanças
substanciais no processo pedagógico” (ALMEIDA, 2000, p. 20).
150 W. BELINE e R. F. SALVI

Como proposta de estudos futuros, na realidade já o estamos fazendo,


ou melhor, dando os primeiros passos, iniciamos o GEMTIC (Grupo de
Educação Matemática e as Tecnologias de Informação e Comunicação). Esse
Grupo envolve professores de matemática, das redes pública e particular, que
desejam discutir os problemas advindos da utilização dessa nova ferramenta
-- os recursos informáticos em sua prática pedagógica.

5. Referências

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alguns limites para sua efetivação - o caso da Informática na Educação. 2006.
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formação reflexiva de professores. Dissertação de Mestrado: Programa de Pós
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Professor de Matemática: Uma Proposta de Formação Continuada ... 151

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Educação Matemática, Tecnologia e Formação de Professores: Algumas Reflexões
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Copyleft 2010 by Willian Beline e Nielce Meneguelo Lobo da Costa (Orgs)
Editora da FECILCAM | Campo Mourão - PR | http:// www.fecilcam.br/editora

Capítulo 6

PRÁTICA DOCENTE DE PROFESSORES QUE


ENSINAM MATEMÁTICA COM O USO DO
SOFTWARE CABRI-GÉOMÈTRE:
O NOVO E O DESAFIO1

Ivonélia C. da Purificação2
Universidade Federal da Grande Dourados - UFGD

Resumo

O presente trabalho busca analisar a prática de professores das séries iniciais do Ensino
Fundamental que, usando o software Cabri-Géomètre, após um período de formação
continuada com o mesmo programa, desenvolvem ações metodológicas e reconstrução
de conceitos, num processo de reflexão sobre a própria aprendizagem e sobre/para
a prática pedagógica. As atividades foram realizadas no laboratório de informática
das escolas dos participantes da pesquisa. O caminho investigativo desenvolveu-se
com: uma entrevista; realização de atividades com o uso do Cabri-Géomètre pelos
professores e seus alunos; e diálogos com os professores sobre a atividade realizada.

1
  Texto para o XIV Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino (ENDIPE):
Trajetórias e processos de ensinar e aprender: lugares, memórias e culturas. Porto
Alegre, 2008.
2
  In memorian
154 I. c. Purificação

Em toda a investigação, os pesquisados apresentaram reflexões sobre/para a prática


pedagógica imbricada com a reconstrução dos conceitos e a reestruturação da prática.
Estamos convencidos de que o processo reflexivo englobando a prática pedagógica
passa por estar aberto a buscar algo, a olhar, a aprender a usar uma nova ferramenta,
com o intuito de que essa apropriação proporcione inovações e mudanças no contexto
escolar.

Palavras-chave: Formação de professores. Reflexão sobre/para a prática pedagógica.


Cabri-Géomètre. Reconstrução de conceitos.

Formação de Professores e Novas Tecnologias

A formação de professores e o uso das novas tecnologias têm sido


tratados por diversos pesquisadores de forma entrelaçada. Por exemplo, Ponte
e Serrazina (1998) argumentam que o professor deve ter em sua formação as
competências necessárias para a utilização das novas tecnologias da informação
e comunicação na educação. São elas: conhecimento das implicações sociais e
éticas das tecnologias; capacidade de uso de software utilitário; capacidade de
uso e avaliação de software educativo; e capacidade de uso das tecnologias da
informação e comunicação em situações de ensino-aprendizagem.
Reforça Guajardo (2002) que o professor de matemática necessita
entender que o recurso tecnológico, como todas as ferramentas produzidas
pelo ser humano, deve ser usado para construir progresso, combater iniqui-
dade e dar maiores oportunidades às novas gerações. Ele reconhece que o uso
superficial das tecnologias pode acarretar falsos benefícios no que concerne
às competências esperadas no processo educativo. Destaca o mesmo autor
que uma consciência não crítica dos que usam as tecnologias pode fazer com
que aumente a distância social e agrave a iniquidade do sistema educativo em
termos de qualidade do ensino e de oportunidades aos estudantes. Acreditamos,
portanto, que a formação do professor de matemática necessita qualificá-lo
como um “validador” crítico das tecnologias da informação e comunicação,
seja na variável da estrutura didática, seja no plano de suas implicações sociais
e psicológicas.
Pesquisas recentes em educação matemática têm mostrado a rele-
vância da informática na educação para aprendizagem da matemática, como
Prática docente de professores que ensinam Matemática com o uso do software ... 155

os trabalhos de Weigand e Weth (2002) mostram o potencial do uso do compu-


tador, e da internet, em atividades algébricas e geométricas. Neles, os autores
afirmam que o computador na sala de aula é um novo caminho no processo
ensino-aprendizagem, que envolve conjuntamente um campo de aplicação,
um domínio técnico, um domínio algorítmico e a própria esfera social. Para o
campo de aplicação, pode-se escolher desde banco de dados às especificidades
de conteúdos matemáticos. No domínio técnico, a circunstância envolve as
funções e sistemas do computador, no de algoritmos, percebe-se a análise e a
descrição na resolução de um problema e na esfera social, observa-se os efeitos
de uma nova cultura, também, em sala de aula.
Por outro lado, Baldin (2002) tem apontado questões relevantes para
as limitações das tecnologias no processo ensino-aprendizagem. Assim, o
professor deverá estar preparado para analisar as potencialidades e possibi-
lidades delas, bem como limitações. Para essa autora, uma formação eficaz
exige do professor, no mínimo, a percepção do uso das tecnologias de acordo
com uma escala de possibilidade e de adequação, algo que deve ser levado
em consideração, pois perceber as potencialidades do uso do computador em
termos de avanços e de limites possibilita ao professor estabelecer, em sua ação
pedagógica, a medida do uso desse recurso.
Além disso, Chaachoua (2003) explicita dois obstáculos, os quais difi-
cultam a integração do computador promovida pelo professor de matemática,
na sala de aula:
- O professor que não tem referência ou experiência de aprendizagem
em conduzir atividades no ambiente informático hesita em usar o computador
e necessita, assim, de uma justificação a priori que lhe aponte as possibilidades
do uso do computador no ensino de matemática. Nesse caso, prevalece a
insegurança com essa ferramenta e o menor dinamismo no ensino.
- O segundo obstáculo está ligado aos efeitos da transposição infor-
mática. Os objetos do saber se modificam na relação didática e informática,
ou seja, a introdução da informática na relação ensino-aprendizagem pode
modificar a relação entre aluno-professor-objeto matemático, na qual o
professor pode se deparar com situações em que o próprio saber matemático
é questionado. Assim, certas concepções de ensino podem ser obstáculos à
integração do recurso do computador.
Em síntese, o professor, ao necessitar da legitimidade educacional do
156 I. c. Purificação

computador no processo ensino-aprendizagem e ao apresentar dificuldades


em estabelecer links entre a transposição informática e o conhecimento
matemático, erige, dessa forma, obstáculos para o uso do computador em suas
atividades didáticas.
Isso conduz a pensar na própria aprendizagem do professor. Castro
Filho (2001) esboça preocupações relevantes quando expressa que, embora
reforçados por pesquisas, os programas educacionais em matemática nem
sempre têm chegado à sala de aula e, quando o fazem, sua utilização é
superficial e aquém das possibilidades dos programas. O problema está no
desenvolvimento conceitual, que se encontra separado das habilidades com
os recursos tecnológicos, levando, muitas vezes, ao uso do computador em
atividades desvinculadas da sala de aula e, até mesmo, à preparação dos profes-
sores com relação ao conteúdo matemático. O mesmo autor destaca, ainda,
que estudos têm revelado que professores do Ensino Fundamental e Médio
apresentam dificuldades na compreensão de importantes ideias matemáticas
e, portanto, novas tecnologias para o ensino da matemática podem possibilitar
o desenvolvimento conceitual por parte do professor.
Assim, como ressalta Valente (2001), em primeiro lugar, o uso da
informática em educação não significa apenas a soma de informática e
educação, mas a integração desses dois domínios. Em segundo lugar, como
parte do processo de formação, o profissional deve vivenciar situações em que
a informática é usada como recurso educacional a fim de compreender qual o
seu papel como educador nessas situações e de descobrir qual a metodologia
mais adequada a seu estilo de trabalho.

A investigação

No presente trabalho buscou-se identificar e analisar os encaminha-


mentos metodológicos e conceituais desenvolvidos por cinco (5) professores,
das séries iniciais do Ensino Fundamental, num processo de reflexão sobre/
para a prática, usando com seus alunos o software Cabri-Géomètre como ferra-
menta auxiliar para aprendizagem de conceitos geométricos. Ele é um software
de autoria, assim classificado por ser um programa específico para desenvolver
situações de ensino-aprendizagem de geometria. Com esse software é possível
Prática docente de professores que ensinam Matemática com o uso do software ... 157

estabelecer uma distinção entre o desenho geométrico e a figura geométrica, o


que é difícil com lápis, régua e papel. Entre os pesquisadores que apresentam
essa distinção, Santos (1997, p. 783) compartilha com outros autores a seguinte
definição: Figura geométrica designaria o objeto teórico geométrico, constituído por
um conjunto de elementos geométricos ligados por relações. Por outro lado, o desenho
adquire o status de representação material desse objeto teórico, como, por exemplo,
um traçado na areia, no papel, na tela do computador ou em qualquer outro suporte
físico.
Autores como Laborde & Capponni (1994); Purificação (1999); e
Silva (1997) argumentam que o uso do software Cabri-Géomètre possibilita ao
aluno parte ativa no processo de construção do conhecimento, podendo “visu-
alizar” as propriedades geométricas pelos movimentos das figuras, retomando
as construções passo a passo através de um histórico, fazendo conjectura e
verificando sua validade. O Cabri não necessariamente leva à demonstração,
mas pode levar à argumentação, que é um passo para chegar à demonstração.
O trabalho foi estruturado na seguinte sequência: uma entrevista
semiestruturada; realização de uma atividade pelos professores com seus
alunos usando o software Cabri-Géomètre3 (a atividade foi gravada em vídeo
pelos professores sem a presença da pesquisadora); e diálogo com os professores
sobre a prática mantida com seus alunos usando o software Cabri-Géomètre. As
atividades foram realizadas no laboratório de informática das três (3) escolas
dos participantes da pesquisa. Os professores atuam nas séries iniciais (3a e 4a)
do Ensino Fundamental em escolas da região metropolitana de Curitiba-PR.

Tecendo a Rede do Diálogo – professores e pesquisadora

Da conversa inicial com os professores, identificou-se que, com a


chegada dos computadores na escola, sentimentos contraditórios apresentam-
se claramente: sedução e medo. Surge a sedução pelo novo, por uma ferramenta
que pode trazer mudanças em suas ações, aliada a todo um movimento tanto
interno dos alunos como externo da sociedade, e conjugada aos programas
educacionais. Com a sedução, vem ao mesmo tempo o medo do fracasso

3
  Cabri-Géomètre – versão I.
158 I. c. Purificação

perante o novo, face à possibilidade do erro, não o erro do aluno, mas o do


professor, e, consequentemente, descobre-se a necessidade de se aprimorar o
uso do computador nas escolas. Os professores admitem terem dificuldades
relacionadas ao domínio da tecnologia, mas revelam que aos poucos estão
superando os medos e, se demonstram suas limitações, sabem que podem
vencê-las.

Ma: - Muitos até se revelam lá no laboratório de informática, na sala são alunos que
não fazem as atividades, e tem que sempre ficar cobrando, e no laboratório são os
primeiros a terminarem e ainda ajudam os colegas. Sabem abrir, fechar, mexem em
tudo como gente grande.

Os professores expressam que os CDs existentes no laboratório de


informática e sua utilização não satisfazem a eles nem aos alunos. Destacam
que o uso dos softwares disponíveis nas escolas está atrelado a situações repe-
titivas e de memorização. Ao mesmo tempo, percebe-se, por parte deles, uma
denúncia: a instalação, na maioria das escolas brasileiras, de computadores
sem a efetiva formação dos professores e sem a garantia de seu acesso, ou seja,
uma formação com falha de propósito, falha de método e falha de significação
(MOURA, 2002).
Expressa a autora que a “falha de propósito” está no fato de que a
tecnologia é apresentada como algo que simplesmente se deve aprender, em vez
de se compreendê-la dentro de um contexto que exponha o porquê de utilizá-
la no ensino; como “falha de método”, Moura menciona a circunstância de
que os cursos sobre tecnologias não deveriam se limitar apenas à aprendizagem
progressiva da informática, mas incluir o estudo das capacidades cognitivas
envolvidas na construção do conhecimento com auxílio do computador e, por
fim, como “falha de significação”, a autora faz notar a ocorrência de que em
muitos cursos se promove apenas a capacitação para o uso, quando, em lugar
disso, se deveria privilegiar a construção do sentido sobre esse uso e sobre
suas aplicações nos processos educativos, conferindo, assim, uma experiência
cultural e não só instrumental, o que conferiria clareza quanto aos objetivos
cognitivos e pedagógicos da utilização dos computadores nos conteúdos
escolares.
Prática docente de professores que ensinam Matemática com o uso do software ... 159

Quanto ao conhecimento geométrico, os professores reconhecem que


a formação está aquém do desejado, mas se mostram abertos a reconstruir, a se
tornarem aprendizes.

An: - Acho assim, questão de geometria, que é muito deixada de lado, e muito pelo
fato do professor não saber.

Como aponta Schön (1983), o processo de reflexão perpassa questões


que erigem confusão e incertezas, e, de forma concludente, os professores
demonstram reflexões pelas quais interrogam o significado, intenções e funções
do computador na escola e mostram uma consciência crítica com relação ao
próprio saber e afirmam a necessidade de equacioná-lo para reestruturação da
prática.

Ma:- Quando eu conheci o Cabri, eu pensei, ele vai desenvolver o pensamento


geométrico da criança. A criança não tem esse receio que nós temos, à medida que
ela vai desenvolvendo ela vai construindo os próprios conceitos. Nesse sentido, o
Cabri é excelente para trabalharmos com nossos alunos.

My- Formar o próprio conceito, fugir do conceito do livro, por exemplo, do que é o
ponto, a reta.

O Uso do Software Cabri-Géomètre nas Escolas: similaridades e


diferenças

No laboratório de cada escola se podem observar os seguintes procedi-


mentos metodológicos adotados pelos professores: a) fez encaminhamento no
qual explica o que é o Cabri, mostra como funciona e solicita a realização de
atividades já determinadas; b) realizou o encaminhamento em que possibilita
ao aluno explorar o software e fazer indagações sobre a ação realizada, bem
como refletir sobre ela e expressar suas ideias. O primeiro procedimento estava
presente na escola AA e o segundo foi identificado nas escolas JB e TM. Pode-
se, contudo, ainda perceber um diferencial entre as duas últimas escolas no
que se refere ao ordenamento das tarefas. Na escola JB, a professora solicitou
160 I. c. Purificação

a realização das atividades de acordo com uma sequência predeterminada, ou


seja, executou-se uma para depois concluir-se outra, não permitindo ao aluno
inverter a sequência. Já na escola TM aceitou-se que o aluno extrapolasse o que
fora pedido nas atividades, invertendo a ordem conforme a sua curiosidade.
A superação e a busca de um encaminhamento diferenciado foi perce-
bido nas realizações das atividades de construção do triângulo e nas indagações
realizadas pelas professoras tanto em nível instrumental do software como em
nível conceitual da geometria.

Ma: - Você consegue achar um triângulo? Aluna:- Não, eu acho que falta fazer dois pontos
aqui.
Ma: - Mais dois pontos? Aluna:- É
Ma:- Então o que você ia fazer pra achar? Que ainda faltou dois pontos e ia dar quantos
pontos? Cinco? Aluna:- Sim
Ma:- Você ia fazer mais dois ainda, dois e dois... quanto dá? Aluna - Quatro
Ma:- Isso. Quatro e você ia achar um triângulo? Aluna:- Não
Ma:- Espaço? Dá espaço e solta, o que apareceu? Aluna:- Um ponto
Ma:- Um ponto, agora vai de novo na flechinha, espaço o que aconteceu? Falta um ponto.
Você fez? Aluna:- Três.
Ma:- O que é um triângulo, K (nome da aluna)? Aluna:- A parte de cima parece um
telhado de uma casa e uma linha reta.
Ma:- Quantos pontos você precisou para fazer um triângulo? Aluna:- Três
Ma:- E se você fizesse quatro pontos aqui, você ia achar um triângulo? Aluna:- Não, ia
achar um quadrado.

Os professores aliaram as atividades de criação do Cabri a relações


conceituais geométricas já desenvolvidas em sala de aula. Percebe-se a
valorização dada pela professora com relação ao ponto e às construções
geométricas.
Se um triângulo é o polígono que possui três lados e três ângulos, na
conversa da professora com o aluno percebe-se que há um momento em que a
professora tenta levar o aluno a definir triângulo, estabelecendo relações com
os lados. Ela, no entanto, se fixa na propriedade quanto aos lados e não fazendo
vinculação quanto aos ângulos. Como argumenta Duval (1995, 2003), saber
relacionar os desenhos a propriedades geométricas não se faz espontaneamente.
Ao contrário, tal faculdade é antes o resultado de uma aprendizagem.
Prática docente de professores que ensinam Matemática com o uso do software ... 161

Duas ressalvas, contudo, se fazem necessárias. A primeira delas é que


as atividades com o triângulo podem estar ligadas a uma situação de facilidade,
tanto instrumental quanto conceitual, em que o nível de conflito gerado pela
construção não traz maiores dúvidas aos professores, pois não recorre a outras
representações necessárias à sua construção exceto a do próprio menu.
Essa facilidade não se encontra na construção dos quadriláteros,
para os quais se requerem as primitivas a fim de se construírem as retas, os
segmentos, as retas perpendiculares e as retas paralelas, e, em alguns casos, as
circunferências. Tais construções exigem do professor um maior domínio do
conceito e maiores inferências ao indagar o aluno. Pelo contrário, a construção
do triângulo está pronta no menu Cabri (versão I), bastando clicar três vezes
na tela que um triângulo é criado pelo software. Em seu movimento, pode-se
classificá-lo quanto ao lado e quanto ao ângulo.
A segunda ressalva alude ao fato de que, muito embora não estivesse
no planejamento do professor, os alunos, ao mexerem com o software, foram
descobrindo novas possibilidades de construção e acabaram por criar um triân-
gulo. A despeito, portanto, de as atividades serem realizadas sob o comando do
professor, em alguns casos há alunos que vão além desses comandos e desco-
brem algo considerado novo, solicitando assim dos professores no mínimo uma
explicação.
Seja por facilidade instrumental ou conceitual, seja por descoberta dos
alunos, o fato é que a construção do triângulo trouxe ganhos significativos nas
ações didáticas dos professores bem como nas indagações e inferências que eles
estabeleciam face ao conhecimento do aluno.
Parece que, para o professor, o deslocamento do ponto, da reta, do
segmento e de outros objetos geométricos com o Cabri possibilita tanto retomar
o conceito desses objetos como rever sua validação mental. Metaforicamente,
seria como extrapolar as amarras de uma conceituação solidificada, em que se
pensa no ponto como algo parado no espaço. O Cabri subverte essas concep-
ções ao mostrar para o professor e para o aluno uma possibilidade “diferente”
de idealizar, por exemplo, o ponto.
Pode-se também destacar que, nesses exercícios, os professores soli-
citavam aos alunos que deslocassem, movimentassem os objetos geométricos
criados. Isso leva a uma consideração: normalmente, em sala de aula, quando
esse conteúdo é trabalhado, por mais que se faça uso de objetos manipuláveis,
162 I. c. Purificação

a ideia de ponto, de reta e de segmento ainda permanece estática, o que


também se visualiza nos livros didáticos. Como a visualização exerce uma
influência significativa na construção do conhecimento, parece que, para as
professoras, essa ideia dos entes geométricos estáticos estava muito enraizada
em sua construção mental.
No trabalho de Villarreal (1999) encontramos dados importantes
sobre a visualização. A autora explicita que o aluno, ao apresentar justificativa
ao conceito, mostra claramente uma apelação visual. As pesquisas apontam
para a facilidade de visualização que o computador oferece na construção de
conceitos. A autora assevera que a utilização da informática no campo visual
“[...] comunica novas idéias visual e experimentalmente antes de passar a uma
explicação através de palavras e oferece imagens que de outra forma seriam
inacessíveis para os estudantes; ilustra e reforça conceitos” (p. 30).
Nas séries iniciais é imprescindível a utilização de recursos visuais e
manipulativos para os alunos na construção de conceitos. Estamos convencidos
de que o professor, ao reconstruir seus conceitos geométricos fazendo uso do
Cabri, busca também despertar no aluno a consciência dessa possibilidade de
visualização e de movimento dos entes geométricos, que antes eram estáticos
e amorfos. Segundo Junqueira e Valente (1998), as construções resultantes do
uso de papel, lápis e régua, são estáticas e apenas podem ser tornadas flexíveis
por meio da imaginação. Todavia, se a exploração das construções geométricas
se fizer com auxílio do Cabri, suplanta-se tal limitação. De fato, esse software
possibilita que as construções adquiram uma situação de movimento, o que
permite ao aluno e ao professor reestruturarem seus esquemas cognitivos,
convertendo o estático em dinâmico.
Metodologicamente, percebe-se uma valorização da ação, da reflexão
e da explicitação por parte do aluno, sob a orientação da professora. A possibi-
lidade de “mexer para todo lugar” traz um diferencial do Cabri na construção
do conceito de ponto para o aluno. A professora insiste no deslocamento
do ponto e, talvez inconscientemente, perceba o quanto o ponto foi tratado
estaticamente em sala e o que ele agora proporciona quando se o movimenta.
Nota-se, então, que esse professor busca extrapolar e redimensionar suas ações
metodológicas com o uso do Cabri, deixando entrever, nas suas proposições,
uma percepção tanto da sua prática didática como dos conceitos geométricos.
Prática docente de professores que ensinam Matemática com o uso do software ... 163

Ma:- Vamos fazer uma reta. Como que se acha uma reta? Alunos: F10, criação e enter.
Ma:- Você sabe me dizer em que forma essa reta está? Em que posição? Se está na diagonal
ou na vertical? Aluno M: - Na horizontal.
Ma:- Na horizontal, então? Em que posição está a sua, aluna K? Aluna K:- Na
horizontal.
Ma:- O que é uma reta? Aluno M: - É um risco.
Ma:- Um risco? Aluna K:- Uma linha reta sem uma curva é uma linha bem reta.
Ma:- Isso, uma linha bem reta. Aluna K: - Uma reta sem fim.

O mesmo encaminhamento metodológico, baseado em indagações


pelo professor aos seus alunos é identificado nessa fala. A professora conduz
suas ações de forma que o aluno, ao realizar suas atividades de criação com
o Cabri, expresse os conceitos geométricos ao mesmo tempo em que deles
se conscientiza. A professora busca inicialmente estabelecer vínculos entre a
posição da reta na tela e sua conceituação, para que o aluno compreenda que
não importa a posição ou a direção de uma reta, pois ela não tem origem, é
ilimitada, é infinita. O deslocamento da reta na tela possibilita ao professor
uma ação e reflexão diferenciada, por lhe permitir selecionar os elementos
pertinentes para interpretá-la geometricamente. Nessa atividade, o processo
de semiósis e noésis se imbricam na produção da representação e em sua
conceituação, segundo Duval (1995). Esse autor denomina de semiósis a
apreensão ou a produção de uma representação, e de noésis os atos cognitivos,
a apreensão conceitual de um objeto. As representações semióticas podem
ser convertidas em representações equivalentes variando-se a forma pela qual
um conhecimento é representado. Para que ocorra a noésis – conceitualização
-- necessita-se de significativas semiósis – representações.

Ma:- Como você fez o segmento? Aluna K: - Eu fiz um ponto e apertei F4 e apareceu uma
flechinha aqui.
Ma:- E como é que você conseguiu chegar com o segmento? Você precisou do quê? Aluna
K: - Do F10 e fui no segmento.

Ma:- E do segmento, mas apareceu o segmento? E aparece o quê? Aluna K:- Esse ponto.
Ma:- E pra você fazer um segmento é preciso só de um ponto? Aluna K:- Não, um de cada
lado, 2 pontos.
Ma:- Isso. Um ponto de cada lado, e a reta e o segmento? Aluna K:- A reta, ela se define e
o segmento ela pode ser, ficar tanto pequena quando grande.
164 I. c. Purificação

A visualização e o deslocamento das criações realizadas no computador


proporcionam ao professor e ao aluno a percepção dos objetos geométricos e
suas relações, permitindo-lhes então estabelecer inferências e, num processo
reflexivo e de tomada de consciência (Piaget, 1977), conceituar os entes
geométricos. O questionamento se faz presente em toda a situação apre-
sentada, na relação professor-aluno. Isso é um indicativo de que o professor
introjetou em suas ações didáticas as propostas educativas atuais de levar o
aluno a agir, a refletir e a verbalizar o compreendido, e assim sucessivamente.
Essa troca também conduz o professor a ações, a reflexões e a verbalizações
de suas abstrações, notadamente dos conceitos construídos e do processo de
ensino-aprendizagem (SCHÖN, 2000).
Percebe-se, nos diálogos, uma relação metodológica e conceitual,
relação na qual o professor estabelece uma forma em que o aluno é incenti-
vado a criar, a tentar, a extrapolar o fixo da sala de aula, com a possibilidade de
explorar as construções.

Lo: - O que vocês estão fazendo? Alunos: - Nós estamos tentando fazer uma estrela.
Lo: - Qual o primeiro passo que você usou para fazer a estrela? Alunos: - Criação.
Lo:- Cria o quê? O ponto. Aluno:- Não! O triângulo.
Lo: - Ah, você foi direto no triângulo! Que outro jeito você poderia fazer essa estrela.-
Criação, marcar o ponto. Aluno: Com as retas.
Lo: - Com as retas. Mas daí será que, com as retas, não vai ficar grandão e passar pelo visor?
O que é menor para a gente usar, menor que a reta? Alunos: - Triângulo... segmento...
Lo: - Isso, segmento. Também dá para fazer uma estrela.

