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Há um aspecto que se destaca nesse debate: o suposto excesso de servidores públicos
no Brasil, circunstância que seria geradora de problemas econômicos. Cabe perguntar: há de
fato número maior de servidores do que seria o necessário? Outra questão, mais relevante:
existem mais servidores no Brasil do que em outros países considerados mais desenvolvidos
economicamente? A resposta é: não. A Tabela 1 compara o número de servidores públicos em
relação à população total, no Brasil e em diversos países europeus e da América do Norte,
sendo possível observar, com toda a clareza, que esse discurso não passa de “propaganda
enganosa” para denegrir a imagem do funcionalismo público. O objetivo é claro: levar a cabo
medidas que congelam a remuneração desses trabalhadores e reduzem seu efetivo a partir de
medidas ditas de “austeridade”.
Para o IPEA 1 , o governo brasileiro está longe de ser considerado um grande
empregador. Preliminarmente, convém lembrar que uma comparação internacional tem que
ser vista com cautela, pois os países têm diferenças significativas – uns são unitários, outros
fortemente descentralizados; há aqueles com funções público‐estatais avantajadas, enquanto
outros têm tradições menos estatizantes. De qualquer modo, feitas essas considerações, o
caso brasileiro aparece com destaque pela pequenez de uma relação importante: a do número
de servidores por habitante. A Tabela 1 foi elaborada apenas com dados de países que haviam
fornecido à OCDE informações consolidadas e com os critérios solicitados, em data a mais
próxima do ano 2000. Mesmo não cobrindo o período de tempo mais recente, no comparativo
internacional, não se pode acusar o governo federal de possuir uma estrutura de pessoal
despropositada, pois a relação servidor/habitante, a mais utilizada nas comparações
internacionais, coloca o país em situação muito abaixo da média mundial. E, como se pode ver,
essa situação não se alterou para o ano de 2010. Os Estados Unidos, país que exalta uma
presença pouco extensa do Estado, dispõem de um aparato estatal (governo central) bem
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TD 1319 ‐ Despesas Correntes da União: Visões, Omissões e Opções – janeiro de 2008.
maior (74%) do que o brasileiro em termos relativos à população, e com uma capacidade de
atuação muito mais intensiva e abrangente.
Tabela 1
Serv idores públicos em relação ao número de habitantes
países selecionados 2000
Servidores
Países População Servidores
Públi cos Adm
selecionados (1000 hab) /1000 hab
Central (1)
Alemanha 501.700 82.160 6,11
Áustria 169.003 8.110 20,84
Canadá 336.603 30.689 10,97
Coréia do Sul 563.682 47.962 11,75
Espanha 770.956 40.264 19,15
EUA 2.770.000 282.194 9,82
Finlândia (2) 125.481 5.176 24,24
França (3) 2.270.100 59.013 38,47
Hungria 277.894 10.211 27,22
Irlanda 207.926 3.790 54,86
México 835.007 98.658 8,46
Brasil (total ati vos da União) (4)
2000 964.798 172.540 5,59
2006 997.739 187.850 5,31
(5)
2010 1.095.685 192.300 5,70
Fonte:TD 1319 Despesas Correntes da União: Visões, Omissões e Opções 2008, IPEA
i n OCDE; IBGE; MPOG/RH Boletim Estatístico Pessoal. Elaboração: Disoc/IPEA.
Notas: (1) inclusive militares; (2) 1999; (3) 1998; (4) Inclusive empregados de empresas
públicas de economia mista; (5) Elaboração Anfip
Essa distorção relativa ao suposto excesso de servidores, propagada tantas vezes de
forma maldosa, uma vez que destituída de dados concretos que comprovem esse pretendido
excesso, acaba por prejudicar o país e a sua população, na medida em que, segundo o próprio
nome diz, o objetivo do serviço público é “servir” ao público, ou seja, servir à população,
indubitavelmente carente de assistência até mesmo em setores básicos, como educação,
saúde e segurança. Assim sendo, ao se anunciar como despropositada uma estrutura que está
longe de atingir o gigantismo que se noticia, sendo muitas vezes até mesmo raquítica em
proporção à demanda, pratica‐se um desserviço que se materializa com a estagnação em
segmentos carentes de investimento para sua expansão. Mais útil seria o debate que
proporcionasse uma visão realista (e imparcial) consubstanciada na necessidade de fazer um
balanço das carências existentes, para compensá‐las mediante maior equilibro na distribuição
desses servidores. Essa discussão, no entanto, é praticamente inexistente, o que resulta na
perpetuação de um simplório (e pernicioso) preconceito contra o serviço público.
