Lixo Extraordinário registra o trabalho do artista Vik Muniz, brasileiro
radicado nos Estados Unidos, com os catadores de materiais recicláveis do aterro sanitário de Jardim Gramacho, em Duque de Caxias.
Muniz pode ser caracterizado como um artista que reproduz conceitos
já utilizados. Retrata os catadores do aterro, lembrando o a obra fotográfica de Trabalhadores e Crianças do êxodo, ambos de Sebastião Salgado, e utiliza esses retratos como matéria-prima da sua grande realização artística no documentário. Assim como cansou de fazer Neil Buchanan, criando imagens em larga escala a partir de objetos do cotidiano.
Mas a grande cartada de Vik e o processo de produção do projeto.
Num estúdio com espaço suficiente, Vik e sua equipe orientam os próprios catadores fotografados a reproduzirem suas imagens, utilizando como material de trabalho o lixo que eles catam, reciclam e disputam entre eles e os urubus, diariamente.
Durante o primeiro contato entre Vik e os catadores, nota-se que há
uma estranheza, uma desconfiança. Vik admite que esperava encontrar um lugar sombrio, onde a felicidade estaria tão morta quanto a esperança, natural de um lugar pobre e sujo. Já os catadores não tem ideia do que aquele sujeito faz na maior lixeira do continente.
Depois do primeiro contato, Vik vai se aproximando de determinados
trabalhadores e “catando” seus personagens catadores. Através da sua arte, desconstrói a imagem que o lixo representava para os catadores de Jardim Gramacho, e, reciprocamente, estes desconstrói a imagem que Vik e os espectadores têm daquela gente suja e miserável. Tal fato fica exemplificado na figura de Tião (citando Nietzsche e Maquiavel), presidente da associação de catadores do aterro, e uma espécie de Moisés no mar vermelho de dejetos. Vik retira seus escolhidos do trabalho que realizam durante anos, lhes mostra outra realidade. Os revela o verdadeiro olhar que se pode ter daqueles materiais, que são rotulados como “não aproveitados”.
No preparo do estúdio para construir as obras, Vik e sua equipe
discutem sobre o cuidado que deveram ter com a mente dos trabalhadores. Vik tanto pode atuar como um guia turístico, ao conduzir Zumbi, Isis, Magna, Irmã, Suelem e Tião para uma nova Terra, mas sempre lembrando que um dia terão que voltar pra casa, ou então (o que é desejado pelo próprio) pode chacoalhar com a vida deles, para consequentemente, melhorá-las.
No fim das contas Vik Muniz triunfa. Os catadores envolvidos na
concepção da obra conseguem imergir em outra vida. Assim como Muniz, eles já não são as mesmas pessoas.
Apesar da importância das obras feitas pelos catadores, o objetivo
central do filme é contar as histórias de quem sobrevive no lixão. O afunilamento daquele amontoado de trabalhadores revela o personagem mais interessante do Filme, Walter.
Frequentando o lixão há décadas, Walter atua como José Bonifácio do
Aterro Imperial. Orgulhoso do que faz, Walter (assim como Tião) é a voz de uma classe de trabalhadores que trabalham calados. É ele quem dá um tapa de luva nos produtores de lixo, nós mesmos. É ele (e se não for, ninguém mais poderá assumir esse papel) que transforma o lixo visto para o lixo olhado.
Depois de ver Lixo Extraordinário, não é a arte que importa. A Arte de
Muniz é a ferramenta que tornou possível enxergar o lixo como uma peça fundamental num processo tão desgastante e desumano. Agora olhar para o Lixo nosso será um exercício de reflexão. Já não podemos jogá-lo na lixeira sem lembrar-se do aterro sanitário de Jardim Gramacho. Belo Horizonte - 2011