A professora deixa que os alunos façam livremente criações e cons-


truções no Cabri. Nesse processo, vai indagando aos alunos as especificidades
das criações, e retirando daí os conceitos geométricos. Ela orienta o aluno de
forma que ele reflita sobre as diferentes possibilidades de se realizar a mesma
atividade e, com isso, estabelecer vinculações entre os objetos geométricos.
Metodologicamente, é um encaminhamento diferenciado, pois não se observam
indagações diretas a um conceito, mas situações que levam às outras possibi-
lidades de criação, para, então, talvez, o aluno inferir o conceito relativo aos
objetos geométricos que estão sendo criados. Tudo indica que o procedimento
foi planejado com intenções de exploração e de descobertas pelo próprio aluno,
que pôde, a partir daí, reelaborar os conceitos geométricos.
Prática docente de professores que ensinam Matemática com o uso do software ... 165

A rigidez perceptiva em sala de aula e nos livros sugere que a forma


estanque de representação atua como perturbadora da compreensão e afeta a
habilidade de conjecturar.

An: -Isso, mexe o ponto. O que acontece? Será que o ponto sai da reta? Experimenta mexer,
movimentou? Aluno:- Desceu.
An: - Desceu, será que ele saiu da reta? Aluno:- Saiu. Aluno:- O meu não mexe. (outro
aluno).
An:- Vai mexer o ponto. E o ponto vai junto com a reta? Aluno:-Vai.
An: - Ok! Vão em construção, não é criação, e façam ponto sobre o objeto. Ah! Tá apagado,
não dá para fazer ainda. Aluno:- Só tem uma janela.
An: - Então voltem lá em criação e criem uma reta, pode ser longe do ponto A. Depois façam
ponto sobre o objeto. Nomeia de B. Aluno:- Agora dá.
An: - Mexam a reta. Quem conseguiu? Aluno:- Mexe! Só que o ponto vai junto.
An:- Isso! O ponto vai junto, e por que o ponto vai junto? Aluno:- Porque ele está sobre o
objeto.
An:- Muito bem. Agora mexe o ponto B. Conseguiu tirar ele da reta? Aluno:- Não.
An: - Não, sabem por quê? Aluno: -Não.
An: O ponto B é o que está lá em cima, tá grudado na reta e vocês construíram em cima do
objeto, o ponto que vocês construíram fora, ele está fora da reta e ele se movimenta sozinho.

Há aqui duas situações didáticas: a primeira se constitui no fato de


a professora trabalhar com ponto e ponto sobre o objeto, numa relação com
a axiomática do Cabri, e a outra situação consiste em buscar mostrar para os
alunos o conceito de ponto e sua relação com outros objetos geométricos. O
destaque que a professora concede ao movimento, ao deslocamento do ponto
na tela do computador, imprime tanto para si, como para o aluno, a força que
possui a visualização desse ente geométrico e a possibilidade de manipulá-lo.
Há indicativos de que a circunstância de o ponto aparecer imóvel nos livros
didáticos suscita a não completude dos esquemas pelo sujeito. A possibilidade
de retomar a visualização do ponto em uma situação diferenciada, e seu corres-
pondente movimento, permite reconstruir os esquemas em um novo patamar.
O movimento do ponto e ponto sobre o objeto proporciona ao sujeito, como
diz Valente (2001), o ciclo de descrição-execução-reflexão-depuração. Num
processo integrado, o professor solicita ao aluno que crie o ponto na tela: o
computador executa; aluno e professor refletem sobre o que apareceu na tela
166 I. c. Purificação

do computador e novamente sobre essas reflexões já realizadas; e seguem


executando novos comandos no computador até o professor entender que é o
suficiente.

O Comportamento do aluno Usando o Cabri e Construção de Conceitos

Os professores acreditavam, em primeira instância, que os alunos


teriam dificuldades no laboratório de informática, e futurizavam que não
conseguiriam mexer no Cabri nem resolver as atividades solicitadas. Ocorre
que a constatação se fez diferente, com a participação efusiva dos alunos, hábeis
em usar hardware e software. Em suas verbalizações, apresentam reflexões de
racionalidade técnica em nível empírico-analítico (MARTINEZ, 2004), em
que a reflexão se baseia na aplicação eficaz de habilidades e de conhecimentos
técnicos.
Ve:- Eu tenho um aluno que ele tem bastante dificuldade, pela idade, assim, então,
ele é um menino de rua mesmo, problema de comportamento, e pra não deixar ele na
sala assim sem a minha presença eu levei ele no laboratório, foi um dos escolhidos,
nós não trabalhamos com todos os alunos. E olha assim, a gente ficou de boca aberta
pela habilidade dele, ele deu aula pra gente, então foi totalmente surpresa pra gente,
né. Ele que conceituou triângulo, ele me surpreendeu e ajudava os colegas.

Percebe-se, assim, que os professores identificam mudanças de


comportamento nos alunos no laboratório, e expressam que desafios são apre-
sentados e superados. Há indícios de uma reflexão de indagação (GARCIA,
1999) das próprias ações pedagógicas, em que se surpreendem com um aluno
que, em sala, não apresentava um comportamento participativo, mas que,
no laboratório de informática, mudava de comportamento e adotava ações
participativas, cooperativas. As falas das professoras indicam reflexões com
considerações cuidadosas e conscientes acerca desta sua experiência prática.
Ao se reportarem à atividade realizada com seus alunos, os profes-
sores refletem sobre a própria aprendizagem e mostram indícios de revisão da
própria prática, pois apontam a necessidade de se realizarem diferentes formas
de representação do conhecimento matemático, para a própria aprendizagem,
como para a de seu aluno.
Prática docente de professores que ensinam Matemática com o uso do software ... 167

Consideracoes Finais

Conclui-se, então, que, em qualquer situação didática, é fundamental


a articulação entre as atividades perceptivas e os momentos de elaboração
conceitual, isto é, o estabelecimento de relações mais consistentes entre
o conhecimento empírico e sua sistematização formal. O uso do ambiente
informatizado Cabri, aliado aos diálogos estabelecidos entre os professores
e seus alunos em uma atividade didática usando o referido software, pode
proporcionar essa articulação. Ou seja, reconstruir conceitos e refletir sobre/
para a prática pedagógica, de forma idiossincrática e processual, transcende ao
incorporado na emoção, na razão e na ação.
Acreditamos que, para a continuidade do trabalho com o Cabri em
suas escolas, deve o professor manter um diálogo permanente consigo mesmo
e com os outros, com vistas a obter a superação de desafios e desencadear
reflexões de suas ações. Deve ele, também, conhecer o que difere a geometria
euclidiana plana da geometria dinâmica com o Cabri, podendo, então, estabe-
lecer conexões entre o conhecimento já construído e os novos conceitos, para
uma intervenção adequada em sala de aula, revendo suas ações com o uso do
lápis e papel, como também nas condições intelectuais e emocionais do seu
aluno, em consonância com o meio.
Deve-se sublinhar que só a formação dos professores usando o Cabri
não é garantia de mudanças e de inovações no contexto educacional. Com
efeito, outros fatores estão presentes no próprio sujeito–professor, com inter-
ferências das circunstâncias de cunho pessoal, social e econômico, além da
presença de outros sujeitos que compõem esse contexto. Para tanto, necessita-
se, como bem expressa Paulo Freire, da busca da autonomia com criatividade,
com reflexões e ações transformadoras.

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168 I. c. Purificação

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2002.
Educação Matemática, Tecnologia e Formação de Professores: Algumas Reflexões
pp 171-181
Copyleft 2010 by Willian Beline e Nielce Meneguelo Lobo da Costa (Orgs)
Editora da FECILCAM | Campo Mourão - PR | http:// www.fecilcam.br/editora

Capítulo 7

A FORMAÇÃO DE PROFESSORES INDÍGENAS:


REFLEXÕES SOBRE O CURRÍCULO DE
MATEMÁTICA NUMA PERSPECTIVA
INTERCULTURAL

Chateaubriand Nunes Amâncio, Ivonélia Crescêncio da Purificação, Renato


Gomes Nogueira1
Maria Aparecida Mendes de Oliveira2
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul

Resumo

O texto reflete a busca de ideias a partir dos quais se possa sustentar nossa intenção de
elaborar elementos que subsidiem um currículo apropriado para o ensino de Matemá-
tica em escolas indígenas da região de Dourados Sul, do Mato Grosso do Sul, onde se

1
  In memorian Os professores Chateaubriand Nunes Amâncio, Ivonélia Crescêncio
da Purificação, Renato Gomes Nogueira atuavam no curso de Matemática da
Universidade Federal da Grande Dourados – UFGD e na Licenciatura Plena em
Matemática e na Licenciatura Intercultural Indígena, e eram membros do Grupo
de Estudos e Pesquisas em Educação Matemática – GREPEMAT.
2
  Professora da Secretaria Estadual de Educação de Mato Grosso do Sul, cedida
através de convenio para a UFGD para o curso de Licenciatura Intercultural
Indígena, Mestranda do Programa de Pós Graduação em Matemática da Univer-
sidade Federal de Mato Grosso do Sul, liamendeso@yahoo.com.br.
172 C. N. Amâncio, I. C. Purificação, R. G. Nogueira. ET. AL.

encontra a população indígena Guarani e Kaiowá. Cursos voltados para a formação de


professores indígenas, em dois níveis, são tomados como motivadores e espaço dessa
discussão, conduzida em conformidade com os anseios das comunidades indígenas
envolvidas nesses cursos visando a formação de professores indígenas no âmbito da
área de Educação Matemática.

Palavras-chave: Formação de professores indígenas. Ensino de matemática.


Multiculturalidade.

Introdução

A denominação Região da Grande Dourados abrange a porção sul


do Estado do Mato Grosso do Sul, a qual representa um espaço geográfico
cuja cidade-polo é Dourados. Destacamos a presença da população indígena
Guarani (Kaiowá/Ñandeva) em boa parte dos 37 municípios que formam essa
região e que representa, historicamente, importante papel na construção da
identidade socioeconômica e cultural, sem contar a faixa fronteiriça entre a
Região da Grande Dourados e o Paraguai, faixa na qual a população compõe
esse mosaico multicultural.
Ao tomarmos como referência a implantação da Universidade Federal
da Grande Dourados (UFGD) em julho de 2005, temos a abertura de novos
cursos de graduação e de pós-graduação comprometidos com a garantia de
uma formação tecnológica adequada às necessidades do plano de desenvol-
vimento regional, com o fortalecimento e a construção de uma universidade
que atenda aos anseios da sociedade brasileira e participe efetivamente da
produção e da difusão do conhecimento, sobretudo no que diz respeito aos
cursos de licenciatura.
Focamos, então, a discussão no que consideramos seja de suma
importância nesse contexto apresentado acima, ou seja, na formação inicial
e continuada de professores de Matemática e de recursos tecnológicos em
contextos multiculturais.
A relevância desta temática pode ser constatada ao considerarmos a
quantidade e a qualidade do material que vem sendo produzido, bem como
a quantidade de publicações e de trabalhos científicos de pesquisadores
A formação de professores indígenas: reflexões sobre o currículo de matemática ... 173

que divulgam e discutem suas concepções em eventos científicos nacionais


e internacionais, todos eles agregados em torno de uma área que vem se
consolidando cada vez mais, denominada de Educação Matemática, na qual
convergem as diversas concepções relacionadas à temática e, em particular,
as voltadas para a problemática da diversidade cultural e da tecnologia como
temas que têm suscitado vigorosos debates em diversos grupos de pesquisa,
seja pela importância no mundo contemporâneo enquanto fatos que devem
ser considerados na busca de uma aprendizagem, seja como elementos que
podem instrumentalizar o trabalho do professor.
A raiz da formação dos professores assemelha-se à da formação de
diferentes sujeitos em múltiplas áreas, ou seja, uma formação que busque uma
aprendizagem significativa de saberes que possam levar a uma transformação
de si e da realidade em que se está inserido e/ou atuará profissionalmente.
Entretanto, destacamos os conceitos e as particularidades que envolvem tal
ação quando se trata da formação do professor que ensina Matemática.
Reconhecendo o que diversas pesquisas realizadas nos mais diferentes
campos do conhecimento escolar evidenciam, sobre a tecnologia enquanto um
instrumento capaz de contribuir de modo importante na aquisição do conhe-
cimento matemático pelos alunos, bem como reconhecendo a importância de
se levarem em conta os diversos contextos culturais nos quais se encontram
e transitam esses alunos, evidenciamos a necessidade de incorporar essas
demandas na formação inicial e continuada dos professores de Matemática.
É nesse terreno que se assentam as ações do Grupo de Estudo e Pesquisas
em Educação Matemática (GREPEMAT), o qual vem fomentando e desenvol-
vendo suas ações numa perspectiva educacional na qual seja contemplada a
diversidade cultural existente na região, bem como as demandas tecnológicas
no que diz respeito aos ambientes nos quais se realizam práticas educativas
matemáticas.
Aqui trataremos de reflexões acerca das ações que estão sendo desen-
volvidas junto à formação inicial e continuada de professores indígenas, em
dois níveis diferentes.
174 C. N. Amâncio, I. C. Purificação, R. G. Nogueira. ET. AL.

O Ara Verá e o Teko Arandu

A oferta de cursos específicos para populações indígenas parte de


um forte movimento que vem ocorrendo em toda a América Latina para a
formação de professores índios numa perspectiva da Educação Intercultural
e Bilíngue. Isso vem ocorrendo em virtude de a América Latina, hoje, ser,
segundo Prada e Lopes (2004),

[...] um fragmento de dispersão crescente da pós-modernidade, uma


imagem de um caleidoscópio onde se mostram as inúmeras diferenças
culturais e cristalizam-se as múltiplas cosmovisões étnicas, quer dizer
as diversas formas de pensar, de sentir, de atuar, de compartilhar e
de transmitir saberes, conhecimento e valores éticos e também as
diferentes formas de produzir e relacionar-se com a natureza e o
entorno que as sociedades indígenas têm desenvolvido. (p. 28).

As comunidades indígenas, que se encontram no sul do Estado de


Mato Grosso do Sul são compostas, em sua grande maioria, por povos Guarani
Ñandeva e Guarani Kaiowá, com uma população de aproximadamente 43.000
pessoas, distribuídas em 27 aldeias localizadas em 17 municípios do Sul do
Estado3. Essas aldeias ocupam hoje um território de, aproximadamente, 40.697
hectares4. Consideramos, assim, imprescindível assumir o pressuposto de
que se trata aqui de um espaço de contato – que une os povos, ao invés de
separá-los, e que traz à tona características capazes de revelar as singularidades
socioculturais.
A busca de uma “escola indígena, intercultural, bilíngüe, específica
e diferenciada”5 para as comunidades indígenas num diálogo intercultural,
enfrenta, perceptivelmente, uma dupla tendência. De um lado, a configuração

3
  Fonte: “Projeto Criança Kaiowá e Guarani em Mato Grosso do Sul: a realidade
na visão dos índios” (2005).
4
  Estão incluídas nesse levantamento apenas as áreas demarcadas. Algumas dessas
áreas indígenas ainda não foram demarcadas e se encontram em situação de
conflito.
5
  Formulação explicitada em documentos oficiais.
A formação de professores indígenas: reflexões sobre o currículo de matemática ... 175

de uma escola que organiza e transmite os saberes marcados por uma episte-
mologia racionalista, fortemente impregnada pela cultura capitalista. De outro
lado, a construção de uma escola indígena, constituída a partir de um diálogo
intercultural e marcada pela presença e pela participação das comunidades no
seu destino. Essas são contradições encontradas em direção da construção de
uma “Escola Indígena”, aquela capaz de preparar os alunos indígenas para os
desafios que a sociedade envolvente lhes impõe, sem, no entanto, desrespeitar
suas crenças e práticas culturais (Cf. MAHER, 2006, p. 28-29). Em meio a
essas contradições estão presentes dificuldades, que vão desde a organização
curricular, às relações com o saber estabelecido no interior da escola indígena, a
questão da língua e das linguagens, até a falta de materiais didáticos adequados
às especificidades dessas comunidades.
Esse movimento se reflete, objetivamente, na formação dos profes-
sores indígenas ,que “[...] é hoje um dos principais desafios e prioridades para
a construção de uma Educação Escolar Indígena pautada pelos princípios
da diferença, da especificidade, do bilingüismo e da interculturalidade”
(GRUPIONE, 2006, p. 50-51).
Nesse contexto temos, em andamento em Mato Grosso do Sul, o Curso
Normal em Nível Médio, Formação de Professores Guarani e Kaiowá – Projeto
Ara Verá (Espaço-tempo iluminado), que consiste de um curso de magistério
especifico de nível médio. Esse projeto já formou cerca de 130 professores
e eles atuam nas comunidades indígenas dessa região. Atualmente está em
andamento a terceira turma, com aproximadamente 85 cursistas/professores
de diversas aldeias dessa etnia do Estado do Mato Grosso do Sul.
Essa experiência vem proporcionando um outro olhar sobre a reali-
dade das escolas indígenas e os aspectos ligados ao ensino e aprendizagem da
Matemática, algo que desperta o interesse em identificar os processos pelos
quais os Guarani e Kaiowá constroem as suas relações com o espaço e o tempo,
e como esse saber assume uma linguagem própria. Além disso, como essas rela-
ções são e podem ser tratadas na escola indígena com o aprender, no sentido
queCharlot6 (2000) apresenta a questão da relação com o saber e da relação

6
  A relação com o saber é o conjunto das relações que um sujeito estabelece com
um objeto, “um conteúdo de pensamento”, uma atividade, uma relação inter-
pessoal, um lugar, uma pessoa, uma situação, uma ocasião, uma obrigação, etc.,
176 C. N. Amâncio, I. C. Purificação, R. G. Nogueira. ET. AL.

com o aprender, mais especificamente em relação ao ensino de Matemática.


Hoje, no Brasil, existem seis cursos de Licenciatura Indígena destinados
à Formação Superior de professores indígenas. Entre eles, reportamo-nos ao de
Barra dos Bugres, na UNEMAT, e ao de Boa Vista, na Universidade Federal
de Roraima, como sendo os primeiros e nos quais percebemos que o enfoque
na Matemática é dado em conjunto com as Ciências da Natureza (Química,
Física, Biologia), e que não é tratada como área de formação de professores.
Em nosso entendimento, isso pode levar a um “afastamento” da especificidade
da Matemática, uma vez que esta é vista como ferramenta que instrumen-
taliza as outras disciplinas, e não como um modo particular de pensamento,
manifestado em suas diferentes formas de organização e de difusão, envolvido
na compreensão de outras áreas (História, Geografia, Economia, Agronomia,
etc.).
Temos aqui a necessidade do estabelecimento de um diálogo inter-
cultural que considere a especificidade do conhecimento matemático em seus
diversos contextos, oferecendo maiores possibilidades de intercâmbios tanto no
sentido epistemológico quanto no pedagógico. Desse modo, entendemos que
a discussão de tais especificidades deva ser central na formação de professores
que atuarão no ensino de Matemática nas escolas indígenas, bem como com os
professores que atuarão nessa formação que ora se inicia no nível superior.
O Curso de Licenciatura Indígena – Teko Arandu (Viver com Sabe-
doria) é oferecido pela Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD)
e pela Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), e em parceria com outras
instituições7.
Esse curso teve inicio no segundo semestre de 2006, com 60 alunos,
todos professores que atuam nas séries inicias do Ensino Fundamental em suas

relacionados de alguma forma ao aprender e ao saber – consequentemente é


também relação com a linguagem, relação com o tempo, relação com a atividade
no mundo e sobre o mundo, relação com os outros e relação consigo mesmo,
como mais ou menos capaz de aprender tal coisa, em tal situação. (CHARLOT,
2005, p. 45).
7
  Essas parcerias são estabelecidas através de convênios com a Secretaria de Estado
de Educação de Mato Grosso do Sul, Fundação Nacional do Índio-FUNAI e as
Prefeituras Municipais onde estão presentes as aldeias Guarani e Kaiowá.
A formação de professores indígenas: reflexões sobre o currículo de matemática ... 177

aldeias. Trata-se, portanto, tanto da formação inicial no que diz respeito ao


nível superior de estudo, como da formação continuada, uma vez que esses
professores já atuam em sala de aula.
A Licenciatura Indígena Teko Arandu propõe quatro anos de
formação, sendo um ano e meio dedicado a uma formação comum a todos e,
nos dois anos e meio restantes, os estudantes-professores farão opção por uma
área específica, dentre as quatro grandes áreas: Ciências Sociais e Educação
Intercultural, Linguagens e Educação Intercultural, Ciências da Natureza e
Educação Intercultural, e Matemática e Educação Intercultural, sendo esta
última voltada para a formação de professores indígenas que atuarão no ensino
de Matemática em suas aldeias.
A Matemática, ao lado da língua materna, constitui-se num impor-
tante campo simbólico de resistência cultural e, justamente por isso, no bojo
da construção de um curso para a formação de professores indígenas em nível
superior, temos a Matemática definida, em atendimento a uma demanda levan-
tada pelas próprias comunidades indígenas, como uma das áreas específicas.

A especificidade da cultura e da Matemática

A busca de um sentido e significado para a especificidade tratada aqui


não pode ser feita de forma polarizada, ou seja, num extremo, a partir de uma
perspectiva internalista, hoje, prática predominante nos cursos de formação
de professores de Matemática, nos quais prevalece a especificidade do conhe-
cimento matemático único tido como universal. Noutro extremo, a partir de
uma perspectiva culturalista, supervaloriza-se o pensamento matemático local
em nome de um almejado resgate, ou resistência, desconsiderando a inevitável
dinâmica cultural consequente do encontro de culturas, da ocupação do
mesmo espaço por sociedades diferentes.
A busca de um espaço capaz de proporcionar uma interação entre a
especificidade da cultura e do conhecimento matemático leva-nos a algumas
questões relativas à elaboração de um currículo de Matemática para escolas
indígenas. Entre elas, destacamos questões-chave para o Programa Etnoma-
temática, conforme concepção desenvolvida por D’Ambrosio (1998, 2001):
-- Quais são as formas de explicar, de conhecer, de lidar, de ordenar, de
178 C. N. Amâncio, I. C. Purificação, R. G. Nogueira. ET. AL.

conviver com a realidade sociocultural e natural dos povos indígenas e com


suas relações com o entorno? -- Quais são as razões de ser da Matemática nesse
contexto? -- E como estabelecer a relação entre os saberes tradicionais e os
saberes acadêmicos na forma de um currículo alternativo?
Na concepção de D’Ambrosio (1994, p. 95), “A razão de ser de
Educação é facilitar e estimular ação comum, geradora de cultura e de vida
social”, algo em conformidade com o projeto do Teko Arandu, o qual apresenta,
como eixos fundamentais, o teko (cultura), tekoha (território) e ñe’ë (língua),
entendidos como centrais no processo de desenvolvimento da aprendizagem,
articulando conteúdos e metodologia.
Nesse sentido, D’Ambrosio (1994, p. 96), ao trazer ideias sobre a etno-
matemática no processo de construção de uma escola indígena, propõe um
currículo dividido em três componentes básicos: instrumentação, conteúdo e
socialização. Novamente percebemos a importância dessa abordagem para as
questões tanto no que diz respeito ao Teko Arandu quanto ao Ara Verá, uma vez
que a ideia da Matemática como instrumentalizadora é apresentada de modo
diferente, sendo que, para o autor, a instrumentação consiste no “cabedal de
conhecimento que qualquer indivíduo possui e que traz como bagagem, ao
entrar na ação”, que diz respeito à socialização, na qual se trata de uma busca
compartilhada de conhecimento numa ação comum, o que naturalmente
levará aos conteúdos intercambiados.
A proposta desse curso aponta para uma organização flexível do
currículo, que deve estar inserido num contexto de diálogo intercultural e
transdisciplinar, algo que já está presente no modo de conceber os cursos,
uma vez que o indígena é central nas discussões e nas decisões, além de que
os cursos são ofertados em atendimento ao solicitado por eles, observando as
formulações legais, ou seja, “[...] todas as etapas de elaboração e execução [dos
Cursos são] articuladas com a Comissão dos Professores Guarani e Kaiowá,
com os próprios alunos e lideranças indígenas” (UFGD-UCDB, 2005, p. 4).
Os valores que propomos enquanto balizadores dessa discussão
curricular são os elencados por Vergani (2000), ou seja: formativos, utilitários,
sociológicos, culturais, estéticos e éticos, os quais devem ser articulados em um
sistema com os eixos lugar, tempo e diversidade sociocultural.
Esse balizamento justifica-se, por exemplo, ao considerarmos a impor-
tância dos recursos informatizados para a Educação, assim como os argumentos
A formação de professores indígenas: reflexões sobre o currículo de matemática ... 179

que enfatizam seus perigos no contexto das práticas da Educação Escolar


Indígena. Observamos a necessidade da permanente reflexão e do constante
debate sobre o uso e o impacto desses recursos no interior das comunidades
indígenas, atrelados às suas necessidades de autossustentabilidade, a partir da
discussão dos aspectos legais e éticos sobre a utilização da biodiversidade e da
tecnologia, em compasso com as manifestações e os anseios da comunidade, e
o projeto de escola que elas desejam.

Consideração Finais

Uma vez que as respostas a essas e a outras questões não se darão de


imediato, nossa intenção é de buscá-las num processo de ação, de pesquisa,
de reflexão e de ação, processo que vem ocorrendo durante o movimento de
efetivação tanto do curso de nível médio quanto do de nível superior indígena,
juntamente com os professores indígenas, com lideranças de suas comunidades
e com professores não indígenas.
A proposta de elaboração de elementos curriculares que pautem o
ensino de Matemática num contexto diferenciado, como é o caso das comu-
nidades indígenas, faz-se necessária e urgente. A discussão de uma proposta
pedagógica alternativa para a formação dos professores indígenas no que diz
respeito à Matemática e Educação Intercultural é uma oportunidade para que
tenhamos uma tomada de consciência das principais dificuldades advindas
desse tipo de formação, ou seja, diferenciada, de suas possibilidades e definições
de responsabilidades coletivas em relação à especificidade que se quer atender
e construir.
A Educação Matemática configura-se como sendo a área de conhe-
cimento que melhor contribuirá para a compreensão dessa especificidade,
tanto do pensamento matemático quanto dos contextos culturais nos quais
ele se manifesta (AMANCIO, 2004), uma vez que, nessa área, a Matemática
é enfocada a partir de suas diversas dimensões.
Em particular, é nesse sentido que D’Ambrosio (2001, p. 46) nos
mostra que
180 C. N. Amâncio, I. C. Purificação, R. G. Nogueira. ET. AL.

A proposta pedagógica da etnomatemática é fazer da matemá-


tica algo vivo, lidando com situações reais no tempo [agora]
e no espaço [aqui]. E, através da crítica, questionar o aqui
e agora. Ao fazer isso, mergulhamos nas raízes culturais e
praticamos dinâmica cultural. Estamos, efetivamente, reco-
nhecendo na educação a importância das várias culturas e
tradições na formação de uma nova civilização, transcultural
e transdisciplinar.