E esse prejuízo – insista‐se – não se reflete apenas em relação ao povo, mas também
ao país, na medida em que a estrutura pública consistente e bem dimensionada, dotada de
servidores gabaritados, experientes e com formação profissional adequada, é requisito
indispensável para a inserção em âmbito internacional, numa época em que o amadorismo e o
empirismo não encontram mais espaço no concerto das grandes nações que efetivamente
queiram garantir seu lugar de destaque no chamado “mundo globalizado”.
Tabela 2
Depesa Anual de Pessoal da União 1995 a 2009
em R$ milhões correntes e em % do PIB
Despesas c/
Exercício PIB (b) (a/b) %
pessoal (a)
1995 37,89 705,64 5,37
1996 40,90 843,96 4,85
1997 44,53 939,15 4,74
1998 47,95 979,27 4,90
1999 51,57 1.064,99 4,84
2000 58,24 1.179,48 4,94
2001 65,45 1.302,14 5,03
2002 75,03 1.477,82 5,08
2003 78,97 1.699,95 4,65
2004 89,43 1.941,50 4,61
2005 100,28 2.147,24 4,67
2006 115,01 2.369,80 4,85
2007 126,88 2.661,34 4,77
2008 144,48 3.004,88 4,81
2009 166,20 3.143,01 5,29
Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional. Os dados f oram apurados pelo
critério de competência; PIB: Ipeadata. Elaboração Anf ip
Gráfico 1
Ademais, é importante lembrar que a natureza diferenciada do servidor público e dos
membros dos poderes frente aos trabalhadores do setor privado é traduzida numa relação
igualmente diferenciada da prestação laboral, com direitos e deveres distintos.
O setor privado tem assegurada a livre remuneração de seus trabalhadores e, muitas
vezes, participação e mecanismos de premiação. No setor público, a situação é bastante
diferente. A vinculação à legalidade, à impessoalidade e ao interesse público impõe restrições
a salários, gratificações, benefícios. Assim, historicamente, o direito à aposentadoria procura
reequilibrar essas limitações valorativas do trabalho. Não deve ser diferente, porque são
necessárias compensações para que a Administração Pública possa competir na seleção de
bons profissionais. Isto não é sinônimo de privilégio, mas a possibilidade de o setor público ter
um quadro de servidores capazes, que possibilitem a justa definição e execução de políticas e
de serviços públicos.
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Boletim da Auditoria da Dívida Cidadã, nº 20, março/2010.
Todos os que acreditam no papel estratégico do Estado no processo de
desenvolvimento sabem que este não poderá cumprir suas tarefas a contento se não possuir
um quadro de servidores permanentes, exclusivos, dedicados e estáveis no exercício de suas
diretrizes fundamentais, conforme determinação soberana da sociedade que o regula e à qual
ele se subordina.
Nas relações com os servidores públicos, as leis resguardam a administração,
determinando o alcance e o custo dos seus direitos. Em contraponto a essas restrições e
especificidades surgem legalmente outros direitos também diferenciados.
É preciso, antes de mais nada, considerar a questão da apropriação social do esforço
do trabalho desempenhado pelos servidores. E a sociedade, em busca de satisfações e com
demandas crescentes, autoriza, na forma da lei, custos correspondentes. O custo do serviço
público deve ser medido, portanto, pelo retorno social.
Quando se fala na opção por uma reforma, seja ela qual for, isso implica custos e
benefícios, e esses custos não podem recair exclusivamente no sentido de subtrair direitos
dos servidores.