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Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Curso de Jornalismo – 3º Período

Antropologia e Comunicação

Professor: José Márcio

Aluno: Frederico Machado

“99 não é 100”

Lixo Extraordinário registra o trabalho do artista Vik Muniz, brasileiro


radicado nos Estados Unidos, com os catadores de materiais
recicláveis do aterro sanitário de Jardim Gramacho, em Duque de
Caxias.

Muniz pode ser caracterizado como um artista que reproduz conceitos


já utilizados. Retrata os catadores do aterro, lembrando o a obra
fotográfica de Trabalhadores e Crianças do êxodo, ambos de
Sebastião Salgado, e utiliza esses retratos como matéria-prima da sua
grande realização artística no documentário. Assim como cansou de
fazer Neil Buchanan, criando imagens em larga escala a partir de
objetos do cotidiano.

Mas a grande cartada de Vik e o processo de produção do projeto.


Num estúdio com espaço suficiente, Vik e sua equipe orientam os
próprios catadores fotografados a reproduzirem suas imagens,
utilizando como material de trabalho o lixo que eles catam, reciclam e
disputam entre eles e os urubus, diariamente.

Durante o primeiro contato entre Vik e os catadores, nota-se que há


uma estranheza, uma desconfiança. Vik admite que esperava
encontrar um lugar sombrio, onde a felicidade estaria tão morta
quanto a esperança, natural de um lugar pobre e sujo. Já os catadores
não tem ideia do que aquele sujeito faz na maior lixeira do
continente.

Depois do primeiro contato, Vik vai se aproximando de determinados


trabalhadores e “catando” seus personagens catadores. Através da
sua arte, desconstrói a imagem que o lixo representava para os
catadores de Jardim Gramacho, e, reciprocamente, estes desconstrói
a imagem que Vik e os espectadores têm daquela gente suja e
miserável. Tal fato fica exemplificado na figura de Tião (citando
Nietzsche e Maquiavel), presidente da associação de catadores do
aterro, e uma espécie de Moisés no mar vermelho de dejetos.
Vik retira seus escolhidos do trabalho que realizam durante anos, lhes
mostra outra realidade. Os revela o verdadeiro olhar que se pode ter
daqueles materiais, que são rotulados como “não aproveitados”.

No preparo do estúdio para construir as obras, Vik e sua equipe


discutem sobre o cuidado que deveram ter com a mente dos
trabalhadores. Vik tanto pode atuar como um guia turístico, ao
conduzir Zumbi, Isis, Magna, Irmã, Suelem e Tião para uma nova
Terra, mas sempre lembrando que um dia terão que voltar pra casa,
ou então (o que é desejado pelo próprio) pode chacoalhar com a vida
deles, para consequentemente, melhorá-las.

No fim das contas Vik Muniz triunfa. Os catadores envolvidos na


concepção da obra conseguem imergir em outra vida. Assim como
Muniz, eles já não são as mesmas pessoas.

Apesar da importância das obras feitas pelos catadores, o objetivo


central do filme é contar as histórias de quem sobrevive no lixão. O
afunilamento daquele amontoado de trabalhadores revela o
personagem mais interessante do Filme, Walter.

Frequentando o lixão há décadas, Walter atua como José Bonifácio do


Aterro Imperial. Orgulhoso do que faz, Walter (assim como Tião) é a
voz de uma classe de trabalhadores que trabalham calados. É ele
quem dá um tapa de luva nos produtores de lixo, nós mesmos. É ele
(e se não for, ninguém mais poderá assumir esse papel) que
transforma o lixo visto para o lixo olhado.

Depois de ver Lixo Extraordinário, não é a arte que importa. A Arte de


Muniz é a ferramenta que tornou possível enxergar o lixo como uma
peça fundamental num processo tão desgastante e desumano. Agora
olhar para o Lixo nosso será um exercício de reflexão. Já não
podemos jogá-lo na lixeira sem lembrar-se do aterro sanitário de
Jardim Gramacho.
Belo Horizonte - 2011

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