Assim, a necessidade do estabelecimento de um diálogo, que considere


a especificidade do conhecimento matemático em seus diversos contextos,
oferece maiores possibilidades de intercâmbio tanto no sentido epistemológico
quanto no pedagógico e é um dos pontos que motivam o trabalho deste coletivo
pesquisador. Desse modo, entendemos que a discussão de tais especificidades
deve ser central na formação de professores que atuarão no ensino da Mate-
mática em escolas indígenas, bem como com os professores que atuarão nessa
formação que ora se inicia no nível superior.
Destacamos, dessa forma, a necessidade de compartilharmos nossas
ideias sobre essa problemática com outros grupos que vêm se dedicando à
construção de currículos alternativos que possibilitem um diálogo intercultural
e que atendam às diretrizes legais, bem como aos anseios das escolas indígenas.
Oferecemos nossas reflexões iniciais a fim de contribuir para fomentar as
discussões em torno do ensino de Matemática e, por consequência, a formação
de professores indígenas voltados para essa área do conhecimento, numa pers-
pectiva apresentada acima.

Referências

AMANCIO, C. N. Da universalidade. In: KNIJNIK, G.; WANDERER, F.;


OLIVEIRA, C. J. Etnomatemática, currículo e formação de professores.
Santa Cruz do Sul, RS: EDUNISC, 2004. p. 53-69.
UFGD-UCDB. Curso de Licenciaturas Indígenas: Projeto Teko Arandu –
Viver com Sabedoria. Dourados: UFGD/UCDB/SEEMS/SEMED/FUNAI/
MPGK, 2005.
A formação de professores indígenas: reflexões sobre o currículo de matemática ... 181

CHARLOT, B. Da relação com o saber: elementos para uma teoria. Tradução:


Bruno Magne. Porto Alegre, RS: Artes Medicas, 2000.
D’AMBROSIO, U. A etnomatemática no processo de construção de uma
escola indígena. Em Aberto, Brasília, ano 14, n. 63, jul./set. 1994.
_______. Etnomatemática: arte ou técnica de explicar e conhecer. 4. ed. São
Paulo: Ática, 1998.
_______. Etnomatemática: elo entre as tradições e a modernidade. Belo
Horizonte, MG: Autêntica, 2001.
GRUPIONE, L. D. B. Contextualização -- o campo da formação de professores
indígenas no Brasil. In. GRUPIONE, L. D. B (Org.). Formação de professores
indígenas no Brasil: repensando trajetória. Brasilia: MEC, 2006.
I Conferência Internacional sobre Ensino Superior Indígena: Construindo
Novos Paradigmas na Educação. Barra do Bugres: UNEMAT, 2005.
PARTE II

TECNOLOGIAS DIGITAIS E O ENSINO E A


APRENDIZAGEM EM MATEMÁTICA
Educação Matemática, Tecnologia e Formação de Professores: Algumas Reflexões
pp 185-214
Copyleft 2010 by Willian Beline e Nielce Meneguelo Lobo da Costa (Orgs)
Editora da FECILCAM | Campo Mourão - PR | http:// www.fecilcam.br/editora

Capítulo 8

A TECNOLOGIA LÚDICO-EDUCATIVA COMO


“ATRIZ” NA CONSTRUÇÃO DO
CONHECIMENTO MATEMÁTICO

Maurício Rosa1
Universidade Luterana do Brasil – ULBRA
Marcus Vinicius Maltempi2
UNESP - Universidade Estadual Paulista, Rio Claro

Resumo

Neste capítulo tratamos da união do lúdico com a tecnologia digital, por meio da
construção de jogos eletrônicos do tipo RPG (Role-Playing Game), como possibilidade
para o ensino e a aprendizagem de matemática. Trazemos dados de uma pesquisa para
analisar o software que viabiliza tal união, o RPG Maker – a que denominamos de tecno-
logia lúdico-educativa –, a partir de um contexto baseado nas ideias construcionistas
e de seres-humanos-com-mídias. Defendemos que as tecnologias lúdico-educativas
possuem aspectos que podem favorecer a prática educativa matemática.

Palavras-chave: Role-Playing Game. Tecnologias da Informação e Comunicação.

1
  E-mail: mauriciomatematica@gmail.com
2
  E-mail: maltempi@rc.unesp.br
186 M. ROSA e M. V. MALTEMPI

Introdução

O uso das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) nas aulas


de matemática é algo que vem sendo defendido em diferentes vertentes. O
desenvolvimento de conhecimentos que se aplicam ao planejamento, à cons-
trução e à utilização de equipamentos que visam à informação e à comunicação
na educação, muitas vezes, provém de pesquisas que evidenciam diferentes
concepções epistemológicas e metodológicas com a inserção dessas tecnologias
no contexto pedagógico matemático. Dessa forma, cada vez mais, esses estudos
contribuem com a região de inquérito denominada Educação Matemática, no
que tange as diferentes modalidades educativas.
Em nossas pesquisas também evidenciamos a inserção das TIC no
contexto de ensino e aprendizagem de matemática, em diferentes níveis
de ensino e nas modalidades presencial (ROSA; MALTEMPI, 2003) e a
distância (ROSA; MALTEMPI, 2006). Buscamos, no entanto, nos aproximar
da dimensão lúdica que tanto o software de desenvolvimento de jogos eletrô-
nicos quanto ambientes virtuais de aprendizagem podem apresentar. Assim,
procuramos, neste capítulo, evidenciar esse caráter lúdico, que concebemos
proveniente ou possível de articulação em algumas tecnologias informáticas
(neste estudo, ligado a um software em específico), de forma a apontarmos o
papel que essas tecnologias desempenham na construção do conhecimento
matemático.
Iniciamos com uma breve abordagem da ludicidade em ambientes
educacionais estendendo-a para ambientes que apresentam as TIC como
característica fundamental. Em seguida, apresentamos o software que tem por
função o desenvolvimento de jogos eletrônicos do tipo RPG3, sua inserção
nos estudos que desenvolvemos em Educação Matemática, assim como, sua
classificação em relação ao seu uso na educação, até argumentarmos sobre o
que denominamos ser uma tecnologia lúdico-educativa. Para tanto, contex-

3
  Role-Playing Game significa “jogo de interpretação de personagem” ou “jogo de
faz-de-conta” e é uma modalidade dentre os jogos que utiliza como base a inter-
pretação e a imaginação dos seus participantes, ou seja, do jogador e do mestre
(pessoa responsável em construir a atmosfera do jogo, além de conduzir a história
no mesmo jogo).
A Tecnologia Lúdico-Educativa como “Atriz” ... 187

tualizamos o papel dessa tecnologia lúdico-educativa por meio de excertos


provenientes de uma de nossas pesquisas em Educação Matemática à luz da
teoria que adotamos -- o Construcionismo (PAPERT, 1986, 1994; MALTEMPI,
2004), teoria a qual entende a aprendizagem a partir do processo de construção
de um produto, em um contexto específico.
Por fim, discutiremos o que consideramos ser o papel das tecnologias
em ambientes educacionais, evidenciando as relações entre o Construcionismo
e o constructo teórico Seres-humanos-com-mídias (BORBA; VILLARREAL,
2005), como suporte a ideia de Tecnologia Lúdico-Educativa como atriz4 no
processo de construção do conhecimento matemático.

1 A Ludicidade como Fator Proeminente à Educação Matemática

Ludicidade “[...] vem do latim ludus, que significa jogo, divertimento,


passatempo. As coisas lúdicas, portanto, são aquelas em que predominam a
alegria e o desafio jovial. Enfim, os bons momentos da vida [...]” (TÁVORA,
2007). Assim, a ludicidade, ou seja, o modo de ser lúdico, o modo de estar em
jogo, de se divertir, é um substantivo que pode, a nosso ver, traduzir a maneira
de transformar aulas e conteúdos que causam, muitas vezes, sonolência em
momentos prazerosos e possivelmente vistos sob uma diferente perspectiva.
Nessa vertente, ao refletirmos sobre ludicidade relembramos a obra de
Huizinga (1993), que trabalha tal conceito em paralelo com o desenvolvimento
da sociedade e analisa-o sob três aspectos fundamentais, os quais identifica
no jogo: liberdade, regulação e separação, aproximando-se do conceito de
que o jogo é aquilo que você faz quando está livre para fazer o que desejar.
Da mesma forma, num sentido puramente formal, há a possibilidade de se
considerar toda a sociedade como um jogo, sem deixar de ter presente que
esse jogo é diretamente ligado aos aspectos de uma civilização, tais quais a
educação. Uma possível conclusão é que, sem o espírito lúdico, a civilização
poderia não existir.

4
  Entendemos a tecnologia lúdica como “atriz” no sentido de atuante no processo
de construção do conhecimento. Identificamos isso segundo a ideia de atores
humanos e não humanos na produção do conhecimento matemático apresentado
por Borba e Villarreal (2005).
188 M. ROSA e M. V. MALTEMPI

Em virtude disso, é possível destacar a importância do lúdico na vida


das pessoas, do estar livre para fazer o que se deseja, e como o “brincar” pode
promover o interesse na ação de cada indivíduo, acarretando, muitas vezes, o
surgimento de um universo imaginativo surpreendente. Esse universo também
pode ser construído em ambientes educacionais, de forma a promover dife-
rentes interações que possibilitem liberdade de pensamento na construção do
conhecimento e não mera reprodução de informações prestadas.
Desse modo, a liberdade e a regulação também fazem parte do processo
educativo, entretanto postulamos que a liberdade em termos de criação,
imaginação e representação merece destaque na construção do conhecimento.
Isso, então, deve ser considerado em termos de educação, consequentemente,
em termos de desenvolvimento e deve compreender o lúdico como parte
do pensamento humano, sem desconsiderar os limites naturais presentes na
humanidade. Como afirma Huizinga (1993, p. 234),

[...] a verdadeira civilização não pode existir sem um certo elemento


lúdico, porque a civilização implica a limitação e o domínio de si
próprio, a capacidade de não tomar suas próprias tendências pelo
fim último da humanidade, compreendendo que se está encerrado
dentro de certos limites livremente aceites. De certo modo, a
civilização sempre será um jogo governado por certas regras, e a
verdadeira civilização sempre exigirá o espírito esportivo, a capa-
cidade de fair play. O fair play é simplesmente a boa fé expressa em
termos lúdicos.

A ludicidade, então, é encarada como inerente ao ser humano, mas,


além disso, pode ser estimulada em todas as ações desenvolvidas por ele,
inclusive nas relacionadas à educação e, no caso, à Educação Matemática. A
prática lúdica, no contexto educativo, pode ser vista como fator que favorece
as ações de ensino e aprendizagem, principalmente em situações que estão
relacionadas a jogos. Dessa forma,

Entre suas várias funções sociais, os jogos sempre foram instrumentos


de ensino e aprendizado e, também, uma forma de linguagem usada
para a transmissão das conquistas da sociedade em vários campos do
conhecimento. Ao ensinarem um jogo, os membros mais velhos de
A Tecnologia Lúdico-Educativa como “Atriz” ... 189

um grupo transmitiam - e ainda transmitem - aos jovens e às crianças


uma série de [...] [informações] que fazem parte do patrimônio
cultural do grupo. Ou seja: ao ensinarem um jogo estão ensinando a
própria vida. (OS MELHORES..., 1978).

Assim, uma vez que, ao ensinar um jogo, se está ensinando a própria


vida, podemos afirmar que aspectos lógico-matemáticos presentes em nossa
realidade mundana, e vivenciados por nós, também são carregados nessa
estrutura lúdica. Esses aspectos podem ser evidenciados, discutidos, estudados,
trabalhados naturalmente sem que se perca a ludicidade da ação do jogo, no
decorrer dessa ação. Nesse sentido, a ludicidade pode ampliar as possibilidades
de ensino e aprendizagem de matemática, tomando todo o processo em bases
cada vez mais científicas. Como afirma Moura (2001, p. 76-77):

A análise dos novos elementos incorporados ao ensino de matemá-


tica não pode deixar de considerar o avanço das discussões a respeito
da educação e dos fatores que contribuem para [...] aprendizagem. O
jogo aparece, deste modo, dentro de um amplo cenário que procura
apresentar a educação, em particular a educação matemática, em
bases cada vez mais científicas. Achamos que esse cenário deve ser
o nosso porto seguro [...].

Corroboramos o que Moura (2001) afirma em relação ao estabeleci-


mento de uma base científica para o jogo, frente aos estudos sobre sua inserção
na Educação Matemática, e discutimos, a partir disso, as possibilidades que
o jogo oferece em ambientes educacionais onde a matemática é a temática
abordada. Nesse sentido, conforme Valente (1999), chamamos a atenção para
o cenário cujo uso do jogo toma importância significativa quando esse permite
ao aprendiz usufruir seus conceitos e estratégias. Nessa perspectiva, esse
autor, em contrapartida, atenta para o fato de o aprendiz usar tais conceitos
e estratégias ao estar jogando sem que tenha noção da forma com que os está
utilizando. Muitas vezes, até fazendo uso de forma errônea, o que não daria
ao jogo um status positivo frente à educação, pois só estaria considerando a
brincadeira e não a proposta educacional.
Assim, o educador deve estar atento ao planejar a inserção do jogo na
educação a fim de tê-lo como fonte catalizadora do saber. Ao mesmo tempo,
190 M. ROSA e M. V. MALTEMPI

deve preservar a característica lúdica do jogo, conforme afirma Kishimoto


(2001, p. 36):

Quando as situações lúdicas são intencionalmente criadas pelo


adulto com vistas a estimular certos tipos de aprendizagem, surge
a dimensão educativa. Desde que mantidas as condições para a
expressão do jogo, ou seja, a ação intencional da criança para brincar,
o educador está potencializando as situações de aprendizagem.

A ludicidade, então, pode manifestar-se na necessidade de ficção para


alimentar o imaginário, aliviar tensões, encontrar respostas às dúvidas, viver
experiências impossíveis de serem vividas na realidade mundana, rompendo
com os limites do tempo e do espaço, além da possível constituição de dife-
rentes identidades e, consequentemente, de diferentes perspectivas cognitivas.
Trata-se de ações que também podem ser vivenciadas em vários tipos de
práticas de jogos eletrônicos e virtuais (ROSA; MALTEMPI, 2007), graças à
inserção do computador no ambiente educacional.
Então, um espaço/tempo próprio se constitui com o computador, que,
muitas vezes, está conectado à rede. Esse espaço/tempo permite que as leis
da natureza sejam ultrapassadas, ou seja, ações como ressuscitar, atrito zero,
pessoas voando, etc. acontecem facilmente. Diferentes conjecturas podem ser
elaboradas, ideias matemáticas são correlacionadas, sustentadas e represen-
tadas. Assim,

O computador e a Internet ampliam a representação da realidade


mundana, abrindo possibilidades para um novo enfoque educacional
baseado em jogos, permitindo a exploração de diversos recursos
multimídia. Sua utilização modifica a dinâmica do ensino, as estra-
tégias e o comportamento de alunos e professores. A possibilidade de
simulação que os jogos de computador e Internet oferecem acentua
três características básicas dos jogos em geral: a fantasia, a curiosi-
dade e o desafio. Com a possibilidade de imersão que o computador
oferece, o sujeito entra no jogo, assume um papel, realizando
uma vivência, onde ele é levado a se envolver com a fantasia, na
medida em que existe uma analogia, uma metáfora com a realidade.
(CARVALHO et alii, 2005, p. 5).
A Tecnologia Lúdico-Educativa como “Atriz” ... 191

É, no entanto, uma metáfora que não deixa de ser realidade, pois o


imaginar cenários, personagens, ações e situações a serem vistas na história
de jogos eletrônicos, por exemplo, pode ser constituído na prática educativa,
remetendo o jogador a um mundo lúdico, que não se desvincula da realidade
mundana, e pode ainda favorecer muito os processos de ensino e aprendizagem.
Isso possibilita que o ambiente educativo se torne “leve”, ou seja, sem uma
caracterização de obrigatoriedade que, muitas vezes, dificulta a construção do
conhecimento (ROSA, MALTEMPI, 2006).
Também, a criatividade representada por situações lúdicas nesses jogos
aparece desde a constituição das histórias propriamente ditas até o entrelaça-
mento entre enredo e conteúdo estabelecido. Tal criatividade é um grande elo
entre os aspectos ligados à brincadeira e à educação que um jogo, ou o processo
de elaboração desse, pode ter. Esses aspectos, por sua vez, são condicionados
pelo ambiente em que eles acontecem -- consequentemente, também pelas
TIC que são evidenciadas a partir desses ambientes. Dessa forma, entendemos
que uma vertente do encontro simultâneo desses aspectos pode estar na cons-
trução do jogo via software específico. Tal construção permite que a ação de
imaginar gerada nas sessões do game eletrônico correspondam a conjecturas
construídas no decorrer de cada partida.
A partir disso, passamos a apresentar o software RPG Maker, que se
vincula à tecnologia utilizada para a construção de RPGs eletrônicos. Discu-
timos sua caracterização frente ao seu uso na educação até expressarmos as
características lúdicas anteriormente discutidas, em correlação a esse software.
Identificaremos, então, o que chamamos de tecnologia lúdico-educativa frente
a eventos que representam situações de Educação Matemática, a partir de
excertos retirados da pesquisa de Rosa (2004).

2 O RPG Maker: compreendendo a tecnologia lúdico-educativa no palco


da Educação Matemática

O software RPG Maker se destina a construção de RPGs eletrônicos,


possuindo, portanto, características apresentadas no jogo Role-Playing Game5.

5
  Entre outras características, possibilita a liberdade de criação e de representação
de situações do cotidiano, de forma que as ações criadas são vinculadas ao espaço
192 M. ROSA e M. V. MALTEMPI

Foi criado por uma empresa japonesa chamada ASCII, possui versões para
o inglês e para o português, as quais são disponibilizadas para download na
internet (é um software gratuito, disponível em: <http://superdownloads.ubbi.
com.br/>. Acesso em: 12 out. 2003).
O RPG Maker foi utilizado por nós no desenvolvimento de uma
dissertação de mestrado (ROSA, 2004) e no curso de extensão denominado
“Informática e Jogos: a tecnologia lúdica aplicada à educação” (ROSA;
MALTEMPI, 2006), curso que foi desenvolvido totalmente a distância e
apresentou a construção de jogos eletrônicos do tipo RPG como contexto
pedagógico. A construção de RPGs eletrônicos foi, portanto, a principal ativi-
dade realizada pelos alunos que participaram da coleta de dados da pesquisa de
mestrado e do curso citado.
Tal construção nos leva a pensar que há necessidade de um progra-
mador para que tal ação seja viável. Realmente, a criação e a programação de
jogos eletrônicos, no geral, é uma das tarefas mais complexas no mundo da
informática, no entanto o RPG Maker oferece um ambiente visual para cons-
trução de jogos, em que elementos da interface são diretamente manipulados
pelo usuário via mouse. Atualmente há uma versão denominada RPG Maker
XP, na qual a resolução de tela foi aumentada em relação a versões anteriores,
assim como, o suporte às imagens (32 bits).
A evolução dos software de autoria implicou em uma grande contri-
buição à comunidade interessada em jogos eletrônicos, possibilitando a usuários
não programadores construírem seus próprios jogos sem grandes dificuldades.
Com isso, nós nos preocupamos em estudar a classificação do RPG
Maker em relação às possibilidades de uso dele na educação. Buscamos
entender tal tecnologia com intuito de evidenciar também as possibilidades
de uso na Educação Matemática, quando se trabalha com a construção e a
aplicação de jogos eletrônicos educativos.
Em um primeiro momento, vemos o RPG Maker como um programa
de autoria, pois, de acordo com Behrens (2000, p. 98), a

e aos sujeitos envolvidos na atmosfera que é construída em específico para aquele


jogo (ROSA, 2004).
A Tecnologia Lúdico-Educativa como “Atriz” ... 193

[...] extensão avançada das linguagens de programação, permitem


que professores e alunos – ou qualquer pessoa interessada – criem
seus próprios programas, sem que tenham que possuir conhecimentos
avançados de programação. A maioria desses sistemas facilita o
desenvolvimento de apresentações multimídias, envolvendo textos,
gráficos, sons e animação.

Logo, a programação visual encontrada nesse software possibilita que


cada aluno seja autor de seu jogo e isso evidencia questões educativas perti-
nentes, frente à visão construcionista.
Desse modo, tomam-se como base as ideias de Papert, Maltempi
(2004, p. 265), que afirma que o “[...] aprendizado deve ser um processo ativo,
no qual os alunos ‘colocam a mão na massa’ (hands-on) no desenvolvimento de
projetos, em vez de ficarem sentados atentos à fala do professor”. Entretanto,
só colocar “a mão na massa” não adianta, pois essa atividade pode provocar,
muitas vezes, ações repetitivas que são caracterizadas como head-out, quando
o aluno não se envolve com essas ações, pois os objetivos e as resoluções são
dados por terceiros (MALTEMPI, 2004).
Dando continuidade a essa ideia, Maltempi (2004, p. 265 – grifo
nosso) ainda afirma que

A abordagem construcionista vai além de atividades hands-on ao


deixar para o aluno mais controle sobre a definição e resolução
de problemas. A idéia é criar um ambiente no qual o aluno esteja
conscientemente engajado em construir um artefato público e de
interesse pessoal (head-in). Portanto, ao conceito de que se aprende
melhor fazendo, o Construcionismo acrescenta: e melhor ainda
quando se gosta, pensa e conversa sobre o que se faz.

A atividade lúdica, predominantemente, vincula-se às interações, ao


pensar e, principalmente, ao gostar e, nesse sentido, defendemos a construção
de jogos eletrônicos com software específico, a qual comunga de ambos os
fatores apresentados, construir e brincar.
Nesse sentido, alunos de 6ª série do ensino fundamental de uma escola
pública de Rio Claro (SP), ao trabalharem com o RPG Maker, começaram a
relacionar suas ações no RPG eletrônico com o conteúdo selecionado e, nesse
194 M. ROSA e M. V. MALTEMPI

sentido, a compreensão sobre Números Inteiros já começava a acontecer (tal


conteúdo ainda não havia sido visto de maneira formal pelos alunos).
Assim, dois momentos se destacaram ao compormos o evento que
apresentaremos a seguir. Um deles aparece quando um dos construtores, ao
mostrar aos demais o que já havia sido feito por ele no software, argumenta
a respeito da formalização do conteúdo utilizado (representatividade dos
Inteiros), assim como, sobre situações a serem inseridas, trocando ideias com
o professor/pesquisador (mediador). O outro momento se constitui a partir
do diálogo de dois construtores, que, ao inserirem questões sobre Números
Inteiros no jogo, preocupam-se com a graça (empolgação) que determinado
número selecionado daria ao RPG que construíam. Esses fatos identificam a
sintonia dos participantes com a proposta de trabalhar com Números Inteiros,
em um primeiro contato, inserindo-os no contexto do RPG eletrônico, refle-
tindo e expressando formas de identificação de tal conteúdo programático no
cotidiano, de forma prazerosa.

(25/06/03)
Mediador: Que tipo de ação? Pessoal, só um pouquinho! Rônei, que tipo de ação,
dentro do teu mapa aí, desse joguinho, no que tu fez até agora, que tipo de ação
poderia ensinar Números Inteiros?
Rônei: Ah! Sim! Conversando com outras pessoas!
Mediador: Conversando o quê, por exemplo?
Rônei: Tipo assim! Eu ponho um carinha no canto aqui, daí eu pergunto, como
assim, que temperatura que estava? E o cara fala assim. [o aluno identifica
os valores numéricos dados às temperaturas, tanto positivos quanto negativos,
caracterizando-os como representatividade dos Números Inteiros]
Mediador: Daí, como é que o cara vai aprender Números Inteiros assim?
Rônei: Ah! Vai tá aí escrito!
Mediador: Escrito só, Rônei? Tá, não tá errado, mas você tem que começar a
elaborar melhor isso na tua cabeça.
(02/07/03)
Rodrigo: Apaga essas casas!
Rônei: Ããããm? Não! (Não põe agora, não!)
Rodrigo: Vamos fazer dois, três, quatro, cinco, seis!
Rônei: Põe assim... Número maior, se não, não vai dar graça! Quinze positivos!
[Rônei identifica o número 15 como um número mais apropriado para a questão
proposta pela dupla na identificação dos números das casas de uma rua que haviam
construído].
A Tecnologia Lúdico-Educativa como “Atriz” ... 195

Esses excertos apresentam indícios dos conceitos que os constru-


tores formalizaram, em outro momento, ao apresentarem relação direta dos
Números Inteiros com a temperatura. Isso ocorre quando expressam que uma
forma de ensinar Números Inteiros seria falando em temperatura. Da mesma
forma, demonstram seu conhecimento a respeito da comparação de Números
Inteiros, afirmando que 15 positivo é maior que os números apresentados
anteriormente. Isso pode ser visto quando o aluno Rônei, após dizer o número
que acha apropriado, ou seja, 15, anuncia a palavra “positivo” para evitar
que Rodrigo confundisse com o número -15, evidenciando que só o positivo
era maior que os números apresentados pelo colega (dois, três, ..., seis). Esse
fato não seria necessário antes de formalizarem a identificação dos Números
Inteiros, uma vez que, os Naturais já apresentam o princípio da boa ordenação,
o qual, segundo Brumatti (2001), é a primeira noção de distância apresentada
a um estudante de matemática, definida inicialmente sobre uma estrutura que
lhe é familiar. Ou seja, intuitivamente, tal princípio já se constituía para os
participantes da pesquisa em relação aos Inteiros, quando esses, por exemplo,
construíam um dos cenários do jogo eletrônico com o RPG Maker (uma rua
com as casas numeradas, na qual o lado esquerdo apresentava casas com
números negativos e o lado direito com positivos. O zero era representado pela
própria rua).
Nesse sentido, a construção de conhecimento ocorre ao mesmo tempo
em que os participantes personalizam seu jogo com o software, buscando colocar
elementos que sejam importantes para eles. Tal personalização, efetuada pelos
estudantes, a qual possibilita a sintonia desses estudantes com o seu projeto,
pode contribuir para a aprendizagem deles -- no caso, isso leva à formalização
de conceitos matemáticos, referentes a Números Inteiros, ao construírem tais
jogos personalizados.
Vimos, então, que o RPG Maker é um programa de autoria justamente
por permitir que os estudantes construam seus próprios jogos, cujos elementos
são evidenciados conforme suas escolhas. Além disso, permite que esses
elementos estejam vinculados ao caráter lúdico do jogo que, ao mesmo tempo
que revela o prazer (graça), estabelece conjecturas matemáticas pertinentes ao
conteúdo abordado, como o princípio da boa ordenação.
O RPG Maker não é um jogo eletrônico, entretanto o processo de
construção que se faz no uso dele pode ser considerado um jogo não eletrônico
196 M. ROSA e M. V. MALTEMPI

que envolve a tecnologia relativa ao RPG Maker. Assim, conforme evidenciado


em Rosa (2004), isso pode ser entendido quando o aluno usa a ludicidade do
processo, envolvendo-se como designer do jogo, como personagem do jogo e
como jogador, pois pensa e vivenvia esses três papéis quando constrói seu jogo
educativo. Nessa perspectiva, pensa como um professor de matemática, ao
assumir o papel de designer de um jogo que objetiva ensinar Números Inteiros;
reflete sobre situações tanto matemáticas quanto não, a serem vivenciadas
pela personagem criada para atuar na história, que também foi desenvolvida
por ele; e imagina-se como um estudante de matemática que será o próprio
jogador do respectivo RPG eletrônico desenvolvido.
Entendemos, então, que o evento que será mostrado a seguir apresenta
o posicionar-se como jogador, realizado pelos construtores. Isso caracteriza o
que Huizinga (1993) revela quando afirma que a vida é um jogo. Nesse sentido,
aqui, a ação de construir jogos, que ensinem Números Inteiros também se faz
um jogo. Um jogo de papéis, de posições, de linguagem e de construção do
conhecimento, o qual se apresenta como uma reflexão, realizada em conjunto,
sobre a posição em que os construtores deveriam colocar um dos veículos do
jogo eletrônico.
Tal decisão, também em conjunto, caracterizou-se por levar em
consideração diferentes opiniões. Estas adicionaram aspectos de previsão de
possíveis atitudes que o usuário do RPG eletrônico poderia tomar ao utilizá-lo.
Logo, o processo de identificação de posturas fez com que os alunos constitu-
íssem estratégias de construção do jogo de maneira a exigir do usuário final
que esse refletisse, para que pudesse chegar à fase de conclusão da aventura e,
assim, tornar-se vencedor.

(18/08/03)
Rodrigo: O barquinho vai ter que ficar mais para cá! O barquinho vai ter que ficar
mais para cá!
Marina: Aí o rio separa!
Nathália Y.: (Ou a floresta?!)
Rodrigo: Porque a hora que ele ultrapassar o muro, o muro não vai abrir mais, aí o
barquinho vai ter que estar para o outro lado, aí o barquinho não vai ser, tipo assim,
deles. Entendeu?
Marina: O barquinho não pode... sei lá!.
Rodrigo: Vamos dizer assim que o...
A Tecnologia Lúdico-Educativa como “Atriz” ... 197

Rônei: A gente pode colocar o barquinho aqui.


Rodrigo: Não, vamos falar assim que o guardinha, não o guardinha não...
Rônei: Ou o muro vai ser aqui?[indica a posição que lhe parece viável]
Marina: O muro vai ser, quando a gente tiver procurando o jardim encantado.
Rodrigo: Coloca o, o, o barco em outro mundo.
Rônei: Em outro mundo?[mundo significa outro cenário construído pelos
designers]
Rodrigo: Coloca em outro mundo. Porque ali vai ter a passagem, lembra?
Rônei: Mas, o sôr falou que isso aqui no teletransporte, é melhor fazer o
barquinho.
Rodrigo: Certo.
Rônei: Por causa que daí.
Mediador: Qual é o problema do barco?
Rodrigo: Não porque ó, o barquinho, então o barquinho não vai ser dele, ele vai ter
que ficar em outro lugar [referindo-se à personagem].
Mediador: Mas ele pode ficar, daí quando ele passar em determinado negócio vocês
podem ativar um link pro barquinho andar até lá.
Rodrigo: Certo, mas então vai ter que cobrir aqui, porque senão vai ter gente que
vai querer voltar pro começo.
Marina: É verdade, sôr!
Mediador: Como é que é?
Rodrigo: Por exemplo, o barquinho vai estar ali e vai ter gente que vai querer voltar
para o começo!

O excerto apresentado permite-nos visualizar o construtor Rodrigo


percebendo um fato que, se ocorresse, poderia ser decisivo na aventura. O
aprendiz reflete e garante que não poderia ser possível deixar o barco em
qualquer lugar, ou mesmo, não proteger o local inicial da aventura, pois se
o objetivo do protagonista era voltar para seus amigos e, então, se esse local
não estivesse protegido, após pegar o barco, o personagem poderia voltar à
região de início do jogo sem precisar passar sequer pela metade dos locais que
precisava, segundo a intenção dos construtores. Nesse sentido, o processo
reflexivo fez com que os construtores escolhessem uma estratégia melhor, que
satisfizesse seus objetivos, passando a descrever novamente outra ideia, antes
mesmo de consertar o que estava falho. Assim, a decisão tomada pelos alunos
nos faz identificar que esses recorreram a uma mediação concreta, apoiada na
adoção de uma postura de próprios jogadores, prevendo possíveis formas de
198 M. ROSA e M. V. MALTEMPI

uso dos consumidores finais de seu produto. Nesse caso, isso representa algo
que contribuiu muito para a reorganização das ideias dos alunos, pois estavam
em um ambiente que necessitava disso constantemente.
Desse modo, em relação à construção de jogos eletrônicos na Educação
Matemática, corroboramos o pensamento de Kafai (1994, p. 310, tradução
nossa), que diz que:

Projetar [no sentido de construir] jogos para aprendizagem ofereceu


um rico ambiente de aprendizagem para crianças que se tornaram
engajadas em uma variedade de assuntos e aprenderam sobre
aspectos muito mais do que eu podia perseguir, em detalhes, no
contexto dessa tese.

Também, a pesquisa realizada por Kafai (1994), referente à construção


de jogos como processo, tomou o jogo como produto, primeiramente, por
evidenciar sua relação direta com o interesse do aluno e, a partir daí, investigar
os aspectos referentes a essa relação com a aprendizagem dele.
Nesse sentido, o interesse em construir jogos liga-se ao fato de haver
interesse em jogá-los. A própria construção, evidenciada nas ações de projetar,
criar personagens e histórias, estratégias e ações, é caracterizada como um jogo
de escolhas, pois a construção e a aplicação de um jogo não deixam de ser um
jogo próprio, no qual existem interações, diálogos, ações que se justificam,
porque, em qualquer jogo, é necessário alcançar um objetivo.
O jogo eletrônico também possui um objetivo em seu enredo (por
exemplo, salvar a princesa) e possui um objetivo no seu metaenredo (quando
educativo), que seria, por exemplo, aprender Números Inteiros, pois o
metaenredo é constituído pelas ideias subjacentes às ações a serem tomadas
pelos personagens (e.g., ir a uma região onde a temperatura é negativa) e isso
possibilita que os conceitos sejam vivenciados através das ações do jogo.
O RPG eletrônico, nesse sentido, possui todas as características de
uma partida convencional de RPG, denominado RPG de mesa, porém o papel
do mestre da partida é desempenhado em dois momentos: o primeiro é quando
o designer cria a aventura como um todo e o segundo é executado pelo próprio
jogo já constituído, no momento em que a partida é iniciada, pois o compu-
tador atua como o narrador (ROSA, 2005).
A Tecnologia Lúdico-Educativa como “Atriz” ... 199

O RPG Maker, por sua vez, funciona como ferramenta que permite
essa construção prévia do jogo e do conhecimento correlato a ele, construído
através das ações vivenciadas pelos personagens em seu mundo, ou seja, em
um contexto específico. Logo, ao construirmos jogos eletrônicos, podemos
dizer que é adicionada à ideia de construção mental, segundo Papert (1994,
p. 127), a questão da construção “no mundo”, a qual possui sintonia com
o conceito de um produto (o jogo) que possa “[...] ser mostrado, discutido,
examinado, sondado e admirado [...]” como uma constatação da produção do
conhecimento, tornando-se menos uma doutrina puramente mentalista.
Assim, ao usar o RPG Maker, os alunos representam o conhecimento
matemático através das ações das personagens em contextos que favorecem
essa representatividade e avançam em suas conjecturas ao descrever, executar,
refletir e, muitas vezes, depurar o conhecimento que estão querendo repre-
sentar. Essa é uma alternativa que se caracteriza por analisar a interação do
estudante em sala de aula a partir da construção de um RPG eletrônico que
envolva o conteúdo programático de matemática em um aspecto subjetivo,
utilizando-se da imaginação, da fantasia e do lazer como fontes enriquecedoras
do saber.
Isso, então, pode caracterizar o RPG Maker também como um aplica-
tivo, pois os aplicativos (programas de fácil utilização voltados a um usuário
final e dirigidos a uma atividade específica) formam outra categoria, dentro
da classificação dos software, os quais se apresentam como ferramentas para
o uso educacional, mesmo não sendo criadas inicialmente para isso. Entre os
aplicativos enquadram-se os processadores de textos, as planilhas eletrônicas,
programas criadores de apresentação e gerenciadores de banco de dados, entre
outros (BEHRENS, 2000, p. 98).
Dessa forma, o aplicativo RPG Maker apresenta uma interface de
fácil manipulação e, dentro desse aspecto, foi construído para usuários finais
com diferentes perfis e destinado a uma atividade específica que é construir
RPGs eletrônicos. Pode ter, no entanto, sua atividade estendida à Educação
Matemática, pois, além de contruir de maneira específica jogos eletrônicos que
visam a ensinar um conteúdo matemático específico, por exemplo, Números
Inteiros, o RPG Maker sugere a investigação de conceitos da matemática
existentes no próprio software, a partir da construção de um jogo qualquer
(nesse caso, não necessariamente educacional). Isso é assim porque existem
200 M. ROSA e M. V. MALTEMPI

vários conteúdos programáticos de matemática que podem ser explorados na


interface do RPG Maker, como, por exemplo, funções, localização de células
de uma matriz, entre outros, pois o software possibilita recursos como gráficos
de habilidade, localização de tiles (ladrilho ou azulejo) dentro dos mapas,
montagem das probabilidades de ganho de uma personagem em um conflito,
etc. Essas ferramentas específicas (ver Figura 1) possibilitam a exploração de
problemas, de ideias e de questões matemáticas.

Figura 1 – Tela do RPG Maker

Outra categoria em que o RPG Maker pode ser classificado é a de


simulação, pois que, conforme afirma Behrens (2000, p. 98), os software de
simulação,
A Tecnologia Lúdico-Educativa como “Atriz” ... 201

[...] são programas elaborados para possibilitar ao usuário a interação


com situações complexas e de risco. Os programas de simulação
tornaram-se ponto forte do uso do computador nos meios educacio-
nais, pois possibilitam a apresentação de fenômenos, experiências e
a vivência de situações difíceis ou até perigosas de maneira simulada.
Esses programas oferecem cenários que se assemelham a situações
concretas das mais variadas áreas do conhecimento, nas quais o
usuário pode tomar decisões e comprovar logo em seguida as conse-
qüências da opção selecionada.

Valente (1999), nesse sentido, explica a diferenciação quanto ao fato


de o processo de simulação ser aberto e o aprendiz, nesse caso, ser desafiado a ir
além do que a simulação apresenta, interagindo com o software, e ser fechado,
fazendo com que o aluno somente assista à simulação, como se fosse um livro
que passa informações, o que não permite a ação do aluno. O professor, nesse
caso, precisa também saber diferenciar para poder suprir as falhas que possam
ocorrer no processo de construção de conhecimento.
Em nossas pesquisas, a partir da ideia de simulação aberta evidenciamos
a possibilidade de construção de jogos eletrônicos que simulam situações da
realidade mundana e, nesse sentido, tal fato, que é possibilitado pelo RPG
Maker, faz com que ele seja também considerado, por causa disso, como
software de simulação.
O próximo excerto, retirado de Rosa (2004), apresenta fatos que
mostram os construtores descrevendo (em grupo) as simulações de situações
que imaginavam entrar em seus RPGs eletrônicos e, ao mesmo tempo, já
iam fazendo com que o computador executasse essas situações, trabalhando
de forma que o rendimento de sua equipe aumentasse em relação ao tempo
despendido, em função da construção dos jogos.
O evento contribuiu para que o professor/pesquisador pudesse compar-
tilhar conjecturas sobre os Inteiros, pois os participantes, ao explanarem suas
ideias, durante o processo de construção, tanto do jogo quanto do enredo desse,
concomitantemente possibilitavam ao professor compreender suas reflexões
sobre as relações que efetuariam no RPG eletrônico, envolvendo o conteúdo
matemático estabelecido. Também contribuiu para que os participantes
pudessem reorganizar seu pensamento em relação a algumas características
dos Inteiros.
202 M. ROSA e M. V. MALTEMPI

(18/08/03)
Mediador: Entre os números vai ter sinais ou não? [o professor/pesquisador se refere
a uma ideia que os participantes tiveram em colocar um robô como personagem do
jogo, com um número de série que serviria como objeto a ser operado pelo jogador e,
dessa forma, o resultado permitiria ou não a continuidade do jogador na aventura,
no caso, a soma correta dos algarismos indicaria a continuidade do jogo].
Marina: Ah, não sei! (...) Qual o número de série, vamos supor –5 –4 –4 –4 +5
+7.
Rodrigo: Tu não acha complicado, não? [O professor/pesquisador percebe que
Rodrigo mostrava que ainda não compreendia como efetuar a adição com números
negativos]
Mediador: Daí que tá, aí entra Números Inteiros, se não, não entra Números
Inteiros. Tu não pode dizer que a soma deu negativa, pois nunca vai dar negativa
né, pois se eu só tiver números Naturais, a soma será sempre positiva, eu não vou
ter um número negativo e um positivo, entendeu? [o Mediador percebe a hesitação
de Rodrigo e faz ele e os colegas pensarem em questões Matemáticas ligadas ao
que planejavam para a ação do jogo, permitindo a reorganização do pensamento
deles].

A ação descrita verbalmente pelos construtores, nesse evento, não


entrou no jogo “Aventura por Acaso” (nome dado ao jogo que os construtores
em questão elaboraram). Tal descrição permite, no entanto, a nossa percepção
sobre o que os alunos pensavam, ou seja, podemos entender a linha de raciocínio
que eles trilhavam para desenvolver as ações do jogo, incorporando questões
matemáticas. Entendemos que esse fato pode ser visto quando os construtores
imaginam criar um robô, portador de um número de série, simulando essa ação
no jogo. Ação que é possível na realidade mundana e se insere no ambiente
educacional como subterfúgio para que se trabalhasse a adição de Números
Inteiros no RPG eletrônico.
Percebemos, então, que o ato de descrever suas simulações facilitava a
reflexão dos construtores, assim como, a do professor/pesquisador sobre o que
os alunos pensavam. Dessa forma, ao identificar a ideia de Marina, em relação
à situação a ser inserida no RPG, e o receio quanto à adição de Inteiros por
parte do participante Rodrigo, o professor/pesquisador, no momento, teve a
oportunidade de compartilhar processos cognitivos de maneira a construir o
espaço para o aluno desenvolver seus potenciais. Isso é evidenciado por nós,
A Tecnologia Lúdico-Educativa como “Atriz” ... 203

pois, segundo Teixeira (1992), as operações matemáticas surgem de ações


ligadas a experiências cotidianas, mas ao coordenarem-se entre si, ultrapassam
a realidade empírica, antecipando-a e dominando-a através de operações ao
nível simbólico, o que ocorre quando o professor/pesquisador abstrai a ideia de
Marina (número de série do robô), levando os alunos a refletirem, junto com
ele, as relações da operação adição no conjunto dos Naturais e dos Inteiros.
As simulações programadas pelos construtores, que foram ou não inse-
ridas no RPG eletrônico que estavam desenvolvendo, possibilitavam, então,
ao professor/pesquisador identificar o rumo que os participantes tomavam e
inserir informações que propunham a reflexão deles. Essas simulações só eram,
no entanto, possíveis de serem executadas através do conhecimento que se
contiuía em relação ao uso do RPG Maker. Este, por sua vez, possibilitava a
criação, a imaginação e a representação do conhecimento matemático, em
um sentido lúdico, com a criação de um robô, por exemplo -- além disso, um
robô com número de série que serviria de artifício para a continuação do jogo.
Isso demonstra as múltiplas possibilidades que a construção do jogo permitia à
imaginação dos construtores.
Também, entre a classificação dada aos software, encontram-se os
tutoriais, que, segundo Behrens (2000, p. 97),

[...] são compostos por blocos de informações de modo pedagogi-


camente organizado, como se fosse um livro animado, um vídeo ou
professor eletrônico. Nessa categoria, cabe uma avaliação criteriosa
dos programas que existem no mercado para serem utilizados com
qualidade no processo educativo, que, de modo geral, são pouco
interativos.

Nesse sentido, Valente (1999) evidencia a categoria tutorial abran-


gendo duas situações que lidam com o “livro eletrônico” (como menciona o
próprio autor). Em uma delas, o software controla o ensino, no que se refere ao
que é apresentado ao aluno, alterando somente a ordem de apresentação do
conteúdo, que é organizado e passado de acordo com as respostas dadas pelo
aluno que o utiliza. Na outra, há mais liberdade para que o estudante faça suas
escolhas, as quais aparecem de forma não linear. A informação que se encontra
em ambas as situações já é, no entanto, previamente definida, o que torna o
204 M. ROSA e M. V. MALTEMPI

software limitado, ou seja, restrito a tal informação e, dessa forma, a interação


entre o aluno e o computador não passa da leitura da tela, ou mesmo da escuta
do que é fornecido, para que se exerça, muitas vezes, um trabalho efetivo de
perguntas e respostas. Cabe ao professor, então, verificar as possibilidades de
aprendizagem e se, por acaso, constatar que isso não ocorreu, precisa criar
dispositivos que complementem o processo de construção de conhecimento.
Em relação a isso, o RPG Maker não se classifica como um deles, ou
seja, não é um tutorial, no entanto o produto final que ele gera pode ter carac-
terísticas de um tutorial. O jogo que é construído por meio desse software pode
se tornar um tutorial de perguntas e respostas, o que faz com que o jogador, ao
executar a partida, acabe recebendo informações do conteúdo trabalhado como
um livro eletrônico. Entretanto, se considerarmos o processo de elaboração
dessas perguntas e respostas e entendermos que esse não ocorreu como uma
mera reprodução do que está no livro texto do aluno, mas como um conjunto
de ações de descrição, execução, reflexão e depuração de ideias (VALENTE,
2002), podemos considerar a construção de tutoriais também interessante,
assim como, uma análise crítica do que é apresentado nesse tutorial.
O excerto a seguir, então, mostra duas alunas jogadoras debatendo
sobre o conteúdo matemático encontrado no jogo, conteúdo esse apresentado
nesse momento com alternativas de respostas para se ultrapassar um obstáculo
apresentado nesse jogo, ou seja, ou responderiam corretamente ou o jogo fina-
lizaria naquele momento. Nesse sentido, embora como um tutorial, a questão
permitiu a socialização de ideias entre as jogadoras (o jogo foi executado em
duplas), de forma a permitir que elas conseguissem depurar questões que se
apresentavam na própria partida do RPG eletrônico educativo que jogavam,
identificando os erros que ali se encontravam, no sentido de não selecionar o
caminho errado para prosseguirem na aventura e não terminarem derrotadas.
Isso nos permite afirmar que o uso de tal jogo possibilitou que a troca de ideias
sobre Números Inteiros ocorresse, assim como, uma análise crítica sobre o
conteúdo apresentado, sem que o espírito lúdico do “jogar” se perdesse. Além
disso, também possibilitou que as conjecturas construídas no jogar e, anterior-
mente, através de trabalho investigativo, por exemplo, se confirmassem no
momento em que depuravam os erros colocados propositalmente no jogo pelos
construtores.
A Tecnologia Lúdico-Educativa como “Atriz” ... 205

(06/10/03)
Aprendiz E: Pois é? Tá errada, pois é!? Agora, aqui que complicou! [A partir de
alternativas apresentadas no jogo, como possibilidades para o jogador continuar na
partida, as aprendizes depuram as ideias apresentadas em cada uma delas]
Aprendiz F: Sinais iguais vai dar um número positivo.
Mediador: Sinais... o que que são?
Aprendiz F: Dois sinais iguais vão dar um número positivo, então esta tá errada.
[fala sobre multiplicação de números com o mesmo sinal predicativo].
Aprendiz E: Anhann! Então é zero e dois. E agora?[refletindo sobre outra
alternativa]
Aprendiz F: Dois sinais iguais vão dar um número positivo.
Aprendiz E: Tá certo! E nesse?
Aprendiz F: Dois sinais...
Aprendiz E: Aqui é menos, né? Não é dividir, pois dividir é dois pontinhos.
Aprendiz F: Dois sinais diferentes... dois sinais iguais dá um número positivo...
(...)
Aprendiz E: E nesse é zero! Ahnhann!

No decorrer desse evento entendemos que, quando a aluna/jogadora


(Aprendiz E) declara estar errada a alternativa indicada no jogo visando à
escolha de resultados relativos à multiplicação de Inteiros, a participante depura
o conteúdo apresentado, o que serve para a dupla prosseguir na observação da
segunda alternativa e, consequentemente, confirmar o que atribuíram a tal
conteúdo (no caso, a multiplicação de sinais iguais teria um resultado positivo).
Tal fato se enquadra ao que Macedo e Petty (2000) mencionam quando dizem
que as ações do jogo visam melhorar esquemas de ação e descobrir estratégias
vencedoras. Também é destacado por esses autores e perceptível nesse excerto,
quando o professor/pesquisador faz somente uma pergunta, acompanhando
silenciosamente o desenvolvimento de tal momento, que cabe ao profissional
valorizar a observação e a superação dos erros (no caso encontrados no próprio
jogo), o que proporciona o avanço no conhecer, realizado pelos próprios
alunos.
Nesse sentido, os alunos puderam continuar o jogo e avançar no seu
processo de investigação dos Inteiros. Logo, a dinâmica lúdica age eficiente-
mente no processo cooperativo dos jogadores (no caso em duplas) e possibilita
o crescimento deles a partir da depuração de ações apresentadas no jogo, o que
206 M. ROSA e M. V. MALTEMPI

enriquece o processo de aprendizagem. Também, a interação e a integração


apresentadas nos jogos, do tipo RPG em especial, e na utilização das TIC
entendidas, nesse caso, como o conjunto de conhecimento necessários para se
alcançar o final do jogo eletrônico, em ambientes educacionais, aparecem nesse
excerto. Isso nos permite afirmar que o enriquecimento aparente na análise
crítica do conteúdo apresentado, quando as alunas debatem sobre conceitos
formados a respeito da multiplicação e também encontrados no jogo, pode se
tornar contribuição clara para a aprendizagem (em nosso caso, aprendizagem
matemática).
Dessa forma, acreditamos que a análise do RPG Maker em uso na
Educação Matemática revelou as mesmas classificações encontradas em
relação à educação, que são apresentadas por Behrens e Valente e, além disso,
mostra também suas funções em relação a esse uso. Tais funções dão margem
à utilização desse software em um contexto educacional e podem ser descritas
como:
Função Lúdica: é vista quando o software, uma vez que é usado para a criação de
jogos eletrônicos no estilo RPG, tem por natureza a diversão, que se apresenta
como objetivo fundamental. O lazer é característica explícita da ferramenta, o
que pode favorecer o ambiente de aprendizagem no que se refere à mudança
no contexto de ensino e aprendizagem tradicional.
Função Educativa: é percebida em nosso estudo quando o RPG Maker, ao
proporcionar recursos de construção de jogos eletrônicos, pode favorecer a
construção de conhecimento matemático. Isso se dá a partir da própria criação
dos jogos educativos que, muitas vezes, estimula a imaginação, o trabalho
investigativo, a formalização de conjecturas, a relação com o cotidiano, a
descrição, a execução, a reflexão e a depuração de ideias. Também pode acon-
tecer, como já mencionado na investigação dos conceitos que se apresentam
no próprio software, tais como conceitos matemáticos existentes nos gráficos
das personagens, construção de textos para executar os diálogos, componentes
geográficos, entre outros.
Assim, a utilização do RPG Maker, no que se refere a suas funções
propriamente ditas, já é motivo suficiente para destacar a tecnologia lúdico-
educativa que apresenta, pois o software abrange um conjunto de conhecimentos
necessários para que seja utilizado na educação mantendo suas características
enquanto autoria, aplicativo e simulação, assim como mantém as relações de
A Tecnologia Lúdico-Educativa como “Atriz” ... 207

seu produto final com a classificação entendida como “jogos eletrônicos” e


tutoriais. Essas classificações especificamente necessitam, cada uma, de um
certo grau de interação e, consequentemente, isso molda o objetivo do software
(lúdico), assim como, sua forma de uso (educativa), de modo a favorecer em
diferentes níveis o processo de ensino e aprendizagem.
Logo, a tecnologia lúdico-educativa que apresentamos envolve as
duas funções possíveis a partir do RPG Maker, a lúdica e a educativa. Elas,
concomitantemente, garantem um conjunto de conhecimentos sobre a cons-
trução de um produto (o jogo eletrônico), assim como, sobre a utilização de
outro (o RPG Maker), um caráter lúdico-educativo (com hífen), que, numa
rede de significados, pode contribuir com a aprendizagem de matemática, sem
que essa seja considerada algo desprazeroso a ser exercido.

3 Amarrando Ideias: a sustentação da atuação da tecnologia lúdico-


educativa na construção do conhecimento matemático

A partir da construção de RPGs eletrônicos educativos percebemos


que esse processo carrega consigo a ludicidade como uma de suas caracterís-
ticas. Sabemos, no entanto, que tal prática não acontece de uma hora para
outra. O ato de criar requer conhecimentos, necessita de uma constante
alimentação de ideias e de um grande interesse em exercê-lo, assim como,
de um intelocutor, ou seja, um mediador de todo o processo (ROSA, 2007).
Essas ações (criar, alimentar ideias, interagir como mediador) são aspectos
que podemos identificar na base do Construcionismo (MALTEMPI, 2004).
Da mesma forma, a partir do constructo teórico Seres-humanos-com-mídias,
sabemos que “meios” são necessários, na verdade, imprescindíveis para que a
produção do conhecimento aconteça (BORBA; VILLARREAL, 2005).
Assim, portanto, o constructo teórico Seres-humanos-com-mídias
(BORBA; VILLARREAL, 2005) parte da visão teórica que discute como
computadores afetam a cognição humana (TIKHOMIROV, 1981), unida à
ideia de coletivo pensante (LÉVY, 1994), na qual a dicotomia entre humanos e
tecnologias é superada. Assim, tal concepção identifica a produção de conheci-
mento em um espaço compartilhado por atores humanos e não humanos. É no
“pensar-com” (ROSA, 2008) que se sustenta a fundamentação epistemológica
208 M. ROSA e M. V. MALTEMPI

dessa concepção. Conforme Borba (2002, p. 150), “O conhecimento, que aqui


é visto como fortemente influenciado pelas mídias utilizadas, não é apenas
influenciado pela forma como é expresso, mas ele é moldado por essa mídia”.
Então, somos moldados pelas mídias em nosso processo reflexivo, fato
defendido por Borba e Villarreal (2005), que entendem como mídias as tecno-
logias da inteligência, a partir de Lévy (1994). Nesse sentindo, argumentando
sobre o processo investigativo no qual nos debruçamos, tomaremos como mídia
de destaque desse processo o computador e, consequentemente, o software
RPG Maker.
A ideia do “pensar-com”, de elaborar conjecturas, de produzir conhe-
cimento a partir de uma unidade cognitiva Seres-humanos-com-mídias, então,
destaca a ideia de superação de uma dicotomia que preserva uma separação
entre o ser humano e as tecnologias. Dessa forma, a tecnologia é atriz do
processo de produção do conhecimento. Entretanto, nossa perspectiva iden-
tifica uma atriz diferenciada, com características diferenciadas. A tecnologia
lúdico-educativa apresenta a função lúdica e educativa como diferencial que
destacamos neste capítulo.
A primeira função, que é identificada como a ludicidade inerente ao
ser humano, nem sempre é vislumbrada em ambientes educativos, mas pode
ser destacada como fator proeminente à Educação Matemática, pois pode
descaracterizar a visão de que a matemática é algo de difícil acesso, ou mesmo,
inalcançável. Assim, a tecnologia lúdica, no nosso caso, constitui-se pelo
conjunto de conhecimentos necessários para o uso do RPG Maker, ou seja,
para o desenvolvimento de um jogo eletrônico, que vislumbra a construção de
um micromundo no qual afetividade, humor, racionalidade, desafio, vontade,
crítica entre outros importantes aspectos à própria civilização se apresentam.
Do mesmo modo, a função educativa que pode ser identificada como
as ações de aprendizagem efetivadas na interação com uma mídia em especí-
fico, no nosso caso, o RPG Maker, possibilitou a caracterização da tecnologia
educativa desse estudo como: o conjunto de conhecimentos necessários para
o uso dessa mídia na construção de um jogo eletrônico, o qual tem como obje-
tivo o ensino de Números Inteiros. Esse jogo eletrônico engloba aspectos como
a identificação de definições (ROSA, 2004) , a representação de conceitos,
a constituição de relações entre o conteúdo e as ações dispostas no mundo
e experienciadas na aventura criada. O jogo cria, a partir de sua dimensão
A Tecnologia Lúdico-Educativa como “Atriz” ... 209

educativa, uma atmosfera em que a matemática é vista a partir do enredo do


próprio jogo, enquanto se constitui o metaenredo da aventura.
Ambas as funções (lúdica e educativa) embasam um conjunto de conhe-
cimentos que, inter-relacionados, constituem a tecnologia lúdico-educativa, a
qual se vincula diretamente com o software RPG Maker e suas múltiplicas
características. Para cada característica, a tecnologia lúdico-educativa atua de
maneira própria no processo de construção do conhecimento, possibilitando
diferentes níveis de interação e moldando a produção do conhecimento de
forma particular em cada um dos casos.
A tecnologia lúdico-educativa é atriz do processo de construção do
conhecimento matemático, pois, cognitivamente, não se desvincula do ser
humano; dá um caráter lúdico a todo o processo, possibilitando a sensação de
prazer e de descontração; e vincula-se às ações de criação, de imaginação e de
representação do mundo, de forma reflexiva e crítica. Logo, é atriz em conjunto
com o estudante e com o professor, não apontando, em momento algum, uma
divisão entre eles e o computador no decorrer de todo o processo.
Nesse sentido, Borba e Villarreal (2005) alertam ainda que defender
uma divisão entre humanos e tecnologias pode ser inapropriado para o enten-
dimento do papel dos computadores na sociedade e na educação em particular.
Nessa perspectiva, talvez possamos entender melhor a posição do computador
na sociedade, e especificamente na educação, se partirmos do que Turkle
(1997, p. 31) expressa em relação a esse ator não humano:

[...] o computador situa-se na linha de fronteira. É uma mente, mas


não é bem uma mente. É inanimado, porém interactivo. Não pensa,
mas não é alheio ao pensamento. É um objecto, em última análise
um mecanismo, mas age, interage, e, num certo sentido, parece
detentor de conhecimentos. Confronta-nos com uma desconfor-
tável sensação de afinidade. Afinal de contas, também nós agimos,
interagimos e parecemos deter conhecimentos, e todavia, em última
análise, somos feitos de matéria e ADN programado. Pensamos que
conseguimos pensar.

A desconfortável sensação de afinidade pode ser transformada se


entendermos nossa posição frente à máquina como coletivo, nós em comu-
210 M. ROSA e M. V. MALTEMPI

nidade com o computador, comungando com o que diz Kerckhove (1997,


p. 248): “[...] a mente colectiva que estamos a construir pode dar conta da
complexidade, fracturas e restruturações das mentes individuais – está em
progresso um processo de integração à escala mundial”.
Dessa forma, podemos entender o papel do computador como extensão
de nossos sentidos. Ou seja, o computador, cognitivamente, faz parte de nós
como um “pino de platina” inserido no corpo após cirurgia traumatológica, o
qual já não será mais separado de nosso corpo. Analogamente, em relação à
construção do conhecimento, o computador molda nossa maneira de produzi-
lo, principalmente, quando consideramos a construção visual, auditiva,
sensitiva e lúdica do conhecimento produzido por esse coletivo formado por
humanos e não humanos.
O computador também é visto como elemento de grande importância
para a construção do conhecimento numa perspectiva construcionista, pois
ele amplia as possibilidades de representação do e no mundo, por meio de
micromundos. Esse processo construtivo deixa clara a visão de Papert (1994)
sobre a importância da construção “no mundo”, no qual as representações e
simulações existentes em micromundos, no caso, existente nos jogos eletrô-
nicos produzidos, podem favorecer a constituição de processos mentais.
Nesse sentido, o micromundo construído a partir do RPG Maker
teve como elemento fundamental o computador, pois foi por meio dele que
as representações matemáticas puderam se efetuar. As personagens do jogo
podiam se movimentar, agir, pensar, produzir conhecimento possuindo, como
contexto adjacente, questões relativas aos Números Inteiros.
Logo, a ideia de Seres-humanos-com-mídias está intimamente ligada
ao processo de construção do conhecimento matemático visto sob a concepção
construcionista, quando se pensa na tecnologia lúdico-educativa como ator de
todo o processo em conjunto com os demais elementos da rede que constitui
o ambiente educativo, de forma que a mídia atua como meio de promoção de
feedback às ações do estudante durante todo o processo.
Em ambos os fluxos, Construcionismo-Seres-humanos-com-mídias ou
vice-versa, percebemos a mídia computador com alto grau de importância.
Entendemo-la como objeto evocativo que se insere no processo de construção
do conhecimento como espelho (TURKLE, 1997), o qual evoca nossa imagem
A Tecnologia Lúdico-Educativa como “Atriz” ... 211

e pode refletir a multiplicidade de processos mentais de que necessitamos,


favorecendo as sinapses cognitivas, ou seja, as interconexões no ato de pensar,
durante o fluxo simbiótico do ser humano e computador. Nesse sentido, ela
precisa ser escolhida a partir de suas características de uso, assim como, pelo
meio de suas funções.
Desse modo, defendemos que, além de recursos computacionais que
geram tecnologias educativas em ambientes desta natureza (educacionais com
o uso detecnologias), os quais trabalham com matemática, é importante que
se busquem, cada vez mais, outros recursos que evidenciem a ludicidade nesse
universo, de forma a serem concomitantes e interconectadas às funções lúdica
e educativa de tais recursos. Isso, então, pode ampliar as possibilidades afetivas
e cognitivas dos estudantes em momentos e em ambientes em que a matemá-
tica se torna o cerne das discussões. Isso permite, também, que a imagem e
as relações do pensamento matemático possam ser considerados prazerosos e,
desta maneira, identificados pelo estudante como de seu interesse.
Esse estudo (ROSA, 2004) também incentivou a nossa pesquisa em
outras esferas. A partir dele, também investigamos o uso do RPG On-line
(uma terceira modalidade do jogo RPG) em um curso de cálculo realizado a
distância, um curso que possuiu a constituição do conceito de integral como
objetivo. Investigamos como a construção de identidades on-line se mostra ao
ensino e à aprendizagem desse conceito matemático (ROSA, 2008).
Desse modo, entendemos que as tecnologias lúdico-educativas
possuem aspectos que podem favorecer a prática educativa matemática, sendo
atrizes importantes nessa prática. Entre os aspectos evidenciados a partir dessas
atrizes, a ludicidade pôde ser vista a partir da constituição de um cenário que
utilizou a construção de RPGs eletrônicos e, assim, potencializou argumentos
que corroboram a defesa do lúdico em práticas pedagógicas de natureza mate-
mática. Nesse sentido, esperamos ter contribuido de forma a incentivar outras
práticas educativas, assim como, de pesquisa, cujo o foco esteja na inserção
de tecnologias na prática pedagógica matemática. Entretanto, esperamos
que essas tecnologias possam englobar recursos que compreendam de modo
singular a função lúdico-educativa.
212 M. ROSA e M. V. MALTEMPI

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Educação Matemática, Tecnologia e Formação de Professores: Algumas Reflexões
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Copyleft 2010 by Willian Beline e Nielce Meneguelo Lobo da Costa (Orgs)
Editora da FECILCAM | Campo Mourão - PR | http:// www.fecilcam.br/editora

Capítulo 9

A escolha do software educacional e a


proposta didática do professor: estudo
de alguns exemplos EM matemática

Marilena Bittar1
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - UFMS

Resumo

Este texto tem por objetivo contribuir com a discussão sobre a integração de softwares
educacionais evidenciando características técnicas e didáticas de alguns materiais e
discutindo, mais especificamente, possibilidades de uso de um deles. Essa discussão
é feita articulada à escolha pedagógica do professor, na intenção de contribuir com
seu trabalho cotidiano. Para tanto é feita inicialmente uma apresentação geral da
informática na Educação; em seguida, são apresentados alguns softwares destinados
ao ensino de Matemática. Finalmente, é relatada uma investigação realizada com um
software de Álgebra em uma escola de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, para
ilustrar o estudo.

Palavras-chave: Software de matemática. Prática pedagógica. Aplusix. Álgebra.

1
  marilena@nin.ufms.br
216 M. BITTAR

Introdução

Um professor, do Ensino Fundamental ou Médio, resolve fazer uso da


tecnologia com seus alunos. Onde ele procurará ajuda, caso necessite? Que
tipo de material ele tem disponível sobre o uso das novas tecnologias em sala
de aula? Como ele poderá escolher o produto tecnológico a ser usado? E a
questão que parece mais complexa a ser respondida é: quando e como utilizar
a informática com seus alunos? Ou seja, em que momento da aprendizagem
e que tipo de atividade propor de modo a favorecer a construção do conheci-
mento (PIAGET, 1971)? É pensando nesse professor fictício, porém similar a
professores da realidade, que este texto é escrito. Não temos a pretensão de
responder exaustivamente às questões postas acima, inclusive pelo fato de que
somente o professor pode saber quando e em qual situação deve ou é adequado
utilizar a informática para abordar um determinado assunto. Entretanto, para
que o professor possa realizar tal ação, é necessário conhecer não somente
certa variedade de softwares como também algumas de suas potencialidades.
Assim, a intenção deste texto é apresentar alguns tipos de materiais que o
docente pode usar, analisando as possibilidades oferecidas por cada um deles,
tentando desmistificar alguns (pré)conceitos que se formaram em torno do
uso da informática na Educação, tais como: “Um software fechado2 não esti-
mula o aluno e não contribui com a construção de seu conhecimento” ou
“Um software de programação é o ideal a ser usado”. Acreditamos que tudo
depende da forma como cada material é explorado por professores e alunos.
Nessa perspectiva, o papel do professor é fundamental, pois cabe a ele escolher
o material e, principalmente, preparar atividades coerentes com suas escolhas
teórico-metodológicas.

O uso da tecnologia na educação

Ao se discutir o uso da informática na Educação pode-se centrar atenção


sobre diferentes funcionalidades da informática, tais como: facilidade de acesso

2
  Entende-se, neste texto, software fechado como sendo aquele em que as atividades
vêm prontas; não há como o professor preparar atividades novas para os alunos.
A escolha do software educacional e a proposta pedagógica do professor 217

à informação, favorecimento da Educação a Distância e instrumento de apoio


ao processo de ensino. O centro de interesse deste texto é a contribuição da
informática ao processo de construção do conhecimento. São discutidas formas
de uso desse instrumento por meio da apresentação de algumas atividades
possíveis de serem realizadas com os alunos. Essa apresentação, longe de ser
exaustiva, tem por objetivo ilustrar questões que consideramos importantes na
escolha e uso do material.
Diversas pesquisas mostram que a tecnologia pode constituir um
instrumento capaz de contribuir significativamente com a aprendizagem dos
alunos. Segundo Fagundes (1996), o uso do computador (ou da linguagem
LOGO) foi um instrumento determinante no trabalho sobre a alfabetização
escrita e numérica com alunos da primeira série do Ensino Fundamental com
longo histórico de fracasso escolar. “Os resultados expressam diferentes tipos
de ganhos. Os sujeitos passaram a ser respeitados pelos colegas e por si mesmos
como pessoas competentes para aprender. A linguagem LOGO passou a ser
mediadora entre a língua oral e a escrita” (p. 28). Nesse exemplo, o uso da
tecnologia foi fator determinante no processo de resgate dos alunos, porém
é fundamental evidenciar que, se esse uso cumpriu tal papel, foi exatamente
devido às escolhas teórico-metodológicas da equipe que participou do projeto.
De fato, a mesma equipe poderia obter resultados diferentes se trabalhasse
com outro material e outra equipe; com outros pressupostos teóricos poderia
também obter resultados diferentes usando o mesmo material.
A Rede Internet oferece aos professores e alunos a possibilidade de ter
o mundo em sala de aula; o aluno pode conhecer museus, países e diversas
culturas sem sair da escola. A Internet, associada aos recursos de multimídia,
amplia o campo de ação do professor e, consequentemente, o universo do
aluno. Os recursos assim oferecidos podem unir pessoas em torno de um
tema comum, assim facilitando a comunicação de ideias e as trocas de expe-
riências. Inúmeros são os sites dedicados ao uso da informática na Educação;
neles podem ser encontradas sugestões de atividades, relatos de experiências,
análise de softwares, arquivos com softwares gratuitos ou com partes de software
gratuitas, etc. Assim, professores e pesquisadores podem ter acesso a esses sites
e participar das discussões neles oferecidas encontrando alguns subsídios para
sua prática pedagógica.
A educação a distância foi também bastante favorecida com o advento
218 M. BITTAR

do computador, pois ele diminui a distância entre as pessoas. Recursos como o


correio eletrônico, o chat e os fóruns permitem trocas instantâneas, ou quase
instantâneas, entre duas ou mais pessoas distantes fisicamente ou não. Assim,
um curso virtual pode ser frequentado por pessoas dos vários Estados do Brasil
e até mesmo do exterior. As trocas permitidas pelos recursos da internet possi-
bilitam maior contato entre alunos, e entre alunos e professores. Dessa forma,
um curso de Educação a Distância oferecido via internet pode ser preparado
de forma que o aluno participante tenha sempre um retorno quase imediato às
suas questões, o que não acontece se o curso utilizar somente material impresso
ou áudio. Acreditamos, com base em experiências em cursos dessa natureza,
que o aluno que não obtém resposta (ou um sinal de resposta) relativamente
rápida a um questionamento, perde a motivação. Além disso, um curso prepa-
rado de acordo com uma visão construtivista do conhecimento, tendo como
princípio a aprendizagem colaborativa, é fortemente favorecido pelo ambiente,
visto que os alunos podem trabalhar juntos, efetuar seminários e estudo de
textos, construir um texto coletivo, etc. Dentro da perspectiva de aprendi-
zagem colaborativa, não podemos deixar de citar a realização de projetos de
aprendizagem. Esses projetos são planejados e realizados pelos alunos em torno
de temas escolhidos por eles mesmos, que podem inclusive produzir um mate-
rial multimídia com os resultados do trabalho coletivo. Experiências desse tipo
são relatadas em Fagundes (1999).
Grande parte das pesquisas disponíveis sobre o uso de tecnologia apli-
cada à Educação se refere aos temas acima discutidos. No que diz respeito ao
uso de softwares educacionais específicos de uma determinada disciplina, as
pesquisas são mais escassas ou, muitas vezes, não são apresentadas de forma
a contribuir com o professor que deseja fazer uso desses resultados3. Daí a
importância de se discutir o uso de softwares educacionais sem perder de vista
a prática pedagógica do professor.
Qual tem sido a prática pedagógica dos professores?

3
  Cabe ressaltar que a Matemática é uma área privilegiada tanto pela quantidade
de materiais (softwares) existentes quanto de pesquisas relacionadas ao uso dos
mesmos materiais. Entretanto, poucas pesquisas tratam do uso que o professor faz
de um software em sala e, também, poucos são os textos destinados a difundir as
pesquisas para os professores.
A escolha do software educacional e a proposta pedagógica do professor 219

Para responder a essa questão seria preciso olhar para dentro das escolas
e ver qual é a política de implementação do uso das tecnologias adotada, o
que obrigatoriamente exige um olhar mais amplo, dirigido às políticas públicas
de Educação. Não faremos aqui um estudo detalhado dessa questão por não
ser o objeto principal deste texto, mas como se trata de um ponto delicado e
importante na implementação de qualquer inovação no campo da Educação,
é importante que a comunidade de educadores tenha consciência da comple-
xidade dessa questão para agir de forma a influenciar as tomadas de decisão.
Outra questão que é fundamental e está no centro da discussão sobre a inserção
da tecnologia na Educação, diz respeito à postura do professor frente a essa
nova ecologia do cotidiano escolar, e um dos primeiros passos dessa caminhada
é justamente o conhecimento do professor sobre essa nova ecologia e como ele
se coloca nesse sistema.
Muitas escolas, públicas e privadas, dos Ensinos Fundamental e Médio,
têm sido equipadas com laboratórios de informática e têm feito uso das tecno-
logias com seus alunos. É possível verificar duas formas de uso da tecnologia na
Educação: a) criação de uma disciplina de informática educativa desenvolvida
por um professor de laboratório, que trata de variados assuntos com os alunos,
mas, em geral, não há ligação entre a aula de informática e as outras aulas,
como Ciências, Matemática ou Português; b) aulas realizadas com o professor
de uma determinada disciplina, por exemplo, Matemática, que leva seus alunos
ao laboratório para realizar tarefas relativas ao conteúdo estudado.
Algumas escolas desenvolvem esses dois tipos de ações, sendo que o
professor de informática tem, por vezes, a função de auxiliar o professor da
disciplina na escolha do software e na preparação das atividades. Outras escolas
não têm curso de informática, porém têm um responsável de laboratório cuja
função é trabalhar junto com os professores no uso da informática. A dificul-
dade quando se tem uma pessoa responsável por tal preparação é o fato de que
dificilmente ela conhecerá as características da disciplina em questão nem a
variedade de materiais disponíveis, o que dificultará a elaboração de atividades
tendo em vista os objetivos de aprendizagem. Assim, esse auxílio acaba sendo
ligado mais diretamente a questões técnicas, tais como gerenciamento do labo-
ratório, funcionamento das máquinas, conservação e produção de material,
etc., do que aos aspectos didático-pedagógicos da disciplina. Acreditamos que
é responsabilidade de cada professor se apropriar desses instrumentos, pois
220 M. BITTAR

ele tem o conhecimento sobre sua disciplina, seus objetivos, sua metodologia
de trabalho e seus alunos, o que é necessário para uma escolha coerente das
atividades a serem realizadas. Os professores necessitam, portanto, conhecer
as tecnologias disponíveis e estudar possibilidades de uso dessa ferramenta
como mais um recurso didático para o processo de aprendizagem. É importante
ressaltar que não se trata de tornar a aprendizagem mais fácil aligeirando o
ensino. Ao contrário, a aprendizagem deve ser favorecida com situações que
a tornem mais significativa e que os alunos possam interagir entre si e com
a máquina, construindo conhecimentos, vivenciando situações que, muitas
vezes, não tinham sentido, ou tinham outro sentido, no ambiente papel e
lápis.
Fazemos uma distinção entre integração e inserção da tecnologia da
Educação. Essa última significa o que tem sido feito na maioria das escolas:
coloca-se o computador nas escolas, os professores usam, mas sem que isso
provoque uma aprendizagem diferente do que se fazia antes e, mais do que
isso, o computador fica sendo um instrumento estranho (alheio) à prática
pedagógica, sendo usado em situações incomuns, extraclasses, que não serão
avaliadas. Defendemos que o computador deve ser usado e avaliado como um
instrumento como qualquer outro, seja o giz, um material concreto ou outro.
E esse uso deve fazer parte das atividades rotineiras de aula. Assim, integrar
um software à prática pedagógica significa que o mesmo poderá ser usado em
diversos momentos do processo de ensino, sempre que for necessário e de
forma a contribuir com o processo de aprendizagem do aluno.
Dessa forma, integrar um novo instrumento em sala de aula implica
mudanças pedagógicas, mudanças do ponto de vista da visão de ensino, que
devem ser estudadas e consideradas pelos professores. Algumas questões podem
nortear o trabalho do professor: Como preparar uma aula utilizando esse novo
recurso? Como inserir efetiva e criticamente a tecnologia no processo de ensino
e aprendizagem? Que mudanças pedagógicas ocorrem quando se introduz a
Informática na Educação? Que aspectos devem ser considerados no momento
de escolher o material a ser utilizado? Não pretendemos responder a todas
essas questões neste texto, porém dar pistas de respostas a elas.
Um material, qualquer que seja ele, deve ser escolhido em função dos
objetivos do professor, e não o contrário. Muitos professores em curso de
formação de formação continuada, ou em outros eventos, perguntam, por
A escolha do software educacional e a proposta pedagógica do professor 221

exemplo: Qual o melhor software para a aprendizagem da Geometria no sexto


ano? Infelizmente, ou felizmente, não há uma resposta categórica para essa
pergunta, uma vez que esse “melhor” software não existe, pois tudo dependerá
das atividades realizadas com o material escolhido. Um software considerado,
a priori, bom pelas possibilidades que oferece pode ser usado de forma a não
contribuir com a aprendizagem dos conceitos visados.
O professor e a escola, de modo geral, se encontram assim “mergulhados”
em um mar de propagandas, muitas vezes enganosas, sobre alguns produtos
milagrosos. Como então conseguir distinguir esses produtos, escolher o que
nos parece contribuir com a realização do trabalho que propomos? Serão apre-
sentados alguns materiais disponíveis e discutidas possibilidades de atividades
que favoreçam o estabelecimento de um processo de ensino e aprendizagem
em que o aluno tenha papel ativo na elaboração de seu conhecimento.

Estudo de alguns softwares usados na Educação

O termo Informática Educativa pode fazer referência ao uso de um


software educacional ou não. Neste texto, um software é chamado de educa-
cional quando é desenvolvido com objetivos claramente pedagógicos, e aqui é
incluído inclusive um material multimídia. Um editor de textos ou uma planilha
eletrônica não são assim considerados softwares educacionais apesar de terem
seu lugar no processo de ensino e aprendizagem, pois têm sido constantemente
utilizados pelos professores, sendo, muitas vezes, a única tecnologia digital de
que dispõem. Assim sendo, considerando que o interesse principal deste texto
é estudar como a informática pode contribuir com o processo de ensino e
aprendizagem da Matemática, é fundamental ter um olhar mais aberto, sem pré-
conceitos, buscando sempre evidenciar essas contribuições. Com essa intenção
são apresentados alguns materiais, procurando analisá-los de acordo com o
tipo de atividade que podem ser propostas, segundo a teoria construtivista da
aprendizagem. No construtivismo, o aluno está no centro da aprendizagem, ele
constrói seu conhecimento interagindo com outros colegas e com o professor,
que, nesse caso, tem como função principal organizar e orientar as discussões:
ele não é detentor do poder e fonte única do conhecimento.
222 M. BITTAR

Calculadora

Será discutido aqui o uso da calculadora, que pode ser uma calcula-
dora simples, contendo somente as quatro operações, e que pode ser usada
desde a primeira série do Ensino Fundamental. Não é raro ouvir, de profes-
sores, supervisores e outros, que o uso da calculadora nas primeiras séries do
Ensino Fundamental é inapropriado. Argumentam para tal que o aluno não
aprenderá os algoritmos ou a Matemática, e que esse uso pode tornar o aluno
incapaz de realizar cálculos sem o auxílio de uma calculadora. Assim como
outros pesquisadores e professores, discordamos dessa posição, pois a calcula-
dora oferece possibilidades de desenvolver certas atividades que contribuem
de forma importante para a construção do pensamento matemático. Vamos
ilustrar nosso ponto de vista com dois exemplos de natureza distinta: 1) efetuar
cálculos como, por exemplo, 25,235x8,04. Esse tipo de atividade pode ser ou
não interessante: tudo depende do contexto em que ela é explorada. De fato,
pedir simplesmente ao aluno para efetuar esse cálculo usando a calculadora,
parece sem significado, porém se o aluno está resolvendo um problema em
que esse cálculo aparece, a calculadora terá aqui um papel de facilitadora das
contas a serem feitas, deixando ao aluno mais tempo para pensar no problema
que ele está resolvendo, o que é recomendável; 2) levar o aluno a encontrar
regularidades e, a partir daí, elaborar conjecturas, por exemplo, propor diversas
multiplicações por 10, em seguida por 100. Nesse caso, a calculadora está sendo
um instrumento que pode permitir levar o aluno a elaborar seu conhecimento,
atribuindo-lhe papel ativo no processo de ensino e aprendizagem. Por meio
da observação dos resultados das multiplicações propostas, o aluno poderá
elaborar a regra da multiplicação por 10, por 100 e assim por diante. Temos,
assim, um caso em que o uso da calculadora pode provocar uma mudança
da prática do professor: ao invés de apresentar uma regra pronta, o aluno vai
construí-la. Não nos deteremos muito na discussão sobre a calculadora, uma
vez que nosso objetivo maior são os softwares educacionais.

Softwares Educacionais

Nas diversas experiências que temos tido com o uso da informática


aplicada à Educação, sempre aparecem questões ligadas aos requisitos a serem
A escolha do software educacional e a proposta pedagógica do professor 223

considerados no momento de escolher o material para uso em sala de aula.


Podemos tentar, inicialmente, listar alguns itens ou questões que devem ser
observados para orientar o estudo desse material: Qual o conteúdo que o
software permite tratar? Que teoria de aprendizagem fundamenta o software?
Qual o grau de interatividade possível entre aluno e o objeto do conhecimento?
Trata-se de um software aberto ou fechado? Que atividades são possíveis de
serem realizadas? Trata-se de uma interface “amigável” (ou qual a facilidade
de manuseio)? Quais os ganhos obtidos com o uso do software em relação ao
ambiente papel e lápis?
Essas não são as únicas questões existentes e não devem servir de
amarras para as discussões a seguir, porém o leitor pode perceber que, implici-
tamente, elas estão presentes, servindo de guia para o estudo.

Aplusix4

Diversas pesquisas sobre o ensino da Álgebra mostram que os alunos


têm dificuldades na manipulação de expressões algébricas e que, inclusive, eles
utilizam, muitas vezes, regras erradas quando resolvem um problema, tal como
(x + y )2 = x 2 + y 2 , ∀x, y ∈ ℜ * . O ambiente papel e lápis não oferece ao
aluno nenhuma retroação (informação sobre sua ação) que lhe permita validar
seu trabalho. De fato, o aluno necessita sempre da presença do professor para
ter certeza se seu trabalho está ou não correto. E o software aqui apresentado
tem, como uma de suas funcionalidades, a possibilidade de oferecer ao aluno
um meio de validação de seu trabalho.
Aplusix (NICAUD et alii, 2004) é um software de álgebra destinado
à realização de cálculos algébricos. O aluno efetua os cálculos que deseja e o
software verifica se eles estão ou não corretos. Na Figura 1, a primeira passagem
realizada pelo aluno está correta, porém a segunda tem algum erro, que é
indicado pela não equivalência entre as etapas. Caberá ao aluno identificar e
corrigir o erro.

4
  Esse software foi desenvolvido pela equipe Did@TIC, do Laboratório Leibniz,
França. Maiores informações sobre o software assim como exemplos de atividades
podem ser encontradas no site: <http://aplusix.imag.fr>.
224 M. BITTAR

Figura 1- Tela Aplusix

Normalmente, em uma situação de papel e lápis, ao resolver uma lista


de exercícios, quando o professor corrige a lista no quadro-negro, o aluno
vê que sua resposta não está igual à resposta do professor, mas não consegue
perceber em que passo do raciocínio errou e, consequentemente, o que errou.
Em geral, ele apaga o que fez, sem tentar compreender o que houve com sua
resolução, e copia a resolução do professor, algumas vezes copiando até mesmo
com erros. No trabalho com o Aplusix, como o software indica ao aluno exata-
mente a passagem que ele errou, o professor pode trabalhar no sentido de que
o aluno, a partir dessa indicação, busque compreender o que aconteceu com
seu cálculo. Essa foi uma característica bastante explorada na experimentação
que discutimos mais adiante neste texto.
O Aplusix tem um Mapa de Testes (figura 2) com famílias de exercícios
sobre 6 temas de Álgebra elementar, e com diversos níveis de dificuldades.
Cada vez que o usuário pede uma lista de exercícios de uma família, uma lista
de, aproximadamente, 12 exercícios é gerada automaticamente, no modo
Aprendizagem (com retroações) ou no modo Teste (sem retroações), o que pode
ser utilizado como autoavaliação.
A escolha do software educacional e a proposta pedagógica do professor 225

Figura 2 – Mapa de Testes

Ao final da resolução de um teste o usuário obtém sua pontuação e o


software lhe oferece a possibilidade de rever seu teste, ver a etapa que contém
erro e tentar corrigir esse erro5. Essa funcionalidade do software tem sido fator
decisivo em diversas pesquisas que têm sido realizadas. O professor pode ainda
preparar uma lista de exercícios que seus alunos deverão resolver.
Todas as resoluções dos alunos são automaticamente gravadas e o
professor poderá ver, com a ajuda do videocassete, todas as ações realizadas
pelo aluno, inclusive o que ele apaga. Desse modo, tem-se acesso também a
uma parte da componente privada do trabalho do aluno, o que não é o caso no
papel e lápis, e o que permite conhecer melhor o estado de conhecimento do
aluno. Cabe, porém, ressaltar que o aluno é advertido que isso ocorre6 e também

5
  Essa funcionalidade do Aplusix foi explorada pela professora na experiência rela-
tada nesse texto.
6
  Ao abrir o Aplusix, o aluno recebe uma mensagem de que tudo o que ele faz
poderá ser visto pelo professor e isso é feito por uma questão de ética adotada
pelos construtores do software.
226 M. BITTAR

que é necessário, muitas vezes, complementar o estudo dessa componente


com outros dados, usando, por exemplo, entrevistas individuais. A partir daí é
possível preparar uma lista de exercícios que permita ao aluno trabalhar suas
dificuldades. Na elaboração desses exercícios, pode-se optar entre três tipos de
validação a ser disponibilizada aos alunos: sem validação (como no ambiente
papel e lápis), validação a pedido (o aluno pede ao software que verifique se
a etapa que realizou está correta), e validação permanente (em que o sistema
verifica a validade de cada etapa realizada pelo aluno).

Cabri-Géomètre7

Nesse software está inserida, por meio de suas primitivas, toda a


Geometria euclidiana, o que possibilita a construção de figuras geométricas
da mesma forma como se tivéssemos os instrumentos para construção geomé-
trica em papel e lápis. Uma vantagem de Cabri-Géomètre, relativamente ao
ambiente papel e lápis, é o fato de que a Geometria passa a ser dinâmica: as
figuras geométricas construídas podem ser deslocadas a partir de seus objetos
de base, e as propriedades geométricas utilizadas na construção são preser-
vadas. Assim, uma construção é dita “correta” do ponto de vista do software
se, ao deslocarmos pontos básicos da construção, as propriedades geométricas
da figura que pretendíamos ter construído forem preservadas. Analisemos, por
exemplo, a construção de paralelogramo, quadrilátero que possui lados opostos
paralelos, usando Cabri-Géomètre. Podemos simplesmente traçar “a mão livre”
segmentos AB, CD e DA de modo que, aparentemente, o segmento AB seja
paralelo à DC e BC seja paralelo à AD. Nesse caso não foram utilizadas as
ferramentas do software que permitem traçar retas paralelas, como seria feito
se a tarefa pedida fosse construir no papel com o auxílio de régua e compasso.
Assim sendo, ao deslocar um dos vértices do quadrilátero construído, ele
perde imediatamente a propriedade “aparente” de ter lados opostos paralelos,
obtendo assim figuras como a representada na Figura 3, que não representam
um paralelogramo.

7
  Cabri-Géomètre foi desenvolvido no Instituto de Informática e Matemática
Aplicada de Grenoble - França. Para maiores informações sobre a concepção do
software e a equipe que o desenvolve, visite o site: <http://www-cabri.imag.fr>.
A escolha do software educacional e a proposta pedagógica do professor 227

Figura 3 – Construção incorreta de um paralelogramo

Logo, ao construir um paralelogramo com o Cabri-Géomètre devemos


explicitar as propriedades geométricas que definem essa figura, usando, por
exemplo, “retas paralelas” da barra de ferramentas do software. Ao deslocarmos
um vértice do quadrilátero construído, esse poderá aumentar/diminuir de
tamanho, efetuar uma rotação, mas será sempre um paralelogramo. É o que
mostra a Figura 4, em que foi construído um paralelogramo observando suas
propriedades e ao ser deslocado ele continuou sendo um paralelogramo.

Figura 4 – Construção e deslocamento de um paralelogramo

No Cabri-Géomètre o nível de interatividade (LÉVY, 2004) com o


aluno é bastante alto, favorecendo a compreensão de propriedades e as rela-
ções geométricas. Os alunos podem também fazer simulações com o software e
então elaborar conjecturas, o que é muito difícil no ambiente papel e lápis, mas
que é fundamental se pretendemos que o aluno construa conhecimento. De
fato, vamos olhar mais detalhadamente o que tem acontecido com o ensino
da Geometria. Essa disciplina tem sido relegada a segundo plano no ensino
de Matemática (PAVANELO, 1993). Entre os fatores citados por professores
para essa situação ressaltam-se: falta de controle sobre a atividade realizada
pelos alunos, ausência de validação das conjecturas dos alunos, falta de moti-
vação, conceitos sem sentido, construções “estáticas”, etc. Considerando esses
228 M. BITTAR

argumentos, e analisando o Cabri-Géomètre, é possível ver que a elaboração


de atividades envolvendo esse software pode oferecer ganhos qualitativos rela-
tivamente à aprendizagem da Geometria em comparação ao contexto papel
e lápis. Nesse caso, o software oferece, entre outros, um meio de validação
pragmática de conjecturas dos alunos8, um instrumento de controle das ativi-
dades realizadas e uma oportunidade de visualização dinâmica de propriedades
vistas no papel9. É importante salientar que o uso do software não dispensa a
demonstração em papel e lápis. Por exemplo, ao construir um triângulo, medir
seus ângulos internos e calcular, com a calculadora do software, a soma desses
ângulos, movimentar os vértices e verificar que o resultado dá sempre 180º,
não está sendo demonstrado o teorema da soma dos ângulos internos de um
triângulo. É possível usar o software para elaborar uma conjectura e/ou visua-
lizar um resultado, entre outras coisas, mas não para realizar a demonstração
da conjectura.

SuperLogo

O SuperLogo10 é um software de programação que pode ser usado desde


as primeiras séries do Ensino Fundamental11. Essa interface é composta de
duas janelas: a Gráfica e a de Comandos. No centro da janela gráfica aparece
uma tartaruga que se moverá de acordo com os comandos dados na janela

8
 Dissemos se tratar de validação pragmática pelo fato de não ser exatamente uma
demonstração matemática. O valor atribuído a esse tipo de validação dependerá
do objetivo da atividade. Como não é objetivo deste texto realizar uma discussão
aprofundada sobre validação e provas, não nos deteremos nesse ponto do
artigo.
9
  Diversas pesquisas confirmam essas afirmações, como, por exemplo, Bittar (2004)
e Laborde, C. e Capponi, B. (1994).
10
  Trata-se de um ambiente que contém toda uma estrutura cognitiva relativa a um
conteúdo específico. Indicamos aqui a leitura de Papert (1980), onde o autor
discorre sobre micromundos e, em especial, sobre o SuperLogo.
11
  No site <http://www.nied.unicamp.br> podem ser encontrados vários resultados
de pesquisa sobre o uso deste software no ensino.
A escolha do software educacional e a proposta pedagógica do professor 229

Comandos. Com esse software podem ser realizadas construções de vários


níveis de dificuldades. De fato, usando somente comandos simples como “pf”
(para frente), “pd” (para direita), “pe” (para esquerda), é possível construir
figuras como, por exemplo, um quadrado.

Figura 5 – Construção de um quadrado

Observe que o software acaba obrigando o aluno a planejar suas ações


de modo a obter o que deseja, pois um erro na programação será imedia-
tamente percebido pelo aluno, visto que, uma vez inserido o comando, a
tartaruga efetua imediatamente o movimento correspondente. Dessa forma,
o SuperLogo oferece uma retroação ao usuário diferente daquela oferecida por
Cabri-Géomètre, em que o aluno deve deslocar objetos de base para verificar o
que acontece com seu desenho. Além disso, cada um desses softwares explora
diferentes aspectos da figura construída, o que é fundamental para a aquisição
dos conceitos em jogo.
230 M. BITTAR

Figura 6 – Casa construída no SuperLogo

A Figura 6 foi construída no SuperLogo usando somente figuras geomé-


tricas planas. As propriedades que devem ser observadas aqui não são exatamente
as mesmas usadas ao construir essa mesma figura com o Cabri-Géomètre, por
exemplo. Com o SuperLogo é preciso usar o fato de que um retângulo tem 4
ângulos retos e lados opostos congruentes; com o Cabri-Géomètre é necessário
utilizar o conceito de retas perpendiculares e, para tanto, é preciso explicitar o
fato de que os lados do quadrado devem ser perpendiculares.
O tipo de programação efetuada no SuperLogo, além de permitir traba-
lhar conceitos específicos de Matemática, oferece ao aluno a possibilidade de
organizar suas ações, planejando e refletindo sobre cada uma delas. Para que
a construção fique correta, é necessário dar um passo após outro passo, em
determinada ordem, escrita corretamente. Assim, esse software contribui de
forma bastante importante com a organização do pensamento lógico do aluno
(ROSA, 2004).

Graphequation

Graphequation12 é um software aberto que permite construir gráficos


de funções e desenhar regiões do plano, tudo isso sobre uma mesma página.
Esses aspectos têm sido explorados em trabalhos que temos desenvolvido

12
  No site <http://www.mat.ufrgs.br/~edumatec> são dados uma versão de Graphe-
quation e exemplos de atividades.
A escolha do software educacional e a proposta pedagógica do professor 231

(BITTAR, 2001). Esse software tem uma interface fácil de ser compreendida
e manipulada por alunos e professores, e propicia a realização de um trabalho
diferente do habitual, mais dinâmico e provocador de aprendizagem. A seguir
são apresentados dois tipos diferentes de atividades desenvolvidas com esse
material.

Figura 7 – Gráfico de função no Graphequation

Aqui foram traçados os gráficos de três funções quadráticas, o que


permite ao aluno explorar e conjecturar as relações entre os gráficos de y=f(x)
e y=f(x)+constante.
Essa atividade não é substancialmente diferente do que se realiza em
papel e lápis, porém, favorece o estudo de conceitos ligados ao gráfico de uma
função visto que o aluno não precisa traçar cada gráfico, além de permitir que
ele explore gráficos de diferentes funções.
232 M. BITTAR

Nessa atividade o aluno esboçou o


projeto de um desenho no papel e lápis
e, em seguida, realizou seu projeto no
computador com a ajuda de relações
matemáticas.
Esse tipo de trabalho instiga os alu-
nos a investirem na aprendizagem de
conceitos matemáticos para efetuarem
desenhos cada vez mais complexos,
como observamos na realização de tra-
Figura 8 – Construção de balhos desenvolvidos tanto com alunos
paisagem no Graphequation do Ensino Médio como com alunos do
Ensino Superior.

Dessa forma, tal software parece poder contribuir com a aprendizagem


de conceitos que normalmente representam grandes dificuldades para os
alunos, como os conceitos de função, de domínio de função (aqui entramos
com as ideias de inequação) e outros.

Jogos, educativos ou não

Esse tipo de software pode ser encontrado sob vários tipos: jogos de
simulação, jogos de pergunta-resposta, jogos em que o aprendiz joga contra
a máquina usando um conhecimento específico, etc. Esses últimos tratam
conteúdos específicos, tais como frações, verbos ou o corpo humano. Nessa
categoria podem-se encontrar softwares destinados a várias faixas etárias.
Vários livros didáticos das séries iniciais do Ensino Fundamental trazem atual-
mente um disquete ou CD com um jogo, visando motivar o aluno a estudar.
Esses softwares são chamados “fechados”, o que significa que o professor não
elabora uma atividade a ser realizada com o software, pois as atividades já vêm
prontas. Nesses casos, é preciso ter cuidado, pois, muitas vezes, esse material
traz, implicitamente, uma concepção não muito clara do papel do erro. Com
efeito, no caso em que a interatividade entre o aluno e a máquina se baseia na
“prática estímulo-resposta”, ocorrem, com frequência, casos em que o acerto
A escolha do software educacional e a proposta pedagógica do professor 233

do aluno é premiado e seu erro, punido. Ou seja, errar é ruim, feio e tem
consequências que podem ser graves, como, por exemplo, alguns jogos nos
quais, ao errar a resposta esperada, o usuário é vaiado ou recebe alguma repri-
menda nesse sentido. Ora, diversas pesquisas em Educação têm mostrado a
importância do erro no processo de construção do conhecimento, portanto ele
não pode ter esse caráter punitivo, que impedirá o aluno de tentar se exprimir
ou tentar uma nova solução ao problema que lhe é posto13. Por outro lado, um
jogo pode não ter esse caráter punitivo e representar, ao contrário, uma fonte
de aprendizagem para o aluno por meio da qual ele se diverte. Se conseguimos
tornar a aprendizagem algo prazeroso ao aluno, acreditamos cumprir uma
de nossas tarefas como educadores que acreditam que o aluno constrói seu
conhecimento e que, para tanto, ele deve se identificar com o que faz.

Relato de uma pesquisa realizada em Campo Grande

Durante os meses de março e abril de 2004, no quadro de um projeto


de cooperação Capes-Cofecub entre o Brasil e a França, foi organizada uma
pesquisa com aproximadamente 2400 alunos do 9º ano de Campo Grande,
MS. Essa experimentação consistiu de um teste sobre equação e inequação do
primeiro grau, com objetivo de realizar um estudo14 das dificuldades dos alunos
na resolução de problemas desse campo da Álgebra elementar. A análise dos
resultados mostrou que, em geral, o índice de acerto foi muito baixo, apesar de
se tratar de um conteúdo visto e tratado desde o 7º ano.
A partir dessas análises decidimos realizar uma experimentação mais
longa, durante o segundo semestre de 2004, com duas ou três sessões mensais,
nos moldes de uma engenharia didática (ARTIGUE, 1990), com duas classes
de 9º ano, usando Aplusix. A escolha desse software se deu pelo fato de que as

13
  É verdade que isso pode acontecer, ou não, tanto em um jogo quanto em um
software educativo. No caso do Aplusix, como visto anteriormente, o usuário
recebe apenas a indicação de que, em uma determinada etapa de seu trabalho,
cometeu um erro.
14
  A análise dos dados foi realizada com a ajuda do software Anaïs, especialmente
desenvolvido para o tratamento dos dados obtidos com o Aplusix.
234 M. BITTAR

listas geradas automaticamente tratavam o tipo de exercícios que nos interes-


sava e, além disso, o tipo de retroação que o software oferece ao aluno daria
maior liberdade ao professor, que teria a responsabilidade somente de gerenciar
a classe, tirando dúvidas quando necessário.
A pesquisa foi realizada na classe de uma professora que tinha sido
aluna recente da Licenciatura em Matemática da UFMS e, por isso, conhecia
o Aplusix, pois havia, durante seu Curso, participado de um projeto de ensino
que tratava do uso da informática para o Ensino Fundamental e Médio.
Ao discutir com ela os objetivos da pesquisa, ela se dispôs a participar e, na
primeira entrevista, afirmou que considerava que esse software iria contribuir
com a superação das dificuldades de seus alunos pelo que já conhecia dele.
Cabe salientar que, apesar de equações do 1º grau não serem objeto de
estudo do 9º ano, a professora considerou que deveria trabalhar esse tema com
seus alunos uma vez que eles tinham muitas dificuldades em resolver equações
simples. Ficou então decidido que ela levaria seus alunos ao laboratório dentro
de seu horário normal de aula, da forma como ela achava que deveria fazê-lo,
ou seja, com a frequência que considerasse boa. Assim, o objetivo da profes-
sora foi o de usar o software para ajudar seus alunos a superar suas dificuldades
enquanto o objetivo da pesquisa foi investigar como a professora usaria o
software em sua prática e que dificuldades (e como) deveriam ser rompidas por
ela. O acompanhamento do desenvolvimento das sessões foi feito por meio de
relatórios e entrevistas. A professora preenchia uma ficha indicando a data e
a duração de cada sessão e a família de exercícios em que cada aluno estava
ao final da sessão. Além disso, participamos pessoalmente de três sessões: a
primeira e outras duas escolhidas ao acaso. Para o início e inclusive durante
a realização da experimentação, sempre conversávamos sobre as decisões a
serem tomadas, caminhos a seguir, mas a decisão sempre foi da professora.
Na verdade, nossas conversas giravam mais em torno do funcionamento do
software e dos acontecimentos durante as aulas, ou seja, dos relatos de aula.
Assim, a professora decidiu que os alunos começariam na família D1,
primeiro nível de equações, fariam algumas listas de exercícios e decidiriam
quando fazer um teste. Em seguida, caberia a eles a decisão de passar para a
família seguinte de exercícios ou continuar na mesma família até melhorar
a pontuação obtida. A Tabela 1 mostra exercícios típicos das seis primeiras
famílias.
A escolha do software educacional e a proposta pedagógica do professor 235

Tabela 1. Exercícios típicos das 6 primeiras famílias.

O objetivo da experimentação, relativamente à aprendizagem dos


alunos, era, por um lado, dar-lhes autonomia e torná-los responsáveis por sua
aprendizagem, ou seja, eles deveriam tentar buscar encontrar o que haviam
errado e, a partir daí, tentar compreender seu erro. Por outro lado, como eles
tinham dificuldade com o tópico equações, que já era, teoricamente, visto nos
anos anteriores, mas tinham enormes dificuldades, o objetivo da professora
era tentar superar essas dificuldades. Com esses objetivos, o tipo de feedback
oferecido pelo software foi fundamental, pois quando os alunos resolviam
uma lista de exercícios tinham ajuda do software quanto à verificação dos
passos desenvolvidos: Aplusix indicava a etapa em que havia um erro, caso
houvesse, sem, entretanto, dizer qual era esse erro, que deveria ser identificado
e corrigido pelo aluno. Para a correção, o aluno analisava detalhadamente sua
produção, tentando ver o que estava errado. Caso não conseguisse, chamava
a professora. É importante ressaltar que, em um trabalho em sala de aula,
muito dificilmente o professor consegue acompanhar o trabalho individual de
cada aluno o tempo todo. Em geral, o aluno deve acompanhar uma correção
no quadro negro e identificar seu erro, ou seja, ao resolver uma determinada
equação, ele obtém como solução 5, por exemplo, e o professor, no quadro
negro, obteve 6, entretanto, ele não consegue identificar em qual etapa seu
raciocínio difere daquele do professor, não identificando onde está seu erro.
Acontece, então, muito frequentemente, de o aluno chamar o professor, pois
236 M. BITTAR

não consegue identificar, apesar da correção, onde está seu erro ou então ele
apaga tudo o que fez e copia o que está no quadro-negro. Do ponto de vista da
aprendizagem, muito se perde, uma vez que a correção é feita sobre a produção
do professor e não sobre a produção do aluno.

Realização e Análise da Experimentação

Quando o aluno resolvia fazer um teste para avaliar seu trabalho, ele
tinha, imediatamente, ao final, sua pontuação, e podia ver o que havia errado,
inclusive tendo, nesse momento, o direito de corrigir o que errou, ganhando
as retroações do software. Essa funcionalidade do Aplusix foi muito apreciada
pelos alunos, pois, como afirmaram vários deles ao serem entrevistados: “A
gente não precisa esperar para saber como se saiu no teste e pode fazer isso
sozinho”. A partir das retroações do software, eles tentavam compreender o
que não estava correto em suas resoluções, chamando o professor somente
quando não conseguiam superar essas dificuldades.
O nível de autonomia dos alunos cresceu a cada sessão. Cada estudante
trabalhou de acordo com seu nível, o que é muito diferente de uma situação em
sala de aula com papel e lápis, pois, nesse caso, o professor prepara um trabalho
(lista, por exemplo) para toda a classe, uma vez que dificilmente conseguirá
elaborar listas diferentes para atender às necessidades especiais de cada aluno.
O que se observa nesses casos é que os alunos mais avançados perdem o inte-
resse e aqueles com maiores dificuldades não conseguem acompanhar a média
da turma. O que pretendemos com essa proposta foi analisar, junto com a
professora, se esse software realmente favoreceria um trabalho que respeitasse
as diferentes posições de cada sujeito relativamente ao saber15. A análise das
realizações das sessões permitiu observar justamente a presença dessa variável
no trabalho proposto. Alguns alunos trabalharam mais de uma família em uma

15
  Permitindo que o aluno trabalhe de acordo com seu tempo e dificuldades, o
professor poderá melhor identificar onde estão as reais dificuldades dos alunos e
como eles podem superá-las, ou que tipo de situação pode elaborar para favorecer
a superação de tal dificuldade. Esse não foi, porém, o objetivo central de nossa
investigação.
A escolha do software educacional e a proposta pedagógica do professor 237

mesma sessão e outros ficaram mais de uma sessão em uma mesma família. Isso
se deu em virtude dos resultados obtidos por eles nos testes. Vale lembrar que
eles decidiam quando mudar ou não de família.
Do total de 60 alunos, 54 participaram de pelo menos cinco sessões, de
uma ou duas horas, e como eles escolheram o momento de mudar de família de
exercícios, eles atingiram diferentes famílias ao longo das sessões, tendo, assim,
diferentes progressões. A Tabela 2 mostra essas progressões: a maioria dos
estudantes (34) atingiu as famílias 3 ou 4. Isso significa que, em uma situação
usual, todos os alunos ficariam retidos nessas famílias, porém observamos isso
não ocorrendo tendo 19 alunos nas famílias 5 ou 6, ou seja, que tiveram outro
tipo de progressão.

Nº de horas
trabalhadas 5 6 7 8 9

Famílias atingidas 3 4 5 2 3 4 5 2 3 4 5 6 2 3 4 5 6 3 4 5 6

Nº de alunos que
atingiram cada 1 1 1 1 1 3 5 1 3 2 1 2 1 5 2 5 1 8 6 2 2
família
Tabela 2. Distribuição de alunos em relação ao número total de horas traba-
lhadas e às famílias de exercícios atingidas.

Outro fator importante a ser observado é a postura dos alunos diante


do resultado obtido por eles nos testes. Apesar de ter sido definido que os
testes serviriam somente para autoavaliação e que a professora não levaria em
consideração os resultados obtidos para a avaliação da disciplina, os alunos
queriam ter sempre uma pontuação bem próxima da máxima. Quando isso não
acontecia, eles analisavam seus erros e tentavam novo teste para ver se tinham
uma pontuação melhor. Essa postura foi bastante marcante e diferente de uma
situação usual. Em geral, um aluno que tira nota 8 está satisfeito, porém, nessa
pesquisa, mesmo essa nota sendo somente para seu controle pessoal, ele queria
atingir o máximo, o que o motivou a procurar descobrir e sanar seus erros
-- fator esse fundamental como provocador de aprendizagem. É possível que
isso seja devido somente à vontade de “ganhar de máquina, mas de todo modo,
238 M. BITTAR

do ponto de vista da aprendizagem, é importante observar o ganho que o aluno


está tendo nesse momento, quando tenta obter uma nota cada vez melhor,
haja vista que, para isso, ele precisa conseguir corrigir seus erros.
A função do professor nesse experimento foi principalmente de
oferecer ajuda em momentos precisos. Essa ajuda foi feita de modo individual
ou coletiva, quando alguma questão era levantada por mais de um aluno e que
ela considerava importante discuti-la com todo o grupo de alunos. Durante a
avaliação da experimentação, a professora afirmou que a forma de trabalho
desenvolvida no laboratório deu-lhe mais tempo para se dedicar a alunos em
dificuldades. Isso se deve ao fato de que, com a retroação do software, pequenas
dúvidas eram resolvidas sem a presença da professora no que diz respeito à
maioria dos alunos. Somente aqueles em sérias dificuldades demandavam
maior atenção. Por outro lado, o Mapa de Testes permitiu que cada aluno avan-
çasse de acordo com suas dificuldades sem que fosse preciso que a professora
preparasse exercícios adaptados a cada aluno. Essa foi outra vantagem relatada
pela professora. Se levarmos em consideração a excessiva carga horária dos
professores, um instrumento que possa ajudar em seu trabalho cotidiano e,
ao mesmo tempo, respeite a individualidade de cada aluno será muito bem
vindo.
No final da experimentação realizamos um teste com os estudantes e os
resultados foram comparados aos obtidos no teste de março e abril de 2004. Foi
observada uma evolução significativa individual dos estudantes. Entretanto,
algumas dificuldades ainda foram detectadas, o que indica que o número de
sessões não foi suficiente para permitir que todos os alunos avançassem signifi-
cativamente em todas as famílias de exercícios sobre equações.
Uma importante observação a ser feita e que consideramos um dos
pontos a serem novamente pesquisados é o grau de autonomia que o professor
adquire com esse tipo de material relativamente ao pesquisador. Ou seja, as
decisões sobre o que fazer, como continuar, quanto tempo ficar em uma lista,
quando sugerir que um aluno troque de lista e que tipo de explicações dar,
foram todas de responsabilidade da professora responsável pela classe. E esse
era nosso objetivo: se quisermos discutir a integração de um instrumento no
processo de ensino e aprendizagem é necessário discutir formas de trabalho
que deem autonomia ao professor.
Os resultados dessa experimentação levaram a planejar outras experi-
A escolha do software educacional e a proposta pedagógica do professor 239

mentações com um número maior de alunos e de professores. No ano de 2005


foi constituído um grupo de oito professores com 2 classes do 7º ano, 8 classes
do 8º ano e 8 classes do 9º ano, para estudar, paralelamente, possibilidades
do uso de um software para a aprendizagem da Álgebra e como os professores
integram o Aplusix em sua prática pedagógica.

Concluindo...

Nesta conclusão é retomada a discussão sobre escolha de um software


seguida de uma rápida reflexão sobre a formação de professores.
como escolher um software para o uso com os alunos?
Uma vez que a escola possui um laboratório de informática disponível
aos alunos, e que o uso da informática é uma realidade para o professor, cabe
a ele escolher o material que se adeque às suas propostas de trabalho. Nesse
momento é preciso considerar, primeiramente, o conteúdo que se pretende
trabalhar com os alunos e os objetivos de aprendizagem. Em seguida, a escolha
do software deve corresponder às necessidades do professor, que, para optar de
maneira consciente, deve conhecer as possibilidades do software assim como os
objetivos principais declarados pelo construtor do programa. Podemos observar
isso no caso da pesquisa relatada neste texto. O conhecimento da professora
sobre as possibilidades das ferramentas contidas no software foi fundamental.
Saber o que significa quando o Aplusix indica uma não equivalência entre duas
etapas, conhecer as listas que são propostas, as possibilidades de retroação e
outras de suas funcionalidades foi fator fundamental, explorado por ela durante
as sessões sobre equações do 1º grau.
Não podemos correr o risco de usar a informática como um “apên-
dice” do curso habitual, ou seja, o professor dá a aula da maneira como está
habituado, na maioria das vezes somente no ambiente papel e lápis, e, quando
leva os alunos ao laboratório, as atividades realizadas não contribuem com a
compreensão dos conceitos estudados. Muitas vezes trata-se apenas de veri-
ficar algo que foi feito em sala, como, por exemplo, no lugar de deixar o aluno
conjeturar sobre a relação entre o gráfico das funções y=f(x) e y=f(x)+k, o
professor anuncia o resultado em sala de aula e no laboratório os alunos apenas
observam o que foi falado. Ora, nesse caso o computador foi usado de forma
240 M. BITTAR

artificial e não foi explorado em sua potencialidade máxima como um meio


que pode oportunizar mudanças no processo de ensino e aprendizagem que
sejam de ordem do conhecimento.
A tecnologia deve, portanto, ser usada na Educação como mais um
instrumento de auxílio a um ensino em que o próprio aluno constrói seu conhe-
cimento. No caso da experimentação aqui analisada, quando o aluno resolvia
um exercício e o software lhe indicava um erro e ele tentava encontrar esse
erro analisando sua resolução, buscando, cada passo de seu raciocínio, cada
cálculo efetuado, ou seja, efetivamente analisando seu trabalhado, o que é raro
no estudo da álgebra, ele estava elaborando conhecimento. Ocorre, porém,
que, como já dito anteriormente, para que isso aconteça, o professor deve fazer
essa opção, o que implica conhecer as possibilidades do uso da tecnologia,
analisar o impacto do uso dessa ferramenta no ensino, estudar formas de sua
inserção de modo crítico e consciente em sala de aula, etc. Salienta-se aqui a
importância da leitura de resultados de experiências/pesquisas realizadas em
sala de aula. Muitos materiais estão disponíveis, inclusive via internet, e cabe
ao professor buscar algo que o ajude em sua tarefa de promover a aquisição do
conhecimento.
Por fim, é importante deixar claro que não há receitas miraculosas a
serem seguidas. Ao contrário, cada classe tem sua história, que deve ser consi-
derada na preparação do curso, e é o professor quem conhece essa história.
Ele, portanto, deve ser crítico e autônomo em suas escolhas, na procura e na
análise de material e também na elaboração de atividades usando o material
selecionado. Sem essa desejada autonomia, o professor será capaz somente de
repetir procedimentos que lhe foram passados, o que significa que, diante de
uma situação nova, que pode ser simplesmente o uso de um novo software
ou de novos alunos com diferentes dificuldades, ele não saberá o que fazer,
e necessitará constantemente de “novas receitas”. Além disso, é importante
não se fixar em um único software, pois cada material pode contribuir com
diferentes atividades possíveis de serem realizadas, o que favorece a aquisição
do conhecimento pelo aluno.
Voltando à lista de requisitos sobre a análise de softwares, é importante
observar que não será uma lista de itens ou ficha técnica a preencher que
resolverá o problema da escolha a ser feita pelo professor. É preciso ir além,
discutir desejos e necessidades de professores e alunos. Integrar a tecnologia
A escolha do software educacional e a proposta pedagógica do professor 241

na Educação significa que o professor se torna autônomo com relação ao uso


dessa ferramenta, que passa a ser utilizada em momentos em que ela se fizer
necessária, útil, conveniente...
E a formação de professores?
Experiências positivas têm sido feitas, porém, muitas vezes, parecem
passar longe dos verdadeiros interessados: professores e alunos. A análise da
experiência em cursos de formação continuada, de diversos formatos, e da
participação em cursos de formação inicial indica que a integração da tecno-
logia somente acontecerá quando o professor vivenciar o processo, ou seja,
quando a tecnologia representar um instrumento importante de aprendizagem
para todos, inclusive, e, sobretudo, para o professor. Afinal, somos reflexo de
nossas experiências. Além disso, é importante que a formação do professor
seja feita em serviço, em seu local de trabalho, vivenciando suas dificuldades
e seus problemas do dia a dia e durante um tempo que seja suficiente para o
amadurecimento das discussões acerca das situações vivenciadas. Finalmente,
cabe ressaltar que os cursos de formação inicial devem tomar para si a respon-
sabilidade de formar um professor apto a usar, em todas as suas dimensões, a
tecnologia, com seus alunos, o que raramente tem acontecido (BRANDÃO,
2005).

Referências

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ques, 1990, vol. 9, n°3, p. 281-307.
BITTAR, M. Diferentes aspectos do uso das novas tecnologias na aprendizagem
da matemática In: Anais do VII ENEM - Encontro Nacional de Educação
Matemática, 2001, Rio de Janeiro. São Paulo: SBEM - Sociedade Brasileira de
Educação Matemática, 2001. v. único.
BRANDÃO, P. C. R. O uso de software educacional na formação inicial do
professor de matemática: uma análise dos cursos de licenciatura em matemá-
tica do Estado de Mato Grosso do Sul. Dissertação de Mestrado, Universidade
Federal de Mato Grosso do Sul, Mestrado em Educação, Campo Grande,
2005.
242 M. BITTAR

D’AMBRÓSIO, U. e BARROS, J. P. D. Computadores, escola e sociedade,


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FAGUNDES L. et alii. Aprendizes do futuro: as inovações começaram.
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FAgundes, L. Problemas de desenvolvimento cognitivo e a interação com
a tecnologia. In: OLIVEIRA, Vera Barros (Org.). Informática em psicopeda-
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pour l’apprentissage de la notion de figure géométrique. Recherches en
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LÉVY, P. As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era da
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PAVANELO, R. M. O abandono do ensino da geometria no Brasil: causas e
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International Journal of Computers for Mathematical Learning. Vol. 9.
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ROSA, A. P. S. B. H.. Um estudo sobre o uso do software superlogo na orga-
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VALENTE, J. A. (Org.). Computadores e conhecimento: repensando a
educação. Campinas, SP: Gráfica da UNICAMP, 1993.
Educação Matemática, Tecnologia e Formação de Professores: Algumas Reflexões
pp 243-272
Copyleft 2010 by Willian Beline e Nielce Meneguelo Lobo da Costa (Orgs)
Editora da FECILCAM | Campo Mourão - PR | http:// www.fecilcam.br/editora

Capítulo 10

FUNÇÃO LOGARÍTMICA: A UTILIZAÇÃO DO


SOFTWARE WINPLOT NA EXPLORAÇÃO DE
SITUAÇÕES GRÁFICAS

Tânia Maria Mendonça Campos1


Monica Karrer2
Silmara Alexandra da Silva Vicente3
Universidade Bandeirante Brasil – UNIBAN BRASIL

Resumo

Este artigo apresenta um estudo sobre o ensino e a aprendizagem de função logarít-


mica, tendo por base a teoria dos registros de representação semiótica de Duval (1993,
1995, 2000, 2003). Foram elaboradas quatro atividades que procuraram explorar
principalmente as conversões entre os registros gráfico, da língua natural escrita e
algébrico. Tais situações, aplicadas a futuros professores, atualmente estudantes do
curso de Licenciatura em Matemática de uma instituição particular de ensino superior
do Estado de São Paulo, foram desenvolvidas nos ambientes Winplot e papel & lápis.
Neste artigo serão apresentadas as atividades elaboradas, os principais resultados da
aplicação de duas delas, bem como a descrição do papel desempenhado pelo recurso
computacional.

Palavras-chave: Função logarítmica. Registros de representação Semiótica. Winplot.


Design Experiment.

1
  e-mail: taniammcampos@hotmail.com
2
  e-mail: mkarrer@uol.com.br
3
  e-mail: silalevicente@gmail.com
244 T. M. M. CAMPOS, M. KARRER e S. A. S. VICENTE

Introdução

Este artigo expõe um estudo relativo ao ensino e à aprendizagem de


função logarítmica, conteúdo desenvolvido na educação básica e normalmente
retomado nos cursos de Licenciatura em Matemática. O trabalho teve por
objetivo geral a elaboração, a aplicação e a análise de uma proposta de ensino
desse conteúdo, construído de forma a explorar suas diversas representações,
contando com o auxílio da ferramenta computacional Winplot.
Os estudos de Karrer (2006) sobre transformações e Pavlopoulou
(1993) sobre vetores, aplicados para estudantes do ensino superior, apontaram
certas dificuldades desses sujeitos em lidar com situações que envolviam
representações gráficas. Karrer (2006) ainda mostrou como uma ferramenta
computacional geométrica poderia auxiliar na minimização dessas dificuldades.
Gomes e Vicente (2008) utilizaram o software Winplot no desenvolvimento de
um trabalho referente ao ensino de reta tangente ao gráfico de uma função por
um ponto. Este trabalho, aplicado a estudantes do ensino superior, apresentou
como conclusão que a ferramenta utilizada facilitou a elaboração de conjec-
turas partindo de observações na tela, mas também revelou que os sujeitos
apresentavam dificuldades na interpretação gráfica e que eles não tinham o
hábito de avaliar, de forma crítica, suas produções escritas.
Em outra pesquisa sobre o ensino de logaritmos, realizada com estu-
dantes do ensino básico, Karrer (1999) elaborou uma sequência de introdução
a esse conceito baseada em situações-problema com a utilização de calculadora.
Ela observou que o trabalho com situações reais favoreceu o entendimento
da aplicação dos logaritmos e o uso da calculadora permitiu a elaboração de
estimativas. Ao mesmo tempo, na aplicação das atividades, a pesquisadora
detectou dificuldades por parte dos sujeitos em situações de interpretação e em
expressar e avaliar criticamente suas conclusões na língua escrita.
Ferreira e Bisognin (2007) realizaram um estudo sobre logaritmos
partindo de aspectos históricos e problemas reais, utilizando, para as cons-
truções gráficas, o software Winplot. Na aplicação do experimento, os alunos
puderam ter contato com uma abordagem mais significativa ao compreender
o surgimento e a evolução deste conceito. Com relação ao recurso computa-
cional utilizado, os autores destacaram que o mesmo favoreceu a comparação
entre os gráficos das funções exponencial e logarítmica.
Função logarítmica: a utilização do software Winplot ... 245

Dentre os estudos anteriormente citados, alguns têm como ponto


de convergência a evidência das dificuldades dos estudantes em lidar com
as representações gráficas e as da língua escrita. Outros destacam como
uma ferramenta computacional pode favorecer o processo de aprendizagem,
permitindo, por meio da visualização e da experimentação, a elaboração de
conjecturas, estimativas, comparações e relações.
Partindo dessas constatações, tivemos um interesse particular em
realizar um experimento sobre função logarítmica com vistas a acrescentar, aos
estudos já publicados, novas formas de relação com esse objeto matemático.
Sendo assim, apresentamos, neste artigo, uma abordagem para o ensino desse
conteúdo no ambiente Winplot, construída de forma a explorar suas diversas
representações, com foco nas relações entre o gráfico e a língua escrita, uma
vez que os estudos anteriormente citados apontaram dificuldades dos estu-
dantes principalmente em situações que envolviam essas duas representações.
O experimento elaborado foi aplicado a três estudantes do curso de Licen-
ciatura em Matemática, futuros professores do ensino básico, que já haviam
tido contato com o conteúdo de logaritmos. Sendo assim, listamos, a seguir, os
objetivos específicos deste estudo.
- Apresentar uma abordagem de ensino diferenciada sobre função
logarítmica, uma vez que essa abordagem tem por proposta o trabalho com
situações no ambiente Winplot, englobando principalmente relações usual-
mente não exploradas no ensino convencional, tais como as transformações
das representações gráficas em representações na língua natural escrita.
- Investigar como os sujeitos aprendentes lidam com essas conversões
que oportunizam a transformação das representações, evidenciando, caso
existam, as possíveis dificuldades.
- Investigar se essas dificuldades podem estar relacionadas ao fenô-
meno de congruência semântica.
- Avaliar o papel do software nesse processo.
Para a elaboração e a análise dos dados, foi utilizada a teoria dos regis-
tros de representação semiótica de Duval (1993, 1995, 2000, 2003) – teoria
apresentada brevemente nesta exposição. Para esse autor, o acesso a qualquer
objeto matemático é intermediado pela utilização de sistemas semióticos. Desta
forma, ele defende que, para a aprendizagem de um conceito matemático, é
necessário tratá-lo explorando as relações entre suas diversas representações.
246 T. M. M. CAMPOS, M. KARRER e S. A. S. VICENTE

Para Duval (1993, p. 41-42), um registro de representação semiótica é


definido como um sistema semiótico que deve permitir as três atividades cogni-
tivas fundamentais associadas à produção de uma representação semiótica:
a) a formação de uma representação identificável como uma repre-
sentação de um dado registro [...], na seleção de traços e dados no conteúdo a
representar [...];
b) o tratamento de uma representação, que é a transformação desta
representação no próprio registro em que ela foi formada [...];
c) a conversão de uma representação, isto é, a transformação dessa
representação em uma representação em outro registro, conservando a totali-
dade dessa representação ou somente uma parte do conteúdo da representação
inicial.
Uma conversão pode ser congruente ou não congruente. De acordo
com Duval (1995), há três critérios de congruência: a possibilidade de uma
correspondência semântica dos elementos significantes, a univocidade
semântica terminal e uma mesma ordem possível de disposição das unidades
significantes que compõem cada uma das duas representações. Caso uma
dessas condições não seja atendida, tem-se uma conversão não congruente.
O quadro seguinte contém exemplos dessa característica da atividade
cognitiva de conversão.

QUADRO 1: EXEMPLO DE CONVERSÃO


S i s t e m a
Tipo de Conversão Sistema ou Registro da Escrita Natural
simbólico-
algébrico
C o n v e r s ã o Conjunto de pontos com ordenada maior y>x
congruente que abscissa
Conversão Conjunto de pontos cujas ordenadas e x.y>0
não congruente abscissas têm o mesmo sinal
FONTE: DUVAL (2000, p. 63).1

Duval (2003) alerta para o fato de que existem conversões que


podem ser congruentes em um sentido e não congruentes no sentido oposto,
característica que o mesmo classifica como “fenômeno da heterogeneidade
da congruência”. Uma das preocupações do pesquisador refere-se ao fato de
Função logarítmica: a utilização do software Winplot ... 247

que, no ensino de Matemática, frequentemente não se leva em conta essa


característica. Consequentemente, um professor de Matemática pode consi-
derar, equivocadamente, que, se um estudante estabelece uma conversão em
um sentido, automaticamente ele terá condições de estabelecer a conversão
no sentido oposto.

Numerosas observações nos permitiram colocar em


evidência que os fracassos ou os bloqueios dos alunos,
nos diferentes níveis de ensino, aumentam consideravel-
mente cada vez que uma mudança de registro é necessária
ou que a mobilização simultânea de dois registros é
requerida. No caso de as conversões requeridas serem
não-congruentes, essas dificuldades e/ou bloqueios são
mais fortes. (DUVAL, 2003, p. 21).

Duval (2000) também estabelece uma classificação dos registros de


representação semiótica com relação à sua natureza. Nesse caso, eles podem ser
mono- ou multifuncionais. Enquanto o primeiro tipo é desenvolvido para uma
forma específica de tratamento, admitindo operações mais algoritmizáveis, o
segundo é usado em vários campos da cultura, tanto para fins de comunicação
como para tratamento, porém de forma não algorítmica. Como exemplos de
registros monofuncionais podem ser citados os sistemas numéricos, as notações
algébricas e os gráficos cartesianos e, como exemplos de multifuncionais, temos
a língua natural e a configuração de formas.
O pesquisador defende que, para o entendimento matemático, é impor-
tante estabelecer a coordenação entre pelo menos dois registros semióticos,
em que um é multifuncional e o outro monofuncional. Ele ainda alerta para o
fato de haver uma predominância de registros discursivos monofuncionais no
ensino de Matemática, principalmente nos níveis mais avançados de estudo.
Com base nessa constatação, procuramos elaborar uma abordagem sobre
função logarítmica incluindo relações entre registros monofuncionais (gráfico
e simbólico-algébrico) e o registro multifuncional da língua natural.
Vários pesquisadores, dentre eles Pavlopoulou (1993), Dias (1998),
Sierpinska, Dreyfus, Hillel (1999) e Karrer (2006), realizaram estudos com
base nessa teoria, evidenciando, dentre outros resultados, dificuldades dos
248 T. M. M. CAMPOS, M. KARRER e S. A. S. VICENTE

estudantes no estabelecimento de conversões, diferenças de desempenhos


quando se exploram sentidos contrários de conversão em uma mesma situação
e tendência do ensino em privilegiar determinados registros em detrimento
de outros. Conforme descrito anteriormente, Karrer (2006), em seu estudo
sobre transformações, ainda detectou dificuldades dos alunos principalmente
em situações que requeriam produções escritas e, da mesma forma que Pavlo-
poulou (1993), evidenciou problemas em tarefas que envolviam conversões
partindo do registro gráfico.
Como o nosso estudo também teve a intenção de analisar o papel
de uma ferramenta computacional no desenvolvimento das relações entre
os diversos registros no conteúdo de função logarítmica, apresentaremos, a
seguir, autores que trataram dessa temática e que contribuíram para a nossa
pesquisa.
Balacheff e Kaput (1996) analisaram o impacto da tecnologia no
ensino de Matemática e discutiram as novas questões que emergem com a
introdução do computador na educação, ressaltando a significativa necessi-
dade de mudanças de currículo e de desenvolvimento de pesquisas nessa área.
Os autores afirmam que o uso do computador no ensino ainda é modesto, mas
o impacto epistemológico ocorrido nas últimas décadas é muito significativo,
tendo em vista que não se projetava o fato de o computador tornar possível o
estabelecimento de manipulações diretas de objetos matemáticos e relações.
Nesse sentido, podemos citar alguns autores que tiveram a preocupação de
avaliar o impacto da utilização de ambiente tecnológico no ensino, como,
por exemplo, Foster (2006) e Gomes e Vicente (2008). Esses pesquisadores
constataram que os recursos computacionais auxiliaram no entendimento de
conceitos matemáticos, permitindo aos estudantes a elaboração e a verificação
de conjecturas.
Com base nesses estudos, procuramos desenvolver atividades sobre a
função logarítmica no ambiente Winplot. Do ponto de vista da base teórica
adotada, optamos por esse software pelo fato de ele permitir a visualização
simultânea das representações numérica, gráfica e algébrica, favorecendo a
atividade cognitiva de conversão entre esses três registros. Além disso, ele é
um software livre e possui opções de representação de gráficos bidimensionais
de uma forma simples e atrativa. Os recursos que essa ferramenta apresenta
em relação aos seus parâmetros de visualização, como, por exemplo, traçar
simultaneamente dois ou mais gráficos de funções no mesmo plano com cores
Função logarítmica: a utilização do software Winplot ... 249

variadas, auxiliam na comparação de diferentes situações e permitem ao


usuário estabelecer e testar conjecturas.
Dessa forma, partindo da constatação de Duval (2000) a respeito da
pouca exploração de registros multifuncionais no ensino de Matemática, dos
resultados das pesquisas anteriormente citadas que revelam principalmente as
dificuldades dos alunos em atividades de conversão entre os registros gráfico
e da língua natural escrita e, considerando a necessidade de pesquisas que
integrem ferramentas computacionais, justifica-se a necessidade deste estudo.
Para o desenvolvimento de nossa pesquisa, os registros foram devida-
mente classificados. A título de ilustração, apresentamos, no quadro seguinte,
exemplos de representações dos registros utilizados.

QUADRO 2: APRESENTAÇÃO DE EXEMPLOS DE REGISTROS E CONVERSÕES


Registro Exemplos de representações
Simbólico-Algébrico Representação simbólico-algébrica
f(x) = log(x);
Numérico Representação numérico-tabular
x F(x)=logx
1 0
10 1
100 2
Gráfico Representação gráfica

Língua natural Representação da língua natural escrita


Ex: A função logarítmica f(x)=logx intercepta o eixo das
abscissas no ponto (1,0).

Na seção seguinte, apresentaremos as atividades elaboradas, acompa-


nhadas cada qual de sua análise preliminar. Ainda, serão descritos os principais
resultados da aplicação de duas delas. Por fim, serão apresentadas as atividades
que compõem a continuidade deste estudo.
250 T. M. M. CAMPOS, M. KARRER e S. A. S. VICENTE

Apresentação das Atividades

Tanto para a elaboração das atividades quanto para a condução do


experimento, foi adotada a metodologia dos Design Experiments (COBB et alii,
2003). Esse tipo de metodologia tem por foco a elaboração de abordagens dife-
renciadas de um dado conteúdo matemático, visando avaliar novas propostas
de ensino. De acordo com essa metodologia, os experimentos podem ser apli-
cados em larga escala ou em um pequeno grupo de sujeitos. Neste último caso,
tem-se o objetivo de obter uma análise mais aprofundada dos dados obtidos.
Em nosso estudo, optamos pelo segundo tipo de aplicação, sendo os sujeitos
representados por três estudantes voluntários do curso de Licenciatura em
Matemática de uma instituição privada de ensino superior do Estado de São
Paulo. Eles já haviam tido contato com o conteúdo no ensino médio e, no
momento da aplicação do experimento, estavam retomando-o no curso de
Cálculo Diferencial e Integral I do ensino superior.
Nesta aplicação procuramos observar como esses sujeitos, futuros
professores de Matemática do ensino básico, estabeleceriam relações entre
as diversas representações do objeto matemático “logaritmos”. Em particular,
investigamos como esses estudantes lidariam com situações envolvendo
conversões pouco exploradas no ensino convencional, principalmente as trans-
formações do gráfico para a língua natural escrita e do gráfico para o registro
simbólico-algébrico. Por fim, procuramos avaliar a influência do software nesse
processo.
Durante a condução do design, o próprio pesquisador assumiu o papel
de professor, o que constitui uma das modalidades de trabalho nesse tipo
de metodologia. As interações do professor-pesquisador com os estudantes
restringiram-se ao estabelecimento de questionamentos e de reflexões, uma
vez que o foco dessa metodologia se encontra na análise do raciocínio dos
sujeitos e nas adaptações às suas trajetórias.
Os estudantes, que já conheciam o Winplot, realizaram as atividades
individualmente em um dos laboratórios de informática da instituição em dois
encontros extraclasse de aproximadamente uma hora e meia cada. A cada
encontro foi distribuída uma ficha a cada um deles, contendo o enunciado
das atividades propostas. Ainda foi realizada a captura das telas4 dos compu-

4
  A captura das telas foi realizada por meio do programa Irfanview32.
Função logarítmica: a utilização do software Winplot ... 251

tadores utilizados por esses estudantes, a fim de avaliar suas construções nesse
ambiente. Durante a condução do design, o professor-pesquisador realizou
questionamentos a partir das produções parciais apresentadas pelos sujeitos.
Para capturar esses diálogos, cada estudante recebeu um gravador no início
da seção. Desta forma, para a análise dos dados coletados, foram utilizados
três tipos de instrumentos: a produção escrita presente nas fichas distribuídas,
a produção oral proveniente dos diálogos estabelecidos entre o professor-
pesquisador e os sujeitos e as construções das telas capturadas.
Com o intuito de explorar as diversas conversões, optamos por utilizar
o software Winplot naquelas que envolviam o registro gráfico, uma vez que ele
possibilita, conforme já relatado, o trabalho simultâneo com três diferentes
registros: o gráfico, o simbólico-algébrico e o numérico. A figura seguinte
contém um exemplo da tela desse software, com a presença simultânea desses
três registros da função logarítmica de base 10, ou seja, de f(x)=logx.

Figura 1: Apresentação das três representações do logaritmo na tela do


software Winplot
252 T. M. M. CAMPOS, M. KARRER e S. A. S. VICENTE

Com base nesses recursos, foram elaboradas quatro atividades. A


primeira teve por objetivo investigar que recursos os estudantes utilizariam
para justificar situações visuais relativas à função logarítmica. Nessa seção,
as tarefas foram elaboradas de modo a requerer conversões entre os registros
gráfico e da língua natural escrita e entre os registros gráfico e simbólico-
algébrico, envolvendo, assim, tanto registros mono- como multifuncionais.
Apresentamos, no quadro seguinte, algumas tarefas dessa primeira atividade.

QUADRO 3: APRESENTAÇÃO DA ATIVIDADE 1

Tarefa a) Traçar o gráfico de f(x)=log(x), estipulando no software o intervalo


x∈[-5,5]. Observar para que valores de x essa função é definida.
Tarefa b) Por meio da análise do gráfico de f(x)=log(x), quais valores de x
correspondem a log(x)<0? E quais correspondem a log(x)>0?
Tarefa c) Se alterarmos no software o intervalo de x estipulado inicialmente,
em algum momento o gráfico interceptará o eixo y? Justifique.

Essas tarefas requerem conversões envolvendo o registro gráfico. De


acordo com Duval (1995), as mesmas tarefas representam situações em que se
torna necessário observar os diferentes valores possíveis das variáveis visuais
pertinentes no registro gráfico, colocando-as em relação com os símbolos
correspondentes em outro registro.
Na Tarefa a, apesar de o enunciado solicitar que x∈ [-5,5], o gráfico na
tela só é representado no intervalo em que x>0, dada a condição de existência
do logaritmo, conforme ilustrado a seguir.
Função logarítmica: a utilização do software Winplot ... 253

Figura 2: Gráfico da função f(x) = logx – Tarefa a – Atividade 1


Nessa situação, pretendíamos observar se os estudantes produziriam
justificativas coerentes diante de suas percepções visuais, ou seja, se consegui-
riam justificar o motivo de o software não esboçar o gráfico no intervalo em que
-5≤x≤0. Na presente tarefa, os estudantes não demonstraram dificuldades
em operar com o software. Além disso, eles conseguiram justificar, no registro
da língua natural escrita, o motivo de o gráfico não estar presente no intervalo
[-5,0]. Com isso, a conversão entre os registros gráfico e da língua natural
escrita ocorreu de forma satisfatória. Apresentamos, a seguir, a resposta dada
pelo Estudante A para a questão:

FIGURA 3: Produção escrita do Aluno A – Tarefa a - Atividade 1


254 T. M. M. CAMPOS, M. KARRER e S. A. S. VICENTE

Já no desenvolvimento da Tarefa b, o Estudante B mostrou-se preso


aos registros gráfico e numérico da tela, uma vez que, por exemplo, avaliou
que logx<0 para x pertencente ao intervalo [0,2;1[ e não para ]0,1[, conforme
apresentado a seguir.

FIGURA 4: Produção escrita do Aluno B – Tarefa b - Atividade 1

O professor-pesquisador solicitou ao Estudante B que explicasse


oralmente o motivo de ter colocado que “log(x)<0 para os valores [0,2;1[”.
O estudante alegou que a resposta foi dada com base nos dados da tabela
apresentada na tela do computador. O Winplot possui um recurso denominado
“tabela” e que fornece alguns pontos do gráfico. Pode-se observar que, nesse
caso, o software adotou a escala de 0,2 e, na tabela fornecida, a função passou a
ser definida a partir do valor 0,2, conforme ilustrado na figura seguinte.
Função logarítmica: a utilização do software Winplot ... 255

FIGURA 5: Construção realizada pelo Estudante B – Tarefa b – Atividade 1

Com isso, constatamos, na produção desse sujeito, problemas nas


conversões do gráfico para a língua natural e do gráfico para o registro simbó-
lico-algébrico, provavelmente ocasionados pelas características intrínsecas do
ambiente computacional utilizado.
Além disso, o aluno não observou que, quando x=1, log(x)=0,
incluindo incorretamente esse valor como verdadeiro para a condição log(x)>0.
O professor-pesquisador realizou questionamentos sobre essa produção. O
estudante afirmou que incluiu x=1 na sua resposta “sem querer”. Em seguida,
256 T. M. M. CAMPOS, M. KARRER e S. A. S. VICENTE

observou os valores presentes na tabela que construiu e prontamente relatou


que quando x=1, logx=0. O professor-pesquisador pediu para que ele expli-
casse por que isso ocorre. O Estudante B afirmou oralmente que “logaritmo de
um sempre vale zero”.
A problemática da condição de existência fornecida pelo recurso da
tabela do software foi discutida coletivamente com todo o grupo ao final do
encontro. O Estudante B apresentou sua conclusão para os outros sujeitos e
todos alteraram, a pedido do professor-pesquisador, o intervalo presente na
tabela, por meio do comando “Parâmetros” existente no Winplot. Os estudantes
atribuíram vários parâmetros e observaram que o valor 0,2 obtido pelo Estu-
dante B na primeira tentativa não era constante, ou seja, alterava de acordo
com o parâmetro fixado no software. A seguir, apresenta-se a seleção de uma
das escalas realizadas pelo Estudante B.
Função logarítmica: a utilização do software Winplot ... 257

FIGURA 6: Tabela construída pelo Estudante B – Tarefa b – Atividade 1

Essa discussão evidenciou a importância de se ter uma visão crítica


quanto ao uso de um software, avaliando suas possíveis especificidades.
Ainda nessa tarefa, o Estudante C apresentou dificuldades em efetuar
a conversão não congruente do gráfico para o registro simbólico-algébrico,
tendo em vista que apresentou a seguinte resposta:
258 T. M. M. CAMPOS, M. KARRER e S. A. S. VICENTE

FIGURA 7: Produção escrita do Estudante C – Tarefa b - Atividade 1

A conversão requerida é não congruente. Isso é assim porque, por


exemplo, log1=0 corresponde ao ponto (1,0) no gráfico. Como 1 é 100, não
existe univocidade semântica terminal entre as representações.
O professor-pesquisador pediu que o Estudante C avaliasse sua
produção escrita. O aluno relatou oralmente que “o logaritmo é negativo
quando x está entre 0 e 1 e positivo quando x é maior do que 1”. O professor-
pesquisador pediu que ele comparasse o que estava relatando oralmente com
o apresentado no papel, porém, o aluno não detectou o seu erro. Observamos,
então, que esse aluno apresentou dificuldades em representar, no registro
simbólico-algébrico, o que relatava oralmente. Interpretamos que tal dificul-
dade decorreu da não congruência da conversão requerida. Observamos que a
leitura não foi feita em relação aos pares ordenados e à linguagem algébrica.
Na Tarefa c, todos os alunos “experimentaram” outros intervalos no
software e concluíram que o gráfico nunca interceptará o eixo y. Quanto às
justificativas escritas, observamos que os Estudantes A e B não especificaram
a impossibilidade de o gráfico interceptar o eixo y com base no fato de o loga-
ritmo não existir para x=0. Suas produções escritas refletem apenas que o
logaritmo não existe para x<0. O professor-pesquisador perguntou a esses dois
estudantes, individualmente, o que aconteceria com o gráfico quando x fosse
igual a zero. Ambos disseram que não haveria gráfico, uma vez que log(x) não
existe quando x é igual a zero. O Estudante A prontamente observou que não
havia inserido essa condição em sua justificativa para a Tarefa c. O Estudante B
não percebeu a falta dessa condição em sua resposta, mas alegou que, com base
nos valores da tabela fornecida pelo software, mesmo quando os parâmetros
eram alterados, a função continuava indefinida para valores menores ou igual
a zero. Com esse episódio, observamos que o Estudante B procurou testar suas
conjecturas utilizando os recursos da ferramenta computacional, buscando, no
registro numérico, subsídios para sua afirmação.
A título de ilustração, apresentamos, a seguir, uma das representações
no software construída pelo Estudante B.
Função logarítmica: a utilização do software Winplot ... 259

FIGURA 8: Construção realizada pelo Estudante B – Tarefa c – Atividade 1

Consideramos, nessa situação, que o Winplot representou um ambiente


propício para experimentações. A seguir, a título de ilustração, apresenta-se a
produção do Estudante B, a qual também demonstra confusões entre os eixos
x e y, o que interpretamos novamente como decorrente da não congruência
entre as representações:

FIGURA 9: Produção escrita do Estudante B – Tarefa c – Atividade 1


260 T. M. M. CAMPOS, M. KARRER e S. A. S. VICENTE

Ao ser questionado sobre a afirmação de que “y se aproximará de 0”,


o mesmo indicou no gráfico que a representação se aproxima da origem do
sistema, mas não soube evidenciar que quando x tende a 0, y tende a -∞.
Apesar disso, quando solicitado pelo professor-pesquisador, o aluno identificou
corretamente, no registro gráfico, os eixos x e y.
Nessa mesma tarefa, o Estudante C foi o único que soube justificar
coerentemente a situação proposta, conforme exposto a seguir.

FIGURA 10: Produção escrita do Estudante C – Tarefa c – Atividade 1



Nesse primeiro momento, as produções escritas apresentadas pelos
sujeitos mostraram que todos procuraram relacionar a representação gráfica
com as representações algébrica e da língua natural escrita, apesar das dificul-
dades anteriormente citadas. Ainda, observamos a busca do Estudante B pelo
registro numérico (tabela) para testar suas conjecturas. Identificamos que as
dificuldades em realizar tratamentos no interior do registro algébrico e a falta
de domínio da simbologia inerente a esse tipo de registro geraram problemas
no estabelecimento da conversão não congruente entre o gráfico e o registro
algébrico.
Ao final das atividades desse encontro, o professor-pesquisador resolveu
discutir coletivamente com os sujeitos sobre a importância de se estabelecer
uma postura crítica frente às relações entre aspectos visuais e teóricos e quanto
à consideração tanto das vantagens como das limitações do uso do software.
O quadro seguinte contém o enunciado da segunda questão proposta.
Função logarítmica: a utilização do software Winplot ... 261

QUADRO 4: APRESENTAÇÃO DA SEGUNDA ATIVIDADE DO


EXPERIMENTO
Tarefa a) Em um novo arquivo do Winplot , construir os gráficos de:
a) f1(x)=log2x b) f2(x)=log5x c) f3(x)=logx d) f4(x)=log1/2x e) e) f5(x)=log1/3x
Avalie o que existe em comum entre esses gráficos. Justifique sua resposta.
Tarefa b) Avaliar, pelo gráfico, para que intervalo de x, log 1 x > log 1 x .
2 5

Na Tarefa a dessa atividade foram propostas situações de análise dos


invariantes de uma função logarítmica, independente de sua base. O objetivo
consistiu em fornecer variações nas unidades cognitivas do registro algébrico
para verificar as variações no registro a ele associado, no caso, o registro
gráfico. Pretendíamos avaliar se o estudante relataria e justificaria, de alguma
forma, que os gráficos de f(x)=logax (x>0, a>0 e a≠1), independente da
base a, interceptam o eixo x no ponto (1,0) e que nenhum intercepta o eixo
y. O software permite a representação simultânea de todos os gráficos em um
mesmo plano, fato que favoreceu a visualização desses invariantes, conforme
ilustrado a seguir.

Figura 11: Apresentação dos gráficos na tela do Winplot – Tarefa a -


Atividade 2
262 T. M. M. CAMPOS, M. KARRER e S. A. S. VICENTE

Essa tarefa envolveu conversões entre os registros gráfico e simbólico-


algébrico e entre os registros gráfico e da língua natural escrita. Já a Tarefa
b procurou comparar logaritmos de bases diferentes, requerendo enfrentar o
fenômeno da não congruência que se manifesta na conversão da representação
gráfica para a representação algébrica.
Com relação à Tarefa a, observamos que os Estudantes A e C conse-
guiram construir os gráficos, analisar suas características comuns e justificar,
no registro da língua natural escrita, os invariantes das funções propostas. Já
o Estudante B, apesar de observar que os gráficos das funções logarítmicas
interceptam o eixo x e não o eixo y, mostrou dificuldades na conversão do
gráfico para a língua natural escrita, tendo em vista que apresentou uma
produção confusa e novamente com problemas na interpretação gráfica. A
seguir, apresentamos as justificativas escritas dos Estudantes B e C para esta
tarefa.

Estudante B:

Estudante C:

Figura 12: Produções escritas dos Estudantes B e C – Tarefa a – Atividade 2

O professor-pesquisador questionou o Estudante B a respeito de sua


afirmação sobre o paralelismo dos gráficos. Ele verbalizou que essa descrição
foi dada porque todos têm o mesmo “formato”. Observamos que a represen-
tação da língua natural escrita nem sempre reflete o que o estudante deseja
Função logarítmica: a utilização do software Winplot ... 263

expressar. Duval (2003) afirma que o ensino superior dificilmente explora os


registros multifuncionais e, provavelmente, tal fato tenha acarretado, nesse
estudante, dificuldades nesse tipo de representação. O mesmo aluno afirmou
que “y se aproxima de zero, mas nunca é menor que zero”. Ao ser questionado,
ele revelou novamente confusões na leitura gráfica. Dessa forma, observamos
que ele não estabeleceu correspondências dos pares ordenados às unidades do
registro gráfico, ou seja, interpretamos que as dificuldades apresentadas estão
relacionadas à não congruência entre as representações. Na Tarefa b, os estu-
dantes construíram os dois gráficos no mesmo plano, conforme exemplificado
na figura seguinte.

Figura 13: Apresentação dos gráficos na tela do Winplot – Tarefa b -


Atividade 2

Com relação a essa tarefa, notamos que os Estudantes A e C obser-


varam que a condição seria válida para x<1, mas nenhum deles especificou que
0<x<1. O Estudante A recorreu ao registro numérico, ou seja, transcreveu
264 T. M. M. CAMPOS, M. KARRER e S. A. S. VICENTE

no papel alguns valores numéricos extraídos de uma tabela criada na tela do


software. Já o Estudante B demonstrou dificuldades em efetuar a conversão
do gráfico para o algébrico, uma vez que concluiu que log 1 x > log 1 x seria
verdadeira para qualquer valor de x. 2 5
Apresentamos, a seguir, as produções dos Estudantes A e B:

Estudante A:

Estudante B:

FIGURA 14: Produções dos Estudantes A e B – Tarefa b - Atividade 2

A resolução do Estudante A, apesar de apresentada com problemas


no rigor da escrita matemática, reflete um primeiro movimento de busca
da leitura do mesmo dado em dois registros, favorecido pela conversão
provocada pela atividade. Isso pode ser assim entendido porque é
possível observar, pelas suas notações escritas, que ele mesmo procurou
estabelecer que, se x=1,2, log 1 x = −0,26303 e log 1 x = −0,11328
2 5
para, em seguida, efetuar a comparação dos resultados. Ao ser interro-
gado pelo professor-pesquisador a respeito da condição de existência do
logaritmo, o estudante observou que a resposta correta seria para 0<x<1.
O Estudante B, apesar de ter construído corretamente os gráficos em
uma mesma tela, não soube interpretar a situação requerida, avaliando
a desigualdade dos logaritmos exclusivamente pela comparação dos
valores numéricos das bases dos logaritmos, ou seja, relatou oralmente
que “ log 1 x > log 1 x é sempre verdadeira porque 1 é sempre maior
2 5 2
do que 1 ”. Conforme observado nas suas produções anteriores, esse
5
sujeito já havia apresentado dificuldades em estabelecer relações entre os
Função logarítmica: a utilização do software Winplot ... 265

registros solicitados.
Em geral, observamos que as conversões requeridas não são transfor-
mações nas quais os estudantes apresentam facilidades. Os relatos orais foram
primordiais, pois nos forneceram mais dados para avaliar a real compreensão
desses sujeitos. É provável que tais dificuldades ocorram pelo fato de essas
conversões, em especial a transformação entre gráfico e língua natural escrita,
não constituírem uma prática usual no ensino de Matemática.
Apresentando uma análise individualizada de cada sujeito, pôde-se
observar que o Estudante A mostrou um bom conhecimento dos registros
envolvidos nas atividades e habilidade em coordenar as conversões entre esses
mesmos registros. Nos momentos em que apresentou respostas incompletas,
frequentemente detectou esses problemas quando questionado pelo professor-
pesquisador.
O Estudante B, na maior parte do experimento, mostrou difi-
culdades em estabelecer as conversões requeridas. É provável que tais
dificuldades decorram do fato de as conversões entre as representações
serem não congruentes, nas diversas situações propostas. Isso pôde
ser constatado, por exemplo, quando ele apresentou problemas de
interpretação gráfica. Ao afirmar que log 1 x > log 1 x é verdadeiro
2 5
para qualquer x, esse aluno não estabeleceu a relação entre o registro gráfico e
o algébrico, uma vez que ele apenas comparou os valores das bases. Apesar de
esse aluno inicialmente se fixar exclusivamente nas representações fornecidas
pelo software, ele utilizou seus recursos para testar suas conjecturas, principal-
mente o da tabela de valores.
O Estudante C mostrou grande habilidade em resolver situações que
requeriam a conversão do gráfico para a língua natural, porém, quando a situ-
ação envolveu o registro simbólico (cf. descrito na atividade 1), o estudante
apresentou dificuldades na conversão.
Diante das dificuldades apresentadas pelos estudantes, o professor-
pesquisador solicitou explicações verbais, a fim de compreender o que eles
estavam querendo representar. Em diversos momentos, a produção verbal
revelou que os estudantes possuíam uma compreensão satisfatória da situação
requerida, o que não se refletia em suas produções escritas.
A seguir, apresentaremos sugestões de outras duas atividades que
266 T. M. M. CAMPOS, M. KARRER e S. A. S. VICENTE

compõem a continuidade deste estudo. A primeira refere-se à análise gráfica


de funções inversas, por meio do reconhecimento da simetria em relação à reta
y=x e consequente determinação da lei algébrica da inversa. Essa atividade
envolve conversões entre os registros gráfico e algébrico.

QUADRO 5: APRESENTAÇÃO DA TERCEIRA ATIVIDADE DO


EXPERIMENTO
Construa na tela do Winplot o gráfico de f(x) = log(10x+3), com
Na mesma tela, construa a função g(x) = x. Usando o comando reflect
(one), determine o gráfico da reflexão de f(x) em torno de x=y. Procure
estabelecer a lei algébrica da função partindo do gráfico obtido.

A figura seguinte apresenta a construção dessa atividade na tela do
computador.

Figura 15: Apresentação dos gráficos na tela do Winplot – Atividade 3


Função logarítmica: a utilização do software Winplot ... 267

Espera-se que o estudante observe que gráficos simétricos em relação


à reta y=x são de funções inversas. Dessa forma, sendo f(x)=log(10x+3),
com D(f)=] e Im(f)= ℜ , a lei da função inversa é dada por f-1(x) =

, sendo D(f-1)= ℜ e Im(f-1)= ] .

Na próxima atividade tem-se o objetivo de proporcionar uma situação


que permita ao estudante avaliar e generalizar o efeito gráfico de somar um
valor constante a ao x em f(x)= log(x) e de multiplicar um valor constante a
por x em f(x)=log(x). A tarefa envolve conversões entre os registros algébrico
e gráfico e entre o algébrico e o da língua natural escrita. A atividade foi
elaborada de modo a fornecer variações nas unidades cognitivas do registro
algébrico para verificar as variações no registro gráfico.

QUADRO 6: APRESENTAÇÃO DA quarta ATIVIDADE DO


EXPERIMENTO
Tarefa 1. Análise do efeito gráfico: f1(x)=log(x+a) e f2(x) = log(a.x)
Construir os gráficos de f(x)=logx, g(x)=log(x+1) e h(x)= log(x+2).
Compare os gráficos obtidos. Sem construir o gráfico no Winplot, escreva
em que ponto o gráfico de i(x)=log(x-10) interceptará o eixo x. Justifique.
Tarefa 2. Construir os gráficos de f(x)=logx, g(x)= log(2x) e h(x)=log(3x).
Compare os gráficos obtidos. Sem construir o gráfico no Winplot, avalie em
que ponto o gráfico de i(x)=log(15x) interceptará o eixo x. Justifique.

Ao desenvolver a atividade no Winplot, na tela aparecerão as seguintes


construções:
268 T. M. M. CAMPOS, M. KARRER e S. A. S. VICENTE

Figura 16: Apresentação dos gráficos na tela do Winplot –Atividade 4

Nessa atividade se espera que o aluno desenvolva generalizações


algébricas das funções partindo de análises gráficas, estabelecendo conversões
entre o registro gráfico e o algébrico. A seguir, apresentaremos as conclusões
deste estudo.
Função logarítmica: a utilização do software Winplot ... 269

Considerações Finais

Em síntese, este artigo procurou apresentar a descrição e a análise de


um experimento de ensino sobre função logarítmica, elaborado com auxílio
do software Winplot e com a intenção de explorar conversões pouco usuais
no ensino convencional, principalmente as transformações do gráfico para a
língua natural escrita e do gráfico para o simbólico-algébrico. Pesquisas ante-
riormente citadas neste artigo forneceram a motivação para a elaboração desse
experimento, tendo em vista que apontaram as especificidades e vantagens
de estudos com recursos computacionais e revelaram as dificuldades dos
estudantes em expressar suas compreensões na língua natural escrita e nas
conversões envolvendo o registro gráfico. Ainda, com base na afirmação de
Duval (2000) com relação à pouca valorização dos registros multifuncionais,
procuramos construir uma abordagem que integrasse a língua natural escrita. O
experimento elaborado foi aplicado individualmente a três estudantes do curso
de Licenciatura em Matemática, futuros professores da educação básica, com
a finalidade de avaliar suas produções diante de uma abordagem diferenciada
de função logarítmica.
Em linhas gerais, em consonância com os resultados obtidos por Pavlo-
poulou (1993), Sierpinska, Dreyfus, Hillel (1999) e Karrer (2006), também
foram detectadas certas dificuldades dos estudantes no estabelecimento de
conversões e problemas na expressão escrita. O Estudante A foi o que revelou
maior domínio de cada registro e uma postura crítica frente à sua produção.
Consequentemente, o mesmo teve êxito na resolução da maioria das situa-
ções propostas. Pela análise das produções do Estudante B, foram observadas
dificuldades no estabelecimento das conversões requeridas. Ele também não
mostrou uma atitude de avaliação espontânea e crítica de suas próprias produ-
ções, realizando-as somente quando questionado pelo professor. O Estudante
C demonstrou um bom domínio das representações gráfica e da língua natural
escrita, mas revelou problemas específicos na conversão do gráfico para a
simbologia algébrica.
Os sujeitos de pesquisa já haviam estudado o conteúdo de função
logarítmica anteriormente. Apesar disso, notamos que eles apresentaram
certas dificuldades em lidar com uma abordagem diferenciada desse conteúdo,
principalmente o Estudante B. Desse modo, consideramos que o experimento
270 T. M. M. CAMPOS, M. KARRER e S. A. S. VICENTE

foi válido, pois acrescentou novas formas de se tratar o objeto matemático


em questão, evidenciando a necessidade de pesquisas que tratem de situa-
ções envolvendo esses tipos de conversão. Destaca-se, ainda, com base neste
estudo, a importância de ouvir as explicações dos estudantes, auxiliando-os
a representar seus pensamentos de forma coerente nos diversos registros
matemáticos. Na condução do experimento, o professor-pesquisador solicitou
uma explicação verbal da produção oferecida por cada aluno, a fim de avaliar
suas compreensões e de suscitar nos sujeitos um comportamento mais crítico
frente às suas produções. Foi constatado, frequentemente, que os estudantes
compreendiam determinada situação, mas demonstravam dificuldades em
representar suas compreensões no registro solicitado, ou seja, as produções
verbais eram frequentemente mais satisfatórias do que a escritas. Ainda, inter-
pretamos que várias dificuldades foram decorrentes da não congruência entre
as representações.
O software Winplot representou um ambiente favorável para questões
de comparação, dada a possibilidade de visualização simultânea do comporta-
mento de funções logarítmicas de diferentes bases. Além disso, essa ferramenta
proporcionou aos estudantes a exploração, em uma mesma tela, das represen-
tações algébrica, gráfica e numérico-tabular, favorecendo, em certos casos, a
atividade cognitiva de conversão entre esses registros. Como também consta-
tado por Foster (2006) e Gomes & Vicente (2008), essa ferramenta favoreceu
a verificação de conjecturas. Ainda assim o nosso estudo revelou a necessidade
de discussão de certas características e limitações do software, tendo em vista
que, em alguns momentos, a utilização acrítica dos dados apresentados na tela
culminou em compreensões equivocadas.
Diante do exposto, concluímos que a abordagem apresentada permitiu
tratar o objeto matemático “função logarítmica” sob o ponto de vista da
relação entre suas diversas representações, ressaltando a importância de se
propor situações que favoreçam ao estudante o estabelecimento de interpre-
tações e de análises escritas partindo de aspectos visuais. Ainda, o estudo
permitiu identificar as dificuldades provenientes da não congruência entre as
representações.
Função logarítmica: a utilização do software Winplot ... 271

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